Ilma. Sra. Pamela Cox Vice Presidente do Banco Mundial para a América Latina e o Caribe Banco Mundial Washington, D.C. Com cópia para: Sr. Makhtar Diop, Diretor, Banco Mundial no Brasil Sr. Rogério Studart, Diretor Executivo do Brasil – Banco Mundial Sra. Isabela Teixeira, Ministro do Meio Ambiente Sr. Paulo Bernardo Silva, Ministro do Planejamento Sr. Guido Mantega, Ministro da Fazenda Sr Carlos Eduardo Esteves Lima, Ministro Interino da Casa Civil Sr. Luciano Coutinho, Presidente do BNDES Sr. Mark Lundell, Coordenador de Operações em Desenvolvimento Sustentável – Banco Mundial, Brasília Brasília, 15 de dezembro de 2010
Prezada Senhora, Esta correspondência tem como finalidade comunicar a existência de sérios problemas e solicitar esclarecimentos e providências do Banco Mundial, a respeito do Contrato de Empréstimo no. 7660-BR no valor de US$ 1,3 bilhões, referente ao Primeiro Empréstimo Programático para Política em Desenvolvimento em Gestão Ambiental Sustentável – SEM DPL. Em particular, destacamos os seguintes problemas referentes à elaboração e implementação da nova política institucional ambiental e social do BNDES, como iniciativa apoiada pelo SEM DPL: 1. No Anexo 1 do Contrato de Empréstimo (e no Anexo 3 do Documento de Programa) consta uma lista de ações prévias consideradas como condições para o desembolso do primeiro tranche de US$ 800 milhões do SEM DPL, ocorrido em 30/06/10. A grande maioria dessas condições foi implementada antes da assinatura do contrato de empréstimo, e teria acontecido independente da existência do SEM DPL. Nesse sentido, falta clareza sobre qual é a adicionalidade trazida pelo SEM DPL para o Brasil. Além disso, temos sérias preocupações relativas à falta de análises qualitativas da execução dessas ações prévias, sobretudo em termos de seus impactos, uma tendência já verificada na implementação do antecessor do SEM DPL, o "First Programmatic Reform Loan for Environmental Sustainability – SAL" (Empréstimo no. 7256-BR). 2. Na área de energia renovável, por exemplo, uma das ações prévias para o primeiro tranche do SEM DPL foi a inclusão da metodologia de Avaliação Ambiental Integrada (AAI) no "Manual de Inventario Hidrelétrico de Bacias Hidrográficas" do MME e sua aplicação pela ANEEL a dez bacias hidrográficas. A realização de AAIs como iniciativa unilateral do MME, como base para o planejamento de hidrelétricas, tem sido extremamente polêmica, desde uma experiência inicial na bacia do rio Uruguai. Em documento intitulado "Carta de Erechim" de 2006, assinada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB –, a ONG Ingá Estudos Ambientais e o Núcleo Amigos da Terra Brasil, houve fortes criticas sobre a validade do processo de elaboração da AAI, afirmando que "o conceito de sustentabilidade que vem sendo utilizado pelo Ministério de Minas e Energia, de modo a legitimar os empreendimentos
hidrelétricos, é vago e sem fundamentação”. E prossegue: “(…) grande parte das hidrelétricas (na bacia do rio Uruguai) incidem nas últimas áreas núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica na região, e em Áreas Prioritárias para a Conservação pelo próprio IBAMA, e ameaçam com o deslocamento de dezenas de milhares de famílias, produzindo-se assim energia de elevadíssimo custo ambiental (extinção de espécies de peixes e plantas) e injustificável custo social, principalmente a pequenos agricultores que são reconhecidos como modelo de sustentabilidade”. 1 Em entrevista recente, o presidente da Agencia Nacional de Águas (ANA), Sr. Vicente Andreu, alertou que as AAIs realizadas pelo MME até o momento podem até ser considerados um certo avanço, mas sempre chegam à mesma conclusão de que "tudo é possível e que não há nenhum tipo de restrição". Isso ocorre porque as AAIs "não consideram critérios de natureza ambiental" enquanto ficam sob uma "ótica exclusivamente do setor elétrico". Assim, o presidente da ANA conclui que as AAIs "não têm cumprido com o seu objetivo original" e precisam ser revisadas para incorporar efetivamente a dimensão ambiental do desenvolvimento. 