Maredenoticias #72

Page 1

ANO VII. JANEIRO DE 2017. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA. MARÉ, RIO DE JANEIRO. ELISÂNGELA LEITE

72

Mobilidade ainda

travada O controle da torneira durante o verão

O projeto Maré Sem Fronteiras, da Redes da Maré, promove o ciclismo entre os jovens moradores do bairro. O uso da bicicleta é incentivado como meio de transporte e como ferramenta educativa. São promovidos oficinas sobre mecânica de bicicleta e passeios culturais dentro da Maré. PÁGINAS 12 E 13

O abandono dos equipamentos do Piscinão de Ramos PÁGINA 5

DOUGLAS LOPES

PÁGINA 13

ELISÂNGELA LEITE

A SAÍDA PELA BICICLETA

PÁGINA 4

A prevenção ao câncer de próstata

A mobilidade urbana pode ser alcançada a partir de um conjunto de políticas de transporte e circulação de veículos, que priorizem o acesso amplo e democrático à cidade, garantindo espaços ao transporte coletivo e o não motorizado, de maneira efetiva, sustentável e socialmente inclusiva. Grande desafio para uma cidade como o Rio de Janeiro que, apesar dos novos meios de circulação e novos corredores, está distante de alcançar esse ideal em seu modelo de transporte. PÁGINAS 8 E 9

Mobilidade para o morador da Maré A maioria dos moradores da Maré leva até 30 minutos para se locomover para o trabalho, que geralmente fica na zona norte ou centro. E é o ônibus o meio de transporte mais utilizado por eles. É o que mostra pesquisa feita pela Redes da Maré em parceria com o Observatório de favelas. PÁGINA 11


2

EDIÇÃO 72 | JANEIRO 2017

EDITORIAL

humor | André de Lucena

A

mobilidade é tema central desta edição do Maré de Notícias nº72. O Rio de Janeiro teve obras recentemente, como os corredores exclusivos de transporte coletivo, e a adoção de novos meios de transporte, o BRT, que tem o objetivo de facilitar o deslocamento na cidade e reduzir o engarrafamento e o tempo gasto nas viagens cotidianas. Mas para especialistas as medidas não resolvem o problema da mobilidade da maioria da população, principalmente a que mora nas favelas. Essas comunidades ainda precisam ser integradas à cidade, de uma maneira geral. Para elas foram reduzidas linhas de ônibus, de barcas e muito pouco foi feito para que se tenha acessibilidade para todos. Os mais idosos ou mesmo pessoas que têm deficiência continuam com grande dificuldade de circular pela cidade. Sobre o tema, nossa reportagem ouviu especialistas como o diretor de políticas urbanas do Observatório de Favelas, geógrafo Jailson de Souza e Silva, e estamos publicando, com exclusividade, um artigo de Clarisse Linke, mestre em Políticas Sociais, ONGs e Desenvolvimento. E ainda estamos apresentando uma pesquisa, feita pela Redes da Maré em parceria com o Observatório, sobre a mobilidade para o morador da Maré. Sobre o direito à Segurança Pública estamos com a estreia da coluna “Somos Maré Temos Direitos”, aberta às consultas de moradores do bairro sobre dúvidas e orientações que precisem, em casos de violações a direitos durante operações e abordagens policiais. Em temas comunitários estamos mostrando a situação em que se encontram os equipamentos públicos do Piscinão de Ramos e como os moradores da Vila do João estão recuperando suas pracinhas localizadas nos entroncamentos de ruas. E em “dicas culturais” veja como conhecer a obra de um fotógrafo da Maré exposta nas estações do metrô de Londres. Tenham todos uma boa leitura.

GARANTA SEU JORNAL! O MARÉ DE NOTÍCIAS chega todo mês na Associação de Moradores da sua comunidade. É só ir buscar. É gratuito.

/redesdamare

@redesdamare

EXPEDIENTE REALIZAÇÃO:

UMA INICIATIVA:

Redes de Desenvolvimento da Maré DIRETORIA:

R. Sargento Silva Nunes, 1012 Nova Holanda - Maré Rio de Janeiro - RJ CEP: 21044-242 Telefone: (21) 3105-5531 (21) 3104.3276 comunicacao@redesdamare.org.br

Marcílio Brandão (Mtb – 1076 / PE) EDITOR ASSISTENTE

Alberto Aleixo Andréia Martins Edson Diniz Nóbrega Júnior Eliana Sousa Silva Helena Edir

Hélio Euclides (Mtb – 29919/RJ)

APOIO:

Elisângela Leite

JORNALISTAS COLABORADORAS

Adriana Pavlova FOTÓGRAFA

16 Associações de Moradores da Maré Observatório de Favelas

PARCERIA:

EDITOR EXECUTIVO E JORNALISTA RESPONSÁVEL

Conexão G Luta pela Paz Vida Real

LEIA O MARÉ DE NOTÍCIAS E BAIXE O PDF EM: www.redesdamare.org.br DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO

Mórula_Oficina de ideias IMPRESSÃO

Folha Dirigida TIRAGEM

50 mil exemplares

OS ARTIGOS ASSINADOS NÃO REPRESENTAM A OPINIÃO DO JORNAL. PERMITIDA A REPRODUÇÃO DOS TEXTOS, DESDE QUE CITADA A FONTE.


EDIÇÃO 72 | JANEIRO 2017

SAÚDE

3

Especialistas indicam a prevenção como caminho para reduzir a incidência da doença no país

M

orador de Rubens Vaz, na Maré, Clério de Souza, de 64 anos, costuma ir ao Centro de Saúde Hélio Smidt, na comunidade, para ver como anda a saúde. "Fiz um tratamento prolongado no urologista, de uma infecção urinária que quase me matou, em 2007. Hoje já fiz diversas vezes o exame de sangue PSA e ultrassonografia, o resultado é que a minha próstata pesa 11 gramas, ou seja, está tudo normal", comenta Clério. Quando se fala em cuidados com a saúde, Clério, hoje, não se comporta como a maioria dos brasileiros. Levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Urologia, SBU, acusa que 51% dos homens no Brasil não vão ao médico regularmente. O problema é que o câncer de próstata, o segundo mais frequente entre os homens, só apresenta seus sintomas quando já está em estágio avançado, quando a chance de cura é menor. O Instituto Nacional do Câncer estima que, em 2016, foram mais de sessenta e um mil novos casos de câncer de próstata.

