Maré de Notícias #54

Page 1

Elisângela Leite

54

junho de 2014 - Maré, Rio de Janeiro - distribuição gratuita

Memória

Arquivo Pessoal

Seu Ademir lembra do Flexa, um dos mais tradicionais times de futebol da Maré Pág. 3

Copa do Mundo

Entram em campo a animação e a polêmica Pág. 4

Diálogo necessário

Novidades na educação Prefeitura e governo do estado detalharam os investimentos planejados para a Maré na área de educação. Se os planos foram concretizados, teremos a mais sete EDIs, 10 escolas Primário Carioca e três de Ginásio Carioca. Com isso, todas as escolas municipais, novas e atuais, passariam a funcionar em turno único a partir de 2016. Para os jovens, teremos uma unidade de ensino técnico e um centro vocacional tecnológico, com cursos de qualificação profissional. A maior parte das unidades, porém, ficará no mesmo local, ao lado da Vila Olímpica. Pág. 8 e 9

Elisângela Leite

Ano V, No

Alunos e responsáveis reivindicam

Centro de Artes Lona da Maré Pág. 14

Aramis Assis

Descriminalizar as drogas ajuda? Pág. 10 e 11

Pais, responsáveis e estudantes elaboraram em conjunto um Plano Local de Educação, pedindo mais diálogo e transparência, melhorias salariais para os professores, turmas com menos alunos, estratégia de resolução dos problemas que impedem a regularidade das aulas, entre outros pontos. Pág. 6 e 7

CHACINA DA MARÉ

Um ano de luto e indignação Centro de Artes Pág. 13 Lona da Maré Pág. 14

A chacina da Maré completa um ano em 25 de junho. Em artigo, Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré, sinaliza que o inquérito sobre a maior parte das mortes está seguindo a lógica da “resistência seguida de morte”. É necessário, diz ela, dar fim a esta terminologia que legitima até uma ação de vingança praticada por agentes do Estado. Pág. 12 e 13


Futebol ajudando a superar as fronteiras

Democracia participativa na Maré Esta edição nos leva a refletir sobre o significado de democracia participativa e deliberativa. Trata-se de um processo no qual os cidadãos não apenas votam, mas também buscam participar efetivamente e interferir nas políticas públicas – algo ainda em construção no Brasil, que vai além da avaliação e da crítica, também necessárias e de suma importância.

Texto, foto e pesquisa: Gilson Silveira, pesquisador do Numim / Redes da Maré

A diferença é que a busca por espaços de participação requer diálogo com os representantes do Estado, na tentativa de se alcançar os desejos dos cidadãos. E é exatamente isso que estudantes e responsáveis buscaram ao construir um plano local de educação para a Maré, que será entregue e debatido com a prefeitura, conforme reportagem publicada nas páginas 6 e 7. O Maré de Notícias, desde seu lançamento em dezembro de 2009, vem pautando uma série de debates promovidos por participantes que possuem esta postura, a de dialogar com o poder público e insistir, reunindo cada vez mais pessoas, até que sejamos ouvidos. A todos e todas, boa leitura e bom debate!

Seminário reunirá empreendedores da Maré e lançará guia de comércio Dia 24 de julho, haverá o “I Seminário de Empreendedores da Maré: compartilhando experiências e possibilidades”, com o objetivo de debater as características socioeconômicas locais e contribuir com a elaboração participativa de políticas públicas. Estão convidados comerciantes, prestadores de serviço, representantes de instituições locais e demais interessados. Durante o seminário será lançado o “Guia de Comércios e Serviços da Maré”, iniciativa que faz parte do Censo Maré, organizado pela Redes da Maré em parceria com o Observatório de Favelas. Veja abaixo como se inscrever e participe! Seminário de Empreendedores da Maré Quinta-feira, 24/07/2014, de 17h30 às 22h Centro de Artes da Maré (CAM) - Rua Bittencourt Sampaio, 181. Nova Holanda (altura da Passarela 10 da Av. Brasil) Inscrições: de 06 de junho a 23 de julho - Pelo site: redesdamare.org.br Ou na secretaria da Redes: Rua Sargento Silva, 1012 - Nova Holanda

Associação de Moradores do Conjunto Marcílio Dias

Centro de Referência de Mulheres da Maré - Carminha Rosa

Instituição Proponente

Associação de Moradores do Conjunto Pinheiros

Conexão G Conjunto Habitacional Nova Maré

Diretoria

Associação de Moradores do Morro do Timbau

Conselho de Moradores da Vila dos Pinheiros

Expediente

Redes de Desenvolvimento da Maré Andréia Martins Eblin Joseph Farage (Licenciada) Eliana Sousa Silva Edson Diniz Nóbrega Júnior Helena Edir Patrícia Sales Vianna

Instituição Parceira

Observatório de Favelas

Apoio

Ação Comunitária do Brasil Administração do Piscinão de Ramos Associação Comunitária Roquete Pinto Associação de Moradores e Amigos do Conjunto Bento Ribeiro Dantas Associação dos Moradores e Amigos do Conjunto Esperança

Associação de Moradores do Parque Ecológico Associação de Moradores do Parque Habitacional da Praia de Ramos

Proj. gráfico e diagramação Pablo Ramos

Logomarca

Luta pela Paz

Monica Soffiatti

União de Defesa e Melhoramentos do Parque Proletário da Baixa do Sapateiro

Colaboradores

União Esportiva Vila Olímpica da Maré

Associação de Moradores do Parque Maré

Editora executiva e jornalista responsável

Associação de Moradores do Parque Rubens Vaz

Silvia Noronha (Mtb – 14.786/RJ)

Associação de Moradores do Parque União Associação de Moradores da Vila do João

Fotógrafa

Elisângela Leite

Editor assistente

Anabela Paiva André de Lucena Aydano André Mota Eliana Sousa Silva Flávia Oliveira Numim/ Redes da Maré

Coordenadores de distribuição

Luiz Gonzaga Sirlene Correa da Silva

Hélio Euclides (Mtb – 29919/RJ)

Associação Pró-Desenvolvimento da Comunidade de Nova Holanda Biblioteca Comunitária Nélida Piñon

Leia o Maré e baixe o PDF em www.redesdamare.org.br

Repórteres e redatores

Aramis Assis Fabíola Loureiro (estagiária) Rosilene Miliotti

/redesdamare

Impressão

Gráfica Jornal do Commercio

Tiragem

40.000 exemplares

@redesdamare

Redes de Desenvolvimento da Maré Rua Sargento Silva Nunes, 1012, Nova Holanda / Maré CEP: 21044-242 (21) 3104.3276 (21)3105.5531 www.redesdamare.org.br comunicacao@redesdamare.org.br Os artigos assinados não representam a opinião do jornal.

