O ESPELHO DE UMA CIDADE: O Carnaval de Montevidéu, identidade e turismo.

Page 1

FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CONTABILIDADE E ECONOMIA CURSO DE BACHAREL EM TURISMO

EVA BETTINA ACOSTA DE PAULA

O ESPELHO DE UMA CIDADE: O Carnaval de Montevidéu, identidade e turismo.

Porto Alegre Junho 2011


PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO, CONTABILIDADE E ECONOMIA CURSO DE BACHAREL EM TURISMO

EVA BETTINA ACOSTA DE PAULA

O ESPELHO DA CIDADE: O Carnaval em Montevidéu, identidade e turismo.

PORTO ALEGRE 2011


EVA BETTINA ACOSTA DE PAULA

O ESPELHO DA CIDADE: O Carnaval em Montevidéu, identidade e turismo.

Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau de Bacharel pelo Programa de Graduação da Faculdade de Turismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Orientador: Prof.ª Me. Ana Maria Beber

Porto Alegre, junho de 2011.


“Adiós Carnaval espero Recorrerte otra vez Cantarle al rigor Un nuevo cuplé Hasta que el rulo del tambor Marque otro final Adiós Carnaval Parece mentira las cosas que veo Por las calles de Montevideo...” Letra de Ádios Juventud de Jaime Roos, 1982.


AGRADECIMENTOS

A Bruna, luz da minha vida, por ter resistido as minhas ausências, a minha falta de atenção, aos fins de semana em casa. Bruna eu te amo por ser o rumo da minha vida, por ser a força que me levou até aqui, pela força que me dás todos os dias, por ser a razão dos batimentos do meu coração. A minha mãe que sempre, mesmo nos momentos mais difíceis me ajudou, me colocou no caminho, me iluminou e dedicou sua vida a mim, os acertos da minha vida, dedico a ela, assim como minhas conquistas, todas nasceram da força que ela tem ao acreditar em mim. A Ariadne, pela frase “tu é uma guerreira”. As minhas parceiras de todo o curso Mariana e Renata, obrigada por tudo. A professora Ana Beber quem me incentivou me ajudou, me deu suporte e construiu este trabalho junto comigo. Que esta seja o inicio de uma longa caminhada entre discípulo e mestre. A professora Suzana, minha guia na faculdade, porque em aula disse que nosso caminho seria construído por aquilo que mais amamos fazer. E com isso me levou de volta para o carnaval e para o lugar que mais amo no mundo. A todos aqueles que me apoiaram, aos entrevistados aos que pararam para me contar histórias, aos amigos que fiz em Montevidéu e principalmente ao abençoado momento em que decidi fazer este trabalho que me reaproximou do meu pai depois anos de distancia e que me ajudou a reconciliar-me com minha origem para trilhar meu futuro.


RESUMO

Este trabalho objetiva analisar o carnaval como expressão de identidade local e produto turístico na cidade de Montevidéu, no Uruguai, analisando como esta manifestação está intrinsecamente ligada à identidade na cidade e o carnaval na sua modalidade atual. A pesquisa utilizou a abordagem qualitativa pela qual se buscou resgatar o histórico do carnaval de Montevidéu, assim como a construção da identidade da cidade e sua comunicação através do carnaval. As técnicas de pesquisa utilizadas foram a pesquisa bibliográfica, a observação participante e o questionário de perguntas abertas. A pesquisa bibliográfica baseou-se no acervo da Biblioteca Nacional do Uruguai, a observação participante deu-se durante o carnaval de 2011 e o questionário aplicou-se à participantes do carnaval. Evidenciou-se no resultado que o carnaval, mesmo sendo considerada manifestação cultural do Uruguai, não se constitui, ainda, em um produto turístico de forte apelo. O carnaval vem sendo trabalhado, primeiramente, como uma representatividade da cidade e, portanto, faz com que surjam políticas para salvaguardar esta representatividade identitária. O turismo, no entanto, ainda não possui uma política que desenvolva o apelo turístico que o carnaval necessita para se desenvolver como produto turístico, dependendo, assim como toda a cadeia turística do Uruguai, prioritariamente dos turistas argentinos. Palavras-chave: Turismo. Montevidéu. Carnaval. Identidade. Patrimônio.


RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo analizar el carnaval como expresión de identidad local y producto turístico en la ciudad de Montevideo, en el Uruguay, analizando como esta manifestación esta intrínsecamente envuelta con la identidad en la ciudad y carnaval en su modalidad actual. La pesquisa utilizo un abordaje cualitativo por el cual se buscó rescatar el histórico del carnaval de Montevideo, así como la construcción de la identidad de la ciudad y su comunicación a través del carnaval. Las técnicas de pesquisa utilizadas fueron la revisión bibliográfica, la observación participante y el cuestionario de preguntas abiertas. La revisión bibliográfica se basa en la colección de la Biblioteca Nacional del Uruguay, la observación participante se dio a cabo durante el carnaval de 2011 y el cuestionario se aplicó a participantes del carnaval. Se evidenció en el resultado, que el carnaval, mismo siendo considerado manifestación cultural del Uruguay, no se constituye, todavía, en un producto turístico de fuerte atractivo. El carnaval ha sido trabajado, primero, como una representatividad de la ciudad y, por tanto, hace con que se críen políticas para salvaguardar esta representatividad identitaria. El turismo, sin embargo, todavía no posé una política que desarrolle el atractivo turístico que es lo que el carnaval necesita para desarrollarse como un producto turístico, dependiendo, de esta forma, como toda la cadena turística del Uruguay, prioritariamente, de los turistas argentinos.

Palavras-clave: Turismo. Montevidéu. Carnaval. Identidade. Patrimônio.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Obra de Eduardo Vernazza ............................................................................. 70 Figura 2: Cortiço Mediomundo ...................................................................................... 74 Figura 3: Tablado de Bairro anos 30 século XX ............................................................ 81 Figura 4: Murga Patos Cabreros ..................................................................................... 81 Figura 5: Mapa do Uruguai ............................................................................................ 90 Figura 6: Cartaz Carnaval 1915-1916 ............................................................................ 91 Figura 7: Mapa Desfile Inaugural Canaval 2011 ......................................................... 103 Figura 8: Figura Desfile Inaugural 2011 ...................................................................... 105 Figura 9: Figura Desfile Inaugural 2011 ...................................................................... 106 Figura 10: Figura Desfile Inaugural 2011 .................................................................... 107 Figura 11: Figura Desfile Inaugural 2011 .................................................................... 107 Figura 12: Ingresso Tablado do Velódromo ................................................................. 110 Figura 13: Programação Tablado do Velódromo ......................................................... 111 Figura 14: Figura Tablado do Velódromo .................................................................... 112 Figura 15: Figura Tablado do Velódromo .................................................................... 112 Figura 16: Integrantes Murga la Gran Siete ................................................................. 113 Figura 17: Entrada Carnaval de Gala ........................................................................... 114 Figura 18: Apresentação Murga la Gran Siete ............................................................. 114 Figura 19: Venda de Merchandising Teatro de Verano ............................................... 115 Figura 20: Apresentação Murga La Gran Siete ............................................................ 116 Figura 21: Público no Teatro de Verano ...................................................................... 116 Figura 22:Apresentação Murga Falta y Resto .............................................................. 117 Figura 23: Ingresso Teatro de Verano .......................................................................... 117 Figura 24: Apresentação Murga Agarrate Catalina ...................................................... 118 Figura 25: Apresentação Murga Diablos Verdes ......................................................... 119 Figura 26: Libreto Murga Diablos Verdes ................................................................... 119 Figura 27: Propaganda do Carnaval do Bicentenário .................................................. 121 Figura 28: Apresentação Murga Curtidores de Hongos ............................................... 121 Figura 29:Entrada para o Carnaval do Bicentenário .................................................... 122 Figura 30: Apresentação Murga Curtidores de Hongos ............................................... 122 Figura 31: Murga Araca la Cana .................................................................................. 123