Para especialistas, não há outro caminho para se combater a alta incidência de câncer de próstata que não seja a prevenção, que pode ser feita por exames periódicos de sangue para medir os níveis de PSA, uma proteína que é muito liberada pela próstata quando há câncer, inflamação ou infecção, e do exame da próstata pelo toque retal. No entanto, a SBU já divulgou pesquisa que mostra que metade dos brasileiros nunca passou por um urologista por preconceito, apesar dos especialistas garantirem que se trata de um exame “indolor, rápido e instantâneo”. A SBU defende a ida ao urologista para exame anual de próstata a partir dos cinquenta anos. E caso o paciente tenha algum parente de primeiro grau, pai, irmão, tio, que teve a doença, esse exame deve acontecer a partir dos 45. Tratamento Sobre o tratamento, os urologistas dizem que dependerá do estágio da doença, da idade do paciente e de suas condi-

ELISÂNGELA LEITE

O preconceito não pode ser determinante Clério de Souza teve um susto em 2007 e, hoje, cuida regularmente da saúde

ções clínicas. Naqueles que têm a doença no início, as opções são: a chamada vigilância ativa, apenas o acompanhamento da evolução do quadro, a cirurgia para a retirada da próstata e a radioterapia. Quando o paciente tem o estado da doença avançado localmente, cirurgia e radioterapia são opções para o objetivo de cura. E nos casos mais avançados o tratamento tem intenção paliativa, pode-se optar pela quimioterapia asso-

ATENDIMENTO NA MARÉ Os moradores da Maré podem fazer o exame de próstata nas unidades de saúde do bairro. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, todos os sete centros e as duas clinicas da família da Maré fazem o atendimento primário dos pacientes: CMS JOÃO CÂNDIDO Avenida Lobo Junior, 83, Marcílio Dias CMS AMÉRICO VELOSO Rua Gerson Ferreira, 100, Praia de Ramos CMS PARQUE UNIÃO Rua Ari Leão, 33

ciada ou não a cirurgia para atenuar as más condições de saúde do paciente. Pelas informações médicas, portanto, o melhor procedimento é mesmo superar o preconceito e procurar a prevenção. É seguir o exemplo do morador de Rubens Vaz, Clério de Souza, e cuidar da saúde regularmente. Há dois anos que as unidades de saúde do SUS são obrigadas, por lei, a oferecer esses exames à população masculina.

CMS HÉLIO SMIDT Rua Tancredo Neves, S/N°, Rubens Vaz CMS SAMORA MACHEl Rua Principal, S/N°, Parque Maré CMS NOVA HOLANDA Rua Ivanildo Alves, S/N° Nova Holanda CMS VILA DO JOÃO Rua 17, S/N° - Vila do João CF AUGUSTO BOAL Avenida Guilherme Maxwel, 107, Morro do Timbau CF ADIB JATENE Avenida Bento Ribeiro Dantas, S/N, Vila do Pinheiro


ECONOMIA

De olho na torneira no verão Moradores da Maré já sentem os reflexos do aumento do consumo de água nesta temporada

EDIÇÃO 72 | JANEIRO 2017

FOTOS: ELISÂNGELA LEITE

4

HÉLIO EUCLIDES

A

estação do verão vem acrescentada de calor e umidade relativa do ar baixa. Condições que causam um maior consumo de água. Na Maré, a redução da água nas residências já começa a ser sentida. O funcionário da Cedae Maré, Vilmar Gomes Crisóstomo, também conhecido por Magá, está preocupado porque foi a primeira vez que moradores da comunidade do Rubens Vaz pediram ligações novas. “A sugestão é que economizem o máximo”, alerta. O funcionário explica que o início de linha começa no Parque União e três tubulações fazem a distribuição. Contudo, se houver desperdício no percurso, poderá faltar água ao final, que é a área do Salsa e Merengue. “Nesse caminho há as ligações clandestinas, chuveiros nas ruas que ficam ligados, lava jatos que deixam água jorrar, além de piscinas que são cheias e esvaziadas todos os finais de semana. É preciso desligar registros quando não usados, encher piscinas apenas uma vez nos finas de semanas, e reaproveitar essa água”, sugere Vilmar. É fato que se encontra com facilidade, ao percorrer o bairro, situações de desperdício de água. Mas também há exemplos de comportamentos mais conscientes em relação ao problema. Antônio da Silva, dono de um Lava Jato na comunidade do Rubens

O uso de toneis e baldes no lava jato reduz desperdício

Vaz, é disciplinado quanto ao uso da água: "Tenho que levar a comida para dentro da minha casa. Por isso, quando enche o balde desligo o chuveiro, pois se faltar água não tenho como lavar os carros", detalha. A boa notícia é que não há previsões alarmantes de seca no verão 2017, até agora. O meteorologista Alexandre Nascimento do Climatempo, por exemplo, tem divulgado que, de uma maneira geral, o verão estará muito próximo à normalidade em relação à chuva e temperatura em grande parte do país. Apenas deverá chover um pouco mais em partes do Norte e Nordeste e um pouco menos em áreas do Sul. Para o próximo verão a Assessoria de Comunicação da Cedae informou que mantém a campanha contra o desperdício. No site www.todagotaconta.com.br é possível acessar dicas educativas para estimular o consumo racional de água,

É preciso desligar registros quando não usados, encher piscinas apenas uma vez nos finas de semanas, e reaproveitar essa água” VILMAR GOMES CRISÓSTOMO, funcionário da cedae maré

evitando o desperdício. O combate às ligações clandestinas prossegue porque elas reduzem a pressão na rede, além da substituição de redes antigas. Iniciativas que devem ser acompanhadas de perto pela população. Na área ambiental, a companhia já realizou o replantio de mais de 2 milhões de mudas de matas ciliares, com espécies nativas da mata atlântica produzidas em canteiros próprios, nas margens de rios e mananciais onde capta água, um programa iniciado em 2007. Que os moradores da Maré, assim como todo cidadão carioca, fiquem atentos ao que está sendo feito no sentido de garantir o acesso a água para todos e cobrem os resultados.


