Relatorio anexo 40932320136

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Produção de Documentários Hipermídia Participativos nos Assentamentos do Movimento Sem Terra do Rio Grande do Sul: Inovação Cultural para uma Inclusão Produtiva Rural

Andréia Machado Oliveira Felix Rebolledo Palazuelos

O principal problema abordado neste projeto consiste na investigação de como a produção de documentários hipermídia participativos com comunidades do Movimento Sem Terra em assentamentos do Rio Grande do Sul pode gerar conhecimento voltado à inclusão produtiva rural. A presente proposta se enquadra no eixo temático de Inovação em Cultura e encontra-se articulado com o campo cultural das Artes Digitais e do Audiovisual, especificamento nas Artes do Vídeo. A produção de documentários hipermídia participativos vem ao encontro do eixo temático Inovação em Cultura, uma vez que se direciona à apropriação tecnológica e inovativa como novas linguagens comunicacionais que visam a inclusão produtiva. Ainda, entedemos que tal projeto se direciona à Economia Criativa ao promover ações criativas e participativas com a comunidade no sentido de despertar novas possibilidades produtivas e comuncacionais, gerando valor econômico. O processo de produção de documentários hipermídia participativos envolve aspectos de criação e distribuição, agregando questões locais em um âmbito global, usando o conhecimento, a criatividade e o capital intelectual como recursos produtivos. Nesse sentido, este projeto trabalhou com as comunidades dos assentamentos a fim de incentivar e fortalecer a produção local, aumentando a capacidade produtiva rural e a entrada de seus produtos no ambito global através das oficinas de produção de documentários hipermídia participativos a partir de processos de criação. Compreendemos por criação ações que inovam modelos de utilidade, que se apropriam das inovações tecnológicas para gerar novos produtos ou modos de distribuição, ainda, aperfeiçoamento de ações de empreendedorismo e de criação de ambientes de inovação. Tais inovações perpassam o campo prático e teórico do conhecimento. Novas teorias de movimentos sociais, como as propostas por Castells, Habermas, Melucci e Touraine,

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trazem questionamentos políticos que procuram compreender e explicar as dinâmicas dos movimentos sociais em termos de integração social, participação, distribuição igualitária, reprodução cultural e formação da identidade (BUECHLER, 1995). Tais teorias se direcionam às dinâmicas constestatórias e aos processos conflituais contra a privação progressiva dos direitos políticos, sociais e culturais decorrente de políticas neoliberais cultivadas pelos países desenvolvidos. Pensadores como Boaventura de Sousa Santos, Néstor García Canclini e Milton Santos, entre outros, têm recontextualizado de maneira inovadora tais teorias dos movimentos sociais para tratar de questões sociais, políticas e culturais específicas da América Latina. Estes autores fazem uma revisão das abordagens tradicionais, apresentam novas questões socio-culturais não materiais, bem como problematizam questões contemporâneas como sustentabilidade ambiental, produção no campo etc (como exemplificado por Sousa Santos em Epistemogia do Sul e sua ecologia do saberes e das productividades). Observamos que novas formas de protestos e movimentos que se situam fora dos modelos tradicionais de movimentos sociais são cada vez mais difícies de serem analisados e classificados, uma vez que requerem novos parametros de investigação. Seus modos de organização e seus valores instituídos são dificilmente categorizados, como evidenciado por García Canclini em sua conceitualização da direfença e da hibridagem no livro Diferentes, Desiguais, e Desconectados (2009). Neste sentido, grupos que se localizam nos interstícios sociais, como o Movimento Sem Terra, demandam outros recursos representacionais e descritivos. As analises baseadas em premissas “científicas” implicitas nas grandes narrativas e fundamentadas nos modelos analíticos tradicionais "estao implodindo sob o peso de suas contradiçoes" (SÁ MARTINO, 2009, p. 218). Ainda, Guattari coloca que

“sob estas

condições, não é surpreendente que as ciências humanas e sociais tenham condenado a si próprias a perder as dimensões intrisecamente progressivas, criativas e auto-posicionadas dos processos de subjetificação” (GUATTARI, 2000, p. 36). Ao levarmos o estudo dos movimentos sociais para o campo da comunicação midiática, verificamos o poder da mídia para definir e manipular a opinião pública, sendo uma das mais poderosas forças de modelar como os cidadãos pensam, percebem e agem socialmente, politicamente e culturalmente no mundo. As mídias também determinam como os cidadãos aceitam a legitimidade do governo e se submetem a sua governamentalidade: os efeitos da mídia e da comunicação de massa são de grande importância e requerem um novo

