AS DESORDENS DA REVOLUÇÃO E DO IMPÉRIO
01 LEGADO Porto Alegre Ano 1 / Número 1 Março de 2014 Publicação especial sobre Espiritualidade e Patrimônio Marista – Rede Marista RS / DF / Amazônia
LEGADO Publicação especial sobre Espiritualidade e Patrimônio Marista Rede Marista RS | DF | Amazônia
Porto Alegre Ano 1 / Número 1 Março de 2014
REVISTA LEGADO Província Marista do Rio Grande do Sul Rede Marista RS | DF | Amazônia Superior Provincial / Presidente: Ir. Inacio Etges Conselho Provincial/ Conselho Administrativo: Ir. Claudiano Tiecher. Ir. Deivis Alexandre Fischer (Vice-Provincial / Vice-Presidente), Ir. Evilázio Borges Teixeira, Ir. Lauri Heck, Ir. Odilmar Fachi, Ir. Sandro André Bobrzyk Gerente da Coordenação de Vida Consagrada e Laicato: Ir. Deivis Fischer Equipe de trabalho da Revista Legado: Ir. Claudiano Tiecher; Gustavo Balbinot (Coordenador), Ir. Romídio Siveris e Rosângela Florczak (editora) Produção: Assessoria de Comunicação Corporativa Revisão: Irmão Salvador Durante Projeto Gráfico e Diagramação: Design de Maria
SUMÁRIO APRESENTAÇÃO Conhecer, reconhecer e amar
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ESTUDOS A conversão nas relações: o novo Gustavo Balbinot
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Legado comunicacional de Marcelino Champagnat Rosângela Florczak De Oliveira
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O jeito especial de ser educador Marista Marisa Crivelaro da Silva
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A educação do coração como uma das contribuições da pedagogia Marista para o contexto atual Anderson Roberto dos Santos
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Nós da escola: educação ou disciplina e o jeito Marista de ser Viviane Marie Leal Truda
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Atividade epistolar de Champagnat e a defesa das crianças e jovens Arlindo Corrent
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Valores da pedagogia Marista: desafios para os dias de hoje Zita Judith Bonai Pedot
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PRODUÇÕES DIVERSAS Um canto de amor – Marcelino e a espiritualidade inspiradora Jurema Sausen
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A missão Marista em um hospital universitário Carmen Ferrari
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APRESENTAÇÃO
CONHECER, RECONHECER E AMAR A força de uma identidade se evidencia nas narrativas que ela é capaz de construir e inspirar ao longo do tempo. São essas memórias coadas pela realidade e organizadas em forma de fatos históricos, de biografias, de lembranças, de músicas, de orações e tantas outras manifestações humanas que dão sentido ao que se vive no presente. Para uma organização configurada em dois séculos de história e mundialmente expressiva, como o Instituto Marista, o papel da identidade e das narrativas dela emanadas é indiscutível. Conforme o sonho de Marcelino, nos expandimos pelas dioceses do mundo como sinais de esperança de uma vida justa e fraterna e nos desafiamos a permanecer fiéis ao Carisma
e aos apelos fundacionais. Com esse propósito crescemos em territórios e povos atendidos. Mas isso não seria suficiente se não investíssemos no fortalecimento, atualização e longevidade daquilo que nos diferencia como Instituto: o espírito e a espiritualidade com que vivemos a nossa missão. O Curso de Extensão em Patrimônio Espiritual e Espiritualidade Marista, conhecido em nossa Rede Marista como Curso PEM, é uma dessas importantes iniciativas de fortalecimento identitário. Com mais de nove mil pessoas atuando em nossos empreendimentos no Rio Grande do Sul, em Brasília e no Distrito Marista da Amazônia, precisamos, obrigatoriamente, conjugar dois verbos: conhecer e
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reconhecer. Por meio do curso, proporcionamos o aprofundamento na formação marista. Quem já conhece e vive a história do Instituto, como os Irmãos e Leigos, têm a oportunidade de reconhecer, reencontrar, reviver e intensificar o conhecimento. Gestores e colaboradores que se juntaram à missão mais recentemente, têm a oportunidade de encontrar e conhecer os elementos profundos da identidade marista.
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A caminho da terceira edição, o curso não se encerra no fim do terceiro módulo. A publicação que você tem em mãos prolonga o compromisso e os resultados dessa iniciativa de formação. Trata-se de uma revista que apresenta as produções dos alunos do PEM. Artigos científicos, pesquisas empíricas, produções culturais, depoimentos que revelam o encanto de quem conhece e reconhece uma história de 200 anos repleta de vida. E como não poderia deixar de ser, é possível perceber pela qualidade do que apresentamos aqui, nesta primeira edição da Revista do PEM, que o encanto se
transforma em algo mais profundo: o amor. Conhecer, reconhecer e amar são bases da atuação de quem trabalha todos os dias para tornar Jesus Cristo conhecido e amado. Boa Leitura a todos e vida longa à Revista do PEM! Ir. Inacio Etges Provincial da PMRS e Presidente da Rede Marista RS / DF / Amazônia
ESTUDOS
Gustavo Balbinot1
A CONVERSÃO NAS RELAÇÕES:
O NOVO
RESUMO De Champagnat, o Instituto Marista recebe um Patrimônio espiritual que tem como uma das marcas fortes a presença, o espírito de família e o amor cultivado nas relações. Assim o fez o fundador e assim orientou que vivessem e propagassem. Esta é a marca do espírito fraterno marista. Faz-se necessário reportar-se a Champagnat em nossa realidade de vida e relação. Hoje, a quase 200 anos de sua fundação, o Instituto vive uma realidade de abertura à vocação marista o que reforça ainda mais a vocação do Irmão Religioso pela sua consagração e testemunho de vida comunitária, e abre possibilidade de atuação de leigos que se identificam ou assumem alguma forma mais efetiva de viver o carisma marista de Champagnat.
1. Formado em Filosofia e Teologia, com mestrado em Educação, atua na área da Espiritualidade e Patrimônio Marista pela Província Marista do Rio Grande do Sul/ Rede Marista RS, DF e Amazônia. É integrante da subcomissão interamericana da Rede de Espiritualidade Apostólica Marista. Faz parte da coordenação do Curso de Extensão em Espiritualidade e Patrimônio Marista do Rio Grande do Sul.
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O Instituto dos Irmãos Maristas2 realizou, em 2009, o 21º Capítulo Geral, reunindo representantes, Irmãos e Leigos, de todas as unidades administrativas presentes nos mais de 80 países dos cinco continentes. Além de partilhas de experiências nos locais de atuação, refletiu-se sobre os novos horizontes nos campos da relação e missão. Ao final do Capítulo Geral, foram aprovados os chamados “três horizontes”, todos eles relacionados às atitudes de conversão, tanto pessoal quanto institucional. O segundo horizonte apresenta o desejo de uma nova relação entre Irmãos e Leigos3: “A conversão a uma nova relação entre Irmãos e Leigos, baseada na comunhão, buscando juntos uma maior vitalidade do carisma para o nosso mundo” (MARISTAS, 2009, p. 3). Esse horizonte apresenta a comunhão como base da nova relação. É um princípio evangélico, cristão que abre várias possibilidades, mas antes de qual-
quer fato é uma atitude, um pressuposto para o novo. A relação é um dado existencial ou existente, o novo é a possibilidade de reflexão e atitude que ganha maior sentido existencial e humano. O novo se faz necessário e vital para a continuação tanto da vida como de um carisma institucional e este não é algo que aconteça instantaneamente, mesmo que por uma tomada de atitude. Os períodos passados de mudanças significativas na vida religiosa nos deveriam ter ensinado que todo o processo, em que o velho precisa morrer para dar lugar ao novo, exige pelo menos meio século para se efetivar. Qualquer grupo precisa de todo esse tempo para ‘destruir-se’ de modo que seus membros comecem a fazer-se as perguntas certas (SAMMON, 2009, p. 46).
Uma das reflexões, em forma de parábola, sobre o novo nas relações, encontra-se nas palavras de Jesus: “o vinho novo deve ser
2. Instituto fundado por Marcelino Champagnat em 1817, hoje presente em mais de 80 países, tem como missão a evangelização. Atua no campo da educação, mas também tem unidades no campo da saúde ligadas à educação. Os Irmãos são homens consagrados a Deus, que vivem em comunidades e professam os votos de pobreza, castidade e obediência. 3. Pessoas identificadas com o Instituto ou através de movimentos ou mesmo por identificação e vivência do carisma institucional.
A CONVERSÃO NAS RELAÇÕES: O NOVO
colocado em barris novos, porque o vinho novo arrebenta os barris velhos e o vinho e os barris se perdem” (Mc 9, 17). Jesus alude à conversão dos corações e das mentes de um grupo de pessoas que eram chamadas de fariseus. Eles eram considerados conhecedores e praticantes das leis judaicas. Alguns deles inclusive eram apelidados de justos, o que remetia ao cumprimento das 714 leis judaicas4. Encontramos a expressão “homem justo” em Lucas, referindo-se a José, esposo de Maria, pai adotivo de Jesus, que por ser cumpridor das leis, quando soube que Maria estava grávida sem sua participação, para não difamá-la, resolveu deixá-la em segredo (Mt 1, 19). A justiça passava pelo cumprimento das leis. Essa era a razão principal de tantos impasses, discussões e incompreensões por parte dos judeus mais ortodoxos em relação às atitudes de Jesus nos dias de sábado, quando era proibido praticar qualquer atividade, inclusive milagres. Jesus expressa que a sua mensagem, o vinho novo, deve ser
vivido, habitado, em corações convertidos, corações novos, que valorizam a vida acima das leis, mesmo sabendo que elas são necessárias para o bom convívio de uma sociedade ou instituição. Jesus mesmo afirma: “Não pensem que eu vim para abolir a Lei e os Profetas. Não vim abolir, mas dar-lhes pleno cumprimento” (Mt 5, 17). Ainda em relação à conversão ao novo, em um encontro com Nicodemos, um fariseu reconhecido e respeitado, ele diz: “se alguém não nasce do alto não poderá ver o Reino de Deus” (Jo 3,30). Nicodemos, ironicamente, questiona: “Como é que um homem pode nascer de novo, se já velho? Pode entrar novamente no ventre de sua mãe e nascer?” (Jo 3, 4). O novo nascimento, segundo Jesus, é pelo Espírito. E essa é a condição fundamental de vida plena: nascer do Espírito, mas é necessário sensibilidade para tanto. Grün afirma: “Essa fonte do Espírito flui em todo o ser humano. Muitas vezes, no entanto, nos encontra-
4. Cf. Ismar Portilla, Irmão Marista, em pronunciamento no encontro da Rede de Espiritualidade Marista (RED-EAM), 2009, Los Teques, Venezuela.
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mos desconectados dela ou simplesmente não a consideramos”. (GRÜN, 2008, p. 81)
para ir ao encontro do novo: “Ide para Nova Terra”. O Superior-Geral, Ir Emili reforça:
O 21º Capítulo Geral traduziu o novo pelo caminho do coração. O Capítulo tinha como lema: “Corações Novos para um mundo novo”. Partindo desse pressuposto, o novo não é uma reposição ou perda do que se tem, mas uma transformação, assim como diz Deus ao seu povo através do profeta Ezequiel: “Dar-vos-ei um novo coração. Tirarei de vós o coração de pedra e vos darei um coração de carne” (Ez. 36,26). O coração de pedra não é próprio de quem tem constituição humana, aliás, refere-se à negação da vida humana e das suas atitudes. O coração de carne, reposto, recuperado, traz consigo todas as características, as fortalezas e as fraquezas relacionadas ao ser humano em seu sentido existencial. No fundo é uma conversão de coração. Poderíamos então afirmar: o novo nasce do coração.
[...] tanta insistência na novidade deve significar que não estamos satisfeitos com a realidade atual. Entretanto, dá a impressão de que, uma vez iluminados pelo Espírito e tendo visto claramente que é preciso dirigir-se para novas terras... – o que deixamos por escrito! – voltamos às nossas ocupações habituais como se nada houvesse acontecido! (TURÚ, 2012, p. 22).
O referido Capítulo, ao final, em carta aberta aos Irmãos e Leigos de Champagnat nos convoca
Bonder (2008), refletindo sobre a experiência de Abraão, ao caminhar para a terra prometida, chama a atenção que ela não está em um lugar geográfico, mas em todo o lugar. A viagem para a nova terra é uma viagem interior, um movimento de conversão pessoal, uma mudança antropológica: “Esta terra prometida não estará em nenhuma latitude e longitude específicas, senão aqui neste lugar, neste instante, que é santo. Trata-se de uma viagem que não é geográfica, mas antropográfica” (BONDER, 2008, p. 23).
A CONVERSÃO NAS RELAÇÕES: O NOVO
Fílon (25 a.C) o primeiro pensador que realizou um estudo bíblico, da Torah, à luz da filosofia grega, e os Terapeutas de Alexandria, aconselhavam à pessoa: “Vá para você mesmo. Eu estou com você” (apud LELUP, BOFF, 2012, p. 62). Ir para si mesmo, olhar para dentro é um desafio existencial, sempre novo, que acompanha a caminhada humana. Partindo dessa categoria, o novo pode ser traduzido como o encontro pessoal, a tomada de consciência e a mudança em relação a si mesmo e em relação ao Outro enquanto pessoas, Deus, natureza, Universo. Ao discutirmos a expressão “nova relação” talvez nos venha à tona, algo totalmente diferente do que se está vivendo, uma novidade, um nunca vivido, algo gerado, criado, possível, e para algumas pessoas inalcançável ou simplesmente não possível, não permitido. Nem sempre o novo é absolutamente novo, ou desconhecido. Ele pode ser uma retomada ou um reencontro ou, como ousamos chamar, um pro-
cesso de conversão para o que deixamos de viver como essência em algum momento da caminhada vital ou institucional. A história está cheia de experiências que marcaram e criaram (recriaram) modelos, estereótipos, estilos de vidas, políticas, culturas, institucionais ou mesmo foram tendências. O novo não nasce do nada, mas de uma maneira ou outra já existe um antes, que poderíamos chamar de dado, preparatório, até mesmo propósito quando ele é desejado. Talvez o existente deva ser superado ou totalmente mudado, provocando inclusive um momento de crise. Assim não deixa de ser uma experiência propulsora. Um bom exemplo nos vem da filosofia e testemunho de São Francisco de Assis que viveu há mais de 800 anos, e até pouco tempo, fora alguns apaixonados por ele ou que pertenciam a movimentos surgidos de sua espiritualidade, o que falou e cantou era considerado algo simplesmente poético ou demente. Hoje temos
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a espiritualidade de Francisco como atual: cuidar das criaturas como nossas irmãs porque juntos formamos um todo, e em tudo Deus está presente. Tudo e todos interagem harmonicamente. Assim foi o desejo de Deus na criação: “E Deus viu que era bom” (cf. Gn 1,25). Pensadores como Leonardo Boff e o próprio Papa Francisco apresentam Francisco de Assis como arquétipo de vida atual.
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O sentido de pertença harmoniosa ao Universo, à Sociedade, a uma comunidade eclesial, a um Instituto, a um grupo de amigos ou de partilha de vida, gera sentido à vida da pessoa. Hincler (1995) afirma que a presença significativa gera um sentimento de plenitude de vida. Chama a atenção de que em uma sociedade complexa como a que vivemos, as pessoas precisam sentir a presença do outro. Guttorm Floistad5, um dos integrantes do Slow Movement 6 afirma que atualmente “tudo muda” com muita rapidez, mas que é necessário desacelerar nossas relações, isto é, dar mais tempo para a vida e o que
lhe é essencial, ao que não muda, como, por exemplo, o sentir-se amado e amar. Grün (2012) chama atenção para viver a espiritualidade a partir da base, de si mesmo, do encontro pessoal com o que chama de paixões. É uma forma de conversão, pelo próprio sentido da palavra: voltar-se para, e neste caso, para dentro. Em outras palavras dar valor e tempo à realidade existencial e nela encontrar Deus. O resgate do humano é a porta para possíveis conversões, mudança de atitudes, projetos de vida, e no que diz respeito à nova relação, talvez este resgate seja uma das características do ‘novo’, vivê-las humanamente. Para isso não basta dividirmos a mesma casa, o mesmo escritório, a mesma comunidade, a mesma escola, atuarmos na mesma missão, é preciso viver relações de comunhão (fraterna), cultivando atitudes como o diálogo, o reconhecimento dos dons e inteligências pessoais, o apreço pelo outro, a valorização da vocação
5. Filósofo Norueguês 6. Slow Movement – literalmente: “movimento lento”. O movimento defende uma mudança de ritmo nas atividades, nas relações, na vida, cotrário à cultura da rapidez e do consequente stresse, em outras palavras, fazer tudo no seu devido tempo, sem apressar-se. O movimento Slow começou em 1986, por Carlo Petrini, em protesto à abertura de um restarurante McDonald na Piazza di Spagna, em Roma.
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religiosa e laical, o sentido da presença, do espírito de família e o cultivo das verdades, dos afetos e dos sentimentos. Essa atitude espiritual leva ao bem-estar, ao sentirsi benne (sentir-se bem) na presença de si mesmo e do outro, à superação de conflitos que, em sua maior parte, são projeções do não conhecimento e autoaceitação. O caminho é dinâmico e permanente, não é somente um tempo propício para ter essas atitudes, mas uma maneira de viver. Em relação ao relacionamento fraterno, as Constituições do Instituto Marista (2009), reafirmam o amor e o carinho que Champagnat teve pelos seus Irmãos:
Nas cartas circulares dirigidas a eles eram frequentes as manifestações de afeto: “Meus queridos e bem-amados, vocês são continuamente o objeto especial de minha solicitude. Todos os meus anseios e todos os meus votos têm em vista sua felicidade; isso certamente vocês já o sabem” (CHAMPAGNAT, 1997 p. 151). O biógrafo Jean Baptiste Furet, que conviveu com Champagnat, afirma: “Pai nenhum teve mais afeto por seus filhos que o Pe. Champagnat por seus Irmãos. Seu coração, naturalmente bondoso e cheio de caridade para com as pessoas em geral, transbordava de carinho pelos membros do seu Instituto” (FURET, 1999, p. 400).
O padre Champagant fez da comunidade dos primeiros Irmãos uma verdadeira família. Partilhou a vida deles em Lavalla e em l’Hermitagge. Dedicou-se totalmente a eles. Dizia-lhes: ‘sabem que vivo só para vocês. Não há nenhum bem verdadeiro que eu não peça a Deus diariamente, para vocês e que eu não esteja disposto a conseguir à custa dos maiores sacrifícios’.
Furet recorda algumas expressões de Champagnat em suas cartas aos Irmãos que revelam a atenção e o amor que tinha com eles: “Saiba, meu Irmão, que o amo e lhe consagro todo o afeto em Jesus Cristo” (Champagnat, apud FURET, 1999, p. 400). Quando escrevia aos Irmãos Diretores de escolas: “Digam aos Irmãos que os amo como se fossem meus fi-
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lhos” (idem). Quando estava por visitar um a comunidade: “Estou ansioso por vê-los, abraçá-los, e dizer-lhes toda a afeição que lhes dedico em Jesus Cristo” (idem). Champagnat, ao mesmo tempo, orientava que os Irmãos tivessem a mesma atitude: “Bem-amados e caríssimos Irmãos, amemo-nos uns aos outros” (CHAMPAGNAT, 1997, p. 185). Furet afirma: “O bom Padre amava os Irmãos como filhos e exigia que se amassem como irmãos”. A atitude de amar e orientar ao amor são constantes em sua vida e foi matéria central de seu Testamento Espiritual: “Amem-se uns aos outros” (FURET, 1999, p. 223). Essa atitude de amor e cuidado era marca da novidade, frente ao clima social e clerical da época, e até hoje é inspiração para projetos pessoais e institucionais. Quem convivia com Champagnat, aos poucos, se motivava a ter as mesmas atitudes, o que se tornou aos poucos um traço, um dos valores do Instituto, o chamado espírito de família. O documento Em torno da Mesma Mesa 7 caracteriza a relação 7. Explicar o documento.
familiar de Champagnat com os primeiros Irmãos como ambiente de aconchego e proximidade. O documento reforça a necessidade de momentos e espaços de partilha de vida entre Irmãos e Leigos, e entre si, os quais devem gerar comunhão em toda a vida. Essa partilha exige tempos em comum. As pessoas reúnem-se ao redor da mesa para conversar, rir e estar juntas. É preciso buscar esses momentos e espaços de comunicação em profundidade, encontros de qualidade que nos unam no essencial. Assim, compreenderemos as diferentes formas de pensar e agir, aceitando os próprios limites e os dos outros em um clima de autêntica fraternidade (INSTITUTO MARISTA, 2009, 80).
Alfredo Simonetti, em uma alusão à vida matrimonial, mas que pode perfeitamente ser utilizada para a reflexão das relações cotidianas, afirma que uma das artes da boa convivência é desatar os nós para que eles se tornem laços. Para que isso aconteça é ne-
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cessário conhecer a dinâmica da formação dos nós ou, em outras palavras, compreender as causas que levaram a vivenciar uma situação desagradável ou um problema. Então eles, os nós, por vezes são inevitáveis, mas podem se tornar pedagógicos, porque animam as pessoas a terem atitudes para desatá-los e possibilitar uma nova relação, um recomeço, um novo laço. Tanto os nós quanto os laços somente são possíveis pelos dinamismos da vida em relações compartilhadas, seja em família, comunidade, ou outros grupos sociais. A vida fraterna é sinal iluminador de um valor possível de se viver frente à fragmentação das relações na atualidade. O papa Francisco, na recente Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2013), reflete sobre o problema do individualismo gerado pela globalização, quando esta deveria ser um caminho para a corresponsabilidade e fraternidade universal. “O individualismo pós-moderno e globalizado favorece um estilo de vida que debilita o desenvolvimento e
a estabilidade dos vínculos entre as pessoas e distorce os vínculos familiares” (EG, 67). Para tratar da relação fraterna como testemunho e primeiro anúncio do Evangelho de Cristo, Leonardo Boff (1997) apresenta a Regra de Francisco de Assis. Algo que, como ele diz, mesmo sendo interna aos Franciscanos, ainda não foi compreendida em sua totalidade, e continua sendo um desafio na vida dos cristãos. Na Regra, quando cita como os irmãos devem ir à missão junto aos infiéis e sarracenos, ele diz, de forma extraordinária, algo que a Igreja até hoje não conseguiu assimilar. Ele diz: ‘Quando vocês forem ao meio deles, vivam o Evangelho da fraternidade. E sirvam a eles como irmãos e irmãs. Depois, se vocês julgarem que agrada a Deus, anunciem Jesus Cristo e o Evangelho’.8Vejam, para conviver, servir e tornar-se irmãos, demora muito tempo. São gerações e gerações. Vocês não chegam lá impondo a Cruz e o Evangelho. Vocês chegam com o evangelho mais
8. Nos faz lembrar o que Champagnat nos ensinou: “para bem educar é preciso amar”.
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universal que existe: o evangelho da fraternidade (BOFF e LELUP, 2012).
A partir dos ensinamentos e da Regra de Francisco de Assis, o autor apresenta um exemplo vivido pelos missionários franciscanos:
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Foi com esse evangelho que os missionários franciscanos chegaram ao Japão. Os japoneses matavam os leprosos, e os franciscanos abriam hospitais para evitar que os leprosos fossem mortos. Conviviam com eles, pegavam lepra e morriam juntos. Os japoneses ficavam perplexos e diziam: “De onde vem sua força? Quem faz vocês terem esta atitude?”. Os franciscanos respondiam: “O leproso é nosso irmão, por isso, o tratamos”. Depois de duas gerações disseram: “O leproso é nosso irmão, porque temos um grande irmão que é Jesus Cristo”. E passaram a anunciar o grande irmão Jesus Cristo. Isso é revolucionário até hoje (idem).
Boff convida a refletir sobre o valor evangélico da vida frater-
na, como o fez Jesus com seus discípulos quando os convidou a estar com eles (cf. Mc 3,13). É interessante perceber que essa não é uma atitude extraordinária, mas é uma questão de opção, de escolha, de afeto, de amor. Champagnat viveu próximo, presente em sua comunidade e quando sua sensibilidade o levava a visitar os Irmãos que viviam em lugarejos de missão, ou visitar Irmãos doentes ele o fazia com amor, sem medir esforços (FURET, 1999). Toda novidade requer mudança de atitude. Bonder (2008) usa um exemplo significativo quando se refere à mudança de atitudes e acolhimentos ao novo, ou àquilo que não é sentido na rotina do dia a dia. Ele reflete a partir da atitude de “tirar o sapato”, em outras palavras, libertar-se do que impede o contato com a realidade tanto externa quanto interna. O texto iluminador é o episódio da Sarça Ardente (cf. Ex 3, 2-6), onde Moisés, após ter fugido do Egito, encontra-se no deserto pastoreando o rebanho
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de seu sogro Jetro. Enquanto executa essa atividade, ele tem uma visão de uma ‘sarça’ ardente, um pequeno arbusto que estava queimando e não se consumia. Então se aproxima do fato misterioso e ouve a voz de Deus que lhe pede para descalçar as sandálias, em atitude de respeito ao chão que é sagrado. Milênios depois, explicava o Rabino de Apta em sua obra Oeiv Israel: O que é retirar o sapato? O sapato representa o que está amoldando o nosso pé, é a forma que acompanha nosso feitio, nossos calos. Deus diz ao ser humano como disse a Moisés: – Descalça teus sapatos, retira de ti o habitual que te envolve e reconhecerás que o lugar onde estás neste momento é sagrado. Porque não há lugar ou momento que não seja sagrado (BONDER, 2008, p. 21).
A primeira atitude sugerida é o reconhecimento do lugar e do tempo como sagrados. Esse lugar é o lócus onde nos encontramos, em qualquer lugar e estado
de vida física, espiritual e afetiva. No mesmo sentido, quando trata do tempo: em todos os tempos, tanto cronológico, como funcional ou afetivo-espiritual, ou como é também chamado, o tempo do coração. O lugar é também a relação consigo mesmo e com o outro. Assim entende-se a atitude de ‘descalçar’, como algo imprescindível para aguçar os sentidos. Como sugere o autor, atitudes simples, como a mudanças de hábitos, podem ajudar neste exercício e conscientização. Habituamo-nos a determinados padrões e condutas que se tornam nosso sapato. E é com ele que caminhamos toda a vida. [...] o sapato representa a proteção indispensável entre o ser e seu meio. O chão, no entanto, é o pavimento da vida e ele não se ajusta à nossa pisada. De tempos em tempos, temos que retirar o sapato e tocar o solo com a planta do pé. Encontramos, então, uma superfície irregular e desconfortável que pode até nos ferir. Mas esta será uma experiência singela de libertação e expansão. Sentir o chão é reencon-
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trar a vida (idem).
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Trazendo o exemplo para a relação de Irmãos e Leigos, o sair do habitual desperta para perceber certa nuanças da vida, imperceptíveis quando se vive somente de rotinas. Como o novo na vida de um casal nem sempre é fazer algo extraordinário, mas pode se traduzir em atitudes como o oferecimento de uma flor, um pequeno mimo, um abraço afetuoso, o novo na relação de quem segue os passos de Champagnat pode ser cultivado com pequenas atitudes de carinho e atenção, assim como ele o fez. Encontra-se também nas pequenas histórias chamadas de fioretti 9 manifestações de afeto e cuidado que ele tinha com seus Irmãos, ora aos mais fragilizados, ora para chamar atenção, ora para fazer um pequeno mimo ou até justificar e perdoar algum castigo que havia sido proferido por algum superior. Todas essas histórias, relatadas pelos primeiros Irmãos manifestam o quando Champagnat conhecia e tratava os seus próximos com compaixão e com amor. Tantas são as atitudes possí-
veis para estreitar e tornar significativa e nova a relação Irmãos e Leigos e entre si, que não envolvem maiores programações. Mas todas elas devem partir do coração pela intencionalidade do encontro e da valorização das pessoas que partilham o mesmo carisma. Daí podem surgir tantas iniciativas que auxiliam e manifestam o espírito fraterno. O que pensar, então, em relação ao novo na relação Irmãos e Leigos? O novo seria a atuação partilhada na missão: os lugares e os espaços que deve mser ocupados? É construirmos ‘tendas’ físicas de vida compartilhada ou tendas afetivas e espirituais? O lócus é a estrutura (estruturas-missão, estruturasempreendimentos, estruturasresidências, estruturas-casas de encontros e outras tantas) ou é primeiramente o coração? Bonder, trazendo presente a experiência da hospitalidade de Abraão acolhendo os peregrinos10 em sua tenda, descreve que o pagamento pela hospedagem era efetuado em ‘moeda espiritual’.
9. Literalmente, “pequenas flores”, no sentido de atenção, mimos, pequenos gestos, sensíveis. 10. No livro do Gênesis 18 e 19, há o relato da hospitalidade de Abraão quando ele acolhe em sua casa três homens, que após foram considerados anjos. Os três supostamente peregrinos anunciam que no ano seguinte irão retornar, e no seu retorno Sara e Abraão terão um filho. Sara ri por ser de idade avançada. Após alguns dias Sara percebe estar grávida. Após dar à luz recebem novamente a visita dos três peregrinos.
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A finalidade era que o peregrino ao sair da mesa reconhecesse que a alimentação era fruto da providência divina. A tenda de Abraão não é um espaço fechado em si, mas aberto, em que, além da hospitalidade e a possibilidade de entrar nela, quem faz uso dela se sente responsável pela sua essência e existência. Bonder afirma ser a abertura a possibilidade para a realização da comunhão e a inclusão. Durante o asilo, o peregrino descobre que recebe a abundância da vida. Entende que as tendas fechadas, as propriedades e as identidades cumprem uma função, mas não são a essência da vida. E esta se manifesta no banquete aberto a todos. A vida, portanto, não se define na epiderme que dá contorno e fronteira a um indivíduo, mas também na porosidade que lhe permite a troca e a inclusão (BONDER, 2008, p. 126).
A tenda sem fronteiras traz presente experiências de acolhidas, remetendo à aceitação do 11. Tradução livre.
outro, enquanto diferente. É possibilidade concreta de amar e ser amado. St. Arnoud (1973), tratando do tema da vida comunitária, na perspectiva psicológica, aborda a necessidade fundamental de amar e ser amado. Na perspectiva de ser uma necessidade e ao mesmo tempo potencialidade pessoal, o autor emprega o termo ‘atualização da capacidade’ de amar e ser amado, e apresenta a comunidade de vida como lócus para atualizar essa capacidade. Entendo a comunidade de vida, a relação sistemática que se estabelece entre pessoas que buscam conjuntamente a maneira de aumentar sua capacidade de amar e ser amadas. O fundamento psicológico da comunidade de vida é a necessidade de amor presente em cada membro da comunidade. [...] A comunidade de vida existe, realmente, quando cada um dos seus membros se sente acolhido nela como em sua própria em casa. [...] o objetivo de cada um será aprender a amar os outros membros de sua comunidade e deixar-se amar por eles (St.ARNOUD, 1973, p. 35)11.
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Não se trata aqui de estrutura física, ao mesmo tempo não é somente um grupo de amigos, porque, se assim fosse, o desafio de amar e ser amado seria limitado pela própria facilidade de estar bem com eles, mas um grupo ou comunidade de pessoas que partilha a vida sistematicamente. A importância de viver com o diferente e identificar e solucionar os conflitos que possam surgir, desenvolve a capacidade de amar e ser amado. O autor ainda apresenta duas comunidades ou instâncias comunitárias: a comunidade de trabalho, ou profissional, e a comunidade de fé, alertando que muitas comunidades eclesiais, inclusive religiosas, investiram suas energias na atividade de trabalho para responder a uma necessidade social. Esta opção, segundo o autor, pode levar a uma perda da capacidade de amar e ser amado e da falta de sentido existencial. Para iluminar a comunidade de vida, de trabalho e de fé, podemos nos reportar ao exemplo de Champagnat e dos primeiros Irmãos. Várias são as manifestações
do amor que Champagnat tinha com seus Irmãos, como também o amor ao trabalho e o espírito de fé manifestado através das orações e celebrações diárias, e no exercício da presença de Deus (FURET, 1999). Na relação Irmãos e leigos, o novo permite o reconhecimento da existência do outro. A valorização da vocação laical e religiosa é a valorização e reconhecimento do chamado que Deus faz a cada um que se encantou com o carisma. Carisma este que foi sendo construído pela experiência mística e horizontal de fé, de Champagnat, dos Primeiros Irmãos, das comunidades religiosas, e do testemunho de tantos Irmãos e Leigos. A partir disso, novas experiências surgiram e surgirão e são motivadoras do surgimento de outras experiências como comunidades mistas Irmãos, leigos e leigas, de vida partilhada, Fraternidades do Movimento Champagnat da Família Marista, Grupos de Jovens Maristas, Grupos de Vida, Grupos de reflexão Marista, Grupos de Estudos Maristas, Grupos de Vo-
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luntários Maristas, Comunidades Vocacionais mistas em lugares de inserção, comunidades internacionais mistas, e tantas outras que o Espírito, como protagonista, fará surgir por meio de pessoas e grupos que se deixarem inspirar por Ele. A atitude do amor faz acontecer o novo! Jesus afirma nos deixar “um mandamento novo”, e este “novo” é o amor, o sempre novo: “amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês” (Jo 15, 12). A partir deste novo mandamento, Champagnat afirma em seu Testamento Espiritual: “amai-vos uns aos outros assim como Jesus vos amou”. A partir do mandamento do amor, com o novo é possível compreender e projetar o novo tempo marista, a nova relação, como o tempo do coração. É no profundo do ser que é possível encontrar respostas de como viver a boa-nova do Evangelho na atualidade. O coração é a porta para abrir os olhos, ou infelizmente fechá-los, diante dos desafios da vida partilhada e da missão que se apresenta. É a partir do coração que é possível
amar e entregar a vida por quem se ama (cf. Jo 15,13), e entender que a existência do outro é a nossa alegria (ALVES, 1997). Dalla Rosa (2012), em referência ao filósofo Levinás, aborda o mandamento do amor na perspectiva ética, do cuidado e responsabilidade pelo outro, da compreensão da alteridade como fundamental na formação humana. Nesse sentido, o amor é traduzido como movimento, travessia irreversível em direção ao outro e na atitude de serviço a ele, a quem o autor chama de ‘sujeito ético’. O mandamento do amor está prenhe de um horizonte ético gerador de libertação (humanização). Esse é o significado ético irradiado na promessa da ‘terra prometida’. E o encontro com o outro será sempre ‘terra prometida’, como Infinito que vem a mim no desejo de constante abertura. [...] No rosto do outro abre-se o encontro com o Infinito. Vestígio de Deus que se manifesta como desejo ao êxodo. Ou, dito de outra forma, Palavra de Deus que se diz no rosto do próximo (DALLA ROSA,
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2012, p. 94).