EDIÇÃO 72 | JANEIRO 2017

LAZER

5

Um piscinão esquecido HÉLIO EUCLIDES

Q

uem circula pelo Piscinão de Ramos, espaço de lazer na Maré, percebe o estado de abandono em que se encontra o local, por parte dos órgãos públicos. O prédio da Administração está em ruínas, os ferros da antiga lona cultural retorcidos e os banheiros quebrados. O ponto turístico pouco lembra o tempo do bordão, "cada mergulho é um flash!", concebido pela atriz Mara Virgínia Manzan. O Piscinão de Ramos foi inaugurado em dezembro de 2001. No ano seguinte foi rebatizado como Parque Ambiental Carlos Roberto de Oliveira ‘Dicró’. Naquele tempo, quem passava pela Linha Vermelha percebia de longe uma lona cultural que lembrava o círculo da bandeira. Primeiro a lona rasgou, e depois os ferros enferrujaram e foi necessário a derrubada. Outro ponto crítico são as instalações dos banheiros, que se encontram sem chuveiros, sem água e luz. Para o mínimo uso, uma moradora cuida da limpeza de um dos pontos. “Se eu não olhasse, nem estavam de pé. Eu lavo e limpo, compro o material e

não cobro nada de quem usa os banheiros. Os barraqueiros que me ajudam”, conta Maria da Penha Leiva de Oliveira. O presidente da Associação de Moradores de Roquete Pinto e Praia de Ramos, Cristiano Reis, acredita que a solução dos banheiros seria uma administração local. “A associação poderia gerir os banheiros, com possibilidade de cobrança de uma taxa de 50 centavos, ou com colaboração dos barraqueiros. Seria algo bom para os banhistas”, revela. Ele lembra que a água e areia ainda estão bem tratadas e que são feitas vistorias constantes por biólogas. A Secretaria Municipal de Esporte e Lazer, por meio da Assessoria de Comunicação, descartou a ideia da associação. “O Piscinão de Ramos é uma área pública bastante

ampla e compete à secretaria a administração das questões esportivas, como a aplicação das aulas, a manutenção do campo de grama sintética, das duas quadras poliesportivas, da quadra de areia, do departamento médico, da sede administrativa e dos vestiários da

área esportiva”, informou a assessoria. Explicou ainda, que, aos finais de semana, a área do Parque é aberta para lazer, o que pode eventualmente ocasionar acúmulo de lixo. No entanto, não informou se tem ou não planos ou projeto para a revitalização do espaço.

FOTOS: ELISÂNGELA LEITE

Espaço na praia de Ramos precisa de revitalização

Prédio e estruturas abandonadas do Piscinão de Ramos


URBANO

EDIÇÃO 72 | JANEIRO 2017

ELISÂNGELA LEITE

ELISÂNGELA LEITE

6

Praça recuperada pelos moradores

Moradores reformam praças na Vila do João Cansados de esperar pela Prefeitura, população assume a recuperação dos espaços HÉLIO EUCLIDES

A

praça é do povo, como o céu é do condor”. Os moradores da Vila do João, na Maré, resolveram assumir os versos famosos do poeta baiano Castro Alves, retirados do poema “O povo ao poder”, quando desistiram de esperar que o poder público tirasse do papel o projeto de sete praças que estão no entroncamento de ruas e que precisavam ou precisam de reforma.

“Há dois anos peço a ajuda da prefeitura. Como não obtive resposta, entrei em contato com a iniciativa privada, comerciantes e moradores e arregaçamos as mangas”, revelou o ex-presidente da Associação de Moradores, Marquinho Gargalo. A associação, em parceria com uma empresa de containers, vem conduzindo o trabalho de revitalização das praças. Duas já foram totalmente reformadas, em sistema de mutirão e outras duas estão em andamento. “Quando não conseguimos o mu-

tirão, a associação assume os gastos, mas a ajuda da comunidade é uma beleza”, comenta o pedreiro, Manuel Felinto do Carmo. As praças estão recebendo mesa para jogos, bancos e churrasqueiras. “Fico feliz em olhar a nova praça, eu amo esse espaço, e por isso que luto por ela”, confessa o idealizador do projeto, Cornélio Juventus dos Santos. O próximo passo é a conclusão do projeto, com a reforma das últimas duas praças. A sétima foi a única recuperada pela prefeitura. A Vila do João fica entre a avenida Brasil e as favelas Conjunto Esperança, Salsa e Merengue e os Conjuntos Pinheiros. E tem histórico de luta pela moradia. Foi construída no início da década de 1980 pelo Projeto Rio, do Governo Federal, que se propunha a retirar da área as moradias precárias, como as palafitas que ocupavam cerca de um terço do terreno. Hoje a vila tem cerca de 4 mil domicílios com uma população de cerca de 12 mil pessoas.


EDIÇÃO 72 | JANEIRO 2017

MÚSICA

7

O cantinho do charme ELISÂNGELA LEITE

O Charme ganha adeptos na Maré e consolida baile como opção de lazer ROBERTO SILVA

H

á cinco anos, um baile charme reúne amigos e admiradores do estilo na Nova Holanda. O “Cantinho do Charme”, como é chamada a festa, é organizada por Luiz Fernando Pinheiro, que há quarenta anos vive na comunidade. Conhecido também como Fernando da Raça, o dançarino conta que teve o primeiro contato com a música black ao ouvir James Brown, um dos maiores representantes da Soul Music. “Comecei dançando James Brown, gostei do charme e hoje também faço dança de salão”, diz alegremente. O apelido “da Raça” surgiu quando Fernando fez um evento que se chamava “Festa da Raça”. Com o sucesso da festa, um mês depois realizou a “Festa da Raça 2 – A Revanche”. Desde então, não parou mais de produzir os próprios bailes. A cada edição do “Cantinho do Charme” comparecem dezenas de pessoas de todos os lugares. Com frequência mensal (ocorre a cada segundo domingo do mês), o baile só acontece com as parcerias que ajudam Fernando organizar o encontro.

“O espaço é cedido pelo Arlindo, a equipe de som é do DJ Lô, residente da casa, um cara que nunca me abandonou, e tem os caldos surpresa servidos gratuitamente aos convidados, feitos pela minha esposa, Danielle, e meu filho ainda me ajuda na produção”, ressalta Fernando. Tradicionalmente o “Charme” atrai pessoas que gostam de se diferenciar pelo estilo da dança e da roupa. “O charmeiro é diferenciado, tem uma postura, se comporta e gosta de andar sempre em top de linha. No baile coloco o charme, a música lenta e o swing, que inspira a dança de salão.” Existem outros grupos que também promovem bailes

“charme” na Maré: o Flash Back do Parque União, por exemplo, também acontece uma vez por mês.

O Charme no Rio O estilo musical ganhou as pistas de dança dos subúrbios do Rio de Janeiro na década de 80. Um dos mais famosos era o Disco Voador, em Marechal Hermes, mas, hoje, a história do charme se confunde com o Viaduto de Madureira, um dos mais antigos e famosos bailes que mantém o ritmo vivo no Brasil. A cada sábado, o baile do Viaduto reúne na zona norte cerca de duas mil pessoas, que dançam, mas também buscam, na música, a preservação da identidade negra.

