Livro final

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R I E E

EdifĂ­cios centrais em desuso percursos

E C P I N T S



RECIPIENTES Edifícios Centrais em Desuso

percursos

raquel byrro vitória ramirez orientação: renata marquez



Agradecimentos Em primeiro lugar, agradecemos à Júlia Braga. Pela parceria desde o início do Projeto e apoio incontestável até aqui. Aos nossos amigos. Que colaboraram, com o companheirismo de sempre, em todos os momentos que precisamos e em todo trabalho suado que tivemos. À nossa orientadora Renata Marquez. Pela paciência, abertura e direcionamento durante esse percurso. Às nossas famílias. Por todo apoio e pela compreensão nos momentos de ausência. À Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis da UFMG, em especial ao pró-reitor Tarcísio Mauro Vago, por acreditar e apoiar o nosso Projeto. E a todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram ao longo desse trajeto.



“A primeira impressão que os vazios urbanos, inseridos na malha urbana das grandes cidades nos causam em nossos percursos cotidianos, é de um certo estranhamento. Em meio ao burburinho da cidade, ao fluxo intenso de pessoas que vem e que vão, esses terrenos são estranhamente silenciosos. Se alguns deles, ocupados por estruturas obsoletas, evocam tempos idos - quando irradiavam uma prosperidade que se acreditava não ter fim - outros, vacantes, marginais, provocam sentimentos ambíguos: ora nos despertam sonhos de novas estruturas urbanas, ora a sensação de que devemos evitá-los em nossos trajetos. (...) Produtos dos processos de urbanização, mas também da ausência de planejamento e de características específicas a cada um deles, os vazios urbanos são áreas da cidade que espacializam as contradições sociais e econômicas produzidas por essa época de lógicas neoliberais: desvitalizações, desterritorializações, e, sobretudo, deseconomias urbanas.” (Andréa de Lacerda Pessôa Borde, Percorrendo os vazios urbanos)

Seja pelas dinâmicas desiguais do mercado imobiliário, pelo crescimento acelerado das grandes cidades, pela falta de orçamento público ou pelo simples desinteresse dos agentes envolvidos, os vazios urbanos trazem consigo a contradição do espaço sem uso diante de contextos urbanos carentes de lugares para abrigar iniciativas cidadãs. Fenômenos presentes em diversas cidades do mundo, os edifícios vacantes contrastam com o tecido urbano pela falta de função social da propriedade, pela condição de insegurança que impõem e pelo desserviço à coletividade. E se houvesse um jeito de ocupar esses imóveis ociosos, dar a eles a visibilidade necessária e reintegrá-los à dinâmica da cidade como equipamentos públicos a serviço da sociedade? Foi movido por essa pergunta que o Projeto Recipientes se propôs a debater e investigar o tema dos vazios urbanos por meio de experimentações e ensaios.



o projeto pg. 7

feira de quintal pg. 11

mapeamento pg. 33

lambe-lambes pg. 39

estudos de caso pg. 51 squatting - caso holandês pg. 52 todo por la praxis pg. 58 vila itororó pg. 64 espaço luiz estrela pg. 71 casa de referência da mulher tina martins pg. 74

espaços de ausência pg. 79

depoimento bella gonçalves pg. 93

jornal pg. 103

glossário pg. 109

apontamentos pg. 122

referências pg. 124



O PROJETO


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q u e s t ã o d o s vaz io s no s g rande s ce nt ro s p er m e ia te m as co m p l exo s co m o a i m p l e m e ntação de p o l í ticas p ú bl ica s d e i nt e re s s e s o cial , o p reco ncei t o e d i s t a n ci a m ent o e m re l ação ao p atr im ô n i o , a e s p ecu l a çã o i m o bil iár ia, a ge s tão da cidade vel h a e d a ci d a d e co nt em p o rânea e dinâm icas de d es e nvo lv i m ent o u r b a no e da p ró p r ia s o ciedade . É d i ze r, a s s i m , q u e n ã o s e p o de de f inir u m ú nico res p o n s áve l p e l o co nt ex to de abando no e de s cas o d es s e s i m óvei s ; n e m m e s m o de l e g ar u m ú nico a ge nt e ca p a z d e s o l u ci o nar o p ro bl e m a. Fa zer va l e r a f u n çã o s o cial da p ro p r iedade , p rev i s t a n a C o n s t i t u i ção e no Es tatu to da Cidade , é a q u es t ã o ce nt ra l d a dis cu s s ão . A ide ia de de m o crat i z a çã o d o a ce s so à cidade é f u ndam e ntal p a ra a el a b o ra çã o d e p ol í ticas p ú bl icas de ge s tão u r b a n a q u e p e n s em o s l o te s vago s e im óve is vaz i o s co m o co r p o s i n ca b íve is no co ntex to atu al . É p reci s o , ent ã o , ent e n d ê -l o s co m o p o tê ncias qu e p o d em co nt r i b u i r p a ra u m a cidade m e l ho r e m ais j u s t a , e s p a ço s q u e recebam açõ e s nece s s ár ias à ci d a d e , p o d e n d o v i r a se r m o radia, equ ip am e nto s cu l t u ra i s , e s co l a s , centro s de ap o io , re s tau rant es p o p u l a re s . . . O P ro j et o Reci p i ente s bu s ca dar vis i bil idad e a es s e s i m óve i s a b ando nado s e de s o cu p ado s n a reg i ã o cent ra l d e Be l o Ho r izo nte p o r m e io de a çõ es -t es t e q u e q u es tio ne m s u as p re s e nças e s u a s au s ê n ci a s . A l o ca liz ação e s traté g ica de s s e s e s p a ço s , co m f a ci l i d a de de ace s s o a inf rae s tr u t u ra s e d i n â m i ca s u r b anas co ns o l idadas , to r na-o s l o ca i s co m p o t e n cial p ara abr ig ar atividade s e i n i ci at i va s q u e co nt ri bu am p ara a cr iação de n ova s v i vên ci a s co m o e nto r no e co m a cidade .

FAZER VALER A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE É A QUESTÃO CENTRAL DA DISCUSSÃO

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Enq uanto projeto exp er i m ent a l , a cred i t a m o s na p o s s i bil idad e de reati vação des s e s ed i f í ci o s e b u s ca m os m e io s de re s signif icá- l os atravé s d e a çõ es d i ret a s . A l i n ha de ação e co n s t r u çã o d es s e p ro j eto s e de u de fo rma livre e ex pe ri me nt a l : d i s cu t i m o s e co n h ece m o s o co ntex to dos edi f í c i os de socu p a d o s a o m es m o t em p o qu e real iz am o s algu mas i nte r ve n çõ es e o cu p a çõ es ; p es q u i s am o s a l e g is l ação vigent e , ao me s m o t em p o q u e a v i m o s n ã o f u ncio nar na p rát ica; o uv i m os gros s er i a s a o co nt at a r p ro p r i etár io s ao m e s m o t empo q ue e nte n de m o s e s s e em b at e co m o al go im p o r tante para fo m e ntar a mu d a n ça d es s e ce n á r i o . A i de i a de s te l i v ro é , ent ã o , reu n i r e s sas ex p e r iê ncias . Trazer n o s s o ol har p e s s o a l s o b re a s a çõ e s p ro p o s tas e co m o as pes q ui s as b i b l i o g rá f i ca s e co nve r s a s co m o u tro s age nte s envolvi do s i n f l ue nci a ra m e s s e o l h a r s o b re o abando no e a c idade . Bus cam os , aq u i , d i ze r q u e , em b o ra dif ícil , é p o s s íve l e é prec i so oc upar e s s es es p a ço s ; q u e s t i o n ar o cu m p r im e nt o d a f un ção s oc i a l d a p ro p r i ed a d e e recl a má-l o s e nqu anto eq u ipam e nto s de i nt eres s e co l et i vo .

recipiente adjetivo de dois gêneros 1. que recebe. 2. substantivo masculino vaso, caixa ou qualquer outro objeto que possa conter algo. Origem do Latim recipiens, 'entrar na posse de, recuperar, retomar, receber' 'o que recebe de novo, o que recupera', do verbo formado por re-, “de novo”, mais capere, “tomar, pegar”.

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FEIRA DE QUINTAL


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A “Feira de Quintal” foi um evento realizado em maio de 2016 como parte da disciplina de Projeto Flexível - Protótipos, orientada pelo professor Wellington Cançado (Low), na Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFMG. “Experimentar estratégias de investigação projetiva na convergência entre a arquitetura, o urbanismo e o design. Concebendo o projeto fundamentalmente como um método prospectivo (e não como uma lógica prescritiva), desenhar práticas, espaços e procedimentos de interesse público que incorporem processos colaborativos e formas de trabalho coletivas para prototipar empreendimentos auto-gestionados, tipologias solidárias, novas instituições, (infra)estruturas abertas, espaços públicos, economias arquitetônicas, comunidades criativas, urbanidades instantâneas, etc.” Wellingtom Cançado

Essa feira foi a primeira ação do Projeto Recipientes, que foi criado a partir do questionamento da quantidade de imóveis vagos na região central de BH e tinha como objetivo inicial dar visibilidade a esses edifícios a partir de um mapeamento colaborativo desses espaços e da elaboração de um protótipo de ocupação que visasse a integração desses com as dinâmicas locais. A conversa entre as duas partes, propositor e proprietário, seria a ferramenta para possibilitar essas ocupações, sendo negociadas entre ambos as condições e contrapartidas necessárias para obter a permissão de uso. Como o objetivo da disciplina era prototipar/testar/investigar as propostas desenvolvidas pelos grupos, iniciamos a tentativa de contato com os proprietários de alguns imóveis que, pela nossa própria vivência de cidade, sabíamos estar desocupados. Essa primeira etapa nos mostrou que a obtenção desses contatos era extremamente complicada pois não foi possível obter informa12


ções sobre os proprietários na prefeitura. A forma que encontramos para descobrir mais sobre esses imóveis e seus donos foi conversar com moradores e comerciantes dos arredores. Em uma dessas conversas fomos levadas até Seu Generoso, marceneiro de uns 70 anos que trabalha em uma oficina na Rua Sergipe e também cuida da casa que fica em frente ao seu local de trabalho. Desocupada há mais de 12 anos, a casa acabou virando uma extensão de seu ateliê e ele utiliza a frente do imóvel, que tem uma privilegiada vista para a rua, para exibir alguns de seus materiais para venda. Rua Sergipe, n° 84. Um endereço que já era conhecido por nós e provavelmente por qualquer pessoa que frenquente a região da Igreja da Boa Viagem. A casa é bem grande e chama atenção principalmente por estar ali, em meio aos prédios. Chamam atenção também as coisas que o Seu Generoso acumula ali, encostadas na fachada. Ele deixou que entrássemos para ver o espaço. A casa é bem grande, como se imagina quando a observamos da rua. São no total quinze cômodos. Porém, o que mais surpreende é o quintal imenso que fica atrás dela, um espaço raro numa área tão verticalizada. A situação em que o interior da casa se encontra assusta, principamente porque a imagem que temos dela, quando vista de fora, não transparece todo esse abandono. São anos de descaso que ruíram com grande parte do piso, forro, telhado, janelas... Seu Generoso é pago para garantir que ninguém invada o imóvel.

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Conseguimos com Seu Generoso o contato de um dos responsáveis pelo espaço, o Seu Luciano. Ligamos para ele logo no dia seguinte e marcamos um encontro no endereço onde mora, no Sion, para explicar melhor a proposta. Seu Luciano é advogado, também na faixa de seus 70 anos e foi bem educado ao nos receber. A reunião aconteceu em um espaço comum do seu prédio e, de início, Seu Luciano parecia um pouco desconfiado, por isso tivemos certa dificuldade em passar a ideia central da proposta. Durante a conversa, sem entender que se tratava de uma ação temporária, Seu Luciano nos disse que gostaria muito que a casa virasse um equipamento cultural do município, porém quando tentou negociar a venda desta com a prefeitura o valor oferecido havia sido muito abaixo do esperado. A casa, que é tombada, está em processo de inventário há muitos anos, no total são 11 herdeiros envolvidos. Construída em 1898, um ano após a fundação de Belo Horizonte, é um imóvel importante para a história da cidade, tendo sido morada de nomes importantes do governo de Minas Gerais. Antes de entrar em inventário, nela moravam 9 irmãs, nenhuma delas casou ou teve filhos e por isso a casa ficou para os sobrinhos. O espólio está no nome de Lygia de Souza Ramos, última das irmãs a falecer. Seu Luciano, que é um desses sobrinhos, nos contou sobre sua vivência no local quando jovem e demonstrou nutrir grande afeto pela casa. Ele nos contou também que, ao não receber uma proposta satisfatória pela casa por parte da prefeitura, contrataram um arquiteto para realizar o projeto de um edifício residencial na parte de trás do terreno. Este já está aprovado pelo CDCPM-BH (Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município de Belo Horizonte) desde 2014. Segundo ele, já teriam dado início ao projeto caso o processo de inventário já estivesse concluído. Seu Luciano então pegou uma pasta com alguns desenhos do projeto e, vendo nosso interesse em entender mais sobre ele, sugeriu que conversássemos com o arquiteto responsável, Júlio Cesar 16


Felipe Lage. Aceitamos a sugestão, tanto pelo interesse no projeto quanto por acreditar que o arquiteto pudesse ter uma melhor compreensão de nossa proposta e, assim, nos ajudasse a convencer Seu Luciano a nos ceder o espaço. Conseguimos marcar uma conversa com Júlio alguns dias depois. O arquiteto também nos recebeu em uma área comum do condomínio onde mora, na Rua Sergipe, dois quateirões acima da casa. Júlio, também um senhor de idade, nos mostrou mais detalhes do projeto. É um edifício de 19 andares, sendo 6 deles e o subsolo dedicados a vagas de estacionamento, que seria construído atrás da casa, respeitando o afastamento mínimo necessário do edifício tombado. Segundo Júlio não ficou completamente decidido quais usos a casa vai abrigar, mas provavelmente seria uma área comum para os moradores do edifício. O projeto reflete o que vem sendo feito com muitos dos imóveis tombados na cidade, enxergados como um empecilho para o adensamento: são mantidos no terreno por exigência, porém sem nenhuma integração real com a nova proposta de uso. Durante a conversa com Júlio, após explicarmos nossa proposta, fomos questionadas sobre os tipos de ação que realizaríamos durante a ocupação. Já havíamos pensado a respeito e a ideia de organizarmos uma feira era, até então, a possibilidade que nos pareceu mais palpável, tanto pelo tempo disponível quanto pelo espaço. Ao mencionarmos isso, Júlio não se opôs, porém ressaltou que deveríamos ter um projeto definido, bem estruturado, para “não ser como essa feirinha que anda acontecendo na Escola de Arquitetura”. Segundo ele o ideal seria que projetássemos estandes padronizados para os participantes, para “não virar bagunça”. Concordamos com tudo, pedimos para que ele, por gentileza, nos enviasse os arquivos referentes à edificação para que assim pudéssemos estruturar melhor nossa proposta e fomos embora (com nossas opiniões pessoais sobre a feira da Escola de Arquitetura entaladas na garganta). Júlio nos enviou a apresentação feita para a aprovação pelo CDCPM-BH, com plantas, elevações e imagens do projeto. Após uma pesquisa no Diário Oficial do Município descobrimos que em um primeiro momento o projeto foi negado pelo Conselho, exigindo algumas adequações e negando a permissão para demolir dois anexos construídos à casa, um em 1898 e outro em 1945, mas após reformulação foi aprovado com algumas ressalvas. 17


