Igreja de Santa Maria da Devesa - Matriz de Castelo de Vide
Depois do inédito estudo sobre o Programa Artístico da Ermida do Rei Salvador do Mundo, a autora dá-nos agora a possibilidade de partilhar da sua interessante perspectiva diacrónica, no tempo e no espaço, desta igreja, indiscutivelmente um dos mais importantes monumentos da arquitectura religiosa cristã da região. E, subtilmente, à linguagem clara e meticulosa do texto, juntou-se-lhe o olhar fotográfico, puro e profissional, de Rui Cunha, o que torna esta monografia uma referência singular no panorama bibliográfico do município. Sem dúvida alguma, um orgulho para Castelo de Vide. António Pita
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Castelo de Vide
FEDER - PORA - AINA
Matriz de Castelo de Vide
de
Santa Maria
da
Devesa Rosário Salema de Carvalho
Licenciou-se em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 2000, encontrando-se presentemente a preparar dissertação de mestrado em Arte, Património e Restauro pela mesma faculdade. É Técnica superior contratada pelo IPPAR (Instituto Português do Património Arquitectónico) desde Julho de 2002. Participou em vários congressos e é autora de alguns textos sobre azulejaria, entre os quais se destaca o artigo relativo à ermida do Rei Salvador do Mundo, em Castelo de Vide, publicado na Artis – Revista do Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, n.º 2, Dezembro de 2003, pp. 145-180.
Rosário Salema de Carvalho
A Maria do Rosário, não obstante estar no início da sua promissora carreira de investigadora, possui já um olhar seguro, inteligente e apurado, que proporciona o fascínio da descoberta e de novas releituras sobre o nosso património local.
Igreja
Rosário Salema de Carvalho Fotografias de Rui Cunha
Copyright © 2006 Rosário Salema de Carvalho RCL - Imagem e Comunicação Câmara Municipal de Castelo de Vide Edição Câmara Municipal de Castelo de Vide Co-financiamento AINA - Acção Integrada do Norte Alentejano Autor Rosário Salema de Carvalho Textos Rosário Salema de Carvalho Fotografias Rui Cunha excepto as identificadas Produção e Coordenação www.rcl-imagem.pt Desenho do Layout Paulo T. Silva
Tipo de letra: FTF Rongel, Van Condensed
Concepção Gráfica e Paginação RCL - Imagem e Comunicação / Dulce Soares Lima Pré Impressão, Impressão e Acabamento Heska Portuguesa 1ª Edição 1500 exemplares Depósito Legal nº 251323/06 ISBN: 972-9040-10-9
Igreja
Matriz de Castelo de Vide
de
Santa Maria
da
Devesa
Rosรกrio Salema de Carvalho Fotografias de Rui Cunha
Índice Agradecimentos Prefácio Introdução A igreja primitiva Os Reis, as Ordens Religiosas e os Bispos
6 8 12 14 26
Até à demolição O longo tempo da reconstrução Enquadramento artístico A última intervenção Considerações finais Bibliografia
30 36 42 64 68 72
O provimento do clero e a repartição dos rendimentos
Agradecimentos Aos meus pais Aos tios Diogo e Pedro Manuel
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Este trabalho não teria sido possível sem o apoio e colaboração das instituições, professores, amigos e colegas que a seguir mencionamos, e a quem muito agradecemos. Cumpre-nos destacar, em primeiro lugar, a Câmara Municipal de Castelo de Vide, na pessoa do seu Vice-Presidente António Pita, que tanto incentivou a concretização e publicação deste estudo. Agradecemos, também, a disponibilidade da Dra. Maria do Carmo Lina Fernandes Alexandre, Responsável da Biblioteca Municipal de Castelo de Vide, e do Miguel Teotónio Pereira, técnico de BAD da mesma biblioteca. À Paróquia de Castelo de Vide e aos seus párocos Sr. Cónego Tarsício Alves e Padre Luís Marques Ribeiro, devemos um apoio constante e facilidades na consulta da documentação da Igreja de Santa Maria. Neste âmbito, não poderíamos deixar de manifestar a nossa gratidão ao sacristão, Sr. Joaquim Miranda, pelas inúmeras vezes que se disponibilizou para abrir a igreja, e por todas as atenções dispensadas. Uma palavra muito especial para o Prof. Doutor Fernando António Baptista Pereira, a quem agradecemos o tão importante acompanhamento, e o constante incentivo que nos dispensou desde a primeira hora. Gostaríamos de expressar, ainda, o nosso reconhecimento ao Professor Doutor Vítor Serrão, pelo apoio e interesse demonstrado; e ao Arquitecto Pedro Cid pela generosidade com que partilhou connosco as suas reflexões e leitura crítica do texto. À Prof. Doutora Paula Lourenço não podíamos deixar de agradecer a confiança e o apoio que tanto nos tem motivado. Ao Prof. Doutor Mário Barroca, agradecemos a leitura do fragmento da lápide da primitiva igreja e as informações referentes à tampa de sepultura medieval; ao Prof. Doutor Francisco Lameira o apoio no âmbito da talha dourada, nomeadamente no que diz respeito ao entalhador seiscentista Manuel Ribeiro. O presente estudo beneficiou, largamente, do contributo de todos os amigos e colegas a seguir citados, com quem fomos trocando ideias, e das quais nasceram preciosas sugestões, não apenas num plano geral mas, principalmente ao nível das áreas de investigação de cada um: Dra. Carla Varela Fernandes, Dr. João Miguel Simões, Dra. Patrícia Monteiro,
Dra. Susana Flor, Dr. Pedro Flor, Dra. Ana Mântua e Dra. Catarina Oliveira. Ao Dr. Paulo Almeida Fernandes cabe um agradecimento particular, pela atenção que dedicou a este texto, pela muita paciência com que discutiu connosco algumas ideias, e pelas frequentes indicações que tanto contribuíram para enriquecer este trabalho. Agradecemos ainda a todos quantos nos ajudaram das mais diversas formas: ao Sr. Cónego Bonifácio Bernardo, do Cabido da Sé de Portalegre, que gentilmente nos cedeu algumas informações inéditas e nos ajudou na pesquisa ao Arquivo do Cabido; à Secção de Arqueologia da Câmara Municipal de Castelo de Vide pelas imagens cedidas e, em particular, a José Bica por toda a colaboração; ao Prof. Doutor Francisco Teixeira pelas conversas sobre Castelo de Vide e pela revisão do texto; à Arq. Rita Aragão pelos desenhos de implantação da igreja; a Isabel Bugalho pelo acesso à obra do seu pai, o médico Adolfo Bugalho; a Fernando Guerreiro de Sousa pelo apoio na área da heráldica; à Dra. Laura Brixedo Rabazo da Biblioteca de San Vicente de Alcántara, pelas informações referentes à Igreja Matriz desta localidade espanhola; ao Rogério Leitão pela revisão final do texto; ao Francisco Abrantes por toda a ajuda logística e pelas imagens cedidas; e finalmente ao Paulo T. Silva que concebeu o layout deste livro e que tanto o valorizou graficamente, bem como ao Rui Cunha pelas magníficas fotografias que tão bem expressam e complementam o texto escrito.
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Prefácio O belíssimo trabalho da jovem historiadora de arte castelovidense Maria do Rosário Salema de Carvalho, intitulado Igreja de Santa Maria da Devesa, Matriz de Castelo de Vide, que a Câmara Municipal de Castelo de Vida em boa hora encomendou e agora edita, por ocasião de mais uma obra de renovação do vetusto e monumental templo, tem uma petite histoire que merece ser aqui contada. No decurso das diversas viagens e estadas que, nos últimos anos, tenho vindo a realizar à (e na) encantadora e histórica vila de Castelo de Vide para levar a cabo a instalação, na Casa do Morgado, do Museu Salgueiro Maia, projecto para que fui desafiado pelo senhor Presidente da Edilidade, Dr. António Ribeiro, tive ocasião de revisitar os diversos valores do Património Monumental local, como a esplendorosa igreja de Santo Amaro, jóia do Barroco norte-alentejano, a necessitar de intervenção urgentíssima, e, com particular demora, a Matriz de Santa Maria da Devesa, dado que lá se arrumavam, no coro alto e nas galerias superiores, muitas esculturas e outros objectos de arte sacra provenientes de diversas igrejas locais, com os quais se pretende vir a fazer uma exposição permanente. No final de uma dessas visitas, em que fomos guiados pelos senhores párocos e pelo Vice-Presidente da Câmara, António Pita, este, ao falar-nos, com o seu entusiasmo de sempre, do subsídio que se conseguira alcançar do Estado para as obras da cobertura e da pintura das fachadas da Matriz, no ambiente aprazível de uma das esplanadas da Carreira de Cima, convidou-nos a realizar uma monografia sobre a igreja, a ser editada aquando da conclusão das referidas obras. Enquanto avaliava eu próprio as responsabilidades de uma tal tarefa e o tempo que a investigação me iria tomar, chega à mesa, para nos cumprimentar, a jovem historiadora de arte Rosário Salema de Carvalho, que eu tivera o privilégio e o prazer de conhecer enquanto condiscípula do meu filho Ricardo Duarte, na Faculdade de Letras de Lisboa, e que, só nesse preciso momento, soube que era natural de Castelo de Vide. De imediato, contrapropuz: então porque não é a Rosário a fazer a monografia, ela que, afinal, é natural 8
desta terra, uma excelente historiadora de arte e profunda conhecedora do património local, como já demonstrara no seu modelar estudo sobre o programa artístico da ermida do Salvador do Mundo, publicado no n.º2 da prestigiosa Revista Artis? Perante a total concordância do edil, a Rosário Salema de Carvalho aceitou, de imediato, o repto e lançou-se com afinco ao trabalho. Poucos meses depois já me apresentava a primeira versão do estudo, em que não poucas eram as novidades, superando, em muito, como os leitores irão ver, o que a esparsa e algo imprecisa bibliografia anterior lograra apurar. Desde logo, o esclarecimento, a partir de documentação agora revelada, com leitura de uma lápide fundacional (cujo fragmento fora entretanto recuperado pela arqueologia), da questão da erecção da mais antiga construção medieval de que há memória no local – uma igreja de Santa Maria da Devesa, na qual Lourenço Pires e Domingas Joanes instituíram, em 1311, uma capela, anexa a uma albergaria, dotando-a de alfaias e de bens para proverem à sua reparação – o que permite à autora recuar essa primitiva construção aos finais da centúria anterior, templo que os séculos seguintes viriam a alterar sucessivamente. A primeira ampliação do templo surge registada, como muito bem observou a autora, num dos dois desenhos que Duarte D’Armas tirou «do natural» de Castelo de Vide (o terceiro é a planta da fortificação). No que foi tirado da banda de sueste, reconhece-se uma igreja de três naves que segue a tipologia das paroquiais trecentistas, mas com duas modificações assinaláveis: uma «nova» capela-mor, com altura, planta e contrafortes ao gosto «manuelino», que o desenhador sabe diferenciar face às cabeceiras que desenha ao modo do gótico mendicante; e uma torre sineira, encostada a essa «nova» capela-mor, bem distinta de duas outras representadas, a de S. João, ainda existente, também encostada à cabeceira (como acontece com a de S. Julião de Setúbal, pouco posterior às de Castelo de Vide), e a do Relógio, entretanto desaparecida. Mas o mais entusiasmante desta leitura residia na possibilidade de
Em cima: Alçado lateral sul da igreja. Em baixo: Corte longitudinal. Página anterior: Alçado principal. (Estes 3 desenhos são da Divisão de Planeamento e Projectos da Câmara Municipal de Castelo de Vide).
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essa torre sineira ainda poder existir no corpo do actual templo e nas ilacções que seria lícito retirar dessa observação, sobretudo no que respeitava às relações entre a velha igreja «demolida» e o «novo» templo actual, cujo faseamento construtivo e tipologia são tão judiciosamente caracterizados pela autora ao longo deste livro. Já quando visitara, pela primeira vez, o coro alto da Matriz reparara, ainda que de relance, na estrutura interior da torre norte, com a sua escada de caracol, bem ao gosto quinhentista, e com aberturas que pareciam entaipadas. Ao reexaminar o local com Rosário de Carvalho essas suspeitas confirmaram-se inteiramente: o aparelho era completamente diferente do da restante construção, até à zona da cobertura dos sinos. Estes são, aliás, todos setecentistas, mas anteriores à última grande obra de reconstrução. Em contrapartida, a torre sul não passa de um complemento cenográfico: uma torre oca, sem escadas nem sinos, destinada a garantir a simetria neoclássica na fachada de uma construção monumental que quase «esmaga» a envolvente. Foi então que Rosário Salema de Carvalho encontrou sentido numa confusa expressão que lera numa antiga peça bibliográfica local, segundo a qual a «nova» igreja havia sido construída «à volta da anterior», ou seja, em rigor, em redor da antiga capela-mor. Daí se explica a enorme largura e aparente não fechamento, a norte, da actual Praça D. Pedro V, uma vez que, muito provavelmente, as naves da «velha igreja» avançariam decididamente pelo actual adro do templo até limites que só a arqueologia, em futuras campanhas, poderá vir a esclarecer definitivamente, mas que a autora, com sábia ousadia, chega a propor em planta, com argumentos plenamente convincentes. Em contraste, o lançamento da nova nave e da respectiva capela-mor, com proporções que se reportam a escalas e fórmulas que lembram a Basílica da Estrela e as igrejas da Reconstrução Pombalina de Lisboa, acabou por estrangular o final da Carreira de Cima, logo a seguir ao Largo do Pelourinho. São estas e muitas outras novidades que o leitor vai encontrar neste estimulante estudo, que não é só de História da Arte, mas também de uma 10
História Local atenta às estruturas institucionais que a condicionam, assim como aos movimentos e às conjunturas sociais e económicas que a atravessam e dinamizam. Espero bem que este seja apenas o brilhante e promissor início de uma constante atenção e de uma empenhada acção que Rosário Salema de Carvalho vai dedicar ao património da sua terra natal. E que, em resposta, Castelo de Vide saiba acarinhar, atrair e fazer radicar este e outros valores desta nova geração de estudiosos do Património e da Identidade que nos definem como Portugueses e como Cidadãos. Todos ficaremos a ganhar e, em primeiro lugar, a própria coesão nacional!
Cascais, Agosto de 2005. FERNANDO ANTÓNIO BAPTISTA PEREIRA Professor Associado da Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa 11
Introdução As remotas origens da igreja de Santa Maria da Devesa conduzem-nos ao final do século XIII, ou ao início do século XIV, embora não seja possível definir com absoluta exactidão o ano da sua fundação. Se, até à data, era dada como certa a instituição do templo primitivo, em 1311, por Lourenço Pires e sua mulher Domingas Joanes, a documentação seiscentista que agora se revela vem pôr em causa esta ideia, ao referir que o casal instituiu a sua capela numa igreja já existente. O templo, situado no sopé da vertente menos íngreme do castelo, constituiu um dos focos privilegiados de desenvolvimento urbano, numa localidade que, desde cedo (século XIV?), tendia a extravasar as muralhas, espraiando-se ao longo das encostas mais favoráveis, como era o caso daquela que ligava uma das portas da fortaleza à Devesa. Este topónimo, que evoca “as terras reguengueiras da coroa pertencentes à devesa do Prado”1 designava um terreno cercado e, por isso mesmo, defendido, onde se incluía mata ou arvoredo e que podia ser destinado ao gado. Ao implantar-se na Devesa, a igreja de Santa Maria associou-se ao topónimo pre-existente recebendo, assim, o que pensa-mos constituir uma invocação única no nosso país2.
Panorâmica sobre a Vila de Castelo de Vide onde se vê a igreja matriz de Santa Maria da Devesa “... cujas dimensões se impõem a todo o casario circundante...” 12
A sua situação cedo lhe permitiu tornar-se matriz das restantes igrejas da vila, ganhando importância como centro espiritual de um povoado cuja relevância no contexto estratégico do Alto Alentejo foi bastante significativa3. São muitas as referências documentais comprovativas do importante jogo de interesses militares e económicos em que este templo se inscreveu, nele participando todos os monarcas, bem como a Ordem de Malta e a Ordem de Cristo, o Bispo da Guarda e, depois, com a divisão da Diocese, o Bispo de Portalegre. A par deste contexto, o edifício encerra a sua própria história: foi objecto de diferentes campanhas de obras e intervenções decorativas; sofreu vários danos; foi sendo reparado, mas a ruína em que incorreu acabaria por ditar a sua demolição, já em meados do século XVIII. O templo que hoje conhecemos, cujas dimensões se impõem a todo o casario circundante, levou quase um século a ser concluído e a sua linguagem arquitectónica ecléctica denota uma interpretação regional de modelos mais eruditos, como teremos oportunidade de confirmar ao longo deste texto.
1 João António GORDO, No Alto Alentejo – crónicas e narrativas, Lisboa, 1954, p. 34. 2 Jacinto dos REIS, Invocações de Nossa Senhora em Portugal d’aquém e d’além-mar e seu Padroado, Lisboa, Tip. da União Gráfica, 1967. 3 Para um estudo mais aprofundado sobre esta questão ver Pedro CID, As Fortificações Medievais de Castelo de Vide, Lisboa, MC/IPPAR, 2005.