2 Outro caso revelador ocorre na bacia hidrográfica do Teles Pires, onde a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) do MME contratou as empresas Concremat Engenharia e Leme Engenharia para realizarem uma Avaliação Ambiental Integrada. Claramente, a AAI não teve nenhum impacto restritivo sobre o número de usinas hidrelétricas propostas para o rio Teles Pires, onde o MME pretende construir um total de seis UHEs até 2015, contando com processos de "licenciamento automático" conduzidos por órgãos ambientais em tempo recorde. 3 A AAI conduzida pelo MME não considerou efetivamente os impactos socioambientais individuais e cumulativos das hidrelétricas do Teles Pires (inclusive sobre terras e povos indígenas) e destes com as conseqüências da implantação da hidrovia Teles Pires-Tapajós e de várias outras UHEs previstas para os rios Tapajós e Jamanxim, associadas a industrias de mineração eletro-intensiva e atividades agropecuárias a serem incentivadas. Alem disso, as AAIs tipicamente desconsideram iniciativas de desenvolvimento sustentável nos territórios afetados, desenvolvidas por populações locais. Manifestamos ainda a nossa preocupação de que o "Sustainable Development of Hydropower Initiative" (Iniciativa de Desenvolvimento Sustentável da Hidroeletricidade) como parte de uma iniciativa internacional de ministérios de energia denominada "Clean Energy Ministerial", propõe reproduzir em paises africanos - sob o argumento de "encontrar um equilíbrio entre a produção de energia e questões socioambientais" - a mesma metodologia polêmica dos inventários de bacia hidrográfica com AAI que foi desenvolvida pelo MME, em conjunto com o Banco Mundial. 4 3. De acordo com o Anexo 1 do contrato de empréstimo do SEM DPL (Seção I,B, 1, b) uma das condições para a liberação do segundo tranche de US$ 500 millhões, previsto até 31 dezembro de 2010, é a aprovação pela Diretoria Executiva do BNDES de uma "nova política institucional ambiental e social", bem como a sua aplicação às operações financiadas diretamente pelo banco. Nesse sentido, solicitamos esclarecimentos do Banco Mundial sobre quais os critérios concretos sendo utilizados para avaliar o cumprimento ou não desta condição de 1
http://noticias.ambientebrasil.com.br/exclusivas/2006/09/12/26744-exclusivo-ongs-gauchas-questionam-avaliacaoambiental-integrada-aai-da-bacia-do-rio-uruguai.html 2 http://www.youtube.com/user/AmbienteEnergia1#p/u/1/auTsEeoS6Fo Trecho: 1'45 – 3' 26" 3
Veja o caso da LP emitida pelo IBAMA para a UHE Teles Pires em 13/12/2010. Licença prévia da usina Teles Pires é mais uma agressão aos povos amazônicos, http://telmadmonteiro.blogspot.com/2010/12/licença-prévia-dausina-teles-pires-é.html 4 http://www.energy.gov/news/documents/Sustainable-Development-Fact-Sheet.pdf
desembolso do segundo tranche. 4. Nesse sentido, a Seção I, B, 2 (d) do Anexo 1 do contrato de empréstimo define como condição para o desembolso do segundo tranche do SEM DPL a comprovação pelo Mutuário de evidências de garantias do BNDES de que o seu programa de financiamento para eficiência energética e energia renovável seja coerente com a nova política institucional ambiental e social do banco. Assim, solicitamos esclarecimentos do Banco Mundial sobre quais os critérios sendo efetivamente utilizados para avaliar o cumprimento ou não desta condição de desembolso do segundo tranche. 