Desfiadeiras de Siri - Fernando Santa Clara

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GOVERNO DO ESTADO DO ESPIRÍTO SANTO SECRETÁRIA DE CULTURA DO ESPÍRITO SANTO– SECULT REDE DE CULTURA JOVEM DESFIADEIRAS DE SIRI: ELEMENTOS DE IDENTIDADE CULTURAL DE UM POVO LIGADO À GASTRONOMIA.

Resumo Com os conceitos e formulações acerca do entendimento de cultura, preservação e identidade, surgem instituições responsáveis pela preservação dos elementos representativos desses pensamentos. Institutos, legislação, denominações e conceitos dos mais diversos campos se concentraram em prol da defesa do patrimônio e a preservação e registro deste. Porém, entendermos os papéis do Estado, dos cidadãos e da comunidade a ser preservada é se suma importância para que o processo se dê de forma clara, objetiva. Aqui vamos discutir sobre as desfiadeiras de siri; a sua história, o seu ofício e a sua importância para o povo capixaba. Dividimos os blocos de relatos históricos e conceituais, e logo depois o bloco de discussões, relacionando os conceitos e o ofício em seguida, as considerações finais deste trabalho.

Introdução O interesse por este tema surgiu da constatação da importância de pesquisar a chamada “identidade capixaba”, sobretudo nos aspectos relacionados às manifestações gastronômicas características do Espírito Santo – especificamente a região da Ilha das Caieiras no município de Vitória – ES. A razão desse recorte repousa na percepção de uma tradição ligada ao mar, presente na dita região, que preserva ao longo do tempo uma cultura de raiz manifesta, de maneira especial, na culinária e nos fazeres ligados a esta arte. O interesse surge no ano de 2006, quando pela primeira vez buscamos identificar a profissão de desfiadeira de siri, sua importância para a comunidade e correlacionar estes temas à identidade cultural daquele grupo. Qual não foi a surpresa de descobrir o pouco material de estudos a respeito do tema. Verificamos parcos informativos que usavam a desfiadeiras apenas como chamariz a turistas, sem maiores preocupações com a preservação do ofício ou seus significados sociais; uma amostra desse tipo de material desenvolvido encontra-se no site da Secretaria de Turismo do Governo do Estado do Espírito Santo 1 . Terminado o curso de graduação em gastronomia, resolvemos seguir à diante com o projeto cujo objetivo era o de conhecer sistematicamente a tradição envolvida em torno do ofício das desfiadeiras e seus significados mais profundos para o grupo em que se manifesta. Essa foi a nossa busca durante todo o desenvolvimento do projeto.

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Disponível em http://www.es.gov.br/site/turismo/culinaria.aspx. Acesso em 02/02/2010.


GOVERNO DO ESTADO DO ESPIRÍTO SANTO SECRETÁRIA DE CULTURA DO ESPÍRITO SANTO– SECULT REDE DE CULTURA JOVEM Após a realização do mesmo, restringimos a nossa discussão ao diálogo teórico. Esta decisão foi tomada, pois alguns problemas surgiram ao longo da execução do projeto, dentre eles, a não disponibilidade das desfiadeiras para que pudéssemos realizar um trabalho de caráter mais etnográfico e, portanto, mais realista. Esta e outras discussões ocorrerão durante as discussões neste produto.