O charmeiro é diferenciado, tem uma postura, se comporta e gosta de andar sempre em top de linha” FERNANDO DA RAÇA dançarino


8

TRANSPORTE

EDIÇÃO 72 | JANEIRO 2017

FOTOS: ELISÂNGELA LEITE

BRT em funcionamento e novos corredores da Av. Brasil, mas faltam acessibilidade e integração entre bairros

Mobilidade

urbana ainda distante Cidade cria novos meios de circulação, mas ainda faltam acessibilidade e integração com as favelas HÉLIO EUCLIDES

A

mobilidade urbana pode ser alcançada a partir de um conjunto de políticas de transporte e circulação de veículos, que priorizem o acesso amplo e democrático à cidade, garantindo espaços ao transporte coletivo e o não motorizado, de maneira efetiva, socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável. Um desafio e tanto para uma cidade como o Rio de Janei-

ro que, apesar da criação de novos meios de circulação e novos corredores, está bem longe de atingir esse ideal de sustentabilidade em seu modelo de transporte. O diretor de políticas urbanas do Observatório de Favelas, geógrafo Jailson de Souza e Silva, o ambientalista Sérgio Ricardo, e o fotógrafo Bira Carvalho defendem que há necessidade de meios que liguem a periferia aos centros, de uma forma mais ecológica e inclusiva.

Para Jailson, a mobilidade urbana não é só algo físico e sim algo que adapte a cidade para todos. “Não é só se encontrar mecanismo de levar a pessoa no CCBB, pois o cidadão precisa se sentir integrado ao ambiente. Para isso, é necessário uma mobilidade social, e mais importante ainda, uma mobilidade plena, que venha suprir a necessidade da cidade”, avalia. Ele acredita que as intervenções até foram um avanço, mas que historicamente não se pensa no coleti-

vo. “Criou-se uma mobilidade elitizada, com foco no carro. A Linha Amarela, quando foi idealizada, seria um metrô, só que a Barra não aceitou. Agora fizeram uma linha de metrô que vai atingir 300 mil passageiros e se abandonou o de São Gonçalo, que beneficiaria três milhões pessoas”, expõe. O geógrafo explica que uma parte da população é esquecida, um exemplo é que apenas recentemente a Zona Oeste teve o primeiro túnel, com a Transolímpica, algo natural no Centro e Zona Sul. “O direito à mobilidade não é uma preocupação dos governantes. Tem que se estudar três pos-


9

EDIÇÃO 72 | JANEIRO 2017

Criou-se uma mobilidade elitizada, com foco no carro. A Linha Amarela, quando foi idealizada, seria um metrô, só que a Barra não aceitou” JAÍLSON DE SOUZA E SILVA, geógrafo

sibilidades de mobilização: o metrô para Itaboraí e adjacências. Segundo, o modal alternativo que seriam as ciclovias e as hidrovias, como uma barca de São Gonçalo a Praça XV. E por fim, a transformação dos trens em metrô e nesse segmento se criar mais linhas de metrô por superfície”, ressalta. Quando o assunto é mobilidade na favela, ele não concorda com as medidas recém-tomadas. “Nas favelas acontece a mesma coisa, se cria coisas equivocadas, como o teleférico. O que tinha que ser feito é a regulamentação dos mototáxis e dos cabritinhos, que são as kombis que circulam internamente. Também se criar bicicletários, e projetos como as bicicletas laranjas da Zona Sul. O importante seria a produção de formas alternati-

vas de se locomover, como o incentivo do uso das bicicletas elétricas, em especial em áreas de morro. Em específico, a Maré precisa estar integrada com o entorno. Uma iniciativa boa seria uma ciclovia na Avenida Brasil, junto ao BRT e VLT”, conclui Jaílson. Para o ambientalista Sérgio Ricardo algo necessário na mobilidade urbana seria o incentivo ao transporte aquaviário, um estímulo a algo menos poluente. A sua crítica é que o governo do Estado foi na contramão da mobilidade sustentável e diminuiu os itinerários das barcas que ligam as ilhas do Governador, Paquetá e Niterói. O ambientalista levanta a bandeira do uso maior das barcas, o que diminuiria os congestionamentos, algo que traz prejuízos econômicos es-

timados em 40 bilhões por ano, além da poluição atmosférica e do adoecimento da população. Sérgio relata que hoje milhares de passageiros estão com uma única opção de deslocamento, o modal rodoviário que, na Região Metropolitana fluminense, é controlado, há décadas, por um grupo de empresas de ônibus que monopolizam os serviços de transportes. Já o fotógrafo Bira Carvalho entende que mobilidade urbana tem que ligar o máximo os centros à periferia. “O Rio é um grande centro, que tem um enorme número de trabalhadores que moram longe do seu local de trabalho, isso acarreta uma perda de tempo de ida e volta. Isso traz prejuízo para esse indivíduo que dedica um momento menor à família”, explana. Para ele, as intervenções ainda não foram a solução. “A falta de mobilidade afeta a renda, pois o distanciamento afasta o indivíduo do estudo, ou seja, do crescimento social. Há ausência de opção de locomoção, hoje o BRT já tem uma grande demanda, não supriu a necessidade”, ilustra. O fotógrafo critica a perda das linhas de ônibus na Maré e o estreitamento da Avenida Brasil. “Os bicicletários seriam uma solução, em especial para moradores da Vila do Pinheiro, que tem uma grande distância dessa via. E melhor ainda, uma ciclovia na Avenida Brasil, ao longo do BRT”, esclarece. Bira observa mudanças no cotidiano da favela. “Hoje já são mais carros, que precisam de estacionamento e, assim,

ficam nas ruas e diminuem as áreas de lazer. O crescimento das motos na favela virou um modismo, tem que haver uma discussão, se não vai piorar, pois o inchaço não vai parar. A dinâmica da favela mudou, pois circular na Rua Teixeira Ribeiro é um transtorno. Para piorar, alguns moradores colocam ferros que marcam territórios, e privatizam as ruas, um espaço público”, reclama. Bira, que é cadeirante, acha que mobilidade urbana tem que vir agregada à acessibilidade. “Para ir à Praia de Copacabana, tenho que seguir com minha cadeira até o Parque União, pegar o BRT, descer em Vicente de Carvalho e seguir de metrô, se for final de semana há transferência de linha, no total se gasta duas horas, uma volta ao mundo”, aponta. Ele acha que as barreiras dificultam a circulação na cidade. “O idoso e o cadeirante ficam cada vez mais distante dos ônibus. Eu mesmo demorei 23 anos para voltar a andar de ônibus, hoje aumentou o número de elevadores nos veículos, mas o acesso é ruim. Falta respeito ao direito de ir e vir, o que é uma crueldade. É uma cidade maravilhosa com diversos points, mas faltam rampas de acesso e banheiros adaptados”, finaliza. A mobilidade urbana, portanto, é uma grande questão que o município do Rio de Janeiro precisa responder à população, da falta de rampas e calçadas que facilitem a circulação de todos ao excesso de automóveis e o serviço de transporte coletivo ruim, que não atendem à integração entre os bairros.