5. O último relatório do Banco Mundial sobre a implementação do SEM DPL (ISR 1673, com data de 27/09/10) classifica as condições de desembolso citadas nos itens 2 e 3, acima, como "não cumpridas", porém "on track" (no rumo certo). Ao mesmo tempo, afirma o seguinte: O Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES) está trabalhando em ações necessárias para cumprir com quatro das condições de desembolso do segundo tranche. Cada condição inclui alguns passos de componente. Portanto, enquanto nenhuma condição de tranche tenha sido cumprida completamente, o BNDES tem produzido documentos associados a 18 etapas diferentes, que foram submetidos recentemente para revisão do Banco. Esses documentos incluem: (i) o Programa de Florestas do BNDES, voltado para o reflorestamento e o manejo florestal sustentável, (ii) Diretrizes para o financiamento da geração de energia renovável, visando à condições especiais em comparação a usinas de petróleo e gás, (iii) diretrizes para o financiamento de frigoríficos, no intuito de assegurar que o gado vem de fazendas que estão em cumprimento com novos regulamentos ambientais, e (iv) a Iniciativa da Mata Atlântica do BNDES, voltada para disponibilizar recursos a fundo perdido para apoiar a reabilitação de matas ciliares e o manejo de áreas protegidas. Em conformidade com as políticas sobre transparência, divulgação de informações e a OP 8.60 sobre empréstimos para políticas de desenvolvimento (DPLs) do Banco Mundial, solicitamos o envio de copias dos documentos citados acima com a brevidade possível, assim como demais evidências sobre o cumprimento das condições de desembolso citados nos itens 3 e 4, acima, inclusive os documentos de Ajuda Memória de missões de supervisão do Banco. 6. Evidentemente, não deve ocorrer o desembolso pelo Banco Mundial do segundo tranche de US$ 500 milhões para o SEM DPL se houver evidências do descumprimento das respectivas condições estabelecidas no Acordo de Empréstimo 7660-BR. Sob essa ótica, comunicamos a nossa extrema preocupação com a falta de evidências da aplicação de salvaguardas socioambientais em casos emblemáticos, a exemplo do pedido de empréstimo para o Complexo Hidrelétrico de Belo Monte, cuja aprovação tem sido assinalada antecipadamente pelo BNDES. 5 Em conformidade com o acordo de empréstimo do SEM DPL, é preciso esclarecer como os procedimentos de análise do pedido de empréstimo para o Complexo Belo Monte estão aplicando efetivamente a nova política institucional ambiental e social do BNDES antes de sua aprovação formal, inclusive no que se refere ao cumprimento da legislação nacional e normas internacionais sobre os direitos humanos e a proteção do meio ambiente, e à análise de riscos financeiros. 7. 5
Para finalizar, manifestamos a nossa preocupação com a falta de transparência e dialogo
Veja: Condições do apoio financeiro à implantação do aproveitamento hidrelétrico Belo Monte http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Infraestrutura/Energia_Eletrica/belo_monte.h tml; BNDES deve fechar financiamento de Belo Monte em até 60 dias, 24/08/10 http://www.dci.com.br/noticia.asp? id_editoria=14&id_noticia=339499#d
com a sociedade civil a respeito do processo de elaboração e e implementação do SEM DPL, em casos como as Avaliações Ambientais Integradas (AAI) do MME e a nova política institucional ambiental e social e ambiental do BNDES. Nesse sentido, causa estranheza a falta de medidas elementares, como a tradução do Documento de Programa para o português, e a inexistência de um sistema de monitoramento operado pelo MMA (ENV TAL) para supostamente "assegurar transparência e facilitar a participação social" no SEM DPL. 6 Ao nosso ver, essa situacão contradiz a OP 8.60 e políticas do Banco sobre transparência e "disclosure", enquanto demonstra semelhanças com outros DPLs complexos e de alto risco. Nesse sentido, vale lembrar o caso de um DPL em Iêmen, onde um painel de elegibilidade recentemente recomendou uma investigação pelo Painel de Inspeção para corrigir desvios no cumprimento de políticas sobre consultas e transparência. Sem mais para o momento, e no aguardo de retorno com a maior brevidade possível, Atenciosamente, Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais International Rivers Network
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Documento de Programa, para. 227 (Item E: Riscos e Mitigaçãoº)