Breve histórico do local No séc. XIX, chamada de Caieiras e entendida como região de lameirão; no séc. XX, em 38, no governo de Américo Monjardim, Caieiras era um “povoado com uma igreja”. Vale ressaltar, como o faz Neves, “não [se] fala em ilha ”(1996, p.13) Segundo Neves, há pouco mais de trinta anos, a Ilha das Caieiras era ultimo reduto povoado, além de Inhanguetá, bairro ao norte de Santo Antônio (1996, p.13). Ressalta ainda que Caieiras era diferente do que estava do seu entorno (bois e vacas, arames farpados delimitando sítios e mata-burros na estrada – Av. Serafim Derenzi, que, na época ainda era de barro –); diferente porque era a única parte geográfica da região a ter contato com o mangue, e, graças a essa intervenção geológica, ter as suas conchas e, graças a elas, sua fábrica de cal. A fábrica de cal Boa Esperança e o mangue eram os meios de subsistência da população local; além destes, as mulheres lavavam roupas para fora. Caieiras significa “forno onde se calcina a pedra ‘calcárea’ para se fazer a cal” (NEVES, 1996, p.14) . A ilha não possuía, geologicamente, calcina o suficiente para se fazer cal; as ostras, estas abundantes em seu entrono, sim, tinham calcina o suficiente para sustentar a fábrica de cal. Trata-se, inclusive, que a ilha teve alguns momentos propícios para a fixação do homem em seu território, mas dois são destacáveis: a fartura de alimento para a fixação dos indígenas e a fartura de conchas para a fixação de homens para o trabalho com o cal. Estabelecia-se aí nesta época “o liame entre os moradores das Caieiras e o canoeiros, que desciam em grandes canoas, sacas de café do Porto de Cachoeiro de Santa Leopoldina para exportação pelo Porto de Vitória” (NEVES, 1996, p.18) . O rio Santa Maria desemboca em frente à ilha; nela, os canoeiros faziam paradas, visando o vazar ou o encher da maré, dependendo de seu destino: o Porto de Vitória ou o Santa Maria. Nos anos 20, a produção cafeeira no vale do Santa Maria entra em declínio e a estradas de rodagem deixavam o transporte fluvial inviável. Este evento prejudica várias pessoas, fazendo com que se dissipassem de seus municípios de origem e buscassem porto em outros locais. “Os canoeiros já tinham conhecimento que ,na ilha,


GOVERNO DO ESTADO DO ESPIRÍTO SANTO SECRETÁRIA DE CULTURA DO ESPÍRITO SANTO– SECULT REDE DE CULTURA JOVEM a fábrica Boa Esperança e a pesca no manguezal ofereciam condições de trabalho e subsistência” (NEVES, 1996, p.18). Esta situação geraria o que entendemos hoje como o complexo de São Pedro: a região de Ilha das Caieiras e os bairros ao seu redor, com um acúmulo de casas e comércio. Não podemos deixar de citar a poluição e a devastação da ilha, pelo acúmulo demográfico em tão pouco tempo. Historicamente (e, agora, mais intensamente, graças ao aumento exacerbado da população) o siri era catado com armadilhas. Jereréu (puçá com tripa de galinha) e o mombó (pesca realizada à noite com ajuda de lampiões) são exemplos de armadilhas utilizadas na cata do siri. Com a extinção da fábrica de cal, a população precisou buscar recursos para sobreviver. A pesca foi, sem duvidas, o mais importante recurso. Na década de 70, as mulheres começaram a desfiar o seu siri e levá-lo para vender no mercado da Vila Rubim. Dona Maroca diz que: [...] depois de 40 anos [estava com 77 na época da publicação do livro] que eu comecei a desfiar aqui na ilha. Nós começamos a desfiar e a mandar para o mercado da Vila Rubim um poucozinho pra ver se saia, negócio de um quilo, meio quilo. Às vezes vendia, às vezes não vendia, isso no começo. Depois começou o pessoal a procurar e a dar valor, todo mundo começou a desfiar, começaram a comprar aqui na ilha mesmo (MAROCA apud NEVES, 1996, p.34).

Esses aspectos históricos no orientam para as discussões que serão feitas nas próximas abordagens. As discussões acerca do patrimônio imaterial, cultura e identidade Consideramos essa discussão de grande valor para o entendimento do trabalho. Ora, afinal, estamos diante de uma discussão de valores locais, de intervenções pontuais e da real importância de um ofício histórico para uma comunidade. Ao discutirmos a importância do patrimônio cultural para um grupo social, é importante que entendermos o que é realmente este patrimônio. Para Brayner: [...] o patrimônio cultural de um povo é formado pelo conjunto dos saberes, fazeres, expressões, práticas e seus produtos, que remetem à história, à memória e à identidade desse povo.[...] A preservação desse patrimônio cultural significa, principalmente, cuidar dos bens aos quais esses valores são associados, ou seja, cuidar de bens representativos da história e da cultura de um lugar, [...] de um grupo social [...]. Trata-se de cuidar [...] também dos usos, costumes e manifestações culturais que fazem da vida das pessoas e que se transformam ao longo do tempo. O objetivo principal da preservação do patrimônio cultural é fortalecer a noção de pertencimento de indivíduos a uma sociedade, a um grupo, ou a um ligar, contribuindo para a ampliação do exercício da cidadania e para a melhoria da qualidade de vida. (BRAYNER, 2007, p12).


