Organização: Mário Ribeiro Recife - 2008
Prefeito do Recife João Paulo Lima e Silva Vice-prefeito do Recife Luciano Siqueira Secretaria de Coordenação Política de Governo Marcos Túllius Assessor Executivo Luiz Torres Neto Secretária de Gestão Estratégica e Comunicação Social Lygia Falcão
Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico Djalma Paes Assessor Executivo Aurélio Molina Secretaria de Direitos Humanos e Segurança Cidadã Karla Menezes Assessor Executivo Cel. José Ramos Secretaria de Saneamento José Marcos de Lima
Assessor Executivo George Meireles
Assessor Executivo Jorge César
Secretaria de Planejamento Participativo, Obras e Desenvolvimento Urbano e Ambiental João da Costa
SECRETARIA DE CULTURA
Assessor Executivo Paula Mendonça Secretaria de Finanças Elísio Soares Assessor Executivo Angela Weber Secretaria de Assuntos Jurídicos Bruno Ariosto Assessor Executivo Raimundo Fernandes Secretaria de Serviços Públicos Amaro João da Silva Assessor Executivo Antônio Valdo Secretaria de Saúde Tereza Campos
Secretário de Cultura João Roberto Peixe Assessor Executivo Mária do Céu César Assessor Especial André Brasileiro Diretora de Captação de Recurso e Marketing Cultural Jucy Monteiro Diretora de Preservação do Patrimônio Cultural Franciza Toledo Gerente de Preservação do Patrimônio Cultural Imaterial Carmem Lélis Gerente do Centro de Formação, Pesquisa e Memória Cultural – Casa do Carnaval Eduardo Pinheiro FUNDAÇÃO DE CULTURA CIDADE DO RECIFE
Assessor Executivo Ilka Falcão
Diretor Presidente Fernando Duarte
Secretaria de Educação Esporte e Lazer Maria Luiza Aléssio
Diretor de Desenvolvimento e Descentralização Cultural / Coordenador Geral do Ciclo Junino Beto Rezende
Assessor Executivo Edna Garcia Secretaria de Administração e Gestão de Pessoas Fernando Nunes Assessor Executivo José Carlos Andrade Secretaria de Assistência Social José Bertotti Secretaria de Turísmo Samuel Oliveira Assessor Executivo Carlos Baga Secretaria de Habitação Isabel Viana Assessor Executivo Luiz Antônio
Diretora Administrativo-Financeira Sandra Simone dos Santos Bruno Assessora Técnica para Projetos Especiais Séphora Silva Gerente de Formação Cultural Zélia Sales Gerente de Artes Cênicas Albemar Araújo Gerente de Serviços Pedagógicos Mário Ribeiro Gerente de Serviço de Produção Gráfica Lúcia Helena N. Rodrigues
Apresentação
Debruçar-se no universo das práticas cotidianas do fazer quadrilha junina e tornar público um trabalho desta natureza é um grande desafio, tendo em vista que as ferramentas para sua criação foram fornecidas pelo diálogo cotidiano com a comunidade produtora e pelo exercício constante do nosso ofício como gestores públicos, cuja responsabilidade, entre outras, é ampliar a reflexão em torno do conhecimento, da valorização e da preservação dos nossos bens culturais. Uma das nossas primeiras angústias foi trabalhar o olhar no sentido de não deixar que toda a carga de experiência profissional induzisse completa e cegamente a forma de compreender a dinâmica e a importância dessa manifestação da experiência humana transfigurada naquilo que culturalmente conhecemos como quadrilha junina. Estabelecido o lugar de onde se via, tornou-se mais fácil perceber a teia de relações sociais que cerca esta manifestação, impedindo que mostrássemos o presente trabalho meramente pelo ângulo do espetáculo; posto estarmos diante de um conjunto de ações e atividades que reverberam para além das fronteiras da espetacularização; pois interage, direciona e transforma o cotidiano de milhares de jovens do Recife e Região Metropolitana, popularmente conhecidos como quadrilheiros. Essa percepção nos fez caminhar por uma trilha que nos levou não ao arraial, ao momento em que a quadrilha já se encontra pronta para a sua apresentação, mas aos galpões alugados pelos grupos, às casas dos dirigentes, às reuniões para discussão do tema, aos locais de prova do figurino, aos ensaios, às farras dentro dos ônibus a caminho dos arraiais, às horas de desespero quando um integrante desmaia após várias apresentações numa mesma noite....
Acreditamos que ao vasculhar as camadas constitutivas de um dado saber fazer quadrilha, iniciamos um paciente trabalho de desconstrução, de desmontagem do quebra-cabeça, a fim de nos aproximarmos e compreendermos melhor de que forma a manifestação se relaciona com a vida de quem a faz, de que maneira envolve a comunidade, como constrói e reforça valores e identidades, e até que ponto possibilita o surgimento de uma vasta cadeia produtiva, ao contribuir para a mobilização do comércio através da compra e venda de tecidos e aviamentos, material para a produção, contratação de funcionários; como contribui para a formação de jovens nos campos da música, da dança, da marcenaria, cabelo e maquiagem, teatro, iluminação, produção artística, costura, entre tantas outras formas de profissionalização. Diante desses processos que se abrem para o infinito, partimos em busca dos grupos de forma criteriosa; estabelecemos recortes, elaboramos perguntas, estudamos, fomos a campo, fotografamos, gravamos as falas. Momentos de emoção, que ao passarmos para o papel foram censurados de toda a teatralidade que os saberes orais implicam; torturados pelo método da escrita. Onde ficaram os gestos, os sorrisos, o brilho nos olhos, os cheiros? Podemos colocar entre parênteses a palavra risos? Será que na fala as emoções ocupam esse lugar à parte? Para nosso alento, resta-nos usar a criatividade, e visualizar, da melhor maneira possível, os fragmentos de fala costurados ao longo dos textos, mas suficientes para perceber a complexidade do trabalho dos quadrilheiros no momento da pesquisa do tema, por exemplo, quando eles, os quadrilheiros, fazem voltar ao fluxo do tempo, músicas, personagens, expressões lingüísticas e movimentos. Um paciente e talentoso trabalho de seleção e recriação do passado, que emerge renovado para legitimar práticas cotidianas imbricadas às necessidades e aos embates do presente.
Nesse sentido, esses brincantes transformam o espaço da quadrilha em lugares onde possam crescer e/ou divulgar interpretações acerca de si próprios, dos outros e do conjunto da sociedade, demarcando, dessa forma, a emergência de uma nova temporalidade. Diante dessa dinâmica de encontros e descobertas, as Gerências de Artes Cênicas e de Formação Cultural da Fundação de Cultura Cidade do Recife apresentam ao grande público a 3ª edição da Plaquete Quadrilhas Juninas: continuidades e (des) continuidades nos caminhos da festa. É nosso desejo que esse conjunto de textos, que se descortinam aos olhos dos leitores, proporcione debates e reflexão; gere dúvidas; estimule a repensar o que tinham como certeza e verdade a respeito das quadrilhas juninas. Esperamos também que critiquem o trabalho que ora apresentamos, pois acreditamos que, muito mais que os elogios, as críticas são indispensáveis para o fazer crescer; nos faz pensar, nos faz rever nossas certezas e relativizar nossas verdades; reafirmando sempre a nossa condição de sujeitos que se constituem e se desmancham na própria dinâmica do tempo histórico.
Gerência de Artes Cênicas / FCCR
Albemar Araújo Gerência de Formação Cultural / FCCR
Zélia Sales
Sumário No caracol da vida , a grande roda gira................09 Os Quadrilheiros Os ensaios
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Um sistema em processo: as partes do todo..........17 O tema
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A primazia visual: adereços e figurinos
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29 Casamento 37 Coreografia
Repertório musical Marcador
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Esse brinquedo custa caro.....................................47 Para fazer é preciso refazer sempre........................53 No Festival Pernambucano de Quadrilhas.............57 só há processos e metamorfoses, sem veredicto
Memória Iconográfica das Quadrilhas...................63 Anexos................................................................. 75 Referências...........................................................93
Quadrilha Junina Dona Matuta
Compositor de destinos, por ser tão inventivo e parecer contínuo, o tempo para o quadrilheiro se move numa temporalidade própria regido pela data do São João. De modo que para isso ficam guardados em sigilo os preparativos de um processo que tem início num ano, se põe em marcha e só se realiza no ano seguinte. Assim, em cada ciclo o São João do quadrilheiro nasce, morre e renasce de forma ininterrupta. Um ciclo que muitas vezes penetra no outro de tal forma que nenhum tempo é deixado vazio e o ano rotineiro seja sempre o ano do São João. No caracol da vida de uma quadrilha junina, a grande roda gira, movendo-se (construindo-se) na sucessão ininterrupta de suas festas anuais, que se distinguem entre si primordialmente pelos diferentes temas levados pelos grupos aos arraiais . Assim, as quadrilhas, a cada ano, estabelecem redes de reciprocidade que atravessam diferentes bairros e diferentes grupos sociais. O São João começa sendo discutido por alguns e se espraia em círculos concêntricos, agregando em torno de si um número cada vez maior de pessoas até o momento em que essa imensa rede aparece nos arraiais para toda a cidade. Em geral, os grupos se organizam segundo um padrão que é aproximadamente o mesmo para todos: o anúncio do novo tema, a elaboração dos desenhos dos figurinos, a escolha das cores, dos tecidos, dos adereços, seleção musical, montagem da coreografia, casamento, reuniões, ensaios, sempre obedecendo a uma seqüência na qual cada elo coloca gradualmente em cena atores diferenciados, vindos por vezes de meios socioculturais muito distintos.
1] Percebemos durante a pesquisa que as pessoas ligadas a esse mundo social têm como registro da memória de um São João não a data em que ele ocorreu, mas o tema que foi levado pela quadrilha ao arraial.