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A igreja primitiva
4 IAN/TT, Memórias Paroquiais, Castelo de Vide, Freguesia de São João Baptista, 1758, fls.1461-1476, transcritas por P. M. LARANJO COELHO, “Memórias Paroquiais de Castelo de Vide”, O Castelovidense, n.º 808, 30 de Outubro de 1949, pp. 4-5 e O Castelovidense, n.º 810, 13 de Novembro de 1949, pp. 23.Note-se que as informações mais antigas sobre a matriz são escritas pelo prior de São João e não pelo de Santa Maria, que se limita a descrever o templo e a aludir à necessidade de demolição para se construir um novo. 5 Personagens sobre as quais nada mais sabemos. 6 IAN/TT, Memórias Paroquiais, Castelo de Vide, Freguesia de São João Baptista, 1758, fl. 4. 7 Entre as várias referências bibliográficas, destacamos as que se reportam à igreja de Santa Maria de forma mais sistemática: Luís KEIL, Inventário Artístico do Distrito de Portalegre, Lisboa, SNBA, 1943, p. 37; António Vicente Raposo REPENICADO, Relação de Sucessos Históricos, Notícias e Acontecimentos Políticos, Administrativos, Sociais e outros da Notável Vila de Castelo de Vide, Castelo de Vide, 1965, pp. 117-118; Diamantino Sanches TRINDADE, Castelo de Vide – Arquitectura Religiosa – subsídio para o estudo das riquezas artísticas de Portugal, Lisboa, Câmara Municipal de Castelo de Vide, 1981, pp. 185-186; César VIDEIRA, Memória Histórica da Muito Notável Villa de Castello de Vide, Lisboa, 1908, pp. 123-124. 8 Este imóvel, onde actualmente se encontra instalado o “Bar JM” foi objecto, em 1994, de uma ampla campanha de obras que transformou o espaço num restaurante. 9 António PITA, “Lápide testamentária da igreja de Santa Maria da Devesa”, Peça do Mês, Ficha n.º 1, Castelo de Vide, Câmara Municipal e Secção de Arqueologia, Setembro de 1998. 10 IAN/TT, Capelas da Coroa, Livro 2, fls. 222-226. Ao contrário de outras fontes, este género de documentos, de carácter jurídico, que tem por objectivo definir uma determinada situação, é credível. Ainda que o confronto entre esta transcrição da lápide de 1311 e o fragmento que dela nos chegou não seja totalmente coincidente. 11 De acordo com a definição presente no Dicionário de História de Portugal (dir. Joel SERRÃO), vol. I, Porto, Livraria Figueirinhas, 1992, p. 461, capela “significava, antigamente, que certos bens eram dados ou doados a um pároco, mosteiro ou igreja pelo serviço de cantar responsos, dizer missas ou repartir esmolas pela alma do doador”. No caso desta instituição de Lourenço Pires e Domingas Joanes cremos que os bens que assegurariam os pagamentos das missas por alma foram acompanhados da construção de um espaço religioso.
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Iniciamos este estudo com a proposta de uma nova datação para a igreja de Santa Maria, integrando-a, depois, no desenvolvimento da vila, isto é, procurando e explorando a sua importância em termos urbanos: a uma primeira campanha arquitectónica que, de acordo com a documentação agora divulgada, remonta ao século XIII, ter-se-á seguido uma outra intervenção, no reinado de D. Manuel, como veremos mais à frente. É certo que a igreja já existia no século XIV, e as informações divulgadas nas Memórias Paroquiais de 1758 pelo Prior Manuel Carrilho Gil4 contribuíram para generalizar a ideia de que a sua fundação teria ocorrido no ano de 1311, por iniciativa do casal Lourenço Pires e Domingas Joanes5. Assim o confirmava a inscrição de letra gótica, em mármore, que se encontrava “debaixo da pedra de ara do altar maior”6 da matriz. Muito embora esta tenha desaparecido durante largo tempo, todos os autores que dedicaram a sua atenção à história da igreja, com maior ou menor profundidade, repetiram a mesma incorrecção, citando exaustivamente as Memórias Paroquiais7. Mais recentemente, em 1994, e decorrendo obras num edifício situado junto à igreja8, veio a encontrar-se um fragmento da lápide, confirmando-se então alguns dados, nomeadamente a existência de uma albergaria dedicada a Santa Maria9. No decorrer do presente estudo, foi possível localizar, no Livro das Capelas da Coroa, um tombo dos bens da capella que instituiu Lourenço pires e domingas Joannes em nosa senhora da deveza mandado fazer por Filipe III em 162110, que se reporta a um outro com data de 1594, onde a lápide se encontra integralmente transcrita. É, pois, na posse destes novos elementos, que nos permitimos questionar a origem da igreja de Santa Maria da Devesa, se bem que estejamos conscientes de que a informação que chegou até nós é por demais fragmentária. A primeira conclusão que se retira da leitura comparada da lápide testamentária e do tombo de 1621 é que a capela de Lourenço Pires e Domingas Joanes diz respeito a uma capela instituída e edificada11 na igreja de Santa Maria, que na época já existia e à qual estava ligada, como refere a inscrição, uma albergaria com os seus respectivos confrades. O
... ... PELA M ... ... M ConVEnAV [el] ... ... [m] RS M CADA ANO : ... ...M E SE M DESTO M SAIR M MANTEL [a] ... FRADES M DA M ALBerGARIA M DE M SanCtA M MARIA M ... AO BISPO M L M SOLDOS M CAD'ANO Que M A VISI [tar] ... CA M MAnTEER M COMO M AQui M VE (m) M SCriTO M AI ... Era M Mª M CCCª M XLª M IX M ANOS M X M DIAS M De M ...
Lápide testamentária de Santa Maria da Devesa
IAN/TT, Capelas da Coroa, Livro 2, fl. 222 (transcrição de 1621) Em nome de deos amem eu Lourenço pires eu domingas Joannes sua molher em nossa vida fazemos esta capella honrra de deos e da virgem sancta maria em remimento de nosos pecados e por aqueles de que nos alguma couza ouuemos e que dezaguizado fazemos damos a capella pera amanter por sempre o basselo da deueza com seu lagar e as couzas pertensentes ao baçelo do aueiro e a mea da nosa adegua com tres cubas e duas tinas e o erdamento que foi dos piçhos emsembra com ho que foi de chaueira e Jas na fonte dos cantos e ou = tro que Jas na fonte dos carualhos parte com os delidadaa e hum calex de prata e hum missal e hum breviario e duas vestimentas - esta capella aia hum capellão pera sempre em quanto hi ouuer da linhagem comueniavel mantera esta capella e a Ja X maravedis cada anno pollo afam que hi auera e se disto sair mantenuama os comfrades dalbergaria de sancta maria, E mandamos ao Bispo 50 soldos cada anno que a uezite e faça manter como aqui he junto ao Rol joam martines e mil e trezentos corenta e nove annos aos des dias do mes de julho I : 6 : S12
Em cima: Lápide testamentária de Santa Maria da Devesa. Ao lado: Leitura do fragmento. (Leitura do Prof. Doutor Mário Barroca, a quem muito agradecemos). Data: A.D. 1311, [?], 10 (ou seja, dia 10 de mês indeterminado do ano de 1311; conferindo com a leitura do documento ficamos a saber que era o mês de Julho).
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12 IAN/TT, Capelas da Coroa, Livro 2, fl. 222. 13 Seria, muito possivelmente, uma capela funerária, onde o casal pretendia ser sepultado e que tivesse culto regular. 14 A lápide, originalmente colocada no espaço de culto pertencente a este legado, pode ter acompanhado as sucessivas campanhas de obras empreendidas no espaço da igreja, acabando por ser assente sob o seu altar-mor, onde estava em 1758, quando o prior a leu e descreveu nas Memórias Paroquiais. Terá sido nas obras de construção do templo actual que este documento se perdeu. 15 IDEM, Ibidem, fl. 225. Na verdade, não sabemos a que espaço correspondia o local de culto associado à instituição da capela. 16 IDEM, Ibidem, fl. 222. 17 IDEM, Ibidem, fls. 222 e 225 v. 18 A albergaria encontrava-se extinta em 1621, passando, por isso, os seus bens e administração para a posse da coroa que, por alvará de 17 de Maio de 1621, fazia merçê da capela a Tomé da Silveira do Crato (IAN/TT, Capelas da Coroa, Livro 2, fl. 225 v.). O documento afirma que a igreja foi reduzida a comenda e que, dada a extinção da albergaria, o comendador e o vigário se apoderaram de parte dos bens da capela, razão pela qual Filipe III passou este alvará, assumindo os seus direitos. Esta era, aliás, uma situação comum, e o Tombo dos Bens desta instituição castelovidense insere-se numa ampla “verificação, manifestação e tombos das capellas ospitais comfrarias da coroa com o objectivo de se proceder à sua reforma pois os bens de muitos delles andavão emlheados e propriados e se não cumprião os emcarguos e se perdia a memoria delles” (IDEM, Ibidem, fl. 222). 19 A realização de escavações arqueológicas na área em torno da matriz, ou junto ao local onde foi encontrada a pedra de ara, poderá decerto trazer novos dados a todo este debate. Na única intervenção arqueológica ocorrida nas imediações, e integrada no contexto das alterações introduzidas no Largo Capitão Salgueiro Maia, foram identificadas 23 sepulturas que fariam parte de uma antiga necrópole medieval, e cujo espólio se encontra em depósito no Laboratório de Antropologia Biológica da Universidade de Évora, a fim de se efectuar o estudo paleobiologico de cerca de quarenta indivíduos. Aguardam-se conclusões mais pormenorizadas das análises efectuadas. Cf. Joaquim CARVALHO, Relatório Antropológico referente à Intervenção Arqueológica realizada no Largo Capitão Salgueiro Maia, em Castelo de Vide, Ocrimira – Investigação Arqueológica e Patrimonial Lda., 2001 (texto policopiado).
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casal deixava os seus bens “em remimento de nosos pecados”12, incumbindo a albergaria de Santa Maria da sua administração, no caso dos seus desígnios não serem devidamente cumpridos. A este legado correspondeu, certamente, um local de culto no interior do templo13 - uma capela ou um altar. Neste sentido se expressa o próprio documento epigráfico, cuja função seria, precisamente, a de celebrar uma construção14 e o mesmo se depreende da respectiva leitura: havia a obrigação de “comsertala quando seia nesesario”15, impunha-se uma visita anual por parte do Bispo que deveria zelar pela sua manutenção, mencionando-se ainda diversos objectos de culto “hum calex de prata e hum missal e hum breviario e duas vestimentas”16. Cremos, então, que a igreja de Santa Maria já existia forçosamente ao tempo de Lourenço Pires e Domingas Joanes: o tombo mandado executar por Filipe III, e o clausulado (agora recuperado na íntegra) da inscrição testamentária medieva são claros na defesa da anterioridade da igreja, quer no título “Tombo da capella que instituio Lourenço pires e domingas Joannes em nosa senhora da deveza”, quer ao longo do texto ou na carta de administração de Filipe III “da capella que instituio Lourenço pires e sua molher domingas Joannes na igreja de nossa senhora da devessa da villa de castelode vide”17.
Esta ideia é ainda corroborada pelas referências à albergaria de Santa Maria, administrada por uma confraria certamente sediada na igreja, cujos confrades mereciam a confiança de Lourenço Pires e Domingas Joanes, que lhes atribuiram a missão de “manter” a capela no caso das suas disposições não poderem ser cumpridas18. Uma vez defendida a existência do templo antes de 1311, é possível recuar a sua edificação para uma data indeterminada, eventualmente na segunda metade ou finais do século XIII19. Recorde-se que o período a que nos reportamos foi aquele em que o infante D. Afonso (irmão de D. Dinis) deteve o senhorio de Castelo de Vide, do qual, após bem conhecidas vicissitudes, só viria a separar-se no momento da sua morte, ocorrida em 1312, o que deu azo a que D. Dinis
reclamasse de imediato o poder sobre a vila20. Esta proposta cronológica para a fundação da igreja de Santa Maria é anterior à fortificação definitiva de Castelo de Vide, que D. Dinis deveria já ter em mente em 1299, quando “lhe confirmou os seus «usos» e «costumes»”21. Na verdade, as obras na zona do castelo-alcáçova decorreram, muito possivelmente, entre 1312 e 1321, a que se seguiram, ou tiveram continuidade, os trabalhos relativos à muralha urbana, que estaria concluída em 1327 (conforme a lápide com brasão sobre a porta da vila), já no reinado de D. Afonso IV22. Em todo o caso, Santa Maria deverá ter estado, sempre, no exterior do espaço protegido. Se o seu afastamento obstou à sua inclusão no perímetro fortificado, a verdade é que a escolha de um local relativamente afastado não pode deixar de ser considerada uma opção bem definida, cujo sentido deverá ser avaliado à luz de um estudo integrado sobre o castelo e sobre os poderes, ou crenças, que gravitavam em torno deste burgo23. Não conhecemos qualquer vestígio de edificações religiosas, à época, no interior da cerca, e a igreja anterior à da Devesa, dedicada a São Salvador e primeira matriz de Castelo de Vide, situava-se, também ela, no exterior da fortificação24. Em fins do século XIV, e apesar da nova muralha de D. Dinis, o desenvolvimento da vila ultrapassava a cerca erguida por este monarca, com a malha habitacional a crescer em torno de três eixos fundamentais, determinados pelas características naturais da área circundante – a Fonte da Vila, a encosta Sul (mais plana) e a igreja de Santa Maria da Devesa25. De facto, esta expansão foi “pré-determinada pelo sítio uma vez que o seu constrangimento a Norte a impeliu para Sul e Nascente onde, aliás, já se haviam estabelecido os primeiros caminhos de comunicação do castelo com o exterior, ditados pelas topografias e portanto pré-urbanos”26.
Para o caso que agora nos interessa observar, note-se como a ligação que se estabeleceu entre a Porta da Vila, ao alto, e a igreja matriz, através das chamadas Rua de Santa Maria de Cima e Rua de Santa Maria de Baixo, corresponde à linha de cumeada tendo constituído “certamente uma das
20 Pedro CID, Op. Cit., 2005, pp. 36-37. 21 IDEM, Castelo e Muralhas de Castelo de Vide (colecção Guias – Desdobráveis), Lisboa, IPPAR, 2004. 22 IDEM, Op. Cit., 2005, p. 75. 23 Saliente-se, a título de exemplo, que quando D. Fernando procedeu ao escambo entre Castelo de Vide e Castro Marim, em 1372, passando a primeira para a Ordem de Cristo e a segunda para a coroa, a vila norte-alentejana detinha uma importância que lhe permitiu servir de moeda de troca relativamente à localidade que havia sido a primeira sede da Ordem de Cristo. Embora não caiba neste estudo uma abordagem mais ampla sobre esta questão, analisaremos o problema dos poderes que gravitavam em torno da igreja no capítulo dedicado aos Reis, às Ordens Religiosas e aos Bispos. 24 Em todo o caso, Pedro Cid refere a possibilidade de ter existido uma igreja, contemporânea das muralhas de D. Dinis, situada no mesmo local onde hoje se encontra a de Nossa Senhora da Alegria, mas da qual não restam vestígios. Cf. IDEM, Ibidem, p. 61. Na verdade, se atentarmos nas informações do “Catálogo de todas as igrejas, comendas e mosteiros ...” com data de 1321, percebemos que neste ano eram cinco as igrejas existentes em Castelo de Vide (Santa Maria, São Tiago, Salvador, São Pedro e São Lourenço). Todas elas subsistiram até hoje, à excepção de São Lourenço, cuja memória se perdeu integralmente. Poderia ser esta a igreja do castelo? Cf. BNL, “Catálogo de todas as igrejas, comendas e mosteiros que havia nos reinos de Portugal e Algarves, pelos anos de 1320 e 1321, com a lotação de cada uma delas. Ano de 1746”, Manuscrito 179, transcrito por Fortunato de ALMEIDA, História da Igreja em Portugal, vol. IV, apêndice XVII, Porto-Lisboa, Livraria Civilização Editora, 1971, p. 140. 25 Ana Santos JORGE, The Old Burgo of Castelo de Vide, Portugal, Safeguard and Conservation, Dissertação de mestrado apresentada à Katholieke Universiteit Leuven, Lovaina, 1991, p. 34. 26 Susana BICHO, A Judiaria de Castelo de Vide, Contributos para o seu estudo na óptica da Conservação do Património Urbano, Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade de Évora, Évora, 1999, p. 28.
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mais antigas vias de expansão”27 do aglomerado.
