Microcrédito 2030 #2

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#2 FORTALEZA-CE, JANEIRO 2019

MICRO CRÉDITO 2030 ENFRENTAR OS DESAFIOS O S D E S A F I O S PA R A O M I C R O C R É D I TO, N O S P R Ó X I M O S A N O S , A P O N TA M PA R A U M A M O D E R N I Z A Ç Ã O P R O F U N DA N O S P R O C E S S O S D E TO M A DA E C O N C E S S Ã O D E C R É D I TO. O S R E C U R S O S D I G I TA I S , A S F I N T E C H S , U S O D E A P L I C AT I VO S , S I S T E M A S D E S B U R O C R AT I Z A D O S , TO R N A R Ã O M A I S R Á P I D O E D I V E R S I F I C A D O O F I N A N C I A M E N TO AO S P E Q U E N O S N E G Ó C I O S


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Fórum traz visão dos principais agentes de concessão de crédito Ao final dos debates, o conteúdo do encontro poderá ser vir de propostas para o desenvolvimento de políticas de aprimoramento do microcrédito no Brasil As micro e pequenas empresas representam mais de 95% dos CNPJs da região Nordeste. Sua importante contribuição ao desenvolvimento do País é a de servirem de “colchão” amortecedor do desemprego. Elas constituem uma alternativa de ocupação para uma pequena parcela da população que tem condição de desenvolver seu próprio negócio, e em uma alternativa de emprego formal ou informal, para uma grande parcela da força de trabalho excedente, em geral com pouca qualificação, que não encontra emprego nas empresas de maior porte. Numa realização da Fundação Demócrito Rocha, promoção do grupo de comunicação O Povo e patrocínio do BNB e Governo Federal. O Fórum Microcrédito 2030, realizado no dia 11 de dezembro de 2018, no auditório do Sebrae, em Fortaleza, teve por objetivo expor ideias e discutir o mercado real do microcrédito, sua transformação ao longo dos últimos 20 anos, as tendências surgidas

da inovação e das tecnologias, bem como o incentivo aos novos negócios financiando, prioritariamente, segmentos estratégicos da economia, tais como negócios ambientais, geração de energia renovável e equipamentos digitais. O Fórum procurou identificar os desafios do setor através da visão dos principais agentes de concessão de crédito e das instituições fomentadoras das micro e pequenas empresas (MPEs), frente a um mercado que recebe, a cada ano, uma nova leva de empreendedores. A partir de uma educação profissionalizante, uma parte desse contingente de trabalhadores chega trazendo na bagagem inovações tecnológicas e novas perspectivas de negócio. A seguir, a conclusão das discussões em torno do que o futuro reserva aos novos empreendedores brasileiros. O jornalista Nazareno Albuquerque, coordenador geral do Fórum, permaneceu responsável pela moderação dos discursos.

EXPEDIENTE ESPECIAL MICROCRÉDITO 2030 Não pode ser vendido separadamente. Textos e edição: Rebecca Fontes (MTB 830/04/36ce) | Projeto Gráfico e Edição de Arte: Renata Viana | Design: João Maropo e Isac Bernardo | Capa: Peopleimages/gettyimages | Concepção e Coordenação do Projeto: Nazareno Albuquerque | Produção: Sueleny Caetano www.opovo.com.br

3ª RODADA DE DEBATES

LÚCIA DE FÁTIMA (BNB)

Se não me engano, a questão da internet no Brasil chegou no final da década de 90 e de lá para cá vem crescendo, entrando novos players e evoluído. Lembro que naquela época eu já estava no CrediAmigo e nós, imediatamente, refutamos, achando que a internet jamais seria algo para nosso cliente. E a verdade é que, no mundo inteiro, ela tem transformado o comportamento do consumidor. Tem tido avanços positivos e, algumas vezes, até negativos. Nos relacionamentos, as pessoas estão mais virtuais e sedentárias, mas o fato é que a internet evolui e transforma as atividades de forma geral, oferecendo mais comodidade. Tudo agora é digital, tudo se resolve com um toque. No aspecto da segurança está muito forte e isso transforma o perfil de consumo e os tipos de atividades que são necessárias para atender o atual consumidor. Algumas atividades vão se deslocando para se situar no passado e se extinguir. E outras vão surgindo de acordo com as novas necessidades, como na gestão da inteligência de dados, da segurança. E isso exige perfis profissionais mais aguçados. Chega a ser uma oportunidade e uma fraqueza porque à proporção que o mercado de trabalho exige pessoas com outras qualificações, as pessoas que não estão entrando nesse padrão tendem a ficar sem emprego e ir para a informalidade. Mesmo dentro do microcrédito temos que acompanhar essas atividades que surgem. É simples? Não é. Essas novas atividades precisam se consolidar para que possamos compreender seu comportamento e fazer produtos adequados.

O MICROCRÉDITO E AS NOVAS COMPETÊNCIAS: COMO INCENTIVAR E ESTENDER O CRÉDITO AOS NOVOS NEGÓCIOS DIGITAIS? AS MUDANÇAS NO MERCADO DE TRABALHO, AS NOVAS DEMANDAS, A QUALIDADE DO MICROCRÉDITO EM DISCUSSÃO.

JOSÉ TARCÍSIO (COMICRO)

A tecnologia é de assustar e acho que os bancos vão ter que encontrar meios de inserir o microcrédito nela. Os caixas eletrônicos, quando surgiram, foi fantástico. Hoje, os bancos não conseguem nem mantê-los em alguns lugares. Então, o que vai acontecer? Vão ser substituídos pela tecnologia. No momento que os bancos começam a se aperfeiçoar, reduzindo custos, chegará ao ponto do microcrédito se inserir nisso. Não estão dando importância à empresa simples de crédito agora. Quando esse projeto estava tramitando na Câmara eu brincava dizendo que estavam oficializando a agiotagem, mas pensando bem não é não. É buscar um novo mecanismo de financiamento. É fazer o cara ser legal, ter CNPJ, abrir empresa na Junta Comercial e pode emprestar o dinheiro dele legalmente. Se existir um marco regulatório pra isso, é uma concorrência ao sistema bancário. Tem gente por aí com milhões querendo investir, mas não sabe em quê. Vai botar na poupança para ter 0,5% ao mês? Mas se ele chega numa comunidade, através de uma associação, e empresta a 1,5% já ganhou 1% em relação à poupança. Então, são coisas em que se está avançando, que está sendo discutido, e que não podemos esperar pelo governo. Com relação ao microempreendedor individual (MEI), havia uma resistência violenta da Previdência Social e da Receita Federal que não queriam que o MEI fosse instituído. Ele não foi criado para dar CNPJ para quem tá produzindo, não. A discussão inicial foi dar ao cidadão que trabalhou a vida toda e que, ao envelhecer, não tinha como trabalhar mais, a proteção do Estado.