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Os Quadrilheiros
Quem são os quadrilheiros? Qual a importância que a quadrilha tem nas suas vidas? Por que participam desse movimento? O que fazem para colocar na rua um trabalho tão grandioso? São perguntas que nos vêem à mente quando nos deparamos com centenas de jovens reunidos em grupos nos muitos arraiais espalhados pela cidade, preparados para mostrar o resultado de meses de trabalho e dedicação. Os integrantes que fazem parte de uma quadrilha junina, comumente chamados de quadrilheiros, têm origens diversas. Pertencem a diferentes comunidades e níveis sociais. Alguns trabalham, estudam; outros trabalham e estudam; muitos se encontram desempregados. Diferentes na cor, no credo, no gênero e na faixa etária, os quadrilheiros encontram no fazer quadrilha, o principal ponto de convergência. Unidos pelos laços de parentesco, compadrio, amizade e vizinhança, a aproximação entre eles ocorre principalmente durante os ensaios, nas reuniões, onde se instala um clima de intimidade entre os participantes, o que facilita um maior contato; mesmo sendo de comunidades diferentes. Fazer parte de uma quadrilha junina é antes de tudo compreendêla como um espaço onde um grupo de pessoas tão diferentes entre si, mas ao mesmo tempo tão parecidas, brinca e se diverte, reconhece a si e aos outros, desenvolve aptidões e encontra nos seus pares um estímulo para caminhar por trilhas muitas vezes tortuosas. Para quem observa o grupo de fora, não percebe de imediato a complexidade da trama que envolve a construção de uma 12
quadrilha junina; não percebe a mobilização de pessoas e a importância que atribuem em todas as etapas desse sistema em processo de realização. Só um olhar mais aguçado é capaz de perceber que, simbolicamente, vivenciar uma quadrilha é criar, recriar, preencher de sabedoria e arte o cotidiano daqueles que fazem; é compartilhar descobertas, angústias, aflições, alegrias, tristezas, enfim, sentimentos que compõem o ato de se relacionar, de estar em conjunto. Nas sedes, nos galpões, nas escolas, nas casas dos representantes ou até mesmo na rua, os encontros que se iniciam semanais e terminam diários, fortalecem o vínculo entre os integrantes da quadrilha. Segundo Menezes “é o lugar onde comungam símbolos, valores e experiências, conhecem e reconhecem pessoas, utilizam vocabulário, datas e eventos particulares, recriam uma identidade peculiar com relações embasadas na cooperação, amizade e lealdade”. “Pode não parecer importante quadrilha, mas ela ainda é um dos maiores movimentos culturais do nosso estado e que faz com que a parte social seja trabalhada, ela entra em atividade, ela faz com que as comunidades estejam juntas, ela une famílias, ela oferece empregos diretos e indiretos, porque a gente contrata, a gente paga mão- de- obra, isso tem ajudado nos bairros.” (Wellington – China) “A competição sempre existiu, mas hoje, está mais aguçada porque existe um nível de profissionalismo muito grande. Existem vários segmentos artísticos dentro de uma quadrilha junina como artista plástico, diretor de teatro, sonoplasta, diretor de arte, cabeleireiro, maquiador, fonoaudiologia para trabalhar técnicas vocais com o grupo, músicos e muitos outros.” (Hallyson Melo - Junino)
2] MENEZES NETO, Hugo. Quadrilha junina: uma abordagem antropológica. (Texto apresentado no II Seminário de Quadrilhas Juninas) Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2007. Mimeografado. 3] Depoimento de Wellington, quadrilheiro, figurinista e coreógrafo da Quadrilha Menezes da Roça. Op. Cit. 4] Depoimento de Hallyson Melo, quadrilheiro e produtor cultural. Entrevista realizada por Marla Derzi, em 25/4/2008. Acervo Gerência de Formação Cultural / Fundação de Cultura Cidade do Recife.
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Os ensaios
Quadrilha Junina Sanfona Branca
Quando está perto do São João, dos concursos, véspera de Pernambucano, de Globo, de Sesc, a gente fica até meia-noite pra limpar a coreografia. Quando chega perto de concurso, tem grupo que ensaia todos os dias, tem grupo que não. Tem grupo que fica segunda, quarta e sexta-feira; tem grupo que fica segunda e terça-feira e só volta no sábado. Geralmente a maioria quando chega perto ensaia todos os dias.
De um modo geral, de acordo com os vários depoimentos, as quadrilhas realizam um processo semelhante de organização dos seus ensaios. Sejam em locais fechados como escolas e galpões ou abertos como praças e ruas, os ensaios têm início alguns meses após o São João. Os primeiros encontros acontecem entre outubro e novembro, quando se reúnem para discutir temas, ensaios ou ainda resquícios do São João. Passadas as festividades carnavalescas, os 5] Depoimento de Perácio Gondim Jr, quadrilheiro e ex-coreógrafo da Quadrilha Junina Traque de Massa. Entrevista realizada por Mário Ribeiro, em 7/3/2008. Acervo Gerência de Formação Cultural / Fundação de Cultura Cidade do Recife.
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ensaios começam a acontecer com mais freqüência, geralmente duas vezes por semana. Durante os ensaios, o clima é festivo. A vizinhança se aproxima e o local se transforma num grande espaço de encontro, conversas, risos, descontração e brincadeiras. Muitos moradores aproveitam o movimento da rua para vender, diante das portas de suas residências, lanches, bombons, sorvetes, pipocas, cachorros-quente. Nesses encontros, seja para ensaiar, provar figurino, colar chapéus e calçados ou pintar painéis, os quadrilheiros reafirmam o sentimento de pertencerem a um mesmo grupo, assumem compromissos, responsabilidades. [..] Antigamente começava desde setembro. Hoje, como a gente não tem mais espaço, começa a partir de novembro. A gente encaminha um ofício para escola e esperamos um prazo pra liberar o espaço. Agora, a gente ensaia desde novembro, respeitando os calendários do ciclo folclórico, parando no Natal, no Carnaval, no Ano Novo. São duas vezes na semana, sábado e domingo, que é o horário disponível na escola, das 19 às 22 horas. É terminantemente proibido passar do horário, por causa do som para não incomodar os vizinhos. Quando vai chegando o São João, a gente aumenta um pouco a escala do domingo, começando à tarde até as 22h e depois a gente vai pra rua na comunidade. Aí durante a semana, fica duas e três vezes na semana, porque tem muita gente que trabalha também e tem pessoas desde o 1° ano, que é um pessoal mais maduro. Hoje é como se fosse uma família, tem pessoas que se casaram na quadrilha e que têm filhos e leva-os para a quadrilha.
Com a aproximação do mês de junho, um clima de expectativa e nervosismo domina os ares dos ensaios; intensifica-se o limpar das coreografias, a preocupação com a harmonia do conjunto, o figurino que não fica pronto, a fita que acabou... O São João é a apoteose. É o momento da consagração. A hora, tão esperada para mostrar a produção, os desenhos coreográficos, o casamento, a trilha sonora... o resultado de mais um ano de intenso trabalho. 6] Depoimento de Adgelson Soares (Alegria), quadrilheiro, produtor cultural e coreógrafo da Quadrilha Moderna Fuzarca. Entrevista realizada por Marla Derzi, em 8/4/2008. Acervo Gerência de Formação Cultural / Fundação de Cultura Cidade do Recife.
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Quadrilha Junina Traque de Massa
O tema
{...] eu acho interessante o tema porque estimula a gente a se envolver mais com o que o grupo está abordando e tudo que está envolvido na montagem do trabalho. Como as quadrilhas hoje já vêm trabalhando com o tema, independente de ser item de julgamento ou não, ajuda a fortalecer e a tranqüilizar aquilo o que você está fazendo. [...] é uma espécie de nova ferramenta pra você mostrar melhor o seu trabalho, o que a quadrilha quer trazer pra coisa ficar mais amarrada, porque a maioria das vezes a gente se preocupa mesmo desde a escolha do figurino, na escolha das músicas, até elementos cênicos, como um todo. Então, existe essa preocupação, a gente sendo julgado realmente com o tema, isso dá um suporte maior na nossa apresentação.
Proposto em palavras, o tema consiste num conjunto de idéias que se traduz na escolha do repertório musical, no desenrolar da coreografia, na linguagem plástica e visual dos figurinos e adereços, os quais se submetem a diferentes leituras e interpretações. Colocar um tema na rua exige pesquisa e dedicação. O conhecimento sobre o assunto estimula a criatividade, que, inerente ao artista, leva-o a criar figurinos, adereços, alegorias; formas de comunicação e expressão abstratas, pertencentes a um universo próprio de quem faz e vivencia o brinquedo. De acordo com a quadrilha, a pessoa que idealiza o tema, apresenta-o ao grupo e sua execução varia de quadrilha para quadrilha . Uma vez acertado o tema, desenvolve-se a concepção do São João: elabora-se a sinopse, desenham -se os protótipos dos figurinos e os projetos gráficos dos cenários e adereços, fazse a seleção da trilha sonora, pensa-se no casamento, entre outros 7] Depoimento de Adgelson Soares. Op. cit. (nota 4). 8] São poucas as quadrilhas que contratam produtores culturais para idealizar e executar o tema de seu trabalho. No entanto, a maioria dos grupos encontra entre seus próprios integrantes aquele que apresenta uma idéia e a desenvolve com a participação de toda a quadrilha.
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elementos. Os depoimentos, a seguir, dos quadrilheiros Anderson Gomes e Adgelson Soares (Alegria), reforçam o pensamento anterior e legitimam o trabalho de pesquisa desenvolvido pelos brincantes no processo de elaboração de mais um São João. Minha primeira fonte de pesquisa após pensar o tema foi a internet e depois a biblioteca. Depois fui até a Casa do Carnaval, que tinha um material fantástico também sobre Vitalino que me ajudou muito. Então, eu voltei pra casa e comecei a reorganizar e criei um montante. Eu penso, [...] reúno tudo isso em um grande folhetim e escrevo tudo. Tanto de impressão de internet, de livro, mas também, todas as minhas considerações sobre tudo aquilo. Depois que eu percebo que já está tudo lá naquele grande folhetim eu olho e vejo o que posso fazer [...] Olhando pro tema de Vitalino, eu tentei dividir a coisa em dois mundos: Vitalino antes de ser artista, o ser humano, a família que ele teve, os filhos, o lugar que morou. E o artista. E me prendi a esses dois universos. O Vitalino humano eu pensei em desenvolver no casamento e toda parte da obra eu direcionei para o restante da quadrilha [...] Para o repertório eu pensei em músicas que falassem ou citassem obras que Vitalino fez, como a música do xaxado, que falava de Lampião e Maria Bonita, que ele também criou. Músicas que citavam os retirantes, que ele também fez. Aí já matei dois coelhos, o casamento já foi, o figurino já foi e o repertório também. Para o Marcador, eu não queria que ele ficasse sem ser identificado dentro do grupo. Se eu o trouxesse como um boneco, ele não ia ter nenhum destaque, então pensei nele como um turista visitando o Alto do Moura e se deparando com todas aquelas obras de barro, com o Alto do Moura que era a cenografia da quadrilha e contando tudo isso como se ele tivesse conhecendo. [...] Para montar o trabalho deste ano, nós assistimos ao documentário Obra de Santeiro, e a partir dele abriu-se um leque de pesquisa. Filmes como o Pagador de promessas, outro documentário Viva o São João! Revistas de época, livros. Como a história se passa na década de 1940, pesquisamos a musicalidade da época, mais uma vez em cima da obra de Luiz Gonzaga - base para o trabalho de figurino, maquiagem. [...] A gente se preocupa como as pessoas se vestiam, como se comportavam, a questão da devoção do sertanejo, já que estamos falando da fé e da alegria [...]10 9] Depoimento de Anderson Gomes, quadrilheiro e ex-produtor cultural da Quadrilha Junina Traque de Massa. Entrevista realizada por Mário Ribeiro, em 5/3/2008. Acervo Gerência de Formação Cultural / Fundação de Cultura Cidade do Recife. 10] Depoimento de Sérgio Trindade, quadrilheiro e marcador da Quadrilha Dona Matuta. Entrevista realizada por Marla Derzi, em 28/4/2008. Acervo Gerência de Formação Cultural / Fundação de Cultura Cidade do Recife.