GOVERNO DO ESTADO DO ESPIRÍTO SANTO SECRETÁRIA DE CULTURA DO ESPÍRITO SANTO– SECULT REDE DE CULTURA JOVEM Estes apontamentos são feitos pela autora em um livro publicado pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), instituição responsável pela preservação do patrimônio nacional. Apontamentos semelhantes, porem mais abrangentes, são defendidos por outra publicação do IPHAN: [...]a noção de patrimônio imaterial é introduzida na prática de preservação, referindo-se ‘ao conjunto de manifestações que se expressam na forma de saberes, modos de fazer, celebrações, formas de expressão enraizadas no cotidiano das comunidades, vinculadas ao seu território e às sua condições materiais de existência. No seu conjunto, dão sentido às noções de identidade e de lugar (SANT’ANNA apud IPHAN, 2001, p.204).

Ao discutirmos a cultura de um determinado povo, consideramos de suma importância entendê-la, antes, etimologicamente. Não podemos fazê-lo pois há infinitas definições desta palavra. Escolhemos a que o IPHAN, baseada na Constituição Federal de 1988, se utiliza no entendimento do patrimônio imaterial, que considera cultura “[...] todas as ações por meio das quais os povos expressam suas formas de criar, fazer e viver.” (BRAYNER, 2007, p 6). Devemos nos referir também ao que entendemos como identidade, já que um dos temas do trabalho a serem levados em discussão é a identidade. Vale lembrarmos que vamos buscar aqui trabalhar com um conceito que chamamos de identidade individual, ou seja, o torna o sujeito único, e um conceito de identidade coletiva, que mostra o sentimento de um conjunto de individualidades em pol de algo característico de um grupo. Ainda, segundo Brayner, “a identidade de uma pessoa (identidade individual) é formada [baseada em] tudo aquilo que a torna única e diferente das demais. (2007, p.06)”. A autora nos diz sobre a identidade coletiva que “as pessoas de cada grupo social compartilham histórias e memórias coletivas, [...] ou seja, as pessoas estão ligadas por um passado comum, [...] por costumes, [...] por crenças e saberes comuns, coletivamente compartilhados(2007, p.07).” Consideramos as discussões acima de grande importância para o nosso entendimento de como as relações entre indivíduos (identidades), cultura e patrimônio devem se relacionar, buscando, ao final, um entendimento do papel da sociedade (e do Estado) na preservação e fomento ao ofício em que nos propomos a discutir neste trabalho: o de desfiadeiras de siri.

A divisão dos ofícios: traço de um saber O ofício de desfiar siri é, nativamente, feminino. Conforme já mencionado, a pesca do siri se dá, basicamente, de duas formas: o jereréu e o mombó. Os homens que saem