DHIEGO VIEIRA (CAIXA)

Eu acho que essa quebra de paradigma, na verdade, é para todos. Hoje, está cada vez mais comum o home office. O cara trabalha em casa e é ele, sozinho, com sua página, conseguindo dali auferir renda. No sistema financeiro ele vai gerar riqueza e alimentar todo esse ciclo. O que falta é conseguirmos modular produtos que atendam esse tipo de empreendedor que, mais na frente, vai se tornar um empresário. Precisamos entender que esse é o tipo de trabalho que ele executa e que temos que ter linhas de crédito para que esse profissional consiga trabalhar dessa forma. Em resumo, trazer esse entendimento de que os produtos convencionais, que temos hoje no balcão, precisam acompanhar essa onda tecnológica que estamos tendo. Cada vez mais, essas atividades laborais vão ser diferenciadas. Vamos continuar com as tradicionais, mas vamos ter novas surgindo. É um desafio para todo mundo. É novo pra gente, não é nada que alguém tenha vivido nos últimos anos, nada que tenha sido anunciado, a gente já tá vivendo isso. O desafio é acompanhar essa velocidade e modular o microcrédito para esse tipo de profissional. E com isso há uma série de peculiaridades, tipo: em quanto tempo ele terá o retorno de seu investimento, e se ele não precisa mais de estoque (porque é serviço o que ele presta) eu preciso entender de que forma isso é aceito no mercado para que a linha de crédito se torne sustentável. Eu acho que o desafio é exatamente esse, a gente se adaptar e entender como é que o mercado está atuando com essas novas profissões que aparecem.

GERMANO BLUHM (SEBRAE)

Eu vou falar mais na linha dos talentos. Acho que devemos nos aproximar cada vez mais da academia (universidades e escolas profissionalizantes, que o estado do Ceará tem bastante) e buscar quais os talentos que existem nos territórios (e tem muitos), para, então, criar uma grande rede de discussão da Inovação. Para isso, recentemente a gente lançou o SebraeLab com o objetivo de ver os talentos que têm por aí com as novas ideias, “prototipadas”(sic) e testadas para serem levadas pro mercado. Acho que o BNB faz algo nessa linha, também, que é aproximar essa grande rede de tecnologia, do ecossistema da inovação (academia, talento, instituições tanto financeiras quanto o Sebrae e outras), para que se ganhe uma grande rede de pensamento com o objetivo de sempre estarmos criando novos produtos, novas oportunidades e novos negócios. Com isso, o microcrédito vem junto. Com todo o ecossistema da inovação se unindo é um grande avanço que se poderia dar nesse sentido.


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ULTIMA RODADA

3ª RODADA DE DEBATES O microcrédito e as novas competências: Como incentivar e estender o crédito aos n o v o s n e g ó c i o s d i g i t a i s? A s m u d a n ç a s n o m e r c a d o d e t r a b a l h o , a s n o v a s d e m a n d a s , a qualidade do microcrédito em discussão.

EXPECTATIVAS SOBRE AS POLÍTICAS DE MICROCRÉDITO NO PRÓXIMO GOVERNO; O LIBERALISMO E O EMPREENDEDORISMO SOCIAL: EXPECTATIVAS POSITIVAS E NEGATIVAS; A QUESTÃO DA POBREZA DE RENDA NO NORDESTE.

Nazareno Albuquerque – Falando em academia, eu queria dar meu testemunho sobre a atuação do Banco Palmas. Eles têm o PalmasLab com crianças, entre 13 e 14 anos, portanto, fora do mercado de trabalho, desenvolvendo programas. Não é brincando de games, era lidando com números de programação. Isso na periferia, no Conjunto Palmeiras. Eu tenho certeza que a academia não passa por lá, não. Como é isso?

Nazareno Albuquerque – Como o crédito à pequena economia pode contribuir para a mudança nos indicadores econômicos e sociais da região? Os bancos sociais e a economia local como modelo transformador em vários países; concentração de renda e modelo tributário; os muito pobres financiam os muito ricos.

FRANCISCO EUDÁSIO (BANCO PAJU)

A tecnologia é inevitável e tem avançado com uma rapidez que a gente, quando domina um aspecto, descobre que já está defasado. Estive numa fábrica no Distrito Industrial e tinha um robô pequeno (parece um palet, que carrega mercadoria) que, sozinho, faz o serviço de sete funcionários. Nós precisamos dominar isso para poder acessar o mercado de trabalho. Com o microcrédito não será diferente. Sobre o que o Nazareno falou do Banco Palmas e o curso de programadores, é uma outra compreensão que devemos ter quando investimos em bancos comunitários. Isso só é possível porque parte da renda que o banco adquire nas suas operações é reinvestido na comunidade, gerando fluxos econômicos e desenvolvimento para sairmos dessa lógica de que na periferia só tem problemas e pobreza. Mas precisamos ter milhares de bancos Palmas no Brasil e no Nordeste, basicamente. O microcrédito é uma ferramenta que, se bem utilizada e houver parcerias para que se desenvolva, ajuda os território onde está. Outra parte temos que investir na educação. mas o governo federal congelou por 20 anos. Isso enquanto mais gente nasce. Não sei como essa conta vai fechar nesse período. Isso é política de governo. Não dá para resolver só na política de crédito. Se não há boa educação infantil e fundamental a tendência é a população ir ficando fora dessas tecnologias e do mercado de trabalho porque esse é um caminho sem volta.

JOAQUIM MELO (BANCO PALMAS)

A taxa de juros, no Brasil, é imoral. Concordo com Tarcísio ao não esperar pelo governo. Quem resolve o problema do povo é o povo. Só que o governo tem lado. Se ficasse neutro era bom, mas ele opta por pagar todas as suas contas pelos bancos tradicionais e não pelas fintechs que geraria outro modelo de desenvolvimento. O Banco Palmas é correspondente bancário da Caixa. Pagamos 3.600 mulheres do Bolsa-Família. Se você for numa lotérica, todo começo de mês, é uma fila dos diabos. O mesmo na agência de qualquer banco que paga benefício. E eu fico me perguntado o porquê dessa humilhação? Por que não paga isso no digital? Já era para amanhecer o dia e o dinheiro estar na conta do cliente sem que precise ir ao banco. Agora imagine isso no interior, onde se tem que andar quilômetros, pegar barco, para ir ao banco. A plataforma Édinheiro é o nosso correspondente Caixa, de forma que pelo menos para aquele povo do bairro já é assim. Amanheceu o dinheiro já está na conta dele, onde paga as contas pelo aplicativo. Essa tecnologia veio para humanizar e favorecer os pobres também. Aí eu chego no crédito com as startups,tema deste bloco. Quem financia os jovens da PalmasLab? São jovens muito pobres da periferia que estão criando tecnologia de qualidade do nada. Eles criaram o PalmasNet, uma rede de internet gratuita. Quem financia isso? Qual o banco que vai dar crédito a esse pessoal?