ARTIGO

10

EDIÇÃO 72 | JANEIRO 2017

Favelas e mobilidade urbana: uma relação simbiótica CLARISSE LINKE MESTRE EM POLÍTICAS SOCIAIS, ONGs E DESENVOLVIMENTO PELA LONDON SCHOOL OF ECONOMICS AND POLITICAL SCIENCE

A

s favelas têm um papel importantíssimo no tecido urbano das grandes cidades brasileiras, pois são a principal alternativa de moradia para parcelas significativas da população excluída do mercado formal da habitação.

Um pouco de história: é preciso estar próximo da cidade Durante décadas, a principal abordagem do poder público em relação às favelas foi de eliminá-las. A primeira grande intervenção urbanística no Rio de Janeiro no começo do século 20 resultou na remoção dos cortiços existentes no Centro, com a justificativa oficial de se lidar com a cidade insalubre. A proibição dos cortiços e a ausência de alternativas de moradia popular gerou uma pressão para a população “subir o morro”, pois precisavam se manter próximos ao Centro da Cidade. Assim surgiram as primeiras favelas no Rio. A tentativa de expulsar a comunidade de baixa renda do Centro e dos bairros da Zona Sul continuou nas décadas seguintes. Nos anos 60, 175.000 residentes foram removidos de favelas em áreas centrais. No entanto, os reassentamentos estavam, em sua maioria, na periferia, desarticulados da cidade, distantes das fontes de trabalho. Quarenta mil casas foram construídas para receber 30% da população das favelas cariocas—um esforço em vão. Entre 1970-74, o número de favelas nas áreas centrais praticamente dobrou, de 162 para 2831. Este breve apanhado histórico nos lembra que

as favelas nascem como estratégias de mobilidade urbana: é preciso estar próximo ao trabalho, ao estudo, próximo à cidade. Proximidade não garante acesso pleno, sabemos disso, mas é um importante caminho.

Acesso ao BRT O Complexo da Maré, onde vivem mais de 130.000 cariocas, está relativamente próximo ao Centro do Rio, área da cidade com maior volume de empregos formais e informais. Dois corredores de transporte passam ali: Transcarioca e Transbrasil, com cinco estações de acesso ao sistema a uma distância caminhável para a maior parte da população (estação Maré da Transcarioca e as estações Rubens Vaz, Nova Holanda, Joana Nascimento e Fiocruz da TransBrasil). Uma política pública de mobilidade para a cidade do Rio de Janeiro não pode deixar de investir na qualificação do entorno das estações, como forma de melhorar o acesso ao transporte. Uma rede de ruas com infraestrutura de qualidade, que facilite e dê conforto e segurança em um raio de 1km no entorno das estações é fundamental e deve ser prioritário.

Mobilidade local: pedestres, ciclistas, carros e motos Em 2013, um estudo sobre mobilidade em favelas cariocas2 evidenciou alguns padrões de deslocamento particulares de territórios informais. Mais da metade das viagens internas em favelas são feitas por transportes ativos (a pé ou de bicicleta) - 57%, um número particularmente alto considerando que em média, nas cidades brasileiras com mais de 60.000 habitantes, 35% das viagens diárias são feitas por transportes ativos3. As mulheres são as que mais se deslocam a pé.

Entretanto, nos últimos anos muitas favelas tiveram parte de suas vias asfaltadas, o que resultou no aumento da presença e da velocidade de automóveis e motocicletas. As motocicletas são consideradas por especialistas uma das mais sérias epidemias urbanas desta década, e seu impacto tem sido sentido em todos os territórios urbanos, formais e informais. Entre 1996 e 2006, entre todas as fatalidades em decorrência de acidentes viários, as fatalidades com motocicletas aumentaram em 900% (de 2,1 para 19,4%). No contexto da Maré, onde a malha de ruas e becos é bastante densa, a presença de automóveis e motocicletas afeta diretamente a vida dos pedestres e ciclistas. A principal intervenção de mobilidade local deve focar no pedestre e no ciclista, oferecendo ruas confortáveis, seguras e plenamente acessíveis. Pela informalidade inerente ao espaço, muito precisa ser feito em termos de infraestrutura para garantir ruas completas e de qualidade. Mas a presença de carros e motocicletas contribui na deterioração do espaço público. Ruas completas para pedestres e ciclistas precisam restringir a circulação e o estacionamento de veículos motorizados, e garantir segurança nos cruzamentos e interseções. É necessário ter árvores com copas generosas, equipamentos que façam com que a rua não seja somente um lugar de passagem, mas também um lugar para se estar. Para isso, precisamos também de medida efetivas para moderação da velocidade do tráfego, fundamental para garantir a segurança de todos os usuários das vias. Por ser plana, a Maré pode também oferecer um espaço qualificado para o ciclista. Uma rede de ciclovias e ciclofaixas, com sinalização e priorização ao ciclista em detrimento do usuário de transporte motori-

zado, e com estruturas de apoios como paraciclos e bicicletários são importantes para aumentar o número de ciclistas. Nos anos 90, o Favela Bairro inaugurou uma nova abordagem ao lidar com favelas no Rio. O foco mudou no que diz respeito ao território informal: estes não deveriam mais ser removidos, mas requalificados. O programa implantou algumas soluções de mobilidade com vistas à integração do território informal à cidade formal: ruas asfaltadas, escadarias e planos inclinados. Espaços públicos foram urbanizados no entorno das favelas para quebrar as barreiras físicas e simbólicas, qualificando o espaço do pedestre em alguns pontos estratégicos. Estamos agora num novo momento, onde não devemos somente objetivar a requalificação da favela, mas entender o potencial local e canalizá-lo para a solução dos seus próprios problemas. Ao reconhecer a mobilidade urbana como central na estrutura das favelas, priorizando o pedestre, o ciclista e o usuário de transporte público, temos a chance de contribuir não apenas com o deslocamento dos seus residentes, mas de forma mais ampla informar as discussões sobre os grandes desafios urbanos do século XXI.

NOTAS 1. MCGUIRK, J. (2014). Radical Cities: Across Latin America in Search of a New Architecture. Verso. 2. KOCH, J., LINDAU, L. A., NASSI, C. D., (2013). Transportation in the favelas of Rio de Janeiro. Lincoln Institute of Land Policy. 3. Associação Nacional de Transportes Urbanos (2013).