GOVERNO DO ESTADO DO ESPIRÍTO SANTO SECRETÁRIA DE CULTURA DO ESPÍRITO SANTO– SECULT REDE DE CULTURA JOVEM para pescar são os responsáveis por trazer o siri para suas casas. Seus conhecimentos empíricos demonstram com que habilidade eles fazem essa pesca. Segundo Silvério Vieira, “na maré de lua cheia, a maré que enche e vaza mais, ele [o siri] dá mais (VIEIRA apud NEVES, 1996, p.27).”. O tempo de pesca também determina a quantidade de siris. Para se conseguir um quilo de siri são necessárias, aproximadamente, 2 horas de pesca. Como a pesca fica a cargo dos pescadores, o desfio do siri fica a cargo das mulheres. Ainda segundo o referido pescador, “o siri pescado é entregue à família para desfiar, a mulher, os filhos. Eu mesmo não desfio. Ou, do contrário, quando não tem ninguém dentro de casa, a gente paga para ele desfiar e depois de desfiado, é vendido (NEVES, 1996, p.31).”. Segundo Neves, “a técnica de desfiadura do siri é simples, manual, mas cada desfiadeira tem o seu próprio método de quebrar a casca do siri, previamente cozinhado, de usar a faquinha de cabo de madeira para separar a carne das vísceras, guardando os cascos para serem vendidos e servirem de casquinhas de siri nos restaurantes capixabas”(1996, p.31). Vitalina Correia Domingos, desfiadeira de 68 anos, “a gente ferve o siri com água. Tem gente que põe sal, mas nem todos. Depois deixa esfriar para começar a desfiar. Desfia com faca, corta o siri no meio e vai puxando o peixinho dele, só o peixe, e a casca a gente lava ela bem lavadinha e vende.” (31). O ofício que, apesar de tradicional, não é tão antigo, está sendo ameaçado de extinção. Após pesquisas junto à Prefeitura Municipal de Vitória (tendo como base de orientação a unidade do Projeto Terra, da referida prefeitura, presente no local, e as desfiadeiras que trabalham em suas casas), fomos informados de que a associação, fundada em 1999, com aproximadamente, 50 desfiadeiras, hoje já não mais exerce seu papel, estando apenas com 1 desfiadeira2. Conversamos de maneira informal com algumas desfiadeiras, e estas temem pelo fim do oficio. Retomaremos essa discussão mais adiante.

Papel da sociedade e do Estado na preservação do ofício Vamos aqui retomarmos um poucos dos conceitos já citados no trabalho, trazermos novos e buscarmos entender a importância do papel das desfiadeiras de siri para a identidade local, levando em considerações aspectos patrimoniais, culturais e de tradição gastronômica em nosso estado, visando uma discussão à luz do reconhecimento desta profissão.

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Informação obtida na unidade do Projeto Terra no bairro em 18/03/2010.


GOVERNO DO ESTADO DO ESPIRÍTO SANTO SECRETÁRIA DE CULTURA DO ESPÍRITO SANTO– SECULT REDE DE CULTURA JOVEM Após entendermos um pouco do que é o ofício por nós referido, precisamos entender de que maneira ele se encaixa dentro dos conceitos supracitados e trazermos novos conceitos que nos orientem dentro do campo da preservação deste. Entendamos, primeiramente, de que forma este oficio se encaixa no conceito de cultural expresso na constituição federal. O desfiar é, sem dúvida, uma forma de “criar, fazer e viver”. Criar quando retomamos o desenvolvimento das técnicas apreendidas pelas desfiadeiras ao longo dos anos. Apesar de “recente”, cerca de quarenta anos (NEVES 1996), nesta tradição desenvolveram-se métodos, técnicas, empíricas, para o desfio do siri. Ao levarmos em conta ainda a criação, devemos nos remeter à torta capixaba, prato típico capixaba, desenvolvido por meio do sincretismo entre os saberes de culinária europeus, escravos, indígenas e dos moradores locais; este, criado principalmente para a substituição da carne por mariscos em épocas de páscoa. O fazer, baseado no exercício permanente e no aprimoramento das técnicas desenvolvidas para o desfio do siri3.O viver se expressa na importância histórica do marisco como produto para consumo da população local, e, atualmente, como elemento de sobrevivência para a geração de renda para as família, com a venda do siri e de seus produtos, como a torta capixaba. Levando em conta ainda que a cultura “trata-se de um processo dinâmico de transmissão, de geração a geração, de práticas, sentidos e valores que se criam e se recriam [...] na busca de soluções para os [...] problemas que cada sociedade ou indivíduo enfrentam ao longo da existência (BRAYNER,2007, p.06)”, podemos entender que o ofício é um elemento cultural que atende a todas essas especificações, citadas por BRAYNER. O ofício e suas técnicas são transmitidos dentre as gerações, o que pudemos constatar em visitas feitas ao local e dentro de conversas informais com as desfiadeiras. Desde senhoras a crianças, a maior parte das mulheres daquele local conhece o ofício. No que tange à busca por soluções de problemas individuais e coletivos, já discutimos sobre a importância social e econômica do desfio do siri. Ao falarmos da identidade local (coletiva), pudemos perceber, em seu histórico de constituição e a sua atual dinâmica, que o ofício é característico daquele local, apesar de outras pessoas poderem desenvolver técnicas que substitua o trabalho daquelas mulheres. Podemos dizer que esta tradição está consolidada naquela região, visto sua procura em busca dos produtos desenvolvidos por elas – as desfiadeiras –, tornandoas um ícone ímpar dentro deste ofício.