DALVANI MOTA (FEMICRO)

Pegando o exemplo do robô que carrega palets, quero dizer que não é só a mão de obra que é tirada. Hoje, o investimento das MPEs em tecnologia é muito lento, mesmo porque existe um custo. No Centro Fashion, no Carlito Pamplona, o lojista que tem box às vezes pede nossa orientação para fazer girar o estoque, porque tem muito material no ponto e na fábrica que não vende e ele não sabe o que fazer. Eu digo: “recicla, contrata mulheres na periferia que estão sem trabalhar e bota elas para customizar, colocar pedrarias, ensina esse pessoal”. Outro dia reencontrei uma delas que fez exatamente o que eu mandei e os vestidos saíram todos. Muitas vezes o lucro desses empreendedores fica no estoque final. Eu acho que as empreendedoras mulheres já trabalham com a inovação, com a tecnologia, com a customização, então, ela já conhece a empresa da “raiz até a folha”. Com relação ao microcrédito para daqui a 30 anos. Eu visitei há 10 anos as ilhas de Cabo Verde. Naquela época havia aqui um “ruge-ruge” de mulheres cabo-verdianas comprando e eu fui em Cabo Verde pesquisar o que é que aquelas mulheres tinham que chegavam aqui com euros e compravam muito. Lá visitei o banco delas e vi que bastava elas apresentarem a identidade para pegar o dinheiro. Elas já haviam criado uma convivência com o banco onde já tinham um crédito de €20 mil. Se ela usou e pagou, já tinha direito de reutilizar aquele crédito aprovado.

LÚCIA DE FÁTIMA (BNB) Não é simples. A pergunta nos traz a retórica de vários modelos econômicos. Quando se trata aqui da questão do liberalismo, a gente tende a pensar no passado, quando saímos de uma teoria mercantilista baseada na burguesia e começou o liberalismo onde o foco era a questão do empreendedor, do livre mercado. Era a não intervenção do Estado na economia numa crença de Adam Smith de que o mercado, por si só, iria fluir e se chegaria ao pleno emprego. Isso foi por volta de 1930. Ficou claro que isso não era verdade. Quando saiu o Plano Marshall, nos Estados Unidos, construiu-se vácuos de desigualdade e começou a era keynesiana onde se defendia a ação do Estado na economia com o objetivo de atingir o pleno emprego. Trazia uma discussão diferente em que acreditava e defendia a intervenção do governo fazendo investimentos públicos e privados, levando saúde, políticas de educação, fazendo investimentos de infraestrutura para que se chegasse num ambiente de prosperidade e a economia fluísse e gerasse emprego e renda. Foi aí que a teoria de Myrdal apareceu, fazendo grandes discussões acerca desse modelo, defendendo-o. É tanto que a Suécia, hoje, é uma grande referência de desenvolvimento. Então, ele acreditava que existia um círculo virtuoso ou vicioso que podia ser ascendente ou descendente, que ele desencadeava vários fatores que geravam questões cumulativas que poderiam impactar do ponto de vista econômico e social. Como

minimizar essa disparidade entre regiões e pessoas? Não é tarefa fácil. O BNB está nesse propósito há 64 anos e eu há 36 anos. Com a pesquisa (através do Etene) o banco tenta compreender as vocações econômicas da região, estudando o semiárido, detectando qual a melhor atividade para aquela região, como é que se comporta o empreendedor, qual a melhor forma de manejo etc. Então, o BNB entra com todo esse cabedal de conhecimento econômico. Depois, chega com o crédito através do FNE, atendendo todos os agentes produtivos, do maior ao que está ao redor, no setor informal, dentro de uma visão de construção de cadeia, de desenvolvimento de território e local. Mas é preciso que todos os atores estejam ali. É preciso um modelo misto de teorias econômicas. Não só o capitalismo (que tem algumas virtudes). Aí, é importante o modelo do Myrdal que trabalha o governo como o Estado que legisla, que funciona, que traz políticas, que impulsiona, que traz educação, segurança, infraestrutura, que faz investimentos público-privado. E ali ele está investindo na economia para gerar emprego e renda. Então, dentro desse propósito que esse novo governo aponta acho que vem um misto disso. Não é posicionamento do banco, é uma visão minha. É preciso investir nos ambientes de negócios, trazer transformação digital, trazer regulamentação, apoio às fintechs, trazer novos atores porque é um trabalho de alianças. O BNB vai fazer mais 120 anos e se não tiver esse conjunto de políticas, com foco na questão ambiental, sem inserir todos esses atores e a sociedade civil - participando e exigindo políticas, sendo mais consciente na hora de votar – não haverá mudanças. Se fosse fácil não existiria o BNB, BASA, Caixa Econômica, os próprios bancos sociais com o microcrédito, todos esses atores. É preciso ser um desafio conjunto, mas sabendo que a pobreza nunca vai acabar.

Nazareno Albuquerque – O microcrédito do BNB aplicou R$ 60 bilhões na economia do Nordeste nos últimos 20 anos. Nos dois últimos anos, foram próximos de R$ 18 bi. Se esse dinheiro estivesse na mão da sociedade ele giraria de uma forma diferente? Como transformar R$ 16 bi em R$ 40 bi?

JOSÉ TARCÍSIO (COMICRO)

O Estado é muito pesado. O governo deveria fazer uma reforma tributária, trabalhista e política profunda. A gente acha que só quem paga imposto é o empresário. Não é. Somos nós, consumidores, que pagamos. O empresário perde competitividade. Quando você compara as grandes empresas e as pequenas, no Brasil, há uma disparidade grande. A Jeep, em Pernambuco, ganhou terreno, isenção de ICMS e teve recursos vultosos do BNDES com juros praticamente zero. Quantos empregos ela gerou? Quantos milhões de reais ela ganhou de incentivo para se instalar no estado? Aí vem a pequena empresa e se depara com um código tributário que só os tributaristas da Receita Federal e da Fazenda entendem. A pequena empresa abre uma conta, o banco analisa seus recebíveis e aí joga um cheque especial de R$ 40 mil para o cara pagar um juro de no mínimo 6%. Se for tirar um empréstimo o juro cai, mas a burocracia é pesada e nem sempre ela consegue ter aquele crédito. Os governos dos estados geralmente jogam o ICMS para cima. Em Pernambuco, o ICMS era 17% e agora vai para 20% na maioria dos produtos. Veja quanto o consumidor pagará. Aí a pequena empresa perde competitividade, deixa de contratar (ela é a que mais contrata mão de obra) e aí a turma vai pra informalidade. Então, tem que ter reforma.

