FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS CENTRO DE ESTUDOS EM SUSTENTABILIDADE – FGV-CES
Movimentos Transfronteiriços e Disposição de Resíduos de Equipamentos Eletro-Eletrônicos
Marcus William M. de Oliveira
Trabalho apresentado a Disciplina de Aspectos Ambientais e Negócios do Curso de MBA em Gestão de Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas – São Paulo.
FGV 2010
1. INTRODUÇÃO De acordo com o Relatório “Recycling: From E-Waste to Resources” (2009) do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) da Organização das Nações Unidas (ONU), a indústria de equipamentos eletro-eletrônicos revolucionou o mundo nas últimas décadas. Estes equipamentos se tornaram utilidades do dia a dia na vida atual do planeta e sem estes produtos a vida moderna dos países industrializados e em desenvolvimento seria quase impossível. Estes produtos nos atendem em áreas como Medicina, Educação, Saúde, Alimentação, Comunicação, Segurança, Proteção Ambiental e Cultura. Tais aparelhos incluem eletrodomésticos como refrigeradores, máquinas de lavar, telefones celulares, computadores pessoais, impressoras, brinquedos e televisores. Em relação a quantidade destes produtos comercializados no mundo, só em 2005 foram comercializados 9,3 milhões de toneladas de produtos eletro-eletrônicos na União Européia. A quantidade destes produtos aumenta a cada dia, o que trás a tona um problema muito maior, que é a disposição destes equipamentos quando alcançam o final de sua vida útil. Widmer et all (2005) discutiram que apenas em 2004 aproximadamente 100 milhões de Computadores Pessoais se tornaram obsoletos e que aproximadamente 8% de todo resíduos gerado, são Resíduos de Equipamentos Eletro-Eletrônicos (REEE). Uma forma dos países desenvolvidos se livrarem deste problema, por muito tempo foi exportar este resíduo para países subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Em 1991, o economista Lawrence Summers, então economista chefe do banco mundial, falou sobre como lucrativo seria enviar resíduos perigosos dos países de primeiro mundo para os países subdesenvolvidos. Ele argumentou que: • Países com economias de baixo salários perderiam pouco em produtividade pelo “Aumento da Mortalidade e Morbidade” desde que o custo de recuperação é mínimo; • Os países menos desenvolvidos, especialmente os do continente africano estão “Sub-Poluídos” e desta forma poderiam assumir os benefícios de um esquema de comércio de poluentes, pois eles possuem ar e água de reserva; e que • Proteção ambiental por motivos de “Estética e Saúde” são essencialmente luxúrias dos ricos, pois mortalidade é um problema muito maior nestes países e que os mínimos efeitos do aumento da poluição não seriam nada perto dos problemas que eles já enfrentam. Um dos exemplos sobre o combate contra este tipo de pensamento é a Convenção de Basiléia sobre o Movimento Transfronteiriço de Resíduos Contaminantes e a sua Disposição de 1989, realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e em ação desde 1992. A Convenção coloca um ônus sobre os países exportadores para assegurar que o tratamento dos resíduos contaminantes será efetuado de forma amigável ao meio ambiente nos países importadores. A parte dos Estados Unidos, Haiti e Afeganistão todos os outros 164 países signatários ratificaram a convenção. Desta forma a movimentação transfronteiriça de resíduos eletro-eletrônicos é regulamentada pela Convenção de Basiléia (PNUMA,1989), pois eles são considerados perigosos aos
humanos e ao meio ambiente sob a lista A do Anexo VIII da Convenção. De acordo com as diretivas WEEE e RoHS da União Européia (2002), possuem substancias altamente tóxicas como Cádmio, Mercúrio e Chumbo. Porém o lixo-eletrônico também contém substâncias valiosas tais como ouro e cobre. A recuperação destes metais se tornou um negócio muito lucrativo, o que resulta em um comércio global destes resíduos. De acordo com Widmer et all (2005) países como China e Índia encaram um rápido aumento na quantidade de lixo eletrônico, tanto de geração interna como de importações ilegais. Para economias emergentes, este fluxo de material dos resíduos importados não oferece apenas uma oportunidade de negócios, mas também satisfazem a demanda por equipamentos eletroeletrônicos de segunda mão. Além do mais, a ausência de regulamentação ou o não cumprimento de leis já existentes promove o crescimento de um mercado informal nestes países em desenvolvimento. Um setor econômico inteiro tem se formado através de comercialização, conserto e recuperação de materiais advindos de aparelhos eletrônicos. Enquanto isso tem sido uma fonte de subsistência em comunidades pobres, rurais ou urbanas, tem também trazido sérios riscos para as pessoas e para o meio ambiente local. A maioria dos participantes nestes setores não tem conhecimento sobre estes riscos, não conhecem melhores práticas laborais ou não têm acesso a investimentos que melhorariam as condições e a lucratividade da atividade. Leung et all (2006), demonstram que os níveis de poluição ambiental e contaminação da população envolvida no processo de manipulação dos resíduos eletro-eletrônicos no distrito de Guiyu no Sudeste da China são muito maiores do que os níveis máximos permitidos em países desenvolvidos como Canadá e Holanda. De Acordo com Terazono et all (2006) a maioria deste lixo eletrônico tratado na região de Guiyu são exportados por Coréia, Japão e Estados Unidos. Porém nem tudo relativo ao lixo eletrônico é negativo, e pretendemos agora abordar algumas das atitudes tomadas pelos vários atores da sociedade civil, como Instituições Internacionais, Governos, ONGs, Iniciativa Privada para minimizar os impactos destes produtos no meio ambiente.