Deliberações feitas pela CDCPM-BH - Secretaria Municipal de Governo - CDPCM Secretaria Municipal de Governo - CDPCM ATA DA 245ª REUNIÃO ORDINÁRIA REALIZADA EM 17 DE SETEMBRO DE 2014 Apreciação e deliberação de projeto de nova edificação em imóvel tombado situado na Rua Sergipe, 84 (lote 007A, quarteirão 027, 04ª seção urbana), pertencente ao Conjunto Urbano Praça da Boa Viagem e Adjacências, com relatoria da conselheira Maria Edwiges Sobreira Leal. O arquiteto responsável fez a apresentação da proposta. Em seguida, a conselheira-relatora fez a leitura do parecer, que concluiu: “O proponente não apresentou projeto de adequação e restauração do bem tombado, objeto de interesse deste Conselho, portanto consideramos insuficiente o material para análise desta relatoria. Seguindo as diretrizes e considerações acima expostas, sugiro a reapresentação de nova proposta com o apoio e orientação da DIPC, inclusive com a necessidade de detalhamento mínimo dos desenhos.” Terminada a leitura do parecer, o presidente colocou o assunto em discussão. O diretor da DIPC Carlos Henrique Bicalho pediu a palavra para fazer uma correção em memória da Dona Lígia, antiga proprietária do bem tombado, que solicitou o tombamento da casa não por causa da isenção do IPTU e sim pelo fato de ela possuir a consciência da importância do imóvel no cenário da fundação da cidade, além da casa ter abrigado sua família a vida inteira. Relatou que, durante a produção do dossiê de tombamento, ela passava horas contando a história da família e da casa. Informou que, por meio de algumas fotos antigas apresentadas pela Dona Lígia, foi possível constatar que as paredes internas possuíam ornamentação pictórica e a supressão dessas paredes implicariam a perda dessa arte aplicada. Ponderou que o entendimento da DIPC era que tanto o projeto de 1898 quanto o acréscimo de 1940 contavam a história da família e se constituíam uma preciosidade para a cidade, mesmo tendo ocorrido alteração nas suas características estilísticas. A conselheira-relatora ponderou que na proposta apresentada faltavam dados para análise, não contendo nenhum desenho da casa, da sua preservação, nenhum estudo. Toda informação da casa estava no dossiê de tombamento. Assim como o diretor de Patrimônio Carlos Henrique Bicalho ressaltou que a intervenção era o “hóspede” do bem tombado, que não era ele quem deveria se adequar à intervenção e sim o contrário, a intervenção tinha que passar incólume, invisível ao bem tombado. Concluiu dizendo que existiam artifícios para valorizar a casa e que o material apresentado não elucidava suficientemente a questão para uma análise mais consistente. A conselheira Michele Abreu Arroyo ponderou que o Conselho deveria definir se era possível admitir a altimetria proposta para o lote e, por parte do empreendedor, se a não demolição dos anexos inviabilizaria o projeto, pois de outra forma não justificaria solicitar a complementação da proposta. O conselheiro Leonardo Amaral Castro ponderou que para o Conselho deliberar adequadamente sobre uma proposta de nova construção que interfiriria em bem tombado, 18


o projeto deveria demonstrar plenamente se haveria ganho, tanto para a cidade quanto para a manutenção do bem protegido. No caso em questão, isso não ficou muito claro, pois faltaram elementos para uma análise mais detalhada. Terminada a discussão, o presidente colocou o assunto em votação que, acompanhando o parecer da conselheira-relatora, deliberou, por unanimidade, pela não aprovação da proposta apresentada, sugerindo reapresentação de nova proposta com o detalhamento mínimo dos desenhos, sobre a orientação da equipe técnica da Diretoria de Patrimônio Cultural. O Conselho ressaltou a impossibilidade de demolição dos anexos construídos em 1898 e 1945. Setembro de 2014 Deliberação n.º 111/2014 Apreciação e deliberação de projeto de nova edificação em imóvel tombado situado na Rua Sergipe, 84 (lote 007A, quarteirão 027, 04ª seção urbana), pertencente ao Conjunto Urbano Praça da Boa Viagem e Adjacências. Relatora: Maria Edwiges Sobreira Leal. - Deliberou pela não aprovação da proposta apresentada, sugerindo reapresentação de nova proposta com o detalhamento mínimo dos desenhos, sob orientação da equipe técnica da Diretoria de Patrimônio Cultural. O Conselho ressaltou a impossibilidade de demolição dos anexos construídos em 1898 e 1945. Novembro de 2014 Deliberação n.º 150/2014 Apreciação e deliberação de projeto de nova edificação em lote de imóvel tombado situado na Rua Sergipe, 84 (lote 007A, quarteirão 027, 04ª seção urbana), pertencente ao Conjunto Urbano Praça da Boa Viagem e Adjacências. Relatora: Maria Edwiges Sobreira Leal; - Deliberou pela aprovação do projeto apresentado, condicionado a: 1) não utilização de vidros reflexivos ou espelhados na fachada do novo empreendimento, pois impactaria negativamente no entorno; 2) apresentação de projeto detalhado de restauração a ser aprovado pelo Conselho quando da intervenção no imóvel tombado; 3) que as esquadrias do bem tombado sejam pintadas em tom mais escuro que o pano da fachada, mais condizente com o estilo da edificação. Um estudo prospectivo e histórico poderá elucidar e orientar a decisão final; 4) a calçada do bem tombado deverá ser mantida e adequada aos padrões da PBH, considerando a existência das lajes de pedra, tombadas em toda a cidade; 5) correção dos equívocos encontrados no projetado apresentado em relação ao gradil de acesso a veículos. Deliberou, também, pela realização de contrapartida pelo interessado, por meio de cooperação no âmbito do Programa Adote um Bem Cultural, a ser definida posteriormente. 19


Imagens do projeto cedidas pelo arquiteto responsĂĄvel, JĂşlio Cesar Felipe Lage

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Marcamos uma segunda reunião com Seu Luciano, dessa vez com o projeto da ocupação detalhado, listando todas as atividades e mostrando em planta a setorização dessas. Inicialmente tínhamos pensado em ocupar as áreas externas e a sala, que se acessa logo ao entrar na casa, o único cômodo que avaliamos ter condição de ser utilizado. A parte externa abrigaria os feirantes e na sala teríamos uma pequena exposição com fotos e um pouco da história da casa. Propusemos que o evento acontecesse em um domingo, para aproveitar o movimento criado pela missa na Igreja da Boa Viagem e pela Feira Hippie na Av. Afonso Pena, que fica a dois quarteirões da casa. Durante a conversa, apesar de, dessa vez, ter compreendido a nossa proposta, Seu Luciano foi criando alguns empecilhos. Disse que o terreno e os jardins precisariam ser capinados, pois há algum tempo estavam sem cuidados, e isso custaria muito caro. Rebatemos dizendo que faríamos um mutirão e deixaríamos tudo em condições de receber o evento. Falou também sobre os objetos que Seu Generoso acumula na frente da casa e o espaço que ele costuma utilizar para realizar alguns serviços e deixamos claro que tudo seria conversado para que ele estivesse de acordo. Porém sua maior ressalva era quanto ao acesso de pessoas dentro da casa, não só pelo risco que essas poderiam correr mas também pela exposição da situação em que essa se encontra. Percebemos que ele não estava disposto a ceder por esse último ponto, então sugerimos que fosse feita somente a feira, utilizando apenas a parte externa da casa, e nos comprometemos a manter o imóvel trancado, com a chave em posse do Seu Generoso durante a realização do evento. Conseguimos a permissão. O próximo passo foi conversar com Seu Generoso sobre o que iria acontecer e tentar convencê-lo a nos deixar retirar seus objetos da frente da casa por 4 dias. A notícia não foi muito bem recebida. De pronto, ele ligou para Seu Luciano para garantir que realmente tínhamos essa autorização, o que era esperado. Explicamos o que precisaríamos fazer e, depois de muito duvidar da nossa capacidade para ajeitar o lugar, permitiu que guardássemos 22


as coisas dele dentro da sala de entrada da casa na quinta-feira e então devolvêssemos tudo para o mesmo lugar na segunda. Resolvida essa questão iniciamos os contatos, através de redes sociais, com possíveis expositores e outras pessoas que tivessem interesse em participar. Nesse momento contamos com a ajuda de Thiago Flores e Ceci Nery, idealizadores da “Feira de Tudo” que acontece na Escola de Arquitetura toda segunda sexta-feira do mês (aquela criticada pelo Júlio), que nos passaram algumas dicas e contatos. No total foram confirmados 20 feirantes. Alguns dias antes do evento fomos procuradas pela Tati Lena, a atriz, parte do grupo teatral "Companhia Efêmera" (SP), que se identificou com o projeto e se ofereceu para performar uma de suas peças, um monólogo de curta duração chamado "Café?". Além disso alguns amigos se disponibilizaram para compor uma roda de samba durante a tarde. Quinta-feira iniciamos o mutirão de organização e limpeza. O trabalho foi pesado e cansativo, mas contamos com a ajuda de alguns amigos muito queridos (Lourenço, Henrique, Laís, Wanderson, Tânia, Ana, Elisa, Matheus, João Pedro, Amanda...MUITO OBRIGADA!). No sábado finalizamos a limpeza e produzimos alguns itens decorativos. Sábado choveu, muito. Terminamos a arrumação embalados em sacos de lixo. A previsão para domingo também era de chuva. Tentamos pensar em uma solução para caso não parasse de chover, mas não tinha mais o que fazer, era esperar e torcer pelo melhor.

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Domingo amanheceu meio nublado, mas sem chuva. A Feira estava marcada para acontecer das 9:30 às 16:00, mas combinamos com os expositores de chegarem às 9 horas. Um pouco antes das 9:30 o céu abriu e assim permaneceu durante o dia todo. A coisa começou meio tímida, o movimento na rua não era grande e os poucos passantes paravam, olhavam curiosos para dentro dos portões da casa, mas não entravam. Lá pelas 11:00 a feira começou a ficar movimentada. Muitos amigos, conhecidos nossos e dos expositores, pessoas que vieram pela divulgação do evento na Internet... E percebemos que, assim que o local ficou cheio de pessoas, quem passava por ali desavisado ficava mais propenso a entrar. E o que nos deixou mais realizadas foi isso, ver moradores do entorno felizes em poder visitar pela primeira vez aquele espaço que sempre fez parte de seus cotidianos. Recebemos também a visita do Seu Luciano, que foi ao evento junto com alguns familiares e pareceu estar contente com a movimentação, contando histórias sobre a casa a quem mostrasse interesse. A experiência foi positiva e nos deixou com um sentimento de “é possível”. A partir disso resolvemos dar continuidade ao projeto e o inscrevemos em um edital da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) para tentar verba para executarmos outras ações. Fomos contempladas, o que nos deu ainda mais ânimo para continuar tratando sobre essa questão e propondo espaços de provocação e discussão. Resolvemos então aliar essa continuidade com o nosso Trabalho de Conclusão de Curso, para que houvesse tempo e a orientação necessária para explorar mais essa questão.

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MAPEAMENTO


H

á m u i t o te m p o , p e s qu is ado re s , a rq u i t et o s , u r banis tas e s o ciedad e d i s cu t e m o co nce i to de e s p aço va z i o e/ou o cio s o no m e io u r bano co n s o l i d a d o . M u i t a s veze s e s qu ecido s p e l as p o l í t i ca s d e ge s t ã o u r b a na e s o b a ação do te m p o e d o d e s ca s o , e s s es es p aço s e m de s u s o acabam i m p ro d u t i vo s e e m co n dição de inde f inição e im p rev i s i b i l i d a d e q u a nt o ao f u tu ro . D e s s a m ane ira, t o r n a m -s e el e m e nt o s pato l ó g ico s p ara as cidad es , n ã o a co m p a n h a n do s e u de s e nvo lvim e nto e ro m p e n d o co m o t eci d o u r bano . O m ap eam e nto d o s i m óvei s a b a n d o n a d o s e e m de s u s o no hip e rcent ro d e BH fo i fe i t o s o b a ide ia de qu e e s s e s e s p a ço s , a l ém d e s erem p ar te da cidade , s ão l o ca i s co m p o t en ci a l i d a d e p ara rece be re m iniciat i va s cu l t u ra i s e s o ci a is im p o r tante s . Cada u m d es s e s 46 ed i f í ci o s l eva ntado s , p ú bl ico s e p r ivad o s , s ã o p o t ê n ci a s , o p o r tu nidade s de m u dança q u e n ã o p o d em s e r d e scar tadas . Prova de qu e é p o s s í ve l d evo lver es s e s e s p aço s à dinâm ica u r ban a s ã o a s o cu p a çõ e s q ue s u rge m e g anham cada vez m a i s fo rça . U m a d a s b a s e s p a ra e s te m ap eam e nto fo i o t ra b a l h o “ E mBreveA q u i”, do G r u p o Indis cip l inar d a E s co l a d e A rq u i t et u ra e U r banis m o da U FMG. O p ro j et o b u s ca i d ent if icar o s vaz io s da Re g ião Met ro p o l i t a n a d e B el o Ho r izo nte a f im de o cu p á -l o s co m p ro j et o s s o ciais , cu l tu rais e de l aze r. To d o o l eva nt a m e nt o do g r u p o é dis p o ni bil iz ado e m p l at a fo r m a o n l i n e e co l abo rativa. Paral e l am ent e , n o s d i a s 3 e 24 d e s ete m bro de 2016, p ar-

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t ic ipamo s de do i s “ Ro l e z i n h o d a f u n çã o s o cial ”, o rg aniz ado s p elas Bri gadas Po p u l a res . O o b j et i vo d o s eve nto s e ra reco nhecer i m óve i s vaz i o s e m u m p ercu r s o p el o baixo Ce ntro e colabo rar com a pl at a fo r m a d e s envo lv i d a p e l o g r u p o de p e s q u isa In di sc i pl i n ar. O P rojeto Rec i p i e nt es , q u a n d o a i n d a v i ncu l ado à m até r ia Pro tó ti po s , e l ab o ro u u m s i t e co m es t e l evantam e nto do s imóvei s vazi o s , com reco r t e n a re g i ã o central , s u bdividind o-os q uanto ao s e u ca rát er p ú b l i co o u p r i vado . Al é m dis s o , u ma breve de sc ri çã o , co m u s o o r i g i n a l e s i t u ação atu al , fo i d isp on i b i l i zada junt o a u m a fo t o d o e s p a ço . O s i te tam bé m reu nía i n fo rm açõ e s s o b re a “ Fe i ra d e Q u i ntal ” e s o bre o u t ros projeto s co m p ro p o s t a s s i m i l a res o u co m p l e m e ntare s ao nosso. Por f i m , hav i a es p a ço p a ra q u e o P roj eto Recip ie nte s func ion ass e co m o i nt er m ed i á r i o ent re p o s s í ve is inte re s s ado s em cede r um e spaço e p ro j et o s i n d e p e n d e nte s e m bu s ca de u m lugar para acont ecer. A i d e i a i n i ci a l era a de qu e , co m a c r iação de um a pl at a fo r m a o n l i n e, fo s s e p o s s íve l al cançar u m nú mero mai or de p e s s o a s e , a s s i m , d i v u l g a r o Pro j eto Recip ient e s ; al é m de t o r n á -l o u m i nt e r m ed i a d or no s p ro ce s s o s d e oc upação. D e po i s d e re f l et i r m a i s s o b re o as s u nto , co nc lu ímos q ue e s s e ti p o d e s u p o r t e t em , n a ve rdade , s e u al cance lim i tado a um p ú b l i co m a i s j ove m e, at é m e s m o , p róx im o ao nos s o c i c l o soc ia l , s e n d o d i f í ci l a l ca n ça r o s p ro p r ietár io s d os im óve i s . A l é m d i s s o , é u m m ei o q u e n ã o s e m anté m e nq u ant o ún i ca fo rm a d e d i v u l g a çã o e co nt ato , u m a ve z qu e as visi tas reduze m co m o t em p o . Di fe re nt e do Face bo o k, no q u al o s ace ss os , v i s u a l i z a çõ es e cu r t i d a s s ã o m ais f requ e nte s e t ende m a aum e nt a r q u a n d o m ov i m ent a m o s a p ág ina co m p ost age n s e eve nto s , o s i t e m o s t ro u -s e u m a fe r ram e nta l im it ada t a nto graf i cam e nt e q u a nt o em re l a çã o ao s e u al cance e p op ulari dade .