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entendimento que reflita as novas dimensões sociais, políticas e culturais, bem como as novas limitações de governabilidade. No sentido de levantar tais questões, este projeto trata de um dos questionamentos centrais da comunicação: quais são os efeitos sociais dos meios de comunicação? Considerando essa questão, apontamos que precisamos ver a comunicação midiática sob nova perspectiva a partir da (re)significação de conceitos como mídia, agencia, mudança, movimento social, identidade, relação sujeito e objeto. Estas limitações conceituais e analíticas não são observadas somente em nível teórico, suas repercursões são percebidas no modo como a mídia é pensada para funcionar e em suas maneiras de utilização. Tais questões constituem um grande problema para a teoria da comunicação que constantemente se volta sobre si mesma sem respostas, uma vez que encontra-se desprovida de uma fundamentação que sustente esta discussão. Assim, propomos uma fundamentação alternativa para reflexões sobre a comunicação midiática de acordo com epistemologias fundadas em uma filosofia processual, sustentadas em paradigmas éticoestéticos. Apontamos os seguintes conceitos-chave operacionais a serem desenvolvidos: micro-políticas do cotidiano, memória como experiência integrada, identidade e multiplicidade, produção criativa, empirismo radical e paradigma ético-estético. Deste modo, advertimos sobre a necessidade de um reflexão sobre o que constitui mudanças nos movimentos sociais como resultado das mídias, isto é, como as mídias podem ser instrumentos que geram mudanças nos movimentos sociais, como novas experiências estão sendo promovidas pelas mídias e porque estas questões estão sendo levantadas atualmente. Quando Marshall McLuhan (1911-1980) afirma que o meio é a mensagem, ele nos induz a examinar quais os tipos de mensagem que estão sendo criadas pela mídia, não somente em termos de conteúdo, mas em termos do que Simondon poderia chamar de um trabalho transdutivo da informação como ativações metaestáveis transubjetivas em um determinado contexto. Assim, neste projeto, pesquisamos um método de produção de documentários que se baseia em um entendimento diferenciado do que são os meios e como eles funcionam. Meios de comunicação tradicionais sistematicamente "colocam o receptor fora do quadro da experiência" (McLUHAN, 1967, p. 53), a fim de controlar melhor o poder da informação e ampliar os binários produtor/consumidor, ativo/passivo, sujeito/objeto. Na direção contrária, visamos utilizar a mídia para integrar e envolver as pessoas em modelos participativos de produção de mídia a fim de integrar e reconciliar essas dualidades e aumentar o poder de

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atuação política. Isto implica em considerar tecnologias e mídias para além de meras entidades tecnológicas e avaliar suas relações quanto à ativação e realização da diferença e da invenção dentro de uma sociedade baseada em um novo paradigma ético-estético (GUATTARI, 1995). De tal modo, direcionamos a comunicação midiática ao acontecimento da experiência, isto é, aos processos de criação imanentes às experiências cotidanas. Nesta perspectiva, levanta-se alguns questões a serem investigadas: - Como se pode ativar micro-políticas do cotidiano em movimentos sociais a partir da aplicação da metodologia de pesquisa-criação nas mídias comunicacionais? - Como as práticas midiáticas em oficinas de produção de documentários hipermídia participativos podem levantar questões voltadas às micro-políticas do cotidiano para uma a fomentação de práticas de inclusão produtiva rural? Tais questionamentos foram investigados a partir do suporte das pesquisas da Coordenadora Andreia Machado Oliveira sobre o uso de dispositivos móvies para formação de recursos humanos; e das pesquisas do pesquisador Felix Rebolledo Palazuelos sobre a produção de vídeos como meio midiático de comunicação, envolvendo experiências com processos inovadores e investigações sobre a distribuição e disseminação de conhecimento. Com o aporte desse pesquisa buscamos contribuir para a inclusão social e o desenvolvimento econômico das comunidades envolvidas.