Localizando-se numa área privilegiada de alargamento do núcleo populacional estabelecido no cimo da colina, Santa Maria terá ganho uma importância crescente, suplantando o Salvador do Mundo, ermida de difícil acesso, para se tornar, inclusive, na nova matriz de Castelo de Vide. Não sabemos quando tal terá acontecido mas, de acordo com os documentos disponíveis, esta data situar-se-ia entre 1311 e 1320/1321. No tombo de 1621 pode ler-se que “no tempo que os instituidores a instituiram 27 IDEM, Ibidem, p. 29; Diamantino Sanches TRINDADE, Subsídios para o estudo da Arqueologia Medieval, Lisboa, Assembleia Distrital de Portalegre, 1979, p. 51-82 28 IAN/TT, Capelas da Coroa, Livro 2, fl. 225 v. 29 BNL, “Catálogo de todas as igrejas, comendas e ...”, Op. Cit., 1971, p. 140. 30 Que concedia a D. Dinis a “décima de todas as rendas eclesiásticas de seus Reinos” à excepção das da Ordem do Hospital, que durante três anos deveriam contribuir para a guerra contra os mouros.
estava a igreja matris em sam salvador e depois se mudou pera o sitio da devesa onde ficou sendo a igreja matris”28. Todavia, em 1320/21, no Catálogo de
todas as igrejas, comendas e mosteiros que havia nos reinos de Portugal29, executado em cumprimento da Bula passada pelo Papa João XXII30, Santa Maria surge isolada, cabendo-lhe uma verba bastante mais avultada relativamente aos restantes templos mencionados. As igrejas do Sal-
vador e de São Tiago andavam unidas, tal como as de São Pedro e as de São Mateus, o que pode indiciar uma divisão e autonomia por parte da igreja da Devesa. Se permanece desconhecida a data da sua fundação, os dados disponíveis sobre a configuração e arquitectura do templo não são mais elucidativos. A sua história, as memórias paroquiais e os desenhos de Duarte de Armas, do princípio do século XVI, permitem-nos, contudo, levantar algumas possibilidades a respeito de campanhas de obras. Não se sabe qual a tipologia da primitiva igreja, mas os documentos analisados permitem supor que Santa Maria era um templo de importância considerável, já em 131931 ou em 1320. Na verdade, quando o Prior Manuel Carrilho Gil escreveu as memórias paroquiais e se referiu à igreja como ermida (em vez da capela que se lê na lápide), incorreu num erro de leitura e avaliação que se generalizou, levando os autores a caracterizar
31 Há uma referência ao prior de Santa Maria de Castelo de Vide, Martim Afonso, que foi testemunha, a 20 de Novembro de 1319, de uma “Carta de quitação, dada pelo Mestre e convento da Ordem da Cavalaria de Jesus Cristo a el-rei D. Dinis, de todos os bens que este recebera da Ordem do Templo, agora doados à de Cristo pelo Papa João XXII”. Cf. Monumenta Henricina, vol. I, Lisboa, Comissão Executiva das Comemorações do V Centenário da Morte do Infante Dom Henrique, 1961, pp. 129-131. A relevância da igreja de Santa Maria seria ainda reforçada no caso de se averiguar se o Bispo da Guarda que é referido na documentação hospitalária foi D. Estevâo I, tendo decorrido o seu bispado entre 1314 e 1319. Ver nota 45.
32 IAN/TT, Memórias Paroquiais, Castelo de Vide, Freguesia de Santa Maria da Devesa, 1758, fl. 1484, transcritas por P. M. LARANJO COELHO, “Memórias Paroquiais de Castelo de Vide”, O Castelovidense, n.º 807, 22 de Outubro de 1949, pp. 3-4. 33 Duarte de ARMAS, Livro das Fortalezas, IAN/TT, casa forte, MS 159, fls.43 - 44; ed fac-simile, Za. Ed, Lisboa, Inapa, 1997. 34 Num artigo recente sobre o Livro das Fortalezas, Pedro CID (“Castelo de Vide e o álbum de Duarte de Armas: algumas notas”, Património/Estudos, IPPAR, 2005, pp. 112-113) adianta uma identificação para as três igrejas da vila incluídas no códice do início do século XVI diferente da que seguimos, trocando, em nosso entender, Santa Maria por São Tiago. Em consequência desta proposta, voltámos a verificar as perspectivas a fim de tentar perceber o local preciso de onde o escudeiro de D. Manuel teria desenhado as suas vistas. Apesar das dificuldades decorrentes das construções entretanto erguidas, não nos restam dúvidas sobre a localização dos templos: Santa Maria está implantada no final do casario, e de São Tiago apenas é visível a sineira. São João, com a torre rasgada por duas pequenas janelas na base, que ainda se conservam, é a que menos questões suscita. Mais recentemente o próprio arquitecto Pedro Cid reavaliou a questão e disse-nos concordar com a leitura que propomos. 35 Note-se que para a caracterização e singularidade do Gótico Paroquial são tomados em consideração outros elementos que não apenas o escalonamento das naves. Cf. Paulo Almeida FERNANDES, “A arquitectura e a escultura aplicada”, A Igreja de S. João Baptista de Alcochete, Alcochete, Câmara Municipal, 2003, pp. 11-29. Por outro lado, os desenhos de Duarte de Armas são bastante pormenorizados e, no que diz respeito aos edifícios religiosos, nota-se uma complexidade e diversidade na sua caracterização que denuncia a procura da realidade observada, apesar das naturais convenções de determinados pormenores de desenho. Cf. Manuel da Silva CASTELO BRANCO, “Introdução” ao Livro das Fortalezas de Duarte de Armas, Za Ed., Lisboa, Inapa, 1997, pp. 19-20; Pedro CID, “Castelo de Vide e o álbum de Duarte de Armas...”, Op. Cit., 2005, pp. 108-119. 36 Sobre a importância do reinado de D. Manuel e as obras então realizadas veja-se Pedro CID, Op. Cit., 2005, pp. 107113. 37 Cuja cabeceira recta havia sido utilizada pela primeira vez na igreja de Santiago de Palmela (iniciada em 1443 e concluída entre 1460-1470), cf. José Custódio Vieira da SILVA, O Tardo-Gótico em Portugal – a arquitectura no Alentejo, Lisboa, Livros Horizonte, 1989, p. 51. 38 IDEM, Ibidem, pp. 90-147.
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o primeiro templo como uma pequena ermida e não como uma igreja detentora de um peso relativamente significativo. É quase impossível determinar se, depois da passagem da matriz do Salvador do Mundo para Santa Maria, esta foi objecto de uma campanha de obras de ampliação, de forma a poder acolher condignamente todos os paroquianos, pelo que permanece por esclarecer se o templo observado por Duarte de Armas é, ou não, a igreja original, onde Lourenço Pires e Domingas Joanes instituíram e construíram a sua capela. As memórias paroquiais descrevem um templo “de três naves com capela-mor e altar-mor, altar do Sacramento, altar de Nossa Senhora do Carmo, altar de Nossa Senhora do Rosário, altar do Santo Cristo, altar do Anjo da Guarda, altar de Nossa Senhora da Boa Morte, altar das Almas e altar de Santa Luzia, que por todos são nove altares”32. Esta exposição, ainda que muito genérica,
corresponde ao desenho da banda de sueste, executado por Duarte de Armas, em 1509-151033. Mesmo tomando em consideração as dificuldades que a sua interpretação pode suscitar34, observa-se uma igreja de três naves, com a central elevada em relação às restantes, elementos que se aproximam do modelo de igrejas do Gótico Paroquial (três naves com a central mais elevada)35, embora não sejam visíveis no desenho outros elementos que nos permitam caracterizar de forma efectiva esta tipologia. O alçado lateral é marcado por uma porta em arco de volta perfeita e a fachada principal resulta naturalmente oculta. Pensamos detectar no desenho de Duarte de Armas uma campanha de obras de época manuelina36, que terá incidido sobre a cabeceira e a torre, e cuja baliza cronológica não deverá afastar-se dos últimos anos do século XV e dos primeiros da centúria seguinte. São vários os elementos que permitem equacionar esta hipótese. O primeiro relaciona-se com o facto da cabeceira da igreja surgir mais elevada em relação às naves e apresentar contrafortes a meio dos panos, reforçando o apoio dos muros. Esta particularidade exprime, muito possivelmente, uma intervenção de época manuelina, tendo-se construído então uma nova e mais monumental cabeceira.
Acresce ainda que o volume desta abside é rectangular, o que acontece principalmente no denominado Gótico Final, por oposição às cabeceiras poligonais observadas no período imediatamente anterior. O modelo da igreja da Conceição de Beja (1459-1473), que “assinala a introdução do tardo-gótico na arquitectura religiosa do Alto Alentejo”37, apesar de uma única nave, revela já a cabeceira rectangular, numa propensão pelas linhas rectas que se verificará em São Francisco de Évora, nas igrejas conventuais de influência de São Francisco, e nas paroquiais de São João Baptista de Moura, Nossa Senhora da Assunção (antiga Sé de Elvas), igrejas matrizes de Viana do Alentejo, do Alvito, de S. Paulo de Pavia, entre outras38. Por último, importa salientar que não são comuns as torres sineiras quadradas antes desta época, principalmente com ameias que não revelam uma função mais específica do que a decorativa, cabendo este papel de cariz ornamental sobretudo às construções já manuelinas. Em todo o caso, é conhecida a polémica levantada pela determinação de D. Manuel I em colocar um relógio na torre da matriz de Castelo de Vide,
Em cima: castello de vide tirado naturall da banda do sueste Duarte de ARMAS, Livro das Fortalezas, IAN/TT, Casa Forte, MS 159, fls. 42 v.-43. Em baixo: Pormenor do desenho de cima. (fotografias cedidas pela Secção de Arqueologia da Câmara Municipal de Castelo de Vide).
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em 149839. Esta ordem do monarca é bem reveladora da importância alcançada pela comunidade estabelecida nos arrabaldes, pois percebemos aqui uma deslocação de poder simbolizada pelo relógio, elemento inovador e de grande significado, capaz de definir e regular o tempo (e consequentemente, as tarefas) de toda uma população. Naturalmente, os habitantes do interior da cerca murada não aceitaram esta imposição e recusaram pagar qualquer despesa relacionada, pelo que o Rei decidiu colocar o dito relógio numa torre “em sima antre as portas vila”40, ou seja, num local intermédio. Esta, corresponde à torre desenhada junto à Porta da Vila, que numa outra versão da obra de Duarte de Armas, o denominado Códice de Madrid, surge legendada com a palavra Relógio, revelando-se a sua configuração idêntica à da matriz. A estas evidências junta-se um outro indício documental, pois quando, em 1498, se refere a edificação da nova torre, menciona-se também a edificação da torre da matriz: “(...) mandar fazer um Relogio no campanairo da Igreja de Santa Maria dessa villa mandando logo que para o dito Relogio e despezas delle não fosse excuzada nenhua pessoa dessa Villa posto que tivesse previlegios, e que começando-se a fazer a torre para elle nos foramos a essa villa e houveramos por nosso servisso de se fazer o dito Relogio em sima na villa”41. Ao lado: Fachada principal da igreja.
39 Esta é a data proposta por António Raposo Repenicado, pois o Livro de Tombo refere o ano de 1548, mas no reinado de D. Manuel, o que não corresponde à realidade, devendose a questão, muito possivelmente, a um erro na cópia do Tombo. Cf. António V. Raposo REPENICADO, Op. Cit., 1965, pp. 258-259 e César VIDEIRA, Op. Cit., 1908, p. 54. 40 AHCMCV, Constituição e Regulamentação do Município, Tombos e treslados de alvarás e provisões régias, sentenças e compromissos, Senteça para que os moradores do castello paguem para o Rellogio, Liv. I, fl. 9 v.- 11 v., citado por António V. Raposo REPENICADO, Op. Cit., 1965, p. 262. 41 AHCMCV, Constituição e Regulamentação do Município ..., Op. Cit., Liv. I, fl. 10. 42 Agradecemos esta informação ao Cónego Dr. Bonifácio Bernardo, que prepara a publicação de uma Visitação com data de 19 de Junho de 1514, no Arquivo do Cabido da Sé de Portalegre, onde se refere estar a igreja de São João Baptista na fase final da sua edificação.
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Depreende-se da leitura desta passagem que a torre de Santa Maria estava a ser construída em 1498 e que, devido ao problema levantado pelos moradores do castelo, o Venturoso acabou por ter de alterar os seus planos iniciais de nela ver instalado o relógio que oferecera à vila. Voltaremos, mais à frente, a esta questão, pois acreditamos que a escada em espiral, no interior da actual torre, corresponde afinal à da edificação quinhentista, conservando-se e sobrevivendo a todas as intervenções e destruições posteriores. Por último, refira-se que as torres de São Tiago e de São João (estava em fase de acabamento em 1514), seguem a mesma tipologia das restantes42. Concluindo, tudo indica que as quatro torres podem ter sido levantadas na mesma época, entre o final do século XV e o início do XVI. Ainda no desenho Sueste de Duarte de Armas, e apesar das dificulda-
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des em retirar conclusões absolutas deste género de apontamentos, importa sublinhar que o aparelho das torres mencionadas é muito semelhante ao da cabeceira contrafortada de Santa Maria, o que a diferencia, e isola, do corpo da igreja. Não deixa de ser interessante referir que, no reinado de D. Manuel, boa parte das intervenções em edifícios religiosos já existentes se restringiu às áreas mais importantes do templo, ou seja, ao ponto chave das celebrações litúrgicas – a capela-mor -, e aos locais onde as marcas cenográficas e propagandísticas do poder eram mais eficazes – os portais. Resta citar um documento de 1517, da Chancelaria de D. Manuel I, que atesta a relevância da igreja de Santa Maria, onde a música era um elemento fundamental e, ao mesmo tempo, revelador de um certo requinte nas vivências religiosas: Lopo Gonçalves, nomeado escrivão da almoçataria, obrigava-se a tanger e tomar conta dos órgãos da igreja, aos domingos e em todas as festas43. Uma vez que o templo foi demolido no século XVIII, e que não dispomos de qualquer outra descrição ou imagem sua44, nada mais podemos avançar, por agora, nesta abordagem cripto-histórica. Esperamos, no entanto, ter contribuído para uma nova leitura sobre este edifício, entretanto desaparecido, mas fundamental para o desenvolvimento de Castelo de Vide, tendo desempenhado um papel de grande relevância no contexto religioso, político, económico e artístico da vila.
43 IAN/TT, Chancelaria de D. Manuel I, livro n.º 10, vol. 22, 1517, fls. 39-39v (doc. De 22 de Maio de 1517), citado por Pedro CID, Op. Cit., 2005, p. 110. Agradecemos ao próprio a transcrição integral do documento. 44 À excepção do Projecto de fortificação abaluartada de Castelo de Vide, com data de 1652, da autoria de Nicolau de Langres, onde se pode verificar que a igreja de Santa Maria teria as mesmas dimensões que as de São João ou São Tiago. É, no entanto, uma marcação sumária, pelo que é difícil aferir do rigor da representação dos templos. Cf. Gastão de Mello de MATTOS, Nicolau de Langres e a sua obra em Portugal, Publicações da Comissão de História Militar (IV), Volume Comemorativo do Centenário da Restauração, Lisboa, 1941, Estampa XXXIX; Domingos BUCHO, Fortificações de Castelo de Vide – História, Arquitectura e Restauro, s.l., Região de Turismo de São Mamede, 2004, p. 62.
Página anterior: Vista geral sobre a vila de Castelo de Vide. Em baixo: castello de vide tirado naturall da banda do [nordeste] Duarte de ARMAS, Livro das Fortalezas, IAN/ TT, Casa Forte, MS 159, fls. 42 v.-43. (fotografia cedida pela Secção de Arqueologia da Câmara Municipal de Castelo de Vide).
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Os Reis, as Ordens religiosas e os Bispos O provimento do clero e a repartição dos rendimentos
45 Carta de Sentença que deu Dom Steuam bp’o da guarda de prazimento de frey Domingos priol do CaStelo de Sanhãne do CaStelo da Vyde... de prazimento de Johã migeez. Priol de Santa Mª da deueSa . de prazymetos dos outros abades. Sobre as dizymas q demãdaua o freyre das Pobras damejadas .. de dom martinho. Esta sentença atribui-se ou ao bispo da Guarda D. Estevão I que governava em 1314, continuando até 1319, ano em que lhe sucedeu D. Martinho II, a instâncias do Rei D. Dinis; ou a D. Estevão II, eleito Bispo no ano de 1357, e que governou até 1359. Cf. José Anastácio FIGUEIREDO, Nova História da Militar Ordem de Malta, vol. II, Lisboa, Off. de Simão Thadeo Ferreira, 1800, p. 325. 46 IDEM, Ibidem, p. 326. 47 O que, segundo Luís Keil, Op. Cit., p. 35, aconteceu em 1372. Cf. José Mendes da Cunha SARAIVA, Livro dos Forais, escripturas, doações, privilégios e inquirições, (col. Subsídios para a História da Ordem de Malta em Portugal). vol. I, Lisboa, Arquivo Histórico do Ministério das Finanças, 1946, p. 28. 48 Transcrito por IDEM, Ibidem, 1946, p. 27. 49 José Anastácio FIGUEIREDO, Op. Cit., 1800, p. 327. 50 IDEM, Ibidem. A mesma informação consta “Dos escambos e permutações q se fizerão entre Reis, e Ordens, e Moesteiros, e outras pessoas particulares acerca d’alguuas igrejas”, Livro das Igrejas e Capelas do Padroado dos Reis de Portugal – 1574 (introdução de Joaquim Veríssimo SERRÃO), Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, Paris, 1971, p. 58. 51 IAN/TT, Chancelaria de D. Fernando, Livro dos Mestrados, Carta porque pertence à Ordem de Cristo, M.F. 1033, fl. 88 a 89 v. 52 Pedro CID, Op. Cit., 2005, p. 43. Na verdade, através de uma carta passada por D. Afonso V, em 1473, percebe-se que D. Fernando confirmou a doação de Castelo de Vide a D. Fr. Nuno Rodrigues, Mestre da Ordem de Cristo, como recompensa pelos serviços prestados na luta contra Castela. Mas a importância da vila como “ponto de defesa da fronteira” conduziu à revogação desta doação e à recuperação do domínio da vila por parte da Coroa. Cf. P. M. LARANJO COELHO, As Ordens de Cavalaria no Alto Alentejo – comendas da Ordem de Cristo documentos para a sua história, Lisboa, Imprensa Nacional, 1926, pp. 60-63.