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Vale ressaltar que as desfiadeiras de siri trabalham também com outros mariscos, como o camarão, o sururu, a ostras, e outros mariscos. Fomos informados por uma desfiadeira que existia uma nova portaria do governo federal que as consideravam, agora, marisqueiras, e não mais desfiadeiras de siri. Ao buscarmos essa portaria, entretanto, não conseguimos acessá-la através das fontes procuradas (internet, ministério de pesca e aqüicultura).


GOVERNO DO ESTADO DO ESPIRÍTO SANTO SECRETÁRIA DE CULTURA DO ESPÍRITO SANTO– SECULT REDE DE CULTURA JOVEM Após esta breve discussão acerca de cultura a identidade, retomemos as discussões acerca do patrimônio cultural, visando a relação entre estes, o patrimônio e, por conseqüência, sua necessidade de preservação. Entendemos que a tradição desse fazer seja um elemento característico daquela região, que nos remete à sua história, à sua memória e à sua identidade. Podemos entender essas colocações ao entendermos um pouco de sua história e sua memória. Em conversas informais com as desfiadeiras, pudemos constatar que elas se sentem parte de uma “comunidade à parte” das que as envolvem. Essa contatação pode se dar ao analisarmos o seu processo de “recolonização” na década de 60 e, a partir daí, a “disputa” (esta não declarada, mas sentida em seus relatos) territorial de outrora. Os saberes passam de geração em geração, assim como os seus entendimentos de posse, de pertencimento; a partir disso entendemos que o grupo se torna manifesto dentro daquele espaço, com seus sentimentos de pertencimento, de posse, de manutenção, afinal, vem do mangue a sua subsistência. Não somente pelo processo de colonização, mas pelo desenvolvimento de técnicas para a pesca do marisco, o desenvolvimento de técnicas para o desfio do siri, o próprio desenvolvimento de técnicas para a comercialização de seus produtos. Todos eles desenvolvidos por aquele grupo, característico daquele espaço. Podemos, agora, fazermos algumas reflexões sobre os papéis da sociedade e do Estado acerca destas discussões. Para elegermos um patrimônio, precisamos atender a algumas demandas mínimas necessárias, estas já aqui discutidas. Buscamos, nas ultimas discussões, tornar claras as relações entre o ofício das desfiadeiras de siri e os entendimentos de cultura, identidade e patrimônio. Para o entendimento de um ofício como patrimônio perante o Estado, porém, é necessário que se faça algumas discussões sobre o seu papel na preservação do ofício. Brayner nos diz que: [...]o patrimônio cultural de uma sociedade é fruto de uma escolha que [...] tem a participação do Estado, por meio de leis, instituições e políticas específicas. Essa escolha é feita a partir daquilo que as pessoas consideram ser mais importante, mais representativo de sua identidade, da sua história, da sua cultura. Ou seja, são os valores, os significados atribuídos pelas pessoas a objetos, lugares ou práticas culturais que os tornam patrimônio de uma coletividade (ou patrimônio coletivo) (2007, p.13).

Entendemos que seja papel do Estado a pesquisa densa do surgimento do ato (histórico) de desfiar siri, o momento em que deixa de ser ato para ser ofício, os contextos socioeconômicos das imigrações na região, e, por fim, o real sentimento da sociedade com relação a este ofício. Cremos serem esses os principais passos para o registro do ofício. Entendemos que, caso o Estado considere importante este fazer, deva-se registrá-lo o quanto antes, para que não se perca com o passar dos tempos.


GOVERNO DO ESTADO DO ESPIRÍTO SANTO SECRETÁRIA DE CULTURA DO ESPÍRITO SANTO– SECULT REDE DE CULTURA JOVEM O registro é de suam importância pois é “[um] instrumento de reconhecimento e valorização’ que, além do ato de outorga de um título, corresponde à identificação e produção de conhecimento sobre o bem cultural” (SANT’ANNA apud IPHAN, 2003, p.210). Estes aspectos foram perceptíveis ao longo da pesquisa. Entretanto, consideramos que seja necessário a continuidade desta dentro dos parâmetros já apontados neste ultimo tópico de discussão.