Revisão da literatura Partimos do entendimento que a comunicação é um processo que gera mudanças e que as mídias da comunicação são agentes de mudança – mudança que simultaneamente altera emissor e receptor. A informação transmitida pela mídia produz crenças que condicionam as ações de ambos emissores e receptores e que por sua vez produzem outras crenças, assim alternado suas participações no mundo. Este fluxo de informação altera a identidade dos participantes em dinâmicas comunicacionais, que foram transformadas pelos efeitos da mídia e da informação. O ambiente, os participantes, a mensagem a ser transmitida, o medium a ser usado são transformados pelos processos desenvolvidos e juntos eles constituem um fluxo, uma dinâmica de constante mudança, a qual podemos fazer relação ao que o filósofo francês Gilbert Simondon (1924-1989) denominou de meio associado. Para ele, o poder

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transformativo da informação "é a operação mesma de tomar forma" (COMBES, 2012, p. 9) e podem ser usadas como estruturação transformadora dinâmica. Ao conceber os processos comunicacionais desta maneira, precisamos realizar uma (re)significação de certos conceitos. Para começar, informação e mídia necessitam ser vistas para além de simples troca, mas sim como entidades subjetivas em si próprias que não são menos privilegiadas do que o emissor e o receptor em uma dinâmica de comunicação. Os filósofos Gilles Deleuze (1925-1995) e Félix Guattari (1930-1992) desenvolvem aparatos conceituais em que o sujeito é considerado como um efeito de individuação, mais do que uma causa. Eles desenvolvem maneiras de pensar que nos permitem trabalhar com elementos transitórios, articulações e dinâmicas inesperadas de fluxos. As relações que constituem as ligações entre os campos não são estáticas e permanentes, ao contrário, são dinâmicas e criam expansões de campos operacionais. Tais campos operacionais são entendidos como territórios, uma vez que “os components espaciais, materiais e psicológicos que constituem ou desconstituem uma sociedade, grupo ou individuo” (REBOLLEDO, 2013). Esta forma de pensar vai ao encontro do pensamento cultural de García Canclini e Appadurai e sua leitura crítica de Bourdieu sobre o papel da cultura nas "classes populares". García Canclini fornece um ponto de partida útil para a consideração dos meios de comunicação com a sua definição sócio-semiótica da cultura como "processos de produção, difusão e consumo da significação na vida social que evita dualidades entre o material e o espiritual, entre o econômico e o simbólico ou o individual e o coletivo" (GARCÍA CANCLINI, 2009). Estamos de acordo com García Canclini quando ele mostra a necessidade de redefinir a arte e a cultura através da transformação dos atores que geram a base valiosa conceitual da cultura e para superar a colonização da estética da imaginação, da identidade, da imagem-criação, da memória e do gosto. A metodologia de pesquisa-criação opera dentro dessa concepção dos limites da produção cultural, mas seu objetivo é diferente: não é para "articular os limites da diferença", mas para se desenvolver na diferença o locus emergente da criação. Percebemos que as tecnologias digitais, atualmente, oferecem fácil acesso aos meios de produção de conteúdo de qualidade ao passo que as mídias sociais baseadas na web oferecem possibilidades inéditas para divulgação e distribuição da produção cultural. Ainda, a fim de aproveitar o potencial dos meios de comunicação, é preciso vê-los como a intersecção de ecologias sociais, mentais e ambientais, expressivos de práxis que "vai levar a uma reformulação e uma recomposição dos objetivos das lutas emancipatórias" (Guattari, 2000).

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Se olharmos para isto a partir de um modelo de comunicação de massa tradicional de emissormeio-receptor, para o MST a implicação mais importante desse modelo é a geração de conteúdo que pode ser usado para dar peso e flexibilidade à sua identidade midiática, posicionamento e agenda-setting a escala local, regional e global. André Lemos (2003) explicita a alteração ocorrida no modelo emissor-meioreceptor dos meios de comunicação de massa para os meios digitais em rede. No primeiro modelo há uma transmissão de informação do emissor para o receptor em um sentido de mão única; no segundo modelo, emissor e receptor estão em sentidos de mão dupla, onde emissor e receptor cumprem o mesmo papel simultaneamente, ou seja, o receptor passa a ser um gerador de conteúdo em uma rede de conectividade generalizada. “As diversas manifestacões socioculturais contemporaneas mostram que o que está em jogo como o excesso de informacão nada mais é do que a emergência de vozes e discursos anteriormente reprimidos pela edição da informação pelos mass media.” (LEMOS, 2003, p. 22). Neste sentido, Lucia Santaella (2003), também coloca que já superamos a cultura de massas e incluimos atualmente a cultura das mídias e a cultura digital que com suas mensagens e processos de comunicacão engendram e moldelam o pensamento e a sensibilidade das pessoas, como também propiciam o surgimento de novos ambientes socioculturais.