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O levantamento dos imóveis e ocupações se deu entre abril de 2015 e junho de 2017 e foi feito por meio de observações e vivencias pessoais, o que o torna impreciso. Também, por ser um cenário em constante mudança, é possível que alguns dos edifícios listados estejam ocupados atualmente ou, ainda, que existam mais imóveis abandonados e em desuso na região central que não constam aqui. ace sse o mapeamento n o si te: ht t p://pro jeto recipientes.w i xsi te. com/rec i pi entes

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LEGENDA Edifícios privados (34) Edifícios públicos (11) Ocupações (6) (4)

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LAMBE-LAMBES 39


L

ogo quando começamos a formular quais seriam as ações do Projeto Recipientes, ainda dentro da disciplina Protótipos, pensamos em aliar o mapeamento dos imóveis com in-

tervenções em suas fachadas, marcando esses edifícios como forma de chamar atenção para a condição de abandono em que se encontram. Optamos, então, por intervir nesses lugares por meio da colagem de lambe-lambes. Esses cartazes tem origem na propaganda de rua e foram absorvidos pela arte urbana como forma de protesto e manifestação estética. A escolha se deu principalmente pelo alcance permitido por essa plata-

“EU NÃO FAÇO BARULHO, NÃO TENHO CHEIRO. ENTÃO O QUE DIZ QUE EU ESTOU LÁ?”

forma e pela facilidade e rapidez do processo, possibilitando fazer essa “marca” em mais lugares e, assim, reforçar a existência desses espaços vazios. Foram vários testes e alternativas criadas até chegar em uma opção que fosse visualmente alinhada com a mensagem que buscávamos passar. Escolhemos uma linguagem simples e direta, com

uma identidade visual já conhecida e incorporada, típica do mercado imobiliário; tendo também como referência o trabalho da artista plástica americana Barbara Kruger. Foram utilizadas as cores preta e vermelha,

(ARCHIGRAM, 1968)

fontes sem serifa em caixa alta e palavras de impacto. Criamos dois tipos de lambes: um maior e mais chamativo, que carimba o vazio e denuncia o abandono; e outros menores que sugerem alguns possíveis usos a esses imóveis. A partir do nosso mapeamento inicial, selecionamos edifícios com maior visibilidade e fluxo de pessoas para colar os primeiros lambe-lambes, todos localizados no hipercentro de BH. A primeira colagem foi em uma tarde durante a semana para que o movimento de um dia comum, além

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de nos passar uma sensação maior de segurança, contribuisse para o alcance da ação e o registro fotográfico das reações das pessoas. Acompanhadas da amiga Júlia Braga, fizemos todo o percurso a pé e a simples presença de três mulheres frente aos edifícios já criavam um estranhamento e desconfiança de quem passava. Enquanto colávamos, as pessoas liam os escritos no lambe e analisavam o imóvel em questão, talvez para entender o que fazíamos alí e especular sobre os possíveis sentidos daquela ação. Algumas atravessaram a rua para vir ao encontro dos escritos no lambe-lambe e sanar a curiosidade; outras, um pouco mais apressadas, olhavam rapidamente e seguiam. Em um dos momentos, quando colávamos os cartazes na fachada de um imóvel pertencente à Santa Casa, na Rua Guaicurus, um senhor - que parecia trabalhar no comércio que ocupa parte do primeiro andar do imóvel - nos abordou mandando parar a intervenção e retirar os lambes, afirmando que a Santa Casa tinha projetos para o espaço como um todo. Ele próprio se encarregou de arrancar os lambes e vigiar para que não colássemos mais. Saímos uma segunda vez para marcar os edifícios, agora, pela noite. Pela insegurança de irmos sozinhas e em colaboração mútua com o projeto de nosso amigo Matheus, juntamo-nos a ele e a outro amigo, Lourenço, e fomos de carro pelo percurso delimitado. A experiência se mostrou muito diferente. A postura de vigília e o medo dos possíveis imprevistos foi ainda maior. Começamos às 21 horas de uma quarta feira e, ao terminar, às 00:30 horas, a cidade já havia se recolhido e as ruas estavam quase vazias. Carro parado com pisca-alerta ligado, o amigo encarregado de observar o entorno enquanto os outros dois colavam os lambes o mais rápido que podiam. Pelo horário, com os comércios já fechados e poucas pessoas nas ruas, a interatividade e curiosidade imediata, percebida na primeira experiência, foi menos presente desta vez. Os poucos que se aproximavam para ler o cartaz, só o faziam quando nós nos afastávamos para ir embora. Os registros fotográficos também foram menores e a qualidade das próprias fotos, comprometida pela pouca luz. 41


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As duas experiências foram muito importantes para a divulgação e transmissão da ideia que propõe o Projeto Recipientes desde o início. A ação de ir às ruas, intervir com mensagens e questionamentos colados nas fachadas dos nossos locais de estudo nos aproximou da relação existente entre os passantes e esses edifícios. Como um projeto experimental desde sempre, essa experiência da rua - com a ajuda de uma plataforma das artes urbanas - injetou ânimo e ainda mais vontade de questionar esses espaços em desuso. Isso porque, só a partir dessa experiência, percebemo-nos em situações como a de colar um lambe-lambe que sugere o uso como moradia para um imóvel enquanto a calçada ao lado abriga moradores de rua sob uma estrutura improvisada de papelão. É inquestionável o que a vivência da rua agrega e o que a ação dos lambe-lambes contribuiu para nossa perspectiva sobre o tema dos vazios e da cidade. O cineasta, dramaturgo, fotógrafo e produtor alemão Wim Wenders afirmou que, no mundo moderno, perdemos a nossa capacidade em enxergar o invisível. A questão é: será que não chegamos ao ponto de não enxergar, até mesmo, o visível? Nesse sentido, pensamos o lambe maior como um exercício de retomada do entendimento desses imóveis vazios como parte da cidade, recuperando a capacidade dos passantes em enxergar o visível. Ao mesmo tempo, o lambe menor seria o exercício de reascender um imaginário coletivo capaz de visualizar os possíveis usos que esses imóveis poderiam ter, recuperando a disposição desses mesmos passantes de enxergar o invisível através da imaginação. A discussão sobre ausência e presença e a nossa percepção sobre elas é um ponto chave quando pensamos a intervenção visual proposta pelos lambe-lambes. De forma mais imediata, a ausência denunciada pelos cartazes manifesta-se na simples falta de uso desses espaços: são antigos casarões, prédios embargados, casas tombadas pelo Patrimônio que funcionam como vestígios de uma época inicial da ocupação da cidade, remanescentes de outros tipos de apropriação do espaço e uso do solo ou frutos de descumprimento da legislação municipal. Outra maneira de entender o papel dos lambes é que podemos pensá-los como um instrumento de resgate, um carimbo do vazio capaz de recuperar a presença desses imóveis no olhar - e memória - de quem passa. É o entendimento de resgate a partir da ideia de rastro proposta por Paolo Rossi (2010) em seu livro “O passado, a memória, o esquecimento: seis ensaios da história das idéias”: os lambe-lambes reevocam a presença desses imóveis na percepção e mente dos passantes, que ressignificam aquele espaço e seu papel na cidade. 43


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ESTUDOS DE CASO


SQUATTING A o cu p a çã o d e ed i f ício s vaz io s co m o o bj e t i vo d e s at i s f a zer u m a de m anda p o r m o radia o u p a ra d es e nvo lve r at i v i d ade s s o ciais , eco nô m icas o u cu l t u ra i s é u m a p rática m u i to dif u ndida p e l a Eu ro p a d es d e o f i n a l d a década de 60. Es s e m ovim e nt o , d e n o m i n a d o squat ting , nas ce u e p e r m an ece co m o fo r m a d e q u e s tio nam e nto e re s is tê nci a a o s p o d e re s i n s t i t u cio nal iz ado s e a l ó g ica do m e rca d o i m o b i l i á r i o . E s s a p rática de o cu p ação g a n h o u fo rça e o rg a n iz ação co m o p as s ar do s a n o s , exi s t i n d o h o j e rede s de co l abo ração e div u l g a çã o d a s a çõ es co m al cance inte r nacio nal , co m o o co l et i vo SqEK (Squ at ting Eu ro p e Ko l l ect i ve) . O t i p o d e p ro p r i et á r io e a du ração da vacânci a d o s ed i f í ci o s es co l h ido s p ara e s s as o cu p açõ e s va r i a m , a s s i m co m o s eu s o bj etivo s e dinâm icas . A co n d i çã o i m p o r t a nt e é a ex is tê ncia de edif ício s q u e p o d e m s e r o cu p a do s im ediatam e nte o u ne ce s s i t em a p e n a s d e p equ e nas o bras p ara p o s s ib i l i t a r s u a rea b i t a çã o . Squat ters te nde m a f aze r u m a i nve s t i g a çã o s é r i a s o bre a s i tu ação j u r ídica e eco n ô m i ca d o s l o ca i s qu e ap are ntam e s tar e m d es u s o e, f req u e nt em ente , u til iz am o s viz inho s co m o fo nt e d e i n fo r m a ção . As p ro p o rçõ e s m ais e l eva d a s d e va g a s co r re l acio nam -s e co m vár io s f at o re s p a ra a l é m d o s de s e j o s do s ativis tas : cr is e eco n ô m i ca , red u çã o d o p arqu e habi tacio nal de a l u g u el , p r i vat i z a çã o de antig as cas as p ú bl icas , m u d a n ça s d e u s o , p ro ce s s o s de re novação u r ban a , et c. C o m o t o d a a çã o q ue bu s ca inte r fe r ir na e s t r u t u ra s o ci a l v i ge nt e, e s s e p ro ce s s o de ap ro p r i a çã o n ã o o co r re s e m co nf l i to s , p e l o co ntrá-

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r io. O squat ting q u a s e s em p re é , e m u m p r im e iro m o m e nto , um at o i l e gal , m e s m o q u e s e u p ro p ó s i t o s e j a s im p l e s m e nte prop orc i on ar um e s p a ço d e m o ra d i a . E m m u i to s p aís e s a o cu pação de um i m óve l é co n s i d e ra d a u m cr i me ; e m o u tro s , é vist o a pe n as com o u m co n f l i t o ci v i l ent re o pro p r ietár io e o s oc u pante s. A l e i d e p ro p r i ed a d e e o e s t a d o , qu e e m teo r ia dever i am pri o ri zar o b em -es t a r s o ci a l , t e n d e m a f avo rece r a t radi c i on al re l açã o p ro p r i et á r i o -p ro p r i edade . D e aco rdo com Ke si a Reeve , p e s q u i s a d o ra i n g l es a n a área de m o radia, "o squat ting e stá ge ra l m e nt e excl u í d o d o de bate p o l í tico e acad êm i co e raram ent e é co n cei t u a d o co mo u m p ro bl e m a, como um si ntom a, o u co m o u m m ov i m ent o s o cial o u de habi t ação”. (S q uat ti ng s i n ce 19 4 5 : T h e e n d u r ing re l evance of mat er i al n eed, 2 0 0 5 ) Es s as o c upações u r b a n a s d eve m s e r v i s t as co m o u m a bo a alt er nati va às re l a çõ e s ca p i t a l i s t a s p o rq u e , ap e s ar de ne m semp re s e re m prát i ca s efet i va s n a s m u d a n ças de p o l í ticas imobil i ári as e de pro d u çã o d o es p a ço , p ro p o rcio nam e s p aço s acessíve i s para mo ra d i a , p a ra fo m ent o d a v i da p o l í tica e p ara o dese nvo lv i m e nto cu l t u ra l . A g ra n d e m a i o r i a de s s e s e s p aço s oc upado s se re l ac i o n a d i ret a m ent e co m o s mo rado re s l o cais ou ofe rece m e s paço s p a ra p es s o a s m a rg i n a l i z adas da vida u rbana, n um e s fo rço co l et i vo p a ra cu m p r i r o dire i to à cidade . É u m m ov i m e nto ur b a n o n o q u a l exi s t e u m a e s tre i ta l ig ação ent re u m a gama de at i v i d a d es p o l í t i ca s (re u niõ e s , m anife s tações, a çõ e s di retas , ca m p a n h a s , et c. ) e u m de s e nvo lvim e nto prát ico da autoge st ã o co l et i va em d i ver s a s d im e ns õ e s da vida cot idian a. E ss as ocu p a çõ es d eve m s e r reco n hecidas e ap o iadas p e l o q ue são : ce nt ro s s o ci a i s co m i nt en s a e dive r s a atividade co m un i tári a. E s t a s i n cl u em a rea b i l i t a ção de edif ício s , a p ar ti l ha de al i me nt o s e recu r s o s , a ét i ca do do-i t-yourself e da ajuda mútua, a p ro m o çã o d e exp res s õ es co ntracu l tu rais e idea i s radi cai s de e s q u e rd a , et c. ( McK ay 1998 , No te s f ro m Now he re , 2 0 0 3).

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Squatting e a legislação holandesa Na Holanda essa prática se tornou popular nas décadas de 1970 e 80, quando o país sofria com um grande déficit habitacional e um cenário contraditório, porém pouco original: enquanto muitas pessoas não tinham onde morar, havia diversos imóveis vazios mantidos por proprietários que se beneficiavam com a especulação imobiliária. Muitas vezes esses esperavam seus imóveis entrarem em estado de deterioração avançado para que fosse mais fácil obter uma licença de demolição e assim poderem dar um uso mais lucrativo ao terreno. Diante desse cenário pode-se considerar que o Squatting surgiu na Holanda como um movimento político anti especulação. Os holandeses usam o termo krakers para referir-se a pessoas que ocupam casas com o objetivo de habitá-las. A prática ganhou uma base legal nos Países Baixos em 1971, quando o Supremo Tribunal decidiu que o conceito de paz doméstica, huisvrede (que significa que uma casa não pode ser invadida sem a permissão do usuário atual), também se aplica aos ocupantes, considerando que estes são os moradores momentâneos daquele espaço. A partir de então, o proprietário de um edifício, quando não satisfeito com a ocupação do mesmo, deveria entrar com um processo judicial contra os squatters a fim retomar a posse de seu imóvel. Até 2010 a legislação do país possibilitava que um edifício fosse ocupado legalmente por alguém caso estivesse vazio e sem nenhum uso por mais de doze meses, e caso o proprietário não tivesse destinação para o imóvel a curto prazo (como um projeto de reforma em aprovação ou um contrato de aluguel começando no próximo mês). Quando um prédio era ocupado, era usual que o ocupante enviasse ao proprietário uma carta de comunicação e um convite a polícia para inspecionar a ocupação, para que assim essa fosse legalmente reconhecida. A polícia então verificaria se o lugar estava realmente sendo habitado, em termos legais, isso significava que deveria haver pelo menos uma cama, uma cadeira, uma mesa e uma fechadura em bom funcionamento na porta que a qual o squatter tivesse o controle da entrada. 54


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Em 01 de junho de 2010, a proi bição do squat ting foi aceita po r am b a s a s ca s a s d o Pa rl a m e nto ho l andê s . A p rática da oc upação n o s Pa í s es Ba i xo s t o r n o u -s e il e g al e p u níve l e fo i dec retado q u e a l e i s e r i a a p l i ca d a a p ar tir de 01 de o u tu bro daq ue l e a n o . Em p ro t e s t o , o s squat ters de Am s te rdam o cu param um co r p o d e b o m b e i ro s n a s e m ana ante r io r ao início da l e i (devo lve n d o -o a o co nt ro l e d o s p ro p r ietár io s e m 3 0 de setembro) e um tumulto ocorreu no dia 01 de outubro, quando a pol í c i a b l o q u eo u u m p ro t e s t o e avanço u co m caval o s s o bre ele. Em Nijmegen, no dia 2 de outubro, houve também um motim. Na sequência de contestações legais, em 28 de outubro de 2 0 1 1 , o Su p re m o Tr i b u n a l d o s País e s Baixo s decidiu qu e a expulsão de um squat ting só pode ocorrer após a inter venção de um jui z . O governo holandês avaliou os efei tos da nova lei em 2015, divulgando um relatório com estatísticas sobre prisões e condenações entre outubro de 2010 e dezembro de 2014. Durante e ss e pe rí o d o , 5 2 9 p es s o a s fo ra m p re s as p o r o cu p ar edif ício s ab an do n a d o s e m 2 13 i n ci d ent e s s e p arado s . Das 529 p r is õ e s , 2 1 0 foram d ecl a ra d a s cu l p a d a s . Do s co nde nado s , 3 9 p e s s o as fo ram pre s a s p el a i n f ra çã o .