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À semelhança do que acontece no resto do país, também na igreja de Santa Maria de Castelo de Vide observamos, ao longo dos séculos, uma série de variantes que não permitem estabelecer um modelo único quer para o provimento do clero, quer para os vários poderes que aqui encontramos, aos quais interessa directamente a repartição dos rendimentos, a par de alguma influência e prestígio. Nas próximas linhas tentaremos descrever, sumariamente, os interesses em questão e perceber qual a sua evolução. Foi no reinado de D. Fernando I que mais transferências de poder ocorreram em Santa Maria da Devesa e também na própria vila, pois esta era uma peça fundamental na estratégia militar contra Castela, enquanto a sua igreja matriz, e todas as do reino, constituíam possíveis fontes de rendimento a aplicar na política de contestação a D. Henrique de Castela. A matriz de Castelo de Vide foi, no século XIV, do padroado dos Hospitalários, como o comprovam os documentos da sua chancelaria45. D. Fernando fez doação, em 1368, do padroado de Santa Maria da Devesa à recém-construída capela da Flor da Rosa do Crato e ao priol do Spital, D. Fr. Álvaro Gonçalves Pereira46. Alguns anos mais tarde, o mesmo monarca invoca ter-se esquecido desta disposição, fazendo nova doação do padroado da igreja de Castelo de Vide ao Mestre da Ordem de Cristo47. Mas depressa terá reconhecido o erro e, em 1375, voltou a doar o padroado à Flor da Rosa “com todalas suas pertenças, direitos, rendas, proes, e com todalas outras couzas, que a dita igreja pertençem”48. Esta haveria, porém, de durar pouco tempo, pois em Maio do mesmo ano, D. Fernando revogou a doação que havia feito, revertendo-a a favor da obra e da fábrica da Sé da Guarda49. Esta informação consta da doaçom que foy feita a dom lujs bispo da guarda, pelo rei D. Duarte, em 1435, que procurava, assim, voltar a deter o poder de apresentação dos vigários nas igrejas que haviam sido anexadas à Sé da Guarda, mas mantendo parte das rendas a favor da referida fábrica50. A própria vila pertencia à Ordem de Cristo, depois do escambo que D. Fernando fizera, em 1372, com a vila de Castro Marim, alegando dificul-
dades na reparação do castelo desta última51. Esta doação haveria de ser pouco duradoura, pois em 1380, ou antes, já Castelo de Vide regressara à posse da coroa52. Certo é que a Ordem acabaria por conservar sob o seu domínio a igreja matriz pois, em 1517, este templo tornou-se uma das comendas novas instituídas por D. Manuel e consignada no Processo Executorial feito por D. Diogo Pinheiro Bispo do Funchal, “que por virtude da Bulla de Leão X nomeou sincoenta Igrejas que ElRei D. Manoel lhe apontou do padroado Real pera dellas se fazerem sincoenta Commendas da Ordem de Christo, às quaes apropria, e aplica pera sempre os redditos, e fruitos das dittas sincoenta Igrejas deixando congrua porção em cada huma pera o Reitor, e reitores della”53.
A igreja manteve-se na Ordem de Cristo, “provida na ilustre família dos Mascarenhas”54, mas a Coroa conservou o direito de padroado, que
consistia na apresentação dos vigários e reitores. Assim, Santa Maria surge no Caderno das Comendas da Ordem de Cristo55 (1526-1565) e no Livro das comendas da Ordem de Nosso Sñor Iesu Christo56, mandado fazer por D. Sebastião em 1563, como igreja do padroado; e na Lista de todas as comendas q ha em estes Reynos de Portugal, da Ordem de Christo, da apresentação de S. Mg.de e do Duque de Bragança..., executado entre 1615 e 1717, como comenda velha57. A definição dos intervenientes na provisão dos clérigos encontra-se bem expressa no documento de Instituição dos Benefícios de Nossa Senhora da Deveza desta villa de Castello de Vide, passado pelo Bispo de Portalegre D. Julião de Alva, em 155958. Percebemos que a hierarquia da matriz se complexificou, surgindo neste documento referências ao vigário59, ao comendador, ao reitor60 e aos beneficiados61. Assim, e como a coroa manteve, desde D. Duarte, o padroado da igreja, era da sua responsabilidade a apresentação dos vigários e reitores, embora as Memórias Paroquiais referentes à freguesia de São Tiago nos informem que, ao cargo de reitor, correspondia, em 1758, o de pároco vigário62. A Ordem nomeava o comendador, que por sua vez, deveria sustentar os ministros63 e pagar a côngrua do reitor ou reitores64, obrigando-se ainda à fábrica da igreja65. O Bispo não só confirmava os vigários
53 D. António Caetano de SOUSA, Provas do Liv. IV da História Genealógica da Casa Real Portuguesa, nova ed. revista por M. Lopes de Almeida, César Pegado, Coimbra, Atlântida, 194655, p. 345. 54 IDEM, Ibidem, p. 63. Refira-se que, em 1550, era alcaide de Castelo de Vide D. João de Mascarenhas. Cf. BNL, Reservados, Cód. 8574, Livro de Menagens, fl. 5v. 55 IAN/TT, Mesa da Consciência e Ordens, Ordem de Cristo/ Convento de Tomar, Caderno das Comendas da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo, OC/CT 19, fl. 47 v. 56 BNL, Livro das comendas da Ordem de Nosso Sñor Iesu Christo o qual mandou fazer elRey Dom Sebastião nosso Sñor por o Doctor P.e Álz do seu desembargo por seu aluara que vai traslado no começo delle [Manuscrito], 1563, fl. 74. 57 BNL, Lista de todas as comendas q ha em estes Reynos de Portugal, da Ordem de Christo, da apresentação de S. Mg.de e do Duque de Bragança... [Manuscrito].- [entre 1615 e 1717]. 58 AHCMCV, Constituição e Regulamentação do Município, Tombos e treslados de alvarás e provisões régias, sentenças e compromissos, Instituição dos Benefícios de Nossa Senhora da Deveza desta villa de Castello de Vide, Liv. II, fl. 136 v. – 140 59 É o sacerdote que ajuda o pároco. 60 Título que designa o prior ou pároco da freguesia. 61 São os presbíteros que usufruem de um benefício, sendo por isso obrigados a realizar determinadas tarefas, como confessar e administrar os sacramentos, ou rezar missas e ofícios divinos, etc. 62 IAN/TT, Memórias Paroquiais, Castelo de Vide, Freguesia de São Tiago, 1758, fl. 1477 , transcritas por P. M. LARANJO COELHO, “Memórias Paroquiais de Castelo de Vide”, O Castelovidense, n.º 813, 4 de Dezembro de 1949, pp. 3-4. 63 “nem tão pouco dezobrigamos ao Commendador que leva os fruitos da ditta igreja da obrigação que tem de sostentar Ministros que a sirvão e cumprão com os encargos e obrigaçoens della a que por direito se achar que he obrigado por rezão da renda, que leva (Fl. 139) Leva da Comenda da ditta Igreja” AHCMCV, Constituição e Regulamentação do Município, ..., Op. Cit., Liv. II, fl. 139. 64 D. António Caetano de SOUSA, Op. Cit., 1946-55, p. 345. 65 IAN/TT, Chancelaria da Ordem de Cristo, Providencia do fabriqueiro da igreja a João da Silva de Souza, Livro 206, 5 de Março de 1739, fl. 375 v. a 376 v. Neste documento, D. João V nomeia um novo fabriqueiro, que deveria arrecadar o dinheiro da fábrica.
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Página seguinte: Quadro com a identificação dos comendadores, beneficiados, reitores, vigários e clérigos conhecidos, com a indicação do respectivo direito de apresentação. Em baixo: Panorâmica da vila de Castelo de Vide.
66 D. Julião de Alva considerou o pedido do beneficiado Rodrigo Sanches que declarou não conseguir cumprir todas as suas obrigações por ser a sua freguesia excessivamente grande, e dividiu os rendimentos em quatro, criando assim outros tantos beneficiados, facto que testemunha o volume dos rendimentos. 67 ACSP, Consentimento do Sr. Bispo para que o cónego Pº Fernandes alcance de sua santidade a confirmação do ofício de escrivão do Celeiro de Castelo de Vide, que possuía, para não ser privado dele, enquanto vivesse, não obstante ser de livre nomeação, Maço 10º. 68 BNL, “Catálogo de todas as igrejas..., Op. Cit., p. 140. 69 BNL, Livro das comendas da Ordem de Nosso Sñor Iesu Christo..., Op. Cit., 1563, fl. 74. 70 AHCMCV, Constituição e Regulamentação do Município, ..., Op. Cit., Liv. II, 1559, fl. 139. 71 IAN/TT, Memórias Paroquiais, Castelo de Vide, Freguesia de Santa Maria da Devesa, fl. 1483. 72 IDEM, Ibidem. 73 ACSP, Alvarás Régios de D. Miguel, Maço 15º sobre a distribuição dos dízimos da Igreja de Santa Maria da Devesa, também de Castelo de Vide.
e reitores, como apresentava os beneficiados, que a partir de 1559 passaram a ser quatro66. No quadro seguinte encontra-se o nome de todos os comendadores, beneficiados, reitores, vigários e clérigos (com apresentação) que foi possível identificar através da documentação. As referências aos rendimentos e consequente distribuição dos mesmos encontra-se dispersa pela documentação, variando ao longo dos séculos, razão pela qual apenas conseguimos apurar os elementos que a seguir se enumeram. Em 1590, existia um escrivão do celeiro, também designado por escrivão dos dízimos, que deveria receber e conferir o pagamento dos dízimos67. Qualquer dos indicadores disponíveis permite perceber que a comenda foi avaliada com valores médios relativamente a outras igrejas. Em 1320 dispunha de duzentas libras68, em 1550 valia cento e setenta e seis mil réis69, e em 1559 o Bispo afirmava que os rendimentos eram suficientes para instituir quatro beneficiados em vez de um70, pagos pela oitava parte dos dízimos, que totalizava uma renda anual de cinquenta ou sessenta mil réis71. Por sua vez, o vigário tinha de côngrua, em 1758, a quantia de cinquenta mil réis, pagos pela comenda72. Por fim, um Alvará de D. Miguel refere que os dízimos de Santa Maria eram divididos em três partes, duas das quais para a comenda, onde se incluem os quatro beneficiados, “com o oitavo no pão e vinho, e o quarto nas miuças, pagando estes e a Commenda as Ordinárias”73.
Quem
a p r e s e n ta
C o m e n da d o r
Beneficiados
R e i to r
Vigários
Clérigos
Reinado de D. Fernando D. Fernando, 1375 (IAN/TT, Chancelaria, Liv. 1, MF 651 fl. 170)
Estevão Pires
D. Fernando, 1377 (IAN/TT, Chancelaria, Liv. 2, MF 729, fl. 9 v.)
Afonso Annes
Reinado de D. João III D. João III (IAN/TT, Chancelaria, Liv. 23, MF 500, fl. 38)
Pedro Trosilho
D. João III (IAN/TT, Chancelaria, Liv. 35, MF 1801, fl. 112)
Pedro Fernandes de Lacerna
Referido por LARANJO COELHO, 1926, p. 63
D. João de Mascarenhas
Regência de D. Catarina Bispo D. Julião de Alva, 1559 Criou quatro beneficiados
Rodrigo Sanches apresentou a renúncia com o objectivo de criar mais beneficiados
Bispo de Portalegre (ACSP, Maço 10º)
André Pires Furtado
Bispo D. Frei Amador Arrais, 21 de Agosto de 1587 (ACSP, Maço 10º)
Pedro Álvares
Reinado de D. Filipe I D. Filipe, 22 de Agosto de 1598 (IANTT/Chancelaria da Ordem de Cristo, Liv. 10, MF 1556, fls. 216 v. e 217)
Manuel Luís, que substituiu Frei Jorge de Guerra
Reinado de D. Filipe III D. Filipe, 28 de Março de 1624 (LARANJO COELHO, 1926, p. 63, IAN/TT, Chancelaria da Ordem de Cristo, Liv. 2, fl. 15 a 16)
D. António Mascarenhas
Reinado de D. Pedro II Ordem de Cristo, 11 de Janeiro de 1684 (LARANJO COELHO, 1926, p. 63)
D. Fr. Francisco Mascarenhas
Ordem de Cristo, 2 de Setembro de 1701 (LARANJO COELHO, 1926, p. 63)
D. Fr. João Manoel de Noronha
Reinado de D. João V D. João V (IAN/TT, Chancelaria, Liv. 38, MF 1445, fls. 66 v. e 67)
Manoel Carrilho
D. João V, 22 de Abril de 1709 (IAN/TT, Chancelaria, Liv. 30, fls. 353 e 353 v.)
Padre Manoel Quaresma
D. João V, 16 de Março de 1712 (IAN/TT, Chancelaria, Liv. 38, MF 1445, fls. 66 v. e 67)
Padre Miguel Barrento
Reinado de D. Maria I Ordem de Cristo, 10 de Setembro de 1793 (LARANJO COELHO, 1926, p. 63)
D. Constança Manoel, 7ª Condessa de Atalaia e 2ª Marquesa e Duquesa de Tancos D. Domingas Manoel de Noronha, 10ª Condessa de Vimioso, 8ª Condessa de Atalaia e 3ª Marquesa de Tancos
Reinado de D. Maria II Ordem de Cristo, 21 de Julho de 1827 (LARANJO COELHO, 1926, p. 63)
D. Duarte Manoel de Noronha, Marquês de Tancos
Reinado de D. Miguel D. Miguel, Alvará de 5 de Julho de 1831 (ACSP, Maço 15º)
José Joaquim Mimoso
Até à demolição
74 Citado por Raposo REPENICADO, Op. Cit., 1965, p. 119. 75 Citado por IDEM, Ibidem, p. 119. 76 Não se conhecem outras obras executadas por este mestre entalhador. Com o mesmo apelido, surgem, na documentação de uma época ligeiramente mais tardia, dois mestres que poderiam ser seus parentes. Marcos Ribeiro, a trabalhar na Sé de Leiria e João Ribeiro da Costa, com oficina em Santarém e obras na igreja de Nossa Senhora do Pópulo, nas Caldas da Rainha e, em Lisboa, na igreja de São Julião e no Convento de São Domingos Cf. respectivamente, Saúl António GOMES, “Oficinas artísticas do Bispado de Leiria nos séculos XV a XVIII”, Actas do VI Colóquio Luso-Espanhol de História da Arte, Viseu, 1991, p. 254; Vítor SERRÃO, “Marcos de Magalhães arquitecto e entalhador do ciclo da Restauração (1647-1664)”, Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, n.º 89, 1º tomo, 1983, pp. 304, 305, 317, 318, 319. Agradecemos estas informações ao Prof. Doutor Francisco Lameira. 77 AIMSMDCV, Confraria das Almas – escrituras. 78 O autor não determina com exactidão os anos, que pensamos corresponder aos atrás referidos de 1682-84. Cf. António V. Raposo REPENICADO, Op. Cit., 1965, p.120, que cita o livro de baptismos de 1683-88. 79 IAN/TT, Chancelaria da Ordem de Cristo, Carta de mercê a D. António Mascarenhas, Liv. 12, 28 de Março de 1624, fls. 15 - 16, 80 Actualmente apenas se conserva o 1 e o 7, mas Luís KEIL, Op.Cit., 1943, p. 37, refere o ano de 1748.
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São muito escassas as informações relativas ao período que decorre entre a edificação da igreja de Santa Maria da Devesa e a sua demolição, ordenada pelo Bispo de Portalegre, em 1749. Apenas podemos acompanhar o crescente estado de ruína da matriz, que obrigou, por alguns anos, à transferência da paróquia para o Espírito Santo, igreja que existia onde hoje se encontra o Parque João José da Luz. As actas da Câmara facultam-nos alguns pormenores curiosos relativos à vivência da igreja da Devesa onde a música continuava a ser um elemento de grande significado. A título de exemplo, referimos que a 1 de Agosto de 1587, a Câmara deliberou que o escrivão de Almoçataria, Domingos Mendes, tinha de cumprir a obrigação de tocar órgão na matriz e na igreja de Santo Amaro, aos domingos e dias de festa74. Também a 20 de Agosto de 1650 o escrivão de Almoçataria, Manuel Vivas Tavares, deveria consertar os órgãos. Quatro anos mais tarde era Lourenço Mouzinho Borba quem se comprometia a tanger os órgãos da matriz e da igreja de Santo Amaro, como competia ao seu cargo75. O início do século XVII trouxe o que pensamos corresponder a uma nova campanha decorativa, que visava enobrecer a igreja, então pouco esplendorosa. De facto, encontrámos no arquivo da matriz um documento datado de 17 de Agosto de 1610 onde se revela que o vigário, Duarte Pinto Ribeiro, contratou um marceneiro de Lisboa chamado Manuel Ribeiro76, para fazer e prover um retábulo para a capela-mor da igreja. Contudo, o marceneiro desapareceu sem executar a obra, razão pela qual se chama à responsabilidade o seu fiador, Manuel Lopes Sarzedas, de Castelo de Vide. No final, alude-se ao “muito escandalo de estarem as paredes servindo de retabolo”77. É a partir da segunda metade do século XVII que começam a surgir na documentação indicações sobre o grave estado de conservação do edifício de Santa Maria da Devesa. A ameaça de ruína levou a que o culto fosse transferido para o templo do Espírito Santo por um período de dois anos, entre 1682 e 1684, durante o qual a matriz foi objecto de uma intervenção de restauro78. Nesta data era administradora da comenda
a Condessa de Santa Cruz, herdeira do então falecido comendador D. António Mascarenhas79. Desconhecemos a extensão da intervenção mas é de supor que estas datas não se afastem muito do que pensamos ter sido uma nova campanha de obras, da qual apenas identificamos a realização de um portal, parcialmente integrado no que foi executado em 1748, e depois aplicado na igreja que hoje conhecemos. Regressaremos a esta questão com mais pormenor, quando tratarmos da contextualização deste templo na arquitectura da época. Em todo o caso, estas obras não terão sido minimamente duradouras, pois em 1749 o Bispo de Portalegre ordenou a demolição do templo, transferindo novamente o culto para a igreja do Espírito Santo. O estado de deterioração do edifício não deveria ser tão grave como se fazia crer, pois um dos sinos que ainda se conserva na torre da igreja (na sineira virada para o castelo) tem a data de 1739, o que denota melhoramentos neste templo poucos anos antes. Por outro lado, o próprio portal principal ostentava, até há relativamente pouco tempo, a data de 174880, o que parece vir corroborar a hipótese de ter ocorrido uma campanha de obras neste segundo quartel do século XVIII, como veremos mais à frente.