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Em geral, os temas transitam por assuntos relacionados ao ciclo junino, como a devoção aos santos, o sincretismo religioso com as religiões afro-brasileiras, o plantio e a colheita do milho. Por outro lado, alguns grupos apresentam temas baseados em histórias de amor11; outros se inspiram na temática do cangaço; fazem homenagens a personalidades da cultura popular, etc. A importância atribuída ao tema nos últimos anos tem repercutido na escolha dos personagens, que só aparecem em cena se estiverem inseridos no contexto da história. Em função disso, muitos personagens, como a rainha do milho, a sinhazinha, o casal de ciganos, o bêbado, o soldado, a freira, a dama de lilás, entre outros personagens do universo das quadrilhas, não mais transitam livremente nos arraiais, silenciados temporariamente pelo girar da roda da vida. Alguns personagens vieram com a quadrilha estilizada logo que acabou a tradicional, como Dama da Noite, Dama de Vermelho, Dama de Lilás. Se chegasse uma menina com tecido laranja, ela seria a Dama de Laranja. A Sinhazinha sempre era rosa, na estilizada tinha muito isso, muitas damas. Tinha também a Sinhazinha, a Cigana, que não se coloca mais; ficaram a Rainha, em algumas; a Princesa, Maria Bonita, que dependendo do tema, algumas quadrilhas nem trazem mais. Em 2001 na Lumiar, por exemplo, só tinha o Noivo e a Noiva, como Fábio (o marcador) veio de homem e de mulher. A quadrilha inteira era só matuto, não tinha nem Rainha. No ano passado, a Traque de Massa não tinha Rainha, só tinha a Noiva, porque todo mundo era personagem. Tinha Maria Bonita e Lampião porque Vitalino fazia os bonecos em barro.12
11] Em 2007, a Quadrilha Raio de Sol apresentou uma história de amor entre as bonecas de pano e os bonecos de barro vendidos nas Feiras Populares. A Quadrilha Junina Zabumba também partiu para a perspectiva romântica e apresentou o romance entre Corisco e Dadá – personagens que permeiam o imaginário do sertão nordestino vinculados ao movimento do cangaço. Ambas conquistaram o 1º e o 3º lugar respectivamente no Festival Pernambucano de Quadrilhas Juninas, promovido pela Fundação de Cultura Cidade do Recife. 12] Depoimento de Perácio Gondim Jr. Op.cit. (nota 3).
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Alguns Personagens de uma quadrilha junina Bêbado / Casal de Noivos / Casal de Ciganos / Coronel / Dama e Cavalheiro de Pernambuco / Dama e Cavalheiro da Noite / Dama da Noite / Dama de Vermelho / Dama de Lilás / Delegado / Escrivão / Florista / Fofoqueiras / Freira / Gay / Guarda ou Soldado / Juiz / Padrinhos do Casamento / Pais da Noiva e do Noivo / Padre / Prefeito da Cidade / Princesa / Rainha do Milho / Sinhazinha e Sinhozinho / Velha Doida
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Ciganos - QJ Infantil Coração de Estudante
Mascotes - QJ Origem Nordestina
Lampião e Maria Bonita - QJ Zabumba
Noivos - QJ Dona Matuta
Croquis - QJ Moderna Fuzaca
A primazia do visual: adereços e figurinos
O figurino sempre foi um dos elementos mais importantes que caracterizam a apresentação de uma quadrilha junina. Inicialmente, não havendo um tema ordenador da apresentação, a idéia do conjunto e o sentido da harmonia eram transmitidos pela roupa. Entre as principais “funções” de um figurino está a de dar identidade ao personagem; além de sua relação direta entre o corpo que o veste e o espaço, sendo o figurino, muitas vezes, uma cenografia ambulante, um cenário trazido à escala humana e que se desloca com o brincante.13 Assim, tanto a relação do figurino com o corpo do quadrilheiro, quanto com o espaço no qual ele interage, assim como a sua relação com outros elementos visuais devem ser levados em conta no momento em que se faz uma análise mais apurada daquilo que se convencionou chamar de figurino. 13] PAVIS, Patrícia. A análise dos espetáculos. Op. cit. p.165.
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Nesse sentido, a autonomia criativa de antes que havia entre os quadrilheiros para acrescentar elementos à estrutura já existente, como fitas, bicos, ou até pequenos objetos, hoje não mais condiz com a realidade da produção do brinquedo. A confecção do figurino obedece a um modelo prévio relacionado ao tema vigente. Dentro dessa mudança por parte de sua produção, podem-se acrescentar ainda os próprios materiais utilizados na sua confecção, isso indica que, naturalmente, tanto as formas como as técnicas de fabricação se transformaram14. Assim, em seu percurso, da concepção à apresentação, o figurino expande ao máximo a rede de relações de uma quadrilha junina. Situa a posição relativa de cada personagem no conjunto; identifica o casal de Noivos, a Princesa, Maria Bonita e Lampião, os matutos, entre outras figuras não menos representativas; além de articular os diferentes espaços de confecção de uma quadrilha (coreografia, trilha sonora, cenários....), envolvendo e trazendo a todos de forma mais ou menos consciente para dentro do tema. A trajetória para feitura de um figurino tem início com a confecção do protótipo, que visa garantir o conjunto visual, evitando que após o início das costuras, haja algum comprometimento do efeito almejado, seja com a alteração do projeto original na transposição do desenho para o figurino, seja com a escolha de tecidos, cores e materiais para sua execução. Cada quadrilha tem a sua maneira de criar: [..] na Lumiar, Flávio Alex foi o idealizador do figurino deste ano, por mais uma vez; mas geralmente é uma pessoa diferente. O figurino é elaborado após reuniões de pesquisa do tema. Só depois da aprovação do desenho é feito um piloto. [..] Até o ano passado, as costureiras eram da comunidade, mas precisou ir para outro lugar, porque a quadrilha aumentou, então a demanda também aumentou passando para um costureiro de Olinda. Ele 14] Em geral, as quadrilhas apresentam a cada ano maior sofisticação e riqueza nos materiais utilizados. Outros grupos inovam na confecção utilizando materiais reciclados na sua produção, a exemplo da Quadrilha Filhos do Sertão, que levou para os arraiais, em 2007, todo o figurino confeccionado à base de garrafas pet e jornal.
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trabalha num galpão com 10 costureiras e munido com máquinas mais modernas. [..] O figurino dos matutos (casal) custa em média R$ 600 e os destaques (casal) R$ 1,2 mil [...] O componente é quem paga o figurino15. Não reutilizamos as roupas do ano anterior e não é do perfil da Lumiar usar materiais mais baratos ou reciclados.16 [..] o ano passado, na Traque de Massa, o figurino sobre Vitalino foi pintado à mão, porque as obras são pintadas. Aí eu pensei, como figurinista, em passar essa mensagem. Já que os bonequinhos em miniatura são pintados à mão, eu queria que os bonecos grandes, representados pela quadrilha, também tivessem essa característica de pintura à mão. Era um processo. Pra chegar na costureira, primeiro ela pegava o tecido, cortava a saia. Cortava a manga do vestido solta e deixava tudo aberto. A parte da frente e a parte das costas era tudo aberto. Por dentro ela colocava um adesivo com o nome da pessoa. Depois, no próprio galpão, onde fazíamos as coisas, estavam os pintores pra começar a pintura. Eles pegavam o amontoado de roupas, peça por peça e iam pintando baseados num quadro que eu fiz, de cor, de coloração, onde cada nome de cada integrante tinha a sua cor. Aí o pintor ia pro quadro, via a cor de cada roupa e pintava. Depois que secava, ia pra costureira, que começava a fechar todos os figurinos. Depois vinha a prova com os componentes lá mesmo, porque o ensaio era lá. [...] o componente pagava apenas o valor do seu figurino. O figurino custou para homem R$ 160 e para mulher custou R$ 180.17
Pode-se dividir o figurino de uma quadrilha em dois grupos, ou dependendo da quadrilha, em três: aqueles dos destaques; dos matutos; e em algumas quadrilhas, um figurino específico para o casamento. Nos últimos anos, algumas quadrilhas passaram a trazer para os arraiais a sua equipe de produção (apoio) – responsável pela montagem e desmontagem do espetáculo, devidamente padronizada com figurino específico; muitas vezes relacionado com o tema ou apenas vestidos com camisas que estampem o nome e o tema apresentado pelo grupo naquele ano. “No ano em
que a Traque apresentou o tema dos fogos de artifício, trouxemos a equipe 15] É importante destacar que não são todas as quadrilhas que cobram dos componentes o figurino. Há grupos em que os próprios dirigentes se reúnem para doar o figurino aos brincantes. 16] Depoimento de Fábio Andrade, quadrilheiro, marcador e produtor cultural da Quadrilha Junina Lumiar. Entrevista realizada por Mayara Ferreira, em 14/4/2008. Acervo Gerência de Formação Cultural / Fundação de Cultura Cidade do Recife. 17] Depoimento de Anderson Gomes. Op.cit. (nota 7)
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de produção toda vestida de bombeiros”,
comenta Perácio Júnior, excoreógrafo da quadrilha Traque de Massa. Como parte do conjunto visual de um quadrilheiro, a maquiagem é um elemento indispensável. Ela veste o corpo tal como o figurino. Segundo Patrícia Pavis, “ela veste a alma de quem usa”.18 Assim, ao cobrir o rosto com essa tênue película, algumas extravagantes, outras suaves com um simples requinte, significa abandonar temporariamente a identidade e a alma de quem a porta, desvencilhando-se do mundo cotidiano, transfigurandose em Maria Bonita, numa bruxinha de pano, num boneco de barro... O cuidado com os calçados também é uma preocupação especial dos quadrilheiros, tanto pelo conforto de que necessitam para realizar os movimentos coreográficos, como pela harmonia que o calçado deve apresentar com o figurino. Com relação aos adereços, estes, tendo como referencial explícito o tema, lançam mão de uma infinidade de elementos que remetem simultaneamente a muitos outros; convertendose em algo diferente, transformando-se num ponto-chave para um saber oculto. Os elementos dizem uma coisa, e passam a significar muitas, num jogo livre de alusões empreendido pelos quadrilheiros. Dessa forma, objetos e alimentos corriqueiros (abanadores, peneiras, balões, milho, canjica, pamonha, bolo) ganham, por vezes, proporções monumentais. Misturam elementos, aparentemente desconexos. Brincam, intrigam, surpreendem. Uma vez prontos para serem apreciados, parecem inesgotáveis, e, no entanto, logo acabam. Como exemplo, podemos citar um farto banquete levado pela quadrilha Junina Tradição19 para o arraial, com direito a bolo de noiva, pernil, milho, canjica, 18] PAVIS, Patrícia. A análise dos espetáculos. Op. cit. p. 170. 19] A Quadrilha Junina Tradição da comunidade do Morro da Conceição, Recife, em 2004, apresentou o tema Ciclo Junino Ritual e Fé, e conquistou o campeonato no Festival Pernambucano de Quadrilhas Juninas, promovido pela Fundação de Cultura Cidade do Recife.
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pamonha, entre tantas outras iguarias, comuns a uma grande festa de casamento realizada na fazenda de um “poderoso coronel”. Elementos de uma arquitetura efêmera que transformam o espaço material dos arraiais num sentido lúdico, imagético, os quais fazem esse espaço físico ser reconfigurado em outro (ou vários), fazendo com que os indivíduos ali presentes (quadrilheiros e público) transitem simultaneamente entre o espaço físico e um ou mais espaços imaginários. Poderíamos citar, por exemplo, a arrumação do arraial para a realização do casamento. Os convidados (membros da quadrilha e público) não perdem a consciência de que estão no arraial, mas o evento em si propicia uma outra experiência do ambiente que se desdobra em vários outros significados que não somente o arraial, uma cidade, uma igreja ou uma praça. Essa relação espaço-temporal que subverte o olhar e as relações entre os presentes, é a lógica do trabalho da confecção de uma quadrilha junina, em especial dos figurinos e dos adereços que acompanham a natureza dessa descomunal arte do consumo. Trata-se aqui do exceder, desafiar limites, correr contra e ao encontro do tempo. Apesar da escassez de recursos, os elementos visuais que enriquecem a apresentação e explicam também o tema foram aos poucos se sofisticando. As quadrilhas contam para isso com a criatividade de seus próprios membros para a construção. Carpinteiros, marceneiros, eletricistas, pintores, serralheiros, costureiras, sapateiros, entre outros especialistas que colocam seu saber profissional a serviço do grupo, usando muitas vezes seu período de lazer para a elaboração da parte visual da apresentação.