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TODO POR LA PRAXIS Todo por la Praxis ( T X P) é u m co l et i vo e s p anho l de int er ven çõe s urb an a s e a rq u i t et ô n i ca s , q u e se au to de no m ina um lab o ratóri o de p ro j et o s es t ét i co s d e res is tê ncia cu l tu ral . O T XP surg i u e m m ei o à fo r t e cr i s e eco n ô m ica de 2008 , qu e deixou um ce n ári o d e d e s em p rego , d es co n f i a nça e re s tr içõ e s f inance i ras n a Euro p a . Di a nt e d a s co n s eq ue nte s m u danças econô m i cas , pol í ti ca s e s o ci a i s , fe z-s e n ece ss ár io re p e ns ar mais do q ue ante s - a s fo r m a s d e a çã o n a cidade e a re l ação c lient e- e mpre sa n o ca m p o d a A rq u i t et u ra e do U r banis m o . O col eti vo se p ro p ô s a d i s cu t i r fo r m a s de atu ação qu e fossem f ruto de l ab o rat ó r i o s d e exp e r i m e nt a ção de s e nvo lvidos em coope ração co m a s co m u n i d a d e s l o cais , m ovim e nto s soc iais, i n i c i ati vas ci d a d ã s e m ov i m e nt o s d e viz inho s . Para recons q ui s tar e re s s i g n i f i ca r o s e s p a ço s p ú b lico s e s e u s u s o s , o T XP par te da i de i a d e d i s p o s i t i vo s d e “m icro arqu i tetu ra” e “micro urb an i s m o” e l a b o ra d o s n a s of i ci n a s de co ns tr u ção colet ivas. A metodo l o g i a d o g r u p o b a s e i a -s e no co nce i to de “cód igo ab e r to”: os i n s t r u m ent o s o u p ro t ó tip o s cr iado s de vem se r re pl i cáve i s e d e f á ci l a ce s s o . So b a pe rs pect i va d e u m a “a rq u i t et u ra de g u e r r il ha”, o Todo por la Praxis f a z p a r t e d e u m a red e m a i o r, a Arqui tecturas Colectivas . Trat a -s e d e u m a red e d e p es s o as e co l etivo s int ere s s ados n a co n s t r u çã o co l a b o rat i va d os e s p aço s u r banos e n a c ri ação de b a n co s d e d a d o s co m u ns qu e s e to r ne m alt ernati vas à prática a rq u i t et ô n i ca co nven cio nal . Para al é m da Espan ha, o T X P p o s s u i i nt er ve n çõ es e exp o s içõ e s na Tu rq uia, A l e man ha, Itá l i a , Eq u a d o r, Bra s i l , C o l ô m bia, U r u g u ai e Est ad os U n i do s .

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Vacíos Urbanos Autogestionados Durante anos, muitas cidades espanholas vivenciaram um grande crescimento econômico e boom imobiliário. A Espanha chegou a construir cerca de 800.000 moradias por ano. Após a crise de 2008 e a rápida contração da construção civil, a continuidade dessa produção perdeu força e o que apareceu nas cidades e grandes centros foram obras abandonadas, espaços vazios e imóveis desocupados. Assim como o Projeto Recipientes, a discussão levantada pelo projeto Vacíos Urbanos Autogestionados (VUA) é a de que a abertura temporária desses espaços em desuso poderia resolver carências urbanísticas da cidade. A possibilidade de ativá-los como espaços culturais, creches, centros de apoio ou residências é pensar que esses imóveis podem servir como suporte temporário para projetos de gestão coletiva e de benefício direto aos cidadãos. O objetivo do VUA é o de gerar um mapeamento com o registro dos vazios, tanto públicos como privados, que tenham potencial para abrigar projetos, iniciativas e equipamentos temporários enquanto um uso definitivo não é firmado nesses locais. Além disso, um Guia para a Ativação de VUA foi criado como um instrumento prático de suporte às iniciativas interessadas em ocupar esses vazios. O Guia apresenta os passos necessários para identificar o titular do espaço ou imóvel e definir o regime jurídico-urbanístico que melhor se adeque ao uso temporário proposto. A ideia de um passo a passo sobre como encontrar um imóvel vazio, identificar seu proprietário e definir o regime específico de ocupação influenciou as ações do Projeto Recipientes quando pen-

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samos em estruturar uma plataforma facilitadora para novas ocupações. No caso espanhol, é possível encontrar os dados dos imóveis online e gratuitamente. No Brasil, porém, os dados sobre propriedades particulares são de difícil acesso e requerem pagamento de taxas ao Cartório de Registro.

Los Madriles O projeto Los Madriles tem como objetivo mapear experiências e iniciativas cidadãs que trabalham no intuito de construir uma cidade mais habitável e inclusiva. A partir de um levantamento dessas práticas, o TXP disponibiliza um mapa digital e colaborativo, destacando ações de associação de vizinhos, centros culturais, hortas urbanas, centros comunitários e intervenções artísticas. A divulgação de manifestações criativas diminui a invisibilidade desses movimentos e potencializa o surgimento de novos espaços autogestionados e participativos. Além disso, o mapa contribui para fomentar a troca e compartilhamento de conhecimentos a fim de se tornar, também, uma ferramenta de trabalho que ajuda a pensar as possíveis formas de construir a cidade. Diante do crescente número de ocupações e iniciativas criativas em BH, uma das primeiras ideias do Projeto Recipientes era a criação de uma plataforma online que facilitasse a integração entre esses movimentos e entre os movimentos e a sociedade. A ideia de mapear as ocupações parte do desejo de maior visibilidade e fortalecê-las enquanto ação.

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Consulta Popular | Edifício España De acordo com o levantamento do TXP, só na região central de Madri existem, aproximadamente, 421 imóveis vazios. Dentre eles, obras inacabadas, edifícios emblemáticos, cinemas e teatros históricos. Embora o desuso tenha consequências diversas, as causas costumam ser as mesmas: impasses jurídicos, especulação imobiliárias, dificuldades financeiras, gentrificação e descaso. Enquanto isso, os cidadão e a cidade carecem de espaços públicos de qualidade, moradias centrais a preços acessíveis, suporte a iniciativas cidadãs independentes e locais de ócio, cultura e lazer com infraestrutura e de fácil acesso. A iniciativa da Consulta Popular vem como uma forma de diálogo direto com a sociedade a fim de detectar, dentre os edifícios mais emblemáticos do centro de Madri, qual melhor simboliza a “tomada do vazio como espaço de oportunidade para a cidadania.” Dos dez imóveis vazios e sem uso postos em votação pelo coletivo, o Edifício España foi eleito como Zona Temporariamente Autônoma (TAZ) e, dessa maneira, tomado simbolicamente mediante a colocação de uma bandeira negra na porta de entrada principal. O prédio, datado do início dos anos 1950, localiza-se na Plaza España, uma das mais importantes de Madri e está desocupado desde 2006. Essa marcação simbólica do vazio foi proposta pelo Recipientes com a colagem dos lambe-lambes. Da mesma forma, a colocação de uma bandeira negra ou um cartaz nas fachadas dos edifícios funciona como carimbo desse vazio, questionando o desuso e devolvendo esses espaços ao imaginário dos passantes.

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VILA ITORORÓ

A Vi l a It o ro ró é u m co nj u nto arqu i te t ô n i co co m 37 ca s a s co ns tr u ído ao l o ngo da d éca d a d e 19 2 0 p el o co m e rciante p o r tu g u ê s Fra n ci s co d e C a s t ro , na re g ião ce ntral de São Pau l o . A Vi l a , p e n s a da p ara f ins re s ide nciais e d e l a zer, p o s s u i á rea ap rox im ada de 6.000 m 2 e l o ca l i z a -s e ent re os bair ro s da Li be rdade e d a B el a Vi s t a , n a e n co s ta do Val e do Ito ro ró . A Vi l a , co n h eci da tam bé m co m o “Cas te l o d o B exi g a”, é u m i m p o r tante m arco na arqu it et u ra b ra s i l ei ra p o r s e r a p r im e ira o bra fe i ta q u a s e q u e t o t a l m ente co m m ate r iais recicl ad o s e rea p rovei t a d o s da de m o l ição de o u tra co n s t r u çã o : o Teat ro São Jo s é . Ap ó s a ve nda d o t eat ro , s u a s p eça s de deco ração , p arede s , co l u n a s , es cu l t u ra s e vi trais fo ram adqu ir id o s p o r Fra n ci s co d e Cas tro e e m p re g ado s na co n s t r u çã o d a Vi l a . D e s de s u a inau g u ração e m 19 2 2 , a Vi l a ch a m a ate nção p o r s e u e s til o Ecl é t i co , co m a d o r n o s var iado s e im p o s i tivo s qu e d eco ra m a m a n s ã o . Pe ns ada e nge nho s am e nte p a ra s e r au t o s u s t entáve l , o p ro j eto p o s s u i, a i n d a , u m a p i s ci n a a l im e ntada p e l as ág u as do R i a ch o d o It o ro ró , cu j a nas ce nte l o cal iz a-s e d e nt ro d o t e r ren o d a Vil a. To m b a d a co m o p atr im ô nio p e l o ó rg ão m u n i ci p a l C ON PR ESP e m 2002 e p e l o ó rg ão es t a d u a l C ON DE PHA AT e m 2005, no ano de 2 0 0 6 t o r n o u -s e á rea de u til idade p ú bl ica e fo i 64


“PORQUE A CIDADE É NOSSA; PORQUE O PÚBLICO É NOSSO BEM COMUM; PORQUE O PATRIMÔNIO EXISTE TAMBÉM PELO VALOR d esapro pri ada pe l a p refei t u ra d e S ã o Pau l o co m o intu i to de QUE NÓS LHE rest au ração e adequ a çã o d a Vi l a p DE a ra f i USO n s cu l tu rais . Em 2013 , inic iou- s e a re s tau ra çã o d o co nj u nt o a p a r t ir de u m a p arce r ia entre a S ec retar i a M u n i ci p a l d e C u l t u ra dCONFERIMOS.” e São Pau l o e o Inst i t uto Pedra, um a a s s o ci a çã o s em f i n s l u crativo s . É p o r inic iat i va do In s ti tu t o Ped ra q u e a i d e i a d e abr ir o cante iro d e obras torn ou- se u m a q u e s t ã o . S e g u n d o o Ins ti tu to , abr ir a Vila d e sde a etapa d e s u a res t au ra çã o , revel ando o p ro ce s s o d a obra, é de f un da m ent a l i m p o r t â n ci a p a ra qu e s e j a p o s s íve l compar ti l har co n heci m e nt o s , exp er i m ent a çõ e s e e s tabe l ece r d ebat es col eti vo s a re s p e i t o d o s p o s s í ve i s f u tu ro s u s o s de s s e esp aço e n q uanto eq u i p a m e nt o cu l t u ra l . O proce ss o d e t o m b a m ent o d a Vi l a Ito ro ró , qu e vir ia com o form a de f i n i t i va d e i m p ed i r q u e o co nj u nto viras s e r uínas, n ão fo i de t o d o s i m p l es . A Vi l a , q u e de s de s u a inau g uração se r vi u co m o m o ra d i a , a ca b o u s en d o de s ap ro p r iada e famílias i nte i ras q u e v i ve ra m a l i co m o l o cat á r io s p o r m ais de d uas décadas fo ram rea l o j a d a s p e l a p refei t u ra e m habi taçõ e s soc iais (ai n da n a re g i ã o ce nt ra l d a ci d a d e) . O im p as s e cr iado ent re os m orado re s e a p refei t u ra a i n d a co r re e m j u l g am e nt o, no q ual as f amíl i a s t ent a m rei v i n d i ca r o dire i to à p o s s e p or u s ucapi ão . A di s cu s s ã o s e r i a , ent ã o , s o b re o qu e deve o u não ser pas s í ve l de co exi s t i r co m u m eq u i p am e nto cu l tu ral d e int e re ss e púb l i co . Po r t o d o o m u n d o , mu s e u s e ce ntro s c u lt u rai s ab ri gam es p a ço s exp o s i t i vo s , g a l e r ias , cine m as e t eat ros q ue di vi d em e s p a ço co m l o j a s e re s tau rante s . O Inst i t uto Pedra e o s ex m o ra d o re s d a Vi l a q u e s tio nam , de s sa man e i ra, a po s s i b i l i d a d e d e q u e a Vi l a It o ro ró , e nqu anto eq uipam e nto c ul tu ra l , a b r i g u e , t a m b é m , m o radias . 65


“A ideia aqui é, ao invés de aguardarmos a finalização da restauração, já tratar esta vila como uma espécie de sítio arqueológico, que vai se recuperando, vai se restaurando, com a participação da comunidade, dos arquitetos, da vizinhança. Vamos criar um ambiente em que a vila já vai ser explorada pela cidade” (Fernando Haddad, ex prefeito de São Paulo) Pensada, então, como um processo aberto e colaborativo, a restauração da Vila Itororó busca integrar os antigos moradores, a comunidade do entorno, visitantes e transeuntes no seu projeto de ocupação. A ideia de ser um espaço em construção contínua tem como objetivo o estabelecimento de um diálogo mais direto com a sociedade para uma consequente reincorporação da Vila ao cotidiano do bairro. Em um contexto onde muitos equipamentos culturais chegam à cidade como projetos prontos, frutos de processos elaborados de forma vertical; a Vila Itororó busca ser “um laboratório de cidade e um espaço-manifesto”, conforme descrito no site, ao ressignificar o conceito de patrimônio e de cultura. Por ser este um processo dinâmico e em constante construção, considerar o equipamento que abrigará as manifestações dessa cultura como algo com começo e fim é, talvez, reduzir espaços a meros receptáculos. O que um espaço destinado à cultura pode e deve abrigar? Quem é o público que o “produto” dessa cultura quer atingir? Quem determina os usos de um equipamento cultural em um edifício tombado? Enquanto o processo de restauração de um patrimônio não é finalizado, por que não dar a ele usos temporários que solucionem demandas dos moradores? É pensando nesses e em diversos outros questionamentos sobre as vocações da Vila que os arquitetos e curadores do projeto se propuseram a discutir, juntamente com a sociedade, as diversas maneiras de ocupar esses espaços. Originalmente um lugar de moradia e lazer e, agora, desocupada; o principal ponto é, então, entender como a Vila pode voltar a ser habitada. E é por meio de ações como oficinas, rodas de conversa, sessões de cinema e festividades que a proposta de reuso busca se desenvolver. 66


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A ideia de fazer do processo de restauração um canteiro aberto é a proposta de estabelecer, segundo o site Viagem em Pauta, “um diálogo inédito entre a renovação de um bem público e a sociedade, onde os trabalhos por trás dos tapumes de isolamento dão lugar à reflexão sobre os usos do espaço público.” Hoje, a Vila está aberta a todos que quiserem participar das oficinas, usar a horta, a clínica, o galpão, a cozinha, além de estudar, descansar, ler, passear e ocupar o espaço sem precisar de autorização prévia. O levantamento feito pelo Projeto Recipientes mostra que muitos dos imóveis vazios na região central de Belo Horizonte são tombados como patrimônio. Nossas duas experiências de ocupação tocaram diretamente o tema: a Feira de Quintal ocupou uma antiga casa datada de 1898, enquanto o Espaços de Ausência aconteceu nas ruínas de uma casa estudada para tombamento. Desde sempre uma questão controversa, a preservação do patrimônio às vezes se dá de forma alheia à cidade contemporânea e suas necessidades. Ao não ser tratada adequadamente como política pública, o tombamento pode gerar “contenedores vazios” que acabam se tornando centros culturais ensimesmados, equipamentos gentrificadores ou, como aqui discutido, espaços abandonados ou subutilizados - frutos do preconceito e falta de informação sobre obrigações e direitos dos proprietários. Dessa maneira, a Vila Itororó torna-se um importante marco na integração da gestão urbana da cidade antiga e da cidade contemporânea. Torna-se um marco em relação ao uso concomitante dos espaços no período em que estes não estabeleceram seu uso definitivo. Torna-se, por fim, um marco na construção coletiva da cultura e do espaço que abrigará suas manifestações.

