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6. RESULTADOS

estereótipos que colocam essas pessoas como inferiores, reproduz-se o discurso orientalista, no qual o europeu é um ser superior.

Mas como citado por Said, essa inferiorização não é recente. Podemos ver esse discurso no Brasil Império e nos anos de Brasil República durante as grandes ondas migratórias. No fim da fase imperial do Brasil, surgiu como ideia da classe política ter um regime de semiescravidão de chineses e ao invés da escravidão de povos africanos, devido a pressão exteriro pelo fim da escravidão. Um dos empecilhos vistos pelo Senado da época foi os hábitos chineses descritos como inferiores, e claro a aparência racial (DEZEM, 2005).

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Não foi apenas a questão da “imigração” chinesa que teve um alarde e ideias eugenistas. Durante a imigração japonesa para o Brasil, o governo, principalmente da Era Vargas, pensou no povo “oriental” por ser “domesticável” e por aceitar melhor as condições trabalhistas precária que os imigrantes europeus (TAKEUCHI, 2008). Os políticos da época tinham medo de causar um dano à saúde da nação. O acréscimo do elemento amarelo ao caldeirão racial do país, que ainda não havia deglutido o negro, fruto da herança colonial, representava um fator de descontrole na visão dos eugenistas. O japonês é apresentado como o novo, estranho, fora de controle, uma projeção de insegurança para o futuro que se quer na mão, o elemento não previsto numa ampla estratégia de controle do trabalho e do trabalhador (TAKEUCHI, 2008, p.53).

A ideia dessa “ciência” eugenista citada por Takeuchi vai contra a ideia de raça descrita por Hall. “A raça é uma categoria discursiva e não uma categoria biológica. Isto é, ela é organizadora daquelas formas de falar, daqueles sistemas de representação e práticas sociais (discursos)”. (HALL, 2020, p. 37). Stuart Hall ainda lembra que potências imperialistas exerciam uma hegemonia cultural sob seus colonizados.

RESULTADOS

A metodologia desta pesquisa científica, para análise, consistiu em escolher conteúdos jornalísticos que abordassem de alguma maneira a Covid-19. A escolha do veículo seguiu os seguintes critérios: 1) ser digital, devido ao alcance e 2) ser um veículo de renome e que é conhecido pelo país. Considerando estes critérios, o escolhido foi a Folha de S. Paulo (digital), um veículo pago, que necessita de assinatura, mas que permite acesso a alguns conteúdos de

maneira gratuita. O veículo paulista é tradicional e centenário, então percebeu-se uma possível hipótese de o produto manter certos discursos preconceituosos.

O conteúdo foi escolhido por meio do sistema de busca do próprio site, no qual foram utilizadas as palavras-chave: coronavírus, covid-19, vírus chinês e coronavírus chinês. Cada busca apresentou mais de 300 resultados, sendo que a primeira apresentou 10.000 resultados e compreende os resultados das outras buscas. Os critérios de escolha dos conteúdos foram: 1) o conteúdo ter a sua publicação feita entre novembro de 2019 e março de 2020; 2) não ser matéria factual de acontecimentos do dia a dia (exemplo: número de mortes diárias no Brasil); 3) o título empregar algum elemento que remeta ao preconceito.

Na matéria veiculada no dia 17 de janeiro de 2020 intitulada “Doença respiratória misteriosa mata dois na China e gera alerta nos EUA”, publicada pela Folha de S. Paulo, mas de autoria da REUTERS e da Agence France Presse (AFC), destaca em seu título que é uma doença misteriosa, que leva o leitor a entender que não se sabe nada sobre a doença. Porém, no corpo do texto, há uma afirmação sobre ser uma cepa de um vírus já conhecido “A cepa é um novo tipo de coronavírus, família com um grande número de vírus. Eles podem causar doenças leves nos seres humanos, como um resfriado, mas também outras mais graves”. O tipo de afirmação feita sobre o “mistério” no título e sobre preocupar os Estados Unidos se assemelha ao discurso orientalista que trata o Oriente como um lugar que foi imaginado, que é inferior aos países imperialistas (SAID, 2007, p. 34 e 35).