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Exemplos de Figurinos:
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Maria Bonita - Traque de Massa
Dona Matuta
Raio de Sol
Lumiar
Coreografia
Quadrilha Junina Coração Tradição na Roça
[...] Eu coloco a música e fico ouvindo sentado, só viajando na música dentro do ônibus. Eu consigo visualizar a quadrilha antes de colocar o passo [...] eu acho que já nasce com a gente. Eu consigo ver a quadrilha dançando aquele desenho. Aí eu digo, é isso! Quando me levanto, volto à música e já sei o que vou fazer de menino e menina. É uma loucura, mas é verdade. Eu sozinho em casa começo a dançar os meninos e monto a coreografia. Depois volto à música e faço a menina. Depois eu começo a dançar a música inteira, como se tivesse dançando com um menino, eu sendo a menina e faço. Volto de novo à música e começo a dançar como menino, pegando a menina. Fico sozinho em casa, internado dentro do quarto e fico voltando a coreografia, e consigo fazer. Depois eu passo para o papel. [...] eu faço também um desenho de arco, de asterisco e de meia-lua, independente dos passos que eu vou criar, desenho. [...] Depois que monto a coreografia e passo pra quadrilha inteira. Acontece de alguns coreógrafos passar primeiro para um grupo pequeno e esse grupo o ajuda a passar para o restante da quadrilha, varia muito de pessoas. 20
Segundo o pesquisador Érico José Souza de Oliveira, em todo e
qualquer fenômeno lúdico, ritual, esportivo, festivo, etc., é através do corpo 20] Depoimento de Perácio Gondim Jr. Op. cit. (nota 3).
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e de sua energia vital, que os demais elementos adquirem sua razão de existir e, assim, se vislumbra o ato de celebração metafórica da vida, que é o homem metamorfoseado.21
A fala do referido autor atrelada às vivências em campo de pesquisa possibilita-nos perceber a importância atribuída ao corpo no universo das quadrilhas juninas. Consciente ou inconscientemente, os quadrilheiros criam e recriam, sob diferentes formas, técnicas corporais que viabilizam a execução de uma variedade de passos e danças, indispensáveis em todos os níveis para a produção e manutenção do brinquedo. É importante destacar o caráter coletivo da dança, que mesmo que se desenvolva de forma individual, cada um executa os seus passos, ela não sobrevive sem o contato com o seu par ou com um possível público que observa a performance do quadrilheiro. Nos últimos anos, a importância atribuída aos campeonatos locais e nacionais pelas quadrilhas leva os seus participantes a descobrirem e a desenvolverem situações de dificuldade, superar obstáculos, na busca de mostrar o seu melhor. É o desejo de produzir algo, de criar, inovar, surpreender. Dessa forma, apesar de uma estrutura baseada em regras (conjunto de técnica ensinado sistematicamente entre os grupos durante os ensaios), a intimidade com a dança garante e permite a espontaneidade de cada quadrilheiro. A vontade de sair da roda, dar um salto, uma pirueta, soltar um beijo para o público, sorrir, chorar, gritar, tudo está associado a uma outra forma de convenção que é a liberdade improvisacional. É o desejo individual que recria e alimenta a própria regra. A gente queria dançar balé, queria dança popular também, queria se jogar aproveitando a quadrilha. Como eu trabalho muito com o corpo e com desenhos, eu vi uma opção diferente de se trabalhar na quadrilha, mesmo percebendo que ela fugia dos parâmetros da quadrilha tradicional e até 21] OLIVEIRA, Érico José Souza de. A roda do mundo gira: um olhar sobre o cavalo-marinho Estrela de Ouro (Condado-PE). Recife: SESC, 2006. p. 580.
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estilizada. Então a gente associou o nosso estilo de dançar com o nome e pensou logo em Fuzarca, porque era uma coisa meio bagunçada. Como a gente também experimentava o estilo da dança moderna, aí introduzimos esse nome, não porque a quadrilha iria ser moderna. [...] as pessoas sempre nos rotulavam como a quadrilha do balé, porque a gente jogava o pernão [...] aquela jogada de perna com seus planos, tem plano baixo, plano médio e plano alto, no ângulo certo; e trabalhava muitos movimentos de dança clássica, mesclando algumas coisas. O xaxado da gente nunca foi o tradicional, além de ser estilizado, a gente ainda apimentava, jogando um Kandecá, um Developé, uma pirueta, caía [...] são movimentos do balé clássico, que são introduzidos dentro da quadrilha. Isso não é xaxado, a gente sabia, mas gostava de fazer aquilo e até hoje nossa identidade é essa, a gente tem esse estilo. É a marca da Fuzarca [...].22
No momento em que o quadrilheiro dança, seu corpo não é mais um retrato do cotidiano; ganha um novo reflexo, redimensionado através de elementos como o ritmo, a forma e a expressão, que recria uma outra relação e interação entre esse corpo dançante, o espaço e o tempo que o envolve e o prestigia. Os movimentos de evolução de uma quadrilha variam conforme o grupo. Uns apresentam passos basicamente fortes e rápidos, o uso enfático dos braços e expressões faciais; torcendo o tronco para a direita e para esquerda, pendendo o corpo, trocando o apoio dos pés, enfatizando a pisada no chão, o bater percussivo dos pés como uma alusão à cultura africana e indígena23, sobretudo no tocante à sensação de que é a terra que puxa o corpo para baixo, o que causa a flexão dos joelhos, que agem como uma mola. Outras quadrilhas, por sua vez, mesclam em seus movimentos algumas coreografias mais leves, trabalhando a saia, os braços de forma suave, criando desenhos coreográficos (formas geométricas, letras, cruz, estrela, símbolos diversos), isso faz com que nenhuma parte do corpo funcione como estabillizador do movimento, este por sua vez, concentrado em toda a extensão do corpo. 22] Depoimento de Adgelson Soares. Op. cit. (nota 4). 23] Apesar de ser uma dança de origem européia, ela adquire no Brasil características africanas e indígenas, resultante do processo de apropriação e ressignificação das práticas culturais aqui encontradas e confrontadas.
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[...] Na minha concepção a gente tem que aproveitar o que possui. Se o figurino tem muito tecido pra se trabalhar, como uma saia grande, o mínimo que você pode fazer pra ficar legal de visual é trabalhar essa saia. Eu gosto muito de trabalhar a saia. [...] trabalhar com coisa que dê efeito, até porque eu não faço coreografia difícil. No ano dos fogos (2006) como a gente falava de fogos e não podia botar dentro do arraial, eu fiquei matutando. Então botei coreografias simbolizando fogos caindo, com uma coisa lenta do braço caindo, quando os fogos explodiam no céu. Foi lindo! 24
Cada grupo adota uma metodologia diferente no tocante ao processo de ensino/aprendizagem da coreografia a partir do meio onde é produzida. Geralmente são transmitidas de maneira informal (repassada e assimilada, praticamente de forma oral e corporal). O processo de transmissão de técnicas passa por critérios um tanto subjetivos, como o desejo de aprender de cada componente, a afinidade entre ele e o coreógrafo, o próprio marcador e entre seus pares. [...] Para passar a coreografia pra todo mundo, a gente se encontra durante a semana, com pessoas que moram mais próximas, que têm disponibilidade nesse horário pra montar o material e no final de semana é passado para o grande grupo. [...] Depois que a coreografia é jogada para o grupo, ela tem algumas sujeiras que precisam ser passadas por um processo de limpeza, aí vem realmente minha função de diretor-geral do espetáculo; até porque o diretor de uma quadrilha é um líder, ele é praticamente a pessoa que os componentes escutam, e consegue ter um certo controle e concentração. Então como eu acompanho todo processo do espetáculo, dirigindo tudo, aí o pessoal que me auxilia passa o grosso pra o grande grupo e depois eu vou fazendo a direção, a limpeza, as exigências de posição, de movimento, postura, harmonia dos movimentos, é tudo feito por mim.25
Nesse sentido, assim como os grupos possuem técnicas diferenciadas de transmitir as coreografias, possibilitam também ações redimensionadas, a partir do universo de cada quadrilheiro. Dessa forma, levam em consideração a personalidade de cada brincante, sua sensibilidade, sua inteligência artística, sua individualidade social que torna cada quadrilheiro único. 24] Depoimento de Perácio Gondim Jr. Op. cit. (nota 3). 25] Depoimento de Fábio Andrade. Op. cit. (nota 14).
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Nem todos componentes da quadrilha atingem um nível técnico e adequado em cima do movimento, existe seu grau de dificuldade, tanto do movimento quanto o grau de execução também. Mas a maioria parece uma coisa mágica. Quando você vê a quadrilha dentro do arraial fica pensando que todo mundo tem o mesmo padrão, mas não.26
Nos ensaios, nos quais muitos grupos separam cavalheiros de damas, um dos pontos primordiais é a apreensão dos diferentes passos e danças que integram a quadrilha, pois é a partir deles que se desdobram as posturas, as movimentações, as gestualidades e as características de todos no grupo. Na quadrilha, a dança e a música são elementos indissociáveis. A dança está para a música numa fusão inseparável de ritmo, movimento, espacialidade e inter-relação, onde os brincantes se localizam entre si e entre os outros. [...] A coreografia da quadrilha tende sempre a expressar o que as músicas estão falando e o que o tema está propondo. Existe uma preocupação em manter os traços tradicionais da quadrilha, que são os movimentos Anavantou, Anarriê, Grande Roda, etc; e também a preservação da diversidade de ritmos, por exemplo, coco, xaxado, variações do forró, baião, xote.27
Outra característica importante no complexo festivo que se estabelece com a quadrilha junina são a criatividade e a originalidade dos grupos que fazem surgir a cada ano um novo movimento, que ganha vida nos corpos dos brincantes, emitindo sons, produzindo sentimentos, emoções. Esses passos ganham denominações variadas, alguns até transformando-se em símbolos de identidade da quadrilha. Antigamente, quando eu dançava na Origem, quem coreografava era China e Lenildo, e se a gente fosse dançar em algum lugar tipo Encontro de Quadrilhas, só de brincadeira, como tinha antigamente o Encontro da Chiclete, e se o pessoal chegasse atrasado e visse a quadrilha dançando dizia logo que era a Origem, por causa da característica da saia das meninas. Antigamente a Pisa no Espinho tinha muito disso, quando o pessoal via dizia que era a Pisa porque marcava o sincronismo de saia, as músicas eram mais lentas e tinha uma harmonia muita boa. Tinha um movimento na Pisa no Espinho 26] Depoimento de Adgelson Soares. Op. cit. (nota 4). 27] Ibid
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que batizaram de borboletinha e até hoje ficou. Quando as pessoas estão fazendo dizem logo que é a borboletinha da Pisa. [...] A minha característica, pelo que as pessoas me dizem são os desenhos coreográficos que dão efeito de braço, de cabeça, de baixada. De repente eu trouxe muita coisa que não vinha mais. Tinha uma coisa de batida que não tinha e eu trouxe pra Tradição e ainda usei na Traque de Massa por 2 anos. Usei muita catraca que o pessoal não estava usando mais. Eu fiz catraca tipo asterisco, fiz catraca menina fora e menino dentro. Fiz em 2006 a catraca, que o pessoal disse que foi uma sensação, que foi os meninos de cruz e as meninas passando por baixo dos meninos. Eu fiz essa coreografia, mas não botei nenhum nome. Quando o público vê é que batiza. Depois o pessoal chegava e dizia que aquela catraca ficou linda e aí eu comecei a chamar de catraca porque as pessoas chamavam assim. Eu também fiz uma coreografia que as meninas e os meninos balançavam a cabeça e o pessoal ficou chamando a coreografia das cabecinhas. Quando eu fiz e o grupo ficou dançando, a gente não dizia nenhum nome, mas o pessoal viu e gostou e ficou chamando de cabecinha. Assim que fica.28
A reprodução desse conjunto de técnicas tem o objetivo de gerar uma unidade corporal na brincadeira, com uma função de distinguir o corpo de seu agir cotidiano através da dança, redimensionando sua potencialidade expressiva e estabelecendo uma outra forma de comunicação. Dessa forma, através dos desenhos abaixo relacionados, podese ter uma dimensão de como os grupos exploram o espaço do arraial a partir da execução de uma série de movimentos e deslocamentos próprios.