Metodologia Empregada O aspecto teórico da pesquisa fez uso livre de uma metodologia transdisciplinar para produzir as bases conceituais sobre as quais uma ecologia ético-estético de práticas serão montados. Juntamente com as pesquisas teóricas do projeto, criamos, simultaneamente, o programa para as oficinas práticas à luz das orientações informadas pelas mesmas. O processo de desenvolvimento do conteúdo das oficinas implica uma abordagem em três etapas: a primeira, vai enfatizar a obtenção de capacidades técnicas básicas pelos participantes das oficinas de produção de documentários hipermídia participativos com dispositivos móveis, equipamentos de captação de imagem e uso de computadores; a segunda, vai se concentrar na aquisição técnicas de produção de documentário e no desenvolvimento de capacidades expressivas; e a terceira, vai envolver a distribuição e a difusão das produções documentais através das mídias sociais baseadas na web e dedicados a um website. A segunda etapa foi a mais problemática como a aquisição de técnicas de produção de documentários, sendo que o desenvolvimento das capacidades expressivas será o ponto

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crucial de nosso projeto. É nesta etapa que fomos capazes de ver se conseguimos vincular um método apropriado ético-estético de descoberta e criação que vai transmitir a expressão singular de si e da comunidade através da apropriação dos meios de comunicação. As oficinas foram realizadas de acordo com uma metodologia de pesquisa-criação com uma postura etnometodológica (GARFINKLE, 1967, 2002) informando a facilitação e do processo de orientação. Assim, o projeto foi desenvolvido com as comunidades do MST do RS. O primeiro contato que tivemos foi com o MST em POA que resultou na participação da Romaria da Terra 2014 em Tapes no RS. Após esse breve contato, através dos técnicos da Coptec e da Emater, tivemos acesso às comunidades dos assentamentos de Tupaciretã, Jóia, Julio de Castilhos e Chiapetta. Os participantes do projeto foram os alunos e professores das escolas dos assentamentos, os técnicos da Coptec e da Emater e os agricultores dos assentamentos envolvidos com a agricultura familiar. O projeto começou com uma introdução sobre cinema documentário, produção de vídeo e uso dos dispositivos móveis, para que os participantes pudessem sair das oficinas e produzir seus próprios videos. Na produção de vídeo, trabalhamos com diferentes grupos, como: com Grupos de Mulheres em Tupaciretã e Jóia sobre o papel das mulheres nos assentamentos; com a Família Potter sobre a produção em Agroecologica; e com a família Valsoler sobre a produção de queijo colonial camponês na agroindustria familiar. Esse material foi editado e está sendo disponibilizado online pelo YouTube, pelo site do LabInter e, futuramente, pelo aplicativo CODATA, em desenvolvimento pelo LabInter na UFSM. A intenção era dar aos participantes uma introdução sobre cinema documentário, produção de vídeo e dispositivos móveis, para que os participantes pudessem sair e produzir seus próprios vídeos. Inicialmente, as oficinas de vídeo documentário partiram sobre a realização de entrevistas com imagens ilustrativas que prestavam um testemunho visual do que estava sendo dito nas entrevistas (entrevistas como voice-over). Assim, foi proposto um plano de trabalho de quatro a cinco encontros: Oficina 1: Introdução ao vídeo-documentário e à imagem fotográfica Oficina 2: Trabalho sobre a produção de vídeo (2 sessões) Oficina 3: Trabalho sobre a produção de vídeo Oficina 4: Como distribuir e divulgar vídeos