Vista nocturna sobre a vila de Castelo de Vide.
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As lápides funerárias
Em baixo à esquerda: Sepultura de António Carrilho Bijos. Cruzeiro do lado da Epístola, à direita: Sepultura da Família Matos. Cruzeiro do lado do Evangelho. Página seguinte: Sepultura de António Carrilho Bijos.
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Existem, actualmente, três campas brasonadas no cruzeiro, duas do lado do Evangelho e uma do lado da Epístola. São as lápides já mencionadas por Luís Keil (1943: 38) que, na época em que este investigador visitou a igreja, se encontravam na parte principal do coro. Duas destas pedras apresentam um elevado nível de desgaste que torna impossível a sua leitura, distinguindo-se apenas o brasão da família Mattos, idêntico em ambas as lápides – árvore ladeada por dois leões, sendo o do lado esquerdo encimado por elmo. Curiosamente, é o mesmo símbolo heráldico que se observa numa das casas da Rua Direita do Castelo (REPENICADO, 1971b: 4). Não nos é possível perceber quem foi sepultado nestas campas, mas os Matos foram uma importante família, impulsionando obras tão significativas como o convento de Nossa Senhora da Conceição, na segunda metade do século XVI. Os Matos surgem, mais tarde, como familiares do Santo Ofício (COELHO, 1955: 10-18) e, ainda, ligados às famílias Mouzinho e Carrilho (CUNHA, 1971: 161-167). A outra lápide, com brasão formado por cinco flores-de-lis (símbolo
dos Carrilho), pertence a António Carrilho Bijos, a António Rodrigues Mousinho e seus herdeiros: SA DO LLº ANTº CARRILHO BIJ S E DE SEVS RDOS
Contudo, parece haver alguma confusão na leitura desta e de uma outra lápide com o mesmo nome, no transepto, do lado da Epístola. Em 1932, Possidónio Mateus Laranjo Coelho (1932: 195) citava a primeira lápide como estando em frente da capela-mor e a outra na capela de Nossa Senhora do Carmo. Não sabemos a que igreja se referia, mas a obra de Fernando de Castro Pereira Mouzinho de Albuquerque e Cunha, sobre Mouzinho de Albuquerque – história e genealogia (1971: 167) noticia a segunda sepultura junto ao altar de Nossa Senhora do Carmo, na Igreja de São João Baptista, o que não acontece. De acordo com a última obra referida, António Carrilho Bijos fora clérigo e vigário de 33
Tampa de sepultura medieval nas escadas de acesso ao coro.
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São João Baptista, tendo falecido a 14 de Agosto de 1644. Mas nos estudos de P. M. Laranjo Coelho (1955: 11) e de António Raposo Repenicado (Terra Alta, n.º 643, 4 de Julho de 1971), surge um outro António Carrilho Bijos natural de Castelo de Vide, filho de Amaro Carrilho Bijos e Maria Vaz e casado com Leonor de Meira Barba todos da nobreza da vila. Foi familiar do Santo Ofício (1668), juiz de fora do Crato (1649), ouvidor do privado e procurador da vila nas Cortes de Tomar. Como recompensa por todos os serviços foi-lhe concedida a mercê de uma capela de rendimento de 30.000 réis. Por sua vez, António Rodrigues Mousinho pode ser o que vem referido no livro O Santo Ofício no Alentejo, de P. M. Laranjo Coelho (1955: 16) como familiar do Santo Ofício. Neste momento mais não podemos adiantar sobre a identificação das campas mas elas constituem o testemunho mais visível dos antigos enterramentos nas igrejas, marca de poder e de prestígio bem patente no relevo destas lápides. Luís Keil (1943: 38) refere ainda outros fragmentos nas escadas de acesso ao coro, um dos quais deverá corresponder à tampa de sepultura medieval encontrada numa das janelas da referida escadaria. Na zona superior observa-se parte de uma cruz inscrita dentro de um círculo, e em baixo, à esquerda, parte de uma espada, com o pomo, o punho e as guardas rectas com o arranque da lâmina. De acordo com o Prof. Doutor Mário Barroca (a quem agradecemos a informação), a cruz florenciada
e o género de espada indicam tratar-se de uma tampa do século XIV, pertencente a um nobre (a espada era um atributo social). Estamos, pois, perante um exemplo de reaproveitamento de materiais do templo anterior, aplicado na construção da igreja setecentista. Importa também referir uma das pedras que serve de base à sineira virada para a Serra, que apresenta uma inscrição muito gasta pelo tempo e pela exposição aos elementos naturais e, por isso mesmo, de grande dificuldade de leitura e datação. Subsiste, ainda, no coro, uma lápide rectangular, com inscrição a ladear o brasão de armas central, não referida pelos autores citados. AQVI IAZ VASCO MIZ DE MELO AL CAIDE MOR E CAPITÃ DE CASTELO DA VIDE DONA ISABEL DE CRASTO SVA MOLHER AMÃDOV FAZER FAL ECEO NA ERA DE 15X3 Vasco Martins de Melo, casado com D. Isabel de Castro, era alcaide da vila, tal como haviam sido seu pai e viria a ser de novo o seu filho, Duarte de Melo, aí em funções no tempo de Duarte de Armas. Sepultura de Vasco Martins de Melo.
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O longo tempo da reconstrução Recapitulando o que temos vindo a defender, este templo teve origem numa fundação dos finais do século XIII a que se seguiu uma eventual campanha manuelina (na cabeceira e torre sineira), datável de fins da centúria de quatrocentos e inícios da de quinhentos. A estas, acrescentaram-se outras intervenções pontuais, de menor relevância, nos séculos seguintes. Assim, em meados do século XVIII, a igreja de Santa Maria era descrita, sumariamente, pelas Memórias Paroquiais como sendo um templo de três naves, com altar-mor e oito altares: do Sacramento, de Nossa Senhora do Carmo, de Nossa Senhora do Rosário, do Santo Cristo, do Anjo da Guarda, de Nossa Senhora da Boa Morte, das Almas e de Santa Luzia81. Longos anos haveriam de decorrer entre 1749, data em que o Bispo de Portalegre, D. Fr. João de Azevedo, ordenou a demolição da igreja82, e o início das obras, ou seja, da concretização desta determinação. Não se sabe ao certo em que ano teve início a reconstrução do templo, mas é possível distinguir três fases neste demorado processo. Uma primeira, de 1749 até ao início efectivo dos trabalhos, possivelmente em 1789, em que se procuraram reunir os fundos necessários para fazer face às despesas com a edificação da igreja. Uma fase intermédia, em que podemos acompanhar a evolução da obra e as novas tentativas de angariação de rendimentos, prolongou-se até 1822, ano em que o Bispo D. José Valério da Cruz visitou a matriz e deu por terminada a sua construção. Por fim, a terceira e última fase estende-se até 1873, ou seja, até à abertura oficial do templo, cabendo a estes anos a decoração do interior e, já na década de 70, a execução do retábulo-mor, muito embora a partir dos anos 50 haja referências a problemas relacionados com a manutenção do edifício. É, pois, o curso destes acontecimentos e a caracterização de cada uma destas fases que procuraremos traçar nas próximas linhas. Ao mesmo tempo que mandava demolir o templo, o Bispo ordenava que o culto se transferisse, novamente, para a igreja do Espírito Santo. Contudo, desconhecemos quando ambas as ordens terão sido cumpridas, pois nas Memórias Paroquiais de 1758, o vigário João Ayres Baptista 36
refere que a igreja ”hoje está arruinada, não pelo terramoto do ano de 1755 mas por muito velha; pretendendo-se concertar se conheceu seria inutil o concerto e cuida-se em se demolir para se fazer igreja nova”83. O Terramoto apenas
arruinou a abóbada, “expulsando de si a pedra do remate”84, o que significa que a igreja ainda estava de pé, mantendo-se no mesmo estado em 1771, data do inquérito realizado pelo Bispo aos párocos da sua diocese85. João António Gordo alude mesmo a uma tradição oral, referindo que “sendo muito mais pequeno que o actual, o primitivo templo ficara dentro daquele e que durante a construção do novo, no velho se continuaram celebrando os ofícios religiosos, até que por fim foi demolido”86.
As obras tiveram início, muito possivelmente, em 1789, pois numa provisão da Mesa do Dezembargo do Paço, com data de 1799, afirma-se que a reedificação do templo havia sido iniciada há apenas dez anos87, o que totaliza cerca de 40 anos depois da primeira ordem de demolição. Uma diferença que poderá estar na origem da tradição divulgada por João António Gordo, pois durante este período há notícias da preocupação com a obra da matriz e, principalmente, com a procura de financiamento para a sua concretização. Assim, logo em 2 de Novembro de 1749, a “Câmara determinou que se pedisse a sua Magestade a aplicação das sobras do cabeção, sizas e outros impostos para a reedificação da igreja”88. Para além desta solicitação,
reclamara também autorização para aplicar neste empreendimento os saldos dos quartéis e, ainda, “que se arrendasse o rendimento do vinho e aguardente estavernados, ficando somente de os vender os arrematantes e as pessoas que os tivessem de sua lavra e que o producto desta renda se aplicasse à mesma obra”89. Era comendador nesta época o Conde de Atalaia, a quem a
vereação deu conhecimento da disposição do Bispo90. É provável que os rendimentos angariados através dos impostos referidos demorassem algum tempo até ficarem disponíveis, razão pela qual se terão retardado os trabalhos, muito possivelmente até 1789. Pensamos que as partes envolvidas neste projecto pretendiam actuar com alguma prudência, pois os custos implicados eram bastante elevados
81 IAN/TT, Memórias Paroquiais, Castelo de Vide, Freguesia de Santa Maria da Devesa, 1758, fl. 1484. 82 Deixando para tal uma série de capítulos na igreja. Referido por António Vicente Raposo REPENICADO, Op. Cit., 1965, p. 120. 83 IAN/TT, Memórias Paroquiais, Castelo de Vide, Freguesia de Santa Maria da Devesa, 1758, fl. 1483. 84 “O Terramoto de 1755 em Castelo de Vide”, A Cidade, n.º 10, 1983, p. 6. 85 Explicitamente mencionado em diversas ocasiões por António Vicente Raposo REPENICADO, Op. Cit., 1965 e por João António GORDO, Op. Cit., 2004, este códice, que o último autor refere como pertencente ao Bispado, encontra-se, hoje, desaparecido, uma vez que em nenhum dos arquivos da Diocese (Cabido e Câmara Eclesiástica) foi possível localizá-lo. 86 João António GORDO, Op. Cit., 2004, p. 37. 87 AIMSMD, Livro de Visitações, 1789-1889, fls. 16 v. - 17. 88 António Vicente Raposo REPENICADO, Op. Cit., 1965, p. 120. 89 IDEM, Ibidem, pp. 120-121. Ficava juiz executor destas rendas o Juiz de Fora da vila, ajudado por duas pessoas nobres eleitas pela Governança, sendo que todos escolheriam um depositário que deveria cobrar e despender os dinheiros, por mandados assinados por todos três. 90 IDEM, Ibidem, p. 120.
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e havia que tomar em consideração o projecto do novo templo, cujas características deveriam responder, em primeiro lugar, às necessidades da paróquia, de grande dimensão91. O acompanhamento dos livros da Câmara Municipal permite perceber o esforço continuado da vereação em contribuir com o maior número possível de receitas. Em sessão de 25 de Novembro de 1781, a Câmara concordou em ajudar nas despesas, por considerar ser esta uma obra importante para a vila92. A 4 de Janeiro de 1786, ordenou que se retirassem 350.000 reis do valor das sisas93. Três anos mais tarde, solicitou-se a ajuda do comendador, o Conde de Atalaia94. Pela Visitação de 1791, percebemos que o vigário havia adiantado parte do seu próprio dinheiro, colmatando assim as carências e atrasos95. Contudo, o Bispo era o primeiro a reconhecer a falta de recursos e a pobreza do bispado a que presidia96. Apesar disso, não deixou de aplicar às obras da igreja as condenações impostas a todos quantos não santificassem os domingos e dias santos97. Por seu turno, D. Maria, enquanto rainha e perpétua administradora
Pormenor do alçado lateral sul da igreja. 38
da Ordem de Cristo, manifestou o seu interesse pela matriz através de várias provisões. Em 6 de Agosto de 1796, uma providência da Mesa de Consciência e Ordens ordenava que se recebesse da mão dos rendeiros os 25$000 reis anuais que a comenda pagava à fábrica da igreja, que estavam em falta98. Mais tarde, em 1799, outra provisão do Dezembargo do Paço impunha “dois reis na carne e vinho ao povo para se completar a Igreja de Santa Maria da Deveza”99. Foi, pois, com estas constantes fontes de receita, e com os vários legados, doações ou esmolas, para os quais se uniram “os Magistrados, Clero, Nobreza e Povo”100, que a obra da matriz avançou e superou as dificuldades financeiras inerentes a tão grandioso projecto. As Visitações dos Bispos de Portalegre, ao longo da década de 1790, possibilitam o acompanhamento da obra até 1822. Assim, logo em 1791, ou seja, três anos depois do que pensamos ter sido o arranque dos trabalhos, D. Manoel Tavares Coutinho Silva elogiou o empenho do vigário pelo bom andamento da reedificação da matriz, cabendo a este a direcção das obras, como se depreende pelos documentos posteriores101. Já em 1794, o mesmo prelado voltou a salientar a dedicação do vigário e dos beneficiados, “não obstante a falta que tem experimentado nas apllicações que se lhe tinhão promettido, aludindo ao muito adiantamento da obra”102. O anterior vigário foi novamente louvado na Visitação de 1799, mas a sua morte não lhe permitiu ver a obra concluída, passando a direcção da mesma para o vigário António Vicente Colaço, que empregou aqui “não pequena parte do seu cabedal”, e a quem o Bispo reconheceu a inteligência, o zelo e a boa administração das contas103. Por fim, em 1822, D. José Valério da Cruz alude a que “com grande satisfação Nossa vimos nesta Visita acabada a grande obra desta igreja matriz, motivo por que louvamos o grande zello e efficiencia do Reverendo Vigario da mesma Francisco Nunes da Sylva, e tão bem os Moradores desta Villa que tanto concorrerão, e de boa vontade para se ultimar huma tão bella e pia e justa obra, o que lhe deve servir de honra para si e seus descendentes”104. Assim, a estrutura
arquitectónica deveria estar terminada em 1822105, mas não sem
91 No início do século, o Padre António Carvalho da Costa indica 1050 vizinhos, o que constituía um número muito diferenciado em relação às restantes freguesias – São João com 330 e São Tiago com 200 (Padre António Carvalho da COSTA, Corografia Portuguesa e Descripçam Topográfica do Famoso Reyno de Portugal, tomo II, 2.ª ed., Braga, Typographia de Domingos Gonçalves Gouveia, 1868, p. 374). Já em 1758, as Memórias Paroquiais contam 1100 vizinhos com quatro mil pessoas de confissão e comunhão (IAN/TT, Memórias Paroquiais... Op. Cit., fl. 1482, p. 3). Terá sido este o número equacionado pela Câmara, quando em sessão de 25 de Março de 1753 concluiu que senão podia fazer igreja mais pequena pellos muitos moradores que tem esta villa (AHCMCV, Órgãos do Município, Actas das Vereações, Liv. N.º 99, 1753, Vereação de 25 de Março de 1753, fl. 9 v. – 10.). O mesmo afirma António Jozé COELHO, na Relação Do admiravel prodigio que obrou o Glorioso S. Vicente Ferreira na Igreja Matriz de Santa Maria da Villa de Castello de Vide..., ocorrida a 13 de Junho de 1753, ao referir ser Castelo de Vide uma praça muito populosa. Assim, a opção por um templo com as dimensões do que acabou por ser construído implicou, necessariamente, fortes encargos, para os quais nem a vila nem a diocese estavam aptas. 92 AHCMCV, Órgãos do Município - Actas das Vereações, Liv. n.º 89, 1781, Vereação de 25 de Novembro de 1781, fl. 20 v. – 21 v. 93 António Vicente Raposo REPENICADO, Op. Cit., 1965, p. 122. 94 César VIDEIRA, Op. Cit., 1908, p. 125. 95 AIMSMD, Livro de Visitações - 1789-1889, 1791, fls. 12, e 12 v. 96 AIMSMD, Livro de Visitações - 1789-1889, 1794, fls. 1314. 97 IDEM, Ibidem. 98 AIMSMD, Livro de Visitações - 1789-1889, 20 de Julho de 1822, fls. 16-16 v. 99 IDEM, Ibidem, fls. 16 v. – 17. 100 IDEM, Ibidem, 30 de Agosto de 1799, fl. 18 v. 101 IDEM, Ibidem, 8 de Novembro de 1791, fls. 12 –12 v. 102 IDEM, Ibidem, 21 de Abril de 1794, fls. 13-14 103 IDEM, Ibidem, 30 de Agosto de 1799, fls. 18 e 18 v. 104 IDEM, Ibidem, 20 de Julho de 1822, fls. 22 v. e 23. 105 A Planta da Praça de Castelo de Vide, de Pedro Folque, com data de 1818 (Direcção dos Serviços de Engenharia/Gabinete de Estudos Arqueológicos de Engenharia Militar, desenho n.º 364/II, cota 3/6/49), apresenta já a igreja e a marcação dos dois adros, um em frente da porta principal e “lageado”. Planta publicada por Domingos BUCHO, Op. Cit., p. 68.