Alguns movimentos coreográficos Anarriê / Anavantou / Balancê / Borboletinha / Cabecinhas / Caracol / Carrossel / Catraca / Ganchê / Grande Roda / Intercalados / Metralhar / Onda / Olha a Chuva / Passeio de amor / Relampejou / Segue o Passeio / Serrote / Trovejou 28] Depoimento de Perácio Gondim Jr. Op. cit. (nota 3).
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Desenhos coreogrรกficos
Desenhos coreogrรกficos - Quadrilha Junina Lumiar
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Desenhos coreográficos (continuação) 1 2
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Sequência coreográfica - QJ Traque de Massa 2007 - Coreógrafo Perácio Jr
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Xamego de Menina
Casamento
Um complexo sistema de interação entre voz, canto, música, tempo e cenário. Eis o casamento de uma quadrilha junina – motivo principal da festa, da comemoração, do fazer e do acontecer. Seja no início, no meio, no final ou durante o desenrolar do espetáculo, o momento do casamento é marcado pela criação de um novo espaço, onde as personagens que se deslocam têm seu próprio tempo de vivência, apresentando uma gestualidade própria, elaborada de acordo com as suas vivências. Não há uma organização estabelecida com relação à entrada de cada personagem em cena; isso varia de história para história. No entanto, percebe-se que todas as figuras entram no arraial a partir de um conflito central que se estabelece no recinto e movimenta toda a trama. Eis a legitimação do casamento. Essa sensação é ampliada pela dinâmica estabelecida pela parte gestual dos brincantes que além do ritmo e agilidade impressos 37
durante a apresentação, utilizam praticamente toda a área de representação. Através de um tempo determinado, mescla o momento de sua fala à música ou uma dança que executa, além de sua forma de relacionamento com os espectadores. Nesse momento, os valores primeiros do arraial cedem lugar às cidades fictícias, com igrejas, delegacias, praças, etc. Criações que possibilitam uma outra ambiência e levam o público e os próprios quadrilheiros em cena, a vivenciar uma outra esfera da realidade, que ao mesmo tempo em que foge do universo cotidiano, possui relações diretas com ele. O ato de dizer/viver o texto, suas formas de articulação, pausas, inflexões, tons, musicalidade, improviso, etc., constituem o arcabouço cênico, complementado por todos os outros elementos de uma quadrilha junina. Com formações diversas, muitos quadrilheiros escrevem os seus próprios textos. Outros recorrem aos produtores culturais e demais pessoas especializadas, geralmente relacionadas à área das artes cênicas, que, contratados, escrevem e desenvolvem toda a trama da quadrilha, produzindo desde a marcação em cena à escolha de cada componente para dar vida aos personagens. A linguagem utilizada geralmente é simples, coloquial, algumas vezes ritmada, seguindo o modelo da literatura de cordel, esta, ultimamente usada como uma grande fonte de informação para a construção de personagens, tramas, conflitos e desfechos. [...] a maioria dos textos, sou eu que faço, por incrível que pareça. Dentro do grupo sou eu que tenho essa aptidão, esse perfil para criar texto. Eu vou buscar esses textos pesquisando literatura de cordel e cantorias. Tanto é que os meus textos sempre têm muita rima.29
No momento do casamento, a voz, um dos veículos de mensagem, e outras formas de linguagens não-verbais como os gestos, as mímicas, os trejeitos, manifestam o estado de espírito 29] Depoimento de Adgelson Soares. Op. cit. (nota 4).
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do brincante e caracterizam cada personagem em cena. Ao tempo em que o representa, colocando-o em evidência, pode apagá-lo, silenciá-lo. Completando o conjunto de representações que envolvem o casamento junino, percebe-se a acentuada importância atribuída ao caráter visual para a instalação da consciência de que, naquele momento, se apresenta uma outra maneira de compreender e narrar a realidade. Assim, os quadrilheiros se distanciam dos seus cotidianos, com a transformação do corpo, a camuflagem (o figurino e a maquiagem), que transfere ao corpo o poder de ser outro. Dessa forma, os estereótipos de cada personagem variam conforme a história, entretanto, figuras como a fofoqueira, as beatas, as prostitutas, os garanhões, os valentões, a desonrada e os religiosos estão sempre presentes nos enredos. Personagens que, apesar de parecerem as mesmas, se tornam diferentes à medida que estejam conectadas a uma outra história, que participem de uma outra trama, que estejam localizadas em um outro tempo e espaço.
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Raizes do Pinho
Repertório Musical
Vem ser compadre dessa dança / Que essa quadrilha é só festança / E vamos juntos comemorar com Dona Matuta / A mais nova do arraial / Eu encontrei o meu amor / E nessa noite de São João / Somos compadres e comadres / Pulando a fogueira da paixão / Vem meu compadre, vem dançar / Que a festa já vai começar / Vai ter fogueira e balão / E muito amor no coração / Vem fazer parte da festa / Só está faltando você / Venha com muita alegria / Matuta te espera / Você pode crer.30
É de arrepiar o momento de entrada de uma quadrilha no arraial. Ao cantar e saudar o público, o corpo de quadrilheiros, com uma postura que poderíamos definir como nobre, convida todos para participar da festa, comemorar, compartilhar da alegria de poder estar ali, confraternizando-se, mostrando o resultado de mais um trabalho, independentemente do título, da premiação. 30] Música de abertura da Quadrilha Dona Matuta. Composição Sérgio Trindade, Recife, 2007. (Grifo nosso)
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O céu hoje está brilhando mais / Porque é São João / Só falta você / Pra alegrar o meu coração. [...] Dona Matuta já chegou / Pra conquistar você / A festa começou / Nossa quadrilha com prazer / Dona Matuta já chegou / Está pisando no arraial / Compadres e comadres / Vamos juntos festejar.31
Diferentemente da palavra, a música desperta sentidos, sentimentos, emoções. Ela cria uma atmosfera que nos torna particularmente receptivos à representação. A sonoridade de cada palavra, cada rima, a combinação dos versos, revelam um modelo de musicalidade repleto de jogos e símbolos lingüísticos, que atribui diferentes identidades, tornando o repertório de cada quadrilha único. Acreditamos que é através da diferença que estabelecemos a semelhança, um fundo de uniformidade. Independentemente do ritmo ou da cadência, as músicas falam de devoção, colheita, chuva, festa, fogueira, campo, sertão, amores, lugares reais ou imaginários. Falam das nossas vivências e dos nossos saberes. Assim, a escolha do repertório musical pelos quadrilheiros é meticulosamente pensada, pesquisada, articulada, obedecendo a uma estrutura prévia relacionada com o tema, com o ciclo junino. A gente fez uma pesquisa com um senhor de 84 anos, que mora lá nos Torrões. Ele tem toda a discografia de Luiz Gonzaga. Os LPs de 78 rotações, que justamente na década de 1940 (quando se passa a nossa história), Luiz Gonzaga não cantava, só executava, com valsas, com choros, com polcas, com mazurcas. [...] Aí a gente pega elementos e transforma no trabalho que está sendo feito [...] eu também escrevo algumas letras. (Sérgio Trindade - QJ Dona Matuta) A gente procura músicas de bandas antigas, cantores antigos que, hoje, não são muito conhecidos. O pai do coreógrafo tem uma coleção de discos antigos, na linha de Trio Nordestino, Marines, Luiz Gonzaga, que é muito rico. A gente primeiro vai na coleção pra depois buscar na atualidade.32 31] Ibid 32] Depoimento de Sérgio Pereira, quadrilheiro, produtor cultural e um dos responsáveis pela Quadrilha Mirim Xilindró de Ritmos. Entrevista realizada por Marla Derzi, em 1/4/2008. Acervo Gerência de Formação Cultural / Fundação de Cultura Cidade do Recife.
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Outra preocupação comum entre os grupos é apresentar o repertório musical articulado com os outros elementos que compõem o conjunto da quadrilha, pensando o espetáculo como um fenômeno visual e sonoro. Em função disso, deve estar tudo muito bem encadeado: o tempo da música com a coreografia, a sua relação com o figurino, com o casamento, enfim com a idéia central proposta pelo tema. [...] Para o repertório da Traque de Massa, o ano passado, eu pensei em músicas que falassem ou citassem obras que Vitalino fez. Música como o xaxado, que falava de Lampião e Maria Bonita, que ele também criou. Tinha a música que falava de casamento, ele criou um cortejo de casamento em suas obras. Músicas que citavam os retirantes, que ele também fez. Aí já matei o casamento, o figurino e o repertório também.33 Tem músicas do repertório que são escolhidas só depois de começar os ensaios para conseguir encaixar as coreografias, o tema e o tempo de execução [...] a história vai sendo contada através da dança e da música. Esse repertório é partindo da história. Ele vai se dando a cada movimento. É tanto que quando você cria a história todinha do casamento, tem música que você ensaia e que só vai dar certo no final, pra encaixar tudo certinho.34
Indissociável do movimento, a música durante a sua execução estimula os quadrilheiros, que se manifestam através da batida dos pés ou arrastado, das palmas, dos galopes. Produções de um ritmo e de uma pulsação orgânica que resultam numa reação fisiológica, que mexe não só com o auditivo, mas afeta as nossas atitudes emocionais, alterando o comportamento das pessoas envolvidas – os brincantes, a equipe de apoio e o próprio público. Assim, podemos perceber mais claramente essa interconexão entre música e dança, no momento em que os brincantes utilizam seus corpos para percutir sons. O momento do xaxado, por exemplo, trazido pela maioria das quadrilhas, numa breve, mas significativa alusão ao movimento do cangaço, personificado 33] Depoimento de Anderson Gomes. Op. cit. (nota 7). 34] Depoimento de Alana Nascimento, responsável pela Quadrilha Junina Raio de Sol. Entrevista realizada por Mayara Ferreira, em 22/4/2008. Acervo Gerência de Formação Cultural / Fundação de Cultura Cidade do Recife.
