Microcrédito 2030 #1

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#1 FORTALEZA-CE, JANEIRO 2019

MICRO CRÉDITO 2030 PENSAR O FUTURO U M P R O F U N D O D E B AT E , R E A L I Z A D O COM AGENTES FINANCEIROS E P R I N C I PA I S I N S T I T U I Ç Õ E S L I G A D A S A O M I C R O C R É D I TO, B U S C A D E F I N I R D I R E T R I Z E S PA R A O D E S E N VO LV I M E N TO E C O N Ô M I C O DOS MICRO E PEQUENOS NEGÓCIOS N O PA Í S . O B J E T I VO É FAC I L I TA R O ACESSO DE TRABALHADORES À L I N H A S D E C R É D I TO


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O desempenho da política e os desafios que aguardam os agentes financeiros Representantes de diversos segmentos ligados à concessão de crédito debateram os desafios que aguardam os empreendedores no futuro Atualmente, no Brasil, 85% dos depósitos realizados estão nas mãos de cinco instituições bancárias, mas este cenário tende a mudar muito rapidamente. As Fintechs – que são majoritariamente startups que trabalham para inovar e otimizar serviços do sistema financeiro a um custo mais baixo - estão buscando ocupar um espaço nesse mercado, assim como os bancos comunitários. Outras importantes mudanças estão a caminho, pois o próprio mercado encontra-se em transformação. Para discutir essas e outras transformações que impactarão o mercado de trabalho brasileiro, buscando a inserção de um contingente de trabalhadores desempregados ou que buscam a sobrevivência atuando na informalidade, foi realizado, em dezembro de 2018, no auditório do Sebrae-Ceará, em Fortaleza, o Fórum Microcrédito 2030. Numa realização da Fundação Demócrito Rocha, promoção do grupo de comunicação O Povo e patrocínio do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e Governo Federal, o Fórum contou

ainda com o apoio do Sebrae-CE, da Confederação Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Comicro) e da Federação das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte do Ceará (Femicro-CE). O jornalista Nazareno Albuquerque, coordenador do evento e moderador dos debates discorreu sobre os principais temas discutidos no evento: Qual a qualidade do microcrédito que está sendo oferecido? Esse microcrédito está pensando na questão ambiental? Está pensando na questão das tecnologias? Ele pode animar outros processos ou outros ambientes econômicos de modo a estimular a economia? Porque o microcrédito no Nordeste ainda não conseguiu eliminar ou, pelo menos, diminuir a pobreza no País? De que forma as políticas sociais deveriam ter contribuído para nossa transformação que não aconteceu? “Não haverá mudança no Nordeste sem que pensemos de baixo pra cima, na transformação deste universo de pobreza que está aumentando

e não decaindo, segundo os mais recentes dados da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Portanto, é esta a nossa conversa, para que a sociedade participe deste debate”, afirmou o jornalista. Todo o conteúdo do Fórum Microcrédito 2030 será entregue às instituições participantes do Fórum além da Caixa Econômica Federal, do Banco Palmas e do Banco Social de Pajuçara (Banco Paju) para disseminar os conteúdos apresentados.

EXPEDIENTE ESPECIAL MICROCRÉDITO 2030 Não pode ser vendido separadamente. Textos e edição: Rebecca Fontes (MTB 830/04/36ce) | Projeto Gráfico e Edição de Arte: Renata Viana | Design: João Maropo e Isac Bernardo | Capa: Peopleimages/ gettyimages | Concepção e Coordenação do Projeto: Nazareno Albuquerque | Produção: Sueleny Caetano www.opovo.com.br

1ª RODADA DE DEBATES PAINEL: UMA VISÃO DE FUTURO PARA O EMPREENDEDORISMO E MICROCRÉDITO NO BRASIL Porque o microcrédito no Nordeste não conseguiu eliminar a pobreza?

JOSÉ TARCÍSIO (COMICRO)

Hoje, no Brasil, o microcrédito soma quase 13 milhões de clientes, se contabilizarmos somente a microempresa e o empreendedor individual. O microcrédito é muito importante, principalmente para o empreendedor individual. O nosso sistema financeiro, hoje, vincula-se a cinco bancos. Então são eles que ditam as regras, mas felizmente estão aparecendo mecanismos como o Banco Palmas. Na legislação nacional conseguimos introduzir a empresa simples de crédito. A pessoa que tem um dinheiro pode registrar uma microempresa e emprestar, legalmente. Ela só não pode captar recursos para emprestar, mas tendo o próprio recurso pode. Então acho que a concorrência é salutar. Quanto mais microcrédito se prolifere pelo país com o propósito do desenvolvimento do empreendedor individual, eu acho que a tendência é a dos juros diminuírem. A gerente do BNB, Lúcia de Fátima, lembra que o microcrédito do BNB passa por cima de algumas exigências. Aquela pessoa, lá no interior do Ceará, que está fazendo o artesanato, sabe produzir, mas não tem o dinheiro para comprar a matéria-prima, e não tem essas culturas para chegar num banco pra dizer que quer um empréstimo, aí o banco faz exigências para emprestar R$ 5 mil. Concluindo, acho que tem que analisar a condição da produtividade e não se a pessoa tá devendo, se está na formalidade ou não. Tem é que dar condições para ela gerar renda na sua localidade e no que ele faz muito bem.