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Essa atitude de amor serviço ao outro é transcendência. O autor referindo apresenta o amor como cultura a ser construída e afirma que o desejo de transcendência decorre de uma atitude de liberdade pessoal e se torna um evento incontornável de humanização. “Trata-se, portanto, da sabedoria que me interpela e me convoca para significar a minha vida no horizonte do amor: ‘Ama o teu próximo como a ti mesmo’ (Lv 19, 18b)” (idem, p. 135). Bonder (2008) alude à saga de Abraão, pelo chamado de Deus a ir à terra prometida: Lech Lechá (vá para você mesmo), como o desafio existencial. Esse caminho, porém, não acontece somente em nível pessoal (do sujeito individual), mas é também processo de alteridade. Assim o amor como condição de comunhão, necessariamente passa pelo outro, no reconhecimento de identidades não só como presenças, mas como condição de realização humana, inclusive na
dimensão espiritual. Se quiser ir para si, um ser humano terá que passar pelo outro. Sua identidade não é apenas uma questão pessoal, mas se consolida na condição do outro e também no olhar do outro. Sua identidade também não pode se estabelecer em contraposição ao outro, mas se produz na difícil tarefa de acolher o outro. [...] olhar a si no outro permite compreender que a fonte de toda a bondade e benesse não é um sujeito, mas uma condição (BONDER, 2008, p. 228-229).
Referindo-se a Champangat, Irmão Francisco, um dos personagens que viveu com ele, lembra o amor serviço e transcendente que ele teve em suas relações com os primeiros Irmãos, com quem conviveu. [...] acima de tudo ele era bom, era compassivo, era para nós como um pai! Ao fundar a Congregação quis organizá-la como família, onde o superior fosse um pai e os Irmãos idosos velassem sobre os jovens e os protegessem. Formemos, pois, essa família, sejamos os seus filhos. Te-
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nhamos amor, respeito e serviço mútuo. Deixemo-nos penetrar de seus sentimentos. Façamo-lo reviver no meio de nós.12
A conversão das relações, do novo, passa por atitudes que movem comportamentos: olhares acolhedores, relações mais sensíveis, empáticas, e por vezes de compaixão (compartilhar o coração), viver com sentimentos de gratidão às pessoas que amamos e àquelas que nos ajudam a sermos mais humanos, cultivar o acolhimento, a alegria de não estarmos vivendo somente ao lado de alguém, mas com-vivermos e com-partilharmos com e nas pessoas a vida e a missão. Como está escrito na carta do 21º Capítulo Geral do Instituto dos Irmãos Maristas: “Deus tem um sonho para cada um de nós, para a humanidade e para o nosso Instituto. Ao escutar os nossos corações, descobrimos o seu amor, sua misericórdia e ternura como um Deus Pai e Mãe [...]” (INSTITUTO MARISTA, 2009).
Os sonhos, os desejos nascem do coração. Se o Espírito nos convidou e conduziu para viver juntos e partilhar vida e missão, Irmãos e Leigos, em nossas identidades e diferenças, este carisma tão especial, então o lugar é o coração, é o lócus da presença de Deus na vida da gente e na vida de quem evangelizamos. Mesmo que, como afirma Francisco de Assis, e Ir. Seon, a vida fraterna leva gerações para acontecer, esse (hoje) é o tempo e o espaço, a terra sagrada, a oportunidade e o sonho de Deus sonhar e para viver o novo, a nova relação. CONSIDERAÇÕES FINAIS De Champagnat, o Instituto Marista recebe um Patrimônio espiritual que tem como uma das marcas fortes a presença, o espírito de família e o amor cultivado nas relações. Assim o fez o fundador e assim orientou que vivessem e propagassem. Esta é a marca do espírito fraterno marista. Faz-se necessário reportar-se a Champagnat em nossa realidade de vida e relação. Hoje, há quase 200 anos
12. (FRANÇOIS, FMS Frère. Documento 505.8. Archives Frères Maristes: Roma)
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de sua fundação, o Instituto vive uma realidade de abertura à vocação marista o que reforça ainda mais a vocação do Irmão Religioso pela sua consagração e testemunho de vida comunitária, e abre possibilidade de atuação de leigos que se identificam ou assumem alguma forma mais efetiva de viver o carisma marista de Champagnat.
REFERÊNCIAS
O desafio do novo na relação, mais que a novidade dos Leigos atuando nas estruturas de missão ou fazendo parte de algum movimento, reporta a uma questão de atitude existencial. Champagnat, em todas as circunstâncias, mostrou-se próximo e atencioso. O caminho que sentimos ser necessário cultivar é o da presença e reconhecimento afetivo desta relação. A comunhão requer amor, sem ele não há verdadeira comunhão, ela não existe, é ilusão. O amor expresso em atitudes de inclusão, em amizades e fraternidades, em manifestações de afetos e reconhecimentos alimenta a verdadeira comunhão e o novo que Cristo nos deixou como mandamento e Champagnat como legado.
BOFF e LELUP. Terapeutas do Deserto: de Fílon de Alexandria e Francisco de Assis a Graf Dürckheim. Petrópolis: Vozes, 2012.
ALVES, Rubem. Pai Nosso: Meditações. São Paulo: Paulus, 1997. BÍBLIA SAGRADA. Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 1990. CHAMPAGNAT, Marcelino. Cartas. São Paulo: SIMAR, 1997.
FURET, Jean-Baptiste. Vida de São Marcelino José Bento Champagnat. São Paulo: Loyola; SIMAR, 1999. BONDER, Nilton. Tirando os sapatos: O Caminho de Abraão, um caminho para o outro. Rio de Janeiro: Rocco, 2008. GRÜN, Anselm. O céu começa em você: a sabedoria dos padres do deserto para hoje. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
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_____. Fontes da Força Interior: Evitar o esgotamento, aproveitar as energias positivas. Petrópolis: Vozes, 2008.
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INSTITUTO MARISTA. Constituições e Estatutos. Roma, 2011 _____. Com Maria, ide depressa para uma nova terra! Carta do XXI Capítulo Geral aos Irmãos, leigos, leigas e jovens marsitas. Roma: 2009. _____. Em torno da mesma Mesa: a vocação dos leigos maristas de Champagnat. Roma: 2009. SAMMON, Seán Ir. Em seus braços ou em seu coração: Maria, nossa Boa Mãe - Maria, nossa Fonte de Renovação. Roma: Instituto dos Irmãos Maristas, 2009 SIMONETTI, Alfredo. O Nó e o Laço: desafi os de um relacionamento amoroso. São Paulo: Integrare Editora, 2009.
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ESTUDOS
Rosângela Florczak De Oliveira13
LEGADO COMUNICACIONAL
DE MARCELINO
CHAMPAGNAT
RESUMO Investigar as competências e estratégias comunicacionais de Marcelino Champagnat, fundador do Instituto dos Irmãos Maristas, a partir de suas habilidades e qualidades humanas é o objetivo deste trabalho. Diversas inferências emergem dos registros feitos pelo biógrafo oficial de Marcelino, Jean-Batiste Furet. A partir delas é possível ir além da história de fé, coragem e esperança desse grande líder que revolucionou a educação católica de sua época e empreendeu um sonho que até hoje, 200 anos depois da fundação, é relevante para diferentes sociedades nos cinco continentes. Mais do que um exercício de caráter científico, buscamos, aqui, contribuir com elementos que podem ser considerados como um legado do fundador do Instituto para os atuais gestores e lideranças que atuam na Instituição ou até mesmo fora dela.
13. Doutoranda e Mestre em Comunicação pela PUCRS, atua como Gerente de Comunicação Corporativa na Rede Marista RS, DF e Amazônia e como professora de disciplinas de Comunicação Corporativa em Cursos de Jornalismo. E-mail: roflorczak@gmail.com.
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DOIS SÉCULOS DE INSPIRAÇÃO
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Em 200 anos de história do Instituto Marista no mundo, muito se tem afirmado acerca do perfil de seu fundador, o Padre Marcelino Champagnat, para além das caraterísticas comuns a todos os homens de fé que empreenderam obras relevantes para responder às necessidades da Igreja Católica. Diversas dessas características estudadas com maior ou menor aprofundamento são universais e podem inspirar pessoas e organizações de diferentes naturezas e tipologias. Com o intuito de contribuir com o desenvolvimento das lideranças internas do Instituto, assim como apresentar ao mundo das organizações uma referência possível de líder, julgamos oportuno aprofundar os estudos sobre um conjunto específico de características de Marcelino ainda pouco exploradas: as competências14 e estratégias15 comunicacionais. Pretendemos aqui aprofundá-las como dimensões relevantes do seu perfil de liderança, a partir de pesquisa bibliográfica exploratória.
Ao concluir o artigo no qual investiga a inteligência social e emocional de Marcelino Champagnat, Consigli (2009) afirma: “Temos visto que Marcelino era realmente talentoso no seu relacionamento humano. [...] Era eficiente comunicador”. Ao fazer um passeio pela trajetória do fundador do Instituto Marista, queremos compreender que lugar tiveram as interações e os diálogos, ou seja, qual a importância das trocas comunicacionais na consolidação do seu grande projeto: a criação de um Instituto de religiosos consagrados, dedicados à educação, na fé e nas ciências, de crianças e jovens camponeses, especialmente os mais pobres. Para termos clareza dos desafios enfrentados por Marcelino, precisamos relembrar, de forma resumida, a sua trajetória. Jovem camponês, de limitadas condições financeiras, educação inacessível, vivendo em um período de convulsão social, econômica e religiosa, contou com a sólida estrutura familiar como fundamento de seus valores pessoais. Enquanto a
14. Conforme Fleury e Fleury (2001), a competência não se limita a um estoque de conhecimentos teóricos e empíricos detido pelo indivíduo, nem se encontra encapsulada na tarefa. Segundo Zarifian (1999), a competência é a inteligência prática para situações que se apoiam sobre os conhecimentos adquiridos e os transformam com tanto mais força, quanto mais aumenta a complexidade das situações. 15. Forma de agir para atingir os objetivos principais de um projeto.
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Revolução Francesa e o período Pós-Revolucionário tornavam os espaços públicos violentos e perigosos, a proteção de Marcelino era a família. Dentro de sua casa proliferaram os exemplos inspiradores, como o da liderança política justa e firme de seu pai e a convicção religiosa de sua mãe e de sua tia, em um ambiente harmônico no qual a rigidez das regras sociais, a sobriedade e a vivência dogmática da fé eram carregadas de afeto e proteção.
firme, dirigia a casa com sábio espírito de economia e ordem perfeita. [...] A tantas qualidades excelentes, esta mãe modelar associava profunda devoção à Santíssima Virgem. [...] A piedosa mãe foi maravilhosamente auxiliada nesta missão por uma tia do menino [...] Era uma religiosa que, como tantas outras, fora expulsa do convento, pelos homens que, naquele tempo, inundavam a França de sangue e ruínas (FURET, 1999, pp. 1-4).
[...] Nasceu em Marlhes, paróquia situada nas montanhas de Pilá, no cantão de Saint-Genest-Malifaux, departamento do Loire. [...]. Nasceu no dia 20 de maio de 1789 e recebeu o nome de José Bento Marcelino. O pai chamava-se João Batista Champagnat; a mãe Maria Chirat. [...] fê-lo nascer num ambiente humilde, numa região pobre e no meio de uma população profundamente religiosa, mas rude e sem instrução. Seu pai era um homem sensato e instruído [...] conquistou a estima de todos os habitantes da paróquia. Servia-lhes de árbitro nas eventuais desavenças. [...] A mãe, de caráter
Ao ser chamado para a vocação sacerdotal, Marcelino começou a enfrentar desafios que se multiplicariam ao longo de sua vida. A defasagem da educação formal, que tornou difíceis os tempos de seminário; a disciplina necessária para desenvolver-se em todas as dimensões; a perseverança de levar adiante um projeto improvável; a fé, a coragem e a autoconfiança para desafiar o poder clerical e assumir uma nova forma de evangelizar; empreender e abrigar um Instituto de religiosos dedicados à educação em um tempo de descrença e com a absoluta falta de
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recursos, foram alguns dos muitos enfrentamentos que marcaram a vida de Marcelino. Marcelino Champagnat, hoje um santo da Igreja Católica, encontrou na comunicação um recurso eficaz. Quais as características que prevaleciam no seu jeito de comunicar? Quais os princípios dessa comunicação? Quais as plataformas que marcaram o seu tempo e das quais fez uso? E por fim, qual o legado deixado para as lideranças maristas? | 32 |
Para encontrar os registros que podem nos levar às respostas das questões investigadas, contamos como fonte principal de pesquisa, a obra de Jean-Baptiste Furet, biógrafo oficial de Marcelino, autor de Vida de Marcelino José Bento Champagnat. As Cartas ativas e passivas e as pesquisas já desenvolvidas acerca do patrimônio espiritual do Instituto Marista foram amplamente consultadas. Para contexto histórico e teórico, a pesquisa valeu-se de inúmeros autores de áreas de saber das Ciências Sociais, Humanas e, pelo
foco comunicacional, também foram buscados pensadores das Ciências da Comunicação, especialmente da área da Comunicação Organizacional. CONTEXTOS O contexto social, político e religioso no qual Marcelino viveu e desenvolveu seu projeto de vida definiu boa parte de suas atitudes e configurou seu modo de liderar. Forjado em um ambiente de conflitos de toda a ordem, ele precisou, acima de tudo, desenvolver a competência de articular interesses e negociar com forças e poderes diversos para ver o seu sonho prosperar. A importância histórica do tempo vivido pelo fundador do Instituto Marista é indiscutível. Tiecher (2012) relembra que a Revolução Francesa é considerada um marco do fim da Idade Moderna. Assinala o início da Idade Contemporânea. Distante do foco da convulsão social vivida antes e durante a Revolução, Marcelino era fortemente tocado por um dos temas centrais
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do conflito: a educação. Ela era a base de um dos princípios da Revolução, o da Igualdade, que apontava para o direito à educação de todos os cidadãos e inspirou o artigo 22 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada em 1793, que assegurava: “A instrução é a necessidade de todos. A sociedade deve favorecer com todo o seu poder o progresso da inteligência pública e colocar a instrução ao alcance de todos os cidadãos” (DIAS, 2007, p. 441). A história pessoal de dificuldade com a educação formal experimentada por Marcelino retrata a situação educacional vivida na França do início do século XIX. Conforme Tiecher (ibidem, p. 26), “[...] a situação educacional estava fragilizada, não havia condições materiais, nem estrutura física, visto que as escolas funcionavam onde podiam: em celeiros, estábulos, porões e em casas de famílias”. As mudanças ocorridas nesse contexto são frutos de iniciativas da Igreja Católica que, no Concílio de Trento (1563), pede aos Bispos e Padres que se preocupem com a instrução
dos cristãos. Surgem, então, congregações religiosas voltadas para a educação. Quando, no Seminário Maior vem, a Marcelino e ao seu grupo de colegas seminaristas, a inspiração de criar a Sociedade de Maria16, ele visualiza a possibilidade de contribuir com a educação das crianças e dos jovens. Desde o princípio insiste, contrariando a percepção de seus companheiros do futuro clero, na possibilidade de criar um ramo da Sociedade de Maria formado por religiosos consagrados a Deus e dedicados, exclusivamente, à educação. Após a ordenação sacerdotal, quando já atuava como padre coadjutor na cidadezinha de La Valla, o fundador do Instituto Marista se depara com a dura realidade que de alguma forma conheceu quando menino: crianças sem amparo educacional, ignorantes da ciência e dos mistérios da fé. Mudar aquele mundo tornou-se a missão de Marcelino. Até os últimos dias de sua vida, ele lutaria para consolidar o projeto do Instituto, a despeito de todas as dificuldades encontradas.
16. Em 23 de julho de 1816 acontece a Promessa de Fourvière, considerada o marco da fundação da Sociedade de Maria. No dia seguinte à ordenação sacerdotal, o grupo de 12 novos padres, que haviam concebido e se comprometido com a criação da Sociedade de Maria, celebram uma missa no Santuário de Nossa Senhora de Fourvière, em Lião, e assinam a promessa, que pode ser chamada de Ata de fundação da Sociedade de Maria.
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Era preciso provar ao mundo a importância do projeto
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Decidido, após o episódio histórico do encontro com o Jovem Montagne17, Marcelino cria, em 2 de janeiro de 1817, o que ele denominou como o Instituto dos Pequenos Irmãos de Maria. Os detalhes dos contextos eclesial, político, religioso (espiritualidade) e comunicacional que o cercavam são fundamentais para compreender melhor as estratégias comunicacionais do fundador do Instituto Marista, objeto principal da presente pesquisa. Aqui tecemos algumas considerações breves, a partir de um detalhado levantamento apresentado por Strobino (2012). As relações de poder e o lugar do Clero Conforme Strobino (2012), do nascimento à morte de Champagnat, a Igreja esteve sob o comando de cinco diferentes papas. No período revolucionário, o clero, considerado como o Primeiro Estado, dividiu-se entre aqueles que continuavam fiéis a Roma e aqueles que
juraram fidelidade às Leis da Revolução Francesa, sofrendo, inclusive, ingerência do poder civil na nomeação dos bispos, os galicistas. Lião, a Diocese sob a qual viveu Marcelino, teve, ao longo de sua vida, quatro bispos fiéis ao Papa e dois constitucionalistas, ou seja, nomeados pela Revolução. Dois cardeais marcariam fortemente a trajetória do fundador do Instituto. O primeiro deles, Cardeal Joseph Fesch, tio de Napoleão, foi a autoridade da Igreja na região após o fim da Revolução Francesa. Grande incentivador da reorganização dos seminários. Por determinação dele, foi desencadeada uma espécie de campanha de animação vocacional. Padres percorriam as casas de camponeses em busca de identificar novas vocações sacerdotais. Pois em uma dessas incursões, houve o chamado a Marcelino. Foi também pelas mãos do Cardeal Fesch que Marcelino foi ordenado padre, em 6 de janeiro de 1814. Outra autoridade clerical importante na história de Marcelino foi Dom Jean-Paul Gaston de Pins, que foi nomeado como Administrador Apostólico de Lião,
17. O padre Marcelino é chamado à casa de um carpinteiro em Les Palais, povoado próximo a La Valla, para atender o jovem João Batista Montagne no leito de morte. Surpreendeu-se ao ver que o rapaz ignorava as verdades religiosas. Pacientemente, expressou-lhe toda a solidariedade e preparou-o para morrer. Esse fato convenceu Marcelino de que não havia mais tempo para esperar. Era preciso agir. Decidiu fundar o Instituto dos Pequenos Irmãos de Maria ou Irmãos Maristas.
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visto que o Cardeal Fesch exilou-se em Roma, a partir de 1814, e nunca se demitiu do título de Cardeal. Enfrentando já as dificuldades iniciais de convencer o Vigário-Geral de Lião, Monsenhor Claude-Marie Bochard, e outros padres da região em apoiá-lo na criação do Instituto dos Pequenos Irmãos de Maria, encontrou em Dom de Pins, o apoio necessário para dar os primeiros passos. Entre os vigários-gerais de Lião, no período de Dom de Pins, Monsenhor Cholleton e Monsenhor Cattet entraram para a história de Marcelino como grandes apoiadores da obra do fundador. Há alguns exemplos de cartas enviadas por Marcelino a esses representantes do Clero, sempre explicando as razões da sua obra e de suas atitudes, pedindo ou cobrando apoio. Da Revolução Francesa ao Primeiro Império As forças e fortes mudanças no clero que influenciavam o espaço de poder da Igreja, locus de desenvolvimento do projeto de Champagnat, refletiam o convul-
sionado período da história política da França. Conforme Strobino, quando ocorreu a queda da Bastilha, Marcelino, em Rosey, completava dois meses de idade. Foi durante a sua infância que a França assistiu ao auge dos conflitos revolucionários: a Constituinte, a Primeira República, a condenação do Rei Luís XVI à guilhotina, a convenção, o período de terror e o consulado. O consulado de Napoleão e sua ascensão como Imperador e a 1ª breve restauração da Monarquia, ainda com Luís XVIII, neto de Luís XV, e a campanha dos Cem Dias de Napoleão, marcaram a juventude, a vida no seminário e a ordenação sacerdotal de Champagnat. Ao dar início ao Instituto Marista, em 2 de janeiro de 1817, a França vivia o período da 2ª Restauração da Monarquia com o Rei Luís XVIII, que se estendeu até 1824. O rei Carlos X, também neto de Luís XV, reinou de 1824 até 1830, quando foi derrubado pela Revolução Civil de 1830. A retomada do poder pela monarquia ocorreu com o Rei Luís Fi-
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lipe I, Duque de Orléans, da Casa de Orléans, que reinou até 1848, quando o sobrinho de Napoleão deu início à 2ª República.
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Em um período marcado por tantas disputas, Marcelino mantinha-se fiel ao projeto de Evangelizar pela educação. Conseguiu estabelecer diálogos com os mais diversos personagens da política e do clero, sem se deixar cair nas armadilhas das paixões políticas, buscando ganhar terreno, construir o sentido e legitimar a existência do seu Instituto. A comunicação entre censuras e avanços Um dos fatos históricos importantes relacionados com a comunicação e com forte influência sobre o período em que Champagnat nasceu e viveu é o surgimento do grande e primeiro registro impresso do conhecimento humano acumulado até então: a Encyclopédie. Elaborada por pensadores diversos, como Voltaire, Montesquieu, Rousseau, entre outros, foi editada por Denis Diderot e Jean
le Rond d’ Alembert e publicada na França entre 1751 e 1780. Em 35 volumes, foi considerada a grande realização literária do século XVIII. Comunicar o conhecimento e proclamar um novo humanismo rendeu conflitos com a Igreja e com o Estado. Em 1759, a Encyclopédie foi incluída no Index dos livros proibidos aos católicos romanos, o que não impediu que continuasse a circular. Pouco mais tarde, na França de 1789, ano de nascimento de Marcelino Champagnat, a comunicação já era assunto de alta importância. Convertida em objeto de pesquisa com foco na malha ferroviária e no transporte marítimo, significava, também, preocupação e era objeto de manobras altamente questionáveis por forças diversas, especialmente por parte da monarquia. O fim do século XVIII e início de XIX foram de efervescência para a área da comunicação na França. É sabido que as necessidades de guerras e revoluções são férteis na busca de recursos técnicos que favoreçam as trocas entre tropas e equipes
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de comandos. Pois foi no início do período revolucionário que a França instala o primeiro serviço de telecomunicações do mundo, o telégrafo ótico ou aéreo, chamado de telégrafo manual, inventado por Claude Chappe. Aprovada pela Convenção, a primeira ligação de telegrafia aérea que consistia na transmissão de sinais mecânicos repetidos de posto para posto é instalada, em 1793, entre Paris e Lille. O país, em guerra, precisa colocar suas forças armadas em comunicação entre si (MATTELART, 1991, p. 16). A necessidade da guerra efetivamente gerou avanços comunicacionais, colocando a França no cenário mundial das inovações que marcaram os séculos XVIII e XIX e geraram as condições fundamentais para os saltos que marcariam o século XX. Mesmo inventado no início da Revolução, é de 1845 a 1865, que o telégrafo se expande e se consolida como meio de comunicação. Em 1853, conforme Mattelart (idem), o telégrafo deixa de ser de uso
exclusivo das forças militares e, em 1867, torna-se, efetivamente acessível ao grande público. Nesse mesmo período, a malha ferroviária cresce de 3.010 para 17.733 quilômetros. Lião, região onde Marcelino viveu, era um importante centro de interligação viária. Apesar do avanço dos novos recursos, o meio preferencial das trocas comunicacionais entre o povo e, até mesmo, com autoridades, era a carta. E essa, estava também no foco das atenções e manobras do poder. Distante da região camponesa na qual nascia o fundador do Instituto Marista, mas exatamente no centro dos acontecimentos políticos na região de Paris, entre as insatisfações que antecederam a Revolução Francesa estava a infame violação instituída pelo monarca Luís XII, o Cabinet Noir. As cartas tinham seus segredos violados pelo Cabinet Noir. O receio de conspirações institucionalizou o serviço que funcionava na Agência Central dos Correios da França e que foi abolido pela
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Revolução Francesa e retomado por Napoleão Bonaparte. Mais, a França exportou o modelo que se espalhou pelo mundo, mesmo depois do reconhecimento oficial do direito do cidadão ao segredo da correspondência (MATTELART, 1991).
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Apesar dos riscos da violação de segredos, a carta, instrumento difundido desde a Grécia Antiga e consolidado pelo Sistema Postal no século XV, constitui-se como meio preferencial de interação, um evento comunicativo que permitia vencer as distâncias. Marcelino, ao longo de sua vida fez uso intensivo das cartas pessoais e das cartas públicas. Esses são, portanto, alguns (poucos) recortes de aspectos do contexto vivido por Marcelino Champagnat e pela sociedade de sua época. São diferentes dimensões que tecidas juntas podem nos ajudar a compreender um pouco mais as condições sociais, políticas e tecnológicas das práticas comunicacionais do fundador do Instituto Marista.
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS Além de visualizar o contexto no qual Marcelino viveu e desenvolveu seu grande projeto, é preciso evidenciar os pressupostos teóricos que guiam nossa pesquisa exploratória. Os conceitos de comunicação fundamentam este estudo. Antes, porém, é necessário contextualizá-los no tema da Liderança. Liderança A força da liderança de Marcelino é indiscutível. Furet (1989) evidencia os traços que, desde a ordenação sacerdotal, marcaram a vida pública e as relações interpessoais do fundador, comprovando o exercício de uma forte liderança colocada sempre em uma perspectiva de serviço à Igreja e aos cristãos com vistas à transformação da realidade. Sob o ponto de vista da pesquisa, os estudos sobre liderança podem ser considerados recentes (1930) e complexos, exigindo a interface entre diversas ciên-
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cias para que seja possível estabelecer seu escopo. Aqui não nos interessa esgotar o tema, mas sim, escolher, entre tantas opções apontadas pelas ciências, uma definição de liderança que nos ajude a compreender melhor a atuação de Marcelino. Em uma breve revisão das teorias da liderança, Santana, Tecchio e Cunha (2010) recuperam algumas das abordagens teóricas que prevalecem nos estudos da liderança. Nesse contexto, verifica-se que, nas duas últimas décadas, existe uma tendência na literatura em considerar a liderança como um processo que envolve influência intencional de pessoas sobre pessoas com a finalidade de criar condições e facilitar relações, de modo que elas possam realizar atividades que contribuam para a consecução de objetivos compartilhados [...] (Ibidem, 2010, p. 4).
Para os autores, a liderança deve ser conceituada como um processo que se estabelece entre o líder e os seguidores (bilateral),
complexo e de múltiplas dimensões (psicológicas, cognoscente, de interações, etc.) em torno de objetivos a serem atingidos. Chanlat e Bédard (1996), ao tratarem não só da liderança, mas também da gestão e a colocarem como uma atividade essencialmente de fala, de interação e de linguagem, afirmam que a pessoa em posição de autoridade é, em grande parte, a responsável pelo tipo de intercâmbio que estabelece com seu grupo de influência. A atmosfera particular que cria em torno de si é de grande importância revelando a estratégia que estabelece a partir de suas habilidades e qualidades humanas. A dimensão que condiciona todas as outras é a qualidade da relação que a pessoa mantenha consigo mesma. [...] a liderança é, antes de tudo, uma relação consigo mesmo; e, sendo assim, “um sólido sentimento de sua própria identidade autônoma é indispensável para que se possa ter uma relação normal com o outro. [...]” (LAING, 1970, p. 39). Toda pessoa que tenha uma relação
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difícil consigo mesma terá que fazer uso dos outros, a apoiar-se nos outros para resolver seus problemas pessoais. Nessa relação com o outro, talvez a dimensão mais importante seja a de aceitar fazer o enterro da onipotência e de seus fantasmas pessoais (Ibidem, p. 146).
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Concordando com os autores citados, Consigli (2009) afirma que quanto melhor o homem se conhece, tanto maior a capacidade que tem para aceitar-se ou mudar. Ele afirma que Marcelino estava motivado pelo desejo constante de aprendizagem e autodesenvolvimento e tinha grande habilidade de focar nas áreas de mudança de que precisava. As cartas de intenções, as orações, os regulamentos e os propósitos de mudança que escrevia para si mesmo são o resultado deste profundo discernimento e autoconhecimento que caracterizam a liderança. Entre as qualidades apontadas pelos autores como as mais apreciadas em alguém que esteja à frente de um projeto e precise mobilizar grupos para que objetivos
coletivos sejam alcançados estão: o senso de equidade, a capacidade de estimar, a abertura do espírito, a honestidade, a generosidade, a coragem, o senso de responsabilidade e o julgamento. São essas qualidades profundamente humanas que qualificam as habilidades técnicas fartamente apontadas pela literatura como a capacidade de ouvir e a qualidade da expressão. A essas características é possível acrescentar o perfil descrito por Marcelino que, ao solicitar ao Arcebispo de Pins, em 1835, um sacerdote para ajudá-lo, descreve-o assim: Falta-nos alguém que supervisione, que anime e tome a direção geral da casa em minha ausência, que atenda aos que vêm e vão. Que goste e sinta a importância e as vantagens de estar no cargo, um diretor piedoso, preparado, experimentado, prudente, firme e constante (Cartas, 1997, p. 135).
Ao citar o nome de um padre que poderia atender a esse perfil, Marcelino ainda acrescenta a importância da estima ao projeto e a
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alegria em dedicar-se à obra, como pré-requisitos para desenvolver um bom trabalho. Para a liderança baseada em boas habilidades e qualidades humanas, a comunicação passa a ser recurso fundamental e desenvolvido de forma plena. Mas, assim como o conceito e os estudos sobre liderança são múltiplos e frutos da interface entre vários campos do conhecimento, a comunicação igualmente pode ser compreendida sob vários prismas. Entendemos que é importante evidenciarmos a abordagem que aqui utilizamos. De que comunicação estamos falando? De caráter polissêmico e onipresente na vida dos indivíduos e das organizações, comunicação “é resultado de formidável movimento de emancipação social, cultural e política nascida no Ocidente”, afirma Wolton (2006, p. 25). O autor, que conceitua comunicação como a busca da relação e do compartilhamento com o outro, afirma também que “a comunicação parece tão na-
tural que, a priori, não há nada a ser dito a seu respeito. E, no entanto, tanto o seu êxito, como o seu recomeço não são fáceis” (2006, p. 13). Mais do que se informar, emitir ou transmitir informações, deseja-se estabelecer o diálogo e dar sentido para as informações e conhecimentos, pois “assim como explicar não significa convencer, conhecer não basta para agir” (Ibidem, p. 164). “Comunicação inclui o outro: o receptor, o interlocutor, enfim, aquele que dá sentido e efetiva o processo. As relações sociais, portanto, vinculam-se por meio da comunicação” (FLORCZAK, 2009, p. 75). Uma abordagem que ganha espaço na pesquisa das Ciências da Comunicação e, especialmente, na Comunicação Organizacional, campo que estuda as relações comunicacionais entre sujeitos no ambiente das organizações, é a visão da comunicação como construtora de sentido na organização. Para o teórico francês Genelot (2001), que estuda a complexidade no gerenciamento das organizações, a construção de sentido não é algo simples e direto, mas, sim, um processo complexo,
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cheio de imprevistos, sutilezas e recursividades entre o emissor e o receptor (GENELOT, 2001 apud CARDOSO, 2006).