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ESPAÇO COMUM LUIZ ESTRELA

No di a 2 6 de o u t u b ro d e 2 0 13 , u m a nt i go cas arão l o caliz ad o n a R ua M an au s , n o B a i r ro Sa nt a Ef i gê nia, to r no u -s e espaço para uma d a s p r i m ei ra s o cu p a çõ e s cu l tu rais do Brasil: o E spaço C o m u m L u i z Es t re l a . C o m o em u m p r im e iro at o, di ve rs os ar ti s t a s , a rq u i t et o s , a nt ro p ó lo go s , arqu eó l o gos, advo gado s , psi q u i at ra s e es t u d a nt e s o cu p aram o p rédio , aband on ado há q ua s e 2 0 a n o s , d u ra nt e u m a ap re s e ntação de t eat ro i n s tal ada n a p o r t a d o ed i f í ci o . Fa zen do u s o de p e r fo rmance urb an a, com m aq u i a ge n s , f i g u r i n o s e ce nár io , o g r u p o aprove i to u- se do m o m e nt o p a ra s e i n s t a l a r no cas arão . Mais ou me n o s co m o um "co l et i vo d e co l et i vo s ", o g r u p o p rete nde faze r da oc upaçã o u m t e r r i t ó r i o d o co m u m , qu e ag re g u e pessoas co m i de i as co n s t r u t i va s e i n i ci at i va s co l abo rativas ; a f im de con s trui r um cent ro cu l t u ra l a b er t o à s o ciedade e p o r ela t am b é m ge ri do . O prédi o e m q u es t ã o fo i i n au g u ra d o em 1913 p ara a ins t alaçã o do Hos pi tal M i l i t a r d a Fo rça Pú b l i ca , o nde f u ncio no u at é 19 4 6 , q uan do o Ho s p i t a l fo i t ra n s fe r i d o p ara s e u e nde reço atual , n a Ave n i d a d o C o nt o r n o . De p o i s , j á p ro p r iedade do Estado , o edi f í ci o a b r i go u o Ho s p i t a l d e Ne u ro p s iqu iatr ia Infant i l e o In s ti tu t o d e Ps i co p ed a go g i a . Tom bado e m 1992, o espaço fo i i nte rd i t a d o p e l o C o r p o d e B o m be iro s e m 1995 e passou a i nte grar a l i s t a d e i m óve i s e m d es u s o na cidade de Belo Ho ri zo nte , de s at i va d o p o r d éca d a s .

"D e sde q u e a d e nt ra m o s o ca s a rão fo m o s de s co b ri n do vá r i o s ra s t ro s d a h i s t ó r i a da cidade co nti da e m s u a a rq u i t et u ra , g ra f a da e m s u as p are de s , e s q u eci d a e m b r i n q u ed o s , canecas , g rade s , f ras cos d e re m éd i o . . ." - p u b l i cação do Es p aço C om um L u i z E s t rel a n o Fa ce b o ok 71


Dentre as muitas mãos que fazem o projeto funcionar, existe a grande preocupação, por parte de cada um deles, de entender a história do lugar e de quem o ocupou durante esses anos. As constantes pesquisas fazem surgir novas discussões, que agregam e modificam o projeto ao longo de cada etapa. É um constante repensar de acordo com necessidades e emergências, em uma governança aberta. Dessa maneira, os temas que surgem durante as pesquisas e vivências, como a preservação da memória local, do patrimônio, a luta antimanicomial, o papel da cultura no espaço urbano e a higienização das ruas, tornam-se bandeiras de luta e identidade para o Espaço Comum Luiz Estrela. Este nome, por sua vez, faz parte também das bandeiras de luta do Espaço que, ao homenagear Luiz Otávio da Silva - o multiartista que se autodenominava estrela - resgata a visibilidade dos poetas e artistas independentes, moradores de rua e incompreendidos. Luiz Otávio da Silva morreu pouco antes da ocupação do edifício, em 26 de junho de 2013 em circunstâncias não esclarecidas. Quando ocupado em 2013, o local estava cedido, por vinte anos, à Fundação Lucas Machado (Feluma), ligada à Faculdade de Ciências Médicas, que se propôs a criar ali um memorial em homenagem a Juscelino Kubitschek - que, segundo fontes, trabalhou no Hospital Militar quando este funcionava no prédio. A polícia tentou retirar o coletivo de dentro do prédio mas, sob alegação do artigo 216 da Constituição Federal - que determina que também cabe à sociedade civil salvaguardar o patrimônio cultural -, os ocupantes conseguiram permanecer no local. A reintegração de posse do imóvel foi solicitada pela Feluma à Justiça, que negou e, em 16 de dezembro de 2013, concedeu o termo de cessão de uso ao Espaço Comum Luiz Estrela. 72


“A ideia é que seja um espaço de cultura não só daquilo ligado a belas artes, mas um núcleo de cultura pensando o que envolve nossa vida cotidiana, e também que seja um espaço formativo, de construção coletiva”. (Priscila Musa, para o Jornal O Tempo, 2017)

Hoje, funcionam no local, sob comando dos próprios ocupantes e voluntários, diferentes núcleos de pesquisa. O de Memória e Restauração propõe ações para revitalizar o casarão que, por ter passado tantos anos abandonado, está com necessidade de um projeto de restauração emergencial. O de Infra Cultura ref lete e pesquisa sobre novos modos de viver. O de Teatro continua fazendo uso de intervenções artísticas para divulgar as bandeiras do Espaço. O de Hospedagem Criativa acolhe quem vem de outras cidades, estados e países a fim de uma troca rica de conhecimentos e experiências. Para organizar todas essas dinâmicas, existe o Grupo de Trabalho de Autonomia (GTA) que avalia e organiza questões burocráticas e funcionais relativas às atividades e ao Espaço como um todo. A comunicação interna e externa é descentralizada, feita por múltiplos integrantes, com uso intensivo das redes sociais. Há, ainda, projetos de pedagogia libertária, comunicação, artes expandidas e audiovisual, trabalhando com linguagens contemporâneas e de suporte às produções artísticas que têm dificuldade de ocupar os espaços de cultura já institucionalizados e tradicionais da capital. Como toda ocupação, a lógica do trabalho coletivo e a prática do mutirão são as diretrizes básicas de gestão do Espaço. Expressando-se de diferentes maneiras, a estratégia de ação do Luiz Estrela baseia-se na intensa conectividade e interação com o entorno e com a cidade, entre micro ações e macro contextos. São workshops abertos e parcerias com eventos culturais consolidados e independentes na tentativa de fomentar a mistura de diferentes públicos como estratégia de não homogeneização, tanto dos projetos do grupo quanto do perfil dos visitantes. Pautados em um plano pensado enquanto acontecimento e experimentação, o Espaço parece confiar muito mais na inteligência coletiva e no papel do encontro e da troca do que em projetos burocráticos e pouco f lexíveis. 73



CASA DE REFERÊNCIA DA MULHER TINA MARTINS Es pe r ti ri n a M a r t i n s o u , co m o f i co u co n hecida, T ina Mart i n s fo i u m a j ove m m i l i t a nt e n a s c i d a e m 1 9 02 , n a c i d a d e d e L ajead o , n o R i o Gra n d e d o Su l . Fi l h a d e a n a rqu is tas , aco m p anhou desde cedo a luta dos familiares por uma vida mais digna para os trabalhadores. Desde sempre esteve presente em moviment o s q ue re i v i n d i cava m m e l h o res co n d i çõ e s de trabal ho , m e l h o re s s a l á r i o s e j o r n a d a s m e n o re s ; a l é m d e m i l i t a r p e l o feminismo e em grupos anarquistas. Tina f icou conhecida aos 15 anos q uan do, n a g reve d a B at a l h a d a Vá r zea - cu j o e s to p im foi a m or te de um o p erá r i o p el a Br i g a d a M i l i t ar - e nf re nto u a repressão por parte da cavalaria da Brigada, arremessando um buquê de f lores que levava nas mãos. O buquê, porém, ocultava ex plos i vo s q ue acab a ra m m at a n d o p a r t e d a t ro p a e l evando à consequente derrota dos mili tares. O resultado f inal da greve foi a con q ui s ta de m e l h o res co n d i çõ es p a ra o s trabal hado re s , tais como a jornada de 8 horas, proi bição do trabalho infantil, aposentadoria e licença maternidade. Tina morreu aos 40 anos, ví t ima de um par to p re m at u ro e a p e n d i ci t e. No dia 8 de março de 2016, o Movimento de Mulheres Olga Benário, com apoio do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favela s (M L B), oc up o u u m ed i f í ci o p ú b l i co d a R u a G u aicu r u s nº 343, um ponto marcado pela intensa prosti tuição, no centro da cidade de Belo Horizonte. O edif ício em questão abrigava o ant igo "b an de i jão" d a Es co l a d e E n ge n h a r i a da U FMG e e s tava vaz io h á de z an o s , n ã o t en d o q u a l q u e r f u n çã o o u de s tinação social. Dessa forma, o Dia Internacional da Mulher daquele ano foi contex to para o s u rg i m e nt o d a Ocu p a çã o T ina Mar tins : a primeira ocupação feminista da América L atina, que nasceu das reivindi caçõ e s por m a i s crech e s , m a i s d e l eg acias da m u l he r q u e fu n c i on e m 24 h e p o r m a i s a b r i go s p a ra m u l he re s ví tim as d e viol ê n c i a; e q ue res g at o u o n o m e e a i m a ge m da m il i tante feminis ta gaúc ha T i n a M a r t i n s p a ra co m p o r s u a bande ira. 75


“NO DIA DA MULHER, NÃO É DIA SÓ DE ROSAS E DE FLORES. A GENTE PRECISA LUTAR POR AÇÕES PRÁTICAS QUE A GENTE CONQUISTE NO ESTADO” NATÁLIA AVELAR, DO MOVIMENTO OLGA BENÁRIO, EM ENTREVISTA AO PORTAL R7

Quando muitos não acreditavam que a ocupação duraria mais que um dia, mulheres voluntárias de todos os lugares apoiaram as pautas da Tina e deram força para os 87 dias que a ocupação durou no edifício da Engenharia. Com o objetivo de chamar a atenção do Estado para a luta por melhores e mais efetivas políticas públicas de proteção às mulheres, o grupo se estabeleceu no local e resistiu à pressão da Polícia Militar, que tentou o despejo a partir da liminar de reintegração de posse. Com mutirões de limpeza e adaptação do espaço, foi possível, já no primeiro dia, acolher as mulheres que procuraram a Tina para se abrigarem. O processo de negociação com a Superintendência de Patrimônio da União e o Governo Estadual ameaçou a continuidade da ocupação, impondo a saída do grupo e multa de 10 mil reais por dia, em caso de descumprimento da liminar. Depois de muita luta, conversas, apoio de outros movimentos, o grupo conseguiu mudar para um novo endereço cedido provisoriamente pelo Governo de Minas Gerais. O novo imóvel - tombado como patrimônio -, que também estava sem uso há alguns anos, pertence ao Centro Risoleta Neves de Atendimento à Mulher (Cerna) e localiza-se na Rua Paraíba, nº 641, próximo à Escola de Arquitetura da UFMG. 76


Hoje, a Casa de Referência da Mulher Tina Martins é um espaço autofinanciado e autogerido que atende e abriga vítimas de violência, presta assistência emergencial, divulga programas e aparatos já existentes, oferece cursos e oficinas formativas com o intuito de proporcionar independência financeira, além de rodas de conversa, palestras, filmes e outras atividades culturais. As mulheres acolhidas conheceram a Tina nas suas comunidades, via redes sociais ou por indicação do próprio Estado. A localização da casa foi primordial para o sucesso e visibilidade do projeto e das atividades realizadas pelo grupo. “Não existe uma casa como essa em nenhum lugar. E nem toda vítima está pronta para fazer denúncia. Atendemos aquela mulher que nem sabe que é violentada, para informá-la sobre seus direitos. Deveriam existir casas como essa em todos os municípios", salientou Poliana de Souza, integrante do Movimento de Mulheres Olga Benário. Segundo as mulheres que ajudam a gerir o projeto, porém, a luta não está finalizada e as negociações com a Prefeitura continuam. O espaço da nova casa ainda é provisório, a busca por visibilidade, empoderamento e proteção da mulher ainda tem muito a enfrentar e poucos são os espaços que atendem essas mulheres, principalmente as de periferia e comunidades informais. Além disso, a Tina busca maior articulação entre serviços já existentes estabelecendo uma rede e fortalecendo as pautas do grupo.