DHIEGO VIEIRA (CAIXA)

Está no DNA da Caixa esse papel socioeconômico e, a respeito do microcrédito, tem uns aspectos que devemos observar para que ele funcione efetivamente. Primeiro, temos o aspecto positivo do brasileiro que ele tem esse espírito empreendedor. Ele vai atrás e procura resolver. Do outro lado, temos esse fomento que é o microcrédito, mas que precisa ser instrumentalizado de uma forma muito consciente. Caso não tenhamos uma preparação para essa concessão de crédito e um acompanhamento ele vira o crédito pelo crédito. Para que você não coloque esses valores (R$2 mil, R$ 4 mil, R$ 5 mil) sendo utilizados de uma forma não consciente e, ao invés de ajudar esse empreendedor, esse crédito torna-se nocivo. Quando você não sabe separar o que você tem de rendimento do seu exercício, do seu trabalho, do que você tem de pessoal, você começa a misturar as duas coisas e desequilibra essa relação. Então, esse é um aspecto que eu acho muito forte que a gente tem que olhar, a forma como é concedido esse crédito, como é acompanhado e se essa pessoa tem condições de administrar esse crédito e utilizá-lo para sair dessa condição atual que ele tem, mais precária, ou da condição de um assistencialismo do governo federal. A gente precisa, sim, de uma porta de saída para isso. Acho que o microcrédito é uma excelente porta de saída, mas se ele for bem estruturado.

JOAQUIM MELO (B. PALMAS)

Se você pega os números do Brasil são alarmantes. A pobreza aumentou, com 58 milhões de pessoas vivendo na linha da pobreza. No Ceará são 1,2 milhão na extrema pobreza e quando se pega os números dos bancos eles só crescem e a desgraça só aumenta. Então, alguma coisa está errada. Os bancos aqui são nossos parceiros, mas o nosso papel aqui – eu que sou de um banco comunitário – é levantar algumas polêmicas e dizer que alguma coisa está errada. Do jeito que vai, daqui a poucos anos, os bancos vão estar bilionários ou “trilionários” e a população morrendo na rua como se fosse na África ou na Ásia. Quando se pensa no microcrédito temos que falar em quatro fatores que merecem atenção para chegarmos em 2030. Primeiro, de onde é que vem o dinheiro? Qual é a fonte dele? Nós, do Banco Palmas, somos uma fintech e já conseguimos levantar fundos a partir do consumo das pessoas, a aplicar crédito a juro zero e o dinheiro não vem do sistema tradicional. A segunda coisa são os operadores do crédito. Não podemos admitir, por mais extraordinário que seja o BNB, que se vá fazer microcrédito com quatro ou cinco operadores. É preciso que sejam milhares. O terceiro elemento é o usuário do microcrédito. Esse cara tem que ser escutado 24 horas, para que falem o que está acontecendo com eles. E o quarto fator é o território. Como é que esse microcrédito (que na minha visão tem a grande missão de combater a desigualdade) promove, organiza e desenvolve os territórios?


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2ª RODADA DE DEBATES

1ª RODADA DE DEBATES PAINEL: UMA VISÃO DE FUTURO PARA O EMPREENDEDORISMO E MICROCRÉDITO NO BRASIL P o r q u e o m i c r o c r é d i t o n o N o r d e s t e n ã o c o n s e g u i u e l i m i n a r a p o b r e z a?

FCO. EUDÁSIO (BANCO PAJU)

O problema é no sistema como um todo. Não se pode pensar o microcrédito sem discutir o sistema. Só a Caixa Econômica, que é nossa parceira importante, em 2018 anunciou um balanço com R$ 11 bilhões de lucro. Se as empresas estão quebrando, se o comércio tá fechando e o banco tá ganhando tanto, algo vai dar errado e eu tenho a impressão que estaremos todos falindo. É preciso discutir o sistema financeiro como um todo e o governo federal tem um papel importante nisso, para avançar cada vez mais no microcrédito, pois estamos com 15 milhões de desempregados, mais de 20 milhões na informalidade. Nós, dos bancos comunitários, não podemos fazer depósito à vista, portanto, não podemos fazer poupança e com isso não podemos ter lastro para emprestar pras pessoas. É preciso discutir a legalidade disso com o governo. Falava-se aqui de pessoas sem formação para gerir um bom negócio, mas você não tem isso desde a formação infantil. Ninguém discute a capacidade empreendedora das pessoas e empreender no Brasil é uma tarefa árdua. Quem é da microempresa sabe e acaba pagando um juro muito alto. Esse juro era pra ser quase zero ou menor pra pessoa ter a vontade e interesse em empreender e desenvolver a sua comunidade. Nós, do Banco Paju, buscamos isso e discutir também porque continuamos tão pobres numa região que é tão rica. Estamos em Maracanaú que é um município rico do ponto de vista do PIB, mas as pessoas continuam vivendo em extrema pobreza.

DALVANI MOTA (FEMICRO)

Ouvindo os financiadores das micro e pequenas empresas eu vou me colocar no lugar do empreendedor individual, do informal, da micro e pequena empresa. E vou pegar o exemplo da cabelereira. Como cliente, Eu sento e fico observando o movimento do gabinete, mas de novembro para cá não vimos mais nem movimento. As cabelereiras não sabem o que fazer para pagar os empréstimos que tomaram e, por isso, estão recorrendo até mesmo àquele empréstimo do homem que chega na porta delas, com um dinheiro que a gente não sabe a origem (porque não é fácil conseguir dinheiro para emprestar). Eles chegam batendo a chave da moto no portão e ela vai lá e entrega um dinheirinho. No período em que estive nesse salão, mais ou menos uma hora e meia, eu a vi fazer isso umas sete vezes. E cada vez era um cobrador diferente. Eu perguntei o que era aquilo, porque eu só via ela receber e entregar, receber e entregar. Ela disse que estava tudo muito difícil, que este ano ela não estava conseguindo sequer tirar para pagar os empréstimos. E disse que tem uns colombianos que passam perguntando quanto precisam e oferecem dinheiro. E ela pagava esses empréstimos dando R$ 20 por dia. No dia que ela não faz os R$ 20 ela acumula pro outro dia. Ninguém pode ignorar o que está acontecendo. E já tem gente nos bairros praticando suicídio, pois acumulou débitos com esse pessoal além daqueles que adquiriu através de outros créditos. Ele prefere até pedir dinheiro a essas pessoas para pagar as parcelas do microcrédito.