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As lideranças interagem com públicos com demandas de diálogo. Dessa forma, reabilita-se a figura do receptor, do outro, da interação. Emissor e receptor encontram-se em relação recursiva e dialógica, na qual ambos têm poder e direito à argumentação. Tal perspectiva admite que “Essa igualdade de poder e direitos não significa simetria de desejos, conhecimentos, propósitos iguais ou posicionamentos, mas possibilidades e abertura na negociação para que possíveis diferenças e conflitos sejam expostos devidamente acompanhados das razões que os sustentam” (CARDOSO, 2006, p. 1.139). O universo de potencialidades da comunicação é, parcialmente, explorado por Chanlat (1996), ao alertar que reflexão e ação se constituem nas duas dimensões fundamentais da humanidade concreta. Segundo o autor, é no universo da palavra e da linguagem, inerentes
ao ser humano, que está o ponto-chave para a compreensão humana. Arendt (1997) afirma que é pela compreensão que tentamos conciliar nossas paixões e nossas ações. “[...] os homens que vivem e se movem e agem neste mundo, só podem experimentar o significado das coisas por poderem falar e ser inteligíveis entre si e consigo mesmo” (ARENDT, 1997, p. 12). É, pois, pelo diálogo, que se torna possível atribuir sentido ao que somos e fazemos. Para Marcondes Filho (2008), o diálogo é a criação de um espaço comum. No ambiente organizacional, o diálogo ganha um lugar relevante e estratégico. Sob essa perspectiva as pessoas que estiverem dispostas a cooperar, trabalhar juntas, precisam ser capazes de criar algo em comum, ou seja, “[...] alguma coisa que surja de suas discussões e ações mútuas, em vez de algo que seja transmitido por uma autoridade a outros que se limitem à condição de instrumentos passivos” (BOHM, 2005, p. 30). Considerando que as organizações são sistemas complexos
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formados por sujeitos em relação, um espaço permeado por convívios que fazem emergir a individualidade e as vivências pessoais e coletivas, em uma lógica recursiva, as interações sociais permitem afirmar que é possível, por meio do diálogo, estabelecer vínculos e criar significados. A comunicação torna-se, então, o que afirma Marchiori (2006, p. 79): “[...] essencialmente uma ponte de significados que cria compreensão mútua e confiança [...]”. A COMUNICAÇÃO NA LIDERANÇA DE MARCELINO Compreendemos que Marcelino nasceu em tempos de convulsão social e política, em uma verdadeira mudança de época; que precisou enfrentar um mundo de desafios tanto na dimensão histórica e social, quanto clerical e religiosa, além das inúmeras superações pessoais. Tudo isso para criar sentido ao seu projeto e convencer os envolvidos de que estava construindo, mesmo que em um cotidiano tumultuado, uma nova referência de vida religio-
sa consagrada, uma nova referência de educação cristã e, acima de tudo, um novo jeito de Evangelizar, de expressar e viver a fé nos princípios do evangelho de Jesus Cristo. Compreendemos também, que sendo um líder forte e com profundo autoconhecimento, Marcelino possuía as habilidades e qualidades humanas consideradas fundamentais para levar adiante o projeto do Instituto Marista. Entendendo a comunicação na liderança como um elemento fundamental para criar algo novo em processo de colaboração, estabelecer vínculos e criar significados a partir da confiança e da compreensão mútua, trabalharemos com as evidências que encontramos para compreender as competências e estratégias comunicacionais de Marcelino Champagnat. A palavra e o testemunho A partir dos registros históricos da vida de Marcelino, especialmente de sua bibliografia oficial, é possível inferir que longe de aproveitar-se de sua condição de
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membro do clero ou, mais tarde, de superior da sua comunidade de Irmãos, ele rejeitou as atitudes que diminuem o líder e prejudicam frontalmente a sua capacidade de comunicar-se de forma horizontal e igualitária: os abusos, o autoritarismo, a dureza das repreensões repetidas, as afrontas gratuitas, os comentários descorteses, a desconfiança, o desrespeito e o descrédito do valor das pessoas (Chanlat e Bédard, 1996, p. 143). Ao longo de sua vida privilegiou um modelo de liderança coerente com o seu projeto de educação e evangelização e trabalhou arduamente para, junto às pessoas envolvidas, atribuir o sentido e legitimar o projeto no qual estavam envolvidos sob sua liderança.
A partir da revisão teórica e compreendendo que para a liderança efetiva é preciso desenvolver competências e programar estratégias comunicacionais, buscamos identificar em Furet (1989), a descrição de alguns, entre muitos possíveis, fatos e características da vida de Marcelino que evidenciem essas competências e estratégias. Inferimos a intenção comunicacional de Marcelino em cada uma das circunstâncias históricas apontadas.
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COMPETÊNCIA E / OU ESTRATÉGIA COMUNICACIONAL
Em sua ação como coadjutor da Paróquia de La Valla. Gozando de confiança e estima de todos, era solicitado para arbitrar as eventuais desavenças na paróquia. Quantas vezes conseguiu restabelecer a concórdia em famílias desunidas, reconciliar inimigos, erradicar velhas discórdias, silenciar os detratores do senhor vigário, de cujo procedimento se queixavam! Seu espírito conciliador, caráter alegre, modos simples, bondosos e afáveis, conquistaram-lhe o coração; bons e maus gostavam dele e aceitavam com prazer, ou pelos menos sem maiores dificuldades, seus avisos, conselhos e mesmo as repreensões (FURET, 1989, p. 53).
• Mediação • Estabelecimento de vínculos por meio de relações de confiança.
Na relação com seus superiores (Trecho que narra o início da vida sacerdotal de Marcelino na paróquia de La Valla. Ao se deparar com o “triste hábito” do Pároco de exceder-se no vinho). [Infelizmente, essa limitação tão grave num sacerdote não ficou oculta, e o Pe. Champagnat, testemunha do mal causado ao pároco e do escândalo provocado na paróquia, sentia profunda mágoa. Com prudência, respeito e caridade, lançou mão dos meios ao seu alcance para cortar o mal. Primeiramente rezou com fervor para alcançar ao pároco a graça de se corrigir do mau costume. Dirigiu-lhe depois respeitosas observações sobre o assunto. Ele mesmo abstinha-se de vinho, no intuito de levá-lo à sobriedade pelo exemplo. Se não conseguiu recuperá-lo totalmente, pelo menos teve a consolação de prevenir muitas faltas e levá-lo a evitar outros excessos.] (FURET, 1989, p. 37).
• Escuta • Diálogo • Transparência
Na relação com os seus paroquianos de La Valla. Convencido de que, para se fazer o bem e levar as pessoas a Deus, é preciso conquistar-lhes a afeição e a estima, quando chegou a La Valla o Pe. Champagnat tratou de conquistar a confiança de seus paroquianos. Seu caráter alegre, franco, expansivo, sua aparência simples, modesta, risonha, simpática e nobre ao mesmo tempo, contribuíram muito. Ao passar pelas ruas, e quando encontrava alguém, sempre tinha de dizer alguma coisa engraçada, uma palavra de elogio, consolo ou animação. Conversando familiarmente com todos, sabia pôr-se ao alcance de cada um, adaptar-se ao seu gênio, entender seus pontos de vistas e o modo de ver as coisas. Após haver-lhe preparado o espírito, terminava a rápida conversa com uma palavra de edificação, um bom conselho ou leve reparo, se fosse o caso (FURET, 1989, p. 38).
• Estabelecimento de vínculos por meio de relações de confiança. • Transparência • Coerência
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COMPETÊNCIA E / OU ESTRATÉGIA COMUNICACIONAL
No cuidado com as crianças Dava catecismo todos os domingos e no inverno, durante quase todos os dias da semana. Seu modo de explicar o catecismo era simples e familiar. Exigia primeiro o texto. Os que sabiam ler deviam decorá-lo e ele mesmo ensinava-o àqueles que não sabiam ler. Por fim, explicava-lhes o sentido por meio de breves perguntas. Ouviam-no com visível satisfação porque tinha o dom especial de aprender a atenção e transmitir facilmente o que ensinava. Sabia interessá-los e despertar-lhes a curiosidade por meio de comparações, parábolas e breves historietas (FURET, 1989, p.39).
• Estabelecimento de vínculos por meio de relações de confiança. • Oratória diferenciada usando amplamente os recursos das parábolas e metáforas. • Criação de significados
A capacidade de animar no momento da homilia/sermões. Os sermões do Pe. Champagnat não produziram menos frutos do que os catecismos. No púlpito exprimia-se com veemência. Nele, tudo falava: o gesto, a aparência humilde e piedosa, o tom de voz, a palavra viva, sonora e inflamada, tudo | 46 | contribuía para comover e convencer os ouvintes. Nunca subia ao púlpito sem ter-se preparado pelo estudo, reflexão e oração. Começou com breves exortações. A primeira consistia em simples reflexões. Entretanto, agradou a todos os ouvintes. Ao saírem da igreja, diziam: “Nunca tivemos aqui um padre que pregasse tão bem!”. Essa opinião difundiu-se na paróquia e as famílias procuravam informar-se do dia em que ele devia pregar. O povo acorria então e a igreja ficava sempre cheia. Pregava essas verdades com tanta veemência que, por várias vezes, arrancou lágrimas do auditório e abalou os pecadores mais empedernidos. Suas palavras, repassadas de clareza, ardor e unção, empolgavam os espíritos e sensibilizavam os corações. “Ele é de Rozet, por isso as palavras dele são macias e agradáveis como as rosas” (Ibidem, pp. 43 e 44).
• Oratória de grande qualidade com uso intensivo de metáforas e parábolas, adequada ao público interlocutor.
Na fundação do Instituto [...] Pessoalmente, com umas tábuas fez duas camas para seus dois Irmãos e também uma mesinha de jantar. Levou, então, os dois discípulos para a casinha modesta que se tornou o berço do Instituto dos Irmãozinhos de Maria. A pobreza transparecia por toda a parte. [...] Foi em 2 de janeiro de 1817 que os dois noviços tomaram posse da casa, começaram a viver em comunidade [...] (Ibidem, pp. 59 e 60).
• Coerência • Testemunho • Relação saudável com o poder
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COMPETÊNCIA E / OU ESTRATÉGIA COMUNICACIONAL
Na animação dos primeiros Irmãos. O Pe. Champagnat, que os amava como filhos, ia muitas vezes visitá-los. De vez em quando trabalhava com eles, animava-os, dava-lhes aula de ler e escrever, orientava-os, expunha-lhes suas intenções, seus projetos [...] (Ibidem, p. 60).
• Compartilhar tudo, desenvolvendo o sentimento de pertença. • Criar significados
Dando o seu testemunho de sacrifício pessoal e presença junto aos primeiros Irmãos. A direção da casa dos Irmãos absorvia tempo considerável de Champagnat. [...] Convenceu-se, porém, que isto era insuficiente, pois seus Irmãos eram apenas noviços na vida religiosa e no magistério, e necessitavam a toda a hora de sua orientação e seus conselhos. [...] Essas razões e, mais ainda, o afeto [...] decidiram-no a ir morar com eles. Falou ao pároco, que tudo fez para demovê-lo. “Que fará você, disse ele, no meio desses jovens, bons e piedosos, sem dúvida, mas rudes e pobres, incapazes de assisti-lo e de preparar-lhe a comida?“.[...] No seu entender, o melhor meio de afeiçoá-los à vocação [...] era dar-lhes o exemplo e ser o primeiro a praticar antes de ensinar (Ibidem, p. 71).
• Testemunho • Estabelecimento de vínculo por meio de relações de confiança. • Relação saudável com o poder.
Acompanhando a ação dos Irmãos junto ao magistério. Em pouco tempo julgaram-se capazes de arcar com a responsabilidade de toda a escola. Levaram a proposta ao Pe. Champagnat, que não aceitou, pois desejava que as primeiras experiências fossem mais humildes e fossem desenvolvidas em cenário mais modesto. Reuniu-os e lhes disse: “Meus amigos [...] (Ibidem, p. 69). Os Irmãos lhe consagravam a máxima veneração e amavam-no como pai. [...] por isso, embora tendo-lhe profundo respeito, tratavam-no como companheiro (Ibidem, p. 72).
• Transparência • Relação saudável com o poder.
Na sua responsabilidade de acompanhamento e formação dos novos Irmãos, ao corrigir o Irmão responsável pela vigilância dos alunos internos que se entretia com a reza do Ofício: Sua primeira obrigação é cuidar de seus alunos para prevenir o mal e conservar-lhes a inocência. Se conseguir isso, sua oração será mais agradável a Deus e mais meritória, ainda que, em decorrência de sua função, você se distraia um pouco. É bem melhor do que rezar sem distração, mas negligenciando esse importante dever (Ibidem, p. 73).
• Coerência • Relação saudável com o poder. • Diálogo • Atuação com transparência.
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COMPETÊNCIA E / OU ESTRATÉGIA COMUNICACIONAL
No acompanhamento de seus Irmãos. [...] levava-os a descobrirem as falhas ocorridas, retificava possíveis erros na explanação [...] aprovava e elogiava o que fora bem feito. Sempre terminava animando-os e mostrando a excelência da função [...] (Ibidem, p. 75).
• Diálogo • Transparência
Na coibição dos excessos, dos castigos e dos julgamentos. [...] informado de que um Irmão impusera aos alunos proibições demasiado rigorosas, mandou chamá-lo e lhe disse: − Que foi que você proibiu aos alunos? − Proibi falarem, perderem tempo, etc. − Vá ter com eles e diga-lhes que, mesmo no caso de dizerem alguma palavra ou fazerem alguma dessas coisas que você proibiu, não cometeriam nenhum pecado (Ibi| 48 | dem, p. 75). Em desafiar o status quo do Clero. Era evidente que a casa [de La Valla] não podia comportar tanta gente. Urgia a construção de outra. Champagnat não teve dúvida em executá-la. Por falta de recursos construiu-a pessoalmente com a ajuda dos Irmãos. [...] Certo dia, um padre amigo, vendo-o daquele jeito, disse-lhe: [...] − Meu amigo, você está exagerando; este tipo de trabalho não condiz muito com a vida sacerdotal [...]. − Este trabalho não rebaixa o ministério sacerdotal e muitos padres ocupam-se menos utilmente do que eu [...] (Ibidem, pp. 98 e 99).
• Atuação com transparência. • Testemunho • Diálogo
• Coerência • Testemunho • Relação saudável com o poder.
Quadro 1 – Evidências das práticas comunicacionais de Marcelino Champagnat. Organizado por FLORCZAK, Rosângela (2013).
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O LEGADO – SEIS COMPETÊNCIAS E SEIS ESTRATÉGIAS Sendo a interação uma das importantes dimensões da liderança, compreendemos, nesta pesquisa, que o líder Marcelino Champagnat exerceu sua liderança a partir de fortes habilidades e qualidades humanas. Foi a partir delas que pôde comunicar-se com excelência, ou seja: conhecer a si mesmo e ao outro, estabelecer um projeto e torná-lo comum a um grande grupo de pessoas e compartilhar atributos em comum para que, mesmo na expansão geográfica, a missão permanecesse intacta e defendida pelos membros de seu Instituto. Como legado para quem busca em Marcelino a referência de um homem que construiu, a partir de sua fé e de suas convicções, uma obra relevante para a humanidade e que já perdura por dois séculos, é importante destacar aqui o conjunto de qualidades humanas que as pesquisas sobre liderança apontam como importantes e que facilmen18. Inteligência prática para situações cotidianas.
te encontramos nos relatos sobre Marcelino, a saber: capacidade de animar e estimar, coragem, generosidade, honestidade, senso de equidade e senso de responsabilidade. As características acima foram desenvolvidas, aprimoradas e aproveitadas com maestria por Marcelino. Contudo, foi só a partir delas que pôde desenvolver as competências comunicacionais e implementar estratégias que o apoiaram na criação do Instituto dos Pequenos Irmãos de Maria, futuro Instituto Marista. É importante pontuarmos que as qualidades humanas citadas são fundamentais para que o líder possa ser um comunicador efetivo e eficaz. A partir das qualidades humanas de líder, de forma intuitiva ou planejada – não há como saber – Marcelino desenvolveu competências18 comunicacionais de relevante importância no exercício da liderança. Citamos, a seguir, o que identificamos como as principais competências comunicacionais de Marcelino: autoconhecimento, relação saudável com o poder – sem onipotência, arrogância ou autoritarismo – me-
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diação, escuta, coerência e oratória de grande qualidade com uso intensivo de metáforas e parábolas. Dono de qualidades humanas ímpares e de competências comunicacionais, dificilmente identificadas todas em um só líder, Marcelino ainda foi capaz de ousar nas estratégias comunicacionais que desenvolveu ao longo de sua vida. Entre as que conseguimos identificar claramente nos documentos estudados estão as que citamos a seguir. | 50 |
1. Estabelecer vínculos por meio de relações de confiança.
vendo em todos o sentido de pertença à Missão. 5. Dar testemunho, ser exemplo e referência. Antes de tudo, deixar que suas atitudes coerentes falassem por ele, sem nunca negligenciar suas responsabilidades. 6. Atuar com absoluta transparência, sem negar ou adiar situações de conflito, que enfrenta sem se cansar de dar explicações.
3. Estabelecer o diálogo, de forma igualitária e horizontal, com todos que pudessem influenciar positiva ou negativamente no projeto.
Considerando esse conjunto de estratégias, é natural que nos impressionemos com a capacidade de Marcelino Champagnat. Se hoje, nos tempos vividos, considerados como Era da Transparência e da Informação19, é difícil imaginar que um líder possa reunir todas essas qualidades, competências e estratégias, devemos pensar que, na França do período Pós-Revolução Francesa, os desafios e dificuldades deviam ser ainda maiores.
4. Compartilhar tudo com os Irmãos e envolvê-los, desenvol-
Entretanto, como referência inspiradora, especialmente para
2. Criar significados comuns para todos os participantes do projeto por meio do compartilhamento de objetivos e informações.
19. Grifo da autora. Aqui não pretendemos explorar a profusão de conceitos e expressões que buscam caracterizar o tempo vivido.
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as lideranças do Instituto Marista, que continuam levando em frente o sonho e o projeto de Marcelino, o conhecimento desse conjunto de características pode servir como horizonte nas buscas por melhoria do desempenho. CONSIDERAÇÕES FINAIS TEMPORÁRIAS E NOVAS FRENTES DE PESQUISA A pesquisa desenvolvida como trabalho de conclusão do Curso de Extensão em Patrimônio e Espiritualidade Marista (PEM), edição de 2012, apresenta apenas um breve início de uma grande possibilidade de estudo. Conseguimos vislumbrar, de forma bem preliminar, o perfil comunicacional de Marcelino Champagnat. O trabalho realizado, porém, apenas nos faz crer que há um universo a ser descoberto dentro desse tema quase inédito nos estudos do patrimônio espiritual marista. A forma e o conteúdo das comunicações de Champagnat merecem longas investigações. Dentre elas, poderíamos investigar com pro-
fundidade as cartas e as circulares, que até os nossos dias inspiram a forma de comunicação das lideranças institucionais em muitas frentes de atuação marista, entre outras. Outros temas também podem ser sugeridos para futuras pesquisas: Como o legado comunicacional de Marcelino se desenvolveu ao longo do tempo, após a sua morte? Como pautou o comportamento dos primeiros Irmãos? Como se deu a comunicação dos Superiores-Gerais que sucederam a Marcelino? E hoje, como os leigos, que ocupam cargos de gestão ou exercem a liderança em frentes apostólicas do Instituto, vivenciam esse legado? Enfim, essas são apenas algumas das possíveis perguntas que poderão inspirar novas investigações acerca do perfil e legado comunicacional de Marcelino Champagnat. O certo é que o fundador do Instituto Marista tem muito a nos ensinar sobre o tema em questão.
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ESTUDOS
Marisa Crivelaro da Silva20
O JEITO ESPECIAL DE SER EDUCADOR
MARISTA
RESUMO Este artigo tem a intenção de suscitar reflexões, debates sobre a prática de uma ação educativa fundamentada nos valores da pedagogia marista, preconizada pelo fundador do instituto, S. Marcelino Champagnat para que sirva ao propósito de fazer emergir as potencialidade das crianças e jovens, preparando-os, com amorosidade e exigência, para desenvolverem sua humanidade e tornarem-se seres humanos conscientes de sua capacidade, com autodomínio, uma auto-estima fortalecida e com competência para relacionar-se, de modo construtivo, consigo mesmo, com os outros e com Deus; uma educação capaz de preparar as pessoas para serem agentes de transformação em nível pessoal e coletivo, como o próprio fundador orientava que fosse.
20. Pós-graduada e Mestre em Educação. Diretora do Colégio Marista Sant’ Ana – Uruguaiana/RS.
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REFLEXÕES INICIAIS
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Refletir e escrever sobre “Ser Educador Marista” constitui-se em prazer imenso e compromisso ainda maior. Prazer, por tratar-se daquilo que se faz porque se gosta, sente-se satisfação em educar e fazer gestão sob essa dimensão singular dos valores e dos propósitos da “Educação Marista”, que impulsionam para a incessante busca de se fazer emergir todo o potencial que existe em cada ser humano. E que prazer inominável quando se sente, de modo palpável, os resultados do esforço e do trabalho empreendido! Os avanços cognitivos e atitudinais que se consegue promover nos estudantes e o aperfeiçoamento profissional e humano que se impulsiona nos educadores, traz entusiasmo e motivação e um clima organizacional estimulante; nada se iguala à emoção de se perceber um ser humano transformando suas atitudes, seu comportamento, repensando sua vida, seus valores, reconstruindo sua identidade como resultado da intervenção de um educador marista, à luz dos valores do carisma desta proposta educativa.
O trabalho em educação assemelha-se ao trabalho de um artista ao produzir uma obra de arte. É uma analogia pertinente, na qual podemos situar o trabalho que realizam os educadores maristas, no processo de construção do conhecimento e da personalidade. Michelangelo, ao responder a uma pergunta sobre como era criar uma obra de arte, manifestou-se, dizendo: “Dentro da pedra já existe a obra de arte, eu apenas tiro o excesso de mármore”. Assim é o ser humano. Todos temos, em nosso interior, uma fonte inesgotável de capacidades que precisam ser potencializadas; é necessário fazê-las aflorar, emergir e se desenvolver. E esse é o trabalho dos educadores maristas, como também, usar de estratégias criativas para eliminar todos os obstáculos que impedem crianças e jovens de se desempenharem melhor nos estudos e dar conta das exigências da vida. Champagnat (apud COTTA, 1996, p. 40) esclarece em que consiste essa arte de educar: “educar é prioritariamente iluminar a in-
O JEITO ESPECIAL DE SER EDUCADOR MARISTA
teligência, formar a consciência, o coração, o juízo, a vontade, tornar apto a viver em sociedade, com ânimo aberto e capacidade de doar-se aos outros”. O trabalho do educador marista, quando bem-sucedido, produz encantadoras “obras de arte” e é motivo de grande prazer e realização pessoal. Somos chamados a intervir, a ajudar a construir a personalidade das crianças e jovens com muita criatividade, com grande paixão, convicção, clareza dos princípios da educação marista e do que precisamos fazer para que essa obra de arte, que é o ser humano em construção permanente, encante a todos. O desafio de se educar com o “Jeito de ser Marista” nos interpela, nos confronta com crenças já construídas, possibilita-nos uma revisão de valores, de concepções e, muitas vezes, proporciona a desconstrução de alguns paradigmas já cristalizados. A vasta e complexa bibliografia que se tem atualmente sobre a Pedagogia Marista é um apelo nítido a todos aqueles
que aceitam esse desafio de ser um Educador Marista, no sentido de conhecer, de aprofundar-se e ser fiel aos princípios e valores implícitos nessa Pedagogia. Cabe dizer que o conteúdo deste artigo, além de refletir as marcas de uma trajetória de 33 anos de trabalho como educadora marista, revela, indiscutivelmente, as concepções de educação, de ser humano e os valores que permeiam o jeito especial de ser Educador Marista. Almejo contribuir, com as reflexões propostas, com todos aqueles educadores leigos que ingressam na Instituição Marista e com os que nela já atuam, de modo que possam considerar a relevância de seu papel, de sua missão e possam fazer jus à confiança que a Instituição lhes outorga, de realizar seu trabalho sempre à luz dos princípios e valores que sustentam a Filosofia Marista. É conveniente relembrarmos o alerta de Cotta em relação ao que Champagnat esperava de seus colaboradores:
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Não se estranhe que o Fundador chame energicamente a atenção de seus educadores para a grave responsabilidade que assumem, se negligenciam o dever de formadores de pessoas autênticas, já que ‘a vida inteira do jovem depende da educação’ (1996, p. 119).
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Falar sobre como ser um Educador Marista é um tema instigante, inesgotável, até porque, existem muitas e ricas formas de se olhar e perceber a atuação dos Educadores Maristas. Fica, pois, o desafio a outros que vivem essa experiência, de partilhá-la, de mostrar seu ponto de vista, de fazer suas críticas e assim, contribuir para qualificar sempre mais nossa ação enquanto educadores leigos, que têm a responsabilidade de cultivar, difundir e sobretudo, praticar os valores que constituem os alicerces da Filosofia e da Pedagogia Marista, instituição quase bicentenária, que vem deixando sua marca indelével no cenário da educação no Brasil e no mundo, pelas contribuições relevantes que vem oferecendo.
O JEITO DE SER MARISTA: COMPROMISSOS E DESAFIOS Quando se ingressa numa instituição de ensino marista, por uma questão ética, de responsabilidade e de competência profissional, a primeira atitude do educador deve ser a de buscar conhecer, indagar, pesquisar e aprofundar-se nos princípios filosóficos e pedagógicos que iluminam a trajetória dessa instituição. Essa é uma questão que afeta a pessoa e a qualidade do trabalho do educador. Não se pode fazer o que se quer, do jeito que se quer. A educação do ser humano tem a ver com intencionalidade, com planejamento cuidadoso, com opções e definição de valores, de conteúdos (de caráter cognitivo e formativo), de métodos e estratégias que irão compor a proposta educativa de cada instituição e definir a sua identidade, que precisa ser preservada, cultivada historicamente e aperfeiçoada, sem jamais afastar-se de sua essência. Se nos perguntarmos a quem compete preservar e cultivar his-
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toricamente a identidade de uma instituição de educação, a resposta, indiscutivelmente, é: a seus educadores. De nada adiantará a direção ou equipes diretivas e suas mantenedoras envidarem os melhores esforços para esse propósito, se os educadores e colaboradores não assimilarem e incorporarem esses valores e princípios na sua prática cotidiana, não só em seu desempenho enquanto profissional, como também, na sua forma de ser, de agir, interagir e de se relacionar com alunos, pais, colegas de trabalho e demais pessoas com quem convivem na comunidade educativa. Cabe dizer que agir e conviver em consonância com as normas, princípios e valores da instituição, não significa, em absoluto, ser uma pessoa sem autonomia de pensamento, não significa adotar postura subserviente, de quem concorda com tudo sem discutir, sem arriscar propor mudanças. Isso seria uma atitude nefasta para a instituição que precisa caminhar de acordo com seu tempo, modernizar-se, sem entretanto,
olvidar os elementos fundamentais que caracterizam o seu estilo, que a identificam no seu entorno social. Para isso, precisa contar com pessoas criativas, entusiasmadas, com capacidade de prospecção e de mobilizar seus recursos cognitivos e afetivos em busca da realização de projetos ousados de desenvolvimento. Assim acontece na Instituição Marista que tem seu jeito próprio de ser e que há quase dois séculos no mundo e um século no Brasil, vem construindo uma história bem-sucedida de “Formar bons cristãos e virtuosos cidadãos”. Esse era o desejo e sonho de São Marcelino Champagnat ao fundar a congregação. Ele foi um exemplo vivo desses quesitos fundamentais para garantir a perenidade de uma instituição. Com ele, em 1817, nasceu o Jeito Marista de Ser e de Educar e que, conforme Martins (2003), fundamenta-se nos seguintes pilares: •
Pedagogia Integral: educação da consciência, da inteligência, da vontade e da fé;
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• Pedagogia do espírito de Família e da Simplicidade; • Pedagogia do trabalho e da constância; • Pedagogia da motivação e da competência profissional.
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Não é meu objetivo, neste trabalho, aprofundar-me na interpretação desses princípios, uma vez que, como referi na introdução, existe uma extensa e rica bibliografia que descreve e interpreta os princípios e valores que sustentam a Filosofia e a Pedagogia Marista. Tenho como propósito, sim, fazer algumas reflexões aos educadores leigos, sobre nosso compromisso com a proposta Marista de educar. Arrisco-me a fazer alguns questionamentos pessoais, até para suscitar debates e reflexões em nosso meio: 1. Como educador(a) Marista, tenho assumido o compromisso de procurar saber em que consistem esses princípios da Pedagogia Marista? Tenho pesquisado, estudado para muito além daqueles subsídios e orientações que recebo na instituição?
2. Quando planejo minhas aulas, reuniões de trabalho, encontro com pais, enfim, quando planejo minhas ações dentro do contexto escolar, lembro de fazê-lo tendo presente esses princípios e valores para direcionar minhas ações? 3. Costumo autoavaliar-me, com frequência, examinar se o meu modo de ser e de agir refletem os valores da instituição marista para a qual trabalho? Penso que a resposta a esses questionamentos nos darão a medida do nosso nível de comprometimento com a causa Marista. Somos chamados, como educadores leigos, parceiros na missão (vide documento do XX Capítulo Geral) a levar adiante a obra Marista, de modo que continue conquistando o respeito, a admiração e a credibilidade que têm caracterizado sua presença no Brasil e no mundo. E a única forma de fazermos isso, de modo eficiente, é através do nos-
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so modo de ser, de conviver, de trabalhar pela causa, de nos envolver e nos comprometer com os resultados do nosso trabalho. Um educador, para servir aos propósitos da instituição marista, precisa enfrentar três desafios fundamentais: a) Conhecer, viver e propagar os valores e princípios da Filosofia e da Pedagogia Marista, mostrando-se integrado, atuante e participativo; b) Demonstrar competência técnica, dando conta de seu papel como mediador no processo ensino-aprendizagem e capaz de orientar as crianças e jovens com respeito, afeto, disciplina e ética, contribuindo para a construção do seu projeto de vida, tendo os valores do Evangelho como base; c) Ser comprometido com seu aperfeiçoamento pessoal e profissional, demonstrando atitudes de estudo, de
pesquisa, de planejamento e preparo para a missão de educar. Nesse sentido, cabe sublinhar a orientação que consta no documento Guia das Escolas em relação ao estudo da pedagogia: Sem este estudo, a arte da educação frequentemente não seria senão um conjunto de procedimentos rotineiros incapazes de formar a inteligência da criança, ou a longa sequência de experimentações, para descobrir por si os procedimentos há muito comprovados, que os tratados pedagógicos disponibilizam (p. 182).
Esses, portanto, são compromissos e desafios inerentes ao fazer pedagógico dos educadores leigos, engajados na Missão: buscar conhecer, vivenciar e difundir o “Jeito Marista de Ser e de Educar” através do exemplo, do trabalho que realiza, considerando este apelo constante no documento “Missão Educativa Marista” (2000, p. 15) dirigido aos educadores maristas: “Temos consciência de que recebemos um dom precioso, na pessoa de Marce-
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lino Champagnat e suas instituições educacionais, bem como nas gerações de Educadores Maristas que o sucederam. Desejamos ser criativa e dinamicamente fiéis a essa herança”. Esse é o maior de todos os compromissos: manter acesa no coração de nossas crianças e jovens a essência da Filosofia Marista, numa visão e abordagem atualizada, sim, mas sempre conservando a tradição dos valores que sustentam essa proposta de educação.
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A Instituição Marista tem sua identidade bem definida e propagada mundialmente. Precisamos, como educadores que livremente aceitamos conhecer, compreender, vivenciar e difundir essa proposta, transformar nossas aulas em verdadeiros laboratórios de formação integral e de evangelização. O documento Missão Educativa Marista alerta-nos para a verdadeira razão de ser e de existir das Escolas Maristas: “A educação, no seu sentido mais amplo, é o nosso campo de evangelização: nas instituições escolares, em outros projetos pastorais e sociais e nos contatos informais” (2000, p. 39).
Percebe-se, portanto, o desafio que se lança a cada educador. A escola marista necessita estar a serviço do seu propósito maior que é o de educar e evangelizar. Creio que não há dúvidas que, nas Instituições Maristas, educa-se bem. Mas será que se evangeliza bem? Será que todos os educadores, independente da disciplina que lecionem, planejam suas aulas tendo presente esse propósito de mobilizar a curiosidade, a sensibilidade e a vontade de nossas crianças e jovens para compreenderem o grande amor que Deus tem por cada um, em especial? Têm se preocupado em ajudá-los a refletir sobre atitudes, comportamentos que contribuam para a valorização da vida, presente que Deus nos legou? Até que ponto? Será que não têm recuado diante de algumas atitudes deles que soam como rebeldia, indiferença ou ironia? Ninguém disse que seria fácil. Educar e evangelizar, a exemplo de Maria, é tarefa árdua, ousada, feita nos pequenos detalhes, que exige competência, firmeza, convicção e, sobrema-
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neira, testemunho vivo, persistência e amor pela causa. Em cada escola Marista instala-se este apelo, de modo substancial e não podemos fazer “ouvidos de surdos”. Qualquer trabalho educativo, por mais competente e eficiente que se revele, se não servir a esse propósito, não tem razão de ser na perspectiva da Pedagogia Marista. Cultivar valores e desenvolver a espiritualidade no coração da juventude exige sair do campo da racionalidade e entrar no âmbito dos sentimentos, da interioridade. Espiritualidade não guarda estreita relação com a razão, tem a ver com a emoção. Por isso, o próprio educador precisa desenvolver sua sensibilidade, afetividade e espiritualidade para dar conta desta excelsa tarefa de educar e evangelizar. Ninguém dá o que não tem e só convenceremos os nossos estudantes se nós estivermos convencidos dos valores e princípios que defendemos. Serve-nos para reflexão o que destaca Lanfrey sobre o que ensinava Champagnat:
Educar uma criança não é somente ensiná-la a ler, escrever e iniciá-la nos diversos conhecimentos que constituem o ensino primário. Esse ensino bastaria ao homem se ele fosse feito apenas para o mundo; mas bem outro é seu destino, é para o céu e para Deus que é preciso educá-lo (2011, p. 264-265).