PESQUISA

A mobilidade para quem vive na Maré

11

ELISÂNGELA LEITE

EDIÇÃO 68 | AGOSTO 2016

Pesquisa revela como ocorrem os deslocamentos de moradores no dia a dia HÉLIO EUCLIDES

A

circulação na cidade é vital para a grande maioria de 87% da população da Maré. E esses deslocamentos acontecem tanto para fora como internamente, entre as comunidades. Esses dados foram revelados pela primeira Amostra sobre Mobilidade na Maré, um estudo sobre as condições de circulação dos moradores, realizado dentro do projeto Censo Maré, organizado pela Redes da Maré em parceria com o Observatório de Favelas. O coordenador do projeto foi o especialista em estudos populacionais e pesquisador da Redes da Maré, Dálcio Marinho, que destaca alguns pontos da pesquisa, que ouviu 1.612 moradores da Maré, do Conjunto Esperança até a Praia de Ramos. Um dos pontos é que dos 87% que consideram importante a locomoção no dia a dia pela cidade, 77% circulam fora da Maré pelo menos uma vez por semana. Segundo o estudo, os deslocamentos ocorrem em 49% no sentido da Zona Norte e 16% no Centro da cidade e outros 16% na Tijuca. Em sua maioria, têm como objetivo o trabalho, mas também o lazer, a busca por serviços públicos essenciais, em particular os de saúde, e os estudos também.

Os moradores da Maré levam um tempo importante em seus deslocamentos, tanto de ida como de volta: 56% deles gastam até 30 minutos por viagem, e outros 27% chegam a gastar até uma hora ou mais. Os ônibus são os mais utilizados para um total de 60% dos moradores. Para usuário desse transporte, 29% reclamam da superlotação. Para Dálcio a pesquisa é de total importância. “A princípio, a pesquisa foi importante porque identificou os meios de transportes, os horários e as estratégias priorizadas pelos moradores. Contudo, num futuro próximo, poderemos comparar seus resultados a outros, para avaliar o impacto das obras de melhoria da mobilidade que afetam a Maré, por exemplo, o BRT da Avenida Brasil”, conclui. A pesquisa completa estará disponível no site: www.redesdamare.org.br

O deslocamento dentro da Maré A circulação de moradores entre as comunidades que compõem a favela da Maré também é grande. A Pesquisa mostra que 75% dos moradores circulam fora de sua comunidade. E esses deslocamentos acontecem para encontrar amigos, fazer compras, pagar contas e lazer. Para essa circulação, 62% utilizam trans-

Rua Teixeira Ribeiro, na Nova Holanda

porte alternativo, destes 82% utilizam kombi e van e outros 33% vão de mototaxi. Dos entrevistados, 18% identificam dificuldades de locomoção na Maré. Segundo a pesquisa, os motivos mais relevantes são problemas relacionados à urbanização das ruas, como pavimentação, lixo e saneamento.

O Camelo ou a Magrela Outro dado interessante da pesquisa é que 81% dos moradores sabem conduzir bicicleta, metade deles possui uma. No entanto, são poucos que a utilizam como meio de transporte, cerca de 2,5%, o motivo são trajetos longos diariamente, ausência de bicicletários, ou porque têm medo, acham o veículo inseguro, num trânsito que oferece risco. Mesmo assim, a pesquisa revela dados que mostram o potencial da bicicleta como alternativa importante de transporte para a Maré: Mais de 26% dos moradores entrevistados, tem interesse de usar a bicicleta para se deslocar com agilidade ou como forma de se exercitar.

1.612

MORADORES DA MARÉ PARTICIPARAM DA PESQUISA

56%

GASTAM ATÉ 30 MINUTOS POR VIAGEM

81% SABEM CONDUZIR BICICLETA, MAS APENAS

2,5%

A UTILIZAM COMO MEIO DE TRANSPORTE


12

BICICLETA

Desbravando limites visíveis e invisíveis Projeto "Maré sem Fronteiras" ganha novo fôlego com oficinas de conserto de bicicletas e rodadas de cicloativismo ADRIANA PAVLOVA

E

les surgem ao longe e vão ganhando as ruas: um, dois, cinco, dez, 12 ou mais montados em suas bicicletas turbinadas pela próprias mãos. A felicidade de seus rostos transborda, contagiando quem os vê passar por caminhos nunca antes imaginados. São rapazes e moças – muito mais rapazes do que moças – que descobriam na prática que se locomover sobre duas rodas na Maré também pode ser saudável, divertido e, ao mesmo tempo, um ato político. Trata-se da turma que, desde o início de 2016, passou a conjugar o verbo bicicletar ao reunir-se semanalmente na Lona Cultural Herbert Vianna e, assim, deu novo fôlego ao projeto "Maré sem fronteiras", projeto da Redes da Maré, que existe desde 2013, e tem apoio atualmente do programa "Criança Esperança". Em 2016, o projeto ampliou seu raio de ação, com uma proposta ainda mais ativista, e fechou o ano com uma bem-sucedida campanha de financiamento coletivo, no Benfeitoria, que arrecadou mais de R$ 11 mil para atividades em 2017. A Oficina Livre de Bike - com jovens aprendendo a consertar suas bicicletas, numa proposição muito mais de troca do que de ensino vertical – é a grande novidade desta nova temporada do projeto, complementada pelas Rodadas de Cicloativismo, que, em três

edições este ano, ofereceram uma série de atividades, para públicos variados em locais diversos, para estimular o uso da bicicleta na Maré, proposta idealizada e organizada pela Geisa Lino, que também atua como coordenadora da Lona Cultural Municipal Herbert Vianna. Da mesma forma, outras oficinas em parceria acontecem dentro do "Maré sem Fronteiras": Azulejaria, ministrada por Laura Taves; Fotografia Mão na Lata, com Fagner França e Tatiana Altberg; e Teatro, com Wallace Lino e Rodrigo Souza. Atualmente, são aproximadamente 100 crianças e adolescentes, de 7 a 16 anos, participando do projeto em suas diferentes vertentes. Nascido com o objetivo de romper demarcações invisíveis mas tão reais que fazem parte do dia a dia do morador da Maré, limitando sua mobilidade pela favela, o "Maré sem Fronteiras" incentivou, desde o seu início, o uso de bicicletas como uma opção de transporte e de lazer para circulação. O exemplo veio logo da equipe de tecedores da Redes, que passou a ter a chance de usar bicicletas do acervo do projeto – as roxinhas - para se locomover do Centro de Artes da Maré para a sede da Redes, e vice-versa, numa malha de empréstimos hoje ampliada para mais três pontos de retirada e entrega de 32 bicicletas, a sede central da Redes da Maré, o galpão Bela Maré e a Lona Cultural Herbert Vianna.