GERMANO BLUHM (SEBRAE)

Qual é o mercado do microcrédito na região Nordeste? Vimos o quanto o BNB, a Caixa, os bancos comunitários atendem, mas, e quanto eles não atendem? Só no Ceará temos 800 mil candidatos a empresários. Vejam o volume de mercado para o microcrédito só no estado. Se formos para os negócios formais nós temos previstos, para 2019, em torno de 460 mil entre MEI (microempreendedor individual), ME (microempresa) e EPP (empresa de pequeno porte). O mercado é muito grande para o microcrédito. O sistema financeiro tem que evoluir muito, principalmente no que se refere à era digital, que está chegando muito rapidamente. Não acho que levará 10 anos para se converter, mas 6 meses, um ano ou um dia. A transformação digital veio para mudar a realidade dos negócios das instituições financeiras, do Sebrae ou de qualquer instituição que vá atuar nesse grande mercado. O virtual vai nos dar uma grande oportunidade de relacionamento porque oferecerá tanta facilidade na busca por informações que eu vou ter mais tempo para me relacionar com as pessoas. Acredito que esse será um grande viés que os negócios vão ter, que as instituições que apoiam o empreendedorismo vão ter, e realmente ser um poder de transformação. Evidente que a pobreza você não resolve num estalar de dedos, mas tem que ter mecanismos, políticas adequadas que venham a favorecer a mudança. Acredito também que o microcrédito é uma grande saída como oportunidade e também como empreendedorismo.

O IMPACTO DOS NOVOS RECURSOS DIGITAIS NAS TRANSAÇÕES E GESTÃO DE CRÉDITO AO PEQUENO NEGÓCIO.

LÚCIA DE FÁTIMA (BNB)

Com relação à transformação digital que vai acontecer no setor, a tendência é que as transações ocorram nesse meio, deixando para as instituições mais tempo para lidar com relacionamentos e gerir o próprio negócio. Uma vez que essa transformação aconteça do ponto de vista da experiência digital do cliente, através do auto service (com o cliente fazendo uma parte do processo de crédito sozinho), irá contribuir para que as instituições tenham uma estrutura de custo mais rasa. Isso acaba impactando na questão da taxa de juros. Quero trazer a fala do Tarcísio “porque que não desburocratiza?” É porque o microcrédito tenta proteger o cliente dele próprio, pois se não é um empreendedor, não tem a visão de futuro, de como multiplicar, de como ser produtivo, rentabilizar aquele recurso. Aí sim, nós vamos empobrecer cada vez mais o cliente. Ele não vai fazer acontecer o seu projeto e vai se endividar. A própria Índia, precursora, hoje, ainda vive em estado de pobreza, porque as questões são muito estruturais, cumulativas e propulsoras. Ela extravasa em termos exponenciais. Desde quando acumulamos a pobreza e desigualdades? Não serão em 20, 30 ou 40 anos que vamos resolver isso. O microcrédito sozinho não trás a solução do desenvolvimento ou das desigualdades regionais ou locais. Ele precisa estar acompanhado de outras políticas públicas e também do setor privado, trazendo investimento, a legalização, mais normatização para que entre novos atores. Aí eu trago o questionamento do colega que diz: “Ok, o BNB atendeu 12,1

milhões, mas quanto desse mercado nós já atendemos?” Nós sabemos que não somos suficientes e, graças a Deus, o setor está se regulamentando, permitindo que as fintechs entrem nesse mercado de crédito, e que outras instituições entrem. Detectouse que o Brasil tem quase 50 milhões de empreendedores que precisam de apoio. Estima-se que 30% desse potencial esteja aqui, no Nordeste. O BNB já fez muito e só atingiu 15% desse mercado. Então, a gente precisa mesmo de ajuda e tem mercado para todos. O microcrédito, por si, não é suficiente. Temos que trabalhar bases estruturais, como educação. É ela que inicia a transformação de qualquer país. Se não tem educação, não tem saúde, renda e, por conseguinte, alimenta-se o circulo vicioso da pobreza. E isso é uma vivência secular, então, não se pode esperar que em apenas 20 anos já pudesse ter muito claro a redução dos indicadores de pobreza. Claro que tem evoluído, mas não podemos só atribuir a atuação do microcrédito. Tem a atuação dos bancos de desenvolvimento, de iniciativas como a de Joaquim Melo, os próprios bancos comerciais que promovem o crescimento. Tudo o que gira na economia gera crescimento econômico que é fundamental para o desenvolvimento social. Uma coisa não acontece sem a outra. As pessoas precisam ter outras oportunidades. Por isso são importantes as políticas públicas, como as cotas nas universidades, o Bolsa-Família para as pessoas pobres. Mas precisa ter uma porta de saída. Outros países conseguiram encontrar e nós precisamos também, pois não podemos alimentar políticas compensatórias que, ao final, vão criar culturas do não-trabalho, da comodidade.