Como Educadores Maristas compete-nos investir em nossa formação para tornar-nos aptos a desenvolver a humanidade e a espiritualidade de nossos alunos. Só assim, estaremos atendendo aos anseios do fundador do Instituto, só assim, estaremos protegendo, cuidando desse legado que ele nos deixou e que, como já foi referido, é a razão de ser, de existir da Escola Marista. DIFERENCIAIS DA EDUCAÇÃO MARISTA Cotta, ao discorrer sobre as exigências que a educação comporta, traz-nos presente o que Champagnat exigia dos Irmãos Maristas:
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A escola dos Irmãos não devia deixar nada a desejar, nem quanto ao nível, nem quanto à boa direção dos estudos. Importa que os pais se inclinem a lhes dar preferência, tanto pela vantagem de assegurar aos filhos os benefícios de sólida instrução, quanto pela certeza de lhes proporcionar uma educação eminentemente cristã (1996, p. 46).
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Depreendemos, da análise dessa afirmação, que Champagnat defendia que houvesse a máxima exigência na formação cultural dos alunos, na disciplina para o estudo e na educação cristã. Cada gestor, gestora deve fazer-se este questionamento: que indicadores denotam que os estudantes conseguem perceber esses aspectos no currículo escolar e compreender a importância que têm, a ponto de se constituir em diferencial da escola, na opinião deles? Eis outro dado, relevante, que cabe assinalar na obra de Cotta como alerta de Champagnat: “A colaboração dos pais também era tida como indispensável para
superar as dificuldades da obra educativa e levá-la a bom termo” (ibidem, p. 47). É inegável a importância da participação da família na educação dos filhos, e a escola deve criar estratégias e meios para conquistar essa presença, de modo que não se caracterize por estar ligada somente ao desempenho dos filhos, mas que se possa integrar os pais no espaço escolar para se autoaperfeiçoar, confraternizar e celebrar. São formas de estreitar laços, cativar a confiança e viver o espírito de família que é um dos valores da Educação Marista. As famílias buscam instituições que tenham credibilidade, pois não desconhecem a força que a escola exerce na formação da personalidade dos seus filhos, tampouco as contribuições que influenciam na solidez do seu futuro profissional. É necessário enfatizar que credibilidade é um processo de conquista. E, indiscutivelmente, a forma como os educadores acolhem e tratam os pais e alunos na escola, faz a diferença na construção do conceito de credibilidade da Instituição. Portanto, precisamos,
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como Educadores, ver as análises, as “queixas”, as sugestões dos pais e estudantes como contribuições para o aperfeiçoamento do nosso desempenho, acolhê-las, examinar sua pertinência com olhar crítico e espírito de justiça e exercitar um dos valores mais preconizados pela Filosofia Marista que é a humildade, dispondo-nos a mudar, transformar nosso fazer pedagógico. Cabe destacar, portanto, como diferenciais a serem buscados nas escolas maristas, a exigência com a busca da excelência na formação acadêmica, a educação cristã, o desenvolvimento da espiritualidade, a acolhida que se manifesta pelo carinho, presença atenta e cuidadosa dos educadores, preocupação com a aprendizagem e amadurecimento dos estudantes e o trabalho integrado entre escola e família. CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO MARISTA PARA O CRESCIMENTO PESSOAL Na obra ”Um guia para o Educador Marista” (RYAN, 1989), o autor reflete sobre a necessi-
dade dos educadores ajudarem os estudantes a vivenciarem sua dignidade como seres humanos, a considerarem, não só suas necessidades intelectuais, mas, sobremaneira, necessidades emocionais, morais e espirituais. No documento Guia das Escolas, p. 46, lemos este alerta: Enquanto o educador se ocupa em desenvolver e enriquecer a inteligência da criança, deve formar o coração dela. O que chamamos aqui coração, em psicologia recebe o nome mais exato de sensibilidade e designa a faculdade de experimentar todos os tipos de sentimentos.
Nessa perspectiva é que se fundamenta a necessidade do Educador preparar-se bem para poder contribuir com uma educação plena, que faça aflorar as capacidades intelectuais, morais e espirituais das crianças e jovens. Arroyo (2000, p. 53) fala-nos da necessidade de “Ensinar e aprender a ser humanos”. Isso demanda esforço, dedicação, interesse pela formação do ser humano. É uma opção política.
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Champagnat sempre exortou-nos a ser exemplos vivos de virtude para as crianças e jovens. No documento “Missão Educativa Marista – um projeto para o nosso tempo” (1998, p. 33) somos chamados, como leigos engajados na missão, a manter vivo o Carisma Marista pelo nosso jeito de ser e de atuar junto aos alunos, pais e demais membros da comunidade educativa. Ocupemos, portanto, o lugar que nos é devido, como Educadores Maristas e sejamos o que todos esperam de nós: exemplos vivos das virtudes que nos ensinou o fundador do Instituto; vamos zelar por esta herança, conservá-la e testemunhá-la. Precisamos construir novos paradigmas de relacionamento, com base no respeito mútuo, na elevação da autoestima, na construção da disciplina pessoal e coletiva, enfim, na construção da autonomia, fim máximo da educação. Só assim, será possível afirmar que oferecemos uma educação integral como Champagnat desejava!
Compete-nos, como educadores, vigiar nossa comunicação verbal e não verbal e tratar de fazer nosso trabalho com amor, com respeito à vida dessas crianças e jovens, com a consciência de que podemos ser aqueles que farão a diferença na construção do seu projeto de vida. Tenhamos sempre presente este critério de conduta apontado pelo fundador do Instituto Marista, São Marcelino Champagnat21: “Para bem educar as crianças é preciso, antes de tudo, amá-las e amá-las todas igualmente”. SENTIMENTOS DE PERTENÇA E MOTIVAÇÃO Um grande desafio para os Educadores Maristas é conseguir criar vínculos afetivos de significado com as crianças e jovens, como orientava Champagnat, e ajudá-los a criar essa mesma espécie de vínculos com seus colegas e com a Instituição Marista, de modo que se sintam responsáveis por ela, que desenvolvam o sentido da pertença em alto nível.
21. Vida, XXIII, 501; ALS, XLI, 431-433; cf. “A tradição pedagógica Marista” In: Cadernos Maristas. IV, p. 68-69.
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Conforme consta no documento “Missão Educativa Marista” (p. 26), Champagnat foi um excepcional educador das crianças e jovens, e o segredo de sua eficácia encontrava-se na grande simplicidade com que se relacionava com eles e na confiança que neles depositava. Furet fala que: A polidez cristã é a manifestação dos sentimentos de estima, de respeito e benevolência que devemos demonstrar às pessoas com as quais nos relacionamos. Considerada assim, ela é, acima de tudo, obra do coração (...). (2009, p. 49).
Sejamos, pois, como educadores maristas, essa presença amorosa, acolhedora, que orienta para uma vida disciplinada, que marca conquista a mente e o coração das crianças e jovens. UM RECADO AOS EDUCADORES Os Educadores leigos precisam ter sempre presente o seu compromisso em propagar e vivenciar
essa Filosofia e Pedagogia. O documento “Missão Educativa Marista – um projeto para o nosso tempo (1998, p. 52) apresenta-nos a concepção de Champagnat acerca do papel do Educador Marista, representado, na época, pelos primeiros Irmãos. Dizia ele, nas suas orientações sobre como educar as crianças e jovens: “Toda a vida deles será o eco do que lhes ensinar. Aplique-se ao máximo, não poupe esforços em formar seus corações juvenis à virtude. Faça-os perceber que somente Deus pode torná-los felizes”. Muitos educadores deixem-se afetar pelo desânimo quando não veem, de imediato, os frutos do seu esforço no trabalho de formação de seus alunos. Devemos lembrar que somos chamados a semear, nem sempre a colheita será feita por nós. Mas não podemos descuidar da missão de sermos semeadores. Alguns revelam essas aprendizagens pela mudança de comportamento a curto prazo e outros precisam de um tempo maior para viver
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o processo de metamorfose, o amadurecimento mental, cultural e espiritual. Mas as aprendizagens internalizadas estão lá, no seu interior, latentes, esperando o tempo certo de se manifestar.
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Animemo-nos, portanto, pois a obra é imensa, bela, atraente e somos chamados a colorir a tela da vida desses seres humanos que dependem da educação para tornarem-se “Bons cristãos e virtuosos cidadãos”, como era o sonho deste grande educador, Marcelino Champagnat, homem de visão estratégica, que pensava para muito além de seu tempo; introduziu mudanças significativas no contexto educacional de sua época, que encontram sentido hoje, nas modernas teorias do século XXI e que cabem ser ressaltadas sempre: a formação integral do ser humano – consciência, inteligência, vontade – e uma pedagogia da presença amiga, do espírito de família e da simplicidade, do amor ao trabalho e da constância, da motivação e da competência profissional. (MARTINS, 2003)
Se queremos, de fato, contemplar a essência do sonho, do projeto de Champagnat para todas as Instituições Maristas que fossem criadas, precisamos, também, educar a sensibilidade de todos os educadores, crianças e jovens para realizarem um trabalho solidário, voltado à intervenção na realidade das comunidades que atendam crianças e jovens em estado de vulnerabilidade social, através de projetos sistemáticos de voluntariado. O documento “Missão Educativa Marista (p. 41) traz-nos esta reflexão: Nossa fé nos faz ver o rosto de Jesus nos que sofrem e procuram fazer algo pessoalmente para aliviá-los. Mais ainda, sentimo-nos incomodados e indignados ante as estruturas que originam ou condicionam a pobreza e começamos a atuar sobre as causas mais do que sobre os sintomas.
Quando oportunizamos e valorizamos espaços e iniciativas de ação solidária e de busca de transformação de realidades indesejadas, estamos ajudando nos-
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sos alunos a desenvolverem sua humanidade e serem agentes de mudança interna e do status quo. E essa é uma tarefa nossa, como Educadores leigos e Irmãos, num trabalho conjunto, que dê vida e sentido para a Missão Marista de Educar e Evangelizar a geração do século XXI, tal qual projetou Champagnat, quando fundou a primeira escola e preparou os primeiros Irmãos para levarem avante sua obra. É do conhecimento de todos que aquela instituição que se afasta de sua missão essencial vai enfraquecendo, tornando-se vulnerável e muitas vezes acaba fechando suas portas. Não deixemos que nossas escolas maristas virem apenas grandes centros de especialização dos saberes. Transformemos os espaços de nossas escolas em grandes centros de aprendizagens e vivências do que é Ser humano, cristão e competente na construção e prática dos saberes. Essa é a herança marista que precisa ser revitalizada e cultivada em todas as realidades em que essa congregação se faz presente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Retomando algumas ideias fundamentais a título de considerações finais, proponho uma reflexão sobre nosso compromisso ético e político, enquanto educadores maristas. Por que educar é um compromisso ético? Vejamos: ética, no dicionário, tem este sentido: “Parte da filosofia que estuda os deveres do homem para com Deus e a sociedade”. Portanto, na medida em que, como educadores, somos negligentes no processo de formação, de educação de nossas crianças e jovens, estamos falhando com nosso compromisso ético, pois é nosso dever contribuir para desenvolver a inteligência e a humanidade das nossas crianças e jovens, em todo seu potencial. Educar é um compromisso político, na medida em que temos nas mãos o poder de elevar, de melhorar as condições de vida dos seres humanos que nos são confiados ou de deixá-los numa situação de despreparo intelectual e es-
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piritual para enfrentar os desafios, as exigências da vida. Nossa prática pode situar-se num contexto de transformação do status quo ou de conservação. E isso é uma opção política que, consciente ou inconscientemente, fazemos pela forma como atuamos e que tem consequências de uma relevância considerável na qualidade de vida das pessoas.
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Champagnat fez sua opção política quando elegeu o tipo de educação que desejava para todas as escolas maristas: “Formar bons cristãos e virtuosos cidadãos”. Deixou claro que na educação marista deve haver preocupação em apoiar, incentivar e ajudar os alunos a vencerem suas limitações, progredirem na construção de seus saberes, a tornarem-se sujeitos pensantes, atuantes através de um trabalho dedicado, criativo e comprometido com a transformação de realidades indesejadas. O papel imprescindível e intransferível do educador marista, portanto, é o de ser alguém que se importa, que presta atenção
ao processo de desenvolvimento e de aprendizagem e de formação humana e espiritual de seus estudantes, que age com empatia e, por isso, está disposto a intervir, de modo construtivo, cooperativo e solidário, para que possam evidenciar progressos no seu processo de aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a ser e a conviver, conforme dispõem os quatro pilares da educação para o século XXI (DELORS, 1996). Na visão de Champagnat, o educador deve ter estilo acolhedor, aceitar os alunos como são, com suas possibilidades, necessidades e limitações e buscar “o mais alto progresso do gênero humano”. Observa-se, em sua pedagogia, o intuito de deixar muito claro que as relações entre educador/educando têm consequências para o desenvolvimento intelectual e para a formação da personalidade. Considera que o respeito mútuo entre esses dois personagens do processo educativo é fundamental e exorta os educadores a terem paciência, persistência e desenvolver competência para enfrentar o de-
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safio de educar, sobretudo quando tem-se que lidar com alunos, “aborrecidos, grosseiros, ingratos, cheios de defeitos” (FAUSTINO JOÃO, 1998, p. 62). Sobre essa situação, o autor (Ibidem, p. 62), referindo-se ao pensamento de Champagnat, afirma: “[...] se os alunos fossem perfeitos, não precisariam de cuidados, é porque eles têm defeitos que é necessário dar-lhes boa educação [...]”. E ressalta outra máxima de Champagnat: “Para bem educar os alunos é preciso amá-los e amá-los todos igualmente” (Ibidem, p. 61). O amor, é, portanto, a nota distintiva da pedagogia de Champagnat. Para ele, “o educador que não sabe amar seus alunos não será capaz de educá-los”. (COTTA, 1996, p. 66). E esse sentimento que ele nos orienta a exercitar, comporta algumas exigências (Ibidem, p. 68-69): •
Amor exige competência científi ca. O que equivale dizer que não basta ter conhecimento; indispensável é também saber orientar
os alunos, apresentar-lhes os temas de estudo de maneira concisa e ao alcance de suas capacidades de aprendizagem, saber despertar o interesse e impulsioná-los à ação. •
Amor exige também competência psicológica para perceber as necessidades dos alunos, quando precisam de uma atitude mais firme, com o propósito de corrigir desvios de conduta, como também quando precisam de uma palavra de ânimo, de encorajamento. Essa orientação transparece nítida na advertência que faz aos educadores: Se aguda intuição psicológica e muito amor não nos fizerem perceber que determinado aluno atravessa momento de crise, de abatimento, de angústia por motivo de problemas familiares ou outros, corremos o risco de ter com ele comportamento ou linguagem que o afastarão para sempre de nós.
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• Amor exige respeito recíproco entre educardor/educando. Esse respeito deve ser fruto do amor e da estima. Conforme seu pensamento, (Ibidem, p. 70) “[...] a falta de respeito, fere, humilha, fecha a porta à ação do educador, faz com que o jovem perca o respeito por si mesmo e desenvolva complexos e sofrimentos”.
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Para Champagnat (p. 70), a ação educativa consiste num árduo trabalho de fundamentação, cultivo e orientação e que, para se efetivar com sucesso, pressupõe o conhecimento do educando e isso só será possível na medida em que for fruto de amor e muita dedicação por parte do educador. Na perspectiva de Champagnat, é fundamental que o educador torne-se um entusiasta no trabalho que desenvolve junto aos alunos: “não basta apontar o objetivo, é preciso ainda entusiasmar o educando para atingi-lo e fazê-lo passar do entusiasmo ao empenho prático” (p. 70).
Lembremo-nos de que a motivação é um processo interno, mas ela pode ser despertada por estímulos externos. Cumpre aos educadores, pois, tornar os atos de ensinar e de aprender, atos de prazer, que suscitem o desejo, a curiosidade, que mobilizem o sujeito para ação de construir seu próprio saber, a partir das experiências que é capaz de realizar. Vale lembrar as três virtudes que definiram o jeito de ser e de educar de Maria e que Champagnat exortou-nos a imitar: a) Humildade – capacidade de nos reconhecer como seres limitados, imperfeitos, que travam uma luta constante em busca desse ideal de se melhorar a cada dia, de superar-se, de evoluir como seres humanos, como cristãos e como profissionais que desejam contribuir para a sociedade. Freire (1997, p. 55) enfatiza que o ato de ensinar exige “consciência do nosso inacabamento”. Só
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evolui quem tem humildade suficiente para reconhecer seus erros e desenvolver uma visão construtiva deles, encarando-os como experiências propulsoras, no sentido de nos desafiar a buscar outras formas, outros caminhos alternativos para atingir a meta.
dificuldades, que vivenciam problemas. Jesus foi um líder que nos deixou legítimas lições de inclusão. Mostrou-nos que a simplicidade e os gestos de acolhida são atitudes que contribuem para ajudar o ser humano a aprender as grandes lições para a vida.
b) Simplicidade – precisamos ser simples na nossa maneira de ser, de acolher, de nos comunicar com nossos alunos. Jesus era muito simples ao lidar com o povo e comunicar as mensagens do Reino de Deus. Buscava, nas parábolas que falavam no cotidiano daquelas pessoas, a relação fundamental com os valores do Reino.
Que mérito teremos em trabalhar com alunos, turmas exemplares, as tão procuradas, desejadas, esperadas a cada início de ano letivo? Em que isso nos torna mais experientes e sábios na profissão? Nossa competência se mostra justamente quando enfrentamos o desafio de contribuir para modificar o desempenho daqueles alunos que apresentam dificuldades, quer de aprendizagem, quer de comportamento.
Jesus não fazia distinção entre as pessoas e priorizava estar junto àqueles que necessitavam de seu auxílio, daqueles que fraquejavam. Ele afirmava que as pessoas sadias não necessitam de médico. Com isso, nos dizia que precisamos nos colocar ao lado daqueles alunos que apresentam
Seguramente, não é a quantidade de anos que exercemos uma profissão que nos faz experientes e sábios, mas a quantidade de experiências inovadoras que vivenciamos, os problemas que enfrentamos e resolvemos. Isso sim é aprendizagem construída que resulta em “experiência”.
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c) Modéstia – eis outra virtude de Maria que Champagnat procurou imitar e nos orientou para, também, assim proceder. Compete-nos realizar nosso trabalho de modo que todos percebam, sintam e reconheçam nosso valor pelos resultados das nossas ações. Saibamos partilhar o que aprendemos com nossos colegas de profissão, de forma colaborativa, e assim, contribuir para que outros também possam fazer bem feito seu trabalho e ajudar as crianças e jovens as terem uma educação de qualidade, porque isso será um diferencial nas suas vidas. Não esqueçamos nunca que é o conjunto das virtudes que forma o caráter e é ele que nos define, que nos identifica junto aos demais. Cuidemos, pois, para que nosso modo de ser e de agir se espelhe nas virtudes de Maria, que Champagnat tão bem imitou duran-
te seu trabalho enquanto educador e religioso e recomendou-nos que assim também o fizéssemos. Com essas reflexões, penso ter contribuído para suscitar e animar um debate em nossas realidades de escolas Maristas e acender o desejo de que outros educadores partilhem, também, sua visão, suas concepções, seus anseios e suas esperanças de fazer da Educação um meio de libertação, um caminho com muitas possibilidades de tornar as pessoas realizadas, plenas, felizes, porque aprenderam a voltar-se para dentro de si mesmas e encontrar Deus e, a partir desse encontro, voltar-se para os outros e neles descobrir a presença desse Deus que nos capacita a ser “ à sua maneira e semelhança” e, exatamente por isso, tornamo-nos capazes de aprender, de nos humanizar, de evoluir enquanto seres humanos. Quando assumimos o desafio de educar, devemos ter bem claro na mente duas coisas que parecem simples de dizer, mas são muito difíceis de realizar.
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A primeira: que nem sempre vamos abrir caminhos sem ter de arredar as pedras que irão surgir e que criam obstáculos que nos parecem, por vezes, quase intransponíveis.
de nossa capacidade de superação, e isso é a coisa mais bela do ser humano: superar seus próprios limites e avançar sempre em direção às metas do seu projeto de vida.
Necessitaremos garimpar nossa força interior bem lá, no mais profundo do nosso ser, somar e assim, reforçar nossos esforços conjuntamente, para atingir a meta desejada e manter acesa a chama da fé no poder que Deus nos concede para superar as dificuldades e nos tornar mais experientes, mais sábios e poder oferecer contribuições de melhor qualidade à educação, à formação do ser humano.
Urge que caminhemos juntos, como corpo docente e diretivo, em sintonia de propósitos, com um forte e determinado desejo enraizado no coração: o de buscar superar nossos próprios limites, procurando ser pessoas e profissionais melhores a cada dia e dando o melhor de nós em busca da concretização dos objetivos da obra Marista.
A segunda, e tão importante quanto a primeira: que mesmo que não consigamos o que nos propusemos, do jeito que planejamos, é fundamental termos a plena consciência e tranquilidade de saber que empreendemos os nossos melhores esforços nessa causa e que todos os passos que avançamos, por pequenos que pareçam, representam a medida
Creio ser esse, o nosso compromisso com essa causa, para manter vivo na memória de todas as gerações, o sonho de Champagnat. Tenhamos sempre presente nas nossas mentes e corações o lema do ano vocacional Marista de 2004, que é um apelo a todos nós, Educadores Leigos, Irmãos e demais membros da Comunidade educativa das escolas, engajados na missão Marista deste novo século: viva hoje o sonho de Champagnat.
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ESTUDOS
Anderson Roberto dos Santos22
A EDUCAÇÃO DO CORAÇÃO COMO UMA DAS CONTRIBUIÇÕES
DA PEDAGOGIA MARISTA PARA O
CONTEXTO ATUAL RESUMO O presente texto é uma síntese das discussões realizadas no Curso de Espiritualidade e Patrimônio Marista, que suscitaram inquietações e apontaram e necessidade de aprofundar a pesquisa sobre temas ligados ao patrimônio. A escolha realizada foi pela Pedagógica Marista e suas contribuições para a sociedade como um todo e para o campo da educação em especial. Dentre tantas possibilidades que essa rica história iniciada com o Padre Marcelino aponta, a opção realizada foi pela formação do coração, termo utilizado no Guia das Escolas. O objetivo é refletir sobre, a importância de uma Educação do Coração na atualidade e como ela se insere na Pedagogia Marista.
22. Anderson Roberto dos Santos – HYPERLINK “mailto:anderson@maristas.org.br” anderson@ maristas.org.br Vice-diretor e Coordenador Pedagógico do Colégio Marista São Luís Mestre em Educação, com graduação em Estudos Sociais – História.
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INTRODUÇÃO
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O presente texto é uma síntese das discussões realizadas no Curso de Espiritualidade e Patrimônio Marista, que suscitaram inquietações e apontaram a necessidade de aprofundar a pesquisa sobre temas ligados ao patrimônio. A escolha realizada foi pela Pedagogia Marista e suas contribuições para a sociedade como um todo e para o campo da educação em especial. Dentre tantas possibilidades que essa rica história, iniciada com o Padre Marcelino aponta, a opção foi pela formação do coração, termo utilizado no Guia das Escolas. O objetivo deste texto é refletir sobre a importância de uma Educação do Coração na atualidade e como ela se insere na Pedagogia Marista a partir do Projeto Educativo do Brasil Marista, lançado em 2010, e do “Guia das Escolas” de 1853, o primeiro documento oficial impresso que descreve o pensamento pedagógico e educativo dos Irmãos Maristas. Para realizar essa tarefa o texto inicia com uma reflexão sobre os cenários contemporâneos, apon-
tando a necessidade de um novo modelo educativo. Num segundo momento, reflete sobre a educação e a importância da experiência educativa nas sociedades. Logo passa para a descrição das compreensões acerca da educação do coração, apresentando como esse tema é trabalhado no Guia das Escolas e no Projeto Educativo, bem como seu papel enquanto contribuição dos Maristas para a educação na atualidade, concluindo com algumas considerações que apontam possibilidades para novas pesquisas. A EDUCAÇÃO DO CORAÇÃO COMO UMA DAS CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA MARISTA PARA O CONTEXTO ATUAL Cenários Contemporâneos Em tempo de globalização, neoliberalismo, reestruturação produtiva e todas as grandes transformações pelas quais o mundo está passando o desenvolvimento das tecnologias de comunicação tornaram o mundo muito
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pequeno. Segundo Gilberto Gil, na canção Parabólicamará, do álbum “Unplugged” de 1993, “antes o mundo era pequeno, porque Terra era grande...” David Harvey, na Condição Pós-moderna (1989), apontou para a compressão do tempo e do espaço como característica deste tempo. Muitas terminologias já tentaram apreender as características desta época, porém segundo consta no Projeto Educativo Marista (2010, p. 25): “nunca em nenhum outro período da história a humanidade viu se transformarem ou ruírem de forma tão rápida e contundente as certezas sobre as quais os modos de vida são organizados e controlados”. Logo essas percepções nada mais são que impressões, ou visões que impactam diretamente na nossa compreensão de educação, homem, mundo currículo, etc., pois todas essas ideias são forjadas neste tempo. Richard Sennett vai falar em tempos de corrosão do caráter. Para Sennett, (1999, p.11) “Caráter são os traços pessoais a que damos valor em nós mesmos e pelos quais
buscamos que os outros nos valorizem”. Segundo o autor, as mudanças no processo de trabalho, as novas tecnologias de comunicação e transporte, criam uma mobilidade que dificulta a formação de laços, e o aspecto do longo prazo, nas experiências emocionais, a lealdade e o compromisso mútuo, as metas de longo prazo, a prática de adiar a satisfação em troca de um fim, tornam-se quase obsoletas para uma grande parcela da população. Esta é uma época de constante mudança. E parece que falar isso, na atualidade, é praticamente uma banalidade, pois esse é um dos maiores clichês ou chavões. A mudança sempre esteve presente em todas as épocas, às vezes mais lenta, outras mais rápida, porém as mudanças constituem o processo histórico das sociedades. As novas gerações carregam as marcas dessa mudança. Aqueles que têm mais experiências convivem com os valores dessa transição, entretanto ambos comungam do fato de não saberem a que ponto, o novo os conduzirá.
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Todas essas características dão uma singularidade a este tempo, uma particularidade. Ao mesmo tempo novas categorias vão surgindo, novos modos de produção, culturas, diversidades. Essa singularidade, assentada sobre a globalização, as mudanças nos processos produtivos, as tecnologias de comunicação, as redes sociais, as novas ordens política e econômica, vai gerando inúmeras possibilidades. Ao passo que novas categorias vão surgindo, problemas resolvíveis vão se agravando e novos vão surgindo. Exemplos disso estão na questão ambiental que continua sendo amplamente discutida; outro, as diferenças entre pobres e ricos, para citar apenas dois, entre tantos. Diante desse cenário, em que o futuro passa a ser questionado, as instituições, precisam dar respostas. A educação, talvez, seja o setor que mais foi chamado a dar respostas nos últimos anos: seja para explicar o sucesso do mercado e de suas articulações; seja para justificar o fracasso daqueles que estão ficando à margem da socie-
dade. Diante de um mundo em mudança, a educação tem a sua contribuição a dar. Assim a Escola, como representante ou tradutora das concepções educacionais formais na sociedade, a partir de uma visão restrita de educação, é impelida a apresentar sua proposta política, pedagógica para um mundo em movimento. Entretanto nem sempre a escola desfrutou desse status, e uma compreensão mais ampla da educação pode contribuir nesse caminho. A educação: da experiência da vida à institucionalização Ao falar em educação, logo vem a imagem da Escola e parece muito tranquilo este binômio: Educação/ Escola. Mesmo sabendo que a educação está em todos os lugares (igrejas, sindicatos, ruas, casas, por exemplo), não é raro pensar na Escola como o lugar único de Educação. Segundo Brandão (1981, p. 7) “todos os dias misturamos a vida com a educação” e de fato a educação é a própria vida, pois durante toda a vida, de certa forma, a pessoa está se educando.
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Dessa maneira, existe sempre uma série de formas, espaços e tempos da educação. Fala-se então de “educações” no plural e não de educação. Brandão (1981, p. 9) aponta que “não há uma forma única nem um único modelo de educação”, ou seja, ela acontece de várias formas, baseada em vários métodos. Cada povo, cada cultura tem o seu modo de educar a partir de seus objetivos. A educação é, como outros processos, uma parte do modo de vida dos grupos sociais e pode ser criada e recriada, entre tantas invenções das sociedades. Nas sociedades antigas esse processo educativo ocorria de maneira permanente, associado a tantas atividades quantas houvesse nas aldeias ou comunidades. Nas aldeias dos grupos tribais mais simples, todas as relações entre a criança e a natureza, guiadas de mais longe ou mais perto pela presença de adultos conhecedores, são situações de aprendizagem. Nota-se que o processo de educação é permanente, envolvendo todos os momentos da vida, e também integral, pois englobava todos os aspectos da vida.
Nas sociedades onde já existe uma divisão do trabalho, simples ou mais complexa, também se encontra esse tipo de educação, porém, ela não é reconhecida como tal, e, muitas vezes, é desprezada, pois existem pessoas e instituições que assumem o monopólio da pedagogia. Na Grécia, berço da filosofia e civilização moderna, estão as bases de algumas das ideias atuais e saberes sobre educação. Na pólis grega, a educação pertencia à comunidade – ao coletivo. Como um resultado da consciência de um grupo, sua solidez vinha da solidez das normas estabelecidas na tradição. Segundo Aranha (1996, p.50) “a palavra grega para escola (scholé) significava inicialmente lugar do ócio”, pois esse ambiente era frequentado apenas pelos que não precisavam se preocupar com seu sustento. A educação ocorria nos banquetes, debates, teatros... A paidéia grega, que segundo Werner Jaeger, é um termo difícil de definir, que seria a soma de expressões modernas como cultura, civilização, literatura, educação, propõe a formação de um elevado tipo de homem. Esse sujeito é
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formado pela comunidade, no coletivo, e a escola é uma parte desse processo. Ao discutir as finalidades da Paidéia, os gregos iniciam as reflexões sobre o papel da educação na sociedade. Esse debate estende-se por muito tempo e chega até a atualidade, mas é na modernidade que ele se acentua.
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Na Idade Média, o debate sobre as finalidades da educação permanece, mesmo com o espaço de reflexão reduzido pelo poder da Igreja. Segundo Aranha (1996, p. 71), “o ponto de partida é sempre a verdade revelado por Deus, a autoridade indiscutível do texto sagrado, a que se adere pela fé”, ou seja, o critério é a fé, os Dogmas deixam pouco a que se discutir. As congregações assumem as escolas, mas com o fim do feudalismo a burguesia começa aos poucos a secularizar essa atividade. Como época de transição, o Renascimento é uma época contraditória, ao passo que se desenvolvem as escolas seculares, também crescem os colégios religiosos e se acentua o debate sobre as finali-
dades da educação. Aranha (1996, p. 90) diz que “é impressionante o interesse pela Educação no Renascimento [...] principalmente pela proliferação de colégios e manuais para alunos e professores”. A escola começa a se consolidar como parte de uma proposta, um projeto de civilizar o homem, ou seja, torná-lo parte da civilização que se constitui a partir do olhar da nova classe que surgia. Desde as propostas de um método de organização do conhecimento, o emprego da racionalidade, o cuidado dos manuais, a presença do mestre, podemos perceber que está nascendo a escola tradicional como nós a conhecemos. E diante do estado que nascia, com a complexificação da divisão do trabalho, fica como tarefa da escola realizar a educação de todas as classes da sociedade. Começam então os debates acerca de qual seria o tipo de educação ideal para cada grupo social, ou se era importante uma única educação. O que não se discute é que, qualquer que seja o resultado, a tarefa de fazer acontecer era da escola.