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Desde o início, os participantes foram muito receptivos às oficinas, devido: 1) a estrutura descontraída dos encontros 2) a participação em uma pesquisa acadêmico de maneira diferenciada 3) a oportunidade de uma experiência criativa fora da estrutura disciplinar e com tecnologias digitais 4) a colaboração entre os colegas de novas maneiras 6) a aprendizagem de conhecimentos práticos que poderiam levar para casa 7) ao uso de câmeras e tablets que normalmente não teriam acesso 10) a produção de imagens diferenciadas que refletiam suas realidades. Contudo, a principal dificuldade encontrada foi o envolvimento contínuo com o projeto, uma vez que as oficinas não faziam parte do currículo oficial e eram oferecidos aos participantes como uma atividade complementar que ocorria em média uma vez por mês. Isso criou uma ruptura no processo de aprendizagem. Ainda, a falta dos dispositivos móveis pela maioria dos participantes impediam a continuidade do trabalho em casa. Mesmo os participantes tento resultados excelentes nas oficinas, apontamos algumas possíveis razões para a descontinuidade do trabalho em casa: 1) a timidez em fazer coisas “erradas” ou produzir imagens “ruins” 2) a falta de perceber a relevância e importância das oficinas 3) a falta de um método de trabalho convincente em sua continuidade 4) o constrangimento em retratar e divulgar o seu querer 5) as preocupações de violação de privacidade 6) experiência frustrante de trabalhar com baixa qualidade de resolução (celulares) que muitas vezes eram desatualizados e apresentavam limites de trabalhar com fotos ou vídeo e problemas para fazer o download para um computador ou fazer o upload para sites sociais 7) O conceito de fotografar ou filmar o seu dia-a-dia era completamente estranho para eles e destituído de significado 8) comparação negativa com mídia de massa 9) Falta de apoio e incentivo da família à participação no projeto.

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Em função desses fatores, foi necessário que o programa original fosse revisto e readaptado para atividades autônomas. Essa mudança contou com o apoio do LabInter que forneceu seis tablets Samsung Galaxy Tab 10.1 com capacidade de 16GB para as oficinas, incentivando os participantes à produção de vídeos. Exercícios extraídos do "Experimentar o Cinema - Material de Apoio Para Educadores" do projeto "Inventar a Diferença - Cinema e Direitos Humanos" foram a muito validos para legitimar o plano de estudos, auxiliando na aprendizagem de técnicas e criação de experiências interessantes de aprendizagem. Verificada a capacidade da comunidade dos assentamentados do MST para gerar produção de documentários e divulgá-las em seus próprios termos, significa que essas tecnologias digitais e técnicas de comunicação podem ser usadas para uma variedade de propósitos: para documentário histórico e arquivístico, como fonte de material para notícias e atualidades documentário, para a manutenção da sua ecologia de práticas técnicas, para a auto-afirmação e a apresentação da vida cotidiana, para a promoção da solidariedade e da expansão das redes sociais , para fins educacionais e para a expressão criativa. Mas ressaltamos aqui que a CGU é, como Touraine assinala, a expressão aumentada do individualismo do sujeito "que representa o indivíduo em sua tentativa de ser um ator responsável" (TOURAINE, 2002, p. 391), em que o resultado de subjetivação "é a autorepresentação de um indivíduo ou de um grupo como ator, tentando impor seus próprios fins ao seu ambiente" (TOURAINE, 2000 p. 911). O sujeito "não pode se opor a esta invasão com princípios universais, mas com a resistência de [suas] experiências singulares" (TOURAINE, 2002, p. 391). O aspecto importante aqui foi criar trabalhos documentais de acordo com um padrão diferente, não só com base na objetividade com aspirações a uma resultado artístico ou profissional, mas na própria experiência singular decididamente subjetiva e sua interpretação dos acontecimentos cotidianos. E é exatamente essa expressão da experiência singular que deve ser trazido para fora através do estabelecimento de uma metodologia de pesquisacriação, dentro do processo das oficinas de produção de documentário. Então o que é pesquisa-criação? É uma prática em pensamento, uma prática que localiza o método não no objeto finalizado como criação, mas no fazer como objeto. É um modo de atividade fértil quando é constitutiva de novos processos de fazer como novas formas de conhecimento. Pesquisa-criação "nos dá uma técnica para trabalhar com o em-ato no coração da experiência, fornecendo maneiras sutis de compor com as trocas das relações entre o conhecedor e o conhecido, tendo em mente, é claro, que o conhecedor não é o sujeito

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humano, mas a forma como as relações se abrem em direção a sistemas de subjetivação" (MANNING, 2013). A ênfase será para compor técnicas de facilitação na direção da emancipação da criatividade de acordo com as novas direções estéticas. O intuito, aqui, é desenvolver modos de subjetivação que não podem ser definidos através da pergunta de como o conhecimento é a priori determinado por uma método, mas sim na forma como ele é experienciado.