JOSÉ TARCÍSIO (COMICRO)

As fintechs são bem vindas. Eu acho que para reduzir taxa de juros e obrigar os bancos a emprestar tem que ter concorrência. Uma vez cheguei em Santana do Capibaribe e tinha um homem vendendo camisetas, bem baratinhas. Perguntei qual o custo da camiseta. Ele falou que estava ganhando R$ 1 por cada. “Isso dá pra tu viver?” “Tarcísio, uma coisa é eu vender 10 camisetas por dia, ganhando 5 reais. Outra coisa é eu vender 1.500 ganhando um real”. Ele está ganhando na escala. Infelizmente, os bancos não ganham na escala, ganham no juro. Tem que se trabalhar a criação de lei que faça proliferar fintechs, bancos comunitários, cooperativas de crédito, porque é isso que vai concorrer com os 5 maiores bancos do país que tem bilhões de reais de lucro no ano, nas costas dos seus clientes. Porque não se trabalhar uma lei que regularize os bancos comunitários? Aí, num instante, os juros do microcrédito baixam. Acho que o caminho é esse. O que precisamos fazer para 2030 é proliferar microcrédito no nosso país e forçar a queda das taxas. Qual o juro do microcrédito do Itaú? É 3,99% e ainda tem um TAC. Quando soma ao juro, o valor vai lá pra cima. Falam que é para o tomador do empréstimo não se complicar com o crédito. Eu não estou preocupado com isso. A preocupação deve ser se a pessoa que está tomando crédito é especialista naquilo que faz, tem mercado para aquilo? E não se preocupar no que ela vai gastar o dinheiro. Se ela é especialista e tem mercado, essa pessoa nunca vai ficar inadimplente.

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PARTICIPANTES

O IMPACTO DOS NOVOS RECURSOS DIGITAIS NAS TRANSAÇÕES E GESTÃO DE CRÉDITO AO PEQUENO NEGÓCIO.

NAZARENO ALBUQUERQUE coordenador geral do Fórum e moderador

JOAQUIM MELO (B. PALMAS)

DHIEGO VIEIRA (CAIXA)

De uma forma completar, acho que temos que buscar construir algo juntos, um sistema que seja sustentável e isso, para mim, é a grande riqueza deste Fórum. Quando se fala da questão de saber como vai ser utilizado o recurso, eu concordo em parte com o Tarcísio. É preciso entender se está no DNA do cara aquilo que ele faz, mas eu também preciso saber se ele sabe gerir aquele negócio. E são vários atores que participam disso. Se formos esperar, no curto prazo, que a instituição financeira, através do microcrédito, faça a capacitação, a execução e acompanhamento, isoladamente, eu volto pro discurso da Lúcia de que só o microcrédito não vai resolver toda essa nossa dispersão social. A capacitação é fundamental para a sustentabilidade do programa. Se nós a tivéssemos lá no início junto com o acompanhamento, teríamos um programa muito mais sustentável. Com relação à entrada das fintechs e dos bancos privados nesse nicho, digo que há mercado para ser dividido entre todas essas instituições financeiras. É inegável. Tem muita gente que ainda não consegue alcançar essas linhas de crédito. Portanto, é sempre mais salutar quando temos mais atores nesse movimento, e que cada um consiga chegar a essa clientela (pela óptica dos bancos) da forma que o banco está estruturado para atender àquele público. Concordo plenamente que se deva democratizar o acesso ao crédito, mas volto a reforçar que essa construção deva ser conjunta, junto com o Sebrae ou com outras entidades.

GERMANO BLUHM (SEBRAE)

O mercado é amplo para atuação das fintechs, dos bancos comunitários,oficiais e privados. Não é a toa que os bancos privados entraram nesse mercado. Há bem pouco tempo só tinha o CrediAmigo. Depois veio o CaixaCrescer, em seguida o Bradesco, Itaú, Santander e outros porque viram que era uma grande oportunidade de negócio.Mas o Sebrae tem que olhar a formação do empreendedor. Não adianta eu ter o crédito se não tenho essa formação. Senão, ele vai pegar o recurso (de qualquer lugar) e sempre terá um risco maior. O Sebrae desenvolveu programas que iam desde a base, da criança e do adolescente, até a universidade. Nós tínhamos o Jovens Empreendedores Primeiros Passos, onde o Sebrae ia até a escola incentivar crianças a ter visão empreendedora. Isso, inclusive, ajuda a família, porque a criança leva pra dentro de casa a temática do empreendedorismo e o pai observa se aquilo é importante pra família. Acreditamoss que é por este meio que mudaremos um pouco a realidade dos negócios. Até porque, mesmo com a nova lei do MEI, você ainda tem uma informalidade muito alta no Brasil. Como havia falado, 800 mil candidatos a empresários são informais. Por isso precisamos de políticas incentivadoras para o empreendedorismo. E os mecanismos financeiros vêm para ajudar até porque o crédito deve ser consequência e não causa. Acredito que uma boa formação empreendedora deixa a pessoa preparada para receber qualquer capital e aplicá-lo de forma inteligente.

FCO. EUDÁSIO (B. PAJU)

Nós entendemos o papel da Caixa, e a queremos 100% pública, forte e robusta e entendo que ela executa uma política de governo. Mas quando eu falei da Caixa quis mostrar que se todo mundo perdeu, só o sistema financeiro ganhou. Peguei o exemplo da Caixa porque ela é nossa parceira, mas todos os bancos ganharam. Temos que compreender que esse empreendedor individual, que tá na periferia, muitas vezes é o único dono, o caixa, o vendedor, comprador e é ele quem tem que ir ao banco. Então, temos que facilitar cada vez mais sua atividade. Às vezes ele pega dinheiro com agiota por que tá endividado e não tem muita burocracia. Então temos que buscar ferramentas e entender o perfil desse cliente. É possível pagar por semana? Criar um sistema que pague por quinzena? Além do mais, tem o problema do sistema que não nos permite fazer poupança, onde nós mesmos depositaríamos no banco comunitário. Somos obrigados a depositar na Caixa, no BNB, e esses bancos devolvem para que a gente opere os recursos para eles. Então, o sistema é contraditório. Além do mais você tem o Fundo de Amparo ao Trabalhador que quem opera quase 100%, salvo engano,é o BNB. Queremos que os bancos comunitários, as cooperativas de crédito e as fintechs também operem parte desse fundo. Nós não estamos pedindo ao governo para criar nova despesa, mas que socialize as receitas que tem hoje para que esse dinheiro chegue lá nas pessoas que mais precisam.