Figura 32: Mapa Desfile de Llamadas .......................................................................... 124 Figura 33: Aquecimento tambores ............................................................................... 125 Figura 34: Desfile de Llamadas .................................................................................... 126 Figura 34: Desfile de Llamadas .................................................................................... 126 Figura 35: Desfile de Llamadas .................................................................................... 127 Figura 36: Desfile de Llamadas .................................................................................... 127 Figura 37: Desfile de Llamadas .................................................................................... 128 Figura 38: Desfile de Llamadas .................................................................................... 128 Figura 39: Desfile de Llamadas .................................................................................... 129 Figura 40: Desfile de Llamadas .................................................................................... 130 Figura 41: Desfile de Llamadas .................................................................................... 132 Figura 42: Logotipo do Museu do Carnaval ................................................................. 135 Figura 43: Ingreso do Museu do Carnaval ................................................................... 136 Figura 44: Museu do Carnaval ..................................................................................... 136 Figura 45: Museu do Carnaval ..................................................................................... 137 Figura 46: Museu do Carnaval ..................................................................................... 137 Figura 47: Museu do Carnaval ..................................................................................... 138 Figura 48: Folhexo explicativo do Carnaval ................................................................ 138 Figura 49: Museu do Carnaval ..................................................................................... 139 Figura 50: Museu do Carnaval ..................................................................................... 139


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANP – Administración Nacional de Puertos DAECPU – Diretores Associados de Espectáculos Carnavalescos Populares del Uruguay DINARP – Dirección Nacional de Relaciones Públicas DIPRODE – Dirección de Proyectos de Desarrollo ICOMOS - International Council on Monuments and Sites IMM – Intendência Municipal de Montevideo MEC – Ministério de Educación y Turismo del Uruguay MINTURD – Ministério de Turismo y Deportes del Uruguay MTOP – Ministério de Transportes y Obras Públicas del Uruguay MVOTMA – Ministério de Vivienda, Ordenamiento Territorial y Medio Ambiente del Uruguay OMT – Organização Mundial do Turismo PCCCP – Programa de Competitividad de Conglomerados y Cadenas Productivas UCCI – Unión de Ciudades Capitales Ibero-Americanas. UDELAR – Universidade de la Republica UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Uruguay.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 13 2 A RELACAO ENTRE CULTURA, IDENTIDADE E CARNAVAL ......................... 19 2.1 CULTURA ..................................................................................................................... 19 2.2 MEMORIA ...................................................................................................................... 21 2.3 IDENTIDADE ................................................................................................................. 24 2.4 TURISMO E TURISMO PATRIMONIAL ................................................................... 26 2.5 CARNAVAL .................................................................................................................. 32 3 DA MEMÓRIA AO CARNAVAL DE MONTEVIDÉU .............................................. 40 3.1 MEMORIA NO URUGUAI ........................................................................................... 40 3.2 IDENTIDADE URUGUAIA .......................................................................................... 42 3.4 DITADURA NO URUGUAI .......................................................................................... 49 3.3 CARNAVAL EM MONTEVIDÉU ................................................................................ 55 3.3.1 Llamadas ..................................................................................................................... 66 3.3.2 Murgas ......................................................................................................................... 76 3.5 CARNAVAL E DITADURA .......................................................................................... 85 3.6 TURISMO EM MONTEVIDÉU E NO URUGUAI ....................................................... 90 3.7 CARNAVAL COMO PRODUTO TURISTICO ............................................................ 93 4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................. 98 5 RESULTADO E ANÁLISE ............................................................................................. 103 5.1 DESCRICAO DO CARNAVAL DE MONTEVIDEU 2011 ......................................... 103 5.1.1 Desfile Inaugural ........................................................................................................ 103 5.1.2 Tablados ...................................................................................................................... 108 5.1.3 Llamadas ..................................................................................................................... 124 5.1.4 Carnaval e Mídia ........................................................................................................ 133 5.1.6 Museu do Carnaval .................................................................................................... 135 5.2 ANALISE DOS RESULTADOS .................................................................................... 140 5.2.1 Identidade Montevideana .......................................................................................... 141 5.2.2 Construção do Patrimônio através do carnaval ...................................................... 143 5.2.3 Carnaval Como Produto Turístico ........................................................................... 145 5.2.4 Carnaval Como Manifestação Cultural ................................................................... 148