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ESPAÇOS DE AUSÊNCIA 79


A

pós a nossa primeira ação de ocupação, a Feira de Quintal, ficou resolvido que proporíamos outras. Logo no começo do segundo semestre de 2016 iniciamos uma busca intensa por esse novo imóvel a ser ocupado, mapeamos, ligamos, falamos com os vizinhos e, quando conseguimos algum tipo de resposta, essa era sempre negativa e intransigente. Estávamos bastante desacreditadas. Resolvemos, então, entrar em contato com a Yasmini Costa, uma participante da Feira de Quintal que havia conversado com a gente durante o evento sobre a possibilidade de utilizarmos o espaço vago que havia em frente à sua casa. Conversamos para entender melhor sobre esse espaço e verificar se ela ainda estaria aberta a compartilhá-lo. Yasmini mora com a Laís Lopes em uma casa no fundo de um grande terreno no bairro Santa Tereza, onde existem, também, as ruínas de uma antiga casa. Durante a conversa, elas nos contaram a história do local, das ruínas e de como elas foram parar ali. Logo quando iniciaram o estudo e o levantamento para o processo de tombamento do conjunto urbano do Santa Tereza, o proprietário do imóvel demoliu a casa com medo de que essa fosse incluída como parte desse conjunto. O terreno então foi embargado e desocupado por um tempo. Yasmini, na época, procurava por um lugar para morar e, como seus pais moram nos arredores, acabou passando pelo terreno. Ela se interessou pelo local, que já havia sido tomado pelas plantas que cresceram em cima dos escombros, e resolveu pular o muro para ver o que tinha por trás. Descobrindo a casinha de fundo que ficou imune à demolição, ela decidiu entrar em contato com o proprietário e negociar o aluguel do

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espaço. Desde então, já se passaram quase sete anos. Os restos da casa demolida foram removidos pouco a pouco por elas e com ajuda de alguns amigos, abrindo caminhos e espaços de estar. A área onde ficava a casa ainda está cheia de entulho e vegetação e não é utilizada pelas moradoras. Yasmini e Lalá têm juntas uma floricultura no local e suas mudas e plantas compõem um cenário quase bucólico em conjunto com a ruína e o verde do quintal e todos que visitam a casa tem a sensação de terem sido transportados para fora de Belo Horizonte. As meninas foram completamente receptivas à ideia de realizarmos uma ação do Projeto no local e, apesar de entendermos que aquela não seria a ocupação de um imóvel abandonado, entendemos também que a história daquele espaço tinha uma importante relação com o nosso projeto. Decidimos que essa ação seria focada em questões levantadas pelo Recipientes e que se relacionavam com aquele local em específico, como a discussão sobre o Patrimônio na gestão da cidade contemporânea. Também colocamos as ocupações urbanas como pauta importante a ser discutida, tanto pela relação com o projeto como pelo momento que estávamos vivendo, onde milhares de escolas pelo país haviam sido ocupadas como forma de protesto e reivindicação, inclusive a Escola de Arquitetura e Urbanismo. Devido à maior liberdade que nos foi dada nessa ação, pensamos fazer do Espaço de Ausência uma experiência focada nas discussões sobre os temas e como eles se relacionam com a ideia de função social da propriedade. Para isso, estabelecemos duas rodas de conversa com convidados capazes de contribuir com os assuntos para que, em uma espécie de seminário aberto, pudéssemos discutir as questões levantadas. A ideia era de estabelecer um diálogo direto com os participantes das rodas, em uma conversa quase informal, com abertura à fala e dúvidas. O importante para nós é que houvesse uma verdadeira troca de experiências e conhecimentos sobre os temas a fim de pormenorizar a questão da função social e aquilo a ela relacionado.

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A primeira roda de conversa aconteceu pela manhã e teve como tema “Ocupação como Ato Político”. Para esse momento, estruturamos a discussão na questão das ocupações urbanas como forma de luta legítima e essencial para evocar direitos e deveres de todos os cidadãos. Convidamos para essa roda a atriz, diretora, professora de teatro e vereadora eleita pelo PSOL-BH, Cida Falabella, que trouxe a #CulturaPelaCidade em sua campanha em 2016, onde buscou pensar o espaço público e discutir como a cultura afeta, educa e transforma a cidade e seus moradores. Também associada ao PSOL-BH, convidamos a cientista política e pesquisadora Bella Gonçalves, que compartilhou suas experiências com as Brigadas Populares e com o movimento Cidade que Queremos. Aproveitando o momento em que o país estava, em novembro de 2016, com as ocupações estudantis, e convidamos duas representantes da Ocupa EA-UFMG, Iara Pezzuti e Laysla Araújo, para falar sobre a dinâmica interna de uma ocupação estudantil e as reivindicações que pautavam o movimento. Para a segunda roda, já na parte da tarde, trouxemos o tema da “Função Social da Propriedade e a Questão do Patrimônio”. O foco foi a discussão sobre o significado jurídico e prático da função social da propriedade e qual o papel do Estado no contexto das ocupações urbanas de imóveis vazios. Além disso, trouxemos nessa roda a questão do Patrimônio e como a atuação dos órgãos responsáveis e a possível resistência da sociedade ao tombamento influenciam o abandono de imóveis históricos da cidade. Para esse momento, convidamos o militante das Brigadas Populares e advogado do Coletivo Margarida Alves, Luiz Fernando Vasconcelos, para compartilhar suas experiências na pesquisa e luta pelo direito à cidade. Compartilhando a roda com ele, estava presente a arquiteta e urbanista Dani Jorge, que contou suas vivências e enfrentamentos junto ao movimento Salve Santa Tereza, que defende a Área de Diretrizes Especiais (ADE) para o bairro e a reabertura do Mercado de Santa Tereza como espaço público. Por fim, para essa troca, convidamos duas representantes da Casa de Referência da Mulher Tina Martins, Ana Carolina Girundi e Jessica de Castro, que falaram, como uma ocupação bem sucedida, sobre o processo de ocupação e construção da Casa. 82


au.sên.cia 1. Afastamento de uma pessoa do lugar em que se deveria achar. 2. Falta de comparecimento ou de presença. (...) 6. Falta do que se supunha existir.

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Além das rodas de conversa, dividiram o espaço entre as ruínas uma pequena feira com produtores locais. Reunimos desde cervejas artesanais até cozinha vegetariana; além de produções gráficas independentes. Durante o dia da nossa ocupação, contamos com intervenções visuais de três artistas convidados que deixaram artes registradas nas paredes que ainda restavam, entre os arbustos do quintal: Wanderson Mendes, da Graveto; Esther de Oliveira Azevedo, do Ana Subiu no Bonde e João Gabriel, do Coletivo Intervenção Graffiti. Por fim, a exposição “O Cotidiano Lúdico Espaçocorpografia” do fotógrafo Horacius de Jesus, do Favela, Uma Foto por Dia completaram a ocupação, dispostas pelo quintal e fragmentos da antiga casa demolida. A música ficou a cargo do Tátio Abreu, Ariel Garcia, Rodolfo Buarque e do Juliano Antunes, que fecharam o dia com samba e MPB. Por não ser um local de passagem como o foi na ocupação da Rua Sergipe, no caso do Santa Tereza, o principal veículo de divulgação foi a internet e, principalmente, o Facebook. Além disso, fomos mencionadas na Revista Bravo!, em uma indicação do “melhor do fim de semana em Belo Horizonte”, junto com outros eventos que aconteciam no mesmo fim de semana na cidade. Diferente da Feira de Quintal, que tinha um caráter mais lúdico, o Espaços de Ausência procurou ser uma possibilidade de experimentação e compartilhamento das ideias que compõem as pesquisas do Projeto Recipientes desde o início. Foi uma sensação de triunfo de ter oportunidade de conversar de forma tão livre e horizontal sobre temas como Patrimônio, ocupações urbanas e a Função Social da Propriedade com pessoas diretamente envolvidas em ações pelo direito à cidade. Oportunidades que, muitas vezes, outras situações não permitiriam. Mesmo não sendo esse um espaço abandonado na região central, foi possível conversar sobre temas importantes para a cidade e passar uma tarde agradável em um lugar raro, em meio a memória e vestígios de uma BH de décadas atrás. 84


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DEPOIMENTO BELLA GONÇALVES


GABINETONA, 26/04/2017 No espaço apelidado como "Gabinetona", na Câmara Municipal, Bella Gonçalves nos recebeu para essa conversa. De forma mais livre e informal, o papo se guiou pelos questionamentos sobre a função social da propriedade e o contexto legal de sua aplicação em Belo Horizonte. Envolvida na luta pelo direito à moradia, Bella compartilhou conosco suas opiniões, experiências e perspectivas acerca das políticas públicas relacionadas aos imóveis vazios e subutilizados da capital. Quem é? Bella Gonçalves é cientista política e pesquisadora que trabalha em favor de melhores condições para trabalhadores e moradias informais (como vilas, favelas e ocupações). Envolvida com as Brigadas Populares, estabelece resistência em favor dos direitos sociais e trabalhistas, da saúde pública de qualidade, da comunidade LGBTQ+ e das mulheres. Hoje, atua junto ao PSOL em uma candidatura coletiva que luta pelo direito das minorias à cidade e propõe uma agenda radical de Reforma Urbana – estrutural, efetiva, popular e feminista. 94


O Plano Diretor municipal “Aqui na Gabinetona a gente estudou que o Plano Diretor, aprovado pelo Patrus Ananias, regulamenta o IPTU Progressivo, a desapropriação sanção e todos esses instrumentos conforme o capítulo da política urbana e o Estatuto da Cidade. O discurso da SMAPUR, porém, é o de que esses mecanismos são muito difíceis de se implementar e que não tem instâncias, política pública e órgãos competentes para fazer esse tipo de fiscalização e de implementação. Na realidade, o Plano Diretor nunca foi reformado, mas ao longo de todos esses anos ele foi desconstitucionalizado por projetos de lei do Executivo. Havia, recentemente, um projeto de lei do Márcio Lacerda, com um estudo da SMAPUR, que tentava modificar as regras da política urbana. Sua principal proposta era abrandar as regras do IPTU Progressivo, reduzindo os cálculos; e modificar as regras da desapropriação sanção, que não seriam mais por títulos da dívida pública - que penaliza, de fato, o proprietário. A desapropriação seria, então, pela possibilidade de um consórcio imobiliário. Qual a ideia do consórcio imobiliário? O Município desapropria o terreno ou imóvel, faz um consórcio que envolve o privado e uma terceira parte e, depois, a exploração é feita pelo proprietário privado. Ou seja, a pessoa que estava com o imóvel ocioso, ao invés de ser punida e penalizada, vê o município investir em um consórcio para que ela tenha o lucro da exploração garantido. Esse é o projeto de lei do Márcio Lacerda. Qual a questão central da nossa emenda em relação a esse projeto? Voltar à questão do título da dívida pública e que, após a desapropriação sanção, seja feita uma reunião de conselho de bairro para definir o novo uso do terreno ou do imóvel. Dessa forma, tentamos atrelar obrigatoriedade ao município de dar função social depois da desapropriação. Outro ponto que estamos pesquisando e que ainda não está muito evidente, é a relação da PBH Ativos S/A com isso tudo. A PBH Ativos é um modelo implementado em BH em 2011, que passou a ter mais vigor em 2013 - ou seja, na gestão do Márcio Lacerda. É um modelo que acontece em São Paulo, na Bahia, em Porto Alegre. Trata-se da criação de uma empresa para gerir dívidas, títulos, imóveis e parcerias público-privadas do município. 95


Ao justificar que não tem condições de cobrar as inadimplências do IPTU, o município transfere essa função para tal empresa que funciona a partir da lógica de administração de títulos no mercado financeiro. Essa empresa, embora quase 100% pública, funciona na lógica empresarial. Qual é a questão? Eles pegam qualquer dívida da Prefeitura, principalmente o IPTU, e transformavam em títulos de pagamento no mercado financeiro, emitindo uma debênture - que são títulos de pagamento em médio prazo. Essas dívidas de IPTU no mercado financeiro começam, então, a gerar lucro, o que dificulta ainda mais a ação desses instrumentos enquanto políticas públicas. Essa empresa, a PBH Ativos S/A, quando foi inaugurada, tinha 100 mil reais de investimento inicial. A Prefeitura aportou 2 bilhões desde então, principalmente em fundo de saneamento do Drenurbs, títulos da dívida e imóveis. Parte do dinheiro vem dos imóveis vagos alienados para essa empresa que faz um leilão pelo valor venal do imóvel. Com a outra parte, ela faz securitização para as parcerias público-privadas e lastro para operações financeiras no mercado financeiro. O que acontece? Por um lado, imóveis do município que poderiam ser destinados a equipamentos públicos estão indo para essa empresa, que não se pauta na lógica do público e sim na lógica do lucro. É o próprio Município utilizando imóveis para fazer uma especulação, não só imobiliária, mas agora financeira. Na medida em que a dívida vira lastro, moeda, operação financeira, qual o interesse em dar uma destinação pública para esse imóvel? Nenhuma! Vão querer que ele continue sendo operacionalizado por essa lógica onde quem determina as regras são os acionistas. Então é isso: o Plano Diretor não foi aprovado. Há uma forte resistência do empresariado, mas a atual Prefeitura falou que tem interesse em aprovar o Plano. Ele tem pontos positivos, como o reconhecimento de algumas ocupações como AEIS; mas está muito atrasado em relação a Planos como o de São Paulo. Lá, eles mapearam os 96


vazios urbanos da cidade e os consideraram áreas de interesse social. Ou seja, você reduz o preço da terra e a obriga a ter uma função. Mais do que uma função social, uma função popular.” O IPTU Progressivo e as operações urbanas atuais “O IPTU Progressivo é um instrumento super importante. Porque, à medida que você vai progredindo no tempo e o valor do IPTU supera o valor do imóvel, você desapropria e paga com títulos da dívida pública. Qual a questão da dívida pública? Você nunca sabe quando vai receber. É uma ‘carne podre’ no mercado. Agora, transformar isso em um investimento rentável e em uma operação que pode gerar lastro f inanceiro, é tornar menos interessante que aquele imóvel vazio tenha utilização pública. Não tenho certeza dessa alegação, é uma interpretação: para poder dizer que, para mim, existe uma lógica de f inanceirização das cidades que atenta contra a função social da cidade e da propriedade. Essa lógica de tentar passar um projeto de lei para mudar regras do Plano Diretor em favor dos consórcios imobiliários, para mim, é uma exemplo dessa f inanceirização. A gente viu algumas operações urbanas sendo utilizadas para dar função a imóveis vazios, muitos destes no centro. O que acontece? Muitos dos imóveis vazios foram embargados por, por exemplo, construir acima do potencial construtivo da região ou por questão de herança. Vou dar um exemplo: na Rua Rio de Janeiro, tem um hotel que foi embargado por ultrapassar o potencial construtivo. Para resolver o problema, fazem uma operação urbana simplif icada. Assim, f lexibilizam o padrão urbanístico de construção daquele imóvel para que ele possa ser concluído, estabelecendo, para isso, uma contrapartida. O problema é que essas contrapartidas são coisas irrisórias. Pegamos, uma vez, um projeto de lei para analisar e a contrapartida nesse caso foi construir sete vagas de bicicleta. Então você tem instrumentos que podem fazer valer a função social da propriedade, mas que são desvirtuados pela lógica do capital.” 97


A função social da propriedade e o patrimonialismo das instituições “A discussão da Função Social da Propriedade, embora seja uma discussão dos movimentos, tem certos conhecimentos blindados pelo processo legislativo e pelos próprios políticos. Esse afastamento é intencional, para desvincular e reformar os mecanismos existentes. Um dado importante: a gente nunca conseguiu, nunca, trazer a argumentação da função social à tona nos processos judiciais. Sempre ganhamos por outras razões porque os juristas não reconhecem essa ideia. A argumentação que às vezes eles aceitam é a dos Direitos Humanos e do Direito à Moradia e da segurança da vida das pessoas. O Direito, desde seu estudo nas universidades, tem a parte de direito urbanístico, no máximo, como uma optativa dentro da faculdade. O processualismo civil é assim: se você tem uma cerca e o título de propriedade, você comprova posse. Esse é o entendimento hegemônico do judiciário. No caso da Ocupação Dandara, por exemplo, a gente apresentou as dívidas de IPTU que, sozinhas, poderiam justificar a desapropriação. Apresentamos isso no processo judicial e, mesmo assim, a desapropriação do terreno se deu em dinheiro e, não, em títulos da dívida pública. Não tem uma outra explicação que não um patrimonialismo das instituições. E tem, ainda, a questão do processo de legalização de uma ocupação. Aí, entra uma questão racial e de classes. Porque ocupações sem teto - majoritariamente de pessoas negras e de periferia - vão passar muitos anos até serem regulamentadas. E, geralmente, elas só vão ter uma solução efetiva se derem lucro para as empresas. É a solução Minha Casa, Minha Vida que tentam dar para tudo: despejam as pessoas e constroem predinhos. É a lógica de ter que dar lucro para alguém e nunca reconhecer aquele território auto construído. A capacidade de transformar posse em propriedade tem variação de cor e classe e tem relação com a historicidade do acesso ao direito formal, às instituições, ao direito cartorial. Por exemplo, 98


povos quilombolas que eram criminalizados - primeiro houve criminalização do quilombo, depois a criminalização da vadiagem, da malandragem, da capoeira e outras manifestações culturais nunca iam ter acesso ao direito formal. Então, o direito formal se desenvolveu ao longo dos tempos excluindo certas pessoas do direito de transformar posse em propriedade. Acho que a dificuldade de implementação do IPTU Progressivo só pode ser entendida se a gente fizer essa ref lexão anterior no direito patrimonial.”