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A ideia de escola ou de escolarização está presente nessas discussões sobre os objetivos da educação. Mas é na modernidade que a noção de escola se acentua. O que antes era próprio dos grupos e das comunidades, passa a ser unicamente da Escola, que se torna o lugar e o tempo da aprendizagem na sociedade. Ao repassar esse monopólio da educação a tarefa complexa da formação que desejavam os gregos, não se completa, pois a escola assume a educação a partir de uma certa idade e com um currículo definido, pressupondo algumas aprendizagens dos grupos sociais. Talvez muito mais do que metodologias, currículos o debate necessário deveria recair sobre a finalidade da educação: para quê devemos educar nossa juventude, nem tanto como, onde e por que, mas para quê? Quanto maior é o dilema, mais urgente é a resposta. Qual seria o possível sentido da atividade educativa? Que tipo de homem e sociedade seriam construídos a partir desse modelo educativo? Todas parecem “perguntas
que não têm resposta” para citar Jorge Trevisol na música “O Segredo do amor” do álbum, Amor, Mística e Angústia. Porém, buscando na história do Instituto Marista, encontramos uma possível resposta: somos chamados a realizar uma educação do coração. A Educação do Coração O que seria essa educação do coração? Como ela se constitui no âmbito da educação na atualidade? Para auxiliar na construção dessa proposta, a busca realizada considerou uma obra que ainda não foi lançada, está em construção, mas que pode ser uma excelente referência nessa discussão e uma inestimável contribuição nesse sentido. A obra em questão é Pequenos Grandes Homens: princípios filosóficos para educação do presente, do filósofo, professor e amigo, Flávio Williges, da Universidade Federal de Santa Maria. A busca pela verdadeira essência da educação nos leva a Descartes, que diz, (apud Almeida, 1997,
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p. 157/58): “Os homens, cuja parte principal é o espírito, deveriam empregar os seus principais cuidados na procura da sabedoria, que é o seu verdadeiro alimento”. Essa concepção de filosofia como sabedoria engloba a inteligência teórica e a inteligência da ação, de ambas resulta uma arte de viver. A filosofia engloba a conhecimento científico e o conhecimento ético, dessa mistura nasce uma forma de viver. Uma sabedoria teórica, que é técnica, científica, e uma sabedoria da ação, que é ética, que gera a felicidade, o bem comum. A educação do coração teria como ponto de partida a existência humana em seus erros e acertos, porém considerando a humanidade como pano de fundo das decisões. Rompe-se assim com uma cultura cerebral e passamos a incorporar a esses saberes as virtudes. O homem deve usar a razão para fazer seu ajustamento técnico ao mundo, transformando-o se necessário, mas deve também empreender a sabedoria do coração para garantir a felicidade, sua e dos outros, ou seja, realizar sem-
pre um ajustamento ético ao mundo, também. Além do ajustamento material, haveria uma educação da sensibilidade, um domínio de conhecimentos destinados a preparar o homem para lidar com as dificuldades do cotidiano e com questões fundamentais da sua existência, especialmente sua finitude e sua própria humanidade. A educação do coração levaria à construção de uma sabedoria da ação, que considera a ação humana, a experiência, como motivadora de novas experiências. A referência ao coração e à sabedoria do coração, aparece nas tradições filosóficas e sapienciais de Oriente e do Ocidente. Nas palavras de um educador indiano, Sri Satya Sai Baba, citado por Williges (s/d): “Educar tem dois aspectos: um material e um espiritual. A educação espiritual destina-se à vida, enquanto a educação material é um meio de vida. A educação material torna o homem importante, enquanto a educação espiritual o torna bom”. Mais do que a acumular títulos e riquezas, a sabedoria do coração ensina a bondade.
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Em outras palavras, utilizando a sabedoria popular: “é bom ser importante, porém, mais importante é ser bom...”. Hoje, ao se questionar um grupo de famílias, o que praticamente todas querem é que seus filhos sejam felizes, tenham sucesso, um curso superior, bom emprego, sejam autoridades, ganhem dinheiro, etc.; talvez de poucos ouvir-se-ia o desejo de que os filhos sejam bons. Entretanto é também a sabedoria popular que diz, como ouvi muito de minha mãe: “A bondade é duradoura, e a importância é temporária”, ou seja, você pode perder um emprego, um cargo, uma posição, porém o que conquista com a bondade é perene. Num contexto de uma educação utilitarista, voltada ora para mercado, para os vestibulares ou avaliações externas, pode parecer estranho falar em educação do coração. Mas o que seria essa educação? Em que consistiria? Mesmo sem essa base, aparece no senso comum um núcleo de uma sabedoria que se encontraria no coração humano. Uma voz do coração que indica o certo e o erra-
do. O coração seria responsável pela manifestação das qualidades humanas. Ralph Waldo Emerson, em “Homens representativos”(1996), apresenta sua doutrina da supra-alma (over-soul), fazendo uma descrição da existência humana que está profundamente ligada à educação do coração. Essa supra-alma compreende uma condição humana partilhada por todos e que está acima dos “eus” individuais. A sabedoria do coração consiste em possibilitar o entendimento do que Emerson chama de Supra-alma, essa transcendência. A educação seria o caminho para esse desenvolvimento moral, onde somos capazes de contemplar nossa condição e desabrochar em nossa humanidade. A tarefa da educação do coração seria a formação de grandes homens. A educação do coração seria um caminho para o desenvolvimento moral e intelectual, onde somos capazes de contemplar nossa finita condição humana.
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Essa condição nos faz perceber a existência de um homem maior que nosso “eu”. Segundo Emerson, “a Natureza parece existir para a excelência. O mundo é sustentado pela veracidade dos homens bons: são eles que tornam a Terra salutar” (1996, p. 48). Para esse autor, todos somos seres representativos de algo que o Universo necessita. Nesse sentido, uma educação apenas técnica ou política seria uma redução do potencial da educação. A educação do coração nos engrandece. | 86 |
O Coração, na anatomia, é o músculo estriado de contração voluntária, que funciona como órgão central na circulação do sangue. Na psicologia, o coração, é o interior da pessoa, a fonte da personalidade, livre. Na teologia, o coração é o lugar da misteriosa ação de Deus na pessoa. É o lugar da decisão vital que compromete a pessoa com o todo. É onde acontece a experiência do religioso, do mortal. É a pessoa como um todo, não apenas um lugar. É a visão do interior e não apenas dos atos externados.
Na tradição Judaico-Cristã, o termo coração é muito utilizado. Ele aparece na Bíblia, 1.024 vezes, sendo 869 no Antigo Testamento e 166 vezes no Novo Testamento. No Antigo Testamento é o centro principal da atividade emocional, sede da inteligência e da decisão. No Novo Testamento é a sede da ação divina. Em toda a história da salvação o coração do povo sempre esteve ligado ao coração de Deus, isso é percebido nos exemplos dos grandes homens das narrativas bíblicas. Eles mostram que a verdadeira realização de nossa natureza (imagem e semelhança com Deus) consiste na manifestação daquelas qualidades maiores, logo uma educação verdadeira deveria seguir nessa direção. No Guia das Escolas, no capitulo sobre a Sensibilidade, o primeiro tópico que aparece é a “formação do coração”. Antes de apresentar currículo, metodologia, o Pe. Champagnat aponta para a educação do corpo, da mente e do coração.
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A Educação do coração no Guia das Escolas O Guia das Escolas é o primeiro documento oficial impresso que descreve o pensamento pedagógico e educativo dos Irmãos Maristas. Foi importante na formação dos primeiros Irmãos, como suporte didático. Foi fruto dos trabalhos do segundo Capítulo Geral e, segundo o professor Irmão Ivo Strobino, em sua apresentação “sua edição original apareceu em 1853 [...] o documento foi fundamental na formação pedagógica e na orientação das praticas educativas de gerações e gerações de Irmãos, tanto na França, como no exterior”.23 Qual a concepção de educação presente no documento? Já no seu primeiro capitulo, a questão se encontra respondida: A Educação, segundo consta no Guia das Escolas (2009, p. 24) “... é a arte de formar as crianças, ou, em outros termos, é o conjunto de esforços metódicos, mediante os quais se orienta o desenvolvimento de todas as suas facul-
dades. [...]deve abranger a vida física da criança, tanto quanto a sua natureza intelectual e moral”. Aqui se apresenta uma concepção global ou integral de educação. Ela engloba, em termos da época, a finalidade de cuidar do corpo e da alma, formar para o mundo natural e sobrenatural. Como relata o Irmão Francisco, na Carta de apresentação da primeira Edição do Guia das Escolas (2009, p. 18): “[...] na elaboração desta obra seguimos fielmente as instruções deixadas por nosso piedoso Fundador no referente à educação da juventude”. Essa obra representa a forma de perpetuar entre os Irmãos e, posteriormente, entre todos os maristas os princípios educativos apresentados por Marcelino. O Guia destaca a importância da boa educação bem como apresenta os deveres do Irmão para desenvolver essa educação. Na educação física encontram-se aspectos ligados à higiene, local das aulas, roupas, posturas, bem como os jogos e ginástica. Na questão intelectual, a inteligência
23. Disciplina Primeiros Irmãos do Curso de Extensão em Espiritualidade e Patrimônio Marista da Província Marista do Rio Grande do Sul, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Módulo I, Porto Alegre, ministrada pelo Prof. Ivo Stobino.
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está dividia em inteligência geral, percepção, atenção, reflexão, espírito de observação, discernimento e julgamento, imaginação e memória. Na questão moral, o bloco é dividido em dois capítulos: a sensibilidade e a vontade. No que tange à questão da sensibilidade é que aparece a formação do coração.
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Segundo consta no Guia (2009, p.46): “enquanto o educador se ocupa em desenvolver e enriquecer a inteligência da criança, deve formar o coração dela. O que chamamos aqui de coração, em psicologia recebe o nome mais exato de sensibilidade”. Ou seja, desde sempre foi uma preocupação do Pe. Champagnat que, além da formação intelectual, outra formação fosse oferecida nas escolas Maristas. A sensibilidade é apontada no Guia como a porta de entrada para chegar à razão, pois até “desenvolver a razão” a criança era levada pela sensibilidade. Hoje se sabe que a razão se desenvolve ao longo de toda a vida e que é um processo e não um fim. O exemplo citado
pelo Guia é muito interessante: “O aluno preguiçoso é capaz de raciocinar admiravelmente sobre a necessidade do trabalho, sem decidir-se a realizar o seu dever de casa”. Acreditava-se nessa época que o desenvolvimento da razão levaria, por si só, o homem ao bem e por isso era necessário dominar os sentimentos, que eram impulsos negativos que debelavam a razão. Essa ideia aparece de forma clara na maneira como é exposta a educação do coração no relato do Guia. Além da teoria sobre a formação do coração, o Guia apresenta uma proposta prática (2009, p. 47): “Para formar o coração da criança é preciso empregar os três meios seguintes: 1º moldar as ideias; 2º levá-la a praticar atos bons, 3º colocá-la em ambiente favorável”. Dois aspectos chamam a atenção: a questão da prática dos bons atos e do ambiente favorável. O Pe. Champagnat convida a oferecer uma experiência educativa que seja significativa e transforme a vida dos estudantes. Citando como exemplo as boas maneiras,
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destaca que elas são um verniz, que fala do externo, mas quando elas são demonstração da nossa estima pelas pessoas, elas são (2009, p. 49) “[...] obra do coração”. Todo bom habito construído deve passar pelo coração. Ao fundar o Instituto, Marcelino queria uma educação ampla que fosse além do catecismo e das ciências. Para ele, formar o coração era, segundo o Irmão João Batista, (1989, p. 499): “... fazer germinar e crescer as boas disposições. É adorná-lo de virtudes”. A virtude é fruto da sabedoria do coração. Ainda, segundo FURET (1989, p. 501): “Para bem educar as crianças é preciso amá-las e amá-las todas igualmente”. Desde a experiência fundante com o jovem Montagne (FURET, 1989, p. 56), fica evidente a vontade de Marcelino de formar os jovens de maneira integral para que possam pensar na sua vida, mas também na sua finitude, principalmente, e buscar aproximar-se de Deus ou da religião como meio de cultivar as virtudes necessárias ao “bom Cristão e bom cidadão”.
A Educação do coração no Projeto Educativo do Brasil Marista Lançado em 2010, o Projeto Educativo do Brasil Marista é uma produção coletiva, tendo sido escrito a muitas mãos, mentes e corações, com o propósito de dar unidade ao processo educativo das escolas maristas, sempre com profundo respeito às experiências e trajetórias de cada Província e do Distrito, dialogando com as diversidades. Dotado de uma atualidade ímpar no que concerne às teorias educativas e necessidades do tempo atual, o Projeto vem para auxiliar a comunidade marista (2010, p. 15) “no alinhamento de conceitos, intencionalidades e demais aspectos presentes nas escolas maristas, de modo a garantir os princípios e valores institucionais na ação pedagógica-pastoral”. Após 157 anos seguidos da elaboração do Guia das Escolas, aparece dentre tantos outros documentos, o Projeto Educativo com a finalidade de estabelecer e consolidar a Rede Marista
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de Educação Básica, balizando a ação de pertença de cada sujeito e escola ao projeto; colaborando na defesa, promoção e garantia de uma educação de qualidade, evangelizadora, comprometida com as praticas solidárias; subsidiando a avaliação da fecundidade evangélica e do compromisso da Rede Marista com a construção da “Civilização do Amor”, termo extremamente utilizados pela pastoral; explicitando o compromisso marista com as infâncias e as juventudes; desafiando para o necessário, o novo, apontando para o “inédito viável” no processo educativo; Segundo Freire (2006, p.107), ele “[...] que se concretiza na “ação editanda”. A emancipação é esse inédito, é essa ação editanda, uma possibilidade presente em nossa realidade, que na relação com os outros vai sendo construída. O Projeto Educativo é dividido em quatro grandes blocos, cada um com suas particularidades. Na Dimensão Contextual, é realizada a articulação das necessidades advindas dos tempos atuais, com o Legado de São Marcelino, a par-
tir da presença do Instituto nos contextos históricos e geográficos, destacando essa relação de escala local e global do Instituto. Essa dimensão aponta para a evangelização como missão de todo o cristão e tarefa central de nossa ação, segundo FURET, (1989, p. 312): “Tornar Jesus Cristo conhecido e amado: eis o sentido de nossa vocação e a finalidade de nosso Instituto. Se falharmos nesse propósito, nosso Instituto será inútil”. Assim, promovendo a integração entre fé e vida, no contexto atual buscamos “novas e criativas formas de educar, evangelizar e defender os direitos das crianças e adolescentes”. (UMBRASIL, 2010, p.38) Na Dimensão Conceitual, estão apresentados os princípios, valores e teorizações utilizadas pelo projeto educativo. Apresenta também a abordagem própria da Pedagogia Marista, “uma pedagogia muito prática, focada na presença, no amor à natureza, na solidariedade e no aprender fazendo” (UMBRASIL, 2010, p. 42). Uma pedagogia do amor,
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da dedicação, da presença, do respeito e das aplicações práticas cotidianas. Com um estilo educativo próprio, diferenciando-se pela presença, pelo espírito de família, pela simplicidade, pelo amor ao trabalho e pelo agir à maneira de Maria. A educação, de acordo com o Pe. Champagnat: “... é mais do que um processo de transmissão de informações: é o meio poderosos de formação e transformação das mentes e dos corações das crianças e dos jovens” (UMBRASIL, 2010, p. 52). Na Dimensão Operacional, está a articulação das práticas educativas e de gestão com as concepções teóricas assumidas. Segundo consta: “As escolas maristas são espaçostempos privilegiados para o pleno desenvolvimento do ser humano em todas as suas dimensões” (UMBRASIL, 2010, p. 66). São espaços de divulgação dos valores do Evangelho. Somos desafiados a “integrar rigor cientifico, excelência acadêmica, formação cristã, cultura da solidariedade e da paz, sensibilidade estética, forma-
ção política e ética, ação pastoral e consciência planetária. Para tanto somos espaçotempo de pastoral que articula fé e vida: da pedagogia do amor, da presença, da escuta/ diálogo, do cuidado, da solidariedade e do anúncio da Boa-Nova”; Espaçotempo de investigação e de produção de conhecimentos: da pedagogia da pergunta, da pesquisa, do questionamento, da reflexão, da sistematização de conhecimentos, de saberes e seus discursos; Espaçotempo da criação: da pedagogia da invenção e produção de arte, ciências, estéticas, filosofia e discursos; Espaçotempo do aprendizado político e ético: da pedagogia da negociação e dos acordos, da interação com a diferença; Espaçotempo de construção de projeto de vida: o cuidado consigo mesmo e com os outros que contempla vocação, missão e solidariedade; Espaçotempo de formação continuada dos profissionais de educação: do perfil ao profissionalismo; Espaçotempo de avaliação contínua: de processos, projetos, práticas, sujeitos, instituições” (Projeto Educativo, pp. 67 a 70).
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Na construção do Projeto de Vida os aprendizados político e ético são essenciais, pois eles denotam a existência de uma experiência educativa que transparece no Projeto. Assumimos o protagonismo juvenil e a centralidade do processo no estudante, pois (2010, p. 74): “os estudantes maristas são sujeitos de sua aprendizagem e têm com uma de suas funções articular os saberes construídos no espaço escolar com as experiências vividas, o que resulta na construção de novos conhecimentos e habilidades que os colocam em condições de agir e interagir na sociedade e em suas distintas realidades”. O Projeto Educativo reconhece os educandos como protagonistas, sujeitos do processo educativo e não destinatários. Reconhece que nas suas vivências humanas, sociais, culturais vão se com-formando, socializando e construindo subjetividades. Aqui reside a experiência educativa da qual se fala, pois a partir de um processo permanente essa experiência acontece e aponta para a experiência educativa.
Assim como nos primórdios do Instituto Marista, hoje, motivados pelo legado fundante recebido de Marcelino Champagnat que para bem educar é preciso amar, e seguindo as diretrizes do Projeto Educativo do Brasil Marista, a educação do coração se afirma como processo necessário e vital para uma educação integral e integradora. Essa tarefa de gerar a vida através de uma educação que encontra nas matrizes curriculares essa forma peculiar de se concretizar. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em sua utopia de civilizar o homem moderno, a sociedade apostou na escola como forma de concretizar esse sonho. O Estado ao assumir na modernidade vários monopólios, e dentre eles o da Educação, necessitava regular de certa forma essa atividade a fim de que pudesse dar conta de sua universalização e controle. Ao criar a escola, o espaço para cumprir esse empreendimento estava garantido. Em relação ao tempo, os debates sobre a aprendizagem e a pedagogia, desde a antiguida-
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de, eram efervescentes. A reflexão sobre a categoria tempo indicava: quando essas aprendizagens aconteceriam, ou melhor, até quando seriam possíveis essas aprendizagens? É nesse sentido que surge a necessidade de se pedagogizar, em primeiro lugar, a infância e fazer dela o tempo da aprendizagem. Ao produzir este novo sujeito, fala-se da escola como algo que pudesse existir de maneira autônoma numa sociedade. Na verdade, um tempo e um espaço, fora do tempo e espaço das sociedades, pois ela tem o dever de preparar os futuros cidadãos. Parece que num certo momento as pessoas são sequestradas da sociedade para uma Escola que fica independente dos problemas do mundo, alheia a tudo o que acontece. E em seguida serão devolvidas para a sociedade. Parece que fogem do mundo para aprender num lugar que nada tem a ver com o mundo e que depois vão volver outra vez ao mundo/sociedade. Dessa forma percebemos a idealização dos conceitos modernos da educação. Pretendi apontar como, ao
longo da História, a educação foi retirada da responsabilidade social do grupo para depois se reinserir, na perspectiva de uma sociedade que já não existia. Idealizamos educação e sociedade para depois dialogar com esses dois entes que nada dizem para os grupos. Esses grupos que, por sua vez, interagem no espaço mundo, não são mais uma sociedade no sentido localizável. Poderia-se falar de um descolamento da educação da sociedade, um afastamento. Se antes a educação era tarefa de todos, agora com essa independência, ela é uma tarefa de um especialista. Precisamos pensar numa escola dentro da sociedade como fruto dela, de suas intenções políticas e pedagógicas. A educação na atualidade tem sido pautada em valores pragmáticos, vinculados sobretudo na sobrevivência, dentro de um mercado seja como produtores, consumidores ou expectadores desse espetáculo. As escolas reproduzem em seus pátios toda a engrenagem da sociedade, onde os valores deixam de ser a primei-
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ra ordem do dia. Não existe busca pelo melhor das pessoas, simplesmente pelo melhor. Qual escola ensina a lidar com os relacionamentos de modo a não sofrer nem causar sofrimentos? Qual escola ensina métodos de acalmar o espírito diante da terrível tarefa de viver? Que escola ensina a não querer tudo que pode ser adquirido e não adquirir tudo que se deseja? Que escolas retomam as grandes histórias, narrativas que durante anos serviram de guias para a sociedade? | 94 |
A sabedoria do coração não está vinculada a uma religião ou tradição religiosa. A religião pode ser um meio para desenvolver, porém o essencial é transcender a experiência do “eu”. A educação do coração consiste num processo de distanciamento em relação ao eu cotidiano, e do eu como unidade em direção ao eu como humanidade, isso que Emerson chama de supra-alma. Ou seja, a consciência de que somos mais de que nosso “eu” individual. Devemos reconhecer que nossa alma é finita, frágil, que marcha em di-
reção a um mistério, diante do qual cabe apenas a contemplação. Toda a criação está assim organizada. Uma educação do coração traz isso presente aos nossos estudantes e possibilita o desenvolvimento de grandes homens, de homens representativos, aqueles que dão gosto à existência e enchem a Terra de alegria. REFERÊNCIAS ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. São Paulo: Moderna, 1996. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1986. EMERSON, Ralph Waldo. 18031882. Homens representativos: sete conferências / tradução e notas. Sonia Régis. Rio de Janeiro: Imago Ed. 1996. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 43.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. FURET, Jean-Batiste. Vida de
A EDUCAÇÃO DO CORAÇÃO COMO UMA DAS CONTRIBUIÇÕES DA PEDAGOGIA MARISTA PARA O CONTEXTO ATUAL
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HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1989.
VEIGA, Cynthia Greive. A escolarização como projeto de civilização. In: REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO. São Paulo: Autores Associados, 2002. nº 21
JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
WILLIGES, Flávio. Pequenos Grandes Homens: princípios filosóficos para educação do presente. Obra em construção
SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999. 204 p. UMBRASIL, União Marista do Brasil. Projeto Educativo do
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ESTUDOS
Viviane Marie Leal Truda24
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RESUMO O propósito maior deste estudo foi discutir sobre a disciplina na educação marista, como possibilidade de ampliação e de transformação de práticas alienantes em formas alternativas educativo-pedagógicas de pensar e realizar a práxis escolar de crianças e adolescentes. Partimos da análise do sentido de disciplina e no seu entorno trabalhamos a tensão dos sentidos e dos limites e o papel do educador à luz dos princípios de Champagnat. Defendemos a concepção humanizadora, emancipatória de disciplina na escola marista e apresentamos os pressupostos teóricos e pedagógicos que sustentam esse posicionamento. Apresentamos o desenvolvimento da espiritualidade atrelado à disciplina emancipatória como diferencial qualitativo na formação marista. A disciplina também foi analisada, considerando que seu equacionamento perpassa por, pelo menos, dois parâmetros básicos: sentido e limite.
24. Supervisora Educacional da Gerência Educacional da Rede de Colégios Maristas do Rio Grande do Sul e Brasília, mestranda em Gestão Educacional pela UNISINOS-RS, Pedagoga – Orientadora Educacional e Psicopedagoga com Especialização em Psicologia nas Organizações.
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Eu tenho uma espécie de dever, de dever de sonhar, de sonhar sempre, pois sendo mais do que um expectador de mim mesmo, eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso. E assim me construo a ouro e sedas, em salas supostas, invento palco, cenário para viver o meu sonho entre luzes brandas e músicas invisíveis. (Fernando Pessoa) INTRODUÇÃO
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A disciplina na escola é tema recorrente de preocupação entre os educadores, e como educadora há mais de 35 anos, interagindo e acompanhando o cotidiano de professores e estudantes, temos percebido os descaminhos percorridos por professores e professoras, que no afã de educar em nome da disciplina empreendem, equivocadamente, seus esforços no engessamento, no autoritarismo e na obediência em detrimento da interação do estudante com o conhecimento e com a realidade. Este texto trata o binômio educação e disciplina, e tem como
objetivo refletir sobre a disciplina como componente importante na organização escolar marista, tendo em vista suas finalidades educativas, além de discutir, ainda que perifericamente, sobre o papel da escola e suas consequências na formação marista de crianças e adolescentes. Ao considerar que a educação é um processo de humanização, um processo em que as pessoas se organizam de modo intencional, para, na relação inter e intrapessoal, se apropriar dos avanços da civilização em prol da coletividade humana, podemos dizer que é uma ordem consentida livremente entre os interlocutores do processo educativo, fundamental na regulação das organizações sociais. Lidar com a disciplina na escola parece difícil, exatamente porque há dificuldade em se chegar à ordem consentida livremente entre os protagonistas da ação educativa. Problematizar acerca dos fins da educação e sobre os códigos disciplinares coerentes a esses fins parece ser o primeiro passo para
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a mudança de percepção sobre o tema em tela. O interesse em compreender e aprofundar estudos na área da educação marista na ótica da disciplina justifica-se como possibilidade de ampliação e de transformação de práticas alienantes em formas alternativas educativo-pedagógicas de pensar e realizar a práxis escolar de crianças e adolescentes. A intenção deste estudo também foi buscar possibilidades validadas pela interlocução documental marista em favor do cumprimento, dos princípios educativos de Champagnat como meio de transformação e de avanço na prática pedagógica de educadores maristas. Na elaboração deste trabalho, entendemos ter assumido compromisso formal, buscando o rigor, a clareza das ideias, a interlocução teórica marista e científica, a construção de argumentos pertinentes e assumindo também, de forma indissociável, compromisso político, pois decidimos, de forma responsável e
coerente, pesquisar um tema que pode contribuir para melhorar a eficácia das relações socioeducativas da sala de aula. Discutimos neste texto o sentido de disciplina e no seu entorno trabalhamos a tensão entre sentido e limite, e o papel do educador marista. É na dinâmica entre disciplina imposta e não disciplina que se situam a preocupação, as dúvidas e as incertezas dos professores e estudantes nas escolas e que trazemos à roda de diálogo os documentos maristas inspiradores de uma prática disciplinar amorosa e emancipatória. PARA COMEÇO DE CONVERSA A (in)disciplina na escola parece estar bastante atrelada à obediência, pelo menos é nesta direção que grande parte dos educadores apontam para justificar o baixo rendimento dos estudantes. Depura-se daí que a concepção de educação que baliza esta ideia é
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a de uma educação em prol da submissão e da heteronomia25. Será que é papel da escola no mundo dinâmico e complexo, em que a agilidade de pensamento e a necessidade de tomada de decisões é uma constante, educar para a disciplina? Parece-nos que há uma dicotomia entre educar e disciplinar. Neste momento trago à roda de discussão Paulo Freire (1977, p. 42), que ao refletir sobre a ação cultural para a libertação diz que “toda prática educativa implica uma concepção de seres humanos e de mundo”. Numa concepção humanizadora e emancipatória, a disciplina na escola deve ser tratada como uma ação cuja finalidade é a de ajudar a pessoa a possuir autonomia. Evidentemente, que isso pressupõe preparo, mediação dos educadores, possibilitando às crianças e aos jovens a trajetória através de estágios de interdependência, que são distintos entre si conforme a fase de desenvolvimento em que se encontram os estudantes. É um processo, que exige de quem educa intenciona-
lidade respeitosa, isto é, consciência de que é preciso respeitar o tempoespaço de cada um, para que cada pessoa possa no seu movimento de amadurecimento, ir construindo a autonomia, o que implica capacidade de resistir à manipulação intelectual. A Educação Marista, de acordo com o Projeto Educativo do Brasil Marista (2010, p. 18), assume o compromisso com as infâncias, adolescências e juventudes e vida adulta, propondo-se a atuar na defesa, promoção e garantia dos direitos de cada uma dessas etapas, considerando tempos, saberes e fazeres e, desse modo, valorizando suas culturas e subjetividades. Isso implica em prática educativa voltada à presença, ao cuidado e ao afeto, sem deixar de ser crítica. Champagnat (FURET, 1989, p. 498), preocupado com a formação das crianças e dos jovens postula que: Se fosse apenas para ensinar as ciências humanas aos jovens, não haveria necessidade de Irmãos: bas-
25. Vale registrar, que neste estudo, a heteronomia é entendida a partir do viés piagetiano, quando trata do desenvolvimento moral da criança. Para esse autor, a anomia é ausência de regras, a heteronomia quando as regras são impostas pelos adultos, e a autonomia quando o sujeito atingiu sua consciência moral.
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tariam os demais professores. Se pretendêssemos ministrar apenas a instrução religiosa, limitar-nos-íamos a ser simples catequistas. O nosso objetivo, contudo, é mais abrangente. Queremos educar as crianças, isto é, instruí-las sobre os seus deveres, ensinar-lhes como praticá-los, infundir-lhes o espírito e os sentimentos do cristianismo, os hábitos religiosos, as virtudes do cristão e do bom cidadão. Para tanto, é preciso que sejamos educadores, vivamos no meio das crianças e que elas permaneçam muito tempo conosco.
A reflexão de Champagnat nos faz perceber que a formação do ser humano está para além da ideia de sujeitos civilizados. O cultivo da espiritualidade é uma dimensão do ser humano que possibilita ultrapassar e transcender, apurar e sublimar seus instintos, distinguindo-o do animal. Isso se consolida com a presença interativa do educador, que provoca o pensar, instrui com deveres e sensibiliza ao respeito em todas as suas dimensões, e que é diferente de disciplinar.
Inquietação, questionamento, indisciplina são inerentes às crianças, adolescentes e jovens de todos os tempos. Essas características, além de esperadas, são saudáveis. Dramático e preocupante é nos depararmos com crianças e jovens passivos, silenciosos, amarrados em suas classes, um atrás do outro. Esse quadro nada tem de pedagógico, pois limita, castra, subjuga e, o que é pior, aliena o estudante. Segundo Strobino26, a disciplina a que Champagnat se referia tinha como elementos fundantes a educação da consciência, a educação da inteligência e a educação da vontade. Respeitar os processos de cada um dos meninos era elemento determinante na pedagogia de Champagnat, ele tinha clareza de que cada pessoa aprende de acordo com o seu tempo, assim como também considerava importante e tomava como princípio pedagógico prioritário, privilegiar e acompanhar os estudantes mais frágeis. Sentir-se bem na escola era um dos focos que tinha em seu trabalho educativo.
26. Ir. Ivo Strobino, professor da disciplina Champagnat e os Primeiros Irmãos. UMBRASIL - Curso de Extensão em Espiritualidade e Patrimônio Marista, Braslândia, 2010.
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Introduzindo o canto, o Pe. Champagnat propunha-se ainda atrair os alunos e afeiçoá-los à escola, pelo prazer puro e inocente que o canto lhes oferece, mantê-los na alegria e no contentamento, fazer-lhes saborear os encantos da virtude, instruí-los agradavelmente nas verdades da religião, inspirar-lhes sentimentos de piedade e banir os cantos profanos (FURET,1999, p. 490).
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Considerava esse princípio fundamental para que o menino se sentisse acolhido e com vontade de retornar à escola. Assim como o Padre Champagnat, muitos educadores e educadoras têm como objetivo uma educação que estimula o convívio escolar humano, o respeito, a alegria, a vivacidade peculiar a pessoas felizes, o desenvolvimento intelectual e afetivo. O que não significa ser permissivo a tudo, mas a qualquer tempo estar ciente de que: o limite dado com afeto e diálogo contribui para que a relação se dê permeada de respeito. A garantia
da permanência desse limite, oportuniza à criança e ao jovem o seu desenvolvimento e a construção de sua autonomia. Limite é cuidado, é a tradução real de amor que o adulto educador pode manifestar para com o educando (TRUDA, 200927).
CRISE DOS SENTIDOS E DOS LIMITES É importante o educador se dar conta de que o limite está sempre associado a algum sentido, a alguma finalidade. O que quer dizer, que a questão da disciplina, portanto, não pode ser equacionada fora de dois parâmetros básicos: sentido e limite. Vasconcellos (1995, p. 25) tece uma crítica adequada à insegurança dos educadores frente ao ato educativo e justifica seu posicionamento refletindo sobre a desorientação geral em que se encontra a sociedade ao dizer que: Há uma crise da racionalidade, crise dos projetos sociais, das utopias, crise da autoridade em nível mundial, mudança no sistema de valores.
27. www.maristas.org.br/portal/pagina.asp?IDPag=704 Disciplina um assunto que ultrapassa os muros da escola.
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Constata-se que as agências produtoras de sentido (partidos, família, escola, ciência) estão em crise. É a crise da disciplina no contexto da Pós-Modernidade” (VASCONCELOS, 1995, p. 25).
Essa análise leva-nos a olhar a escola de modo mais focado. A alegria de aprender passa pelo sentido que se dá ao que está sendo aprendido. Parece-nos que atualmente a escola não tem muita clareza em relação ao seu papel e, por consequência, este sentido não está socialmente bem definido. Sabemos que a crítica à forma de organização da escola não é novidade. Muitos teóricos, desde o século XVIII, já condenavam os métodos utilizados que se baseavam na repetição e memorização de conteúdos. Acreditava na experiência direta por parte dos alunos, a quem caberia conduzir pelo próprio interesse o seu aprendizado. Mais do que instruir, no entanto, para ele a educação deveria se preocupar com a formação moral e política.