Parceiros:

O futebol é “uma paixão nacional” e para algumas pessoas faz parte de sua própria identidade, uma identidade que não é só partilhada por aqueles que fazem parte do espetáculo, mas também pelo local onde tudo nasce e acontece. O Núcleo de Memória e Identidade dos Moradores da Maré (Numim), da Redes da Maré, passou uma agradável manhã de sábado com o senhor Ademir Ferreira, de 63 anos, morador de Nova Holanda, que nos contou como se envolveu com um dos mais tradicionais times de futebol da Maré, o Flexa.

po ficou parado e ninguém podia jogar porque havia o perigo de tiroteio. Ficou interditado durante um bom tempo. Uma vez, lembro bem disso, alguém chegou falando ‘o campo tá funcionando!’, aí fomos lá. Já não era aquele campo grande de 11, alguns barracos tinham invadido o espaço e ficou campo de society (onde jogam apenas oito pessoas). O campo nessa época não era como é hoje, que é cercado, com o gramado sintético, era de terra batida. Tinham vários times já, assim que o campo voltou à ativa. Tinha um time muito bom chamado Palmerinha, e nós não tínhamos um time na época. Esse time que jogava tinha um horário fixo, todo sábado às três horas da tarde era esse Palmerinha, time do ‘Cabeleira’, um menino que já faleceu também, infelizmente, e que tinha uns caras muito bons de bola e que se juntaram com esse pessoal de cá da família Jorge e nós ficamos com o horário deles. Dessa junção, surgiu o Flexa. Quer dizer,

Depoimentos como este retratam como o futebol marca a identidade dos moradores da Maré e de como o esporte ajudou a integrar as diversas comunidades. Os campeonatos e partidas de futebol, disputados em campos localizados em várias partes da Maré, eram momentos também de encontros, celebração e alegria. A constituição dos times e a organização de campeonatos envolviam muitas pessoas e ajudaram a consolidar os laços comunitários. O futebol, com sua universalidade, ajudou a superar muitas das “fronteiras” invisíveis que dividiam a Maré. A seguir trechos do relato de Seu Ademir.

Seu Ademir conta sobre o Flexa “O Flexa surgiu de uma ideia do Tiãozinho, que foi fundador, do falecido Martinho, que também era fundador, ‘Banana’, que era o irmão mais velho, que era o chamado craque da família, jogava muita bola, e Amauri também. E a esses quatro irmãos juntaram-se mais algumas pessoas e o time foi fundado. O campo da Paty (no Parque Maré) que era um campo de 11 e parou por uma série de circunstâncias (...) o cam-

não tinha o nome de Flexa, um amigo até me perguntou, o Timbira, se eu tinha alguma sugestão para dar em relação ao nome. Naquela época eu que ficava com negócio de ‘águia de ouro’, ‘raio de sol’ essas coisas, daí um dia ouvi falarem: ‘Vamos lá no campo ver o Flexa jogar’. Eu pensei ‘que Flexa?’, ninguém sabia o que era Flexa. Aí quer dizer, foi paixão à primeira vista. Nessa época não havia campeonato. Cada time tinha o seu horário. Então a gente jogava contra times que tinham outro horário ou que não tinham horá-

ARTIGO

Editorial

3

LEMBRO, LOGO EXISTO - Memória e Identidade

rio. Até que uma vez alguém, que não sei quem, resolveu organizar um campeonato. E nós começamos a participar de campeonato a partir daí. Isso foi em 1987 já. Nós ganhamos os dois primeiros campeonatos que foram realizados aí, de forma invicta até, dois campeonatos sem perder pra ninguém. Por isso que antes dessa pausa que o time está sofrendo agora, nós tínhamos na camisa duas estrelas douradas para simbolizar esses dois títulos. E foi um total de 12 títulos que nós conquistamos. Não só aqui, pois nós fomos campeões na Vila do João, no campeonato de lá. Campeonato do Rubens Vaz. Teve um campeonato aqui no Latão, campo extinto, que é aqui atrás também. Foram 12 no total. Eu comecei a me envolver mais com o time muito em função do Reco, que jogava muito, o cara é que me levava pro campo para ver o jogo do Flexa. Eu ia mais pro campo para vê-lo jogar e indo tomei um gosto muito grande e quando Martinho, que embora fosse o irmão mais novo, era o cara que tinha mais iniciativa. Martinho era o líder, mas depois resolveu abandonar. E algumas pessoas vieram falar pra mim: Poxa Ademir, o Flexa vai acabar’ e me perguntaram se eu não queria assumir. Primeiro como treinador, treinador é força de expressão, aqui ninguém é treinador. Então, uma vez um dia das mães, que a gente jogou contra o Cascavel, era uma coisa até tradicional, na época, todo dia das mães jogavam Cascavel X Flexa. Nesse ano houve um empate, apesar da discrepância entre os dois times, pois o Flexa era muito melhor. Houve uma crise desse empate, então o Tião me convidou para ser o treinador e eu aceitei. Mais tarde com a ameaça de terminar o time, eu já gostando tanto de ser treinador resolvi ficar com o time, foi quando eu assumi. Não sei a data, mas desses 36 anos eu fiquei bem uns 28, 29 ou até 30 anos à frente do Flexa.”

Maré de Notícias No 54 - junho / 2014

HUMOR - André de Lucena: “Fora de moda”

Reprodução

Maré de Notícias No 54 - junho / 2014

EDITORIAL

2


Rosilene Miliotii

Elisângela Leite

Maré de Notícias No 54 - junho / 2014

José Maciel, da Vila do João

do Rua 1, também na Vila

João

A Copa da polêmica Críticas aos gastos com a Copa tomam conta também da Maré, mas não impedem a torcida Silvia Noronha

Dias antes do início dos jogos do Mundial, o visual na Maré era bem diferente das Copas anteriores.A animação dos moradores para decorar as ruas foi bem mais tímida este ano do que em 2010, mas aos poucos o verde e o amarelo foram surgindo aqui e ali. Pelas conversas era possível perceber que as críticas sobre os gastos públicos com os megaeventos Copa e Olimpíada estavam presentes também pela Maré. “Eu nem estava animado desta vez, mas uma vizinha apareceu com um pacote de fita verde e amarela e aí começamos a arrecadar dinheiro com o pessoal. É muita polêmica, mas é tradição da nossa rua”, explica Carlos Friedrich, o Fred, morador da Rua 1, uma das primeiras situadas na Vila do João a pendurar bandeirinhas. Nos dias de jogo do Brasil, a programação inclui telão na rua e música no final. “A gente precisa de muita coisa, saúde, educação, concordo com a polêmica, mas brasileiro gosta