Contribuições e Resultados da Pesquisa Entendemos que esta pesquisa aporta uma relevante e significativa contribuição para as pesquisas referentes aos movimentos sociais rurais e seus respectivos campos de práticas produtivas. Nesta perspectiva, trazemos para o campo social e cultural contribuições Teóricas e práticas a fim de conceber uma ecologia de práticas culturais e um aprimoramento nos processos de inclusão produtiva rural. Ainda, dialogamos e nos aproximamos das pesquisas de Lucien Castaing-Taylor e Verena Paravel do Sensory Ethnography Lab na Harvard University (http://sel.fas.harvard.edu/) que usam tecnologias a partir de uma etnografia experimental e de uma antropologia visual; e com as pesquisas de Erin Manning no SenseLab na Concordia University (http://senselab.ca/wp2) e de Brian Massumi do Departamento de Comunicação na Universidade de Montréal que investigam ações micro-políticas e práticas ético-estéticas sociais subjetivas. Escolhemos utilizar uma metodologia de pesquisa-criação ao considerar que esta pode dar suporte para a interligação entre questões teóricas e práticas dessa pesquisa. O governo federal canadense de Pesquisa em Ciências Sociais e Humanas, estratégicamente, reconheceu esta metodologia de pesquisa em 2003 como uma de suas categorias fundamentais para o desenvolvimento do conhecimento e inovação através da expressão artística como investigação acadêmica. Em termos das oficinas de produção de vídeo, podemos observar o seu desenvolvimento: 1) Para uma apresentação audiovisual informativo, educativo ou de entretenimento que apresenta questões, idéias, eventos, situações de uma forma discursiva não-ficcional utilizando imagens ilustrativas, entrevistas, cartões de título e gráficos em movimento, música e narração de voz que puderam abrir para a questão da memória.

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2) Para documentar visualmente um procedimento técnico de forma objectiva, científica ou para se certificar que o procedimento se repete, para sistematizar, a fim de lembrar e preservar uma técnica que de outra forma poderiam se perder. 4) Para documentar um evento para a posteridade, ou seja, como um documento histórico. 5) Para padronizar e uniformizar a memória de um evento: estabelecer como um evento é para ser lembrado e interpretados. 6) Para capturar o desdobramento de um evento para a sua notícia, arquivamento ou valor histórico para futuras análises, interpretação e estudar ou simplesmente como entretenimento. 7) Para gravar e documentos das pessoas idéias, impressões, atitudes, dúvidas, preconceitos sobre uma questão particular. 8) Para influenciar o pensamento das pessoas sobre os problemas por meio de uma mudança provocada por mudança ideológica através do desdobramento racional de materiais audiovisuais "verdadeiras". 9) Para documentar algo para o bem de depoimentos e provas futuro. 10) Para resgatar a memória de algum evento durante o processo de gravação e divulgação de gravações de áudio-visual de história oral. Por outro lado, podemos ver o processo de ensino, como o plantio de sementes de potencial que pode ser chamado mais tarde, conforme necessário para uma possibilidade expressiva, ou seja, a transmissão de técnicas ou capacidades que não têm nenhuma relevância no momento presente, mas que pode ser colocado em uso em um ponto futuro, quando há uma necessidade real para eles. Ainda, observamos que há uma diferença entre a produção de vídeo documentário de ensino para adultos e adolescentes. A diferença que reflete os dois pontos de vista é a memória. Os adolescentes estão mais envolvidos na dinâmica de identidade do que a memória. Para os adultos, a memória desempenha um papel mais importante. Adolescentes olhar para o reconhecimento em termos de quem são, quem será ... eles estão mais preocupados com eles mesmos e impor a sua identidade em outros. Ao usar a câmera, eles gostam de usar a câmera não com a finalidade de tirar fotos, ou seja, a criação de imagens, mas para infringir a privacidade dos outros e intrometer e violar seu espaço. Adultos, por outro lado, estão mais preocupados com o passado e buscar o reconhecimento para o que eles viveram e as dificuldades por que passaram. Em termos de futuro, que vê-lo através do futuro