Quando pegamos o exemplo do Yunus, fundador do Grameen Bank, onde tudo começou, o microcrédito não era visto como um negócio, mas uma solução encontrada para ajudar as mulheres de Bangladesh que eram muito pobres e que, certamente, não teriam acesso ao sistema financeiro. Ele reuniu aquelas mulheres e encontraram uma solução para atenuar a pobreza local. O crédito era um instrumento de desenvolvimento para o enfrentamento da pobreza,mas no Brasil entra como negócio. Concordo que devemos viabilizar as instituições financeiras, não estamos pregando aqui quebrá-las, mas diria que se você quer o microcrédito para ganhar dinheiro tá no lugar errado. Ele deve, no máximo, manter as operações na visão que temos dos bancos comunitários. O microcrédito existe para enfrentar a pobreza, combater as desigualdades, pra gerar renda e acabar com a miséria. O mundo não é essa bolha onde vivemos. Nós aqui somos elite. Não digo que somos ricos, mas comemos, dormimos e pensamos, um povo que estudou. Nos grotões de miséria deste país, e no Nordeste é pior ainda, Por isso acho que o microcrédito deve ser encarado como instrumento de desenvolvimento e não como algo que vai manter, bancar ou ajudar a aumentar a receita de nossas instituições. Por isso é fundamental o marco regulatório. A gente quer ampliar – isso que a gente chama de ecologia monetária – para se tenha dezenas de formas diferenciadas de crédito, mas pra isso precisamos de um marco regulatório que permita que banco comunitário exista. Como fez a Venezuela com tecnologia brasileira. Hugo Chávez criou uma lei lá que permitiu a criação de 4 mil bancos comunitários. Quando se fala de marco regulatório parece que é uma coisa que depende de Brasília, mas os governos estaduais e municipais podem fazer muito.

DALVANI MOTA (FEMICRO)

As microempresas e, principalmente, o microempreendedor individual, estão muito na periferia. Mesmo assim,me surpreendo a cada dia com sua relação com o digital. Será que esse povo sabe pelo menos o que é isso? Quando eu começo a conversar com eles me surpreendo: “Ah! Hoje eu fiz uma transferência e tal”. Então eu vejo as coisas melhorando. A educação financeira tem que começar na abertura da conta. Na maioria das vezes o cliente não sabe qual taxa que vai pagar, se de R$ 44 a R$ 76 e é surpreendido. Quando o MEI chega no banco ninguém lhe pergunta qual das duas taxas vai querer. Ele também não sabe a que tem direito na de R$ 44 e na de R$ 76. Aí ele começa a fazer os pagamentos e escolhe a que acha que é a mais barata. Começa a dar cheque. Quem recebeu o cheque, se não tem conta no banco, prefere sacar. Quando chega o fim do mês, o MEI tira o extrato e se arrepende por não ter optado pela taxa de valor maior, que daria direito a um número maior de cheques e de saques. Ele não sabia por que também não existe dentro da educação do banco explicar para quem está abrindo a conta. O banco não tem sequer um informativo e o cliente, no final do mês, é pego de surpresa achando que tem R$ 2.500 na conta quando tem R$ 2.400 ((R$ 100 foi de taxa para o banco). Isso, no final do mês é um absurdo na vida do empreendedor. Se exige que ele tenha uma formação empreendedora, que ele conheça fluxo de caixa, que saiba o que é estoque mínimo e máximo, qual a média de estoque que tem que ter etc. Graças a Deus tem muitos cursos online que são de grande ajuda, e os bancos deviam oferecer cursos assim, para quando o cliente ingressar e saber o que cada pacote oferece para ele trabalhar e ter um bom relacionamento com o seu banco.

LÚCIA DE FÁTIMA BARBOSA DA SILVA gerente de ambiente do BNB JOAQUIM DE MELO coordenador do Banco Palmas GERMANO BLUHM assessor técnico da diretoria do Sebrae-CE JOSÉ TARCÍSIO DA SILVA presidente da Comigro (Confederação Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) DALVANI MOTA presidente da Femicro-CE (Federação das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte do Ceará) DHIEGO VIEIRA gerente regional Pessoa Jurídica da Caixa FRANCISCO EUDÁSIO ALVES DA SILVA diretor geral do Banco Social de Pajuçara (Banco Paju).

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NÚMEROS

TRABALHO

Brasil encerra 2018 com quase 32 milhões de brasileiros subutilizados

REBECCA FONTES/ESPECIAL PARA O POVO

Dados contidos na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), do IBGE, de dezembro do ano passado, quee revelam ainda, que população brasileira acima de 60 anos será de 32 milhões em 2025

23,9%

A FORÇA DE TRABALHO brasileira é subutilizada.

31,7

MILHÕES DE TRABALHADORES desempregados, subocupados ou desalentados. MP 870 (1º de janeiro de 2019), no Art. 58, extingue: I ­a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário da Casa Civil da Presidência da República II ­a Secretaria Especial da Aquicultura e da Pesca da Secretaria­Geral da Presidência da República e III ­a Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

que gostariam de trabalhar em um período maior) e força de trabalho potencial (pessoas que gostariam de trabalhar, mas não procuraram trabalho, ou que procuraram, mas não estavam disponíveis para trabalhar), o que totaliza 27 milhões de pessoas subutilizadas no trimestre passado. Já o total de pessoas desalentadas (que não buscaram trabalho) foi estimado em aproximadamente 4,7 milhões no trimestre. É neste cenário que se discute o maior apoio ao desenvolvimento de políticas de microcrédito para estimular esse contingente a se tornar micro e pequenos empreendedores. No entanto, tais esperanças esbarraram numa dura realidade: o novo governo federal, no primeiro dia, por meio da Medida Provisória 870, assinada no dia 1º/01/2019, no Art. 58, extinguiu a Secretaria Especial da Micro e Pequena Empresa do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços.