O contexto dos Conselhos e Conferências municipais “Embora eu tenha rejeitado muito a ideia dos Conselhos na minha luta política, agora que estamos aqui, temos que lutar para que eles funcionem. Conselho de Habitação, por exemplo, só debate unidade habitacional. É, geralmente, disputa dos movimentos pelas unidades que vão ser construídas. Existe uma intenção muito clara dos movimentos de moradia de debater o tema da função social; debate retomado pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana. Mas isso foi abandonado, principalmente no governo Lula e Dilma, pela existência de recursos em abundância para provisão habitacional. Quando você constrói, há uma lógica de capitalização que sempre vai beneficiar mais as construtoras. Acho que 80% do recurso do Minha Casa, Minha Vida foi distribuído em dez consórcios. Então o que temos é um Conselho de Habitação fragmentado e um Conselho de Política Urbana que quase não tem participação da sociedade civil, sendo grande parte dele ocupado pelo empresariado. A gente tentou ocupar esse espaço. A Cida Falabella é suplente, mas quem é titular é Léo Burguês que é, talvez, o maior inimigo da política urbana dentro da Câmara. São esses os Conselhos que aprovam as operações urbanas, os consórcios imobiliários e que deveria fiscalizar o IPTU Progressivo. Existem, ainda, as Conferências, para lidar com a função social da propriedade. As Conferências da Cidade, depois de muita luta dos 99


movimentos sociais, conseguiram abrir para participação popular e conseguiram colocar no Plano Diretor alguns pontos positivos. Sua implementação recebe forte resistência do empresariado, principalmente pontos como a limitação das vagas de garagem e o coeficiente 1 de aproveitamento. O Plano ainda não foi colocado em votação sob argumento, por parte do empresariado e alguns vereadores, de ser muito complexo e, por isso, precisar ser melhor entendido. Nós estamos lutando porque foi muito investimento da sociedade civil para que esse Plano fosse implementado. A SMAPUR também tem bons planejadores urbanos que pensaram em propostas interessantes. Por exemplo, ter que pagar para verticalizar a cidade. E a gente ainda tenta fazer com que esse dinheiro seja destinado a fundos de moradia, por exemplo. Estamos construindo o Grupo Fortalecedor de Política Urbana, com o intuito de analisar, juntos, projetos de lei do executivo e do legislativo. Pensamos, ainda, em laboratórios populares de elaboração de projetos de leis.” Mecanismos existentes e o direito à terra “A gente tem uma experiência que é o comodato. Ele é um contrato simples entre particulares, do Direito Civil, que dá segurança jurídica para concessão de uso de um imóvel. É um contrato que não tem cobrança de aluguel, mas que precisa ser renovado. Ele garante a propriedade, mas admite que outra pessoa faça uso dela sem pagar. O problema é que, se você quiser rescindir o contrato, você o faz com mais facilidade. O usucapião é diferente. Nesse caso, são cinco anos ininterruptos sem oposição. Ou seja, se o proprietário entrou em contato com a ocupação, requerendo a posse, já é um conflito de oposição. Seria interessante, então, pensar em um mecanismo que, estando o imóvel inutilizado no período de pagamento do IPTU Progressivo, colocasse como compulsório um dispositivo como o comodato. Isso, porém, não garantiria que a função social ia ser cumprida, né? Poderiam fazer sempre com sujeitos privilegiados. Mas, agora, nós precisamos estudar a medida provisória da Regularização Fundiária proposta pelo governo Temer, que parece alterar muitas regras existentes. É o direito à terra sendo atacado, mais do que ele já é! É difícil! O ideal mesmo é desapropriar tudo, fazer revolução igual Cuba! (Risos) Ocupar, com famílias, todos os imóveis vazios e redividir os grandes casarões para a população.” 100


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JORNAL


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última ação do Projeto Recipientes foi a elaboração e distribuição de um jornal sobre a função social da propriedade e o direito à cidade. O jornal leva o nome “Espaços de

Ausências” e foi distribuído por diversos pontos de BH, dentre eles o entorno dos edifícios vazios mapeados. A ideia base do jornal é a de trazer, de forma direta e didática, informações tradicionalmente disponibilizadas de maneira burocrática e prolixa sobre temas como legislação, teorias e levantamentos demográficos. Dessa forma, explicamos assuntos como a função social da propriedade e os mecanismos capazes de garantir sua aplicação e referências da cidade de São Paulo, onde a lei específica já foi regulamentada e implementada. Disponibilizamos o mapeamento dos imóveis vazios e ocupações existentes e a história do Espaço Comum Luiz Estrela e da Casa de Referência da Mulher Tina Martins - dois exemplos de ocupações bem sucedidas em BH. Em relação à legislação, trouxemos informações sobre a possibilidade legal da sociedade civil elaborar propostas de lei, quais os Conselhos e Comissões envolvidas nesse processo e como se comportar em caso de uma tentativa de reintegração de posse. Como parte da nossa pesquisa e tendo como base a legislação da cidade de São Paulo, estudamos o mecanismo da PEUC e do IPTU Progressivo no Tempo a fim de entendê-los melhor. Nosso estudo apontou diversos cenários que a lei permite, mesmo quando corretamente implementada, no qual os imóveis vazios continuariam nessa condição por um tempo mínimo até uma função ser definida para o local. Esses cenários foram, então, disponibilizados no jornal como forma de crítica e discussão sobre a legislação.

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As informações reunidas no jornal têm o propósito de ser um suporte às novas ocupações e aos movimentos interessados em fazê-las. Trazer referências bem sucedidas ou formas de um civil ser atuante no cenário legal são maneiras de reforçar a ideia de ocupação como direito e contribuir para o empoderamento das ocupações existentes. Estudamos a legislação relativa ao processo de reintegração de posse a fim de elaborar as defesas diante de cada afirmação presente na liminar. Conversamos com dois advogados, Joviano Meyer e Paula Pena, sobre o assunto e eles nos ajudaram a entender qual postura uma ocupação deve assumir nesses casos. Um dos pontos mais questionados pelo Projeto é a forma como as informações legais são veiculadas. Com uma linguagem complexa e de difícil entendimento, a maioria dos cidadãos encontra dificuldades em conhecer seus próprios direitos. Esse distanciamento em relação às questões legais pode ser a brecha necessária para que abusos de poder aconteçam. Dessa maneira, tentamos garantir que uma ocupação entenda conceitos básicos do direito civil e urbanístico, desde a diferença entre posse e propriedade até como mostrar-se de boa-fé.

“Um jornal serve para pensar. E ser pensado por gente livre. Um jornal não é administrado por máquinas servis. Um jornal serve quando desperta atitudes. (...) Um jornal serve quando não teme. Nem o conflito natural das divergências nem o confronto acintoso com quem tenta intimidá-lo. Um jornal serve quando se expõe até a equívocos, mas extrai lições e busca avançar não permitindo que a prudência se confunda com o medo.” Editorial do Correio Braziliense de 19/9/1999 escrito pelo jornalista TT Catalão.

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Distribuição do jornal Definimos pontos fixos nas imediações de alguns imóveis vazios a fim de deixar um número maior de jornais. Procuramos deixá-los nos comércios devido ao maior trânsito de pessoas e consequente visibilidade, e também em algumas das ocupações mapeadas. Além disso, definimos um percurso que interligou alguns edifícios e complementamos a distribuição dos jornais em prédios, comércios diversos e passantes. 106


LEGENDA Percurso Pontos de distrubuição

Edifícios privados Edifícios públicos Ocupações

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GLOSSÁRIO

Constituição de 1988: Promulgada após o fim do Regime Militar, no então governo de José Sarney, é também conhecida como Constituição Cidadã. Isto porque, dentre suas determinações elaboradas com participação popular -, definiu-se mecanismos de garantia aos direitos fundamentais dos cidadãos, após os longos anos de repressão e censura. De caráter democrático e liberal, a Carta prevê, entre outros pontos, o sistema presidencialista de governo com eleição direta, a independência do Poder Judiciário, a assistência social pelo Estado, direitos trabalhistas, direito à livre manifestação de pensamento, direito à propriedade e o cumprimento de sua função social. Embora considerada como peça fundamental para a consolidação do Estado democrático de direito no país, sua prolixidade e linguagem confusa é alvo de críticas por se distanciar da maioria da população. Esse distanciamento leva ao desconhecimento dos direitos previstos na Constituição, tornando a noção de cidadania algo ainda frágil. O desconhecimento de instrumentos de participação direta - como a elaboração de leis por iniciativa popular - dificultam o controle social. Estatuto da Cidade: Aprovado em 2001, com o objetivo de garantir o direito à cidade e sua gestão democrática, o Estatuto vem para regulamentar o capítulo de Política Urbana da Constituição Federal e garantir a efetividade do Plano Diretor. Após a rápida e desigual urbanização brasileira entre as décadas de 40 e 80, os instrumentos da política urbana precisaram ser reavaliados para que todos tivessem acesso às oportunidades que a vida urbana oferece. A questão da Função Social da Propriedade é uma das questões fundamentais tratadas pelo Estatuto, que confere ao município a promoção e controle do desenvolvimento urbano. 109


Plano Diretor: Obrigatório para toda cidade com mais de 20 mil habitantes, o Plano Diretor é o instrumento básico para orientar a política de desenvolvimento urbano e o cumprimento das funções sociais da cidade, garantindo o bem estar de seus habitantes. Definido no Estatuto das Cidades, o Plano Diretor é uma lei municipal elaborada pela Prefeitura de cada cidade, com a participação da Câmara Municipal e da sociedade civil. É ele que pode definir, através de leis específicas, que um imóvel vazio ou subutilizado não está cumprindo a sua função social e associar obrigações e penalidades ao proprietário desse imóvel. Posse x Propriedade: Na teoria do jurista alemão Savigny, a posse seria um fato, relacionado ao uso; enquanto a propriedade seria um direito, uma formalidade. Enquanto a propriedade tem um caráter permanente, a posse é entendida como algo transitório. Por conta disso, a posse não permite o domínio pleno da coisa, não podendo o possuidor vendê-la, por exemplo. A propriedade, por sua vez, pode comprovar integralmente esse domínio e ter sobre ele direito de venda, garantias, etc. Imóveis vazios por descumprimento da função social da propriedade são alvos de ocupações de grupos que reinvindicam a posse desses espaços. Nesse caso, o possuidor pode propor ações possessórias contra o proprietário ou enquadrar no usucapião de bem imóvel. Em sua defesa, o proprietário pode entrar com ação reivindicatória de reintegração de posse. Diz-se judicialmente que se trata de uma "ação do proprietário não possuidor contra o possuidor que não é proprietário". Ocupação: É o ato de apoderar-se de algo ou de algum lugar. No campo das manifestações sociais, tem como objetivo reivindicar a posse de um local em desuso - como imóveis urbanos vazios há anos ou terras rurais improdutivas - e/ou chamar atenção para 110


problemas políticos e sociais, como quando ocorrem ocupações de espaços públicos, como escolas, parques e ruas. Quando a ocupação se dá em um bem imóvel, como uma casa ou um terreno, essa pode gerar posse em caso de acordo ou propriedade em caso de usucapião. Reintegração de Posse: Pelo Código de Processo Civil, trata-se de uma ação possessória que deve ser feita quando ocorrer esbulho. Isso significa que um proprietário tem o direito de recorrer à justiça a fim de recuperar a posse de um imóvel ou terreno que foi ocupado por terceiros. Para que o processo seja iniciado, faz-se necessário que o proprietário prove quatro pontos: a sua posse; a ocupação pelo réu; a data de início dessa ocupação e a continuidade da ocupação. Função social da propriedade imóvel urbana: A função social, condição para efetivar o Direito à Cidade, que está prevista no artigo 182 da Constituição Federal desde 1988, é princípio norteador do direito de propriedade no Brasil. De acordo com ele, todo bem, seja móvel ou imóvel, rural ou urbano, deve ter um uso condizente com os interesses da sociedade e com o Plano Diretor, e não apenas com os interesses dos proprietários. Assim, a propriedade urbana cumpre sua função social quando seu uso é compatível com a infraestrutura, equipamentos e serviços públicos disponíveis e, simultaneamente, colabora para a segurança, bem estar e desenvolvimento dos usuários, vizinhos e, por fim, da população como um todo. A função social é, então, uma medida de equilíbrio ao direito de propriedade, uma espécie de balança usada para impedir que o exercício do direito de propriedade em caráter privado prejudique um interesse maior da coletividade, de ter acesso ao bem comum da cidade. 111


Parcelamento, Edif icação e Utilização Compulsórios: O Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC) é um instrumento urbanístico, previsto pela Constituição Federal de 1988, que busca garantir que o proprietário do imóvel não edificado, subutilizado e não utilizado, parcele, edifique e, ou, utilize o imóvel, cumprindo assim a função social da propriedade. Para garantir o cumprimento da função social da propriedade, a Prefeitura deverá notificar os proprietários dos imóveis ociosos que terão um prazo definido pelo Plano Diretor e por leis específicas de cada cidade para protocolar no órgão competente o pedido de aprovação e execução de projeto de parcelamento ou edificação. Aprovado o projeto, a obra deverá ser iniciada e concluída também em um prazo máximo estipulado. Para que esses procedimentos aconteçam, não basta apenas que os instrumentos da PEUC e do IPTU Progressivo estajam presentes no Plano Diretor. A definição do tempo mínimo que caracteriza um espaço vazio, assim como os prazos de cada etapa do processo, são definidos e regulamentados em leis específicas para cada município. No Brasil, apenas São Paulo, Goiânia, Curitiba e Palmas possuem legislação específica regulamentada e implementada. IPTU progressivo no tempo: Caso o proprietário não cumpra as obrigações e prazos da PEUC, o IPTU Progressivo vem como ferramenta de punição a esses donos de imóveis. Isso significa que a alíquota do IPTU do imóvel irá aumentar a cada ano sucessivamente, enquanto as obrigações e prazos não forem cumpridos. O Executivo poderá manter a cobrança pela alíquota máxima até que seja cumprida a obrigação de parcelar, edificar ou utilizar o imóvel; ou estabelecer a desapropriação do imóvel mediante pagamento em títulos da dívida pública. Como a PEUC, os prazos do IPTU Progressivo também devem ser estabelecidos no Plano Diretor de cada cidade e em lei específica.

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Consórcio imobiliário: proprietários cujas condições econômicas não permitam dar um uso, especialmente aos terrenos não edificados, podem recorrer ao Consórcio Imobiliário. Neste instrumento urbanístico é o proprietário que deve propor à Prefeitura o estabelecimento desta ação conjunta, na qual a Prefeitura recebe o terreno do proprietário particular, edifica ou urbaniza, e devolve, após a conclusão das obras, a quantidade de unidades imobiliárias necessárias para ressarci-lo, considerando o valor do terreno à época da notificação. Esse ressarcimento, porém, pode variar de consórcio para consórcio. Transferência de potencial construtivo: É um instrumento instituído pelo Estatuto da Cidade, em 2001, que tem por objetivo transferir os potenciais construtivos do lote que, pela lei, é afetado por restrição de altura ou ocupação do lote impostas pelo Poder Público. A transferência do potencial construtivo de um lote com restrições urbanísticas para outro lote com capacidade de infraestrutura foi uma das soluções encontradas para beneficiar o proprietário do imóvel que sofreu com a limitação. A transferibilidade do Potencial Construtivo pode ser concedida pelo Poder Público por meio da Outorga Onerosa do Potencial Construtivo Adicional. Déf icit habitacional: É a medida das insuficiências de moradia de uma determinada sociedade, insuficiências essas que não se referem apenas à quantidade de moradias que faltam para abrigar as pessoas, mas também às condições das moradias existentes. Para seu cálculo são levados em conta quatro componentes: o número de domicílios precários (improvisados e rústicos), coabitação (número de famílias conviventes que tem interesse de constituir domicílio próprio), ônus excessivo com aluguel e o adensamento excessivo de domicílios alugados (condição caracterizada pelo número médio de moradores por dormitório acima de três). Em Minas Gerais o último dado de déficit absoluto, feito em 2010, era de 557 mil unidades, sendo em Belo Horizonte de 78 mil.