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na figura de Lampião e seu bando. Lembremos da Lumiar, em 2005; da Zabumba, em 2007; entre tantas outras quadrilhas impossíveis de nomeá-las nesse limitado espaço. Elemento determinante na marcação das etapas de apresentação, no casamento, por exemplo, a música assume uma função primordial na seqüência das ações dos personagens. Ela marca a entrada das personagens em cena, interage com elas, ou até mesmo encerra suas participações. Dentro desse universo sonoro das quadrilhas juninas, é importante lembrar de uma das etapas seguintes à seleção musical e elaboração dos respectivos arranjos: a forma de sua execução, isto é, de onde provém – se ao vivo ou gravada; se produzida por meios eletrônicos, etc. Esses fatores, além de repercutirem no resultado do conjunto, no desfecho de uma apresentação, estão relacionados também aos custos de cada grupo com gravações em estúdio, contratação de músicos, arranjadores, etc. Por outro lado, reflete a melhoria da qualidade dos trabalhos levados pelas quadrilhas aos arraiais.
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Alexandre - QJ Tropical Dance
Marcador
Trabalhar o grupo de forma a integrá-lo no universo da quadrilha, saber ouvir o outro, respeitar o seu espaço, conduzir com maestria situações de conflito comuns quando o coletivo está em jogo. Eis o perfil de um marcador, que se completa com características inerentes à posição que ocupa dentro do arraial: carismático, ousado, espírito de liderança, ter boa voz, saber pronunciar as palavras com clareza, apresentar uma boa desenvoltura, entre tantas outras. Para marcar a quadrilha há todo um preparo como faz qualquer outro artista. Existe uma preparação de voz, concentração, técnica de dicção, mas que é uma preparação que já faz parte do cotidiano. [...] Também pesquiso, estudo até mesmo para encontrar palavras que tenham relação com o tema e que possam ser usadas durante a apresentação.35
35] Depoimento de Fábio Andrade. Op. cit. (nota 14).
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Ele tem que ter alegria, passar aquela vibração tanto para o público quanto para o grupo. [...] Às vezes, a gente se preocupa tanto com o grupo e esquece que marcador é item de julgamento.36
O marcador de uma quadrilha é também, idealmente, um quadrilheiro, vivendo dentro de uma rede de sociabilidade traçada em torno de um interesse comum pela quadrilha. Como tal, encontra-se envolvido com todo o processo de criação da quadrilha: da concepção do tema à produção dos croquis, figurinos, adereços, seleção musical, ensaios, captação de recursos, etc. Conhece a seqüência do espetáculo, o momento de cada coreografia, o tempo de cada música, a posição de cada personagem, etc. Hoje, a gente está lançando novas propostas, buscando novos talentos no próprio grupo. Hoje nosso marcador é Kleber Noli, que ainda está no anonimato como marcador, mas a quadrilha está lançando uma proposta para ele aparecer porque a gente está tirando de dentro da quadrilha, inserindo ele no contexto, e, por sinal, ele está se saindo muito bem. A gente escolheu porque o seu perfil é de uma pessoa ousada, faz comunicação e tem um certo respeito dentro do grupo, e tem aquele perfil de comando, tem liderança.37
Nos arraiais, caminha pelas laterais, posiciona-se no centro, retorna, dialoga com o público, conduz o grupo. Com o microfone em mãos, desenvolve uma série de códigos, para se comunicar com o grupo: um olhar, um gesto, uma posição que ocupa no arraial, um tom de voz diferente, tudo devidamente ensaiado, impregnado de significado. Estruturas codificadas no tempo e no espaço, que caracterizam a forma de diálogo entre o marcador e o grupo. A identificação recíproca entre o grupo e o marcador é compreendida como um dos pontos-chave para que o processo de trabalho de uma quadrilha possa transcorrer normalmente. Essa aceitação ocorre no espaço existente entre duas idéias 36] Depoimento de Sérgio Trindade, quadrilheiro e marcador da Quadrilha Dona Matuta. Entrevista realizada por Marla Derzi, em 28/4/2008. Acervo Gerência de Formação Cultural / Fundação de Cultura Cidade do Recife. 37] Depoimento de Adgelson Soares (Alegria). Op. cit. (nota 4).
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aparentemente opostas; ambas expressas de forma recorrente no meio da quadrilha: a de que a quadrilha tem sua personalidade e a de que um marcador pode dar personalidade a uma quadrilha. Porém, é necessário ter em mente que se trata de um jogo de interação informal que permite ao marcador estar à vontade em relação ao grupo e colocar o grupo à vontade em relação a ele. Esse processo se concretiza ao longo das relações cotidianas de trabalho, nos ensaios, nos momentos de descontração, nas conversas sobre o tema, no andamento do trabalho. No centro de um relativo anonimato, esse meio propicia também um relativo espaço de visibilidade, ao ponto de muitas vezes confundir-se como centro da apresentação, que ofusca o trabalho do grupo e desconhece os limites de seu próprio espaço e atuação. Isso não o impede de promover a interação entre a quadrilha e o público, que execute alguns movimentos coreográficos, que faça parte do casamento, que cante, que se apresente caracterizado, afinal, dentro desse complexo jogo de práticas e representações, ele constitui uma peça fundamental.
Marcadores que fazem / fizeram histórias no São João do Recife Itamar Coutinho (Forró Moderno); Charles Carvalho (Junina Zabumba); Fábio Andrade (Lumiar); Juninho (Raio de Sol); Sérgio Trindade (Dona Matuta); Sérgio (Traque de Massa); Sérgio Murilo (Rancho Alegre); Kléber Noli (Moderna Fuzarca); Epaminondas (Raio de Sol / Pé Quente); Karola Fashion (Inspiração Nordestina); André (Vai Vai na Roça), Zado (Raízes da UR-3 e Truaka); Wilson Lapa (Xic Xic no Remelexe); Silas Jr (Pisa no Espinho); João Alves (Nóis Sofre Mais Nóis Goza); Lenildo (Origem Nordestina); Chaves (Olodum Mirim); Elon (Raízes do Pinho); Luizinho (Boa Vista Show / Raízes do Pinho e Sanfona Branca); Jimmy (Junina Tradição e Fuzarca); Júlio Vangeles (Fuzarca / Traque de Massa); Aécio (Tradição City); Idel (Pelo Avesso); Fernando (Deixa meu pé quieto); Alexandre (Chiclete com Banana, Baluarte Pernambucano, Rancho Alegre e Aquarela Nordestina); Carlito (Kokota); Anselmo (Discoteca na Roça); Sandro (Gibão de Couro); Josemar (40 Graus); Agnaldo (Dona Sinhá); algumas mulheres como Dona Josefa, 80 anos, marcadora da Quadrilha Pisa na Fulô; Ana Suely (Faísca da Fogo), entre tantos outros talentos.
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AteliĂŞ de costura - Quadrilha Junina Lumiar
A gente terminou no vermelho e o custo total ficou em torno de R$ 14,5 mil. Só com transporte a gente teve um montante de R$ 6,4 mil. Como existem componentes que não podem pagar a costura, a gente ficou com uma diferença de custo de R$ 800. Eu sei que a quadrilha apurou na faixa de R$ 9 mil e gastou R$ 14,5 mil. Então ficamos com débito. Fora as apresentações que a gente fez através da Fundação de Cultura, que paga a gente em forma de cachê e a gente pega esse dinheiro e cobre o custo da quadrilha.38
Um dos pontos cruciais da criação e manutenção das manifestações culturais foi sempre a obtenção de recursos financeiros para colocar o brinquedo na rua. Uma angústia que se repete todos os anos. Os depoimentos dos quadrilheiros indicam que os processos de captação de recursos foram se modificando com o passar do tempo e envolvendo setores cada vez mais amplos da sociedade. Algumas quadrilhas arrecadam uma contribuição mensal mínima de seus integrantes, completada pelos membros da diretoria para a compra de tecidos. Determinados grupos ainda têm nos seus orçamentos, gastos com o aluguel de espaços (casas, galpões, etc.) que funcionam, durante os meses em que antecedem o São João, como verdadeiros ateliês para a produção dos figurinos e adereços; para ensaios; como locais de descanso para integrantes que moram distante, entre outras funções. Verdadeiros espaços de sociabilidade. A gente tinha um galpão, que alugamos. Inclusive os componentes participaram de uma cota financeira, independente do valor que eles pagavam pelo figurino. Eles perceberam a necessidade de ter um lugar grande, porque o projeto sobre Vitalino era muito grande, tinha muita peça. Queríamos um espaço para concentrar tudo e os componentes entraram conosco nessa e deram as mãos e ficaram dispostos a financiar também o espaço. Tudo ficava lá: confecção de figurino, adereços, os ensaios. As pessoas também dormiam lá, quem morava longe. Amanhecia e iam direto para o trabalho, para escola ou voltavam para suas casas. O galpão servia pra tudo.39
Muitas quadrilhas contam com o apoio da comunidade, que se dedica a colher material a ser utilizado nos elementos de 38] Depoimento de Adgelson Soares. Op. cit. (nota 4). 39] Depoimento de Anderson Gomes. Op. cit. (nota 4).
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produção, cortam papéis para o dia das apresentações, preparam lanches e apóiam o grupo; acompanham nas apresentações, ajudam na montagem dos adereços, na troca de roupa dos integrantes, ao tempo em que integram também verdadeiras torcidas que lotam as arquibancadas dos concursos e festivais, com faixas, gritos, lágrimas, sorrisos, pensamento positivo... Antes de a quadrilha ir para a rua a gente corre atrás do custo, se apega com aquilo que a gente percebe que venha a ser bom para o grupo e pra quem está querendo investir na quadrilha [...]. Existe uma padaria lá na comunidade que ajuda todo ano, dando lanche para quadrilha. Se existir alguma parte na produção, como no cenário ou um outro elemento, a gente vai no comércio local da comunidade e vê onde ele pode ajudar, é um meio de arrecadar fundos. Depois que a quadrilha vai pra rua, sempre ficam algumas dívidas depois para suprir, como o transporte, porque a gente não tem auxílio de transporte na quadrilha, então, toda a renda e a premiação que a quadrilha arrecada financeiramente, que a gente ver que dá para suprir o custo que ficou pendente, a gente cobre.40 Para conseguir o dinheiro para colocar a quadrilha na rua a gente promove bingos, festas, rifas, pedágio, pedimos na comunidade também, e têm políticos que nos ajudam. [...] desfilamos também no carnaval, nas escolas de samba Galeria do Ritmo e Gigantes do Samba, ensaiamos no barracão e as escolas ainda nos ajudam com alguma verba, doam traque de massa.41 Em 2007, a Olodum Mirim gastou em média R$ 6 mil, incluindo transportes, roupas... o lanche é com a mãe de cada componente. Neste custo está incluso também o salário do coreógrafo.42
Algumas quadrilhas, em troca de cachês, realizam, no período que antecede o São João, apresentações em hotéis, participam de propagandas comerciais, além de integrar a programação oficial dos arraiais e pólos de animação da festa organizada pela Prefeitura do Recife.
40] Depoimento de Adgelson Soares. Op. cit. (nota 4). 41] Depoimento de Esdras, quadrilheiro, marcador e presidente da Quadrilha Raízes do Pinho. Entrevista realizada por Mayara Ferreira, em 3/4/2008. Acervo Gerência de Formação Cultural / Fundação de Cultura Cidade do Recife. 42] Depoimento de Dona Carminha, quadrilheira e presidente da Quadrilha Olodum Mirim. Entrevista realizada por Mayara Ferreira, em 4/3/2008. Acervo Gerência de Formação Cultural / Fundação de Cultura Cidade do Recife.