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106 Entre outros, AHCMCV, Igreja de Santa Maria da Devesa (Matriz), Mandados de Despesa-obras da Igreja, 1806-1821, Mç. 1. 107 Na Provisão da Mesa do Dezembargo do Paço de 1799, refere-se que a igreja ficava longe e era de menor concorrência, mas que, em missas de maior solenidade, ficava muita gente fora de portas, ao frio e ao vento. AIMSMD, Livro de Visitações - 1789-1889, Cópia de uma Provisão, 1799, fl. 16 v. 108 António Vicente Raposo REPENICADO, Op. Cit., 1965, p. 123. 109 “Communicados – As festas da reabertura da egreja matriz e da inauguração da estatua de D. Pedro V, em Castelo de Vide”, O País – jornal progressista, n.º 248 a 252, de 1 de Novembro a 7 de Novembro de 1873. 110 O dia 29 foi dedicado à inauguração da estátua de D. Pedro V. 111 Não sabemos quando a matriz terá abandonado a igreja do Espírito Santo, que viria a ser demolida poucos anos mais tarde, mudando-se, provisoriamente, para a igreja de Santo Amaro, da Misericórdia. De facto, esta informação surge, apenas, nesta notícia do jornal O País. Ver ainda José Frederico LARANJO, Elogio Histórico de D. Pedro Quinto recitado no dia 29 de Setembro na inauguração da estátua do mesmo rei em Castelo de Vide precedido de alguns apontamentos sobre o monumento e inauguração, Porto, Typographia Central, 1874, pp. 14-15. 112 AIMSMD, Junta da Paróquia da freguesia de Santa Maria da Devesa, Livro de receitas e despesas, 1835-1861; 18891928; 1929-1941. 113 AHCMCV, Igreja de Santa Maria da Devesa (Matriz), Receita e Despesa - obras da Igreja, 1801-1811, Liv. 1, fls. 56 e 73.
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problemas financeiros pois, para além dos benefícios régios a que já nos referimos, os livros da Vereação demonstram que a Câmara assumiu a compra de boa parte dos materiais utilizados e o pagamento dos próprios trabalhadores106, com o objectivo de adiantar a obra, envolvendo-se directamente, nos anos seguintes, na aquisição do mobiliário do templo. Contudo, não obstante o agudizar dos problemas relacionados com a sede da matriz na colegiada do Espírito Santo107, as obras prosseguiram em Santa Maria da Devesa. Desde 1822 até à sagração, é possível, ainda, datar algumas das intervenções, recorrendo não apenas à documentação, mas às próprias indicações presentes nos diferentes elementos. Assim, o guarda-vento foi arrematado em 1823, a expensas da vereação108. Em 1847, o sino sobre a fachada principal, foi executado por Rafael Fernandes, nome inscrito na própria campânula, juntamente com a dedicação a Maria concebida em graça sem mancha de pecado original. O templo foi oficialmente aberto ao culto apenas em 1873, e ainda nesse ano decorria a execução do retábulo-mor, a última obra a ser realizada. Em todo este moroso processo não podemos deixar de considerar, para além das dificuldades financeiras já abordadas, as conjunturas políticas que marcaram o país. A ordem de demolição foi emitida no penúltimo ano do reinado de D. João V, ou seja, numa época cujos contornos eram significativamente diferentes dos que se viviam aquando da abertura oficial da igreja, em 1873. Pelo meio, e em linhas muito gerais, importa situar o reinado de D. José e a governação do Marquês de Pombal, as Invasões Francesas, o advento e a implementação do regime liberal, com todas as implicações que estes acontecimentos comportaram, que se terão reflectido, com maior ou menor grau e de forma mais ou menos indirecta, no bom andamento dos trabalhos. O jornal O País109 noticiava, em Novembro de 1873, a cerimónia de abertura da igreja, que havia decorrido no dia 28 de Setembro110. Por esta descrição, ficamos a saber que a matriz se encontrava, provisoriamente, na igreja da Misericórdia111, local de onde partiu a
procissão solene, na presença do representante de Sua Majestade, D. Luís de Mascarenhas, e do Conde de Avillez. Celebrou-se missa solene e o muito enaltecido sermão foi proferido pelo prior da freguesia da Ajuda, padre Francisco da Silva Figueira. O mesmo artigo elogia a majestade do templo e refere um pormenor, relativo aos altares, que nos interessa: a existência, à época, de seis altares, cujos “retábulos e sanefas” haviam sido “retocados e pintados de novo”. Mas os que hoje conhecemos apresentam datas ou muito anteriores, ou posteriores, razão pela qual se considera que os altares foram, em 1873, objecto de alterações. Estas não modificariam, contudo, o seu traçado original que, como veremos mais à frente, obedece a uma lógica comum. Por outro lado, a dimensão da igreja levantou, desde logo, problemas de manutenção, bem presentes nos livros de receitas e despesas da Junta da Paróquia, a partir da década de 1830112. Surgem-nos, aí, vários registos da necessidade de consertar o zimbório, o telhado, as vidraças, as portas, a par da preocupação com a caiação do espaço. Estas questões, as quais aliás ainda hoje subsistem, foram sentidas desde o início, e acabaram por marcar a vida mais recente deste edifício. Incluído na obra da igreja, o arranjo urbanístico em seu redor foi sendo delineado a partir do início do século XIX, cabendo à Câmara as despesas com o lajeado e respectivas grades, em 1807 e 1808113. Na realidade, é notória esta preocupação com o exterior, o que denota a tentativa de relacionar o templo e a sua envolvência externa, explorando, simultaneamente, as potencialidades cenográficas do edifício. Por outro lado, data também de 1873 a inauguração da estátua de D. Pedro V (rei a quem Castelo de Vide quis prestar homenagem) e o arranjo da praça com o mesmo nome, definindo-se, então, toda uma área vital no centro da vila.
Praça D. Pedro.
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Enquadramento artístico
Página seguinte: Escadas da torre da igreja.
114 Gastão de Mello de MATTOS, Op. Cit., Estampa XXXIX; Domingos BUCHO, Op. Cit., p. 62.
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Antes de prosseguirmos, importa retomar a questão da torre quinhentista, já aflorada a propósito da edificação desta estrutura, pois a análise das escadas que se desenvolvem no seu interior, dando acesso às sineiras, revela-nos um importante dado sobre a implantação do novo templo. A tipologia desta escadaria em caracol é, claramente, quinhentista, desenrolando-se em torno de um eixo fino e depurado, mas muito bem proporcionado e harmonizado com o tardoz dos degraus, em forma de gomos. Ao longo do seu percurso, são visíveis as novas aberturas para janelas e a adaptação, pouco cuidada, aos vãos de contacto com a igreja, principalmente ao nível da ligação com o coro. O reboco, entretanto desaparecido, permite ainda visualizar uma série de arcos de descarga, parte dos quais de cariz estrutural, mas que poderiam, alguns, corresponder à abertura de antigos vãos. O paramento que envolve a escada e define a torre é idêntico desde a base até ao topo, diferenciando-se, apenas, a partir dos arcos das sineiras na abóbada, em tijolo. É nossa convicção que a robustez desta construção manuelina não sofreu danos significativos, razão pela qual chegou até aos dias de hoje, ainda que devidamente adaptada ao plano da nova igreja – através da renovação dos vãos e da cobertura. Ao compararmos o desenho de Duarte de Armas (banda de sueste) e uma planta da vila com a implantação de Santa Maria da Devesa, a torre do lado Norte, correspondente àquela que pensamos ser a quinhentista, situa-se, sensivelmente, a meio de um amplo espaço, onde cresce, para trás, a igreja que hoje conhecemos e, para a frente, a praça D. Pedro V. Assim, a sobreposição dos registos gráficos indica que o templo antigo, com a torre na cabeceira, estaria implantado na área fronteira à actual fachada; ideia que é em certa medida corroborada pelo Projecto de fortificação abaluartada de Castelo de Vide, com data de 1652, da autoria de Nicolau de Langres, onde a marcação da igreja de Santa Maria e de São João é muito próxima114. Ao estabelecer o plano do novo templo, aproveitando-se a torre preexistente (decerto em excelente estado devido à qualidade da sua fábrica), ter-se-á considerado mais adequado deslocar o corpo um pouco para trás, onde
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Planta actual da vila, com reconstituição da mancha da igreja quinhentista, de acordo com os desenhos de Duarte d’Armas (planta da Divisão de Planeamento e Projectos da CMCV modificada pela Arq. Rita Aragão).
115 João António GORDO, Op. Cit., 2004, p. 37. 116 “Mafra, monumento considerado fundador do barroco em Portugal, é um edifício do século XVIII – o que quer dizer, entre outras coisas, que não tem a “unidade de estilo” e a “convicção” do barroco romano mas, pelo contrário, partilha das incertezas e indecisões da arquitectura de Setecentos”, Paulo Varela GOMES, A Cultura arquitectónica e Artística em Portugal no século XVIII, Lisboa, Editorial Caminho, 1988, p. 20. 117 Que, no entender de José Augusto FRANÇA, A reconstrução de Lisboa e a arquitectura pombalina, Lisboa, ICLP, 1989, p. 65, no que respeita à arquitectura religiosa, radica numa genealogia de formas “a partir do modo de Terzi implicado na arquitectura tradicional portuguesa, já dita “arquitectura chã”, com inserção das formas barrocas joaninas ainda dependentes do século XVII hispano-português”.
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o espaço era, ainda assim, superior. Mas não o suficiente para impedir a proximidade com o casario envolvente, da qual resulta uma disposição no mínimo estranha, num projecto de dimensões tão significativas. Admitindo a diferença na implantação das duas igrejas, a menção de João António Gordo115 faz todo o sentido, pois era possível manter o culto na antiga igreja, cuja capela-mor deveria corresponder a uma parte do que é actualmente o coro. Para uma mais fácil percepção desta ideia, veja-se a reconstituição que aqui apresentamos. Edificada ao longo de, aproximadamente, 84 anos, a igreja matriz de Santa Maria da Devesa levanta algumas questões relativamente ao seu enquadramento arquitectónico e artístico, pois foi pensada numa conjuntura marcada pelo barroco sob influência de Mafra116 (com ecos muito expressivos em templos do Alentejo), e terminada no período de vigência do neoclassicismo. Percebe-se que a estrutura do templo retoma modelos de linguagem clássica, que se inscrevem na tradição arquitectónica portuguesa chã e que privilegiam a depuração, a sobriedade e a linearidade do espaço. Contudo, integra fórmulas claramente barrocas, não apenas ao nível da gramática decorativa, mas também ao nível do desenho de pormenor de uma série de elementos, os quais se conjugam com um vocabulário rococó. Por outro lado, algumas particularidades estilísticas, como as
do interior das pilastras, parecem dever aproximar-se de outras igrejas e edifícios pombalinos. É provável que, no decorrer da obra, o gosto pelo classicismo tenha conhecido diferentes impulsos, constituindo o retábulo-mor, de 1873, um dos melhores exemplos desta situação. Acresce, ainda, a estas características, o estarmos perante uma construção regional, afastada dos grandes centros artísticos, cujos ecos apenas chegariam de forma mais ou menos indirecta. Em todo o caso, parece-nos evidente o desejo de construir a nova igreja matriz dentro do espírito artístico de uma época profundamente marcada pelo eclectismo, que se dividia entre o final de um período balizado, por um lado, entre Mafra e a basílica da Estrela e, por outro, pelo racionalismo pombalino que presidiu à reedificação da baixa lisboeta117. O arrastar dos trabalhos, a falta de recursos e, eventualmente, um entendimento menos correcto dos estilos arquitectónicos, terão ditado a sobreposição e confluência de linguagens (ou, mesmo, a sua simplificação), mas sempre com o objectivo assumido de tornar o templo castelovidense mais actualizado, relativamente à capital e ao resto do país. Iniciaremos esta breve análise pelo portal principal, por crermos ser este o mais antigo elemento do conjunto, fruto de uma provável reutilização da anterior igreja. A decoração do alçado principal do templo concentra-se neste portal-retábulo que, ape-
Em cima e em baixo: Pormenores do portal principal. Ao lado: Portal principal.
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Pormenor do portal lateral.
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sar da sua grandiosidade, parece reduzido em relação às dimensões do pano central, como se tivesse sido concebido para um frontispício menor. Por outro lado, há diferenças significativas ao nível das cantarias que compõem o portal, como é o caso das colunas, dos anjos ou dos remates superiores, o que indicia reaproveitamentos de uma estrutura de algum modo mais antiga. Efectivamente, os elementos acima listados denotam um gosto seiscentista, que apontam para os finais do século XVII, enquanto a restante estrutura do portal evidencia um movimento, e um desenho, mais próximo de uma linguagem dos meados do século XVIII, à qual poderá não ter sido estranho o trabalho dos artistas que integraram o estaleiro do palácio de Mafra e que, depois, se distribuíram pelo país. O próprio portal exibia, sobre a janela do coro, a data de 1748, da qual apenas restam os dois primeiros algarismos. Por todos estes motivos, somos forçados a admitir que a antiga igreja, saída da remodelação manuelina, beneficiou de um novo portal, já no final do século XVII, situação que se repetiria em meados da centúria seguinte, mas aproveitando parte desses elementos seiscentistas. A sustentar uma intervenção neste período anterior ao Terramoto estão os sinos que ainda se conservam, nas sineiras Norte e Sul, o primeiro com a data de 1739 e, o último, com elementos decorativos e uma cruz de Cristo claramente barrocos. A actualização estética do pórtico, resultante da campanha de 1748, e a falta de recursos com que se debatiam os promotores da nova obra, terão recomendado a sua incorporação na reconstrução da igreja, vindo a constituir mesmo o elemento exterior de maior decorativismo. Por outro lado, se comparado com os restantes pórticos, este é o que aparenta maior antiguidade, empregando ainda formas claramente barrocas, como a concha, e um maior cuidado no desenho do seu conjunto. A coroa real, bem como o monograma da Virgem (AM), constituem referências iconográficas marianas que se relacionam com a representação de um sol e de uma estrela, nas molduras entre as janelas que se sobrepõem às portas laterais. O desenho destas últimas, ainda que articulado numa composição quase única, é de feição menos elaborada e
erudita, devendo ter sido executado num período posterior, pois os seus concheados mostram-se mais próximos já de uma sensibilidade rococó. A fachada principal é encimada por um frontão contracurvado, cuja empena exibe uma cruz, assente num plinto de volutas. O tímpano é aberto por um óculo de dimensões reduzidas, preenchido por um vitral com a face de Cristo. Os arranques laterais do frontão, mais salientes, extravasam o limite do pano central e avançam sobre os alçados das duas torres que flanqueiam a fachada. Estas, são definidas por pilastras, que continuam sobre a cornija, demarcando dois registos, o último dos quais aberto pelo arco de volta perfeita da sineira. As torres são rematadas por coruchéus (decorados por óculos ovais cegos), que acentuam o verticalismo do edifício. Esta organização da fachada, ladeada pelas duas torres, retoma modelos da arquitectura chã, bem presentes, ainda, na clareza dos panos118. Os restantes alçados caracterizam-se pela ausência de decoração, que se concentra nos portais, a que já fizemos referência, e em algumas janelas, abertas simetricamente, mas com molduras depuradas e sem elementos significativos. O facto das portas e janelas se “perderem na superfície” e no corpo central, e a decoração se concentrar no portal, constitui um elemento “portuguesmente tradicional, (...) que se perpetuará na arquitectura portuguesa até muito tarde”119. Os volumes que marcam o exterior reflectem afinal o espaço interno, destacando-se o zimbório poligonal, mais elevado em relação aos restantes corpos do edifício, mas que acaba por ser encoberto e anulado pelo declive do terreno em que a igreja se implanta. A continuidade e a concordância entre o exterior e o interior são significativas, sendo a cornija que percorre todo o edifício disso exemplo, tal como o próprio feitio das pilastras do portal, que se repete nas imponentes pilastras internas. De forma geral, esta unidade é bem manifesta na sobriedade e no rigor do espaço interior, onde os elementos decorativos respeitam a arquitectura, numa solução que se afasta de outros modelos barrocos, geradores de espaços visualmente mais dinâmicos.
Portais Laterais.