de futebol, né, então vou torcer”, ressalta Fred. Muitas pessoas com quem o Maré de Notícias conversou têm opinião semelhante, a exemplo do presidente da Associação de Moradores da Vila do João, Marco Antonio Barcellos, o Marquinho Gargalo. Na Copa de 2010, ele instituiu até uma premiação para as ruas mais enfeitadas. Este ano não haverá prêmio, mas a torcida pelo Brasil está garantida. “Estou sentindo que as pessoas levam o evento para o lado político”, diz ele, que apoia as manifestações, mas vai sim torcer para o Brasil. “Podiam ter feito um plebiscito para ver se o povo queria a Copa no Brasil. Queríamos mais hospitais funcionando e outros serviços públicos, é verdade, mas agora é preciso usar o bom senso. Quem não quer o Brasil campeão?”, questiona ele. José Maciel, morador da Travessa 4, uma das ruas premiadas na Copa de 2010, também sente diferença no clima. “Investiram muito nessa Copa e estamos vendo saúde e segurança pública horríveis, mas sou brasileiro. Estou confiante de que a taça vai ficar aqui.” Na Vila do Pinheiro, uma das primeiras ruas enfeitadas foi a Travessa 8, onde os moradores contribuíram com R$ 5 cada um para

alegrar o visual. Antônia Monteiro de Lima aprovou. “A ideia é ver o jogo na rua. Fica bom para caramba, com bebida, comida e os vizinhos reunidos”, conta.

Na edição nº 51 do Maré de Notícias apresentamos duas hortas comunitárias. Agora vamos falar da Roça, uma loja criada em 2011 a partir do desejo de quatro amigos que sonhavam com um espaço de encontro na Maré. Geandra Nobre, uma das fundadoras, queria que o local fosse mais do que um bar e reunisse atividades culturais. “Pensamos muito até chegar na ideia da Roça, um espaço onde tivesse produtos orgânicos e naturais. No início vendíamos apenas por e-mail e fazíamos a entrega em domicílio”, lembra. Do virtual, eles foram para a feira do Morro do Timbau até que conseguiram comprar uma loja na mesma comunidade, com apoio de uma instituição alemã. A loja é dividida entre o trabalho da cooperativa, que vende os produtos com objetivo de gerar renda, e o Espaço Comunitário, que pode ser usado

por qualquer pessoa que precise de um local para realizar uma atividade coletiva. ”O grande desejo é construir um espaço econômico que possa gerar renda”, diz ela, após informar que a iniciativa ainda não dá lucro, mas se mantém sem financiamento. Apesar de inicialmente o grupo ter pensado como público alvo os jovens e frequentadores de academia, as pessoas que mais compram os produtos são os idosos. O que eles mais procuram é a farinha de linhaça. “Temos uma política de economia coletiva, por isso os produtos são mais baratos do que nas lojas. O nosso arroz integral de 500g custa R$ 3,20, enquanto na concorrência custa R$ 7,40. Dá para vender esses produtos mais baratos, mas a impressão que temos é que esses alimentos são artigos de luxo e nem todo mundo pode consumir”, critica Geandra. Timo Barcholl, geógrafo alemão, morador da Maré há cinco anos e também fundador da Roça, explica que a economia coletiva é diferente, porque é tida como meio para uma causa mais ampla. Por isso, o espaço está aberto para outros tipos de encontros e para questões comunitárias que vão além do aspecto econômico de um comércio.

Cerveja de favela Produção de cerveja artesanal na favela? Sim, é nisso que a Roça e pessoas de outras favelas estão pensando. Em 2013 aconteceu um encontro de economias coletivas na Maré com o objetivo de refletir “que economia a gente quer?”. De acordo com Geandra, a partir desse encontro veio a ideia da produção de cerveja artesanal. “Vamos criar um núcleo em várias favelas para que as pessoas possam produzir sua própria cerveja e revender. A base será no Morro da Babilônia, no Leme. Hoje, a cerveja que a maior parte das pessoas consome está cheia de milho transgênico, não é uma cerveja pura, a composição é a base de cereal e industrializada”, explica Geandra. “É possível que em 2015 a gente já tenha a cerveja produzida aqui. Cada local vai ter uma receita. Aqui nós teremos vários tipos. Eu quero pilsen, a Geandra já pensa em um tipo com especiarias como pimenta rosa, por exemplo”, adianta Timo. Ele acredita que esse tipo de produto possa chamar a atenção dos moradores tanto para a importância dos produtos orgânicos como para que eles vejam a diferença entre uma cerveja industrializada e a artesanal.

Pluralidade de opiniões Nem tudo será festa. Um grupo de moradores está organizando uma decoração em forma de protesto na Rua São Jorge, na Nova Holanda. A escolha é uma referência simbólica à chacina da Maré, que completa um ano durante a Copa. Nessa rua, três pessoas foram mortas em uma mesma casa, na madrugada de 24 para 25 de junho do ano passado, na operação do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar (Bope) que vitimou nove pessoas. Os crimes ocorreram após um sargento ter sido morto. Assim, seja comemorando com as vitórias da seleção brasileira de futebol, seja protestando contra os gastos com a Copa, o importante é que o espírito democrático se fortaleça e se amplie. Que todos possam expressar o que pensam e se manifestar do jeito que acham mais justo. Pode ser enfeitando as ruas, organizando o churrasco com os vizinhos ou realizando atos e manifestações de contestação. O fundamental é garantir a pluralidade de opiniões. Todos têm o direito de manifestar suas ideias. Respeitar esse direito é fundamental para construirmos uma sociedade mais democrática, tolerante e aberta ao diálogo.

O casal Geandra e

Timo, fundadores da Roça

Castanha, mel e pão de mel, entre outros produtos à venda no Timbau

Roça Produtos Orgânicos e Naturais Aberta às segundas, quintas e sextas a partir das 16h. Toda segunda tem atividade para crianças, com filme e debate. Rua Caetés, 82, Timbau. Para saber mais, visite o site: roca-rio.com

(!)

SUSTENTABILIDADE

Na Maré, produtos orgânicos não são artigos de luxo e podem ser encontrados com bom preço. Em breve teremos até cerveja artesanal pura e sem transgênico produzida na favela

5

Maré de Notícias No 54 - junho / 2014

Alimento saudável perto de casa

Silvia Noronha

ESPORTE

4


Por uma escola mais

DEMOCRÁTICA Responsáveis e alunos pedem mais diálogo com as escolas, transparência nos gastos, eleições para a diretoria e para o Conselho Escola Comunidade, entre outros pontos