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ULTIMA RODADA EXPECTATIVAS SOBRE AS POLÍTICAS DE MICROCRÉDITO NO PRÓXIMO GOVERNO; O LIBERALISMO E O EMPREENDEDORISMO SOCIAL: EXPECTATIVAS POSITIVAS E NEGATIVAS; A QUESTÃO DA POBREZA DE RENDA NO NORDESTE.

JOAQUIM MELO (BANCO PALMAS)

GERMANO BLUHM (SEBRAE)

Essa discussão é bastante complexa, mas eu entendo que uma boa definição de papéis de governo e iniciativa privada deva ser bem trabalhada. O papel do governo vai até certo ponto. A partir daí a inciativa privada tem que tomar a rédea da economia. Pensamos muito na questão dos pequenos negócios porque, em momentos de crise, quem segura a economia são os pequenos. Se você prestar atenção, nos últimos três anos, quem segurou o emprego foram os pequenos negócios. Acho que o governo que vai entrar tem que ter uma valorização efetiva desse segmento. Já existe a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa [Lei Complementar 123/2006], muito positiva, mas ela precisa cada vez mais avançar. Até porque a burocracia é muito pesada para os pequenos negócios e precisamos evoluir para essa questão de políticas que venham gerar crescimento e desenvolvimento, porque só crescer não funciona. Outra coisa é descentralizar os recursos. É nos municípios que as coisas acontecem, então, é lá que temos que colocar os recursos, onde os negócios e as pessoas estão, onde moram e onde a sociedade mais precisa. E isso em todas as esferas: educação, saúde, segurança etc. E definir muito bem os papéis das instituições, porque muitas vezes nós vemos a concorrência em processos iguais. No Ceará, o Sebrae atua em 184 municípios e você vê uma disparidade tremenda de um município para o outro. Por exemplo, mais de 50% dos negócios estão em 8 ou 9 municípios da Região Metropolitana de Fortaleza. Não faz sentido, é concentração de riqueza, então precisamos transferir melhor riqueza para que todo mundo cresça de forma mais ou menos parecida, não precisa ser igual. O governo que entra deve ter essa lógica de saber distribuir de forma inteligente recursos.

FRANCISCO EUDÁSIO (BANCO PAJU)

Expectativa com relação ao novo governo? Não temos como avaliar, mas o que se visualiza pelas posições é que o pequeno e o pobre terão mais dificuldades. Quando se fala em fusão do BNB com BNDES, quer dizer que esses bancos vão ficar mais distantes de nós. Não sei se vai acontecer, mas são setores do governo que dizem isso na imprensa. Outro lado defende vender parte da Caixa. Que parte? Se for a que atende os pobres os bancos privados não querem. Não vi ninguém do governo falar até agora sobre reforma financeira. Se não discutir a reformulação do sistema financeiro vão continuar os cinco bancos dominando o mercado e tendo lucros exorbitantes todos os anos. A reforma tributária também é importante demais, o problema é que quando se fala em reforma (tanto tributária como previdenciária) sempre só pensa no pequeno. Os privilégios na previdência ninguém discute (do judiciário, dos políticos etc). Os juízes tiveram foi um aumento de 16% que vai ter um efeito cascata em todo o Brasil. Mas ninguém discute isso no Congresso. Só veem o trabalhador rural que ganha um salário mínimo para sobreviver. Se economizar 100% do que ele ganha não resolve. Quando se fala em reforma tributária é só para aumentar imposto de quem trabalha e produz e, geralmente, o aumento é sobre salário e consumo. No mundo afora é o contrário, diminuem a tributação no consumo para dinamizar a economia e tira um pouco de tributos do salário para as pessoas serem estimuladas a consumir. Se não tenho renda não posso comprar.

Se for só política de governo, o próximo presidente vai desmanchar tudo o que o outro fez. Não devia ser assim, Todo governo tem erros e acertos. O que deu certo se mantém e amplia. Falando sobre moradia, nós do Banco Paju fazemos um trabalho importante na questão da moradia, principalmente para quem mais precisa. E aí a Caixa e o governo foram inteligentes. Eles reconheceram que havia um público que eles não podiam atender. A Caixa, mesmo fazendo esforço e querendo, não chega na aldeia indígena do Tremembé. Não é papel dela, ela não tem servidor para isso. Chegou pra gente e disse: “Vocês vão lá e atendam em meu nome (criou critérios, um programa)”, e nós estamos lá atendendo. Quando fazemos isso, nós não levamos só a moradia. Levamos também o desenvolvimento. Lá na aldeia são 100 casas o que dá R$ 4 milhões de investimento. Todo material é comprado no local, a mão de obra utilizada é da região, sem contar que a pessoa recebe a moradia e vai viver com dignidade. Você tem as cisternas de placas que vão junto, o biodigestor para produzir com qualidade a comida. Isso foi possível porque descentralizou. O governo não quis fazer tudo sozinho, não dá conta. Se você não pensar numa economia que sirva às pessoas, se a sociedade não se organizar e exigir dos governantes mudanças efetivas naquilo que realmente interessa, vamos ficar sempre nesse paliativo – microcrédito para minimizar uma situação aqui, uma casinha para resolver ali - e não se discute a grande questão macroeconômica do País.

O grande desafio até 2030 é estar vivo e alegre, com a autoestima elevada, porque o cenário não é nada bom. Como brasileiro, temos a obrigação de torcer para que dê certo, mas o cenário é de um governo ultraliberal. A prática liberal é a que endeusa o mercado como saída para todas as coisas. Se tem dinheiro, se concorre no mercado e consegue pagar, você vive. Caso contrário, você fica só na assistência, enquanto essa ainda for um direito, ou morre. Basta ver os ministros nomeados. Todos têm uma matriz ideológica nessa perspectiva: de privatizar, de colocar o mercado sobre todas as coisas. Então, temas como esse que nós estamos discutindo talvez não venham a ter tanta centralidade num governo que pensa, cada vez mais, em maximizar lucro e todas as saídas serão pelo mercado. É consenso que falhou a teoria que o mercado se autorregula. O que não falta são números para exemplificar isso. Todo debate tornase sem eficácia se a gente não entender a desigualdade como o maior problema ético deste país, ou como a centralidade de todos os problemas. E o Norte e Nordeste têm que ficar de olhos abertos porque, politicamente, as duas regiões se posicionaram como força ideológica contrária ao governo federal. Na minha avaliação, vai cair fortemente o peso dos governos locais, prefeitos e governadores. Voltando ao tema do crédito, como é que um microcrédito pode se posicionar, com perspectiva de futuro, enfrentando a desigualdade? Acho que com crédito e juros evolutivos. Quem pega mais paga um juro maior.Aquele que pega menos paga menos, para você subsidiar o rico e também o pobre. Acho que a saída é a economia solidária. Temos que organizar os produtores, os grupos de consumidores em rede de colaboração, em cooperativas, em grupos associativistas, grupos de produção, para podermos encontrar uma saída coletiva. A saída individual vai ficar muito mais complexa e difícil diante do cenário que vamos ter.