118 Este esquema está presente em muitas outras igrejas setecentistas (e alentejanas), entre as quais citamos, pela proximidade, a do Senhor Jesus do Bonfim, de Portalegre. 119 Paulo Varela GOMES, Op. Cit., 1988, p. 16.
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Em cima: Plantas ao nível do piso térreo e do coro. (Divisão de Planeamento e Projectos da CMCV). Página seguinte: Altar-mor.
120 José Fernandes PEREIRA, “O Barroco do século XVIII”, História da Arte em Portugal (dir. Paulo PEREIRA), vol. III, Lisboa, Círculo de Leitores, 1999, pp. 62-63. 121 Paulo Varela GOMES, Op. Cit., 1988, pp. 11-21.
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O plano delineado para este templo não apresenta novidades, pelo contrário, segue, no essencial, as directrizes tridentinas. A planta, em cruz latina (Cristo de braços abertos), articula a nave única (coberta por abóbada de canhão e com coro alto assente sobre arco abatido) com um transepto largo, uma cabeceira recta e pouco profunda, e com a presença de um cruzeiro coberto por cúpula sobre trompas, o que cria uma espacialidade de grande amplitude e, por isso mesmo, quase unificada. Na verdade, a leitura do espaço é imediata, constituindo a capela-mor o ponto fulcral para onde é direccionado o olhar do crente. Os elementos que estruturam o interior do templo denotam um carácter compacto, do qual a volumosa cornija que percorre o perímetro da igreja (alteada e contracurvada sobre as janelas do transepto, acompanhando as respectivas molduras) é o melhor exemplo, a par das pilastras (de forte efeito verticalizante), encimadas por amplos capitéis. A linearidade planimétrica e volumétrica do edifício e as suas linhas de força (pilastras, tramos da abóbada, vãos) são evidenciadas, numa clareza estrutural ainda mais destacada pela decoração pictórica dos marmoreados. Por sua vez, a iluminação provém das altas janelas abertas nos alçados da nave (cuja luz chega através da tribuna), nos braços do transepto e no coro, correspondendo, esta última, à janela de sacada que encima o portal. Salvaguardando as distâncias e diferenças, podemos encontrar neste templo uma série de formas arquitectónicas que retomam os modelos mais difundidos pela Igreja Católica depois da Contra-Reforma – São Pedro de Roma e a igreja jesuíta do Gesú, esta com projecto de Vignola, em 1562. Em Portugal, a utilização de planimetrias análogas foi bastante comum, numa via que se relaciona com São Vicente de Fora e Mafra120 e que testemunha, novamente, a prevalência da tradição arquitectónica nacional na sua vertente depurada, ou desornamentada, que se manteve na arquitectura portuguesa, chegando até ao século XVIII e contribuindo para o tão referenciado eclectismo do seu desenvolvimento121. A ideia de continuidade expressa por José Eduardo Horta Correia encontra aqui
pleno eco: “E mais pensamos que não só os valores essenciais do “estilo chão” se prolongaram até finais do século XVIII como formaram uma corrente que, enquanto arquitectura utilitária e através das estruturas escolares e administrativas da engenharia militar, conseguiu sobreviver à fase mais barroca da nossa história (D. João V), constituindo o pressuposto do pragmatismo racionalista do pombalino”122.
A planta do templo de Castelo de Vide não apresenta capelas intercomunicantes, mas apenas altares, também visíveis em derivações maneiristas dos planos atrás referenciados, como nas igreja do Carmo, em Évora (1691) e no Porto (1619-1628)123, cujo modelo planimétrico é muito semelhante a Santa Maria da Devesa. Os altares laterais serão, ainda, uma das características mais marcantes da basílica da Estrela e da espacialidade das igrejas pombalinas. Os alçados da nave, divididos por arcos a pleno centro encimados por tribuna, não deixam de recordar outros exemplos seiscentistas (em que esta disposição é bastante comum), como a igreja do Carmo, em Évora, a igreja de São Bento da Vitória no Porto a igreja de Santa Clara-a-Nova de Coimbra ou a jesuítica Sé Nova da mesma cidade, esta última em termos da imponência espacial e da volumosa cornija que confere uma forte unidade ao espaço. A recuperação de determinadas formas, ou composições, presentes nos planos arquitectónicos de outras edificações religiosas, deve ser compreendida no contexto do renovado interesse pela arquitectura clássica, e não como um projecto desactualizado em relação ao seu tempo. Pelo contrário, é nesse eclectismo que radica o seu maior interesse. As dimensões do templo castelovidense e a respectiva planta implicam um projecto bastante ambicioso, quase catedralício, possivelmente encomendado pelo próprio bispo, pois o seu traçado deverá remontar aos meados do século XVIII, logo depois da decisão de mandar demolir a antiga igreja, o que não impede a existência de posteriores alterações ao plano original. Neste ponto, seria necessário um estudo integrado do governo de D. Fr. João de Azevedo (que tomou posse a 28 de Outubro de 1748 e
Página Anterior: Face interna da fachada principal .
122 José Eduardo Horta CORREIA, Arquitectura Portuguesa – Renascimento, Maneirismo, Estilo Chão, Lisboa, Editorial Presença, 1991, p. 70. Neste sentido se expressa Paulo Varela Gomes ao relacionar o ciclo de Santa Engrácia com o ciclo do Aqueduto e com o pombalino. Cf. Paulo Varela GOMES, Op. Cit., 1988, p. 14 e ss. 123 Fernando António Baptista PEREIRA, História da Arte Portuguesa – Época Moderna (1500-1800), Lisboa, Universidade Aberta, 1992, pp. 59-92.
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“...Marmoreados de diversas tonalidades e vasos de cores nos capitéis de gosto neoclássico...”.
124 São João Baptista, de Campo Maior (1734-1747), Santuário de Nossa Senhora de Aires, em Viana do Alentejo (1744-1790), Igreja do Senhor Jesus da Piedade, de Elvas são alguns dos exemplos que poderíamos citar. Por outro lado, Costa Negreiros, Manuel da Maia, Mateus Vicente, Eugénio dos Santos, entre outros, também andaram por esta região. Cf. Paulo Varela GOMES, Op. Cit., 1988, p. 35. 125 Conforme o ano pintado numa das pilastras na entrada do coro. 126 António Vicente Raposo REPENICADO, Op. Cit., 1965, p. 124. Sobre este arquitecto, e até à data, nada mais conseguimos apurar. 127 As invocações dos altares, que utilizaremos a seguir, são as actuais, embora seja admissível que tenham sido alteradas. De facto, dos oito altares referidos nas Memórias Paroquiais de 1758, apenas se conservaram seis nesta nova igreja, não sendo possível determinar eventuais equivalências de oragos, pois a Confraria das Almas parece tutelar o altar do Senhor dos Passos, quando o seu altar era o das Almas.
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faleceu, em Portalegre, a 11 de Novembro de 1765), de molde a esclarecer as principais linhas de força da sua política, bem como o porquê do aparente reforço da influência e prestígio da paróquia de Castelo de Vide. Em todo o caso, e como já referimos, a igreja de Santa Maria da Devesa não deixa de ser um templo de características regionais, fruto certamente de uma interpretação de modelos eruditos, mas que se ressente da implantação periférica em relação aos grandes centros artísticos nacionais e da sempre presente diminuta capacidade económica. Importa, contudo, chamar a atenção para o facto do Alto Alentejo ter conhecido uma série de construções setecentistas que, muito embora não possam ser directamente relacionadas com a igreja matriz de Castelo de Vide, testemunham a presença, num espaço próximo, de importantes arquitectos deste período, tal como de uma arquitectura barroca mais erudita124. Não sabemos se o projecto inicial contemplava a utilização de mármore mas, se assim foi, a constante falta de recursos não terá permitido a sua aquisição, razão pela qual se optou por pintar o interior do templo com marmoreados de diversas tonalidades e vasos de flores nos capitéis, de gosto neoclássico, em data próxima de 1869125. O desenho interno das pilastras parece aproximar-se de um gosto visível na fachada da basílica da Estrela, onde se observam composições muito semelhantes, o que, em última análise, vem revelar o peso deste imóvel como modelo institucional. As variantes da linguagem clássica de Santa Maria da Devesa encontram, no retábulo-mor, uma expressão muito significativa. Construido em 1873, este apresenta uma extrutura unitária, de linguagem neo-maneirista, com elementos decorativos de caris neo-barroco e neo-clássico, que inscrevem o ratábulo num revivalismo de gosto próprio do final do século XIX. Com efeito, o retábulo foi a última obra a ser terminada, o que se deveu, uma vez mais, a problemas financeiros. Em 1867 a Junta da Paróquia pediu ao Governo e à Junta da Bula da Cruzada que contribuíssem para a obra do retábulo, o que veio a ocorrer, tendo
sido adoptado um risco da autoria do arquitecto lisboeta Manuel Afonso Rodrigues Pita126. É possível que a capela-mor tenha sido alvo de nova intervenção nesta época, pois os restantes panos murários e a abóbada (com decorações de estuque onde figuram a píxide, o livro litúrgico e a tiara e as chaves de São Pedro), estruturam-se em função do altar-mor. Nos seis retábulos127, distribuídos pela nave e braços do transepto, que se pautam por uma depuração relativa, os marmoreados conjugam-se com uma gramática decorativa que, de modo circunscrito, se articula em tons de dourado, privilegiando os enrolamentos, as velutas e as cartelas característico do rococó.
Alçado lateral da nave e braço do transepto do lado do Evangelho.
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Retábulos da nave - Senhor dos Passos e Nossa Senhora de Fátima.
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O risco de cada um destes retábulos, executados em épocas diferenciadas, procurou harmonizar-se com o que lhe ficava fronteiro, razão pela qual podemos distinguir três diferentes hipóteses. Na nave, o altar do Senhor dos Passos (lado da Epístola), em madeira pintada, será o mais antigo, pois já existia em 15 de Janeiro de 1885, data em que a Confraria das Almas pediu autorização para abrir neste altar uma tribuna “para que mais facilmente e a todo o tempo o pé da respeitavel imagem, repito do Senhor Jesus dos Passos, pudesse ser beijado pelos seus devotos em geral”128. A obra foi autorizada pelo pároco, mas não sem recomendar a maior prudência e a consulta dos melhores especialistas. Do lado oposto, o altar de Nossa Senhora de Fátima seguiu um traçado idêntico, apesar da tardia execução, em 1951. Muito embora este último não apresente uma ampla tribuna, dispõe-se num esquema afim, com colunas de capitel compósito a flanquear a tribuna e a suportar o entablamento interrompido, sobre o qual se eleva um frontão de lanços interrompido. O formulário decorativo – enrolamentos de folhagens e aletas – é comum a ambos os altares, bem como os próprios acabamentos a marmoreado, com tons mais suaves no de Nossa Senhora de Fátima (predominando o branco, a que se reúne,
pontualmente, o azul ou o amarelo). Nos topos dos braços do transepto, os retábulos do Coração de Jesus129 e do Espírito Santo (lado do Evangelho ) e o de Nossa Senhora da Assunção (lado da Epístola) são a tradução de uma linguagem estrutural mais depurada, pois ambos reproduzem a arquitectura do templo, ao nível do desenho e das tonalidades. São definidos por pilastras que sustentam um frontão de lanços (com símbolos alusivos a cada uma das invocações), enquadrando um arco de volta perfeita, no interior do qual se encontra o retábulo. Estes divergem não tanto pela composição, mas principalmente pelos materiais, ou pinturas, ali empregues. O do lado do Evangelho, executado em 1829, conforme a data que se encontra no frontão, é mais depurado, e recorre apenas a mármores azuis, brancos e rosa130. Já no do lado oposto optou-se pela utilização dos elementos decorativos referidos, não prescindindo dos apontamentos dourados conjugados com os marmoreados azuis. Os restantes dois retábulos do transepto, dedicados a Nossa Senhora do Rosário (lado do Evangelho) e a Nossa Senhora do Carmo (lado da Epístola), com planta em perspectiva convexa, reflectem maior proximidade em termos de configuração e de gramática decorativa. Deve
128 AIMSMD, Junta da Paróquia da Freguesia de Santa Maria da Devesa, Livro de Receitas e Despesas de 1889 a 1928, Sessão de 18 de Janeiro de 1885, fl. 27 v. e 28. 129 Saliente-se a relativa modernidade do culto ao “Coração de Jesus”, inaugurado na Basílica da Estrela por iniciativa de D. Maria. 130 Foi objecto de melhoramentos no decorrer da intervenção de meados do século XX, dirigida pelo Cónego Albano Vaz Pinto, como veremos a seguir.
Retábulos dos topos do transepto - Coração de Jesus e do Espírito Santo e o de Nossa Senhora da Assunção.
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131 Esta ideia pode ter sido retomada ou difundida através da notícia publicada no jornal O País, quando, em 1873, noticiou a abertura da igreja: “não há no distrito nem conheço outro, a não ser o de S. Domingos de Lisboa, que possa vantajar-se-lhe na grandeza das proporções”. “Communicados – As festas da reabertura da egreja...”, Op. Cit., 5 de Novembro de 1873.
Retábulos dos braços do transepto - Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora do Carmo.
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ser mais antigo o primeiro, pois exibe o ano de 1771 repartido por duas cartelas, com as seguintes inscrições: Stella Maris (estrela da manhã) e Pulchra ut Luna (lua cheia), alusivas às litanias da Virgem. Contudo, esta data não deverá corresponder à sua execução, uma vez que, nesta época, ainda não se tinham iniciado as obras de reconstrução da igreja, devendo, por isso, relacionar-se com a invocação, uma vez que o altar de Nossa Senhora do Rosário já existia na igreja antiga. Do lado oposto, o tímpano acolhe a tiara papal e as chaves, emblemas de São Pedro. À semelhança do que já referimos a propósito dos restantes altares, também aqui se verifica o emprego de elementos concheados, a par da imitação de marmoreados. Desconhece-se o autor do risco da igreja, embora a tradição tenha conservado a memória de uma eventual ligação entre Santa Maria e a igreja de São Domingos, de Lisboa, da autoria de Manuel Caetano de Sousa131. Neste âmbito, não deixa de ser interessante verificar a proximidade de algumas das soluções utilizadas neste templo e no de Santo Amaro, da Misericórdia de Castelo de Vide, edificado por volta de 1777. Ainda que em muito menor escala, e articulando nave e capela-mor rectangular sem transepto, descobre-
-se o mesmo desenho nos alçados da nave e das pilastras, assim como a existência de tribuna, sobre a também volumosa cornija. A verdade é que, pelo menos ao nível do projecto, ambas as igrejas são contemporâneas e podem ter sido concebidas pelo mesmo arquitecto, cuja identificação permanece em aberto. O mesmo acontece relativamente à igreja matriz de San Vicente de Alcántara, em Espanha, cujo interior, apesar da escala mais reduzida e da utilização de outro género de materiais é muito semelhante ao do templo castelovidense. Também neste caso se admite a presença ou a forte influência do arquitecto responsável pela obra de Castelo de Vide132.
Perspectiva do interior da igreja a partir da Capela-mor. 132 A actual igreja matriz de San Vicente de Alcántara, dedicada a São Vicente Mártir, foi erguida sobre uma outra, mais antiga e demolida no século XVIII para dar lugar à que hoje se conhece. A primeira pedra foi lançada em Outubro de 1761, admitindo-se que a conclusão dos trabalhos ocorreu no ano de 1766. A campanha decorativa do interior prolongou-se pelas primeiras décadas do século XIX. A falta de documentação não permite conhecer muitos pormenores sobre a edificação deste templo, sabendo-se, no entanto, que a obra foi adjudicada pelo mestre de arquitectura Diego Gutiérrez Morán, natural de Alcântara, cujo prazo para a conclusão dos trabalhos era de seis anos. Um outro documento refere ainda que o projecto inicial foi objecto de alterações, com uma redução da altura das paredes da nave, reduzidas ao necessário em termos de segurança. Cf. Ángel REYES-MANSO, San Vicente de Alcántara (500 años de su historia: 1429-1930), vol. II, s.l., Asociación Cultural "Vicente Rollano Muñoz", 1999, pp. 318-319 e ainda Miguel Ángel PRECIADO RUBIO, Miguel Ángel, Arte e Historia en la Villa de San Vicente de Alcántara (siglos XV-XIX), s.l., 1995, - pp.53-64.