Aramis Assis

Construir um Plano Local de Educação para as escolas públicas da Maré. Este foi o objetivo do II Seminário de Estudantes e Famílias da Maré, que aconteceu em 31 de maio, na Escola Municipal Clotilde Guimarães, em Ramos. Cerca de 100 pais e responsáveis, 58 crianças, além de integrantes da equipe do Programa Criança Petrobras na Maré (PCP Maré) participaram do evento. O plano (leia na página ao lado), a a ser entregue à 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), reivindica pontos específicos da estrutura e do ensino das escolas de seus filhos. Entre os itens estão mais diálogo e transparência, melhorias salariais para os professores e turmas com menos alunos. O seminário aconteceu como continuidade das discussões do Grupo de Pais e de outros espaços de debate do PCP Maré, com o objetivo de estimular a reflexão e a participação nos assuntos relativos à escola e à comunidade. Os pais foram divididos em dois eixos de discussão. Um deles debateu orçamento participativo e Conselho Escola Comunidade da Maré (CEC) e o outro currículo escolar. As propostas visam atender as reais necessidades da Maré, considerando este momento em que a prefeitura anuncia novos investimentos na rede de educação local (leia sobre este tema nas páginas 8 e 9). Convidada para o evento, Sirlene Corrêa da Silva, mãe representante do Ciep Hélio Smidt e do CEC, considera fundamental a ida periódica dos responsáveis à unidade escolar para acompanhar de perto a educação dos filhos. Mãe de dois alunos da Escola Municipal Armando de Salles Oliveira, a manicure Estefânia Pereira dos Santos, também integrante do CEC da Maré, defende a

melhoria do plano pedagógico nas escolas e maior participação dos pais nesse processo. Ela critica a condição precária da estrutura e da merenda em várias unidades.

Muito trabalho pela frente Também presente ao seminário, Antônio Arcanjo, diretor do Hélio Smidt, afirma que o encontro deveria ter mais participação dos pais, mas quem estava presente se mostrou comprometido em fazer uma educação diferente. Para Antônio “ainda há muito trabalho pela frente, de sensibilizar o outro de que a educação é a ferramenta para a construção de um mundo melhor, de pessoas melhores.” Julia Ventura, coordenadora do PCP Maré, ressalta que a participação dos pais no

seminário é um ato democrático. “A democracia não é só votar, é se organizar de livre e espontânea vontade para pensar na melhoria da nossa educação; é o indivíduo dizendo o que é melhor para si e para sua comunidade. É impossível não pensar na escola pública de qualidade como a melhor possibilidade de uma vida digna para nossos filhos.” Segundo ela, a aplicação do documento gerado no seminário depende da pressão de todos os envolvidos com a educação na Maré. “Trabalharemos para cobrar respostas rápidas e eficazes em relação às demandas apresentadas”, enfatiza Júlia. O evento contou com atividades de arteeducação para as crianças presentes, realizadas pelos educadores do PCP Maré, como exposições de desenhos,

“Democracia não é só votar, é se organizar de livre e espontânea vontade para pensar na melhoria da nossa educação.” Julia Ventura

Educação

7

de vídeos, contação de histórias e apresentação das oficinas de Flauta e de Circo que acontecem, respectivamente, no Ciep Hélio Smidt, em Rubens Vaz, e na Escola Municipal Armando de Salles Oliveira, na Praia de Ramos. Em julho, acontecerá o IV Seminário de Educação da Maré, reunindo desta vez também os professores, demais profissionais das escolas públicas locais e representantes da Secretaria Municipal de Educação (SME). O local e o dia estão sendo definidos.

Cerca de 200 pessoas participaram ativamente do seminário

Sirlene:“Pais devem acompanhar de perto a educação dos filhos”

(!)

CONHEÇA AS PROPOSTAS DOS ESTUDANTES E RESPONSÁVEIS Orçamento participativo e CEC a. Exigir da Secretaria Municipal de Educação (SME) o funcionamento efetivo do Conselho Escola Comunidade da Maré (CEC); b. Garantir reuniões periódicas entre representantes dos responsáveis do CEC e os demais responsáveis com exigência de listagem de presença a ser encaminhada à 4ª CRE ou SME; c. Exigir da escola a criação de estratégias de resolução dos problemas que impedem a regularidade das aulas; d. Publicizar os recursos que a escola recebe e apresentar os comprovantes dos gastos realizados; e. Participar das decisões sobre como gastar o orçamento federal destinado à educação; f. Garantir ampla divulgação para a comunidade escolar sobre o que é o CEC; g. Garantir eleições para a direção da escola e membros do CEC; h. Criar um fórum dos conselheiros dos CECs da Maré reconhecido pela SME.

Currículo a. Diminuir o número de alunos por turma; b. Garantir melhorias salariais para os professores; c. Garantir/promover igualdade de direitos para todos e todas; d. Promover noções de política e direitos humanos; e. Garantir arte na escola; f. Promover parcerias que garantam projetos como o PCP e palestras nas escolas; g. Garantir a limpeza das salas; h. Criar instrumentos novos e para todos nas aulas de música; i. Garantir uma escola prazerosa para toda a comunidade escolar; j. Promover espaços para a participação política de pais na escola; k. Garantir a presença de profissionais capacitados nas escolas para garantir o acesso digno de crianças com deficiência à educação.

Maré de Notícias No 54 - junho / 2014

Maré de Notícias No 54 - junho / 2014

EDUCAÇÃO

6


Maré terá novas escolas

Educação

Prefeitura prevê mais 20 novas unidades escolares e melhoria de 16 existentes para que todas as crianças da Maré estudem em turno único até o final de 2016. Governo do estado anunciou investimento em educação técnica

Hélio Euclides

O prefeito Eduardo Paes, em sua vinda à Maré em abril, anunciou a criação de um Campus Educacional, ao lado da Vila Olímpica, com cinco unidades Primário Carioca (1º ao 6º ano), um Espaço de Desenvolvimento Infantil (EDI) e um Ginásio Carioca (7º, 8º e 9º anos). Logo em seguida, o governo do estado divulgou a construção de Centro Vocacional Tecnológico (CVT) com horário integral e uma escola de Ensino Médio Técnico, ao lado do novo complexo da prefeitura, ambos na Nova Holanda. Aramis Assis

Maré de Notícias No 54 - junho / 2014

9

Além das sete novas construções centralizadas, a prefeitura prometeu um EDI no terreno do Ciep Hélio Smidt e outras 12 unidades escolares em local ainda não divulgado, totalizando 20 novos espaços, para que toda a região funcione em turno único até o final de 2016. No geral, serão a mais sete EDIs, 10 escolas primárias e três de ginásio. Ao final de 2016, caso as previsões se concretizem, a Maré contará com 50 unidades escolares da prefeitura. Hoje são 18 escolas, seis creches e seis EDIs. Segundo o titular da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), professor Eduardo Alves Fernandes, o início das obras está previsto para julho deste ano. Ele detalha que também estão previstas reformas com ampliação em quatro unidades escolares existentes e melhorias e revitalizações da estrutura de outras 12. Conforme o planejamento da Fábrica de Escolas, cinco dessas novas unidades (1 EDI, 2 Primários e 2 Ginásios) serão inaugurados em 2015 e os outros 14 restantes em 2016. Ainda não há informações sobre prazos a respeito da construção do EDI do Ciep Hélio Smidt, obra sob a responsabilidade da Secretaria Municipal de Habitação.