CONSIDERACOES FINAIS .............................................................................................. 152 PRINCIPIOS ETICOS NORTEADORES DA PESQUISA ............................................ 155 REFERENCIAS .................................................................................................................. 157 ANEXO A ............................................................................................................................ 168


ANEXO B ............................................................................................................................ 169 ANEXO C ............................................................................................................................ 170 ANEXO D ............................................................................................................................ 171


13

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como propósito apresentar a monografia do trabalho de Conclusão do Curso II do curso de Bacharelado em Turismo da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUCRS. O tema proposto para a pesquisa é o carnaval como expressão de identidade local e produto turístico na cidade de Montevidéu, no Uruguai, analisando como esta manifestação está intrinsecamente ligada à identidade na cidade e o carnaval na sua modalidade atual. Analisou-se o carnaval e as implicações no período ditatorial, assim como suas implicações em termos de memória e uso do patrimônio com fins turísticos. O carnaval de Montevidéu é aqui entendido como uma representação identitária da cidade, utilizada como produto turístico, podendo ser estendida em um nível nacional. A importância de estudar o carnaval como fenômeno cultural e suas implicações turísticas, permite ampliar o conhecimento sobre a utilização do patrimônio cultural como produto turístico e, como esta manifestação, pode ser ao mesmo tempo, significativa para uma cidade. Desta forma, mostraremos a trajetória do carnaval através dos processos históricos que alimentaram sua criação e crescimento. No carnaval de Montevidéu existem cinco tipos de agremiações, para um melhor direcionamento deste trabalho optou-se por focar a pesquisa em duas destas agremiações as Murgas1e as Llamadas 2. Das llamadas faz parte o candombe3, declarado pela UNESCO, em setembro de 2009, como Patrimônio Cultural da Humanidade (UNESCO, 2009, p.73): “ por sua função social de potencializar a identidade da comunidade afro uruguaia, a partir dos símbolos existentes no candombe.” O carnaval de Montevidéu foi declarado 1

Para Bordolli (2002) a murga é “(...) uma manifestação dramático musical, polifônica e de integração tradicionalmente masculina” (BORDOLLI, 2002, p. 2, tradução nossa). A mesma autora completa dizendo que a murga surgiu a partir do “(...) aporte migratório predominantemente espanhol e italiano (...)” (BORDOLLI, 2002, p. 5, tradução nossa). 2 Em Marrero (2006) encontramos que “Llamadas de tambor nas ruas de Montevidéu instituíram um núcleo potencializador de identidade social que se construiu a partir da possibilidade de expressar-se baixo uma modalidade de baile, música e instrumentos próprios, conhecida genericamente como Candombes” (MARRERO, 2006, p. 101, tradução nossa). Para Olaza (2009) as llamadas, assim como o candombe, é uma das máximas representações da cultura afro no Uruguai. 3 O candombe para Carámbula (1985) é “(...) a sobrevivência do acervo ancestral africano – de raiz bantú – trazido pelos negros chegados ao Rio de Prata” (CARÁMBULA, 1985, p. 13, tradução nossa). Para Picotti (1998) “A palavra “candombé”, que entre nos aparece a mediados do século passado, denominando esta celebração profana de origem fundamentalmente bantú e característica dos africanos de ambas as margens do Rio da Prata, é também uma voz genérica para todo baile afroamericano do subcontinente e até do Caribe” (PICOTTI, 1998, p. 155, tradução nossa).


14

de interesse nacional4 no ano de 2007, pelo então presidente em exercício, Tabaré Vasquez, tendo como justificativa que este reconhecimento ajudará ao desenvolvimento do carnaval, para que este seja reconhecido internacionalmente.5 Sendo assim, apresenta-se um vasto campo de estudo a ser trilhado no que se refere às questões ligadas ao carnaval de Montevidéu, a relação intrínseca com a identidade local, a construção do patrimônio através do carnaval e da memória, o fortalecimento da função comunicativa do carnaval no período ditatorial, a representatividade identitária que é utilizada pelo Ministério do Turismo e Esporte do país quando da divulgação do carnaval como um produto turístico que permite ao turista ter “contato com o espírito e contato deste povo” 6. São várias as questões que vem à luz quando se trata de uma manifestação cultural retroalimentada pela sociedade que a criou. Por esta razão escolheu-se como objeto deste estudo: o carnaval de Montevidéu é visto como produto turístico e representativo da identidade montevideana pelos participantes do carnaval após a ditadura? Para obter-se a resposta a esta indagação temse como objetivo geral analisar o carnaval como expressão de identidade local e produto turístico da cidade de Montevidéu. Para alcançá-lo, os objetivos específicos são: 

Fazer uma retrospectiva histórica do carnaval no período da ditadura.