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No ano passado (2007), gastamos em torno de R$ 17,5 mil e a quadrilha estava com caixa zero. Aí fizemos um trabalho de rifa, bingo, sorteio. Levantamos o vestuário até começar as primeiras apresentações que a Prefeitura disponibilizou pagando cachês. A partir dos cachês foi quando a gente começou a ter a base de quanto já tínhamos e quanto ia receber pra poder fechar com ônibus.43
Desta forma, os recursos financeiros obtidos são empregados na confecção de figurino para aqueles integrantes que não podem pagar, na compra de material a ser utilizado na produção, pagamento de produtores culturais, coreógrafos, costureiras, marceneiros, eletricistas, aluguel de ônibus e caminhão, gravação do casamento em estúdio, montagem de trilha sonora, aluguel de espaço para produção dos adereços e ensaios... Se o dinheiro arrecadado depois de todos os recursos citados ainda não for suficiente para cobrir as despesas, resta a esperança de saldá-las com as premiações em dinheiro que conquistam nos arraiais e festivais espalhados pela cidade. Outro fator que contribui para o aumento das despesas é o aluguel de transporte (ônibus e caminhões-baús) para levar os adereços, as alegorias, os brincantes e a equipe técnica (apoio) até os locais de apresentação. [...] O aluguel de ônibus é em torno de R$ 200 cada, por noite. Fica por R$ 400, por noite, porque são duas. O caminhão era R$ 150, por noite, mas a gente já trabalha a produção para que ela se desmonte, um quebra-cabeça. A gente faz tudo pra evitar alugar caminhão, pra ir tudo no ônibus. A gente só aluga aquele que tenha a mala grande.44
As despesas com estúdio para a gravação do casamento e trilha sonora também estão incluídas nos orçamentos dos grupos.
43] Depoimento de Ederlon Gomes, um dos diretores da Quadrilha Junina Pé Quente. Entrevista realizada por Marla Derzi, em 5/3/2008. Acervo Gerência de Formação Cultural / Fundação de Cultura Cidade do Recife. 44] Depoimento de Ederlon Gomes. Op.cit. (nota 41).
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Quadrilha Junina Xilindr贸 de Ritmos
“Quando vejo tudo pronto eu me derramo em lágrimas” (Perácio Jr.)
A primeira apresentação da quadrilha é o apogeu desse ciclo anual. Os diferentes elementos e componentes do grupo reúnem-se pouco a pouco na concentração. O clima é de expectativa. A chegada do ônibus e caminhão, a arrumação. O que vai e o que fica. Com o aproximar da hora, a tensão e a ansiedade que precedem a apresentação se revelam nos gritos nervosos e idas e vindas constantes da equipe de produção. A quadrilha gradualmente se ordena e avança já posicionada para armação atrás de um grande painel45. É chegada a hora. Em geral começam com a apresentação do casamento – mote principal para o coração da festa, podendo muitas vezes realizálo no decorrer de toda a sua apresentação. Finda essa primeira passagem, o marcador solta o grito de guerra, respondido pelo conjunto de vozes da quadrilha para uma platéia de milhares que assiste extasiada ao espetáculo. Todas as idéias trabalhadas ao longo do processo de criação agora se expressam em sons, ritmos, cores, infinitos tecidos e variados materiais, relações heterogêneas e eventos múltiplos que se sucedem e culminam no momento máximo: o São João. A quadrilha saúda o público e inicia a sua evolução, pontuando elementos diferenciados e provocando sucessiva e ininterruptamente no expectador sentimentos e atitudes muito diversos: o desejo de cantar e dançar junto deles; a vitalidade com que cantam as músicas, a batida dos pés e das mãos que pulsam junto com o coração; a admiração estática da habilidade com que toda a quadrilha executa os movimentos coreográficos, a sincronia dos braços, cabeças, pernas, os desenhos que formam num fazer e desfazer sutis. 45] Os painéis geralmente trazem o nome da quadrilha e o tema apresentado no respectivo ano.
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A rede de relações sociais trançada ao longo do ano atinge nesse momento seu grau máximo de expansão, a quadrilha não só reuniu todos os seus elementos como aspira agora comunicarse com a cidade inteira. Durante a apresentação, a estrutura de sentido disposto pelo tema que ordena todo o processo de sua confecção se alarga e se amplia infinitamente. O tema é agora um conjunto de evocações múltiplas e sucessivas: o vínculo do figurino com o adereço, a ligação da trilha sonora, os passos, a maquiagem, enfim, diferentes possibilidades de leituras e fruição que a evolução da quadrilha oferece ao seu expectador, que canta, grita, admira, chora, sorri, entende e não entende, tudo aquilo que vê diante dos olhos. Depois de todo esse período de apresentações46, repleto de tensão, angústia, mas também de muita alegria e realização, finda o São João, a quadrilha submerge na seriedade do ano que, agora sim, se inicia e recomeça silenciosamente seu ciclo repetitivo. Novas pesquisas, novas reuniões, seleção musical, escolha de tecido, cores, mudanças e permanências. Essa é a base de criação de uma quadrilha junina, forma cultural complexa e estruturada cujo conteúdo expressivo – o tema, as músicas, a coreografia, o figurino, os adereços, o casamento – é vetor da vasta rede de reciprocidade que percorre anualmente diferentes bairros e camadas sociais da cidade.
46] Geralmente as quadrilhas realizam, por noite, cerca de três ou quatro apresentações nos arraiais espalhados pelo Recife e Região Metropolitana.
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Quadrilha Junina Origem Nordestina
As Quadrilhas Juninas constituem um segmento cultural do Recife contemplado pelas ações de formação desenvolvidas pela Prefeitura do Recife, por meio das Gerências de Formação Cultural e de Artes Cênicas da Fundação de Cultura, e da Gerência de Preservação Cultural do Patrimônio Imaterial e da Casa do Carnaval/Secult, que na busca de estabelecer um diálogo concreto e permanente com os diversos públicos, em especial, os quadrilheiros, vem realizando, há pelo menos uma década, trabalhos que promovem a reflexão acerca do movimento quadrilha junina. Um dos recursos que a Prefeitura do Recife utiliza como elemento qualificador, que propicia oportunidades para que esses jovens e as comunidades se reconheçam e valorizem o que fazem, é a realização do Festival Pernambucano de Quadrilhas Juninas47. A princípio apresentar-se como um festival com características competitivas é discutível; mas levando-se em consideração que o perfil das ações desenvolvidas é essencialmente de formação, podemos elencar uma série de atividades que, realizadas paralelamente ao concurso, fundamentam o conhecimento sobre essa manifestação cultural, estabelecem um espaço seguro para o desenvolvimento de indivíduos críticos, autônomos e criativos, capazes de transformar a realidade que os cerca, promovendo a elevação da auto-estima e a profissionalização nos vários campos da produção cultural – do artístico ao apoio técnico – contribuindo para o desenvolvimento sustentável das comunidades e ampliando as possibilidades de vida e de escolhas. Como exemplos dessas ações de formação, podemos citar os diversos cursos e oficinas (artes plásticas, concepção de figurino, coreografia, artes cênicas, técnica vocal, entre outros), as visitas sistemáticas aos grupos como forma de consultoria na montagem dos trabalhos, o estímulo à pesquisa, à criação de projetos (para apresentação do tema, captação de recursos, 47] Em 2008, o Festival de Quadrilhas Juninas Adultas completará o seu 24º ano de atuação e o Festival Infantil de Quadrilhas Juninas, o seu 10º ano.
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etc.), além da viabilização de processos avaliativos, a partir de seminários com a categoria. Diante desse processo de construção coletiva, a Fundação de Cultura organiza encontros, cujo assunto em pauta é o Festival de Quadrilhas, a construção do regulamento, a capacitação da comissão julgadora, os quesitos de julgamento... tudo combinado, discutido, analisado, conversado. Acreditando-se que a competição entre os grupos não os enquadram, muito menos limita a liberdade de criação dos sujeitos, pelo contrário, proporciona a criação de uma rede de práticas e significados pelas quais as relações e os conflitos se efetuam e expressam suas particularidades, o concurso passou nos últimos anos por um processo de requalificação, identificado no nível de resultado de trabalho apresentado pelos grupos nos arraiais48. Temos plena convicção de que parte significativa desse resultado é proveniente das ações pedagógicas promovidas pela Fundação e Secretaria de Cultura, desenvolvidas a partir da própria demanda de seus produtores, pautados em seus diferentes saberes. Como exemplo, podemos citar as melhorias consideráveis na infra-estrutura dos concursos; a premiação em dinheiro para os primeiros colocados; a mudança de foco dos concursos, passando de eventos a instrumentos de formação e valorização do nosso patrimônio cultural. Entre as principais etapas que envolvem o processo de elaboração do Festival Pernambucano de Quadrilhas Juninas, estão: 1. Reunião de planejamento com os quadrilheiros, membros da Federação de Quadrilhas Juninas (Fequajupe) e técnicos da Prefeitura do Recife para discutir e elaborar os critérios de 48] Em 2007, participaram do Festival 47 Quadrilhas Adultas, sendo 30 do grupo 2 e 17 do grupo 1. No Infantil, concorreram 15 quadrilhas, sendo as 4 primeiras colocadas premiadas conforme regulamento. Algumas quadrilhas, tanto adultas como infantis, são condecoradas com medalhas e recebem uma premiação em dinheiro, por apresentarem o melhor casamento, o melhor marcador, o melhor figurino e a melhor coreografia.
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julgamento para o regulamento do concurso49; 2. Gravação de todos os depoimentos; 3. Elaboração do regulamento; 4. Análise do regulamento e deferimento pelo departamento jurídico da Prefeitura do Recife; 5. Divulgação do regulamento no Diário Oficial do Município 6. Mobilização das quadrilhas para recebimento do novo regulamento e inscrição no Festival50; 7. Sorteio da programação do Festival com os quadrilheiros (local de apresentação e horário) de acordo com as normas contidas no regulamento; 8. Elaboração das fichas de votação com espaços específicos para justificativas das notas; 9. Abertura das inscrições para o Seminário de Capacitação da Comissão Julgadora do Concurso de Quadrilhas Juninas; 10. Realização do Seminário de Capacitação; 11. Processo de seleção da Comissão Julgadora; 12. Análise e vistoria dos pólos51; 13. Reunião com os jurados selecionados e a equipe de coordenadores dos pólos; 14. Definição da equipe de trabalho; 49] Em 2007, para elaboração do novo regulamento do Festival de Quadrilhas Juninas (em vigor a partir de 2008), a Fundação de Cultura organizou quatro encontros com os quadrilheiros, no período de agosto a outubro, sendo, o primeiro, no Recife Praia Hotel e os demais, no auditório do edifício sede da Prefeitura do Recife. É importante destacar que ficou aprovado, por decisão dos representantes das quadrilhas presentes, que o item tema passaria a ser critério de julgamento. 50] Essa articulação com os grupos é realizada por meio de telegramas e telefonemas para todos os representantes de quadrilhas juninas do Recife e Região Metropolitana, com base nas fichas de inscrição do Festival do ano anterior. 51] Em 2007, o Festival realizou sua etapa eliminatória em três pólos distintos: RPA-2, Nascedouro de Peixinhos; RPA-5, Praça Noel Rodrigues – San Martin e RPA-6, no Colégio Jordão Emerenciano, Ibura. A fase final do concurso foi realizada no Sítio Trindade, assim como o Festival Infantil de Quadrilhas Juninas.
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15. Realização do Concurso; 16. Apuração; 17. Divulgação do resultado e publicação no Diário Oficial do Município; 18. Premiação/entrega dos troféus; 19. Recebimento da premiação em dinheiro, conforme regulamento; 20. Avaliação do Concurso52; 21. Entrega da cópia do mapa de notas para a Fequajupe; 22. Atendimento aos quadrilheiros/entrega de notas e justificativas; 23. Avaliação das quadrilhas juninas que se apresentaram nos arraiais comunitários.