Marcílio Dias de fora

“Estamos ansiosos com as novas construções prometidas. Só que pelo tamanho da Maré, a escolha de um local só não agraciará a todas.” Osmar Camelo, da Associação do Timbau colégio”, comenta. Segundo ele, a falta de creche é outro ponto fraco. Edmilson tenta agora reverter este quadro.

A moradora de Marcílio, Ana Lúcia do Nascimento, diz que a comunidade tem quatro creches e uma escola, todas particulares, e apenas um pequeno colégio público, a Escola Municipal Gonzaguinha. “Acredito que aqui merecia ter uma creche pública”, suplica.

Planos do governo do estado Já o governo do estado promete construir um Centro Vocacional Tecnológico (CVT), a funcionar em horário integral para atender a cerca de 1.800 alunos por ano em cursos de qualificação profissional, com duração de 12 a 20 semanas. Prevê também uma escola de Ensino Médio Técnico, com capacidade para 350 alunos. Este Complexo de Educação da Maré será erguido em um terreno ao lado do 22º Batalhão de Polícia Militar, a cargo da Fundação de Apoio à Escola Técnica, da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia (Faetec). A presidente da instituição, Maria Cristina Lacerda, explica que um estudo

Elisângela Leite

Elisângela Leite

O terreno do Ciep Hélio Smidt, em Rubens Vaz, terá um EDI

Eduardo afirma que as salas de aulas das novas unidades serão construídas para abrigar, no máximo, 30 alunos no Primário e 35 no Ginásio. Ele lamenta informar que algumas comunidades não serão agraciadas. “Embora eu ainda não saiba da localização exata das unidades, posso adiantar que as regiões da Praia de Ramos e de Marcílio Dias não fazem parte dessas áreas prioritárias para a construção. Ou seja, para essas regiões não há, por enquanto, previsão para novos equipamentos”, relata.

O presidente da Associação de Moradores de Marcílio Dias, Edmilson Joaquim da Silva, recebeu a informação com pesar. “É uma pena que não haja projetos para cá, estamos abandonados pelo poder público. Um local com 63 anos que não acontece nem a ampliação de sua escola. O aluno termina a 4ª série e tem que correr atrás de outro

Outras novidades da prefeitura

Terreno do governo do estad o, ao lado do º BPM, com os primeiros sinais22de obra

Terreno da prefeitura, bem ao lado, sem obras ainda

está sendo realizado para identificar a vocação profissional que melhor atenda à população local. Os cursos de qualificação serão oferecidos com base nesta análise. O início da obra está previsto para o segundo semestre deste ano, com custo estimado em R$ 13 milhões. O presidente da Associação do Morro do Timbau, Osmar Camelo, avalia que a educação só seria plena se as construções fossem em todas as áreas da Maré. Sua análise toma por base os documentos do Maré que Queremos, projeto lançado pela Redes da Maré que desde 2010 reúne os líderes comunitários em busca de melhorias estruturantes para as 16 favelas, do Conjunto Esperança a Marcílio Dias. “Estamos ansiosos com as novas construções prometidas. Só penso que pelo tamanho da Maré, a escolha de um local só não agraciará a todas. Foi prometida muita coisa, só estamos com medo, pois a coisa acalmou”, ressalta ele, com receio de que os projetos não sejam concretizados.

(!)

Dirigentes das Associações de Moradores das 16 comunidades da Maré estão cobrando da prefeitura a implantação de um plano local de atuação da Comlurb, que atenda as reais necessidades locais. No dia 10 deste mês de junho, os líderes estiveram reunidos com a representante da prefeitura na Maré, Terezinha Lameira, que pediu um pouco de paciência. “A intenção é atender a Maré como bairro”, explica ela. Entre as principais reivindicações está aumentar o número de garis para varredura das ruas e também para os caminhões. Outra novidade foi anunciada por Terezinha: até julho, a Clínica da Saúde da Família Augusto Boal passará a contar com aparelho de ultrassonografia. Falta ainda o Raio-x também prometido, porém sem data para ser instalado.

Maré de Notícias No 54 - junho / 2014

Educação

8


Maré de Notícias No 54 - junho / 2014

BOM OU RUIM Convidados de fora e da Maré debatem aspectos positivos e negativos da regulação das drogas

Rosilene Miliotti Davi Marcos / Observatório de Favelas

Na edição passada do Maré de Notícias, debatemos o tema das drogas a partir das visitas à comunidade do neurocientista norte-americano Carl Hart e do especialista brasileiro em segurança pública Luiz Eduardo Soares. No fim de maio, a Maré aprofundou o debate com o projeto Rio Sem Fronteiras, do jornal O Dia, que teve como tema “A favela e as drogas: descriminalizar ajuda?”. Realizado no Observatório de Favelas, o evento teve por objetivo discutir os possíveis efeitos da descriminalização do uso de drogas nos espaços populares, locais que historicamente sofrem com a falta de direito à segurança pública. A mesa do evento foi composta por especialistas contra e a favor da regulação das drogas no Brasil: Sergio Couto, conselheiro em dependência química; Jomar Braga, médico do Instituto Philip Pinel; delegado Orlando Zaccone, da Polícia Civil do Rio; coronel Mario Sergio, da Polícia Militar; Sebastião Araújo, o Tião do Instituto Vida Real; e Eduardo Alves, diretor do Observatório de Favelas. Sendo contra ou favor, os participantes ressaltaram que é preciso ampliar o debate. Recentemente, o Uruguai tornou-se o primeiro país do mundo a legalizar o cultivo da maconha e neste momento define qual será a forma de regulação. Outros países, como Portugal, apenas descriminalizaram o consumo da droga. Leia a seguir a opinião dos participantes.

Proibir também mata Para o delegado Orlando Zaccone, a proibição não afasta ninguém das drogas. “Quero discutir os efeitos letais da proibição. A criminalização já é o primeiro efeito lesivo da proibição, porque você cria um crime sem vítima. Se eu perguntar aos moradores da Maré qual o maior problema que as drogas trazem para essa comunidade, tenho certeza que os problemas oriundos da proibição são infinitamente superiores aos de consumo”. Zaccone também é secretário geral da Leap Brasil, organização criada nos Estados Unidos reunindo policiais e integrantes da justiça criminal que defendem a legalização, produção, comércio e consumo de todas as drogas. A instituição critica duramente a política de “guerra às drogas” estimulada pelo

?

HSBC foi investigado nos EUA por lavagem de dinheiro do tráfico do México. O Senado norte-americano aplicou uma multa de milhões de dólares e nenhum executivo do HSBC foi processado porque isso poderia trazer impacto para o sistema financeiro”, critica ele. Enquanto executivos não vão presos, o tráfico de drogas é o crime que mais encarcera mulheres no Brasil. “Quem são essas traficantes ‘perigosas’?”, ironiza Zaccone. “São mulheres que levam pequenas quantidades de drogas para os companheiros dentro dos presídios. E a delegacia que há mais de 20 anos é a primeira colocada em número de flagrantes em tráfico de drogas é a de Bangu. Só isso já é um argumento para acabar com a proibição porque prendemos traficantes e colocamos todos eles no lugar que mais registra flagrantes. Estamos alimentando e não estamos resolvendo nada.