JOSÉ TARCÍSIO (COMICRO)

Quando eu falo na carga tributária, nós temos o Simples Nacional (lei 123) que dá tratamento diferenciado à microempresa, mas o fato é que a cesta básica é isenta do ICMS também pro Carrefour, Walmart e essas outras. Quando a microempresa, o mercadinho lá da esquina, vai informar o faturamento dele no final, ele pagou o ICMS da cesta básica. Outro exemplo: criaram uma coisa chamada substituição tributária que era para burlar o Simples dentro dos estados. É o seguinte: o sujeito diz que esse microfone vale R$ 100. Eu compro o microfone e a Fazenda disse que eu tenho um lucro de 30%. Aí, ela aplica a alíquota do ICMS dela em cima desses 30%. Eu já tô pagando ICMS ao Simples. Os hortifrutigranjeiros também. Outra coisa: pequena empresa. Estou no Simples, tô produzindo cadeira e vou vender para uma grande empresa, e ela quer de 20% a 30% de desconto porque eu não transfiro crédito. E eu tô dentro do Simples. Então, quando eu começo a falar da reforma tributária, estou falando de uma que beneficie o pequeno que emprega. Fica essa desigualdade, o pequeno perde competitividade, desemprega e as pessoas vão pra onde? Pra informalidade e vão em busca de um microcrédito. Temos que fazer a discussão local e levar para o Congresso. Dalvani Mota (Femicro) – A lei 123 tem um tratamento diferenciado para a microempresa e não vemos isso como um vetor do tratamento dentro do setor financeiro. Os micro e pequenos empresários, hoje, tem até mesmo medo de entrar num banco. Precisamos sim de um atendimento diferenciado. Às vezes, para abrir uma conta, o microempresário tem que ir cinco ou seis vezes na agência (e isso acontece muito com as micro e pequenas empresas). São elas que estão segurando os empregos e a economia.

DALVANI MOTA (FEMICRO)

A lei 123 tem um tratamento diferenciado para a microempresa e não vemos isso como um vetor do tratamento dentro do setor financeiro. Os micro e pequenos empresários, hoje, tem até mesmo medo de entrar num banco. Precisamos sim de um atendimento diferenciado. Às vezes, para abrir uma conta, o microempresário tem que ir cinco ou seis vezes na agência (e isso acontece muito com as micro e pequenas empresas). São elas que estão segurando os empregos e a economia.


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Banco Paju tem como meta atingir uma carteira com 1 mil clientes até 2020

EXPECTATIVAS SOBRE AS POLÍTICAS DE MICROCRÉDITO NO PRÓXIMO GOVERNO; O LIBERALISMO E O EMPREENDEDORISMO SOCIAL: EXPECTATIVAS POSITIVAS E NEGATIVAS; A QUESTÃO DA POBREZA DE RENDA NO NORDESTE.

Nazareno Albuquerque – Para encerrar os debates e para elaboração de um documento que se tornará uma proposta para o microcrédito, cada convidado vai deixar aqui uma recomendação.

FRANCISCO EUDÁSIO (BANCO PAJU)

Acho que momentos como esse devem ser repetidos ao longo de 2019 para que a gente possa envolver outros atores que perpassem pela política. Concordo com o Joaquim quando afirma que isso deva ser feito tanto junto aos governos estadual ou municipal, pois são governanças que podem contribuir de alguma forma, até pra servir de modelo e a gente poder chegar no Congresso Nacional, de repente com a bancada cearense, já que vai envolver algumas questões que passam pelo Legislativo. Existia um projeto de lei da Luiza Erundina que era para regulamentar os bancos comunitários e isso acabou não evoluindo por pressão, inclusive, do sistema financeiro. Então, como sugestão fica a regulamentação do sistema financeiro para que os bancos comunitários possam ser incluídos nas operações e nos financiamentos do governo, e fazer com que os fundos que já existem no mercado, nos bancos, possam chegar também aos bancos comunitários e que estes possam operar com seus próprios clientes, que tenham poupanças locais. Fico á disposição para outros debates.

JOAQUIM MELO (BANCO PALMAS)

Quero parabenizar o debate. Algumas vezes nos colocamos de maneira muito forte, dando a impressão que existe algum tipo de animosidade. Muito pelo contrário. Todos que estão aqui são nossos parceiros, pessoas do bem que estão pensando num País diferente, com qualidade de vida melhor pra todo mundo. Somos todos companheiros e precisamos fazer esses debates, para, quem sabe, criar uma Frente Nordestina de Apoio à Vida e ao Microcrédito visando combater as desigualdades. Eu acho que, como proposta, vou continuar com a minha provocação ao governo estadual e municipal. Acho que poderíamos fazer aqui, no Ceará, com a Federação dos Sindicatos e Organizações das Cooperativas dos Estados da Região Nordeste (Fecoop/NE), um fundo de crédito

para apoiar as startups, os talentos, o meio ambiente ou operações como a de bancos comunitários (fora do sistema financeiro), para experimentar uma nova modalidade de crédito que tenha mais flexibilidade. Volto a insistir no marco regulatório, que depende do governo federal, pois precisamos dele para microfinança no Brasil. É ele que pontua o novo tipo de análise das operadoras de crédito. O Banco Palmas e o Banco Paju não podem ser analisados pelo BC com os mesmos critérios usados para o BNB, Caixa e BB. A proposta, o público e a modalidade são outros. Precisa ter uma política de crédito com um prazo de carência maior, de seis meses ou mais, para que a empresa possa se organizar e pagar um crédito mais sossegado.

DALVANI MOTA (FEMICRO)

Acredito que tudo que foi colocado nesse Fórum vai agregar para uma nova política de tratamento aos pequenos negócios que estão nascendo, com linhas de crédito especiais para quem tá começando uma empresa, com juros mais baixos. Com certeza seria importante não sermos tratados com a mesma igualdade entre uma pessoa que está pegando R$ 300 de outra que está pegando R$ 300 mil. Eu acho que tem que haver um marco regulatório, como diz o Joaquim, para poder definir bem essa política de crédito para os pequenos negócios. Nós nos referimos o tempo todo aqui aos bancos, onde todos têm o mesmo tratamento dentro dessa linha financeira, então, esperamos que esse ano de 2019, com o novo governo, traga mudanças favoráveis aos pequenos negócios.

LÚCIA DE FÁTIMA (BNB)

O microcrédito é, efetivamente, um instrumento, sim, de inclusão. Ele contribui bastante na questão do impacto social nas comunidades para aquelas pessoas que estão totalmente desassistidas. É a diferença entre não ter nada e ter algo que ela possa realizar seu negócio pra poder dar renda para a família. Isso é muito importante porque as políticas públicas não chegam para todo mundo.