Mais excluídos

O Brasil fechou o ano de 2018 registrando 31,7 milhões de pessoas desempregadas, subocupadas ou que desistiram de se recolocar no mercado de trabalho. O número é alarmante num País cuja população já atinge mais de 208,5 milhões de habitantes. Este número representa uma taxa composta de subutilização de força de trabalho de 23,9%. Os dados são do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e estão na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua), divulgada em dezembro do ano passado (2018). Para que possamos mensurar esse contingente, ele equivale a quase duas vezes a população dos Países Baixos (Holanda). São 12,2 milhões de pessoas em busca de trabalho, 14,8 milhões de trabalhadores subocupados por insuficiência de horas (pessoas ocupadas com uma jornada de menos de 40 horas semanais, mas

Atualmente, a população idosa do Brasil já chega a cerca de 19 milhões de pessoas. O IBGE contabiliza como idosas pessoas com 60 anos ou mais, o que representa mais de 10% da população brasileira. Estimativas do órgão indicam que esse contingente atingirá 32 milhões em 2025 e fará do País o sexto em número de idosos no mundo. É o grupo etário que mais cresce no Brasil. Dentro desse contingente, mais de 80% das pessoas ganham ao menos um salário e a grande maioria recebe aposentadoria e pensões. Mas, apesar de estarem aposentados, muitos idosos continuam no mercado de trabalho. Dados do Instituto mostram que quase 6 milhões de pessoas com mais de 60 anos trabalham, representando 30,9% do total. Mesmo na população com 70 anos, o percentual é significativo: 18,4% têm atividade remunerada. Não por acaso os idosos são responsáveis pela manutenção de 25% das casas no País e possuem potencial de consumo de R$ 7,5 bilhões, o dobro da média nacional, de acordo com a pesquisa da empresa de consultoria Indicator GFK.

DEPOIMENTOS DE QUEM PEGOU MICROCRÉDITO

Josélia Lima Barbosa, 32 anos (bonecas artesanais) A dona de casa Josélia Lima Barbosa, 32 anos, trabalhava como lancheira, vendendo sua produção na Cidade 2000, bairro em que residia antes de se mudar, há 2 anos, para o conjunto residencial Os Escritores, do Minha Casa Minha Vida, no bairro Paupina. A mudança resolveu seu problema de moradia, mas acabou gerando outro que impactou a sua renda. Já morando no imóvel próprio, Josélia não conseguiu retomar sua atividade no novo bairro. “Não tive lucro vendendo lanche, As pessoas daqui achavam muito caro, mas eu não podia reduzir o preço porque o material que usava não era barato. Tentei por três meses, depois desisti”, afirma. Quando a produção de salgadinhos e lanches evoluiu, Josélia buscou crédito de R$ 800 junto ao CrediAmigo, do Banco do Nordeste. “Não tive dificuldade para obter o crédito nem para pagar as parcelas. Se sua atividade te der uma renda boa eu recomendo”, afirma. Mas ao mudar de bairro e ficar sem uma fonte de renda, Josélia viu uma nova oportunidade nas oficinas de empreendedorismo oferecidas pelo IADH. Ela se interessou pelo artesanato de bonecas de pano porque achou-as muito bonitas. “Somos um grupo de 10 mulheres e logo começamos a produzir. O primeiro material foi o IADH que deu pra gente: uma máquina de costura e a matéria-prima. Confeccionamos 200 bonecas atendendo uma encomenda de natal feita por um orfanato. A segunda produção já foi por nossa conta”, diz. Agora, estão vendendo as bonecas em feirinhas nas praças. Ela reconhece que o faturamento ainda é muito pouco para poder pensar em microcrédito, mas garante que se tiverem uma encomenda grande elas irão atrás do microcrédito.


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BANCO COMUNITÁRIO

STEVE DEBENPORT/GETTYIMAGES

MINHA CASA, MINHA VIDA

Mulheres empreendedoras buscam mudar realidade onde vivem Donas de casa compõem parcela significativa da população desses residenciais e viram no microempreendedorismo a chance de uma independência financeira

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Empreender para se desenvolver. Com essa meta na cabeça, mulheres moradoras do conjunto residencial Os Escritores, do Minha Casa Minha Vida, em Messejana, estão aprendendo uma profissão. Elas participam do projeto DIST (Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Território), uma iniciativa do Fundo Socioambiental da Caixa Econômica Federal para os residenciais Minha Casa Minha Vida de Fortaleza, que está sendo desenvolvida pelo Instituto de Assessoria para o Desenvolvimento Humano (IADH) na capital cearense. O objetivo do DIST Fortaleza é capacitar uma parcela significativa da população desses residenciais, principalmente os jovens e mulheres, para o microempreendedorismo. Segundo Conceição Faheina, do

IADH, estima-se que parte da população dos conjuntos residenciais do MCMV possua filhos com problemas de saúde, cuida de pais idosos e, por isso, não podem sair para trabalhar. Outros vivem abaixo da linha da pobreza, têm poucos anos de estudo e não conseguem se inserir no mercado de trabalho formal com carteira assinada. Nesse contexto, o empreendedorismo para montar o próprio negócio é a solução para sair da pobreza. No caso das mulheres, elas formaram um grupo solidário para acessar recursos financeiros e estão produzindo bonecas para vender. “Algumas não tinham profissão, agora são 11 mulheres que se reúnem para fabricar. Já venderam por encomenda 370 bonecas. O valor arrecadado foi dividido para várias finalidades, de acordo com o que elas planejaram”, diz Faheina. Parte do dinheiro foi separado para compra de mais material, como tecidos, aviamentos, lã para o cabelo e enchimento do corpo. Outra parte foi destinada ao pagamento da luz da casa, transporte para deslocamento para compras e venda, e outra parte foi dividida entre elas de acordo com as horas trabalhadas de cada uma. “Elas têm um caderno de ponto. Controlam todos os gastos e receitas”, afirma a coordenadora. As artesãs já participaram de eventos para venda no Shopping Rio Mar e em feiras em praças públicas. “Um mundo novo foi aberto para as mulheres que antes viviam marginalizadas excluídas do acesso a cursos”.