Uma questão de saúde pública Eduardo Alves defende outro olhar da sociedade sobre a questão, que se baseie na saúde e não no modelo penal. Ele sugere acabar com o processo punitivo e proibitivo, tirar da criminalização e construir um projeto de lei que descriminalize a droga. “Temos que estabelecer políticas regulatórias que levem em consideração a diferença, esclarecer, estabelecer o local de venda, de uso, as condições, que permita fazer o cadastramento dos usuários que precisam de tratamentos diferentes de outras drogas, e isso não é possível com a legislação que temos hoje”, frisa. Jomar Braga, médico do Instituto Philip Pinel, lembra que hoje existe uma infinidade de drogas e que os tratamentos precisam ser diferenciados. “Estatisticamente o álcool ainda é a primeira droga. Quando chega ao fígado, provoca uma série de reações que vão da euforia à depressão”, explica.

Segundo o médico, um fator que complica o tratamento de outras drogas é a falta de medicamentos mais eficazes. “Há falta de vontade política em adquirir novas e modernas medicações. O tratamento de um alcoólatra leva pelo menos sete dias, mas de um usuário de crack, 20. Por outro lado, as instituições acham que 15 dias é muito tempo para tratar um dependente químico”, critica. Ele é a favor da regulamentação do uso medicinal da maconha.

de ajuda para sair do vício. Mas tem casos em que levo um jovem para se tratar e no dia seguinte ele está de volta. Levei um jovem para o centro de recuperação 11 vezes e ele virou pra mim e disse: Caramba, Tião, gosto de você porque você não desistiu de mim’. Esse rapaz já está há um tempo sem usar drogas, trabalhando e com a família. Isso me motiva a ajudar”, conta.

Sergio Couto, por sua vez, faz ponderações. “Sou contra a liberação da maconha, mas a favor da regulação e de estudos para viabilizar o uso que auxilie na saúde das pessoas. Eu passo todos os dias por garotos que sofreram com o uso da maconha”.

O coronel Mario Sergio, que comandou o Batalhão da Maré (22º BPM) entre 2004 a 2006, é contra a legalização e a descriminalização das drogas, mas acha que a sociedade precisa debater mais o assunto. “As pessoas deixam de usar drogas porque têm medo da lei. Eu não sou a favor da legalização, mas precisamos discutir mais, avaliar prós e contras. Não há certo ou errado, o que vai haver é o pacto social”, afirma ele. O entendimento de todos os presentes é de que este debate está apenas começando, a partir da necessidade de o Brasil rever sua política de combate às drogas.

Contra a descriminalização Ex-dependente químico, Tião, do Vida Real, é contra a liberação do uso de drogas. “Após a entrada do Exército na Maré, aumentou o número de jovens que me procuram em busca

“Se eu perguntar aos moradores da Maré qual o maior problema que as drogas trazem para essa comunidade, tenho certeza que os problemas oriundos da proibição são infinitamente superiores aos de consumo”

Delegado Orlando Zaccone

governo norte-americano mundo afora. “Nossa sociedade se estabelece com atos hipócritas. Eles falam que estão preocupados com a saúde, mas mentem porque se estivessem mesmo não haveria propaganda de álcool e nem de remédio na TV”. O delegado lembra que o comércio de drogas ilícitas é a quarta maior economia do mundo, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), e que certamente todo esse dinheiro não está nos guetos e nas favelas do mundo. “Onde está a quarta maior economia do mundo? Está no sistema financeiro. Recentemente o banco

Enquanto isso, pessoas que nunca usaram drogas estão morrendo em uma guerra sem fim”, declara. Zaccone ressalta que a droga que mais registrou redução de consumo foi o tabaco, em função de uma política pública estabelecida com esta finalidade. “Por que é que no ambiente social nós fazemos distinção de quem cheira cocaína é produtivo, é candidato à presidência, trabalha na Bolsa de Valores de São Paulo, mas quem usa crack é um zumbi?”, questiona. Para ele, as drogas fazem mal, porém a situação piora quando são proibidas. Demais palestrantes ouvem Eduardo, do Observatório, defendendo um olhar de saúde pública sobre a questão e não mais o modelo penal

Segurança Pública

SEGURANÇA PÚBLICA

Descriminalizar as drogas:

11

Maré de Notícias No 54 - junho / 2014

10


13

Chacina da Maré completa um ano e nos lembra: é preciso acabar com o termo ‘autos de resistência’ Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré e da Divisão de Integração Universidade Comunidade (Diuc/PR-5/UFRJ)

A noite de 24 e a madrugada de 25 de junho de 2013 ficarão na memória dos moradores da Maré e da cidade do Rio de Janeiro pela tristeza. Durante uma operação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), dez pessoas foram mortas em um episódio que deu visibilidade à violência que caracteriza os conflitos entre os grupos criminosos armados e as polícias.

apresentados, ao vivo, em um canal de TV. Um grupo de agentes de segurança pública entrou na Maré e, logo de início, foi morto um dos policiais. A partir dali, segundo os depoimentos dos moradores, houve uma sequência de ações brutais em diferentes locais, aparentemente como forma de vingar o policial morto.

gada sangrenta, gerou uma reação das autoridades, que deram agilidade à investigação. No mesmo dia das mortes foram iniciadas as Marcado pela dor e perda de vidas como tanperícias pela Polícia Civil, que acompanhei, tos outros, o evento foi, no entanto, singular juntamente com integrantes da Comissão de pela forma como a população local se mobiDireitos Humanos da Aslizou para imsembleia Legislativa do Espedir tragédia “É importante enfatizar que tado (Alerj), de instituições maior e garantramita no Congresso Nacional que trabalham na Maré e tir alguma rerepresentante do Ministério percussão dos Projeto de Lei de número Público estadual. eventos ocorri4471/2012 que propõe o fim Foram necessários muitos dos e, também, como consede registro nas delegacias de dias para identificar as quência desse vítimas e convencer seus um número significativo de processo, pela familiares a contribuir com forma como se depoimentos e pistas para homicídios que acontecem, iniciaram as as investigações da DH. investigações normalmente, em momentos de Um número significativo de pela Polícia Ci- confronto com as polícias como testemunhas se dispôs a vil, através da vencer o medo de falar – Divisão de Ho- autos de resistências seguidas fato incomum no contexto micídios (DH). das favelas cariocas. A de morte” participação dos familiares, No bojo das apesar das dificuldades manifestações que marcaram o mês de junho históricas inerentes a esse processo, foi de 2013 no Brasil, instituições e indivíduos determinante para o que se acumulou sobre atuantes na Maré realizaram um protesto no os possíveis esclarecimentos dos fatos de lá dia 2 de julho daquele ano, sete dias após as até o momento. mortes. Moradores do Complexo e de vários cantos da cidade, num misto de revolta e Infelizmente, não houve, ainda, o anúncio final busca por justiça, se reuniram e tornaram as pela DH dos resultados das investigações. mortes na Maré parte da pauta das reflexões Dos 10 atingidos, um era sargento do Bope. sobre a ação das polícias do Rio. As operações, no Parque Maré, na Nova Holanda e no Parque União, três das 16 A repercussão mundial da tragédia nas mífavelas da Maré, foram motivadas por furtos dias sociais e imprensa, após aquela madrua transeuntes na Avenida Brasil, filmados e