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A Escultura Entre o vasto património móvel da igreja matriz de Castelo de Vide, permitimo-nos destacar, somente, parte da imaginária quatrocentista, não apenas pelo seu maior interesse, mas também porque, na segunda metade do século XX, as imagens de outras igrejas da vila foram recolhidas na matriz, não sendo actualmente possível definir com exactidão a procedência de boa parte delas (TRINDADE, 1979: 152). Ganha especial importância a escultura de Santa Maria da Devesa, no altar-mor. É uma imagem de pedra policromada, que representa Nossa Senhora com o Menino a ler um livro, atributo que, associado a Jesus, é pouco comum na imaginária da época. Apesar dos muitos repintes sofridos, continua a evidenciar-se o bom lançamento dos panejamentos e o equilíbrio conseguido, enquadrando-se na produção coimbrã da segunda metade do século XV, na órbita de um mestre ainda não identificado, mas responsável por um conjunto de imagens com as quais a de Santa Maria da Devesa pode ser cotejada (entre estas, destaca-se Santa Bárbara, do Castelo de Abrantes, cf. VARELA FERNANDES, 1997: 146) Nossa Senhora do Ó, que se venerava no altar de Nossa Senhora do Rosário (GORDO, 2004: 38), é uma imagem também do século XV, mas as linhas rígidas dos panejamentos apontam para um modelo bem mais regional. A Santíssima Trindade é representada numa iconografia tradicional em que o Pai, sentado, segura a cruz com Cristo crucificado, a que se sobrepõe a Pomba do Espírito Santo. Trata-se de uma produção, também do século XV, que foi mais tarde escavada na zona posterior, de forma a torná-la mais leve e de fácil transporte. O crucifixo de marfim, indo-português do século XVII, pertencia à confraria de Nossa Senhora do Rosário. Da imaginária actualmente ao culto, salienta-se uma Nossa Senhora com o Menino, barroca (século XVIII), que se encontra ao fundo da igreja, sobre um arcaz, e que revela um tratamento naturalista ao nível das feições e dos drapeados, estes muito bem lançados. Por fim, e a título de curiosidade, não poderíamos deixar de referir a 62
imagem do Senhor Crucificado que se venerava na capela de Santo Cristo, da igreja anterior à demolição, com várias relíquias e que havia pertencido ao Imperador Carlos V, “que a oferecera ao marquês de Arronches quando este estivera por embaixador em Castela. Do marquês a houve, segundo aquele inquérito [o do Bispo datado de 1771] o Dr. Manuel Álvares Cardoso, que foi secretário do embaixador, e a deu a João de Meyra, cónego da Sé bracarense e fundador desta capela de Santo Cristo, hoje não existente” (GORDO, 2004:39). O paradeiro desta imagem é agora desconhecido.
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A última intervenção Entre a inauguração do templo e a intervenção de restauro de meados do século XX, foram muitas as alusões às questões de conservação do edifício e à necessidade de reparações múltiplas, situação que já vínhamos verificando desde 1822. O desenrolar destes trabalhos, relacionados com as portas, telhados, vidraças, entre muitos outros problemas, encontra-se bem expresso nos livros de receita e despesa da Junta da Paróquia, que subsistem na sacristia da igreja. De assinalar a propósito que boa parte das actas das reuniões da Junta se reportam à dimensão da igreja, queixando-se dos elevados custos necessários à sua manutenção. Em 1945, o jornal Diário da Manhã noticiava, no dia 28 de Dezembro, o início das obras de reparação da igreja matriz de Castelo de Vide, realizadas por subscrição pública dos seus habitantes, e cujo valor totalizava a quantia de 12.696$50. A iniciativa desta campanha de restauro deve-se ao Cónogo Albano Vaz Pinto. Substituiu-se o antigo pavimento de madeira de castanho pelo actual, de granito, e, de acordo com os jornais da época, “cuidou-se dos telhados, repoz-se a cruz de granito encimando a frontaria, fizeram-se dispendiosos rebocos e caiações interiores e exteriores, repararam-se portas e janelas, melhoraram-se portas e janelas, melhoraram-se altares, principalmente o do Sagrado Coração de Jesus; pintou-se e enriqueceu-se o trono, adaptou-se convenientemente os guarda-ventos das entradas laterais, melhorou-se o baptistério”133. A memória desta intervenção encontra-se gravada numa
lápide comemorativa, aplicada junto à entrada da sacristia: 1950 – Neste ano se restaurou, por subscrição pública e comparticipação do estado esta igreja de Santa Maria da Devesa sendo vigário da vara e realizador do restauro o reverendo padre Albano da Costa Vaz Pinto, a quem Castelo de Vide reconhecido presta esta homenagem. Incluímos, ainda, nesta campanha, as pinturas da capela-mor, executadas por artistas locais, bem como as obras patrocinadas por particulares, como é o caso do altar-mor e o do retábulo da nave, do lado do Evangelho. 64
O altar-mor foi mandado fazer por Orminda Augusta de Almeida Durão Cordeiro, em homenagem à memória do seu falecido filho, Alexandre Óscar Durão de Carvalho Cordeiro, conforme se pode ler na inscrição patente neste altar, que apresenta a data de 15 de Novembro de 1951. Concebido por Camilo Korrodi, filho do famoso arquitecto suíço Ernesto Korrodi, também ele detentor de clientela e obra significativas em Castelo de Vide, foi executado em mármores de diversas tonalidades, enquadrando-se, assim, na decoração da igreja. O corpo, em tons de rosa, é delimitado por colunas caneladas de mármore negro, com bases e capitéis de bronze polido, e tampo branco. Ao centro, separadas por espigas douradas, as três almofadas em negro e rosa enquadram representações de símbolos litúrgicos: o pão e o peixe que flanqueiam o monograma de Cristo – XP134. Já o altar da nave do lado do Evangelho, remonta ao ano de 1954 e deve-se à iniciativa de “Maria d’Assunção Repenicado Gazalho”, conforme a inscrição que revela ainda as iniciais do seu autor: “A. P. o fez”. O seu desenho respeita e harmoniza-se com o dos restantes altares, denotando um gosto revivalista nos ornatos rococó e na tonalidade neoclássica. As pinturas da capela-mor foram executadas, na sua maioria, pelo médico e pintor Dr. Adolfo João Lahmeyer Bugalho135, entre 1952 e 1953. Somente do lado da Epístola encontramos o Regresso do filho Pródigo, pintado em 1952 por Luísa Maria Salema Cordeiro, e o Repouso durante a Fuga para o Egipto, do mesmo ano e da autoria de Alice Gordo Barata. Na sua totalidade, estamos perante um programa iconográfico da autoria do Cónego Albano Vaz Pinto e, muito possivelmente, discutido com Adolfo Bugalho, pois entre os cadernos de aguarelas deste ilustre médico encontram-se alguns estudos de pormenor para as telas centrais do lado do Evangelho. As duas restantes artistas receberam imagens que as deveriam guiar nos seus trabalhos. Todas as telas assinadas por Adolfo Bugalho são complementadas por transcrições de versículos alusivos ao tema representado. Assim, do lado do Evangelho, junto à janela, encontramos a Assunção da Virgem, onde
Em cima e página anterior: Restauro exterior executado em 2005, acompanhado pela Câmara Municipal de Castelo de Vide, Paróquia de Castelo de Vide e Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais (fotografias de Francisco Abrantes).
133 “Santa Maria da Devesa – a igreja matriz de Castelo de Vide”, O Castelovidense, nº 920, 30 de Dezembro de 1951, pp. 1 e 3. Mais tarde, João António Gordo confirmava a subscrição pública para as obras da igreja. Cf. João António GORDO, “Castelo de Vide”, Viagem. N.º especial dedicado às festas centenárias da elevação de Portalegre a cidade e sede de diocese, ano XI, n.º 116, Junho de 1950, pp. 30-32. 134 As duas primeiras letras gregas do nome de Cristo - Chi e Rho -, formavam uma cruz. Mais tarde, a letra Rho recordou o P e Chi o X, podendo ser lido em latim como pax - paz. 135 Nasceu no Porto, na freguesia do Bonfim, a 21 de Março de 1907, licenciando-se em medicina no ano de 1933. Radicou-se, depois, em Castelo de Vide, onde viviam os seus pais, aí exercendo a sua profissão e dedicando-se à pintura e à gravura, constituindo os seus trabalhos mais conhecidos as xilogravuras que, a partir de 4 de Outubro de 1942, marcaram as páginas do semanário O Castelovidense. Faleceu no dia 10 de Dezembro de 1986 com 79 anos. Cf. António PITA, “Criança e mulher pedindo esmola, 1943 (?) Gravura de Adolfo Bugalho”, Peça do Mês, n.º 7, Castelo de Vide, Câmara Municipal e Secção de Arqueologia, Março de 1999.
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Nossa Senhora se encontra rodeada por três anjos, com a transcrição Assunta est maria in caelum. O registo intermédio é ocupado por duas telas. A primeira contém um versículo dos Actos dos Apóstolos (Act. 9, 4): Et cadens in terram audivit vocem dicentem sbi saule quid me pper seq veris, isto é, “E, caindo em terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues?“. Representa a vocação de São Paulo, que,
Em cima à esquerda: Assunção da Virgem de Adolfo Bugalho, à direita: Estudo para uma das telas de Adolfo Bugalho (aguarela retirada do livro de desenhos de Adolfo Bugalho, cedido pela sua filha Isabel Bugalho. Em baixo à esquerda: Representação da Vocação de São Paulo de Adolfo Bugalho, à direita: Representação simbólica dos quatro evangelistas: S. Lucas (Boi), S. Marcos (Leão), S. João (Águia) e S. Mateus (Anjo) de Adolfo Bugalho.
depois de questionado, se converteu, passando a anunciar a palavra de Deus. Ao lado, Jesus pronuncia as palavras da crucificação: Pater in manus tuas commendo spiritum meum (“Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”), estando rodeado pelo Tetramorfo, isto é, a representação simbólica dos quatros evangelistas: S. Lucas (Boi), S. Marcos (Leão), S. João (Águia), e S. Mateus (Anjo). Por fim, complementando a porta da sacristia, está ilustrado o versículo 2 do Salmo 42 (41) - Quem ad modum desiderat cervus in fontes aquarum: ita desiderat anima mea ad te, Deus (“como suspira a corça pelas águas correntes, assim a minha alma suspira por ti, ó Deus”).
Do lado oposto, a primeira tela é a da Anunciação, com as palavras Ave Gratia Plena Dominus Tecum. Ao centro, encontram-se as pinturas que não são de Adolfo Bugalho e, por fim, junto à porta da sacristia, a transcrição do versículo do Evangelho de São Mateus 19, 17: Si autem vis ad vitam ingredi, serva mandata, que foi a resposta de Jesus a um jovem rico que lhe perguntava o que havia de fazer de bom para alcançar a vida eterna – “mas se queres entrar na vida eterna, cumpre os mandamentos” Se as telas executadas por Luísa Maria Salema 66
Cordeiro e Alice Gordo Barata traduzem um apego a uma figuração mais tradicional, sem grandes inovações iconográficas, as de Adolfo Bugalho transmitem uma interpretação mais pessoal dos episódios ilustrados, ao mesmo tempo que o seu traço é mais actualizado do que os tradicionais Regresso do Filho Pródigo e Repouso durante a Fuga para o Egipto. Por outro lado, a iconografia relativa à Virgem e a Cristo complementa o programa executado na igreja e, principalmente, na capela-mor, onde se exibem os símbolos eucarísticos já referenciados, a par das citações, no altar-mor, à Virgem (no monograma AM patente no tímpano do frontão) e à Santíssima Trindade (bem visível no símbolo triangular evocativo desta entidade). Em cima: Capela-mor do lado do Envangelho. Em baixo, à esquerda: Anunciação de Adolfo Bugalho. à direita: Capela-mor do lado da Epístola.
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Considerações finais
Página seguinte: Quadro com a cronologia das principais campanhas de obras da igreja de Santa Maria. Em baixo: Planta da Divisão de Planeamento e Projectos com marcação da igreja pela Arq. Rita Aragão).
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Ao longo de cerca de sete séculos de história, a igreja de Santa Maria da Devesa perdurou como referencial para uma vila que cedo ultrapassou a implantação periférica do templo, expandindo-se ao longo do planalto e das encostas circundantes e envolvendo este edifício religioso que, após a reedificação dos séculos XVIII e XIX, se viu encaixado entre o casario e a praça que o rodeia. O ambicioso projecto, traçado após a ordem de demolição pelo Bispo de Portalegre, justificou-se pelo forte crescimento populacional, para o qual se mostraria decerto insuficiente a igreja existente. Fica, todavia, por esclarecer se, por si só, este aumento populacional justifica tão impressionante construção, admitindo-se como mais provável que ela se inscreva num contexto mais complexo e directamente ligado às opções políticas do bispado de Portalegre, sobre as quais se impõe um estudo mais aprofundado. Nesta mesma linha de raciocínio situa-se a análise à arquitectura religiosa produzida no Alto Alentejo, no decorrer da segunda metade do século XVIII (com influências em território Espanhol), e a avaliação do papel da Matriz de Castelo de Vide nesse âmbito. O texto que aqui apresentámos, que constitui uma primeira monografia sobre a igreja de Santa Maria da Devesa, teve como objectivo sistematizar as informações dispersas, que eram já conhecidas e que foram divulgadas por uma série de historiadores locais, articulando-as com os novos dados que pudemos reunir ao longo de vários meses de trabalho arquivístico. Neste contexto, avançámos com diversas possibilidades e apontámos várias campanhas de obras, que nos pareceram válidas em face da documentação disponível. Tal não significa, de forma alguma, que num futuro próximo, novos dados possam pôr em dúvida ou até inviabilizar o que agora defendemos. Parece-nos, pois, que ficou provada a importância de Santa Maria da Devesa como um bem patrimonial de singular importância no contexto da história regional. É, por conseguinte, como tal, que o edifício merece ser preservado e transmitido às gerações vindouras de Castelo de Vide.
1311
Instituição da capela por Lourenço Pires e Domingas Joanes
C ampanha G ótica
1320 / 1321
Data em que, eventualmente Santa Maria já seria matriz. Campanha de ampliação da primitiva ermida - igreja de três naves com capela-mor (?).
C ampanha M anuelina
final do século XV início do século XVI
Intervenção ao nível da cabeceira e torre
C ampanha S eiscentista
17 de Agosto de 1610
Contrato para a execução do retábulo-mor, celebrado entre o vigário da igreja, Duarte Pinto Ribeiro, e o marceneiro de Lisboa, Manuel Ribeiro (não executado)
1682 - 1684
Transferência do culto para a igreja do Espírito Santo, devido ao estado de ruína da igreja de Santa Maria. Intervenção de restauro
final do século XVII
Intervenção no portal
C ampanha B arroca
1739
Data inscrita no sino a Norte
1748
Data inscrita no portal principal
1ª F ase de R econstrução
E dificação da E rmida
Edificação da ermida de Santa Maria da Devesa
1749
Ordem de demolição da igreja por parte do Bispo de Portalegre, D. Fr. João de Azevedo
1771
Ano inscrito no altar de Nossa Senhora do Rosário (referente, possivelmente, ao ano da instituição)
Até 1789
Reunião dos fundos necessários à edificação do novo templo
1789
Ínicio da edificação do templo
1807 / 1808
Referências ao lajeado e respectivas grades, a expensas da Câmara Bispo D. José Valério visita a igreja, dando por terminada a sua construção
1823
Arrematação do guarda-vento a expensas da Vereação
1829
Altar do Coração de Jesus e do Espírito Santo Data inscrita no sino a Oeste
1867
A Junta da Paróquia pediu ao Governo e à Junta da Bula da Cruzada para contribuir para a obra do retábulo, desenhado por Manuel Afonso Rodrigues Pita, arquitecto de Lisboa
1873
Conclusão do retábulo-mor (e possível intervenção na capela-mor)
28 de Setembro de 1873
Abertura solene da igreja
1945
Notícia de obras de reparação da matriz, cuja iniciativa se deve ao padre Albano Vaz Pinto
1951
Altar-mor concebido por Camilo Korrodi, e patrocinado por Orminda Augusta de Almeida Durão Cordeiro
1951
Altar de Nossa Senhora de Fátima, patrocinado por Maria d'Assunção Repenicado Gazalho
C ampanha de M eados S éculo XX
do
1847
de
1822
3ª F ase
R econstrução
2ª F ase de R econstrução
C ampanha P roto - B arroca
final do século XIII
1952
Pintura da tela Regresso do Filho Pródigo, por Luísa Maria Salema Cordeiro
1952
Pintura da tela Repouso durante a Fuga para o Egipto, por Alice Gordo Barata
1952 - 1953
Pintura das restantes telas da capela-mor, por Adolfo Bugalho
Imagens da Pรกscoa tradicional em Castelo de Vide. 2001.
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Igreja de Santa Maria da Devesa - Matriz de Castelo de Vide
Depois do inédito estudo sobre o Programa Artístico da Ermida do Rei Salvador do Mundo, a autora dá-nos agora a possibilidade de partilhar da sua interessante perspectiva diacrónica, no tempo e no espaço, desta igreja, indiscutivelmente um dos mais importantes monumentos da arquitectura religiosa cristã da região. E, subtilmente, à linguagem clara e meticulosa do texto, juntou-se-lhe o olhar fotográfico, puro e profissional, de Rui Cunha, o que torna esta monografia uma referência singular no panorama bibliográfico do município. Sem dúvida alguma, um orgulho para Castelo de Vide. António Pita
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Castelo de Vide
FEDER - PORA - AINA
Matriz de Castelo de Vide
de
Santa Maria
da
Devesa Rosário Salema de Carvalho
Licenciou-se em História, variante História da Arte, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 2000, encontrando-se presentemente a preparar dissertação de mestrado em Arte, Património e Restauro pela mesma faculdade. É Técnica superior contratada pelo IPPAR (Instituto Português do Património Arquitectónico) desde Julho de 2002. Participou em vários congressos e é autora de alguns textos sobre azulejaria, entre os quais se destaca o artigo relativo à ermida do Rei Salvador do Mundo, em Castelo de Vide, publicado na Artis – Revista do Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, n.º 2, Dezembro de 2003, pp. 145-180.
Rosário Salema de Carvalho
A Maria do Rosário, não obstante estar no início da sua promissora carreira de investigadora, possui já um olhar seguro, inteligente e apurado, que proporciona o fascínio da descoberta e de novas releituras sobre o nosso património local.
Igreja
Rosário Salema de Carvalho Fotografias de Rui Cunha