A próxima etapa será criar o banco comunitário com os recursos e patrocínio da Caixa. Por enquanto, o projeto DIST Fortaleza entra com apoio nos cursos de educação financeira, de empreendedorismo, técnico e de capital inicial para aquelas que quiserem começar o próprio negócio. “É importante fortalecer o grupo antes de conceder o empréstimo para que não venha gerar inadimplência no futuro. Em seguida, em janeiro, elas já poderão acessar o microcrédito”, garante Conceição Faheina. Na capital cearense o projeto atua em quatro residenciais cuja população total é estimada em aproximadamente 2.516 famílias. Está sendo desenvolvido em Paupina (onde funcionam oito conjuntos conhecidos como “Os Escritores”, com 1.960 unidades), Barroso (conjunto São Domingues, com 120 unidades), Passaré (Conjunto São Bernardo, com 180 unidades) e Mondubim (Monte Líbano, com 256 unidades). Além do Ceará, o IADH executa projetos no mesmo modelo DIST em dois municípios de Alagoas e na capital de Goiás.

DIST FORTALEZA

O projeto Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Território de Fortaleza (DIST Fortaleza) avança nos residenciais Minha Casa Minha Vida. O eixo de trabalho e renda foi um dos principais, com cursos de gastronomia, produção de sabão ecológico, corte e costura, bolsas e bonecas, curso de manicure, de embelezamento, além de oficinas de educação financeira e de elaboração de planos de negócios. No eixo de meio ambiente, com as agendas de educação ambiental, engajamento das famílias na coleta seletiva e realização de passeios. O eixo da juventude promove os encontros de sensibilização dos jovens para os cursos e oficinas de teatro, dança, comunicação e técnicas de sonorização, iluminação cênica e discotecagem.

DEPOIMENTOS DE QUEM PEGOU MICROCRÉDITO

Claudiane Silva de Paula, 41 anos (Perfumaria e Cosméticos) Vendedora de produtos de perfumaria, Claudiane Silva de Paula, 41 anos, viu nas oficinas uma oportunidade para complementar a renda da família. Ela mora no condomínio Jorge Amado, na Paupina, e participa, há 2 anos, do grupo de artesanato de bonecas de pano que reúne mulheres com idades entre 20 e 60 anos. Claudiane trabalha em casa vendendo produtos da Avon, Natura e Boticário. Ela diz que, quando o projeto DIST [Desenvolvimento Integrado e Sustentável do Território dos Residenciais MCMV de Fortaleza] chegou ao conjunto residencial, oferecendo oficinas de corte&costura, gastronomia e artesanato, viu uma segunda opção de trabalho e uma atividade que serviria também como terapia. “Além do dinheiro extra, nós trabalhamos em algo que gostamos e fazendo outras pessoas felizes”, observa. Claudiane diz já ter tentado obter microcrédito em dois lugares: Banco Palmas e Caixa. “Não consegui no Palmas porque eu não sou moradora do bairro e eles priorizam a comunidade lá. O valor também era muito baixo para o que eu precisava, que era montar minha lojinha. E, na Caixa, achei que havia muita burocracia e os juros também eram muito altos. Fui eu que não quis”, afirma. Sua principal fonte de renda é a venda de perfumaria e cosméticos. O valor obtido com as bonecas ela usa para gastos extras, principalmente com o filho. “Aqui onde moro tem muitas mulheres que são só donas de casa e não têm como montar um trabalho. Muitas que entraram nas oficinas abandonaram, achando que iam ganhar pouco. As que ficaram não tinham uma ocupação e, hoje, tem um trabalho e alguma renda”, conclui.

Antônio Daniel Fe r r e i r a , 5 3 a n o s (mercadinho, depósito e lava jato) Morador da Praia do Futuro, Daniel Ferreira era proprietário de um mercadinho, no Centro de Fortaleza, instalado numa pequena e antiga casinha, de telhado baixo. Como o negócio não evoluía, ele procurou financiamento para investir em mercadorias. Primeiro ele tentou empréstimo na Caixa, onde obteve R$ 2.000 com prazo de 12 meses para pagar. Quando tentou novo financiamento para melhorar a infraestrutura do negócio, descobriu que o banco não ia autorizar o aumento do valor. Foi quando ele buscou o microcrédito do BNB, há 15 anos. Ele diz que buscou um prazo menor, de 4x, para pagar rápido e logo poder fazer outro empréstimo de valor maior. Ele não teve dificuldades para pagar as parcelas porque o mercado estava indo bem, tanto que Daniel colocou um novo negócio ao lado do anterior, um depósito de material de construção. O terceiro negócio surgiu de uma tragédia pessoal. O filho de seu Daniel tinha um lava-jato vizinho ao mercado do pai, mas o rapaz faleceu e Daniel assumiu o negócio. “Peguei R$ 10 mil no microcrédito individual e R$ 2 mil no CrediAmigo para investir nesse novo negócio e no depósito”. Ele garante que não tem encontrado problemas para pagar as parcelas. “O segredo é saber trabalhar”, diz. Ele só encontrou uma dificuldade nesse relacionamento com o banco. Recentemente, Daniel tentou abrir uma conta corrente para depósito e foi lá fazer a ficha, mas cobraram R$ 70 para fazer o cadastro e mais R$ 40 para manutenção da conta, além de exigirem um depósito inicial de R$ 5 mil. “Então deixei quieto”.