Mas eu ratifico que o microcrédito sozinho ele não surte o efeito esperado de uma transformação da desigualdade regional. Ratifico a necessidade de um conjunto de políticas institucionais, tributárias, legais, marco regulatório, educacionais. Eu não acredito na transformação de um país sem passar pela educação. Ela é a base da transformação. Um país que se educa tende a ter maior produtividade, maior rentabilidade – trazendo um pouquinho do liberalismo, né? – que também é importante. Temos que pegar características de ambos e tentar inovar. Esse novo ambiente de tendência em plataforma digital não tem retorno. É avançar para melhorar a eficiência, melhorar a produtividade para alcançar as pessoas que estão distantes, quer seja incluindo, quer seja melhorando o gerenciamento da operação para que possam dedicar mais tempo para se capacitar. Tem que ter uma reforma tributária pois aumenta muito o custo-Brasil e contribui muito para a concentração de riqueza. Todos os atores têm que se unir e é esse conjunto de contribuições que faz com que se veja a diferença no cenário.

ENCERRAMENTO

JOSÉ TARCÍSIO (COMICRO)

JOAQUIM DE MELO coordenador do Banco Palmas

Reconhecendo a importância do BNB, que é um grande parceiro nosso, mas discordando ainda das taxas de juros e da burocracia, diria que algumas coisas terão que ser feitas para ajudar. Não é só o microcrédito pontual que vai resolver a situação do país. Nós teremos que fazer um trabalho muito forte e aqui eu quero convocar a Dalvani – além de ser presidente da Federação em Pernambuco ela é vice-presidente para a região Nordeste da Confederação Nacional – para buscar fazer com que o governo cumpra o seu papel. Nós não podemos pagar tanto imposto para, no final, ainda ter que pagar por educação, saúde, tudo. Eu acho que isso é o papel do Estado. E quando ele começar a exercer o seu papel, deverá melhorar um pouco para quem produz e gera emprego. Fico muito feliz em poder estar aqui neste Fórum. E a gente, Dalvani, tem que buscar, dentro das nossas federações, todos os nossos parceiros para essas discussões. No momento que a gente começa a discutir, a fazer, a propor, a criticar, a bater de frente (se for possível) ou ser chato, a gente muda esse país.

Nazareno Albuquerque – O Grupo de Comunicação o Povo e a Fundação Demócrito Rocha desejam agradecer a presença de todos. Queremos encerrar esse encontro prestando uma homenagem ao BNB pelos 20 anos do CrediAmigo, o maior programa de crédito da América do Sul e importante instrumento de desenvolvimento da região nordestina.

Participantes NAZARENO ALBUQUERQUE coordenador geral do Fórum e moderador LÚCIA DE FÁTIMA BARBOSA DA SILVA gerente de ambiente do BNB

GERMANO BLUHM assessor técnico da diretoria do Sebrae-CE JOSÉ TARCÍSIO DA SILVA presidente da Comigro (Confederação Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) DALVANI MOTA presidente da Femicro-CE (Federação das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte do Ceará) DHIEGO VIEIRA gerente regional Pessoa Jurídica da Caixa FRANCISCO EUDÁSIO ALVES DA SILVA diretor geral do Banco Social de Pajuçara (Banco Paju).

O p e r f il d o s to m a d o re s d e e m p r é stim o s d o B a n co é fo r m a d o p o r m u l h e re s, g e ral m e nte d e b a ixa e sco l a r id a d e, q u e o p ta m e m p re e n d e r n o co m é rcio Maracanaú possui o 2º maior PIB (Produto Interno Bruto) do Ceará, no entanto, 70% de sua população preenche o perfil para recebimento do Bolsa-Família (programa de transferência de renda do Governo Federal). Os dados são de 2015 e foram apresentados pela secretária de Assistência Social da Prefeitura, Yêda Castro. Como o programa não tem condições de atender a todo esse contingente é necessário buscar alternativas para ajudar essa população a obter renda digna para sua sobrevivência. É nesse contexto que os bancos solidários têm chance de atuar no financiamento a micro e pequenos empreendimentos. Segundo Francisco Eudásio Alves da Silva, coordenador do Banco Paju, criado para atender à demanda por microcrédito da população de aproximadamente 50 mil habitantes no distrito de Pajuçara (em Maracanaú), o surgimento desse banco solidário veio preencher uma lacuna deixada pelo modelo econômico implantado no município que só pensou no PIB, esquecendo-se das pessoas. Maracanaú abriga o primeiro e maior Distrito Industrial do Ceará. Eudásio diz que as empresas instaladas no DI não geram empregos suficientes para atender à demanda do município e quando as vagas surgem são para trabalhadores que tenham o ensino médio ou completo. “As pessoas que estão cadastradas no Bolsa-Família estão justamente na faixa abaixo do nível médio. Quando surgem oportunidades são apenas para o chão de fábrica”, lamenta. As ocupações com melhor remuneração, segundo ele, acabam ficando com profissionais de fora do município, então, esses recursos não são reinvestidos em Maracanaú.

Banco Paju O perfil dos tomadores de empréstimos do Banco Paju, em Pajuçara, é formado por mulheres, geralmente de baixa escolaridade, que optam empreender no comércio: venda de confecção, salão de beleza e venda porta à porta. A faixa média de financiamento fica entre R$ 1.200 a R$ 1.500 com prazo para pagamento em até 12 vezes. Infelizmente o banco não dispõe de carteira para ampliar esses valores ou o número de clientes (Hoje, são entre 300 a 500 clientes). “O ideal é que tivéssemos, até 2020, 1.000 clientes, o que é um número considerável e uma meta razoável já que a população de Pajuçara gira em trono de 50 mil habitantes”. A falta de dinheiro para linhas de crédito é, segundo Eudásio, o grande entrave para esse crescimento, já que o Banco Paju não pode abrir cadernetas de poupança, vender títulos ou possuir contas para depósito à vista. “O morador não tem como aplicar dinheiro no banco da comunidade, assim como os órgãos do governo que possuem a carteira do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) como BNDES e Ministério do Trabalho”. Para o coordenador do Banco Paju, o Governo Federal tem que regulamentar o sistema de microcrédito. Hoje, bancos solidários só podem fazer empréstimos em parceria com um banco público que, no caso do Banco Paju, é a Caixa. “A mudança da legislação seria permitir a redistribuição dos recursos disponíveis para o microcrédito. Hoje, 2% dos depósitos à vista podem ser aplicados no microcrédito ou depositados compulsoriamente no Banco Central. Os bancos de mercado preferem deixar no Banco Central. Eu sugiro que o Bacen repasse esse dinheiro para os bancos que querem operar com o microcrédito”, conclui Francisco Eudásio.