Passeios resgataram memória e identidade das comunidades E já neste começo houve a proposta de fazer dos passeios ciclísticos uma oportunidade de resgate da memória e da história das comunidades que formam o bairro Maré. As chamadas Bicicletadas, lideradas então pelo professor de história e coordenador do Curso Pré-Vestibular da Redes da Maré, Ernani Alcides A. da Conceição, eram feitas mensalmente. Juntos, todos observavam coletivamente diferentes locais e paisagens da Maré, enquanto Ernani contava sobre a formação das comunidades da região, procurando esclarecer as origens das diferenças, como relembra o professor:

EDIÇÃO 72 | JANEIRO 2017

"Essas comunidades têm uma história de ocupação diferente, formadas em tempos diferentes. E todos sabemos que na Maré existem grupos civis armados de diversas facções, que dificultam a mobilidade. E para completar, durante muito tempo, as comunidades sequer eram interligadas, como a Nova Holanda da Rubens Vaz, atrapalhando a circulação interna. Para oferecer uma possibilidade real de mobilidade, o 'Maré sem Fronteiras' apostou na superação de medos e de representações simbólicas, fazendo com que moradores circulassem nas bicicletas, apresentando similitudes entre as comunidades, como se desenvolveram e se transformaram." Durante os passeios, outro objetivo era apresentar a importância da organização popular para o desenvolvimento das comunidades da Maré, fortalecendo a memória e a identidade locais: "Parávamos em determinados pontos para mostrar que aqui as melhorias de infraestrutura aconteceram através da organização popular. Na Praça da Nova Holanda, por exemplo, lembrávamos que o local era chamado

Bicicletada embaixo do viaduto da Linha Amarela. À direita, oficina Maré Sem Fronteiras


13

EDIÇÃO 72 | JANEIRO 2017

porque ainda são mais homens que mexem e se interessam por bikes. Há também atividades externas, envolvendo os moradores, como uma uma Bicicletada até o Parque Ecológico, jogamos bombas de sementes, com terra bem adubada, para contribuir para o nascimento de mais árvores ali, e também convidamos ativistas do projeto Bike Anjo para virem ensinar os moradores da Maré de todas as idades a andarem de bicicleta." Esta oficina é uma potente oportunidade de tecer uma rede de parceria em torno do amor à bicicleta para além da Maré.

Oficina Livre de Bike aposta na autonomia dos participantes A Oficina Livre de Bike tem origem na proposta de tentar atrair para o "Maré sem Fronteiras" a garotada que vive na Nova Maré, entorno da Lona Herbert Vianna – gerida pela Redes da Maré desde 2009, numa parceria com a Prefeitura do Rio. Historicamente, na região, existem muitos garotos e garotas que não frequentam a escola e nem têm outra atividade regular. Assim, era preciso encontrar uma oficina que, de alguma

forma, estivesse ligada a um interesse do dia a dia deles, sem o formato mais clássico de aula e que desse um resultado mais imediato. Uma característica de muitos dos jovens da região já era gostar de circular por ali de bicicleta. Foi assim que Geisa convidou o cicloativista Renan Braga para liderar a oficina que, desde o seu início, foi feita da forma mais descontraída possível, no quintal da Lona. O grupo – que, ainda hoje, conta com integrantes que vão e vêm, portanto, com um número de participantes que muda de semana em semana – reúne-se nas tardes de quarta-feira. Renan está muito mais para um amigo mais velho e mais maduro que divide seus conhecimentos do que para um professor mais tradicional. Numa tarde de final de novembro de 2016, Renan, com as mãos sujas de graxa, consertava bicicletas enquanto a garotada também punha a mão na massa, num exercício evidente de autonomia. "Sou um facilitador da troca de conhecimentos. Grande parte deles já chegam aqui sabendo muito, porque já têm um interesse mais antigo por bicicletas. Meu trabalho é mostrar diferentes técnicas

FOTOS: DOUGLAS LOPES

de Praça do Valão, porque havia um valão que passava embaixo, mas que a partir dos movimentos populares, houve pavimentação e a praça mudou." Em 2016, as Bicicletadas ganharam mais cara de passeio, com encontros mensais envolvendo a garotada da Oficina Livre de Bike e quem mais se interessasse. Houve, porém, momentos de puro ativismo, como quando participaram do lançamento da campanha "Somos da Maré Temos Direitos", em diferentes comunidades da favela. Já nas três edições da Rodada de Cicloativismo, as Bicicletadas se juntaram à intensa programação de três dias de atividades, que dialogaram com as quatro oficinas do "Maré sem Fronteiras", contando, assim, com muito mais participantes, inclusive com outros moradores. Geisa Lino explica o conceito do evento: "A programação é diversificada e aberta, muito ligada à questão de desenvolvimento territorial. Na primeira rodada, por exemplo, convidamos a cicloativista Sarah Hannah para dar oficinas de conserto de bicicleta. Ao convidar uma mulher, também levantamos uma questão de gênero, por exemplo,

O ‘Maré sem Fronteiras’ incentivou, desde o seu início, o uso de bicicletas como uma opção de transporte e de lazer para circulação”

e ferramentas para que consigam fazer os consertos de uma forma mais rápida e eficiente. Não quero que eles fiquem apenas olhando, pelo contrário. Queremos mostrar que o conhecimento pode ser partilhado", diz Renan. Nesta proposta clara de autonomia, os participantes mais frequentes ganham o título de monitores. Hoje, o cargo é ocupado por Vítor Hugo da Silva e Daniel Sousa, ambos de 16 anos, que ganham uma bolsa de trabalho e também são responsáveis pela manutenção das roxinhas em outros dias da semana, às segundas e sextas-feiras. "A gente já fazia esse tipo de conserto nas nossas casas, nas varandas, mas agora nos encontramos aqui na Lona", conta Vítor Hugo. O sonho é que a trocas de saberes junto com a consolidação de novas amizades acabe também atraindo os garotos de novo para a escola. "Todas as oficinas do 'Maré sem Fronteiras' já trabalham com a ideia de identidade e pertencimento no território da Maré. As oficinas trabalham a partir da cartografia afetiva.", diz Maïra Gabriel Anhorn, coordenadora do eixo de Arte e Cultura da Redes. "Ao mesmo tempo, na Lona também já acontece o projeto 'Nenhum a menos', cuja proposta é conseguir que crianças que não frequentam a escola voltem a ter uma escolarização regular. Aos poucos, a ideia é que as oficinas do projeto “Maré sem Fronteiras” se aproximem cada vez mais do 'Nenhum a menos.'" O acesso e a permanência na escola é outra das fronteiras que existem no território da Maré. No dia 02 de dezembro, aconteceu a Mostra Maré sem Fronteiras no Centro de Artes da Maré (CAM) com apresentação da criação dos alunos do Teatro “Agora sei o chão que piso” e exposição dos azulejos-mapas e foto-mapas das crianças da Azulejaria e do Mão na Lata.