Identificar a percepção dos protagonistas em relação ao carnaval de Montevidéu

e à construção da identidade local; 

Descrever o Carnaval 2011 de Montevidéu. Para chegar aos objetivos delimitados, apresentaremos a seguir, a metodologia

que foi utilizada. A ciência etimologicamente significa conhecimento. Gil (1999) explica que não há uma definição permanente para o conceito de ciência, ou seja, ela tem como finalidade criar normas pelas quais os fenômenos serão regidos. O mesmo autor completa analisando que sendo a ciência cabível de verificação e sendo construída pela racionalidade, ela também pode vir a falhar, porém, através da aplicação da ciência, o mundo tem sido reconstruído profundamente e com exatidão. O método científico para Gil (1999, p. 26) é “o conjunto de procedimentos intelectuais e técnicos adotados para se atingir o conhecimento” Assim, com o uso do método, a ciência alcançaria 4

No dia 01 de novembro de 2007 o presidente em exercício Tabaré Vasquez declarou o carnaval de interesse nacional. O Documento oficial está disponível em http://daecpu.com.uy/decretopres.htm. 5 Informacao disponível em http://www.uruguayaldia.com/2010/02/vazquez-declaro-de-interes-nacionaltransmision-carnaval/. 6 Informação disponível em http://www.uruguaynatural.com/cultural/tradiciones-carnaval.


15

então, seu fim que seria nas palavras do próprio Gil (1999) o meio utilizado para dar autenticidade aos fenômenos. Já para Goldenberg (1997, p. 104) o método científico “(...) é a observação sistemática dos fenômenos da realidade através de uma sucessão de passos, orientados por conhecimentos teóricos (...)”. A pesquisa proposta neste estudo analisa o carnaval de Montevidéu utilizando a abordagem qualitativa de caráter exploratório, pois no desenvolvimento do trabalho é essencial a análise das subjetividades para o entendimento do tema. Esta adjetivação da pesquisa qualitativa vai ao encontro do tema escolhido para este trabalho, pois questões identitárias não são mensuráveis assim como os processos que as constroem, elas ficam no campo da subjetividade daqueles que participam do carnaval e de toda uma sociedade. Para Santos e Candeloro (2006, p. 71):

A pesquisa de natureza qualitativa é aquela que permite que o acadêmico levante dados subjetivos, bem como outros níveis de consciência da população estudada, a partir de depoimentos dos entrevistados, ou seja, informações pertinentes ao universo a ser investigado, que leve em conta a ideia de processo, de visão sistêmica, de significações e de contexto cultural.

A pesquisa qualitativa, para Minayo (2008, p. 79) tem como foco “a exploração do conjunto de opiniões e representações sociais sobre o tema que pretende investigar”, pois ela trabalha com assuntos que não podem ser determinados como os significados. Para Goldenberg (1997, p. 14), na pesquisa qualitativa, o foco do pesquisador não está na “(...) representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da compreensão do grupo social, de uma organização (...)”. A autora afirma que, ao não poder quantificar a pesquisa qualitativa, pois não podem medir-se as subjetividades do ser, este tipo de pesquisa evita que o pesquisador seja parcial no assunto estudado. Moreira (2002, p. 17) explica que “(...) a pesquisa qualitativa pode ser associada à coleta e análise de texto -falado e escrito - e à observação direta do comportamento”. Para uma melhor compreensão do carnaval como manifestação, optamos por uma pesquisa exploratória, que se caracteriza por, através de um determinado fato estudado, proporcionar uma visão holística do mesmo como encontramos em Gil (1999). Para Gil (1999) as pesquisas exploratórias mostram um determinado acontecimento, a partir de uma visão sistêmica. O uso deste tipo de pesquisa, neste trabalho, justifica-se a partir desta visão geral proporcionada, pois o carnaval como