Considerações finais É importante destacarmos alguns aspectos que ocorreram durante o desenvolvimento da pesquisa, em primeiro lugar. Entendemos que a proposta do estado seja a de divulgação e promoção cultural, tão importante em nossa sociedade. Porém, o preparo da sociedade para a recepção desta proposta é de suma importância para um bom desenvolvimento de uma pesquisa. Após conversarmos com algumas desfiadeiras de siri, poucas conheciam a secretaria de cultura do estado ou o seu papel para a promoção cultural. Mais surpreendente ainda foi que nenhuma das entrevistadas conhecia qualquer coisa acerca de seu ofício, de sua importância histórica, de como o estado poderia fomentar o seu ofício. Isso foi realmente surpreendente. Alguns outros problemas ocorreram durante o trabalho. Não pudemos desenvolvê-lo conforme a proposta inicial, de maneira etnográfica, pois as desfiadeiras não mantinham um compromisso com as atividades agendadas. A ausência nas entrevistas, os esquecimentos dos compromissos marcados, a desconfiança, num primeiro momento, do papel do entrevistador, foram algumas das dificuldades apresentadas. A desconfiança da ajuda do estado no que se referia ao seu ofício também foi claro nas poucas conversas que conseguimos. É importante salientarmos que o tempo proposto foi pouco para driblarmos esses problemas e conseguirmos ir mais afundo na questão de registro do ofício. Conseguimos um bom levantamento teórico e algumas discussões com profissionais do IPHAN acerca dessa proposta. Vimos o quão trabalhoso é a questão do registro patrimonial, mas ainda consideramos que seja importante uma pesquisa mais detalhada daquela comunidade, partindo do estado, no corpo da SECULT (Secretaria de Cultura do Espírito Santo) o desenvolvimento da mesma e o fomento para que chegue ao registro de um dos livros de saberes do IPHAN, assim como aconteceu com as paneleiras de Goiabeiras, que, por sinal, foi o primeiro ofício passível de registro no IPHAN. Há também que nos atermos a outra questão. A visão de patrimonialização do oficio é algo externo à comunidade, ou seja, um entendimento de um profissional da área de


GOVERNO DO ESTADO DO ESPIRÍTO SANTO SECRETÁRIA DE CULTURA DO ESPÍRITO SANTO– SECULT REDE DE CULTURA JOVEM gastronomia e estudante do patrimônio buscando algo que considere de importância para a comunidade. Nas conversas que tivemos, observamos um interesse da comunidade também, mas esta precisa entender, ao certo, o que é esta patrimonialização, e importância do registro, o que pode mudar com um ofício reconhecido pela comunidade estatal. Este também é um ponto a ser levado em consideração na continuidade dos estudos. Vale ressaltar que este foi nosso primeiro trabalho sistêmico acerca do patrimônio, e nos sentimos muito gratos por contribuir, de alguma forma, para a promoção do patrimônio dentro de nosso estado, pois isso nos gera sentimentos de luta por cidadania, de busca por ideais, de sentimentos de coletividade, de entendimentos além dos aprisionados em livros e em dizeres teóricos. Abaixo, algumas fotografias do fazer artesanal.

Figura 1: Desfio do siri após cozido

Figura 2: Uma das iguarias, a casquinha de siri


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Figura 3: A torta capixaba, tradicional prato da páscoa feito à base de mariscos.

Referências: BAYNER, Natália Guerra. Patrimônio Cultural Imaterial: para saber mais. Brasilia, DF: IPHAN, 2007. NEVES, Luiz Guilherme Santos. PACHECO, Renato da Costa. Desfiadeiras de siri da ilha das Caieiras. Vitória – ES: Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, 1996. Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Patrimônio: Práticas e Reflexões. – Rio de Janeiro: IPHAN/COPEDOC, 2007.

_______________________________ Fernando Santa Clara Viana Junior bolsista

_______________________________ Graziela Menezes de Jesus orientadora


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