MICRO CRÉDITO 2030

FORTALEZA-CE, JANEIRO DE 2019

MICROCRÉDITO entre admissões e demissões dos últimos cinco anos. Nos doze meses encerrados em outubro de 2018, o varejo brasileiro gerou 45 mil vagas celetistas.

O crescimento dos trabalhadores por conta própria foi de 2,3%, atingindo 23,8 milhões de pessoas

Enquanto isso REBECCA FONTES/ESPECIAL PARA O POVO

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PNAD

Varejo pretende contratar mais em 2019 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, realizada pelo IBGE, revela que houve queda significativa na desocupação do trabalhador brasileiro, mas também revela que houve uma migração acentuada para a informalidade, que atingiu nível recorde

As expectativas positivas em relação ao desempenho da economia em dezembro de 2018, que apresentou avanço de 9,1% em relação a novembro, está fazendo com que empresários do setor de comércio, serviços e turismo apostem no crescimento da atividade econômica do país em 2019. O otimismo com a economia é tão grande que três em cada quatro varejistas pretendem contratar mais nos próximos meses. Na outra ponta, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo IBGE, revela que houve queda significativa na desocupação do trabalhador brasileiro. Longe de ser positivo, o dado revela que houve uma migração acentuada para a informalidade, que atingiu nível recorde na série histórica da pesquisa, iniciada em 2012. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) realiza, mensalmente, a pesquisa Índice de Confiança do Empresário do Comércio (Icec). Em dezembro de 2018, ela revelou o otimismo do empresário do setor varejista brasileiro para 2019. O chefe da divisão econômica da CNC, Fábio Bentes, diz que para 88,9% dos empresários ouvidos pela Icec, a economia vai melhorar no próximo ano. Bentes afirma que essa percepção se alinha às projeções para o PIB de 2019, capturadas pelo Banco Central, que indicam avanço de 2,5% da economia. A pesquisa de dezembro de 2018 revelou que as intenções de contratação para 2019 aumentaram 6,1% em dezembro. Segundo o levantamento, 75,2% dos entrevistados declararam que será necessário reforçar o quadro de funcionários das empresas do setor nos próximos meses. Esse é o maior índice de intenções de contratação desde agosto de 2013, quando 75,3% se mostravam dispostos a expandir o quadro de funcionários das empresas. No próximo ano, o setor poderá gerar mais de 80 mil postos formais de trabalho. Se confirmar-se, será o maior saldo

Se o cenário para o segmento varejista parece positivo, na outra extremidade temos o trabalhador perdendo seu emprego com carteira-assinada e ingressando exponencialmente na informalidade. Segundo o IBGE, a informalidade atingiu nível recorde na série histórica da PNAD, iniciada em 2012. A taxa de desocupação, em 2018, caiu para 11,6% no trimestre encerrado em novembro, mas, apesar de ter havido aumento de 1,1 milhão de pessoas ocupadas frente ao trimestre fechado em agosto, a maior parte dessas ocupações foram geradas no mercado de trabalho informal, onde houve aumento de 528 mil pessoas trabalhando por conta própria e cerca de 498 mil empregados do setor privado sem carteira de trabalho. Segundo Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, “desde o segundo trimestre de 2018, percebeu-se queda significativa da desocupação, o que seria uma notícia excelente não fosse o fato de ela vir acompanhada por informalidade. Ou seja, em termos de qualidade, há uma falha nesse processo de recuperação já que desde 2012 esse é o maior índice de informalidade medido pela PNAD Contínua”. Algumas atividades que mais cresceram são típicas da informalidade, como Comércio, reparação de veículos automotores e motocicletas (mais 266 mil pessoas), Alojamento e alimentação (mais 163 mil pessoas) e Outros serviços (mais 202 mil pessoas).

Sobrevivência Azeredo explica que a ausência de postos de trabalho com carteira assinada está gerando trabalhos voltados para a sobrevivência, como motorista de aplicativo, ambulantes e serviços de alimentação. E como essas atividades não proporcionam segurança financeira a essas pessoas, elas não investem na aquisição de bens e o mercado de trabalho não aquece, gerando um círculo vicioso. Ainda que a taxa de desocupação tenha caído em relação ao mesmo trimestre de 2017, quando foi 12,0% e frente a 2016 (11,9%), ela ainda representa quase o dobro do patamar de 2014, antes da crise econômica, quando registrava 6,5%. Em números absolutos são 12,2 milhões de pessoas em busca de trabalho no país.

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2030

DEPOIMENTOS SOBRE QUEM PEGOU MICROCRÉDITO

Rosa Maria de Jesus e Silva, 63 anos (Perfumaria e Cosméticos)

R a i e l l u M a i a Fe r n a n d e s , 32 anos (Doces ar tesanais)

Na época em que procurou o microcrédito do BNB, Rosa Maria trabalhava vendendo confecção num pequeno armarinho que montou em casa. “Na época eu ouvia muito rádio e soube que os agentes do CrediAmigo estavam em busca de empreendedores no Montese. Eu fui no posto do BNB naquele bairro, mas não deu certo porque eu não era lá do bairro”, recorda. Rosa Maria soube, depois, que haviam aberto uma agência do banco na Bezerra de Menezes. Então, formou um grupo com três outros empreendedores da região e conseguiram o crédito. “Meu grupo nunca deu problema para pagar as parcelas”,diz. A primeira experiência de Rosa Maria com o microcrédito foi para ampliar o ponto e aumentar sua casa. Ela desistiu do armarinho, há 6 anos, por causa dos prejuízos que vinha tendo com as clientes má pagadoras. Como Rosa Maria também trabalhava vendendo cosméticos e perfumaria, ela migrou totalmente para o novo negócio. E afirma que, mesmo com os prejuízos obtidos com as clientes da confecção, nunca atrasou as parcelas do CrediAmigo porque mantinha uma reserva financeira para emergências. No ponto que construiu ao lado de casa, ela divide com uma das filhas e diz que não teve mais problemas com o pagamento das clientes.

Raiellu entrou no microcrédito do CrediAmigo por meio da mãe, que já era cliente do programa. Na época ela fazia artesanato de biscuit e achou interessante ingressar no programa para adquirir matéria-prima para o negócio. No entanto, o mercado para sua produção ficou muito parado e ela migrou para a sua segunda atividade:produção de chocolates caseiros. Hoje, é essa a atividade que desenvolve e vive. “Montei um ponto em casa, para venda de balcão e entregas, mas acredito que 90% da minha produção é para entrega. Além dos chocolates, também produzo e comercializo bolos e picolés”. Ela pegou o primeiro empréstimo em 2005 e, desde então, perdeu as contas de quantas vezes recorreu ao microcrédito. “Já peguei empréstimos tanto em grupos quanto individual”, diz. Só de crédito individual ela afirma ter recorrido mais de cinco vezes. “Nunca tive dificuldade para acessar o crédito. Até mesmo durante as greves dos bancos, o pessoal do BNB indicava os locais para efetuar o pagamento das parcelas”. Raiellu diz não usar aplicativos para efetuar os pagamentos, pois prefere ir pessoalmente à agência. Para ela, isso não é uma dificuldade. A única crítica que faz é sobre a dificuldade para reunir o pessoal do grupo que tomou empréstimo.