14

FOTOGRAFIA

Obras de fotógrafo da Maré no Metrô londrino São 18 fotos de AF Rodrigues que hoje integram o ambiente de estações do metrô

O

trabalho do fotógrafo AF Rodrigues atinge públicos internacionais cada vez mais diversos. Depois de passar por Paris e Montevideo, as fotos de Rodrigues estacionam agora, nas estações do Metrô de Londres, em Becontree Hundred, uma populosa região dormitório de operários ingleses, nos arredores da capital do país. AF Rodrigues é como assina Adriano Ferreira Rodrigues o seu trabalho fotográfico. Adriano nasceu, foi criado e ainda mora na Maré e se encontrou na fotografia a partir de cursos desenvolvidos por instituições da comunidade como a Escola Popular de Comunicação

Crítica (EPOCC), do Observatório de Favelas e a Escola de Fotógrafos Populares Imagens do Povo, também pelo Observatório, conduzido pelo fotógrafo João Roberto Ripper. A primeira experiência internacional de AF Rodrigues ocorreu em 2012, enquanto integrante do grupo da EPOCC e da Agência Imagens do Povo. A Aliança Francesa selecionou um coletivo de fotógrafos para uma mostra cultural sobre Brasil, África e França. Para o grupo da Maré, destinou uma passagem de ida e volta à França. Entre os fotógrafos da instituição houve um sorteio e Adriano foi o contemplado. Uma outra experiência

EDIÇÃO 72 | JANEIRO 2017

internacional foi como colaborador do filme “Abaixando a máquina”, do documentarista uruguaio Guillermo Planel, que aborda tema desafiador: ética e dor no fotojornalismo carioca. As fotos de AF integraram exposição sobre o filme em Montevideo.

A exposição em Becontree Nas estações do metrô londrino, 18 fotos de AF Rodrigues estão expostas desde abril e devem ficar por tempo indeterminado, como uma decoração fixa. A exposição é desdobramento de intercâmbio de 45 dias, em Becontree, em março de 2015. No projeto, apoiado pelo People’s Palace Project, o fotógrafo participou de workshops, oficinas, exposições e trocou experiências com diversos artistas locais. “Na região há deficiência de espaços culturais e o projeto é criar várias alternativas. Uma dessas formas de espalhar a cultura é o metrô”, finaliza AF Rodrigues. Quem quiser saber mais do trabalho do fotógrafo AF Rodrigues, em Londres, pode acessar o endereço becontreehundred.org.uk.

FOTOS: THIAGO JESUS

Fotos de AF Rodrigues expostas na estação de Becontree Hundred


EDIÇÃO 72 | JANEIRO 2017

POR DENTRO DA MARÉ

15

Q

uem mora ou visita o Conjunto Esperança já encontra novidade logo na entrada. O muro que liga a comunidade à Avenida Brasil foi grafitado com personagens infantis e com a saudação de boas-vindas. O presidente da associação de moradores, Pedro Francisco, ressalta que a intenção foi transformar o

muro num grande mural, passando uma mensagem colorida para o novo ano, em especial de paz. Outra obra realizada foi a reforma de um dos campos, que recebeu grades novas e gramado sintético. O espaço foi batizado de Arena Palace. “Agradeço a prefeitura, ao amigo Jarbas, e a todos que ajudaram nessa conquista. Aqui era uma das poucas comunidades que não tinham um campo sintético”, revela Pedro. FOTOS: ELISÂNGELA LEITE

HÉLIO EUCLIDES

ARQUIVO PESSOAL

Um Conjunto Esperança mais colorido

Maclaren e Salsa recebem a visita de Papai Noel HÉLIO EUCLIDES

À equerda, muro de entrada do Conjunto Esperança, abaixo foto da Arena Palace

F

inal de ano a solidariedade brasileira se espalha. São diversos gestos de ajuda ao próximo. Na véspera de Natal, o professor Fábio Ramos, sua esposa Nathália Ferreira e alguns amigos se uniram e distribuíram cerca de 500 brinquedos e 35 cestas de alimentos, todos doados pelos alunos de diversos cursos preparatórios para concursos públicos. Os locais escolhidos para distribuição foram dois: embaixo do viaduto da Linha Amarela, conhecido como Maclarem, e a comunidade do Salsa e Merengue. Essa ação já se repete há seis anos. “Não tenho vínculo com

político, com ninguém. Faço de coração. O ideal seria que não precisasse, mas o Estado é ausente. Agradeço a Deus por ter a possibilidade de ajudar e me sinto maravilhado com o olhar e reação das crianças. Esse gesto não é só no Natal. Quero repetir também nas voltas às aulas, com um kit escolar”, destaca Fábio. O diferencial desse ano foi a presença do Papai Noel. “Esse Natal já tinha feito o papel do bom velhinho na Pastoral da Criança e agora nessa ação. Vejo nos shoppings que para tirar foto com Papai Noel custa 30 reais. Aqui o pagamento é o sorriso das crianças”, confessa Papai Noel, morador da Vila do Pinheiro que prefere não revelar o nome para não tirar a magia do personagem.


16

PERGUNTA:

ESPAÇO ABERTO

DÚVID A

Durante uma operação policial, meu carro estava estacionado em frente a minha casa. Quando o caveirão passou na minha rua, veio arrastando o meu carro e o de um vizinho, causando danos em toda a lataria do carro. O que posso fazer para ter o reembolso do meu prejuízo?

RESPOSTA: Esta é uma ação ilegal, uma vez que ninguém pode causar dano ao patrimônio de outra pessoa sem responder por ele. Quando essa pessoa é um agente do estado, deve o Estado responder pelo dano. Em caso de dano causado por agente publico, o Estado responde pelo dano e depois apura administrativamente quem deu causa ao prejuízo. Neste caso, deve-se dar entrada em uma ação cívil para solicitar uma indenização do Estado. O primeiro passo consiste em fazer o Boletim de Registro de Acidente de Trânsito sem vitimas (BRAT) através do site http://ebrat.pmerj.rj.gov.br/. Depois deve-se procurar a corregedoria da polícia militar, a defensoria pública ou um advogado para ver a possibilidade de ajuizar ação judicial de reparação de danos contra o Estado que responde objetivamente pelas ações de seus agentes policiais em serviço. É importante lembrar que a Redes da Maré conta com atendimento sócio-jurídico gratuito que acontece todas as sextas-feiras entre 9h e 13h.

EDIÇÃO 72 | JANEIRO 2017


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.