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MICRO CRÉDITO 2030

ARTIGO

Crediamigo para crescer POR ROMILDO CARNEIRO ROLIM presidente do Banco do Nordeste do Brasil Ao completar seus 20 anos de existência, em 2018, o Crediamigo do Banco do Nordeste firma-se como o principal programa de microcrédito da América Latina. Nesse período, atendemos 5,8 milhões de clientes, por meio de 36,5 milhões de operações e injetamos na economia nordestina R$ 60,5 bilhões para o fortalecimento de microempreendedores. Ser líder desse mercado é particularmente importante para um banco de desenvolvimento regional, como o Banco do Nordeste, pois o microcrédito funciona como um complemento ao Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), nossa principal fonte de recursos, dando capilaridade e criando demandas para novos financiamentos de longo prazo. Em 2018 o Banco do Nordeste aplicou mais de R$ 40 bilhões na economia regional, considerando a soma dos valores liberados pelo Crediamigo e pelo FNE, que compõem o amplo escopo de atuação do Banco – dos microempreendedores aos projetos de infraestrutura – e atendem às necessidades de financiamento de atividades produtivas de todos os portes. Neste ano, somente com o Crediamigo, alcançamos a marca histórica de R$ 9 bilhões contratados, crescimento de 13% sobre o volume de 2017, resultando em uma média de 16,4 mil operações diárias, importante sinalização da retomada econômica. Além dos números expressivos, comemoramos o impacto social dessa importante ferramenta de combate à pobreza: a emancipação e a autonomia financeira de milhões de pequenos negócios que tinham seu crescimento limitado pela dificuldade de acesso ao capital, principalmente por mulheres empreendedoras, dois terços do público atendido. O sucesso do Crediamigo é credencial qualificada para incluir o microcrédito como componente obrigatório da estratégia nacional de desenvolvimento. O acesso ao crédito possui relação direta com o crescimento econômico e do emprego, permitindo a redução dos custos de transações, a melhor alocação do capital, mais eficiência nos investimentos e melhor distribuição dos riscos. A dificuldade de acesso ao crédito, principalmente pelos mais pobres, limita a capacidade de desenvolver inciativas produtivas e oportunidades de investimentos. Diversos estudos recentes mostram o papel do acesso ao financiamento na redução da pobreza. Usado de forma adequada, o crédito permite a distri-

buição mais eficiente do consumo ao longo do tempo e permite às famílias acumular bens de consumo duráveis, essenciais para a formação do patrimônio e melhoria estrutural da qualidade de vida. O acesso ao crédito combinado com a cultura de poupança permite a estabilização financeira das famílias a longo prazo, reduzindo o efeito de choques e minimizando riscos. A dificuldade em acessar os serviços financeiros formais leva as famílias pobres a usar mecanismos informais de poupança e crédito, como parentes, amigos e agiotas – essas alternativas são, muitas vezes, pouco confiáveis e caras. Além disso, as novas tecnologias de pagamentos eletrônicos e transferências possuem requisitos que os mecanismos informais não conseguem atender, o que restringe as possibilidades de negócios dos microempreendedores. Dessa forma um desafio de curto prazo para o Banco do Nordeste é consolidar o alcance do Crediamigo na sua área de atuação, com mercado potencial estimado de 12,3 milhões de microempreendedores. O principal obstáculo é a capilaridade do atendimento, cuja solução passa pelo uso mais intensivo dos canais de autoatendimento, viabilizada por parcerias, como as firmadas com a Caixa Econômica Federal para

compartilhamento das Casas Lotéricas e com a rede de serviços Saque e Pague, e nova plataforma de mobilidade, que pretendemos lançar em 2019. O segundo desafio diz respeito à diversificação de produtos e serviços financeiros para os microempreendedores. A agenda de inclusão financeira no Brasil é muito concentrada na melhoria de acesso às contas correntes e ao microcrédito, mas existe uma enorme gama de necessidades que ainda não estão satisfeitas. Um exemplo são as plataformas de pagamentos eletrônicos, como os cartões de crédito ou débito, que se tornaram essenciais para a ampla maioria dos negócios, pois passamos por um acelerado processo de mudança de comportamento do consumidor, que, cada vez mais, faz compras não presenciais e evita andar com dinheiro em espécie. Outro exemplo são os seguros, utilizados para mitigar riscos específicos com forte impacto nas finanças das pessoas e dos negócios. Atualmente somos o quinto maior distribuidor de micros-seguros do mundo, trabalhando apenas com a cobertura do risco de vida. Estamos desenvolvendo um novo produto que cobre a renda do empreendedor durante eventuais internações hospitalares e analisando a cobertura de reparos em equipamentos utilizados na atividade econômica, como alternativa aos planos de garantia estendidas. Finalmente, há que se trabalhar nos mecanismos de poupança e investimento para esse público. Além da poupança tradicional, que é oferecida com a conta corrente, criamos um fundo de investimento popular especificamente para os clientes do Crediamigo, que permite movimentações de valores muito baixos, como uma alternativa de rentabilidade diária das disponibilidades monetárias desses clientes. Dessa forma, longe de deitar sobre os louros da liderança de mercado, permanecemos inquietos com os novos desafios, como consolidar cada vez mais o mercado regional, ampliar a oferta de serviços financeiros para os microempreendedores e a transformação em banco digital, já em curso, para colocar em produção em breve.


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