Porém, é importante ressaltar que essa análise se restringia à dimensão pedagógica. Posteriormente vários estudiosos da área trouxeram à baila o papel político e social da escola, em contraposição à imagem velada que se passava dela. Hoje a escola reconhece, ainda que teoricamente, seu compromisso político e social na formação de crianças e jovens. Mas junto a esse reconhecimento parece vir acompanhando o desconforto de gestores e professores sobre o que focar como elemento essencial no processo de formação educativa. Afinal, educamos para quê? Na mesma proporção falta perspectiva ao jovem – estudar para quê? No discurso afirma-se que o papel da escola é o da formação de um homem crítico, justo e fraterno. O que pressupõe que essa pessoa deva ter a capacidade de autogerenciamento, isto é, autonomia moral e intelectual. É a formação de um ser humano responsável pelo seu ser e es-
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tar no mundo, comprometido consigo e com a sociedade que o rodeia. Nessa perspectiva, a pedagogia marista, conforme assegura o Projeto Educativo do Brasil Marista:
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[...] promove o diálogo entre as ciências, as sociedades e as culturas sob uma perspectiva cristã da realidade e, dessa forma, permite entender as necessidades humanas e sociais contemporâneas, questioná-las, traçar caminhos e modos de enfrentar as problematizações. (PROJETO EDUCATIVO..., 2010, p. 43)
Esse posicionamento requer gestores, professores e famílias trabalhando interativamente na direção de sujeitos responsavelmente atuantes. Em regra, a maioria das instituições educativas parece não estar com seus autogerenciamentos definidos, ficando os estudantes também desorientados. No contato diário com os educadores evidencia-se a angústia de como agir frente a situações de indisciplina.
O PAPEL DO EDUCADOR “Não gosto de ser autoritário, mas não sendo, como reverter a indisciplina?”. “Punir ou não punir?”. “É possível castigar sem conflito?”. “A rigidez é pré-requisito da disciplina? Odeio o autoritarismo!”. Essas e outras questões fazem parte da rotina de educadores e educadoras de nosso país em relação à disciplina. Dos liberais convictos aos conformados e autoritários há uma postura frente à disciplina que desvela falta de firmeza, convicção naquilo que está sendo proposto. Diante desse panorama, os professores, geralmente optam conforme Vasconcellos28 (1995, p. 28) por: impor uma disciplina “custe o que custar”, recorrendo a instrumentos de coerção como penalidades e, principalmente, à nota, ou, por outro lado, deixar como está para ver como é que fica numa verdadeira demissão de sua tarefa de educador (às vezes até como justificativas e discursos sociológicos). (VASCONCELLOS, 1995, 28)
28. VASCONCELLOS, Celso dos S. Disciplina – construção da disciplina consciente e interativa em sala de aula e na escola. São Paulo: Libertad, 1995.
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A pedagogia marista, partindo do convívio que os estudantes experimentam, procura educar pelo diálogo franco e amoroso e por meio de exemplos e atitudes coerentes entre o que se diz e o que se faz. O Guia das Escolas (2010, p. 103) sustenta que: A disciplina fortifica a vontade do aluno e dá-lhe energia para resistir ao mal e para combater as inclinações viciosas; ela premune-o contra a inconstância e contra o capricho; ela forma-o para o bem, ensina-lhe a querer e faz com que contraia o hábito do dever.
Isso porque a disciplina emancipatória trabalha o sujeito para que ele perceba o reconhecimento de ser condicionado, mas que consciente do seu inacabamento supera suas fragilidades e transcende para além dele. Esse processo permite ao estudante perceber que a disciplina requer consciência de que as ações que praticamos sempre repercutirão em nós mesmos e no nosso entorno, que brotam das implicações de ser e
estar no mundo de modo responsavelmente assumido. A determinação de regras, limites são fatores iluminadores na formação de crianças e jovens. Dizer o que é permitido fazer e o que não é, justificando as consequências, ajuda os estudantes a se organizarem e a discernirem sobre os fatos e as situações. Ir. Silveira (1994, p. 155)29 narra que “os próprios Irmãos deverão ser extremamente pontuais para entrar em sala às 7h30 da manhã e às 13h, para o período da tarde. [...] A pontualidade dos mestres é o meio mais eficaz para se conseguir a pontualidade e a assiduidade dos alunos”. O depoimento do Ir. Silveira ilustra o que Freire (1993) já defendia, educa-se pelo exemplo, muito mais do que pelas palavras. Dar parâmetros às crianças e jovens é necessidade educativa. A culturalidade, sociabilidade, politicidade da educação faz dela um processo por meio do qual se articulam grandes e pequenas ações intencionais e se produzem conheci-
29. I Capítulo Geral do Instituto dos Pequenos Irmãos de Maria; 1852-1853-1854
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mentos, saberes, valores e relações de poder. O que faz da educação um processo fundamental no desenvolvimento das pessoas e neste processo a corresponsabilidade de pais e educadores “por constituir, interativa e culturalmente, as condições da criação e da circulação de saberes, de valores, de motivações e de sensibilidades” (BRANDÃO, 2002, p. 45)30, dito de outro modo, a disciplina na perspectiva educativa emancipatória é a expressão de ações, cuja finalidade é a socialização de princípios e valores que ajudarão na formação de sujeitos cultural, social e politicamente contextualizados e comprometidos com seu tempo. Essa disciplina é geradora de homens e mulheres que, de acordo com o Ir. Sammon (2008, p. 20), “não aceita verdades acabadas, coloca os sentimentos acima da razão, promove a tolerância, acolhe a diversidade e a pluralidade e é marcada pelo retorno à religião e à espiritualidade”. O pensamento do Ir. Sammon aponta para um repensar dos educadores, no sentido de que perce-
bam, por um lado, a complexidade da disciplina, como participa dele, e, de outro, que, por esta participação mesma, tem um poder em mãos. Parece que o primeiro passo a ser dado pelo professor é a sua assunção na participação da condução da disciplina, que está, por uma série de equívocos, contribuindo para a distorção da educação. Participar significa “fazer parte de”, “tomar parte em”; tomar consciência disso implica reconhecer que tem a ver com a disciplina: “A disciplina na escola faz parte também da minha função de educador” (2008, p. 20). Isso pode parecer simples ou mesmo óbvio, mas a prática tem revelado a incrível dificuldade de o professor se dar conta da sua participação. Consolidou-se no senso comum educacional, talvez até como uma espécie de defesa psicológica, um conjunto de justificativas e de atribuição de responsabilidades a terceiros: os pais, as determinações do sistema, os próprios estudantes, etc. A problematização auxilia o educador a discernir, assim, é prudente questionar-se: como é que a disciplina se concretiza objetiva-
30. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação popular na escola cidadã. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.
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mente na sala de aula, na escola? No deslocamento do problema para a questão, estabelece-se a contradição no sujeito: não quero a educação passiva, seletiva, todavia, estou na prática, contribuindo com ela na medida em que distorço seu sentido, através de minhas práticas concretas. Assumir a contradição é uma necessidade, pois alude à existência de tarefas, de projetos para já e que estão ao alcance do professor. A percepção da contradição em si mesmo, deseja uma coisa, mas faz outra, é um caminho fértil nas reflexões com os educadores, mobilizando-os para outras análises e posicionamentos. O educador tem poder nas mãos, capacidade de intervenção no real; a perspectiva é usar esse poder de forma diferente o enfrentamento da questão educativa na sua especificidade acaba contribuindo, para o enfrentamento de outras questões pedagógicas, na medida em que o professor vai resgatando o seu real papel. Mas, para isso, dialeticamente, concep-
ção teórica e prática precisam estar afinadas, pois a mudança de postura implica mudança de ambas. Para mudar a prática é preciso mudar a concepção e vice-versa. É certo que a disciplina que engessa, tolhe e oprime apresenta deformações na formação das pessoas, assim como, a não disciplina, por sua vez, também deixa sequelas difíceis de serem resgatadas, além de limitarem as possibilidades de avanço na perspectiva humanizadora. No entanto, essas constatações exigem que levemos em conta [...] o reconhecimento de que para atingir nossa meta, nossos corações devem estar abertos à mudança, mas, ao mesmo tempo, precisam absorver a melhor herança do passado. Uma renovação genuína jamais o descarta, ainda que procure libertá-lo das armadilhas da história (SAMMON, 2008, p.20)31.
Diante disso, cabe aos adultos educadores permanecerem abertos aos apelos da contempora-
31. SAMMON, Seán D. Ir. Corações novos para um novo mundo. Circulares do Superior-Geral dos Irmãos Maristas, Roma, v.31, n. 4, 8 set. 2008, p.20
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neidade que carecem de bons exemplos e limites, mas também tendo sempre presente em suas ações o amor e o afeto às infâncias e juventudes. CONSIDERAÇÕES FINAIS A concepção teórica e conceitual de disciplina adotada neste estudo buscou aproximar, na contemporaneidade, o nosso compromisso de educar pela evangelização ao ethos do Instituto Marista. | 108 |
Mais do que parecer ser, a educação deve desenvolver-se para consolidar ações que expressem nosso jeito marista de pensar e de ser. Nesse sentido, o professor precisa ficar atento ao seu desenvolvimento constante no que se refere à ampliação de suas competências e habilidades para um desempenho docente que ilumine os estudantes a serem e a agirem dentro dos princípios experimentados, para que possam no futuro propagar o que aprenderam e vivenciaram. Porém, isso só será possível se houver disciplina como forma de autogerenciamen-
to do sujeito, isto é, como desenvolvimento da autonomia moral, ética e intelectual. Educar requer que a ação de quem educa sirva de âncora para que aquele que aprenda possa também desenvolver e propagar competências e habilidades iguais às aprendidas e, talvez, ampliadas para além delas. REFERÊNCIAS BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A educação popular na escola cidadã. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1993. FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. FURET, João Batista. Vida de José Bento Marcelino Champagnat, 1789-1840: padre fundador da Sociedade dos Irmãozi-
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nhos de Maria. São Paulo: Loyola, 1989, p. 498. PROJETO EDUCATIVO DO BRASIL MARISTA: Nosso jeito de conceber a Educação Básica. Brasília, 2010.
plina, um assunto que ultrapassa os muros da escola. Portal Marista, Porto Alegre, set. 2009. Disponível em: < http://www. maristas.org.br/portal/pagina. asp?IDPag=704 >. Acesso em: 10.nov.2011.
SAMMON, Seán D. Ir. Corações novos para um novo mundo. Circulares do Superior-Geral dos Irmãos Maristas, Roma, v.31, n. 4, 8 set. 2008, p. 20
UNIÃO MARISTA DO BRASIL. Guia das Escolas: Documento do 2º Capítulo Geral do Instituto dos Irmãos Maristas, em 1853. Brasília – DF: UMBRASIL, 2010.
SILVEIRA, Irmão Luiz. II Capítulo Geral do Instituto de Maria: 1852-1853-1854. Belo Horizonte: Centro de Estudos Maristas, 1994. VASCONCELLOS, Celso dos S. Disciplina: construção da disciplina consciente e interativa em sala de aula e na escola. São Paulo: Libertad, 1995. TRUDA, Viviane Marie. Disciplina um assunto que ultrapassa os muros da escola. Educação em Revista, SINEPE/RS, Porto Alegre, n.73, maio. 2009, p. 18. ______, Viviane Marie. Disci-
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ESTUDOS
Arlindo Corrent32
ATIVIDADE EPISTOLAR DE
CHAMPAGNAT E A DEFESA
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RESUMO A liderança empreendedora e inovadora de Marcelino Champagnat também deixou legado para o que hoje denominamos de Relações Institucionais. Para garantir a expansão do projeto de formar cristãos e cidadãos, o fundador do Instituto Marista dedicou muito do seu tempo para a sensibilização de autoridades políticas e eclesiais. Os registros das trocas de mensagens por cartas ajudam a entender as estratégias de Marcelino na criação do Instituto.
32. Arlindo Corrent, Irmão Marista. Formado em Pedagogia e Psicologia, realizou cursos de aperfeiçoamento no exterior. Foi Provincial da antiga Província Marista de Porto Alegre por dois mandatos consecutivos, de 1981 a 1987. Foi diretor do Colégio Marista Rosário, em Porto Alegre, e fundador do Marista João Paulo II, em Brasília. De 2009 a 2012 foi Diretor-Presidente da União Marista do Brasil (Umbrasil) e, desde 2009, é assessor da Pró-Reitoria de Administração e Finanças da PUCRS.
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INTRODUÇÃO Este artigo apresenta um estudo das correspondências do Pe. Champagnat com Prefeitos Municipais da sua região.
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Ao tomar conhecimento da atividade epistolar de Champagnat, despertou-me a curiosidade a forma de relacionamento do Padre com a autoridade civil, até pouco, toda anticlerical, no que concerne a uma atividade que no momento é apenas uma concessão do poder publico, isto é, o Ensino nas escolas primárias, através da lei da Instrução Primária em todo o território nacional. Neste breve estudo pretendo focar a intuição primeira de Champagnat, de dedicar-se às crianças e jovens da campanha, que eram os mais abandonados, para, posteriormente evoluir para a situação que hoje conhecemos. Em segundo lugar, analisar o relacionamento de Champagnat com a autoridade civil no que diz respei-
to ao projeto em que ambos estão envolvidos, a Instrução e a Educação das crianças nas escolas municipais da época. Breve contexto histórico Champagnat viveu na França, em uma época em que o anticlericalismo atinge a Igreja e tudo o que a ela se relaciona. Explode com todo o seu furor na Revolução Francesa de 1789 a 1799, quando, bispos, sacerdotes, religiosos e simpatizantes são mortos ou expulsos do país. Nesse contexto nasce Marcelino Champagnat. O pai, simpatizante das ideias da Revolução, assume um cargo de liderança na sua localidade e leva para casa os ideais e as ideias da Revolução. Mesmo sendo uma família profundamente religiosa, mesclam-se a isso os ventos da insurreição. Contudo, o bom senso do pai impede que seja destruído o respeito e o amor na família. Isso determina o estilo de relacionamento de Marcelino, quando adulto.
ATIVIDADE EPISTOLAR DE CHAMPAGNAT E A DEFESA DAS CRIANÇAS E JOVENS
O período da pós-revolução tem início do século XVII. O fenômeno da ira popular e os excessos da Revolução se haviam acalmado. O Estado tenta organizar-se novamente, mas os estragos causados estão nas pessoas, particularmente nas crianças e nos jovens que perderam a oportunidade de uma educação a partir da 1ª infância. A ignorância e a deseducação grassam, de modo especial, nas pequenas localidades e na campanha. Isso repercute fortemente na sociedade. Contudo, o Estado demonstra aproximação e boa vontade para com a Igreja. Inicia-se uma reconstrução do arraso provocado pelas ideias da Revolução. Chama a si a responsabilidade de todo o processo da Educação Primária no país. Em lugar de opor-se, a Igreja tenta somar com a nova realidade. Começam a surgir dezenas de Congregações Religiosas que querem dedicar-se à Educação, mas deverão fazê-lo em consonância com o Estado que é laico, mas que não se opõe a uma
forma de educação ligada à Igreja Católica. Champagnat e a realidade da Campanha A cidade de Lião representa uma expressiva importância na política e na economia do Sudeste da França. Situada a 400km de Paris, próxima da Suíça e do Noroeste da Itália, está rodeada de uma vasta campanha com pequenas comunas e vilas que não usufruem da mesma qualidade de vida e oportunidades da metrópole. Nesse ambiente de Campanha, em 1817, Champagnat, como jovem sacerdote, inicia uma obra de educação com dois jovens semi-analfabetos, que, com muito esforço, transformou em educadores. Outros se juntaram a eles, e a partir de 1820 começa a abrir escolas primárias em parceria com as prefeituras locais. Estabeleceu-se um relacionamento necessário e quase obrigatório entre Champagnat e os Edis dessas localidades em função da situação e do trabalho dos Irmãos.
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Da Campanha às Escolas das Cidades
um grande êxito (INSTITUTO MARISTA, 1947, p. 14).
Depois de La Valla e Marlhes, são as localidades de Tarentaise e de Saint-Sauveur que pedem Irmãos. No fim de 1821 é Bourg-Argental que se dirige ao Pe. Champagnat.
Muito cedo o Pe. Champagnat revela uma visão de futuro tomando uma decisão que altera, em parte, o rumo do Instituto que acaba de fundar. Justifica-se, portanto, a presença marista em colégios de médias e grandes cidades, sem perder a sensibilidade primeira para as “crianças mais abandonadas”, que hoje, são encontradas também nas grandes cidades.
É para ele uma ocasião de ajustar sua visão àquela que a Providência Divina faz surgir, sem deixar de dar continuidade ao atendimento às crianças da Campanha, que eram menos privilegiadas, e motivo propulsor de sua missão. Bourg-Argental com seus 4.000 habitantes, é quase uma cidade, e, até agora, o humilde fundador não teve em vista senão ocupar-se das crianças da Campanha. O caso é então embaraçador. Após uma pequena hesitação e muitas preces, ele toma seu partido. “As crianças das cidades, diz ele aos seus Irmãos, custaram também elas ao Salvador, todo o seu sangue. Vamos então a elas, já que nos convidam”. A escola foi fundada. Logo tem 200 alunos. Como a frequência escolar não era obrigatória naquele tempo, foi
ANÁLISE DE CARTAS EMITIDAS E RECEBIDAS DOS PREFEITOS DE SUA REGIÃO Analisaremos algumas cartas emitidas por Prefeitos a Champagnat e de Champagnat aos Prefeitos. Certamente várias cartas foram perdidas. De Champagnat aos Prefeitos Municipais temos 31 (trinta e uma) cartas, escritas a partir de 1827 até 1840. Com certeza foram bem mais, mas as Prefeituras, salvo algumas exceções, não arquivaram as missivas recebidas. Das cartas dos Prefeitos a Cham-
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pagnat não temos conhecimento do registro de quantas temos em arquivo. As cartas com as respectivas análises foram escolhidas pela importância e representatividade da ação missionária efetivada por Champagnat e os Primeiros Irmãos Maristas, como também pela riqueza de conteúdos no aspecto relacional e axiológico. Carta do Prefeito de St. Symphorien-le-Château Um dos primeiros pedidos, que constam nas cartas de solicitação de Irmãos para abertura de escolas, foi em 1823, quando o Pe. Champagnat recebe a carta-pedido do prefeito de St. Symphorien-le-Château. Carta de M. Etienne de Clerimbert St. Symphorien-le-Château33, 15 de setembro de 1823. Senhor: De há muito tempo tinha vontade de ter uma escola primária em St. Symphorien-le-Château. O Sr. Prefeito deu-me autorização para formar uma. Ouvi falar da instituição que dirige, o bem que se fala dela nos impele a convidá-lo a que se estabeleça também em nosso município.
Asseguro-lhe que para nós será um prazer em ver a escola primária dirigida por seus Irmãos. O município está autorizado a dar a quantia de 400 francos junto com a moradia, o mobiliário necessário para dois Irmãos. Vejo que a quantia citada é muito pequena, contudo esperamos que muitos alunos estarão em condições de pagar, o que aumentaria os vencimentos. Se o senhor for bondoso em prestar um serviço aos habitantes de St. Symphorien querendo ceder-lhes dois Irmãos para o primeiro ano, temos a esperança que, no próximo ano, poderemos contar com um terceiro. Nós faremos o possível para conservá-los; e a comunidade fará todos os sacrifícios necessários. Se for possível, que entre os dois, haja um que se dedicasse às | 115 | crianças das famílias mais bem situadas, isto favoreceria a comunidade. No mais, senhor, manteremos contato com o senhor e o Pároco que lhe escreverá seguramente para lhe dizer o que nos convém. É importante, contudo, que nos mande um Irmão para nos dizer o que é necessário. Tanto para o mobiliário e o modelo de mesa para os alunos, e estando aqui poderá ter uma noção da localidade. Com prazer ponho-me às suas ordens, e tenha a certeza, senhor, que é com o maior prazer que veremos a escola primária estar sob a sua direção. Antes de tomar qualquer medida, espero confiante a sua resposta. Receba, senhor, a certeza da mais
33. St. Symphorien-le-Château, pequeno município, no centro da França, pertencendo ao departamento Eure-et-Loir com 9,44km2 e 859 habitantes, pelo censo de 1999.
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distinta consideração do seu humilde e obediente servidor, CLERIMBERT, Prefeito.
Análise Não foi localizada junto à Prefeitura de St. Symphorien a carta do Pe. Champagnat, que motivou a resposta do prefeito M. de Clerimbert.
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Foi certamente um dos primeiros pedidos, de prefeituras, ao Pe. Champagnat que enviasse Irmãos para abrir uma escola. Supõe-se um pedido da parte do Sr. Prefeito e do Pároco. Por decreto do rei Luís XVIII, todos os cantões (prefeituras) deviam zelar, através de um comitê, para incentivar a instrução das crianças. O comitê era formado obrigatoriamente pelo Pároco local, o Vice-Prefeito, o Juiz e um Procurador do Rei. Infere-se que houve um pedido ao qual o Pe. Champagnat atendeu enviando para St. Symphorien, dois Irmãos. As exigências do Pe. Champag-
nat eram bem claras a todos os pedidos que lhe eram feitos. Pela resposta do prefeito, as exigências não foram atendidas. “Vejo com pesar que a quantia de 400 francos/ano, é bem pouca coisa, mas esperamos que alguns alunos possam pagar [...]” (M. de Clerimbert, carta 15/9/1823). O Prefeito solicita um 3º Irmão para o ano seguinte. Ao analisar o pedido do prefeito encontramos um diálogo entre o poder público e a Igreja, representada pelo Pe. Champagnat, que desperta a atenção, tratando-se de um governo anticlerical, estabelecido pela Revolução Francesa, e uma Igreja que detém ainda os elementos e as condições de realizar um trabalho educativo que o poder público havia abandonado com os princípios da revolução. Numa análise do teor da carta do Sr. Prefeito, encontramos dados de um tratamento respeitoso para com o representante da Igreja (Pe. Champagnat), reconhecendo o valor dos Irmãos educadores, e não quer perdê-los, em função do
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pagamento insuficiente para a sua manutenção. Numa atitude de humildade, solicita ao Pe. Champagnat que envie um Irmão a St. Symphorien para dizer às autoridades o que os Irmãos necessitam para poderem continuar na localidade. É certamente uma bela atitude de escuta, colaboração e respeito da parte do poder público para um simples vigário da paróquia de uma vila pequena (La Valla). No final da missiva, expressa uma atitude de humildade e respeito ao dizer: “Fico totalmente às suas ordens. Não vou tomar nenhuma decisão sem consultá-lo”. Despede-se do Pe. Champagnat, com expressões que podem ser da etiqueta, mas que demonstram da parte do Prefeito, dignidade e reconhecimento ao educador: “Receba a certeza da maior consideração [...], seu humilde e obediente servidor”. Essa atitude e linguagem do Prefeito revelam com certeza o reconhecimento do rei Luís XVIII de que a situação de ignorância das crianças e jovens, sobretudo da campanha, só mudaria através da educação. Reconhece que a Igreja ainda detém a autoridade e o reconhecimento para realizar essa obra.
Fundação em Pélussin No dia 5 de outubro de 1835 o Prefeito de Pélussin envia uma correspondência ao Pe. Champagnat, informado que foi de que Champagnat mandaria alguns Irmãos a pedido do Pároco e um dos seus Vigários. Pélussin, 5 de outubro de 1835. Senhor: O Senhor Pároco de Pélussin e o Sr. Décultieux, um dos seus vigários, informaram-me da intenção que tem de mandar alguns dos seus Irmãos para a minha Prefeitura para dedicar-se ao en- | 117 | sino. Essa comunicação me agrada e mais que eu irei ocupar-me muito ativamente da situação da educação primária que é realmente sofrível aqui. Favorecerei o quanto puder o estabelecimento projetado se realmente quiser enviar-nos, como o espero, pessoas capazes de igualar, ao menos em saber, os mestres que perdemos. Se puder dispor de um Irmão que possa ensinar o desenho linear e a geometria elementar, faria uma coisa que me seria agradável e muito aproveitável a esta Prefeitura onde há muitos operários. Depois do bem que os Srs. Pároco e Vigário me disseram da sua Instituição, eu não hesito em pedir-lhe, senhor, a nos mandar, o mais cedo possível, Irmãos
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dignos da importância do principal desta região (a educação), à frente do qual tenho a honra de estar. Tenho a honra de ser, Senhor Superior, vosso humilde servidor. Dorrielle – Prefeito e Conselheiro do Departamento P.S.: Logo que tiver instalado seus Irmãos, comprometerei o Conselho Municipal a depositar uma quantia no caixa.
Análise
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M. Louis François Dorrielle, Prefeito, usa em sua missiva um linguajar altamente respeitoso, demonstrando, além disso, sentimentos de satisfação (essa comunicação me traz alegria). De outra parte reconhece que a instrução na sua prefeitura é sofrível. Ele próprio, o Prefeito, vai se ocupar ativamente da instrução primária no município. Nota-se que o decreto do Rei não fala em “educação”, mas em “instrução”, mas ao mesmo tempo, o Prefeito, reconhece que nas mãos da Igreja está o projeto de “educação” das crianças. Tanto reconhece o projeto do Pe. Cham-
pagnat, que diz: “Favorecerei, quanto puder, a implantação do projeto”, mas coloca ao mesmo tempo a condição: “espero que me envie pessoas capazes de igualar, ao menos em saber, os professores que perdemos”. Pede até que envie um Irmão formado em desenho linear e na geometria elementar, pois a cidade é de muitos operários, e precisam desses conhecimentos. O prefeito reitera, em seguida, a importância de Irmãos preparados, visto a importância da educação. Promete também influir junto ao Conselho Municipal para que destine aos Irmãos um pagamento justo em função do seu trabalho. Nesta carta, destaca-se a influência do Pároco e seus coadjutores junto ao poder municipal, bem como o vivo interesse do Sr. Prefeito em atender ao pedido da Igreja em favor de uma educação de qualidade para os jovens do seu município. Escola de Sorbiers Se o município oferecer aos Irmãos uma casa em boas condições,
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eles poderão voltar a Sorbiers. E eles voltaram. O Irmão Denis, com mais um companheiro, vai retomar o trabalho dos Irmãos, mas só no dia 9 de novembro de 1844. Por que só depois de nove anos de espera? Carta de Pe. Champagnat ao Sr. Jean François Preynat, Prefeito de Sorbiers34, Loire, em 6 de novembro de 1837: Senhor Prefeito: Os trabalhos e o carinho que tiveram nossos Irmãos em favor dos meninos de Sorbiers são mais do que suficientes para demonstrar aos habitantes do município a contrariedade que experimentaram quando se viram obrigados a deixar a escola. Mas, se o senhor deseja chamar de volta os Irmãos, conforme leio em sua carta, estamos dispostos a ir ao encontro de suas intenções a partir de quando o município tiver fornecido a mobília, uma casa para morar, enfim tudo o que for necessário ao funcionamento de uma escola. Quanto à casa dos Irmãos, estando ela à venda, já não será possível cedê-la de volta, aliás o senhor mesmo bem sabe que, se pudesse ter servido aos Irmãos, nunca teriam eles saído de Sorbiers.
Em 22 de dezembro de 1836, o Sr. M. Jean François Preiynat,
Prefeito de Sorbiers, responde à carta do Pe. Champagnat: Senhor, Em resposta a vossa carta de outubro que acabo de receber somente agora, me chamais a atenção que o Conselho, como eu também, impedimos o concurso do professor para que ele ganhasse a quantia de duzentos francos estabelecida pela lei. O Conselho votou o orçamento de duzentos francos. O Sr. Prefeito, não autorizou essa dotação, rejeitando-a, entendendo que M. Chomat não era em 1834 professor primário, e também por falta de fundos. M. Chomat não parou de reclamar. | 119 | Apressei-me em justificar que não era o problema da comunidade, como ele achava que fosse. M. Chomat merece, sem dúvida, o carinho da comunidade, mas o Conselho não quis voltar atrás sobre uma decisão do Sr. Prefeito. Estou deveras chateado de não poder satisfazer os desejos de todos os meus súditos e sobretudo os desejos de M. Chomat. Recebei, Senhor, a certeza verdadeira e distinguida consideração.
Análise Diante da situação de não valorização dos Irmãos, o Pe.
34. Sorbiers, cidade da região do Ródamo – Alpes, do departamento do Loire. Hoje com 7.500 habitantes. Próxima, 6 ou 7km de l’Hermitage. Uma cidade com indústria e pequeno comércio.
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Champagnat não teve dúvidas em retirá-los.
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O impacto causado nas crianças moveu o coração de Champagnat. Escreveu então ao Prefeito, dizendo que voltaria para lá na condição de que os Irmãos tivessem o necessário para cumprir bem a sua missão. Exigiu uma casa, a mobília, e tudo o que fosse necessário para o bom funcionamento de uma escola. A Prefeitura atendeu às exigências do Fundador, e os Irmãos retornaram a Sorbiers em 1844. Duas coisas destacamos neste fato. A valorização do Irmão Educador. Sacrifica, temporariamente até as crianças, mas sua firmeza fez com que a Comunidade e a Prefeitura agissem de uma forma justa para com os Educadores dos seus filhos. Abertura da Escola de Genas Em 1835, o Prefeito de Genas35, Sr. Francisco Xavier Quantin, juntamente com o Pároco local, Pe. Koening e uma viúva,
Srª Ranvier, conseguiram junto ao Pe. Champagnat, Irmãos para abertura de uma escola na então pequena cidade de Genas. Para tanto, a Srª Ranvier cedeu uma casa para que os Irmãos pudessem alojar-se. Isto seria até o momento em que a Prefeitura terminasse a construção do prédio e residência dos Irmãos. O Pe. Champagnat acedeu ao pedido. Em princípio de 1837 a Srª Ranvier solicita a devolução da casa, pois o Prefeito não havia honrado com a sua promessa de construir a residência. Ao saber do fato, o Pe. Champagnat pede aos Irmãos que retornem a l’Hermitage. No dia 5 de abril, o Prefeito, Sr. Quantin, manda uma carta a Champagnat: Senhor: Nosso bom Irmão veio me dizer anteontem o que o senhor queria: que lhe havia dado ordens para retornar à Casa Mãe no decorrer da próxima semana, dado que a casa destinada para a escola e os Irmãos neste município não está terminada e que a senhora Ranvier, que houve
35. Genas, cidade da França, localizada na região do Ródano – Alpes, no departamento do Ródano. Hoje com 19.994 habitantes pelo censo de 1999.
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por bem emprestar temporariamente sua casa, quer voltar a dela usufruir; que ele (o Irmão36) voltaria a l’Hermitage na época da abertura das aulas, até o final do ano em curso. Doeu-me demais esta notícia, tanto mais quanto neste momento todas as crianças estão vindo à escola, e continuarão ainda todo o mês e boa parte do próximo. Seria transtornar, e talvez destruir uma fundação realizada com tanto sacrifício, o retirar os Irmãos neste preciso momento. A maioria dos habitantes, e sobretudo aqueles que se esforçaram por realizar esta fundação, ver-se-iam muito desconfortados, dado que isto proporcionaria argumentos a quem tinha, e talvez ainda tem, a intenção de trazer um professor da escola normal. É necessário pois, que o senhor se mostre bondoso e complacente conosco, e como começou a fazer-nos o bem, convém concluí-lo. Caso contrário, melhor seria não nos termos conhecido. Por isto é preciso que nos deixe os nossos Irmãos pelo menos todo este mês e parte do próximo. Ao expirar este prazo, uma parte das crianças abandona as aulas por causa dos trabalhos no campo. Porém, até então, a maioria ou quase todos permanecem na escola. A boa e caritativa Sr.ª Ranvier aguentará com paciência e continuará sacrificando-se, como espero, até lá; em absoluto os Irmãos serão desalojados. Sirva-se, senhor, aceitar o meu pedido e ser o intérprete dos meus temores e do que poderia ocorrer em caso contrário. 36. O parêntesis é nosso.
Ninguém, melhor do que o senhor, está em condições de avaliar a situação. Quaisquer que sejam as escolas que se fundem e os benefícios que produzam, nunca são do gosto de todos. Para quem não está de acordo, a menor coisa converte-se num grande argumento para por-se contra. Atrevo-me a esperar que o senhor pense como eu, em deixar um Irmão pelo menos até o final de maio, e que lhe dará ordens a respeito Na espera deste ato de bondade e amabilidade de sua parte, tenho a honra de ser, com grande consideração, senhor, o seu muito humilde servidor.
Em Genas foram os Irmãos alojados em casa cedida pela viúva Dona Ranvier. Enquanto lá moravam, a Prefeitura devia construir um prédio apropriado para servir de escola e de moradia para os Irmãos. Como a Prefeitura demorava em executar a obra, Dona Ranvier ameaçou desalojar os Irmãos; em consequência, o Padre Champagnat deu ordem à comunidade de voltar para l’Hermitage. Em 4 de abril, o Prefeito escreveu apelando por um mês a mais de permanência. Dá como razões:
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1. os alunos frequentavam assiduamente a escola; 2. a população ficaria sentida com a saída dos Irmãos; 3. a bondosa viúva teria ela também paciência para conceder um prazo de mais um mês. A carta abaixo transcrita é resposta de Champagnat ao pedido do Prefeito, Senhor François-Xavier Quantin, Prefeito de Genas, Isère, no dia 11 de abril de 1837: | 122 |
Senhor Prefeito: Lemos com muito interesse sua honrosa missiva e foi com muita satisfação que constatamos através dela seu interesse pelo bom andamento de seu estabelecimento, onde trabalham nossos Irmãos, em Genas. Longe de entravar o progresso da escola, o que nós queremos de todo o coração é contribuir para que aumente. Se acha que a saída de nossos Irmãos, nesta altura dos acontecimentos, vai causar algum mal-estar, eu deixarei que fiquem lá, enquanto puderem ocupar a casa de Dona Ranvier. Mas então, que ela tenha a paciência de esperar. Eu lhes dei ordem de virem à casa mãe, a fim de evitar as repetidas mudanças da mobília de um lugar para outro, o que pode danificá-la. Não havendo mais ra-
zão para isso, estou perfeitamente de acordo que continuem suas funções até quando o senhor determinar. Gostaria de solicitar ao senhor Prefeito, a bondade de transmitir aos nossos Irmãos as nossas intenções e nossa vontade a respeito, para que eles estejam de acordo comigo e também com o senhor e assim trabalhem cada vez mais eficazmente para a glória de Deus e para a educação cristã da juventude de seu município. Termino apresentando-lhe sentimentos de estima e consideração com que tenho a honra de me subscrever, senhor Prefeito, a seu dispor, Champagnat, Sup. Irs. M.” (CHAMPAGNAT, 1997, p. 229-230)
Análise Essas duas cartas refletem claramente o espírito que existia na relação Champagnat – Autoridade Civil. Em se tratando de um país que acabava de sair de uma revolução anticlerical, demonstra que a situação desastrosa em que ficou a sociedade, e de modo especial a juventude, moveu os sentimentos e a forma das relações a fim de resolver o problema da Educação. Uma bela lição para os nossos dias.