Em “Ano-novo chinês em SP tem preocupação com coronavírus e presença de chineses limitada”, publicada em 1º de fevereiro de 2020, redigida por Bruno B. Soraggi, a matéria informa desde o primeiro parágrafo a preocupação de manter os chineses longe, mesmo com o Covid-19 ainda não ter sido detectado no Brasil.

Com chineses convidados a ficarem em casa por precaução contra a transmissão do novo coronavírus, alteração na programação e poucas pessoas usando máscaras tampando suas bocas e narizes, o bairro da Liberdade abriu na manhã deste sábado (1º) o primeiro dia do fim de semana de celebração do Ano-Novo chinês (SORAGGI, 2020)

A população de São Paulo, cidade que recebe o evento, tem uma enorme população imigrante, provenientes de vários países, que tiveram descendentes aqui, entre ela, os chineses. A matéria acaba trazendo e um discurso, mesmo que implícito, um sentimento anti-China e um preconceito manifestado pela xenofobia e por conta da etnia. A ideia de uma doença está ligada

aos amarelos em específico, o que legitima o racismo com a suposição e a desculpa de ser algo científico, o que justifica a exclusão e tratar amarelos como potenciais inimigos (TAKEUCHI, 2008, p.45).

Já na matéria “Além da Covid-19, peste bubônica e pandemias de gripe têm raízes na China”, escrita por Gabriel Alves e veiculada no dia 23 de março de 2020, teve como foco mostrar o quanto a China e os hábitos de sua população têm o potencial de disseminar doenças pelo mundo, atingindo principalmente o ocidente. A matéria ainda cita doenças que já foram devastadorasno passado, como a Peste Bubônica e cita casos recentes de diagnósticos na China.

“O país asiático historicamente apresenta uma certa propensão a ser berço de moléstias com potencial de assustar o mundo”, no mesmo texto o autor também tem a chance de a gripe espanhola (H1N1) ter surgido na China. Nestes pequenos trechos da matéria percebe-se tentativa de culpabilizar “o outro”, no caso a China de verdadeiras tragédias ocorridas por conta de vírus, no caso da gripe espanhola não se sabe a origem do vírus. Volta a ideia de ter o “outro” como inimigo e questionar a civilidade e bondade daquele povo, os tornando quase terroristas (SAID, 2007, p.16 e 22). A matéria ainda fala sobre as relações dos humanos com os animais silvestres e domésticos, o que pode lembrar a possível origem da Covid-19, que é associada a hábitos chineses que as pessoas consideram exóticos e duvidosos (DEZEM, 2005).

No texto jornalístico da coluna do jornalista Marcelo Leite, publicada no dia 26 de janeiro de 2020 e com o título “O coronavírus de Wuhan e as 7 pragas da China” lembra a história das 10 pragas do Egito, descrita na Bíblia Sagrada, livro religioso dos cristãos. O texto jornalístico traz uma ideia em que inferioriza o “outro” em detrimento de um mundo europeu (HALL, 2015). Porém não é a única mensagem, a produção textual apresenta quase que explicitamente um pensamento orientalista, onde é mais fácil culpabilizar o “oriental” do que realmente ir à origem do problema. “Chineses viajam em grandes hordas, levando consigo o coronavírus. Em questão de horas ou dias, a moléstia chega aos quatro cantos do mundo”, nesta frase contida na matéria é um exemplo do que se refere o que está escrito antes da citação. O texto ainda se encarrega de falar do governo de um país que não é ocidental, o que faz as ideias orientalistas de indivíduos ocidentais serem tomadas por preconceito e por colocar o “Oriente” como inimigo (Said, 2007, p.39).

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