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Especulação Imobiliária: A especulação acontece quando um proprietário não investe em um terreno ou imóvel a espera de melhorias no entorno que valorizem sua propriedade. Um espaço pode ser valorizado apenas por modificações no entorno, como pavimentação de ruas, infraestrutura de água, esgoto, eletricidade, melhorias nos sistemas de transporte e aumento do número de construções na vizinhança; uma vez que trazem atividades para o bairro. Muitos vazios urbanos surgem dessa especulação e ficam ociosos ou subutilizados à espera de que o desenvolvimento da cidade se encarregue de valorizá-lo. Enquanto a cidade cresce em outras direções que exigem mais investimentos públicos, esses espaços deixam de dar lugar a moradias, hospitais ou equipamentos públicos. Urbanismo moderno: A partir dos anos 40 e 50, desenvolveu-se nas cidades brasileiras um padrão de urbanização e crescimento periférico no qual as cidades se expandiram de maneira centrífuga. Isso significa que foram anos de reformulação das políticas de zoneamento para expansão da malha urbana, na construção de grandes conjuntos habitacionais em regiões periféricas ao centro, na renovação urbana, substituição de suas estruturas históricas e no investimento em projetos habitacionais que favoreciam as classes média e alta, criando novas frentes de valorização imobiliária. Nesse contexto, as áreas centrais passaram por um processo de mudança de uso, deixando de ser predominantemente residencial. Nos anos 1970, o abandono das áreas centrais pela população de mais alta renda intensificou-se devido à facilidade de mobilidade motivada pelo aumento e propaganda quanto ao uso do automóvel. Essa mudança decorrente da evasão da população residente resultou em um abandono das suas estruturas físicas e em uma diminuição dos investimentos públicos e privados nessa área. Em decorrência desse processo histórico e de outros fatores como a especulação, hoje os centros das cidades brasilei114


ras reunem grande parte de edificações sem uso, áreas obsoletas e vazios urbanos. Patrimônio Histórico: É o conjunto dos bens móveis e imóveis que possuem importância na história de determinada sociedade, referenciando sua identidade. Tomados individualmente ou em conjunto, esses bens estão vinculados a fatos memoráveis ou possuem valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou artístico. A partir do patrimônio é possível conhecer a história de um determinado povo e, por isso, sua preservação é importante. Mundialmente, a UNESCO é o órgão responsável pela proteção do patrimônio histórico e cultural da humanidade. No Brasil, o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) é responsável pela gestão do patrimônio histórico e artístico em nível nacional; enquanto o IEPHA/MG (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Mina Gerais) atua em nível estadual, no caso, no estado de Minas Gerais. Tombamento: É um ato administrativo realizado pelo poder público que coloca sob a tutela pública os bens móveis e imóveis, públicos ou privados que, por suas características históricas, artísticas, estéticas, arquitetônicas, arqueológicas, documentais ou ambientais, são importantes para a história de uma sociedade. O tombamento não retira a propriedade do imóvel e nem implica seu congelamento, permitindo transações comerciais e eventuais modificações, previamente autorizadas e acompanhadas, além de auxílio técnico do órgão competente. Porém, quando um imóvel é tombado, ele não pode ser demolido, descaracterizado, abandonado e sua reforma precisa ser autorizada por algum órgão do Patrimônio. Em BH, muitos imóveis em desuso são tombados pelo IEPHA e, mesmo assim, estão deteriorados, comprometidos estruturalmente ou em ruínas, frutos de décadas de descaso e abandono por seus proprietários. 115


Patrimônio Ambiental Urbano: É o termo mais atual quando pensamos em patrimônio material e cidade. Seria entender que conjuntos arquitetônicos, espaços urbanísticos, equipamentos públicos e a natureza existente na cidade que, embora sem limites definidos, devem ser pensados a partir do que é e do ainda será. Dessa maneira, a gestão da cidade antiga - assim como da cidade contemporânea - deve ser pensada a partir de uma percepção consciente dos impactos que as ações de hoje tem na sociedade do futuro; assim como ter consciência de que essas ações podem comprometer a memória desse patrimônio. Devemos entender não só o imóvel como bem tombado, mas todo o seu entorno imediato e a vizinhança a ele relacionados que criam atividades paralelas ou complementares, de valor econômico e sociocultural. Vazios urbanos: Vistos muitas vezes como espaços estagnados e inúteis, presentes no tecido urbano, mas ausentes na percepção dos transeuntes como pertencentes à malha das cidades, os imóveis em desuso são entendidos por outros como espaços expectantes e potenciais, capazes de suprir expectativas e necessidades da cidade, capazes de fazer parte das políticas de equidade urbana. O arquiteto e teórico italiano Aldo Rossi (2001) entendia o vazio como potência, com a energia de fazer algo ainda inexistente no plano material.e possuem potencial para transformações diversas na cidade, espaços que configuram oportunidades de mudança, que podem implicar novo uso e/ou nova construção. Obsolescência: Em seu livro Public Places, Urban Spaces: The Dimensions of Urban Design (2003), o professor de Planejamento e Design Urbano, Matthew Carmona, divide o termo obsolescência em cinco dimensões: "- Física/Estrutural: fatores físicos, deterioração por uso, desgaste e envelhecimento. - Funcional: quando os espaços não estão aptos para o seu uso 116


corrente ou quando o uso é inadequado ao contexto da cidade. - Locacional: relacionada à acessibilidade e mobilidade. - Legal: correspondente às regras impostas pelos códigos - De imagem: ligada à imagem negativa que alguns espaços podem conferir à paisagem." Ociosidade: No caso dos edif ícios, a ociosidade pode vir após a obsolescência f ísica ou funcional desse espaço, f icando por anos inutilizados. Algumas edif icações, todavia, tornam-se ociosas mesmo sem se tornar obsoletas, muitas vezes pelo simples abandono desses espaços por seus proprietários. A ociosidade de um edif ício durante anos, seja ela por qual motivo, é um fator de descumprimento da Função Social da Propriedade.

Terrain vague : Segundo o arquiteto, historiador e f ilósofo catalão Ignasi de Solà-Morales (2002), autor da expressão, esta refere-se a “lugares aparentemente esquecidos onde parece predominar a memória do passado sobre o presente. São lugares obsoletos nos quais apenas certos valores residuais parecem manter-se apesar da sua completa desafectação da atividade da cidade” (SOLA-MOR ALES, 2002 pg.187). Usucapião urbano: Previsto no Artigo 1238 do Código Civil brasileiro, o usucapião é o direito que um cidadão adquire em relação à posse de um bem móvel ou imóvel privado em decorrência do uso deste por um determinado tempo que permite adquirir a propriedade do bem. Para que esse direito seja reconhecido, é necessário que sejam atendidos determinados pré-requisitos fundamentais: o ocupante não deve ser proprietário de imóvel rural ou urbano; possua como seu, por cinco anos o bem imóvel; que a posse seja ininterrupta e pacíf ica, ou seja, o proprietário orig inal do imóvel ou terreno não pode questionar o direito de posse. 117


Comodato: O comodato é um tipo de contrato em que ocorre o empréstimo gratuito, por tempo determinado previamente, de coisas que não podem ser substituídas por outra igual, como um imóvel. A única obrigação de quem recebe o bem é devolver no prazo combinado e nas mesmas condições que recebeu. O contrato de comodato, previstos nos artigos 579 e 585 do Código Civil Brasileiro, é entendido como um contrato unilateral, onde apenas o comodatário (quem recebe) tem obrigações legais. O comodato é considerado um contrato não solene, ou seja, não precisa ser registrado em cartório, e pode ser oral (também chamado de comodato verbal). Mas a recomendação é que seja feito por escrito para evitar mal-entendidos. Ativismo de Bairro: O Ativismo de bairro - ou ativismo social - é uma prática socioterritorial, espacialmente referenciado, que se dá na escala do lugar, do bairro. Essa prática, que teve apogeu no Brasil entre a década de 1970 e meados de 1980, entende o bairro como um ponto de partida para se pensar a cidade como um todo. O ativismo de bairro foi como uma "escola de cidadania e participação política" pensada a partir da sociedade e para a sociedade, fazendo do bairro uma espécie de aglutinador. Atualmente, o raciocínio parecido acontece, em algumas cidades, com o Orçamento Participativo. Orçamento Participativo: É um instrumento que permite ao cidadão debater e ajudar a definir os destinos da cidade e a forma e o direcionamento de verbas destinadas a obras e serviços públicos.

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Descrito no Estatuto da Cidade - mas já praticado desde 1989 -, trata-se de um mecanismo de complementação da democracia representativa e corresponsabilização entre governo e sociedade sobre a gestão da cidade. O Orçamento Participativo ocorre por meio de assembleias abertas e periódicas, com debates, audiências, consultas públicas e etapas de negociação direta com o Governo. Em BH, o OP é organizado considerando o Decreto que previu 40 Territórios de Gestão Compartilhada (TGC). Dessa forma, estabeleceu-se recortes baseados em critérios socioeconômicos, infraestruturais e características urbanas que servem como referência para articular o planejamento e os investimentos públicos. O OP ainda precisa ser uma realidade em mais cidades e ser responsável por mais obras que ampliem ofertas de escolas, centros de saúde, centros culturais, áreas de lazer, moradias, infraestrutura, etc. Controle Social: Pode ser entendido como a participação do cidadão na gestão pública, na fiscalização, no monitoramento e no controle das ações da Administração Pública como mecanismo de prevenção à corrupção e de fortalecimento da cidadania. O controle social é um complemento indispensável ao controle institucional realizado pelos órgãos que fiscalizam os recursos públicos e pode ocorrer tanto na fase de planejamento como na execução das ações do governo. O direito à participação popular na formulação das políticas públicas e no controle das ações do Estado está garantido na Constituição de 1988 e regulamentado em leis específicas.

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Cidade que Queremos BH: Seja como Coletivo, seja como Movimento, o Cidade que Queremos é um apelo ao acesso e democratização das cidades. Atuando desde 2015, o grupo reune ativistas e militantes de diversas áreas que lutam por causas como a mobilidade urbana, moradias sociais, direitos trabalhistas, direito ao espaço público, sustentabilidade, cultura e visibilidade indígena, feminina, negra, jovem e LGBTQ+. De forma autônoma, horizontal e autogestionada, o grupo discute novas possibilidades políticas para além de questões partidárias e mais próximas do cotidiano das pessoas. Por meio de ações, reuniões e provocações, o Cidade que Queremos discute propostas para uma cidade melhor a partir de quem vive nela. Urbanismo tático: Corresponde às intervenções rápidas, pequenas e/ou temporárias que permitem experimentar mudanças na cidade por um período determinado. Pela escala de atuação, o urbanismo tático oferece uma espécie de aproximação dos moradores ao impacto causado caso a iniciativa fosse, de fato, executada. É uma tentativa de agir na cidade de forma pontual a partir de pequenas intervenções criativas pela malha urbana. O urbanismo tático é a própria autogestão e autoprodução focada no espaço público ou em espaços que podem contribuir para uma cidade melhor e mais democrática.

Site-specif ic : O termo faz menção, no campo das artes, a obras criadas de acordo com o ambiente e com um espaço determinado. Trata-se, em geral, de trabalhos planejados em local certo, em que os elementos esculturais dialogam com o meio circundante, para o qual a obra é elaborada. Pensar o site-specific no contexto

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do urbanismo é pensar intervenções pontuais estrategicamente dispostas pela cidade e desenvolvidas a partir da demanda do próprio entorno e em constante diálogo com ele. Lambe-Lambe: Uma vertente da arte de rua, os cartazes de lambe-lambe são intervenções urbanas utilizadas com diferentes propósitos que vão desde divulgação de arte independente até como forma de protesto e transmissão de ideias. Podem ser encontrados desde simples textos até confecções mais elaboradas graficamente, variando quanto ao formato, tamanho, técnica e tipo de papel. De fácil execução e colagem e com origem na propaganda de rua, os lambes são familiares à sociedade e, por isso, foram escolhido pelo Projeto Recipientes como uma ação provocativa, de resgate e resignificação desses edifícios na percepção dos transeuntes. Reminiscência: O filósofo, historiador e professor italiano Paolo Rossi (2010) foi um grande estudioso acerca da temática da memória, do esquecimento e de uma área ainda muito sutil e complexa, a reminiscência. Segundo ele, reminiscência é a capacidade de recuperar algo que já possuíamos, mas que foi esquecido. Essa recuperação - ou reevocação - dá-se a partir de um esforço deliberativo da mente, uma busca voluntária iniciada pela identificação de pequenos rastros. A partir desses rastros, nós nos aproximamos e, consequentemente, nos apoderamos do objeto novamente. Quando pensamos na intervenção dos lambes podemos entendê-los como capazes de provacar a identificação desses rastros e resgatar na mente do transeunte a existência daquele edifício e, consequentemente, sua ressignificação.

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D

esde a idealização despretensiosa em março de 2016, construímos um ano e meio de Projeto Recipientes. A decisão de continuarmos enquanto grupo veio

da vontade de tentar ocupar esses vazios com diversas formas de expressão e ampliar os espaços de conversa sobre a cidade. A rapidez e sorte no processo da Feira de Quintal não nos permitiu uma maior ref lexão sobre o contexto dos imóveis desocupados. Com o tempo, ao assumir a continuidade do Projeto e tê-lo enquanto tema do Trabalho de Conclusão do Curso de Arquitetura e Urbanismo, pesquisamos e nos aprofundamos, buscando entender a complexidade do assunto da propriedade - tanto pública quanto privada - no Brasil; desde a dif iculdade em relação à implementação de leis de regulamentação e f iscalização da PEUC (Parcelamento, Edif icação e Utilização Compulsórios) e do IPTU Progressivo no tempo, até o desconhecimento da população a respeito dos próprios direitos. A ideia de ocupações nesses edif ícios em desuso, mesmo que temporárias, ainda sofre grande resistência, não só por parte dos proprietários mas também do poder público, que vem colocando o di-

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APONTAMENTOS

reito à propriedade acima de direitos básicos, como moradia e cultura. Além de dif icultar as aprovações dessas leis regulamentadoras, o Estado, ao amparar agentes do capital e do mercado imobiliário, afasta a questão de toda a sociedade; distanciando o cidadão do conhecimento de um direito básico: reclamar o cumprimento da Função Social da Propriedade. Mesmo que o cenário tenha se mostrado mais complexo e com mais percalços do que imaginávamos inicialmente, foi importante - e inspirador - conhecer movimentos e ocupações bem sucedidas, tanto em Belo Horizonte, como em várias outras cidades do país e do mundo. As formas de organização, os objetivos, os suportes legais, as propostas e o compartilhamento das experiências dessas ocupações foram, para nós, uma fonte de esperança e autoaf irmação. Diante da complexidade do tema e dos diversos agentes que o permeiam, a ideia de uma conclusão de todo o processo corre o risco de ser reducionista. A luta pelo direito à cidade é uma luta que há anos vem se fortalecendo e que muito ainda terá que caminhar para ser, de fato, um direito. Ações que corroboram para esse enfrentamento são importantes dentro do processo pois, mesmo de forma local, fomentam e instigam o debate sobre temas importantes para a construção de uma cidade mais democrática.

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