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Vemos Champagnat envolvido no processo de regeneração da sociedade, mas sem deixar-se envolver pela máquina do Governo, e, como cidadão responsável, exigindo os direitos e as condições para cumprir com sua missão. O linguajar de ambas as partes é respeitoso, sem ser submisso, cordial sem ceder à verdade. Exemplo de uma gestão responsável, independente, mas colaborativa. ATITUDES DE CHAMPAGNAT DEMONSTRADAS NAS SUAS CARTAS ENVIADAS E RECEBIDAS Em algumas cartas analisadas poderíamos traçar o perfil quase completo do homem, sacerdote, fundador e educador Marcelino Champagnat. Algumas das características marcantes queremos ressaltar como conclusão deste breve trabalho. Muitos outros pontos de referência poderiam ter sido escolhidos para admirar a riqueza desta
personalidade. Hoje queremos nos ater apenas na forma de relacionamento com as pessoas, sobretudo as autoridades civis e também com os educadores que enviou para a missão de ensinar e educar. Isso visualizamos através de algumas cartas enviadas e recebidas. Audácia O Pe. Champagnat tinha um projeto claro com a sua Instituição e com os meios que devem ser preservados para o êxito do empreendimento. Junto a um espírito de fé na Providência Divina e em Maria estava uma dose de audácia que, por vezes, alcançava as raias do espanto a quem lesse os documentos. A fé que o Pe. depositava em Deus era tanta que o autorizava, por vezes, a ser audacioso nas decisões. Fechar uma escola, retirar os Irmãos, enfrentar assim as autoridades e a sociedade, era para ele inquestionável para manter os objetivos primeiros da sua fundação: o bem e a educação das crianças, a realização
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dos seus Irmãos como educadores e religiosos, e tudo isso para a glória de Deus.
XIX, mas para o mundo e os séculos vindouros. Por isso, ele está tão presente em nosso século.
Sempre tratou com respeito as autoridades, mas jamais se dobrou ao jogo político ou de interesses. Por isso ele era respeitado e ao mesmo tempo amado.
Coragem
Visão de Futuro
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Quando Champagnat dizia: “Todas as dioceses do mundo estão em nossos planos [...]”(LPC 1, doc. 93, p. 210), não era uma retórica, mas sempre foi parte de sua visão de Fundador, ao perceber o estado de ignorância lamentável em que se encontravam as crianças. Ele bem sabia, na sua vida jamais conseguiria realizar o seu sonho, mas os seus Irmãos o fariam pelo mundo e pelos anos futuros. Hoje, Champagnat está presente pelo seu espírito, e atual no seu projeto de educar crianças e jovens. Mudou a época, permanece a necessidade. Champagnat não sonhou sua obra para a França e o século
Para Champagnat a dificuldade não contava. Ao contrário, despertava nele novos impulsos. Não titubeou em pôr a mão na picareta, romper a rocha e construir uma casa para seus Irmãos, que ainda hoje testemunha a sua coragem. Não teve medo de enfrentar autoridades para dar condições dignas aos seus educadores e de retirá-los quando os contratos não eram cumpridos. Na sua simplicidade corajosa, não duvidou de ir a Paris para pedir, às mais altas autoridades civis, a aprovação da sua obra. Escreveu mesmo à Rainha para que intercedesse junto ao Rei em favor das crianças abandonadas, e dos seus educadores. Numa atitude corajosa, ajoelhou-se aos pés do altar da Virgem Maria, e comprometeu-a na continuidade de sua obra: “Senhora, o empreendimento é seu. Se não
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vier em nosso auxílio vamos acabar; o que estará acabando não será o nosso projeto, mas o seu” (FURET, 1989, p. 90) Poderia até parecer desrespeitoso. Mas era a coragem de um filho que amava a Mãe e sua Obra. Fé em Deus e nos seus Irmãos As cartas de Champagnat revelam um homem de fé. Fé em Deus: “Se o Senhor não construir a casa, em vão labutam os construtores”. Essa passagem do Salmo 127 estava constantemente em seus empreendimentos. Mas ele depositava uma fé incondicional nos seus Irmãos. De jovens ignorantes formou educadores respeitados. Acreditou que com o auxílio de Deus e o esforço humano poderia construir uma obra, que, aos olhos dos seus colegas, era tida como uma loucura, fadada ao fracasso. Jamais em carta ou escrito algum, desmereceu um dos seus Irmãos, mesmo se por vezes o frustrassem. O Pe. Champagnat revelou no
seu processo de abrir escolas nas pequenas cidades uma fé inquestionável de que pela Educação, e só por ela, resgataria a dignidade das crianças ignorantes e abandonadas. Relação com as autoridades Pela sua personalidade forte, sincera, direta, revestida de simplicidade, Champagnat soube imprimir ao seu relacionamento com os Prefeitos um diálogo leal e sincero. Em nenhuma tratativa transpirou qualquer agressividade ou mesmo falta de cortesia. Mesmo quando a solução se revestia de ousadia, quer no exigir os seus direitos ou defender os seus Irmãos, nunca o fazia com palavras ofensivas. Encaminhava as soluções de forma direta, mas sabia ceder e mesmo voltar atrás, se era para o bem dos seus Irmãos e sobretudo das crianças. De outra parte, as autoridades constituídas não encontravam motivo para posições radicais, impondo a Champagnat decisões unilaterais. O
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diálogo foi sempre o meio de resolver situações por vezes delicadas como vimos na retirada dos Irmãos de Sorbiers, em 1837, e seu retorno em 1844.
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Para preservar o futuro dos Irmãos, o Pe. Champagnat insistia junto às autoridades para livrá-los do serviço militar. Ele bem sabia que, para muitos dos seus jovens educadores, seria o fim do ideal que os levou à Instituição Marista. Eram sete longos anos que, para muitos, significavam o sepultamento de um primeiro sonho. Contudo, sempre respeitou a decisão das autoridades, mas jamais se omitiu abandonando algum dos seus Irmãos. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Pe. Champagnat viveu há mais de 220 anos, e, sua obra vai completar dois séculos no ano de 2017. O que faz sua Fundação viver no século XXI não é apenas a sua pessoa, mas sobretudo seu Carisma. O corpo esvai-se nos caminhos da História, a pessoa física vai perdendo
a sua identidade material, mas o Carisma do Espírito perpetua-se.Assim podemos falar: Marcelino vive hoje no seu Carisma, tão real, como nos caminhos do Pilat em 1820. Viver é muito mais do que marcar época no calendário de um determinado século e lugar. Viver é realizar uma Missão, deixar um rastro luminoso que aponta caminhos, é imantar vidas humanas para futuras gerações, é deixar pegadas que magnetizam ideais de vida. Foi o que fez Marcelino. Isso caracterizou seu relacionamento com as pessoas. Quando o vemos retirar Irmãos de uma escola pobre, a única para aquelas crianças, pode parecer tudo, menos a personalidade descrita. Mas é engano. Ele o fez, em primeiro lugar, para o bem das crianças que necessitavam de mestres e educadores, preparados e em condições dignas de trabalho. O fez também pelos seus Irmãos, que amava com amor de pai. Não suportava injustiças. Em sua ati-
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tude, não desencadeou nenhuma crise de relacionamento com a autoridade, porque era compreendida como justa e coerente. O retorno dos Irmãos, em várias localidades, só trouxe benefícios para a Escola e a sociedade. O fato de não se dobrar a determinados caprichos de alguma autoridade só lhe valeu o merecido respeito e a admiração, que o fizeram abrir 48 escolas em menos de 20 anos.
Numa escola em que se proíbe pronunciar o nome de Deus, pode-se inferir que produto vai receber a sociedade, já tão carente de valores e incapaz de apontar um rumo honesto para os seus filhos?! Qual seria o pensamento e quais as atitudes de Marcelino Champagnat, frente ao mundo do hoje? É o desafio que resta para nós, os educadores do século XXI. Marcelino vive hoje!
Diferentemente, o relacionamento hoje com a autoridade responsável pela Educação no País, é determinado muito mais pelo fator político do que pelo educacional. Entre a Direção de uma escola e a Lei que rege a Educação, interpõem-se interesses: políticos, partidários, sindicais, pessoais, de conveniências, que mascaram o Ato Educativo, no cumprimento de uma enxurrada de leis. O “negócio” Educação é explorado por determinadas instituições, como se administra uma fazenda. O aluno é simplesmente o objeto do negócio.
Através de nossos braços, nós devemos continuar o que eles começaram. REFERÊNCIAS FURET, Jean-Baptiste.Vida de Champagnat. Maristas: Edição do Bicentenário, 1989 CHAMPAGNAT, Marcelino. Cartas. São Paulo: SIMAR, 1997. INTITUTO MARISTA, Economato-Geral. Histoire de
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l´Institut de Petits Frères de Marie. Saint-Genis-Laval – França: 1947 CEPAM ARCHIVIUM – Centro de Estudos do Patrimônio Marista- Arquivos. Ciudad de México (material em CD). LANFREY, André, Ir. Introdução à vida de Marcelino José Bento Champagnatg. Brasília, DF: UMBRASIL, 2011.
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ESTUDOS
Zita Judith Bonai Pedot37
VALORES DA
PEDAGOGIA MARISTA: DESAFIOS PARA OS DIAS DE HOJE
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RESUMO Os valores e as práticas da Pedagogia Marista constituem importantes referencias pedagógicas na educação das crianças e dos jovens da sociedade atual. O objetivo central desta pesquisa é analisar os valores fundamentais que identificam a essência dessa Pedagogia: amor, ética profissional, conhecimento, disciplina, testemunho de vida, formação integral. Analisamos A partir disso, analisamos o exercício da pedagogia participativa, da educação a partir da vida e para a vida, através do serviço e da oração, a exemplo de Maria. Como veremos, para a compreensão desses aspectos da Pedagogia Marista, importa destacar o papel da devoção mariana, assinalando o lugar de Maria como mãe educadora e evidenciand alguns elementos históricos da vida de São Marcelino Champagnat, com o propósito de sublinhar os traços marcantes da sua prática educativa.
37. Atua no Centro de Pastoral e Solidariedade da PUCRS. É formada em Pedagogia, com orientação educacional e Serviço Social, com especialização em psicologia Social Comunitária.
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INTRODUÇÃO
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O tema escolhido para este trabalho de conclusão de Curso sobre o Patrimônio Marista diz respeito aos valores e objetivos que marcam a Pedagogia Marista. Esta abordagem pareceu-me bastante importante, visto que os valores e as práticas da Pedagogia Marista constituem referencias pedagógicas fundamentais na educação das crianças e dos jovens da sociedade atual. O objetivo central desta pesquisa é, portanto, estudar e analisar os valores fundamentais que identificam a essência da Pedagogia Marista. A Pedagogia Marista surgiu através das vivências partilhadas e dos princípios cristãos plasmados no cotidiano da vida comunitária, inaugurada pelo Fundador do Instituto Marista, São Marcelino Champagnat (17891840). Desde sua fundação, no século XIX, o Instituto Marista é uma organização que congrega Irmãos Religiosos que vivem em comunidade, seguindo a Jesus, no estilo de Maria e dos Apósto-
los e dedicando-se especialmente à educação cristã. Conforme Édison Hüttner, o exemplo de Maria foi fundamental para a vivência da comunidade, para a ação filial de seus membros e para a experiência educativa difundida pelos Irmãos. A ação apostólica da comunidade dos primeiros discípulos, que envolve a experiência fundante de Champagant, tem a ação apostólica a partir da experiência filial, ou seja, a maternidade de Maria que protege e intercede. Esta ação forjada desta comunidade se dá no anúncio fundado pela via da prática da imitação das virtudes de Maria; no desejo de torná-la amada como caminho para ir a Jesus” (Hüttner, 2000, p. 78).
Um dos elementos fundamentais da vocação cristã marista é a prática do amor e de sua ação em todas as dimensões da vida humana, salientando-se em especial o seu papel como base formativa de uma verdadeira educação integral, voltada ao desenvolvimento das potencialidades da juventude.
VALORES DA PEDAGOGIA MARISTA: DESAFIOS PARA OS DIAS DE HOJE
Desse modo, o professor deve tanto amparar sua ação pedagógica nos métodos de ensino quanto amar o trabalho a ser realizado, acreditando na sua atuação transformadora e nas potencialidades do outro. A segurança nas ações é o que promove o sabor da alegria da realização pessoal e profissional. A segurança é um dos pilares fundamentais do nosso trabalho. Para isso é fundamental ter presente alguns valores que são indispensáveis no decorrer do nosso trabalho: amor, ética profissional, conhecimento, disciplina, testemunho de vida, a formação integral do aluno. É importante criar um ambiente favorável à aprendizagem, ter presente a essência mesma do aluno e não a aparência. A partir disso, exercitar a pedagogia participativa, educar a partir da vida e para a vida, através do serviço e da oração, a exemplo de Maria. Como veremos a seguir, para a compreensão desses aspectos da Pedagogia Marista, importa também destacar o papel da devoção mariana, assinalando o lugar de
Maria como mãe educadora e evidenciando alguns elementos históricos da vida de São Marcelino Champagant, com o propósito de sublinhar os traços marcantes da sua prática educativa. A FÉ MARIANA DE CHAMPAGNAT: MARIA COMO EDUCADORA A Fé Mariana de São Marcelino Champagnat orientou toda a sua ação apostólica na sociedade de seu tempo e revelou-se como guia primordial de seus ideais religiosos e base de suas práticas educativas. Afinal, na vivência cotidiana e profunda da fé religiosa de São Marcelino Champagnat, Maria era um modelo de virtudes e exemplo maior da mãe educadora. O elemento fundamental da missão de Champagnat era uma fé profunda em Deus e em Maria. Dizia ele: “Quando sós e sem Deus em nosso trabalho educativo, seremos como barcos jogados à deriva em alto-mar; ficaremos inseguros; porém, com Deus, nós faremos proezas”.
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Essa certeza que Champagnat tinha em Deus e em Maria, é protótipo de valores que inspiram aqueles que seguem e vivem o carisma marista como base de uma educação evangelizadora. A exemplo de Champagnat, ter fé em Deus e ter Maria como modelo de educadora, dão segurança e alimentam a educação baseada em valores cristãos. A intimidade de Maria com Deus, sua coragem e fortaleza frente os desafios, sua presença junto à família de Nazaré e junto aos Apóstolos são inspiração de comprometimento com a missão de educar. Na visão de São Marcelino Champagnat: Se fosse apenas para ensinar as ciências humanas aos jovens, não haveria necessidade de Irmãos; bastariam os demais professores. Se pretendêssemos ministrar somente a instrução religiosa, limitar-nos-íamos a ser simples catequistas, reuniríamos as crianças uma hora por dia, para transmitir-lhes as verdades cristãs (FURET, 1999, p. 498).
Nosso objetivo, contudo, é mais abrangente: queremos educar as crianças, isto é, instruí-las, sobre seus deveres, ensinar-lhes a praticá-los, infundir-lhes o espírito e os sentimentos cristãos, os hábitos religiosos, as virtudes dos cristãos e do bom cidadão. Para tanto, é preciso que sejamos educadores, vivamos no meio das crianças e que elas permaneçam muito tempo conosco. VALORES DA PEDAGOGIA MARISTA Com relação aos dados da biografia do Fundador do Instituto Marista, Marcelino Champagnat, é preciso dizer, antes de tudo, que era um homem determinado em seus propósitos, voltado às novas necessidades da educação cristã. Desse modo, a partir de uma sólida fé em Cristo e Maria, direcionava seus sublimes ideais religiosos, principalmente, através de ações concretas na vida comunitária. Marcelino não foi um pensador de doutrinas para a educação, mas um religioso de forte sentido vital e pragmático,
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direcionado por uma missão dedicada aos cuidados da juventude do seu tempo. O seu foco era especialmente fomentar a educação das crianças e dos jovens, além de garantir e dar orientação básica aos futuros professores de sua comunidade de Irmãos Maristas. Para isso, procurava proporcionar a seus discípulos os recursos educacionais mais atualizados de sua época, desde as teorias pedagógicas e metodológicas até materiais didáticos para o dia a dia das escolas. E é sobre esse assunto que irei discorrer nas próximas páginas. Conforme Vieira (2011), a pedagogia marista foi idealizada por Marcelino Champagnat, que fundou o Instituto dos Irmãos Maristas, em 1817, com base na vida comunitária cristã, valorizando a simplicidade e o agir solidário, com a missão de garantir a vivência espiritual e a boa instrução das crianças e jovens da sociedade de sua época. Foi nesse contexto de inicio do século XIX, que Marcelino desenvolveu suas primeiras vivências e ações vocacionais. Marcelino Champagnat nasceu em 1789,
durante o período da Revolução Francesa, na aldeia de Rosey, distrito de Marlhes, departamento do Loire, a 35 quilômetros ao sul de l’Hermitage, próximo a Saint-Etienne. Nasceu numa região pobre do território da França e, desde cedo, vivenciou a precariedade da instrução religiosa da população local e dos meios de vida social do seu tempo. O problema do ensino e da evangelização era uma realidade marcante da vida da população francesa. Essa circunstância foi observada por Marcelino. Tal foi o caso do célebre encontro que teve com o jovem Jean Baptiste Montagne, um jovem analfabeto e carente de toda a instrução e experiência da fé em Deus. Segundo os estudiosos, pode-se compreender melhor a breve biografia de Champagnat, salientando os seguintes aspectos de suas primeiras experiências de vida, num episódio do ano de 1816: Em fins de outubro de 1816, foi chamado à cabeceira do jovem Jean Baptiste Montagne que, com 17 anos, morria analfabeto e sem ja-
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docente para os seus primeiros jovens Irmãos, camponeses mais habituados ao trabalho do campo do que à reflexão intelectual e ao trabalho educacional. Champagnat ensinou-lhes a leitura, a escrita e a aritmética, a rezar e a serem mestres educadores. “Tornar Jesus Cristo conhecido e amado” era a missão dos Irmãos, sendo a escola o meio privilegiado para essa missão evangelizadora. Estava fundado o Instituto Marista. Mais tarde, em 1825, num vale perto de Saint - Chamond, construiu uma casa de formação denominada Notre Dame de l’Hermitage, que era, ao mesmo tempo, mosteiro e centro de formação docente, e veio a tornar-se o centro de uma rede de escolas primárias cada vez mais numerosas e bem organizadas. (VIEIRA apud FURET, 1989, p. 60).
mais ter ouvido falar de Deus. Foi esse acontecimento que levou Marcelino Champagnat à ação. Em 1817, Champagnat, com 28 anos, Jean Marie Granjon (Irmão João Maria), com 23, e Jean - Baptiste Audras (Irmão Luís), com 14 anos e meio, instalaram-se numa pequena casa e “começaram a viver em comunidade, lançando assim os fundamentos do Instituto dos Irmãos Maristas” (VIEIRA apud FURET, 1989, p. 60).
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Desde os primeiros tempos de sua atuação na vida escolar, Marcelino procurou orientar a formação docente dos Irmãos de sua comunidade Marista. Dessa maneira, construiu a sua casa de formação, que recebeu a denominação de Notre Dame de l’Hermitage. Foi assim que teve inicio um processo de aprimoramento e formação dos jovens dedicados ao ensino escolar das crianças pobres da sua região. Em La Valla, Champagnat iniciou então uma escola primária, que serviu de centro de formação
Em toda a história de vida de São Marcelino Champagnat pode-se perceber o amor e o interesse que apresentava pela boa formação moral e educacional dos jovens.
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O amor, o cuidado, a paciência, a bondade e o zelo para cada um dos educandos, constituía a base primordial de toda a formação educativa dos Irmãos. Para Marcelino Champagnat: “Amar as crianças é jamais esquecer que elas são seres frágeis e, portanto, devem ser tratadas com bondade, caridade e indulgência, e serem instruídas e formadas com paciência”. (FURET, 1999, p. 501) Champagnat foi um homem inserido em sua realidade, um observador das necessidades de sua época. Ele possuía um olhar responsável, um senso grande de justiça, mas também apresentava uma postura ousada, crítica e inovadora. Esmerava-se para que a aprendizagem ocorresse de forma atrativa. Ensinava a partir da vida e para a vida. Queria ter uma escola de excelência para formar Irmãos professores e catequistas, para bem educar as crianças. Champagnat viveu numa época em que o emprego do castigo físico era um método normal utilizado no sistema de ensino. Porém, Marce-
lino não compartilhava com essas tendências que regiam a realidade escolar do seu tempo, ao contrário, opunha-se a isso, proibindo aos Irmãos qualquer punição corporal. Preocupava-se em dar uma educação em que as possíveis falhas do comportamento fossem prevenidas antes que acontecessem, de fato. Furet descreve um fato ocorrida na infância de Champagnat, que se transformaria em lição importante na trajetória do mestre. No primeiro dia, como era tímido, não ousava sair de seu lugar; o mestre | 135 | o chamou junto a si para a leitura, mas outro aluno apresentou-se e postou-se à frente de Marcelino. O mestre, tomado de nervosismo, pensando talvez em agradar ao jovem Marcelino, deu uma bofetada no rapaz que se adiantara e mandou-o para o fundo da sala, chorando. Tal atitude não era de molde a tranquilizar o novo aluno, menos ainda levá-lo a curar sua timidez. Ele diria mais tarde que tremia todo e tinha mais vontade de chorar do que de ler. Essa brutalidade revoltou-lhe o espírito de justiça. Pensou consigo: “Não volto à escola de tal mestre; o tratamento injusto
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dado àquele menino prova o que posso esperar dele. Na primeira ocasião poderá tratar-me de igual maneira. Não me interessam, pois, nem suas lições e menos ainda seus castigos”. De fato, apesar das instâncias dos pais, não quis mais voltar a estudar com aquele professor. Centenas de vezes, mais tarde, contou o incidente aos Irmãos para fazê-los compreender o quanto a brutalidade e as correções intempestivas podem afastar as crianças da escola, indispô-las contra o professor e levá-las a detestar suas lições (FURET, 1999, p. 5). | 136 |
A outra experiência bastante significativa na vida de Champagnat, que contribuiria enormemente para evidenciar o seu alto espírito de justiça e preocupação com as atitudes sóbrias dos educadores face aos jovens, sem dúvida, refere-se ao seu período de catequese, quando se deparou com a humilhação de um menino pelo sacerdote responsável por sua instrução religiosa. Quando Marcelino frequentava o catecismo, preparando-se para a primeira comunhão, o sacerdote catequista, enervado com a distra-
ção e as travessuras de um garoto que já fora advertido, repreendeu-o energicamente e aplicou-lhe um apelido humilhante. Para livrar-se das zombarias mordazes e da perseguição, o infeliz viu-se obrigado a fugir, ficando isolado, indo ao catecismo quase às escondidas. Essa prática, com o tempo, tornou-lhe o caráter sombrio, duro, difícil e meio selvagem. Diria mais tarde o Pe.. Champagnat: “Aí está uma educação falha. E a criança exposta a se tornar, por seu mau caráter, o tormento de seu lar e, quem sabe, o flagelo de seus vizinhos! Tudo isso por causa de uma palavra dita levianamente num momento de nervosismo e de impaciência que não teria sido difícil dominar (idem, p. 6).
Tal episódio lhe causara tamanha impressão que incluiu na Regra de 1837 um artigo proibindo aos Irmãos darem apelidos aos alunos. Todos esses episódios significativos de sua vida, certamente contribuíram para que os valores educativos maristas tivessem, principalmente, como pressupostos fundamentais o amor e o respeito
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da comunidade escolar aos jovens sob sua guarda e responsabilidade. Desde o inicio da missão educativa marista, pode-se perceber a preocupação dos Irmãos do Instituto com uma formação humana voltada para o aprimoramento e integralidade do crescimento dos jovens. Dessa maneira, as escolas Maristas procuraram sempre estabelecer valores que estimulassem o pleno desenvolvimento dos jovens, proporcionando ambientes favoráveis ao convívio solidário e à aprendizagem. Em decorrência disso, Marcelino Champagnat estabeleceu práticas educativas novas baseadas no trato respeitoso e confiante. Assim, estimulava o canto para criar um ambiente de alegria, tão favorável à educação. Queria uma educação integral, possibilitando o desenvolvimento de todas as potencialidades da criança, naquilo que a metodologia da época possibilitasse: esporte, música, recreação, método silábico, entre outras. O que importava era que a criança, ao sentir-se amada e valorizada em
suas experiências, desenvolvesse o amor e o respeito por si própria e pelos outros. A preocupação das escolas Maristas era proporcionar igualmente boas relações entre alunos e mestres. Champagnat evidencia em suas atitudes que era um homem de visão, possuindo um olhar além do seu tempo, pois colocava em prática um método de educação baseado na inteira formação do caráter e da conduta, a qual existia apenas em discurso naquela época. Advertia os Irmãos para que as crianças e os jovens fossem educados para o mundo, não esquecendo o que era mais importante: amar, educar, e ensinar o catecismo; conduzir a criança e o jovem para Deus. De acordo com Vieira, Marcelino Champagnat era: “um homem prático e inovador” (VIEIRA apud CIEM, 2003, p. 21), dotado de uma excepcional capacidade de educar crianças e jovens; ele tinha clareza da importância da catequese, do ensino dos valores cristãos e da im-
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portância de se formar cidadãos críticos e conscientes da sua missão. A missão educativa marista é a de evangelizar pelo testemunho e pela presença. Isso significa estar presente junto às crianças e aos jovens, demonstrando preocupar-se com eles, estando atento às suas necessidades. Não uma presença excessivamente vigilante, mas que se faz notar pela simplicidade de atitudes.
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Uma educação integral, elaborada a partir de uma visão cristã da pessoa humana e do seu desenvolvimento (VIEIRA apud SILVEIRA, I. L., 1994, p. 216218). Para Champagnat, Maria, mãe de Jesus, é o modelo perfeito de educador marista. Essa mulher, leiga, como educadora de Jesus em Nazaré, inspira o estilo educativo marista. Maria experimentou as alegrias e dificuldades da vida mantendo, em todos os momentos, sua missão de mãe e educadora. Sua ternura, sua força, sua constância na fé, devem orientar os passos dos educadores maristas (VIEIRA apud CIEM, 2003, p. 54-55).
Champagnat, nos seus escritos, mostra também claramente o caminho que almejava para o ensino, buscando novos meios que pudessem contribuir para a realização dos seus objetivos. Era um homem de caráter forte, determinado, humano, focado na formação de crianças e jovens, ético, trabalhador, sensível às necessidades dos mais necessitados, um homem de muita oração. Ele tinha um amor muito grande pelos Irmãos e chamava atenção quando fosse necessário, mas sempre com uma atitude de humildade. As decisões de Champagnat eram sempre muito bem refletidas e precedidas de oração. Além de colocar tudo nas mãos da Boa Mãe, procurava aconselhar-se com pessoas sábias para evitar falhas e não cometer erros , sobretudo para ter também a certeza de que não estava sendo guiado pela vaidade. A pedagogia de Champagnat pode inspirar a tantos educadores que buscam uma educação integral e integradora, favorecendo a presença e o cuidado das crianças e jovens. É necessá-
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rio cultivar o amor e a responsabilidade, acreditar em si mesmos e nos outros. Estar sempre se atualizando para que o nosso fazer corresponda aos propósitos e necessidades de hoje. CONSIDERAÇÕES FINAIS Pelo exposto, pode-se compreender a contribuição importante da Pedagogia Marista para o aperfeiçoamento da vida educacional e humana. Este trabalho de conclusão de curso sobre o Patrimônio Marista procurou, antes de tudo, mostrar e partilhar uma rica experiência de vida e aprendizado de conhecimentos, que foram adquiridos, durante o período de formação, na casa da Juventude Marista (CAJU), em Porto Alegre. O período de formação possibilitou e fortificou a compreensão da importância de se aprofundar, cada vez mais, a riqueza espiritual e educacional do Patrimônio Marista. O curso contribuiu para ampliar os conhecimentos sobre a vida, a obra e legado de São Marcelino Champagnat. O conteúdo
das palestras e das práticas de estudo atendeu às principais expectativas sobre o Patrimônio Marista. Além disso, o próprio grupo de formação contribuiu através das experiências, partilhas de vida, em que os coordenadores, sempre atentos às necessidades de cada um, favoreceram um ambiente de convívio e aprendizagem. Dessa maneira, ao escolher para o meu trabalho de conclusão o tema da Pedagogia Marista pude ampliar minha compreensão acerca da obra educativa de Marcelino Champagnat. Ao demarcar esta temática de estudo foi possível também avançar no crescimento pessoal e profissional porque, além de Assistente Social, também sou Pedagoga. Em vista disso, tive o interesse maior de conhecer, principalmente, a maneira e a visão de Marcelino Champagnat sobre a educação das crianças e dos jovens. Tudo isso contribui para o meu exercício profissional. Muitas vezes buscamos inovar. Isso faz parte do nosso processo de educar. Frequentemente nos deparamos com vários exemplos prá-
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ticos de ensino que deram certo e que podem ser adotados nos dias de hoje. Basta termos um olhar humano e humilde que, com certeza, conseguiremos atingir nossos objetivos, sem muito esforço. Pois, a vida acontece e deve ser valorizada num clima de amor e de acolhida.
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Este estudo da Pedagogia Marista despertou-me a vontade de aprofundar a pesquisa sobre o tema. Amor por aquilo que se faz, acolhida, senso de responsabilidade tanto por parte do aluno como também do professor, presença, respeito, simplicidade e humildade, sem dúvida, são valores fundamentais, também nos dias atuais. Educar o aluno pensando na sua integridade, nos valores éticos, na sua formação humana, revela uma postura responsável tanto para o aprimoramento da educação quanto para o crescimento da vida social. Precisamos preparar os nossos alunos para serem cidadãos conscientes, mas também humanos e sensíveis à realidade do próximo. É um desafio a cada um de nós: contribuir para que o sonho de
Champagnat seja cultivado e permaneça entre nós, por uma educação da presença e do amor. REFERÊNCIA FURET, Jean-Baptiste. Vida de São Marcelino José Bento Champagnat. São Paulo: Loyola; SIMAR, 1999. HÜTTNER, Édison. São Marcelino Champagnat dos braços ao coração de Maria. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000. VIEIRA, Alboni Marisa Dudeque Pianovski – Marcelino Champagnat, fundador do Instituto dos Irmãos Maristas - A Pedagogia Marista na Educação Superior – X Congresso Nacional de Educação – EDUCERE – PUCPR: 2011 TREVISAN, Albino. Curso de Extensão em Espiritualidade e Patrimônio Marista. Porto Alegre: 2012
AS DESORDENS DA REVOLUÇÃO E DO IMPÉRIO
PRODUÇÕES DIVERSAS
UM CANTO DE AMOR – MARCELINO E A ESPIRITUALIDADE
INSPIRADORA
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Jurema Sausen38
RESUMO O artigo expressa o encantamento da autora pela obra marista, após anos de experiência e vivência do carisma marista junto às crianças, jovens e adultos, estudos e aprofundamento da história de Champagnat. Relata, ainda, impressões e sentimentos por uma comunidade de educação cuidadora e inovadora. Através da composição de uma canção, procura-se demonstrar as aprendizagens construídas na convivência com a Instituição Marista, mas, principalmente, o fortalecimento na fé, o cuidado consigo mesmo e com o outro, conquistados pela colaboração e participação na missão marista.
38. Jurema Sausen possui curso de graduação em Pedagogia pela URI, campus Santo Ângelo/RS e Especialização em Psicologia nos Processos Educacionais pela PUC/RS. Atua há 15 anos no Colégio Marista Santo Ângelo como professora de Ensino Religioso, Musicalização Infantil, Regência de Coral e nos últimos 5 anos é Coordenadora de Pastoral da mesma Instituição.