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de seus filhos. Eles estão mais relacionadas com a memória, porque eles têm um arquivo pessoal de imagens que pode se lembrar e tocar em narrativamente e fazer conexões com outros eventos em suas vidas eo mundo. Do ponto de vista micro-política, enfatizamos a possibilidade de dar voz as pessoas que não tem, ou seja, tentar levá-los a ver que tem uma força subjetiva, que podem ser expressos e apresentados através de vídeo e que as suas opiniões importavam. Outro aspecto a micro-política do cotidiano foi democratizar as conversas sobre o trabalho do dia a dia e a reificação das aspirações da movimento. O ponto aqui é ganhar reconhecimento pelo movimento social / político onde ele realmente está acontecendo e como ele está sendo levado adiante concretamente. Com o intuito de aplicar e verificar a validade de tais questões de pesquisa, propomos oficinas de produção de documentários hipermídia participativos com o uso de dispositivos móveis em comunidades dos assentamentos do MST no RS. Nessas oficinas, realizadas com a colaboração com do LabInter do PPGART/UFSM e com o pesquisador Felix Rebolledo Palazuelos, buscamos criar uma ecologia de práticas sociais e culturais que reposicionam as funcionalidades das tecnologias digitais e as potencialidades das mídias sociais em rede online para potencializar a produção rural. A produção de tais documentários hipermídia participativos exploram alternativas de aquisição de habilidades para produção de documentários, bem como propiciam espaços para a divulgação produtiva em nível local e em rede global. Isso traz à tona problemas de natureza ético-estético a serem resolvidos através da criação de ecologias sociais, mentais e materiais de práticas dentro de um ambiente de pesquisa-criação.

Considerações Finais Nosso objetivo central é incentivar as experiências locais das comunidades dos assentamentos do MST no RS a partir de processos inovadores culturais sobre a produção e disseminação de conhecimentos através do uso das tecnologias digitais como ferramentas mediáticas e suas possibilidades de distribuição em rede online. Entendemos que precisamos ver a comunicação midiática sob nova perspectiva. Assim, apontamos os seguintes conceitos-chave que foram problematizados no projeto: micro-políticas do cotidiano, memória como experiência integrada, produção criativa, subjetividade e pesquisa-criação.

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Após a realização das oficinas e verificada a capacidade de comunicação das comunidades para gerar a produção de vídeos, observou-se que essas tecnologias digitais e suas técnicas de comunicação podem ser aplicadas para uma variedade de propósitos: para documentários, como fonte de material para informações; para a manutenção de uma ecologia de práticas técnicas e sociais; para a auto-afirmação e a apresentação da vida cotidiana da comunidade; para a promoção da solidariedade e da expansão das redes sociais; para fins educacionais, sociais e econômicos, para uma inclusão social rural e para a expressão criativa de subjetividades. O objetivo do projeto não se restringiu em produzir vídeos, mas produzir um espaço para a expressão de subjetividades que em geral não têm visibilidade e voz nos meios regulares de comunicação. No sentido de potencializar e promover expressões de subjetividades, buscamos mudar o foco de produção de um objeto para o ato de descobrir criativamente o seu modo de produção. Assim, não é uma questão de buscar um produto final na produção de vídeos, mas requerer familiaridade com a tecnologia e apreciação das possibilidades comunicativas e expressivas da mídia. Isto está em consonância com a abordagem de pesquisa-criação, onde aprender se torna uma experimentação lúdica com a tecnologia e as técnicas. Deste modo, os participantes adquirem um sentido na atividade de criação e descoberta, no lugar de estarem preocupados no resultado final do produto. Isto não quer dizer que estamos diminuindo a importância da realização de um produto final, mas buscamos que os usuários

iniciantes encontrarem a potencia da tecnologia e suas

possibilidades abertas de descobertas. Entendemos que é mais importante encorajar a experimentação e a descoberta, no lugar de simples apreensão de um padrão estético e técnico. O projeto problematiza como as práticas midiáticas produzidas nas oficinas de vídeos podem levantar questões voltadas às micro-políticas do cotidiano e à fomentação de práticas de inclusão produtiva rural. Tem como função possibilitar outros modos de expressão, problematizar identidades e fortalecer seu sentido de pertencimento, participação e contribuição como cidadãos. Visamos utilizar a mídia para integrar e envolver as pessoas em outros modelos participativos de comunicação e expressão a fim de aumentar o poder de atuação política e social. Isto implica em considerar as tecnologias digitais e as mídias para além de meras entidades tecnológicas e avaliar suas relações quanto à ativação e realização da diferença e da invenção dentro de uma sociedade baseada em um novo paradigma éticoestético.

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