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Thainá Silva
Estudante de História, cearense, mulher. A escrita é, antes de tudo, um campo de possibilidades, uma experimentação.
O dia
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Asaudade é como um corte provocado na pele, fere, sangra, deixa sua cicatriz. Deus no princípio disse que o verbo se fez carne, a carne é uma fragilidade, mas o espírito também é, senão, não haveria essa necessidade constante de nutri-lo. Lembrar antes de esquecer é viver, a existência mais digna que posso dar ao não esquecido é eterniza-lo em palavras. Certamente você diria que a eternidade é uma pretensão egoísta, mas é medo do efêmero. Como um clarão a iluminar a memória tua imagem percorre os recantos mais bonitos de mim. Embora vencida pelo cansaço do dia me misturei ao êxtase da noite, por uma fração de segundos uma súbita alegria me tomou e lá estava você do outro lado da festa. Dizem que o olhar é a janela da alma, mas se esquecem de falar que é por ele que elas se encontram e se reconhecem. Teus olhos amendoados acendiam meus desejos mais sacanas, mas não seriam eles os mais humanos? Um tanto sem graça, você me convidou para sair, uma timidez inteligente, diria. Afastadas da balbúrdia da festa seus longos cabelos se misturaram ao meu, minha boca percorria teu corpo, a sede que senti foi de ti! O gozo se transmutou em liberdade, livres, mas não libertas, nos acolhemos ali. Numa metáfora grotesca, o passado é como o sangue a circular pelas veias, enquanto elas estão intactas ele é vívido, fluído, mas, uma vez rompidas ele se torna espesso, coagulado, sem fluidez. O ar fúnebre do teu corpo me reporta ao estranhamento, a expressão da morte engessou uma feição desconhecida, findando não apenas tua existência, mas o que um dia fomos. Nossa cultura ensina que descer é sempre infernal, a queda da humanidade é a metáfora mais convincente dessa afirmação. Entretanto, é debaixo que brota a beleza mais singela, é das sombras que nasce a vida, no solo escuro raízes se fincam. Longe das convenções, teu rosto pálido resplandece. Falam que o amor conduz a elevação divina, mas penso ser ele a materialização do humano, nos subterfúgios de mim eu te guardo e guardada entre outros restos mortais já deteriorados você jaz. A-Deus!