UM CANTO DE AMOR – MARCELINO E A ESPIRITUALIDADE INSPIRADORA
INTRODUÇÃO A história de vida e missão de Marcelino José Bento Champagnat, fundador do Instituto dos Irmãos Maristas, trazem presentes a certeza de que um sonho pode se tornar realidade. Conhecer os caminhos percorridos por ele, os desafios enfrentados, as conquistas realizadas torna-se, ao educador de hoje, uma força inspiradora para a produção de novos saberes e construção de relações significativas. O artigo a seguir, trabalho de conclusão do curso de extensão em Espiritualidade e Patrimônio Marista, realizado pela Província Marista do Rio Grande do Sul39, expressa o encantamento da autora pela obra marista, após anos de experiência e vivência do carisma marista junto às crianças, jovens e adultos, estudos e aprofundamento da história de Champagnat. Relata, ainda, impressões e sentimentos por uma comunidade de educação cuidadora e inovadora. Através da composição de uma canção, procura-se demons39. Rede Marista RS, DF e Amazônia
trar as aprendizagens construídas na convivência com a Instituição Marista, mas, principalmente, o fortalecimento na fé, o cuidado consigo mesmo e com o outro, conquistados pela colaboração e participação na missão marista. A primeira estrofe da música apresenta Jesus, o centro da espiritualidade, da vida e missão marista. A segunda aborda Maria, exemplo de ser humano, a quem Champagnat dedicou sua obra e inspirou suas atitudes. A terceira estrofe traz o fundador Champagnat, seu cuidado com o outro, seu amor e apelo por uma vida em comunidade, num espírito de família. E, no refrão, os Maristas, fruto dos sonhos do jovem Marcelino, o anseio em tornar Jesus Cristo conhecido e amado do jeito de Maria. A CANÇÃO UM CANTO DE AMOR
Letra: Jurema Sausen Música: Jurema Sausen e Letícia Maria Sausen Arranjo e gravação: Jonas Demeneghi
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Jesus, és a luz da minha vida, Inspiração para os meus passos, Em ti, Senhor, encontro a paz. Quero em tuas mãos entregar A minha vida, o meu trabalho E em teus braços ficar.
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Refrão: No meu olhar resplandece a Tua luz. Um canto de amor venho a Ti oferecer. /: Marista, Maria junto a Champagnat, Com Jesus, fonte de graça para o meu viver. :/ Maria, Mulher de fé, doce mãe, No Teu terno colo Eu quero repousar. Champagnat, a obra Te confiou, Com ele sigo o chamado De com amor educar. Refrão: No meu olhar... Marcelino, uma vida em comunhão, O teu carisma e cuidado Conquistaram meu coração. Hoje, o teu exemplo vou seguir, Anunciar Jesus Cristo E vida nova construir.
Texto explicativo da composição Com o coração repleto de amor e admiração pela beleza da obra marista, a canção foi composta sobre pensamentos e sentimentos da autora por fazer parte da história do legado deixado por Marcelino Champagnat. Emili Turú, no documento “Deu-nos o nome de Maria”, escreve sobre a beleza: “(...) de que necessita nosso mundo, tão estruturalmente injusto e com tanta violência? Abrir-se à beleza do silêncio, da admiração, da gratuidade. O coração humano está sedento disso (...)” (TURÚ, 2012, p. 64). A citação nos leva a pensar o quão belo foi o olhar de Marcelino Champagnat. Olhar atento e cuidadoso, seu coração de pai e protetor, sua audácia e coragem, o seu amor pelo trabalho! Quão bela foi sua vida de fé e oração, alicerçada em Cristo e na Boa Mãe, Maria, em quem se inspirou a seguir o caminho da escuta, do silêncio e da acolhida! Tudo isso é facilmente percebido na obra ma-
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rista, no trabalho de cada educador comprometido com a prática educativa e de todos os leigos maristas envolvidos na tarefa de cuidar do cuidador. Cada vez mais vemos a importância e a necessidade de uma equipe de profissionais atentos e preocupados em dar suporte àquelas pessoas que estão na gestão de suas unidades. Um apoio tanto no que é específico do seu trabalho diário, como também, e, essencialmente, na possibilidade de momentos de oração e silêncio. Segundo Afonso Murad (2007), é fundamental nutrir a interioridade, desligar-se por um instante dos problemas, para realizar um encontro com Deus, consigo mesmo, refletindo sobre seus valores, suas atitudes e a vivência da espiritualidade. Hoje, somos invadidos por muitas ocupações, informações, pensamentos agitados, ansiedade e angústia para conseguirmos realizar tudo aquilo que nos cabe. Muitas são as dificuldades, mas maior ainda pode ser a nossa for-
ça de sabermos lidar com elas. Por meio do cultivo da espiritualidade, vamos à busca do que é essencial à vida. Segundo Afonso Murad: “do ponto de vista da fé, a espiritualidade é como a seiva que circula no interior da árvore. As pessoas não a veem, mas ela garante a vida e a fecundidade” (2007, p. 129). O fundador do Instituto Marista deixou-nos seu exemplo de cultivo da fé, amor por Jesus e Maria e as horas dedicadas ao silêncio, à oração para ser fortalecido como apóstolo de Cristo, junto às crianças e jovens. Sabia que, para realizar um bom trabalho e conseguir levar adiante sua obra, necessitava da luz de Deus, do colo materno de Maria e das bênçãos de Jesus sacramentado. Diante do sacrário elevava a Cristo suas preces, suas alegrias e preocupações. Segundo Jean Baptiste Furet (1999), quando o Pe. Champagnat estava com alguma dificuldade, diante de algum acontecimento desagradável, colocava-se diante do altar, jamais tomava decisão, mesmo que fosse de pouca importância, sem recomendá-la a Jesus.
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Diante dessas atitudes de Marcelino e sabendo do valor do cultivo pessoal, do autoconhecer-se, podemos nos perguntar como estamos vivendo a espiritualidade, se estamos abrindo espaços em nossas vidas para o recolhimento, para o cultivo da vida interior que fortalece o amor pela humanidade e nossa comunhão com ela.
conduzem a querer partilhar essa alegria de estarmos encantados, apaixonados por uma história de coragem, luta e fé. São aprendizados valiosos que não podem ficar guardados, pois expressam um jeito de ser, a espiritualidade marista, o amor em educar, em levar a mensagem de Jesus, Maria e Champagnat a muitas pessoas.
Embora no nosso dia a dia, devido ao excesso de tarefas, não valorizamos o suficiente esses momentos de parada e reflexão, temos a oportunidade de participar de encontros e cursos disponibilizados pela Instituição marista, pensados e preparados, a fim de que possamos, no silêncio, na escuta, na acolhida e na comunhão, revitalizarmos nosso ser, nossa fé e nossos valores. São instrumentos, que também nos tornam presença significativa entre crianças, jovens e colegas e, principalmente, por nos tornarem pessoas melhores, trazerem paz, equilíbrio e força para a vida.
Jesus, Maria e Champagnat
Com certeza, essas experiências animam o nosso coração na vivência do carisma marista e nos
Ao longo da nossa vida, sentimos, em algum momento, a necessidade de irmos ao encontro de um ser superior, uma força que nos impulsiona a seguirmos o nosso caminho. A Bíblia nos mostra a presença de Deus na história da humanidade, representado na pessoa de Jesus Cristo, humano e divino, enviado a propagar o Reino de Deus a todos os povos e levar esperança, confiança e vida nova aos mais sofridos e discriminados. A mensagem de Jesus faz-nos ir ao encontro do Deus-amor, que acompanha, orienta, protege e ilumina a vida. No livro, “Jesus: Aproximação histórica”, o autor
UM CANTO DE AMOR – MARCELINO E A ESPIRITUALIDADE INSPIRADORA
José Antônio Pagola (2011), escreve sobre a vida de Jesus, o contexto em que viveu, as aprendizagens com seu povo. A leitura dessa obra é encantadora e apaixonante, pois apresenta Jesus, que cresceu na aldeia simples de Nazaré, desconhecida e pequena, habitada por trabalhadores que dividiam o mesmo pátio, lugar de brincadeiras, descanso e conversas. Era a vida em comunidade, onde partilhavam dificuldades e alegrias. Jesus, tendo nascido e crescido, vendo a vida humilde e sofrida do seu povo, vai espalhar a sua mensagem de maneira simples: Para entender Jesus não é necessário ter conhecimentos especiais; não é preciso ler livros. Jesus lhes falará a partir da vida. Todos poderão captar sua mensagem: as mulheres que põem fermento na massa de farinha e os homens que voltam para casa depois de semear o trigo. Basta viver intensamente a vida de cada dia e ouvir com o coração simples as ousadas consequências que Jesus delas extrai para acolher um Deus Pai. (PAGOLA, 2011, p. 64)
Ele expressou os seus ensinamentos através de histórias comparadas com a vida das pessoas da sua época e convidou-as a tirar dos seus corações o Deus que castiga e julga, para aproximá-las do Deus misericordioso, que acolhe, perdoa. Jesus quer que todos possam entrar no Reino de Deus. Cristo é o Deus da vida que esteve no meio do povo, caminhou por várias aldeias e foi ao encontro dos camponeses oprimidos e pobres, entrou em suas casas, sentou-se à mesa, partilhou refeições, abriu-lhes os corações para uma vida nova, trouxe Deus presente nas suas vidas como cuidador, guia e amigo. Assim, segundo Pagola: Jesus não se dedica a expor àqueles camponeses novas normas e leis morais. Anuncia-lhes uma notícia: Deus já está aqui buscando uma vida mais ditosa para todos. Precisamos mudar nosso olhar e nosso coração. (2011, p.115)
Esse Deus, representado por Jesus, hoje está no nosso meio e
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traz luz, inspiração e paz para nossas vidas. Cristo, “caminho, verdade e vida” (Jo 14,6), conseguiu realizar a sua missão, pois teve ao seu lado a sua mãe, Maria, mulher corajosa e simples, que soube acolher, cheia de graça, o convite de Deus: ser a mãe do Salvador, o enviado de Deus Pai.
vilhas” (Lc 1,48-50), aprendemos a reconhecer as obras do Senhor sobre nós, a superar as dificuldades e descobrir que nossa ação diária junto às crianças, jovens e adultos, nossas atitudes de escuta, serviço, atenção e amor para com as pessoas são manifestações da presença de Deus.
Segundo a Espiritualidade Marista em Água da Rocha, com humildade, Maria deixou Deus guiar a sua vida, primeiro com medo, mas logo acalmou seu coração ao sentir a presença amorosa de Deus e a confiança e ternura que Ele depositou nela. O Irmão Superior-Geral, Emili Turú, menciona que “Maria, na Anunciação, é nosso modelo de abertura ao Espírito, a quem escuta atentamente no silêncio e a cuja ação se abandona. Com ela, “que guardava e meditava todas as coisas em seu coração”, busquemos ser contemplativos na ação” (2012, p. 63).
Nos acontecimentos cotidianos, Deus se revela. Segundo a Espiritualidade Marista (2007), quanto mais estivermos perto de Deus, mais entenderemos o sentido profundo de nossa existência: fazemos parte do projeto de Deus para o mundo. Champagnat inspirou a sua missão em Maria, a Boa Mãe, e, como ela, discípula de Jesus, levou o Evangelho aos mais necessitados. O irmão Seán Sammon, na circular “Em Seus Braços ou Em Seu Coração”, escreve:
Maria nos ensina a acolher o amor de Deus e a dizer sim ao seu projeto. Através do cântico de Maria, “O Senhor fez em mim mara-
Maria foi a primeira missionária, a primeira mensageira do Evangelho, a primeira pessoa a anunciar a Boa-Nova de Jesus Cristo ao outro. E realizou isso simplesmente acolhendo o Senhor em seu seio. Maria nos adverte de que a missão pouco tem a
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ver com transmitir a mensagem por palavras; mas tem tudo a ver com o movimento ao encontro do outro, com Jesus no coração (2009, p. 43).
Nosso fundador não ficou somente nas palavras, mas tornou realidade seu sonho por meio da ação, sua vontade e persistência no trabalho diário, sua alegria de estar com os jovens, ensinando-os a integrar oração, fé e vida. Vida esta, segundo Jean Baptiste Furet (1999), dedicada às práticas da vida religiosa, ou seja, oração em comunidade, celebração eucarística, meditação, estudo, trabalho braçal e convivência. Champagnat encantou muitos jovens Irmãos com seu jeito simples de agir e falar, seu amor pela vida em comunidade e seu amor em educar. Ensinou esses jovens a serem educadores atentos aos apelos das crianças, a agirem como cuidadores e, com muito amor, instruí-las a conhecer e amar Jesus. Todas essas atividades eram dedicadas a Maria, Boa Mãe e ao Sagrado Coração de Jesus. Champagnat fazia da sua vida uma vida
em oração. Sobre isso, falou a um de seus Irmãos: “Aquele que sabe rezar bem, sabe viver bem. Ora, viver bem é saber santificar todos os seus atos, aplicar-se às coisas exteriores por espírito de fé e fazer de sua atividade, seja qual for, uma oração constante” (1999, p. 73). Champagnat, para nós, hoje, é exemplo de superação, coragem e determinação. Homem inovador, sempre procurou manter as boas relações, no diálogo, na abertura ao outro, exercendo com amor uma vida em comunhão. Aprendemos com ele a cada dia vivermos essa comunhão, estabelecendo relações significativas, na partilha da fé para superarmos as dificuldades e celebrarmos as alegrias, na busca de realizações, conquistas e vínculos fortalecidos no perdão e no amor. Somos continuadores da obra de Marcelino e, na condição de Irmãos ou Leigos Maristas, devemos estar sempre atentos e abertos aos outros, dispostos a escutar, aprender e partilhar, com o propósito de sermos comuni-
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dade em missão, num espírito de família e na vivência da acolhida e da fraternidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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No contexto educacional em que vivemos hoje, quando se fala em educação marista, vem à mente de muitas pessoas um ensino de qualidade e uma educação evangelizadora. Fazer parte da Rede Marista significa aprender um novo jeito de ser, conhecer e amar a Jesus, descobrir-se. Significa viver em comunhão com o outro, com a natureza e com Deus. Significa estar conectado com a realidade e construir novos conhecimentos, cultivar valores e atitudes baseadas no cuidado e no amor. A bela história construída pela instituição marista se dá, através da parceria de Irmãos e Leigos que continuam a espalhar, por todo o mundo, a pedagogia marista, mas principalmente, pela coragem do jovem Marcelino em iniciar e acreditar na sua obra, em uma época de revoltas e crises, em que a educação era baseada no autoritarismo
e nos castigos físicos. Ele demonstrou que, através da oração, diálogo, persistência, amor ao trabalho e cuidado com as pessoas, consegue-se superar as dificuldades, tornando sonhos em realidade. A oportunidade de conhecer e aprofundar o Patrimônio e a Espiritualidade Marista faz com que se fortaleçam os laços de estima e amor pela obra. A presença carismática de Marcelino junto às crianças e jovens, o modo como se relacionava com eles, o seu jeito simples e humilde de agir e a sua fé e confiança em Jesus e Maria, tornam-se, hoje, exemplos a serem seguidos e fontes iluminadoras para a ação evangelizadora e pedagógica. A Espiritualidade Marista nos aproxima de Jesus, que se colocou no meio do povo, defendeu suas lutas e, em seus corações, plantou o amor de Deus e a esperança de um mundo melhor. Mostra que hoje, este Jesus está entre nós, sendo luz e força na nossa vida e missão. A Espiritualidade Marista nos faz ver Maria como mulher e mãe
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corajosa, primeira discípula de Jesus, que na confiança em Deus, abriu-se ao novo, para dedicar-se a educar o Filho de Deus e viver com Ele alegrias e sofrimentos. A Boa Mãe nos impulsiona, hoje, a dizermos sim ao projeto de Deus e irmos ao encontro do outro, do jeito dela, para anunciar o Reino de Deus com audácia, júbilo e fé. Enfim, a vivência dessa Espiritualidade nos torna seres mais plenos, abertos a Deus e ao conhecimento de si mesmo e do outro. O seu cultivo, nos motiva à interiorização, a momentos de escuta e reflexão sobre atitudes e relações, no intuito de qualificar a nossa vida e sermos fonte de graça, sabedoria, acolhida e luz para todos aqueles que encontrarmos no caminho. REFERÊNCIAS ESTAÚN, Ir. A. M.(orgs). Água da Rocha: Espiritualidade Marista, fluindo na tradição de Marcelino Champagnat. Roma, Itália: FTD S.A., 2007.
FURET, Jean-Baptiste. Vida de São Marcelino José Bento Champagnat. São Paulo: Loyola: SIMAR, 1999. MURAD, Afonso. Gestão e Espiritualidade: uma porta entreaberta. 4ª ed. São Paulo: Paulinas, 2007. PAGOLA, José Antônio. Jesus: Aproximação histórica. 3ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. SAMMON, Seán D. . Em Seus Braços ou em Seu Coração. Roma: Instituto dos Irmãos Maristas, Casa Geral – Roma, 2009. TURÚ, Ir. Emili. Deu-nos o nome de Maria. Roma, Itália: Instituto dos Irmãos Maristas – Casa Geral, Roma, 2012.
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Carmen Ferrari40 | 154 | O Hospital São Lucas da PUCRS foi inaugurado no dia 29 de outubro de 1976 com a finalidade de atender a Faculdade de Medicina. Uma obra gigantesca e audaciosa idealizada pelo Irmão José Otão, na época era reitor da PUCRS, foi a primeira experiência Marista no mundo, na área da saúde, confirmando o compromisso da instituição com a educação integral. Neste artigo buscamos compreender a audácia e a inovação como legados de São Marcelino Champagnat como fonte de inspiração para a idealização e viabilização da obra do Hospital Universitário.
40. Graduada em Engenharia Mecânica e com pós- graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho pela PUCRS e pós-Graduação em Administração Hospitalar pela Faculdade Porto-Alegrense. Atua no Hospital São Lucas da PUCRS.
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INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objetivo a apresentação de uma síntese das reflexões e leituras realizadas, no decorrer do Curso de Espiritualidade e Patrimônio Marista, edição 2012. O trabalho foi desenvolvido com base na realidade da Missão Marista no Hospital São Lucas da PUCRS e nos conteúdos apresentados nos três módulos no decorrer do curso. O Hospital São Lucas da PUCRS foi inaugurado no dia 29 de outubro de 1976 com a finalidade de atender à Faculdade de Medicina. Uma obra gigantesca e audaciosa, idealizada pelo Irmão José Otão, que na época era reitor da PUCRS, foi a primeira experiência Marista no mundo, na área da saúde, confirmando o compromisso da instituição com a educação integral. A audácia e a inovação são um legado de São Marcelino Champagnat. Seu carisma espiritual está presente em seus seguidores, e se perpetua no tempo, com fé e solidariedade, e nos faz acreditar que
quando o Irmão José Otão idealizou e viabilizou a obra do Hospital Universitário da PUCRS, tinha em mente o espírito solidário e audacioso que motivou Champagnat quando fundou o Instituto Marista. O Espírito empreendedor e a audácia da obra do Irmão José Otão podem ser comparados à trajetória de Champagnat. Mesmo em tempos diferentes, os desafios e as dificuldades são semelhantes. Champagnat foi ordenado sacerdote em 22 de julho de 1816 e enviado como coadjutor da paróquia de La Valla. Mesmo sendo um homem do interior acostumado com as incongruências da vida, se comoveu com a pobreza e o isolamento cultural dos jovens e adultos da sua paróquia. As escolas na zona rural eram mantidas pela caridade, pois a municipalidade não tinha recursos para isso. As instalações eram precárias, muitas vezes improvisadas em galpões e até em estábulos. Os professores eram escassos e com formação deficiente. A situação era caótica e sem organização.
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O Padre Champagnat, homem de senso prático e personalidade forte, forjados pela dureza da lida do campo, onde cresceu e passou seus primeiros anos de vida, logo percebeu que não bastava ensinar o evangelho, precisava recuperar a dignidade e a autoestima das pessoas para que pudessem enfrentar os desafios da vida. Isso seria possível através da educação e que, além de escolas para educar, precisava formar bons professores e recuperar a autoestima dos jovens. | 156 |
No dia 28 de outubro de 1816 o Padre Champagnat foi chamado para ir até a casa de um carpinteiro, em Le Palais, em um povoado que fica um pouco além de La Valla, para atender um jovem de dezessete anos, João Batista Montagne. O jovem se encontrava muito doente e sem nenhum conhecimento cristão. Então Champagnat ficou tocado pela miséria e ignorância. Naquele dia Champagnat saiu para visitar outros doentes na mesma localidade e ao regressar à casa do Montagne, soube que João Batista havia morrido. (SAMMON, 1999 p. 29)
A lembrança da miséria e desespero do jovem Montagne motivou a fundação da Sociedade de Irmãos Educadores, e no dia 2 de janeiro de 1817 o Padre Champagnat, com mais dois jovens, fundou o Instituto dos Pequenos Irmãos de Maria (os Irmãozinhos de Maria), hoje o Instituto Marista. A confirmação do empreendimento consta na citação da carta que Champagnat enviou ao Rei Luís Filipe: “Majestade, nascido no cantão de Saint-Genest-Malifaux, Departamento do Loire, só vim a aprender a ler a escrever com inúmeras dificuldades, por falta de professores competentes. Compreendi desde então a urgente necessidade de uma instituição que pudesse, com menor custo, proporcionar aos meninos da região rural o grau satisfatório de ensino que o Irmão das Escolas Cristãs proporciona aos meninos carentes das cidades. Elevado à dignidade sacerdotal em 1816, fui destacado para coadjutor numa paróquia rural. O que vi com meus próprios olhos ma faz sentir mais vivamente a importância de pôr em execução, sem mais detença, o projeto que há muito vinha acalentando.
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Comecei, pois, a preparar alguns professores. Dei-lhes o nome de Irmãozinhos de Maria, convencidíssimo de que este nome bastaria para atrair muitas pessoas. O êxito rápido em poucos anos justificou e superou as expectativas (CARTAS, 1997, P. 91).
Hoje, às vésperas do bicentenário de fundação, o Instituto Marista traz o carisma e a espiritualidade de seu fundador, presente em mais de 80 países. Seus seguidores, os Irmãos Maristas, cumprem a sua missão perpetuando o sonho de Champagnat: tornar Jesus Cristo conhecido e amado em todas as dioceses do mundo. O Hospital São Lucas da PUCRS, inaugurado há trinta e seis anos, impregnado pelo Carisma da Espiritualidade de Champagnat, cumpre sua missão, atendendo aos anseios da sociedade através da educação integral na formação de profissionais para atuar na área da saúde, na prestação de serviços de saúde e na inovação, através da pesquisa e divulgação das novas descobertas da medicina.
HOSPITAL SÃO LUCAS DA PUCRS (HSL/PUCRS) E A MISSÃO MARISTA A origem do Hospital e sua missão está embasada na interação, Assistência, Ensino e Pesquisa, em consonância com a filosofia Marista, orientada por valores sociais e éticos, e pela interação interdisciplinar e o compromisso com a comunidade. Atualmente o Hospital São Lucas da PUCRS, dentre os hospitais universitários da rede privada, é o maior do Brasil. Seu conjunto de valores, aliado a um corpo clínico, integrado por médicos e professores da Faculdade de Medicina, além de prestar a assistência médica, atua na formação de médicos em nível de graduação, pós-graduação e residência médica em 26 especialidades. Conta ainda com a contribuição do Instituto de Geriatria, Instituto de Pesquisas Biomédica, Centro de Pesquisas Clínicas, o que constitui um valioso campo para estágio das faculdades da área da saúde.
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O modelo de gestão desenvolvido no HSL/PUCRS tem como base fundamental a viabilização das condições para o desenvolvimento do ensino e da pesquisa e, de forma simultânea, qualificar a assistência.
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Hoje o Hospital serve de campo de estágio para todas as faculdades da área da saúde da PUCRS. A educação integral e de qualidade vem da concepção do Instituto e o ensino está implícito no motivo da criação do Hospital, ou seja, viabilizar o campo de estágio para a Faculdade de Medicina. Nesse sentido foi projetado como um Hospital Universitário, e assim era conhecido nos seus primeiros anos de atuação. A sua estreita ligação com o ensino foi um determinante para a qualificação da assistência. A presença dos alunos estimula a atualização constante do corpo técnico, bem como dos recursos tecnológicos, construindo diretrizes com rigor cientifico em todas as áreas. A presença do ensino confere um diferencial técnico e científico expressivo ao Hospital, conferindo uma visibilidade ex-
terna e um referencial na busca de serviços médico-hospitalares especializados e de referência. ESTRUTURA DO HOSPITAL O hospital conta com uma estrutura de 560 leitos, instalados em seis pavimentos, dos quais 492 leitos são destinados para a internação clínica, cirúrgica, pediátrica, obstetrícia, geriatria e psiquiatria, em acomodações com quartos privativos, e enfermarias. 102 leitos de UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) locados em cinco unidades com as especializações: UTI Geral, UTI Coronariana, UTI Pós-Operatória Cirurgia Cardíaca, UTI Pediátrica e UTI Neonatal. Um amplo e moderno Centro Cirúrgico com 16 salas de cirurgia, 3 salas de parto, sala para recuperação pós-anestésica. O ambulatório ocupa uma área específica com 106 consultórios, atendendo em todas as especialidades. O Serviço de urgência e emergência, com uma área de 1872 m², está equipado com duas unidades para atendimentos de urgência (UCE Adulto e UCE Pediátrica). Seu quadro funcional é de 2.891 funcionários, 1.196 médicos
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do corpo clinicam e um acolhimento diário de 18.000 pessoas. Em 2011 o Hospital realizou 231.830 atendimentos ambulatoriais, 27.943 internações, 20.589 cirurgias, 3.427 partos, 148.365 atendimentos de urgência e emergência, 2.572.567 exames. A HUMANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS Um Hospital Universitário de uma instituição cristã, e de longa experiência na área da educação, tem características próprias e um jeito diferente de cuidar da vida, o jeito solidário e cristão. O destaque de seu diferencial não está em suas instalações e em seus equipamentos modernos e de ultima geração, nem tampouco em seu parque tecnológico. O diferencial está nas pessoas que dedicam o dia a dia no seu trabalho nas diversas atividades do Hospital. Sabe-se que para cuidar da vida precisamos ter uma vocação especial de querer servir, que significa estar disponível e atento às necessidades
do outro, e requer muita sensibilidade e doação pessoal que vai além do aprendizado da técnica e do conhecimento científico. Cuidar da vida é um ato de amor ao próximo e para bem cuidar é preciso amar. A humanização dos Serviços do Hospital tem por base os princípios de sua missão, cuidar da vida através dos princípios éticos e cristãos visando à assistência de forma integral com um atendimento digno e humano. As ações de humanização são desenvolvidas por uma equipe multiprofissional que envolve os serviços: Serviço de Pastoral da Saúde; Serviço Social; Comitê de bioética; Comissão de defesa da criança e do adolescente e Cuidados Hospitalares; Voluntariado da AVESOL que desenvolvem atividades através da Associação das Voluntárias de Câncer de Mama; ABA – Associação dos Bebês Apressados; Associação dos voluntários da Pediatria com atuação no atendimento às crianças internadas e aos pais das crianças internadas. Entre as atividades
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desenvolvidas destacam-se: a musicoterapia, a hora do conto e as campanhas beneficentes. O serviço religioso, a cargo do Serviço da Pastoral da Saúde, é prestado por 2 sacerdotes e 6 religiosas e conta com a participação ecumênica de pastores de outros credos.
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Além das visitas aos pacientes internados e distribuição da eucaristia, prestam serviço de atendimento aos familiares dos pacientes e aos funcionários, também realizam as celebrações das missas semanais: Domingo às 10 horas, terças, quintas e sábado às 16 horas, e as celebrações nas datas de comemorações especiais, tais como: Semana Santa, Páscoa, Semana da Enfermagem, SIPAT (Semana Interna de Prevenção de Acidentes de Trabalho), Dia das Mães. Dia dos Pais, Dia do Médico, aniversário do Hospital, Dia Nacional de Ações de Graças e a celebração do Natal com a participação dos funcionários na encenação do presépio vivo.
Humanização dos ambientes Visando ao bem-estar dos pacientes e da equipe de trabalho, em cada projeto de revitalização e/ou de reforma da área física, sempre que possível, o ambiente externo é incorporado ao ambiente interno e, nesse sentido, vários projetos foram viabilizados através de aberturas projetadas para a visualização da natureza, no intuito de diminuir a ansiedade e o estresse da rotina hospitalar e propiciar mais conforto aos pacientes. O destaque está na criação de jardins internos com movimento de água, trazendo luminosidade, aeração e conforto para os ambientes, bem como a abertura de janelas na UTI Geral. Atividades do Voluntariado Os voluntários, ligados à AVESOL, atuam no Hospital e desenvolvem suas atividades através de 15 projetos distribuídos em 2 programas conforme o que segue: Programa Amor, Alegria: O Programa Amor Alegria contempla os Projetos:
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Projeto Esperança; Projeto Espiritualidade da Pastoral da Saúde; Projeto Histórias de Vida; Projeto Maninho; Projeto Oi; Projeto Ouvir; Projeto Pense Bem. Programa Luz Agrega: O Programa Luz Agrega contempla os projetos: Projeto Acolhida; Projeto Caminho; Projeto Começar de Novo (voluntária de câncer de mama); Projeto Enxoval; Projeto Fralda; Projeto Messe Fraterna; Projeto Transporte. Universo de Atendimento: O universo de atendimento se estende para os pacientes, familiares e para as equipes técnicas e administrativas. Setores de Abrangência: A abrangência de atuação dos programas dos voluntários abrange todos os setores do Hospital, com ênfase especial nos setores que prestam serviços assistenciais que são os Setores de Internação, Ambulatórios e Laboratórios.
Atividades Desenvolvidas em 2012 Em 2012 o público atendido através dos programas do voluntariado somam 493.680 pessoas e a distribuição de itens, entre os quais: refeições, passagens, enxovais, próteses, perucas, e materiais para as oficinas, somam 184.500. Eventos Multiplicadores Os eventos multiplicadores constituem ações desenvolvidas pelos voluntariados, visando irmanar as ações solidárias, tais como: •
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Integração interna entre a Pastoral Universitária da PUCRS, AVESOL, e a UTI Neonatal. Parcerias externas visando transferir nossa experiência de voluntariado para o voluntariado da AACD de Porto Alegre no que tange ao projeto Acolhida e Projeto Alegria. Parceria com o voluntariado do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), tendo por objetivo a capa-
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citação de voluntários daquela organização, no Projeto Esperança. Parceria com o Colégio Marista Champagnat, para a realização de oficinas para o voluntariado, com a participação de, aproximadamente, 800. Parceria com o Colégio Marista Rosário, para a realização de oficinas para o voluntariado, com a participação de, aproximadamente, 100 alunos. Parceria com a Comunidade Marista, para a realização de oficinas para o voluntariado, organizado no encontro de Jovens Maristas, realizado no Colégio Marista Champagnat. Parceria do voluntariado do HSL e ONG Doutorzinho, viabilizando o evento internacional, “vivendo uma vida de alegria”- 13 de dezembro de 2012 com a participação de PATCH ADMAMS. Parceria com a formação da ABA (Associação dos Bebês Apressados) de Alegrete, vinculada ao voluntariado
da Santa Casa de Alegrete. • Doações Recebidas. A doação recebida em benefício de nossos pacientes tem por origem diversas fontes, formando uma corrente de solidariedade e amparo conforme o que segue: Empresas, escolas, faculdade, comunidade, ex-pacientes, familiares de ex-pacientes, funcionários de toda a universidade, médicos, familiares de médicos, estudantes estrangeiros, e outros. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como trabalho de conclusão, procurei demonstrar, de forma resumida, a grandiosidade e importância social e solidária da missão Marista realizada através do Hospital São Lucas da PUCRS. Certamente estava no propósito se seu fundador, quando em 1817, comovido pela situação de miséria e ignorância do jovem Montagne, toma a decisão de fundar uma congregação de Irmãos para que se dediquem à educação dos jovens, sobretudo dos mais necessitados. Consta na constituição do Instituto:
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Artigo 85 Trabalhando em instituições escolares ou em outras estruturas de educação, consagramo-nos a serviço da pessoa humana, por amor do Reino.
ca, a rezar e viver o Evangelho no cotidiano, e a serem mestres e religiosos educadores (Apostila PEN, Módulo 1, p.30, 2012).
Artigo 88 Partilhamos nossa espiritualidade e nossa pedagogia com os pais, professores e outros membros da comunidade educativa.
Além do ensino e da pesquisa, os mestres prestam serviços de assistência, desenvolvendo em seus discípulos as condutas de atendimento e a maneira de servir, pela escuta, pelo respeito e pelo atendimento humanizado. Tudo isso nos reporta aos exemplos de Champagnat quando iniciou a formação de seus primeiros discípulos e seguidores.
Um hospital universitário desenvolve atividades de assistência, ensino e pesquisa, por isso tem características próprias e peculiares que o diferenciam dos hospitais que atuam só na assistência. Os professores e pesquisadores que desenvolvem suas atividades em um hospital de ensino, também educam pelo exemplo e pela presença, ensinam, pesquisam e realizam novas descobertas importantes, contribuindo para o desenvolvimento da ciência e da medicina, atuando sempre na presença dos alunos. Champagnat selecionou os jovens que ingressaram no Instituto e para ajudá-los na formação, viveu entre eles como um deles. Ensinou-lhes a leitura, escrita, aritméti-
REFERÊNCIAS Apostila Pem, Curso de extensão em espiritualidade e patrimônio Marista, Edição 2012. Relatório Social 2011, Pucrs e Hospital São Lucas. Relatório do voluntariado no Hospital São Lucas da Pucrs, 2012.
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Rede Marista | RS | DF | Amazônia Rua Irmão José Otão, 11 Bom Fim - Porto Alegre | RS CEP: 90035-060 maristas.org.br