52] Para realização da avaliação, a organização do concurso mobiliza, além das quadrilhas que participaram do Festival, toda a equipe de jurados e coordenadores dos pólos. São discutidas questões relacionadas ao concurso, os critérios de julgamento, a infra-estrutura dos pólos, a acessibilidade, segurança, atendimento médico, entre outros assuntos pertinentes, que buscam refletir o ato de avaliar. Nesse encontro, os quadrilheiros recebem um questionário avaliativo e participam emitindo opiniões, críticas, sugestões.
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Memória Iconográfica das Quadrilhas
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Anarriê Junina
Brincant’s
Brincando na Roça
Carcará
CoraçãoTradição na Roça
Dançarte
Memória Iconográfica das Quadrilhas
Dona Matuta
Filhos do Sertão
Flor do Mandacaru
Fogaréu
Kocota Show
Luarte
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Memória Iconográfica das Quadrilhas
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Lumiar
Mistura de Cor
Moderna Fuzaca
Origem Nordestina
Pé Quente
Quebra Galho
Memória Iconográfica das Quadrilhas
Raio de Sol
Raizes do Pinho
Rancho Alegre (Olinda)
Renovação Junina
Sanfona Branca
Junina Tradição
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Memória Iconográfica das Quadrilhas
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Traque de Massa
Tropical Dance
Xamego de Menina
Brincant’s Show - mirim
Junina Coração - mirim
Coração de Estudante - mirim
Memória Iconográfica das Quadrilhas
Fusão Nordestina - mirim
Geração 2000 - mirim
Menezes na Roça - mirim
Menina de Rio Doce - mirim
Olodum Mirim
Pingo D’Água - mirim
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Memória Iconográfica das Quadrilhas
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Pisa na Fulô - mirim
Tradição na Roça - mirim
Trakinos - mirim
Xilindró de Ritmos - mirim
Rosa Linda, Linda Rosa - mirim
Trapia Pernambucana - mirim
Memรณria Iconogrรกfica das Quadrilhas
Acauรฃ
Arreio de Prata
Boko Moko
Chiclete com Banana
Deveras
Flor de Abacate
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Memória Iconográfica das Quadrilhas
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Flor de Abacete Mirim
Fogo no Pé
Fuzuê na Roça
Kokota na Roça
Marocas
Movidos a Alcool
Memória Iconográfica das Quadrilhas
Pé Dentro Pé Fora
Pelo Avesso
Pisa no Espinho
Quarenta Graus
Raízes
São João
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Memória Iconográfica das Quadrilhas
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Tradição City
Truaka
Vai vai na Roça
Zabumba
Arrastapé
Rancho Alegre (Camaragibe)
Relação das Quadrilhas Campeãs do Festival Pernambucano de Quadrilhas Juninas (1985-2007)
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Relação das Quadrilhas Campeãs do Festival Pernambucano de Quadrilhas Juninas (1985-2007)
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Relação das Quadrilhas Campeãs do Festival Pernambucano de Quadrilhas Juninas (1985-2007)
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Relação das Quadrilhas Campeãs do Festival Pernambucano de Quadrilhas Juninas (1985-2007)
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Relação das Quadrilhas Campeãs do Festival Pernambucano de Quadrilhas Juninas (1999-2007)
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Relação das Quadrilhas Campeãs do Festival Pernambucano de Quadrilhas Juninas (1999-2007)
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Quadrilhas que fizeram histórias no São João do Recife
Assanhadinha / 4 de outubro / 40 graus / acauã de areias / acauã do jordão / animação na roça / aquarela brasileira / aquarela nordestina / arreio de prata / arroxadinho do titio / asa branca / balança mas não cai / beija-flor / bem quente no arraial / birenigth / boa vista show / boko-moko / breack na roça / brincar com fogo / caipira na roça / cambalacho / chapéu de palha / chiquechique no remelexe / chiclete com banana / coração sertanejo / deixa meu pé quieto / deusa do universo / deveras / discoteca na roça / do maguito / do pepeu / dona sinhá / escorrega lá vai um / espigão / essa onda pega / estação junina / estilo’s show / filhos do sertão (jardim paulista) / flor de cactus / flor do abacate / flor do jucá / flor do mamulengo / flor do mandacaru / flor do nordeste / fogaréu / fogo na noite / fogo no pé / fogo no rabo / fogosa do nico / formiguinha na roça / forranga / forró da gente / forrobodó / forropilha / fuxico da gameleira / fuzuê / gibão de couro / kocota show / leão da barra / malvinas / matutinho na roça / matutos dançantes / milho verde / movidos a álcool / nós sofre mas nós goza / nordestinar / nossa roça / olodum / orgulho nordestino / oxente my love / pé dentro pé fora / pelo avesso / pimenta na roça / pisando em brasa / raio de lua / raízes da terra / raízes da ur-3 / renascer do sertão / romance da lua lua / rosas do vento / saca vara / sagarana / são joão do carneirinho / são joão na roça / saramandaia / sararoca na roça / sassá mutema / sertão show / sinhá moça / tô a toa / tradição city / tradição mirim; / truaka / truarte / unidos da gameleira / vai-vai na roça / vem que tem sertão / versão brasileira / vila da mata dance show / vila rica / zinho tintinho / entre tantas outras...
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Relação das quadrilhas que fazem história no São João do Recife
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Relação das quadrilhas que fazem história no São João do Recife
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Relação das quadrilhas que fazem história no São João do Recife
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Relação das quadrilhas que fazem história no São João do Recife
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Relação das quadrilhas que fazem história no São João do Recife
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Relação das quadrilhas que fazem história no São João do Recife
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Relação das quadrilhas que fazem história no São João do Recife
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Relação das quadrilhas que fazem história no São João do Recife
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Relação das quadrilhas que fazem história no São João do Recife
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Relação dos Arraiais do Recife e Região Metropolitana
Ambolê – Várzea Alto da Serra – Ibura Alto do Rosário – Dois Unidos Amigos da Praça – Vila Cardeal e Silva Catraias na Roça – Campo Grande Córrego do Antônio – Bomba do Hemetério Das Meninas – Nova Descoberta Dezesseis de Julho – Água Fria
Forró Xito – Várzea
De Todos – Mustardinha
Gonzagão – Várzea
Deixa Falar – Casa Amarela
Jaboatonense – Jaboatão Velho
Do Bira – Conjunto Praia do Janga
João Dindo – Olinda
Do Buriti – Casa Amarela
Josué Pinto – Vasco da Gama
Do Moranguinho – Caetés
Luar do Sertão – Várzea
Do Operário – Bomba do Hemetério
Palhoção Cheiro Verde – Jordão Alto
Do Ouro – Casa Amarela
Palhoção do Serrote Fora – Jordão Baixo
Do Reservatório – Alto do Reservatório
Palhoção Unidos da Maria Irene – Jaqueira
Do Ricardão – Porto da Madeira
Pé de Serra
Do Verdura – Águas Compridas
Praça da Santa – Ipsep
Flor do Arruda – Arruda
Rasta Pé – Água Fria
Fogo da Paz – Roda de Fogo
Santo Antônio – Ouro Preto
Fogo na Lenha – Cajueiro
São Gabriel – Bomba do Hemetério São João da Cidadania – Alto José Bonifácio São João do Pacheco – Tejipió São João e Tradição – Ibura Sonho na Roça – Córrego do Euclides Vamos Forrozear – Vila Tamandaré Vila da Paz – Guabiraba
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Referências
ALMEIDA, Magdalena (org). Plaquete Quadrilha Junina: história e atualidade. Um movimento que não é só imagem. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2000/2002 LÉLIS, Carmem (org). Plaquete Quadrilha Junina: história e atualidade. Um movimento que não é só imagem. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2ª edição, 2004 MENEZES NETO, Hugo. Quadrilha junina: uma abordagem antropológica. (Texto apresentado no II Seminário da Comissão Julgadora do Festival de Quadrilhas Juninas) Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2007. Mimeografado. OLIVEIRA, Érico José Souza de. A roda do mundo gira: um olhar sobre o cavalo-marinho Estrela de Ouro (Condado-PE). Recife: SESC, 2006. p. 580. PAVIS, Patrícia. A análise dos espetáculos. São Paulo: Perspectiva, 2003. SOUZA, Luiz. Tipologia das Quadrilhas Juninas (Texto apresentado no III Seminário da Comissão Julgadora do Festival de Quadrilhas Juninas). Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2008. Mimeografado.
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Entrevistas (Acervo da Gerência de Formação Cultural / Fundação de Cultura Cidade do Recife) Adgelson Soares. Quadrilha Junina Moderna Fuzarca. Recife, abril, 2008. Alana Nascimento. Quadrilha Junina Raio de Sol. Recife, abril, 2008. Anderson Gomes. Quadrilha Junina Traque de Massa. Recife, março, 2008. Cristiane / Wellignton. Quadrilha Junina Mirim Menezes na Roça. Recife, março, 2008. Ederlon Gomes / Wilson Silva / Emanoel Ferreira. Quadrilha Junina Pé Quente. Recife, março, 2008. Esdras. Quadrilha Junina Raízes do Pinho. Recife, abril, 2008. Fábio Andrade. Quadrilha Junina Lumiar. Recife, abril, 2008. Gilberto. Quadrilha Junina Mirim Fusão Nordestina. Recife, abril, 2008. Hallysson Melo (Junino). Recife, abril, 2008. Izaias Vidal. Quadrilha Junina Tropical Dance. Recife, abril, 2008. Josefa Soares. Quadrilha Junina Mirim Pisa na Fulô. Recife, março, 2008. Kátia Marinho. Quadrilha Junina Mirim Brincant’s. Recife, abril, 2008. Maria do Carmo / Jéssica. Quadrilha Junina Olodum Mirim. Recife, março, 2008. Perácio Guimarães Gondim Jr. Quadrilha Junina Traque de Massa. Recife, março, 2008. Sérgio Pereira. Quadrilha Junina Mirim Xilindró de Ritmos. Recife, abril, 2008. Sérgio Trindade. Quadrilha Junina Dona Matuta. Recife, abril, 2008.
Ficha Técnica Coordenação Zélia Sales Supervisão Albemar Araújo Entrevistas e Pesquisa Mário Ribeiro / Marla Derzi / Mayara Ferreira / Paulinho Mafe Textos Mário Ribeiro Design Gráfico Hugo Vasconcelos Fotografias Acervo Gerência de Formação Cultural / FCCR, Diário de Pernambuco e Paulinho Mafe Revisão de Texto Norma Baracho Araújo
Agradecimentos Anderson Gomes | André Perrelli | Antônio Amorim | Conceição Fragoso | Graça Xavier | Leandro Souza | Paulinho Maffe | Vera Regina Marques | Perácio Jr | Willams Santana | Serginho Barros | Itamar Coutinho | Sérgio Murilo | Cléo Henry | Luiz Carlos | Luiz Souza | Hallyson Melo (Junino) | Sérgio Trindade | Quadrilha Junina Traque de Massa | Lumiar | Moderna Fuzarca | Raízes do Pinho | Dona Matuta | Pé Quente | Tropical Dance | Brincant’s | Xilindró de Ritmos | Olodum Mirim | Menezes na Roça | Fusão Nordestina | Pisa na Fulo | Raio de Sol | Zabumba