Após um ano dos tristes acontecimentos na Maré, o responsável pelas investigações,

“Presume-se, já que ainda não foram finalizados os inquéritos, que em oito houve “resistência seguida de morte”, o que significa dizer que de vítimas essas pessoas serão apontadas como autores das mortes num contexto de confronto com a polícia” o delegado Rivaldo Barbosa, informa que o trabalho será concluído em breve e apresentado à sociedade. As perícias realizadas indicam que uma das mortes – a do policial – ocorreu no confronto com integrantes de grupos locais armados. Outras oito teriam sido, segundo a investigação, decorrentes de resistências seguidas de morte; e a última vitima trabalhava em um bar no momento em que a polícia, avançando para os fundos da favela Parque União, atirou na direção do estabelecimento comercial. É importante frisar que, após a entrada das forças federais militares na Maré, no início de abril, foram feitas novas perícias em locais onde ocorreram as mortes na região. As informações preliminares sobre as investigações já são suficientes para instigar a reflexão sobre mortes em favelas e periferias e sobre o esclarecimento de crimes em nosso país. Dos dez vitimados, presumese – já que ainda não foram finalizados os inquéritos – que em oito houve resistência seguida de morte. Isso significa dizer que, de vitimas, essas pessoas serão apontadas como autores das mortes num contexto de confronto com a polícia.

Apesar do esforço de registro e esclarecimento dos homicídios ocorridos na Maré em junho de 2013, será necessário muito mais Tramita no Congresso Nacional o projeto de lei tempo e determinação por parte das autonúmero 4471/2012, que propõe o fim da caracridades de segurança pública para que as terização dos homicídios que acontecem em populações de áreas de favela desenvolvam confronto com as policias como autos de rea confiança nas forças policiais. Os confronsistências seguidas de morte. Essa expressão, tos entre os grupos criminosos armados e que se tornou corriqueira, vem servindo para as polícias são quase sempre caracterizajustificar, historicamente, a falta de esclarecidos por abusos, falta de identificação dos mentos sobre muitas agentes e pela ações criminosas ende “A comprovação de que as mortes ausência volvendo profissionais procedimentos da segurança pública resultaram de uma vingança coloca o legais no trato e integrantes de grucom a populapos criminosos arma- Estado numa situação que exige uma ção das favedos. atenção e resposta das autoridades. las. Tudo isso, dúvida, É inaceitável que profissionais da sem O texto do projeto tem gerado sugere uma série de descrédito e segurança pública, que deveriam medidas para que dificultado as atuar na direção da proteção e do investigações estes delitos sejam, de verdade, investigados respeito à vida, sejam responsáveis desses casos. e punidos. Seria a chance de reduzir o por mortes brutais e injustificadas” Em outro asnúmero de processos pecto, a popuinvestigativos policiais lação de favenunca esclarecidos, gerando impunidade, las e periferias não reconhece e não confia abuso de autoridade e fraudes e atingindo nos procedimentos e formas de registro dos diretamente, de maneira perversa, pessoas órgãos investigativos no caso das violações, que não têm força para se contrapor na Justiça abusos e homicídios no contexto desses à ação equivocada do Estado . territórios. O medo impera e paralisa muitas

famílias que perderam seus entes queridos, sejam eles policiais ou civis, no sentido de se construir as evidências sobre como os fatos aconteceram e em que condições. Reconstituir as cenas desses crimes requer muito empenho e disposição das partes envolvidas. Acima de tudo, deve ter como pressuposto o fato de que é inaceitável que tantas pessoas sejam mortas e não haja esclarecimento e punição dos responsáveis.

Na Maré, os moradores ainda carregam as marcas das violências ocorridas naquela noite de junho, em que os tiros não paravam de soar. Além dos mortos nas ruas, que geraram perplexidade e revolta, foram muitas as violações ocorridas. Casas foram invadidas, portas quebradas, pertences revirados. Os moradores sofreram abordagens truculentas e ameaçadoras e o medo se instaurou de maneira generalizada. A comprovação de que as mortes resultaram de uma vingança pela morte do sargento do Bope coloca o Estado, através da Secretaria de Segurança Pública, numa situação que exige uma atenção e resposta das autoridades. É incompreensível e inaceitável que profissionais da segurança pública, que deveriam atuar na direção da proteção e do respeito à vida, sejam responsáveis por mortes brutais e injustificadas.

Maré de Notícias No 54 - junho / 2014

O luto da Maré

Fim dos autos de resistência

Segurança Pública

ARTIGO

Leite Elisângela

Maré de Notícias No 54 - junho / 2014

segurança pública

12


Arte – costura Lona cultural

Oficinas da Escola Livre de Dança da Maré Segunda-feira

Terça-feira

Dança de Rua Ballet Introdução ao ballet Dança contemporânea Consciência corporal Percussão Quinta-feira Ballet ES Dança contemporânea ATIVIDAD S! Dança criativa A RATUIT

Quarta feira

Dança Criativa Dança contemporânea

Sexta-feira

Dança de salão

Maré de Notícias No 54 - junho / 2014

G

Mostra Maré de Artes Cênicas “Inimigo do Povo”

Divulgação

sábado, 14/06, às 18h

R. Bitencourt Sampaio, 181, Nova Holanda. Programação no local ou pelo tel. 3105-7265 De 2 a a 6a, de 14h às 21h30

Adaptação do texto de Ibsen, pela Cia Código de Artes Cênicas, de Japeri, formada por jovens artistas da Baixada Fluminense. Excepcionalmente, o espetáculo de junho ocorre no dia 14 por causa da Copa do Mundo. Em julho, as apresentações voltam a acontecer no último fim de semana do mês.