2. ASPECTOS POSITIVOS 2.1 Internacional A União Européia foi pioneira em legislar sobre o resíduos eletro-eletrônico, porém ela não se limitou a criar normas para o seu descarte, mas também pela sua produção. A Diretiva sobre a Redução de Substâncias Perigosas (RoHS) criada pela comunidade em 2002, trás normas relativas ao banimento do uso de substâncias como Chumbo e Mercúrio na produção dos Equipamentos Eletro-Eletrônicos. Outra Diretiva criada pela União Européia em 2002 é sobre o Descarte de Equipamentos Eletro-Eletrônicos (WEEE), que cria normas sobre o descarte destes equipamentos, inclusive em relação ao Eco-Design, aonde os aparelhos não devem ser pensados apenas para a manufatura, mas também para a sua desmontagem (Manufatura Reversa). Os equipamentos devem ser criados pensando na sua reciclagem depois do final do ciclo de vida, utilizando materiais de fácil reinserção no processo produtivo, diminuição de impactos ambientais e economia de recursos naturais. Além disso, esta diretiva também cria normas aos países membros sobre a coleta, tratamento e valorização dos aparelhos eletro-eletrônicos no final de sua vida útil. A diretiva WEEE define
alguns papéis relacionados ao financiamento dos processos envolvidos e de quem é a responsabilidade em cada uma das etapas deste descarte. Em Julho de 2009 o PNUMA divulgou pela primeira vez o relatório intitulado: Recycling: From E-Waste to Resources; que faz um levantamento da situação do Lixo Eletrônico no mundo, das reais soluções já em operação em países desenvolvidos a situação precária no mundo em desenvolvimento. Porém o relatório trás também possíveis soluções para os países emergentes. O relatório do PNUMA mostra que no descarte dos resíduos eletro-eletrônicos estão envolvidos três processos diferentes, sendo eles: Coleta (Logística Reversa); PréProcessamento (Desmontagem, Descaracterização e Separação) e Processamento Final (Final Disposição, Reciclagem ou Tratamento). O relatório também fala da importância de estes três processos interagirem de forma eficiente para otimizar a recuperação máxima de materiais no processo de reciclagem. O relatório demonstra quão importante é o papel do poder público neste processo e vamos discutir um pouco mais sobre como os governos Federal e Estaduais vem trabalhando no Brasil:
2.2 Brasil Em 06 de Julho de 2009 o Governo do Estado de São Paulo promulgou a Lei 13.576 que legisla sobre o Gerenciamento e a Destinação Final dos Resíduos Tecnológicos. Esta lei coloca certa responsabilidade compartilhada para a destinação final dos equipamentos eletroeletrônicos sobre aqueles que produzem, comercializam ou importam tais produtos e seus componentes. Porém a lei não prevê nenhum tipo de participação do Estado na reciclagem ou destinação final destes produtos. No âmbito federal o Brasil não possui nenhum tipo de regulamentação, porém no dia 10 de Março de 2010 foi aprovada na Câmara dos Deputados em Brasília, depois de 19 anos tramitando na casa, a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS) que legisla sobre a disposição dos resíduos, inclusive os REEE. Porém a PNRS ainda aguarda aprovação no Senado, para então ser sancionada pelo Presidente da República. A PNRS fala sobre as responsabilidades e cria também uma responsabilidade compartilhada em produtores, comércio, importadores, poder público e usuários finais. Do Ponto de vista técnico, dos três estágios descritos pelo relatório do PNUMA, Coleta (Logística Reversa); Pré-Processamento (Desmontagem, Descaracterização e Separação) e Processamento Final (Final Disposição, Reciclagem ou Tratamento), o Brasil já tem algumas modestas iniciativas em todos os campos, porém muito dependentes da iniciativa privada.
2.2 Iniciativa Privada Muito do que tem sido feito no Brasil em relação ao descarte dos REEE é por ação de empresas privadas que normalmente atuam especificamente em um dos estágios ou apenas em parte de um estágio. Algumas empresas de logística já tem atuado como agentes de coleta de resíduos eletrônicos, aonde pessoas físicas podem agendar uma coleta e arcar com os custos deste processo. Algumas empresas tem trabalhado no segundo estágio do processo, estas são empresas especializadas na Manufatura Reversa dos equipamentos eletrônicos. Elas trabalham com a desmontagem e separação dos diferentes tipos de material que estão contidos dentro dos REEE, depois deste processo estas empresas encaminham estes materiais para o último estágio que é o Processamento Final, que pode ser feito através da Reciclagem ou Tratamento, como Incineração, Co-Processamento, Aterro Sanitário. Em relação a Reciclagem o Brasil possui uma grande estrutura para processamento de metais, como por exemplo o Alumínio (Al), onde o país é líder mundial na sua reciclagem, porém para o processamento final de componentes eletrônicos como Placas de Circuito Integrado, Processadores, o Brasil não possui nenhum tipo de estrutura. Porém estas unidades de processamento que possuem um alto índice de recuperação de metais são apenas 05 empresas privadas no mundo (Alemanha, Bélgica, Canadá, Japão, Suécia) e são estruturas de centenas de milhões de euros e não podem ser replicadas em cada país do mundo.