F r a n c i s c o M á r c i o Fe r r e i r a A l v e s , 4 0 a n o s (depósito de material de construção) Márcio Alves é cliente relativamente novo do microcrédito. Há 5 anos, estimulado por um amigo, procurou o BNB atrás de crédito de R$ 600 que ele iria usar para ampliar o ponto e investir na compra de material. O valor, no entanto, só permitiu que ampliasse o estoque. “Eu queria pegar mais, mas como eu estava entrando pela primeira vez no microcrédito, só pude pegar esse valor que era o limite”. Alves diz que, no começo, foi fácil pagar as parcelas, mas admite que, algumas vezes, teve dificuldades para manter-se em dia. Houve um período em que as vendas caíram e ele fez dívidas junto a fornecedores. “Quando você pega microcrédito para investir no seu negócio, o retorno financeiro vem, mas quando você pega empréstimo para pagar dívidas e contas, a coisa fica mais difícil”, lembra. Para não ficar inadimplente junto ao banco e fornecedores, Seu Francisco admite que teve que vender patrimônio. Hoje, com a melhora das vendas e com um negócio extra que colocou ao lado do seu depósito (uma metalúrgica), ele garante que não teve mais problemas.


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MICRO CRÉDITO 2030

ARTIGO

Microcrédito: instrumento de inclusão financeira e desenvolvimento P O R C O N C E I Ç Ã O FA H E I N A ( C o n s u l t o r a e a s s o c i a d a d o I A D H – I n s t i t u t o de Assessoria para o Desenvolvimento Humano, para realização de Projetos de inclusão financeira e produtiva) O Microcrédito (MC) é um tema relevante para milhões de pessoas em todo o mundo. Ele representa um dos mais importantes instrumentos de redução das desigualdades e de promoção da inclusão financeira e social para a camada da população na base da pirâmide empresarial. Não só no Brasil como no mundo inteiro. O público alvo são pessoas que necessitam de uma oportunidade de acesso ao crédito para comprar matéria-prima e alguns equipamentos para produzir seus produtos, vender e melhorar sua renda familiar. Muitas delas não têm como obter estes empréstimos porque as instituições financeiras temem o risco de não receber de volta o dinheiro, já que eles não possuem renda comprovada, garantias e têm poucos controles contábeis. Algumas Organizações não sabem que existe a metodologia do microcrédito que permite o acesso de forma adequada a estes clientes potenciais. O MC é muito mais do que um crédito de pequeno valor. É uma tecnologia de produtos, processos e gestão adequados ao público de baixa renda. Consiste numa metodologia de crédito inovadora que permite a concessão de empréstimos a empreendedores sem garantias reais, que nunca tiveram acesso a bancos, em condições adequadas de valores, prazos, garantias solidárias e formas de pagamento. Foi desenvolvida para garantir o acesso e minimizar o risco na concessão de crédito e envolve a construção de uma relação de confiança entre a organização e o cliente. Os produtos financeiros são desenhados (concebidos) de forma a se adequar ao porte de cada cliente, com valores pequenos, depois crescentes. Os prazos em geral são curtos, compatíveis com a real necessidade e a capacidade de pagamento dessas pessoas. A forma de acesso tem procedimentos simplificados, com pouca burocracia, mais ágil e com acompanhamento pelo agente de crédito desde a promoção até a renovação do crédito.

O contexto O mundo vive uma era de contradições. Há uma ambiência de enormes desigualdades, não só entre países, mas no interior deles, entre pessoas, entre raças, entre homens e mulheres. No mundo, oito pessoas detêm o mesmo patrimônio que a metade mais pobre da população. Ao mesmo tempo, mais de 700 milhões de pessoas vivem com me-

nos de US$ 1,90 por dia . No Brasil, a situação foi diagnosticada bem pior: somente seis pessoas possuem riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões de brasileiros mais pobres. Além disso, os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que os demais 95%. Segundo o último Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Brasil é o 10º país mais desigual do mundo, num ranking de mais de 140 países. A estratégia de combate a esta pobreza e a desigualdade não significa transformar pessoas e comunidades em beneficiários passivos e permanentes de programas sociais, que não geram participação, ao contrário, geram baixa autoestima, dependência, perda de oportunidades.

A criação Como incluir os excluídos? O MC foi criado porque constitui uma ferramenta para reduzir a pobreza, promover uma maior distribuição de renda, reduzir a migração do campo para a cidade, aumentar a produção e melhorar a segurança alimentar. Não há dúvidas que contribui para apoiar as atividades econômicas e chegar aos segmentos mais excluídos, reduzir a vulnerabilidade dos pobres, empoderar as mulheres e suas famílias, promover o desenvolvimento dos microempreendedores, promover trabalho e renda como uma política de governo para o crescimento com inclusão e distribuição da riqueza. Além disso, é importante ressaltar que a educação financeira deve ser a porta de entrada para obtenção do crédito. Ela fornece as habilidades para que

as pessoas administrem o seu dinheiro de forma eficiente, transmite conhecimentos para o bom uso do dinheiro, ou seja, gastar com cautela, poupar, consumir de forma consciente, fazer empréstimo e investir com sabedoria, como enfrentar as dificuldades e construir um patrimônio; como obter receitas que ajudam a administrar seu dinheiro nos períodos de crise. Há uma evolução que percorreu a década de 90 e, no final, chegou à conclusão que os mais pobres precisavam de mais produtos do que somente o microcrédito. Surgiu, então, as microfinanças que constituem a prestação de uma gama de serviços financeiros (além do MC, a poupança, seguro, transferências, serviços bancários) para a população de baixa renda, excluída do sistema financeiro tradicional. Em 1999 surgiu o G20, cuja intenção foi unir, num mesmo grupo, as potências desenvolvidas e nações emergentes. Os países do G20 são representados por seus ministros da área econômica e presidentes de bancos centrais. Em 2000 foi constituído o Grupo de Especialistas em Inclusão Financeira no âmbito do G20. Na década de 2000 a 2014 a inclusão financeira surgiu e se converteu em uma prioridade universal que foi confirmada pelos Objetivos do Desenvolvimento Sustentáveis determinados pelas Nações Unidas para 2030. Dentro dos 17 objetivos do Desenvolvimento a inclusão financeira é tema fundamental para o progresso das nações e cinco deles são especificamente vinculados para a necessidade de um acesso mais massificado, de forma universal, aos serviços financeiros.


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