Herbert Vianna

PROGRAME-SE ! www.redesdamare.org.br entrada gratuita

PROGRAMAÇÃO Festa Junina da Lona Com Os Três Forrozeiros Quarta, 18/06, às 21h

Baile Primitivo

Sexta, 27/06, às 21h

Biblioteca Popular Municipal Jorge Amado Ao lado da Lona, atende a toda a Maré: Amplo acervo, brinquedoteca, gibiteca e empréstimo domiciliar R. Ivanildo Alves, s/n - Nova Maré Tels.: 3105-6815 / 7871-7692 lonadamare@gmail.com FACE: Lona da Maré Twitter: @lonadamare

cultura

2ª feira, 8h às 10h

Desenho básico 2ª feira, 10h às 12h

Educação Ambiental 2ª e 4ª feira, 16h às 17h30 3ª feira, 10h às 11h30 e de 14h às 15h30

Design têxtil 4ª feira, 14h às 16h

Contação de história 5ª feira, 14h30 às 17h30

Artes visuais 5ª feira, 16h às 17h30

Skate Sábado, 9h às 12h

Oficina do movimento - dança Sábado, 10h às 12h

Complementação pedagógica Horário e local a confirmar

Maré recebe Flupp Brasil

15 Cultura

CULTURA

OFICINAS

O evento, que começou com uma partida de futebol no Campo da Paty, reuniu moradores da Maré e escritores de cinco países Rosilene Miliotti

Elisângela Leite Maré de Notícias No 54 - junho / 2014

14

Escritores do Brasil e de outros quatro países participaram da primeira Festa Literária das Periferias (Flupp) realizada na Maré, para debater sobre suas obras e a diversidade. Mas assuntos como a Copa no Brasil e a violência contra a mulher também surgiram durante o encontro. Inspirada na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), a Flupp é um projeto que se diferencia por buscar um processo continuado de formação de leitores e autores nas periferias. A ideia é promover encontros com autores profissionais para afirmar que é possível ser escritor. “O poder público ainda não leva fé na possibilidade de discutir literatura na periferia. Além disso, fomos educados a acreditar que não podíamos ser algo que prestasse, que dirá escritor”, afirma Ecio Sales, idealizador do projeto junto com Julio Ludemir.

Ana Maria e Aline, moradoras e escritoras na Flupp Maré

O evento aconteceu no Galpão Bela Maré, na Nova Holanda, no início de junho, contando na abertura com um jogo de futebol no Campo da Paty, no Parque Maré, disputada por escritores brasileiros e alemães. Entre os moradores presentes aos debates estavam Aline Melo, da Vila do Pinheiro, e Ana Maria de Souza, da Vila do João. Ambas gostam de escrever, principalmente poesia, mas também prosa. “Senti a necessidade de escrever contos infantis e recentemente lancei o livro ‘A fadinha Maria e sua boneca de pano’ e a venda ajuda a manter o projeto Maré Latina”, conta Aline. O projeto desenvolve atividades gratuitas, entre elas curso de espanhol.

As escritoras Muriel Diallo (da Costa do Marfim),Tatiana Salem Levy (luso-brasileira) e Marion Loire (França)

Autores da periferia em livro Antes de chegar à Maré, a Flupp Brasil passou pela periferia de Curitiba, Salvador e São Paulo. De acordo com Ecio, essa trajetória ajudou a acumular experiência e a travar diálogos com vários atores. Julio, por sua vez, diz que “hoje a Maré está no foco do Rio de Janeiro e que é preciso atrair olhares para cá que não sejam a mira de um fuzil.” A Flupp Brasil apresentará 40 novos autores que terão seus textos reunidos em um livro, com lançamento previsto para agosto. “A diferença desta vez é que o tema remeterá a uma reflexão sobre o país. Por isso, foram eleitos quatro pensadores brasileiros que terão suas obras discutidas com total abertura crítica”, explica Júlio. Os nomes dos escolhidos ainda não foram divulgados.


Garanta o seu jornal

Busque um exemplar na Associação de

Moradores

pra Maré participar do Maré

da sua comunidade! todos os meses!

Envie seu desenho, foto, poesia, piada, receita ou sugestão de matéria. Rua Sargento Silva Nunes, 1.012 – Nova Holanda Tel.: 3104-3276 E-mail: comunicacao@redesdamare.org.br

Nosso leitor também é escritor

Elisângela Leite

Maré de Notícias No 54 - junho / 2014

ESPAÇO ABERTO

16

Elpídio Bernardes da Costa, morador da Maré há 50 anos, é um camarada de ideias criativas. “Minhas histórias são inspiradas em fatos reais que eu fantasio”, conta ele. Seu Elpídio veio de Ivolândia, município de Goiás. Primeiro foi para São Paulo, depois para o Rio de Janeiro. Passou uma temporada na casa de um amigo que ele conheceu logo que chegou e que lhe deu abrigo. Era na Rua Teixeira Ribeiro. Em seguida foi para o Morro do Timbau e há 32 anos está no Conjunto Esperança. “Cheguei sem ter onde morar. Aqui conquistei esposa, moradia, tive uma filha”, afirma ele, que há seis anos é agente de saúde do Posto da Vila do João. Escolhemos um de seus textos para publicar no mês de seu aniversário (ele completa 70 anos em 15 de junho). Parabéns, Seu Elpídio, pelo aniversário e pelas histórias!

O GORDO Elpídio Bernardes da Costa

cheirar alho e cebola, sob o seu labor de cozinheiro, o seu destempero...

— O gordo ta de travesso, com aquela guimba de cigarro atravessada na boca... a baforar fumaça,a empestear de picumã as suas narinas... — A não conseguir-se realizar o seu objetivo, o dono de um restaurante na rua principal da Vila do João intenta convencê-lo a deixar o nocivo vício: — Esse Inácio Normandes é um jongo, nas garras do vício... enxertado na hipertensão e adoçado na diabete, o seu confete...

— Ora, destemperado o Gordo sempre foi... assim diz o falso feirante Boi, seu amigo... — A uma afirmativa injuriosa, acrescenta um outro cozinheiro, que investigava os seus conhecimentos culinários, após sentir-se liberto para imporse as suas minguadas habilidades de mestre cuca: — Ultimamente, ele só estava sabendo, era só preparar farofa com toicinho de fumeiro... que já vem temperada, e dá cheiro...

— Esse gorducho é um bruxo, só que não existe vassoura que o aguente... a sua vassoura é especial, a varrer o lixo do luxo... — Ao prosseguir-se, o comentário é irônico a afetar diretamente o cozinheiro, que era indivíduo tranquilo, a não importar-se com os indiscretos ditos: — Ao descortinarse da fama, na medida certa do tempero... ele, que anda a

— Uai Batista, levanta a crista... ao cozinhar-se do falo, vaise um e vem-se outro... — Ao perceber-se que o dono do restaurante estava deprimido, com a passagem do cozinheiro, um mineiro se amigo intenta reanimá-lo, a utilizar-se palavras de conforto: — O Gordo foi-se, e o Magro vem-se... pois a vida é emprestada, ela não é de ninguém...

Rindo at o a

)

Dica para emagrecer

- Menina, descobri o que está me fazendo engordar. É o xampu! - Hãããã??? - É, eu li no rótulo. O xampu dá corpo e volume. Vou passar a usar detergente, que tira até as gorduras mais difíceis !


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.