3. CONCLUSÃO Este trabalho conclui que o problema da destinação dos resíduos de equipamentos eletroeletrônicos foi por muito tempo tratado como um passivo ambiental e que este problema poderia ser simplesmente exportado para um país menos favorecido. Porém por ação de grupos organizados como ONGs e Organizações Internacionais iniciou-se um processo de fiscalização e um maior controle destes países que recebiam este tipo de material. A Convenção de Basiléia foi um marco neste sentido, porém ainda não é suficiente, ela regula o envio de resíduos, mas não de equipamentos de segunda mão, para reuso, o que abre um espaço para um comércio ilegal destes produtos. Hoje se sabe que estes produtos com um tratamento adequado, podem receber um acréscimo de valor e serem novamente inseridos na cadeia produtiva. Este processo visa fechar o Loop dos materiais e trás grandes benefícios para o meio ambiente, reduzindo a extração que matérias virgens da natureza, diminuindo impactos ambientais, e conseqüentemente reduzindo emissões e diminuindo a poluição. O Brasil têm muito que avançar na criação de normas para o gerenciamento dos resíduos, mas um grande passo já foi dado com a aprovação do Projeto de Lei da PNRS, mas isto só será efetivo se for realmente colocado em ação e se todos os atores da sociedade civil forem incluídos no processo, principalmente o poder público. Este trabalho sugere também a criação de centros públicos de tratamento deste tipo de resíduos, aonde poderia se incluir pessoas de baixa renda e escolaridade, que com a devida capacitação poderiam trabalhar nestes centros, como sugerido pelo relatório sobre e-waste do PNUMA. O que poderia trazer inclusão social, criação de emprego e renda e ainda preservação ambiental.
A Organização aonde eu trabalho (www.recicloambiental.com), é uma das empresas que atua no estágio de Pré-Processamento do REEE, trabalhamos também com consultoria e estamos criando um projeto em parceria com o Instituto Sustentabilidade e Inovação de Campinas, na criação de um centro de reciclagem para região, trabalhando no sistema de cooperativa com a comunidade carente da Região Metropolitana de Campinas (RMC).
4. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS United Nation Environment Program; STEP Initiative - Recycling: From E-Waste to Resources; 2009 http://www.step-initiative.com EU. Directive 2002/96/EC of the European parliament and of the council of 27 January 2003 on waste electrical and electronic equipment (WEEE) — joint declaration of the European parliament, the council and the commission relating to article 9. Official Journal L037:0024-39 [13/02/2003; 2002a http://europa.eu.int/eurlex/en/]. EU. Directive 2002/95/EC of the European Parliament and of the Council of 27 January 2003 on the restriction of the use of certain hazardous substances in electrical and electronic equipment (RoHS). Official Journal L037, 13/02/2003 p. 19– 23; 2002b (http://europa.eu.int/eur-lex/en/). UNEP, Secretariat of the Basel Convention, Geneva, Switzerland - (2005) www.basel.int Yoshida A,Aramaki T, Hanaki K (2004) E-waste recycling in China – can the new formal sector beat the informal sector? In: Proceedings of The Third Workshop on Material Cycles and Waste 11 Management in Asia (NIES E-waste Workshop), December 14–15, NIES, sukuba, Japan Leung A, Cai ZW,Wong MH (2006) Environmental contamination from electronic-waste recycling at Guiyu, Southeast China. In: Proceedings of The Third Workshop on Material Cycles and Waste Management in Asia (NIES E-waste Workshop), December 14–15, NIES, Tsukuba, Japan Terazono, A., Murakami, S., Abe, N., Inanc, B., Moriguchi, Y., Sakai, S., Kojima, M., Yoshida, A., Li, J., Yang, J., Wong, MH, Jain, A., Kim, I., Peralta, G., Lin, C., Mungcharoen, T., Williams, E. (2006) Current status and research on E-waste issues in Asia; J Mater Cycles Waste Manag (2006) 8:1–12 ©, Japan Widmer,R.,Oswald-Krapf, R.,Sinha-Khetriwal, D.,Schnellmann,M.,Bo¨ni, H. Global perspectives on e-waste; Environmental Impact Assessment Review 25 (2005) 436– Switzerland
5. REFERENCIAS DE INTERNET http://www.unep.org http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/MEIO-AMBIENTE/145758-CAMARA-APROVA-POLITICANACIONAL-DE-RESIDUOS-SOLIDOS.html http://www.counterpunch.org/summers.html http://www.reciclometais.com.br http://www.recicloambiental.com