16

manifestação cultural congrega diversas representatividades que não seriam possíveis de ser estudadas em separado. Alcançar esse caráter exploratório da pesquisa, também ajuda a “desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e idéias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores” (GIL, 1999, p. 43). Encontramos em Bastos (2009) que todo trabalho científico tem como base este tipo de pesquisa, pois ela possui como objetivo buscar mais dados sobre o objeto da investigação para que haja mais informações sobre ele e, dando uma amplitude maior sobre o tema estudado. Como técnica de coleta de dados foi utilizada a revisão bibliográfica, observação participante e questionário de perguntas abertas. A pesquisa bibliográfica, para Gil (1999), tem como principal vantagem à abrangência sobre um tema possibilitando agregar dados dispersos. Para Carvalho (1989, p.99): “Pesquisar (...) é procurar uma informação que não se sabe e que se precisa saber.”, sendo assim temos que a pesquisa bibliográfica tem como fim localizar “(...) fontes diversas de informação escrita, para coletar dados gerais ou específicos sobre um determinado tema” (CARVALHO, 1989, p. 100). Desta forma, chegamos à opinião de Santos e Candeloro (2006, p. 70) para quem a pesquisa bibliográfica “(...) consiste na busca de elementos para a sua investigação em materiais impressos ou editados eletronicamente”. Os autores também tratam a pesquisa bibliográfica como uma forma de obter dados, a partir produções acadêmicas, de determinados autores que tratam do assunto de uma forma específica. Outra fonte de pesquisa crucial para este trabalho foi à internet, sobre esta Castells (2003b, p. 7) explica que “(...) a internet passou a ser a base tecnológica para a forma organizacional da Era da informação: a rede.” Na internet buscou-se informações referentes ao carnaval, focando sempre em notícias atuais que viessem a enriquecer a pesquisa, também procurou-se a bibliografia que viria a ser utilizada como referencial para este trabalho, assim como outras informações pertinentes ao assunto aqui tratado. Para Goldenberg (1997) a observação participante é uma maneira de evitar preconceitos sobre um determinado assunto, já que o observador estará inserido no seu locus de pesquisa de uma forma que ele terá condições de analisar e processar informações que não gerem preconceitos sobre o tema tratado. Na observação participante o pesquisador interage com os atores, participa das rotinas e participa de diversas ocorrências dentro do objeto da sua pesquisa. Para Lopes (2006, p. 172):


17

Na observação participante, o pesquisador participa da situação que está estudando sem que os demais elementos envolvidos percebam a posição dele, que se incorpora ao grupo ou à comunidade pesquisadora, de modo natural (quando já é elemento do grupo) ou artificialmente.

Para Coutinho e Leal (2009) a observação participante parte da premissa da inserção do pesquisador no ambiente do outro com a finalidade de facilitar a comunicação com a sociedade observada com a troca de informações constante para estabelecer uma conexão com os dados obtidos a partir da revisão bibliográfica e outras técnicas de obtenção de dados. Em Alves (2003, p. 174) encontramos que:

Embora sejam vistas como etapas distintas, os trabalhos de construção de um objeto de pesquisa e de sua observação e registro são processos que se articulam, exigindo um exercício de reflexão por parte do pesquisador.

O questionário de perguntas abertas, na opinião de Gil (1999, p. 128), tem como “(...) objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, situações vivenciadas etc.”. A formatação do questionário é explicada por Lopes (2006, p. 241) para quem o questionário é uma “[...] série ordenada de perguntas, que devem ser respondidas por escrito e sem a presença do entrevistador”. Desta forma, conseguiremos então identificar percepções e construções identitárias com pertinência ao tema tratado neste trabalho. A amostragem para a aplicação do questionário levou em consideração a participação das pessoas no carnaval de Montevidéu. Para isto, durante os 24 dias, em que deu-se a observação na cidade, foram realizadas pesquisas em diversos meios eletrônicos e em mídia impressa com a finalidade de encontrar às pessoas que, efetivamente, não só participam do carnaval, como contribuem da alguma forma para a percepção da identidade montevideana. Para Carvalho (1989) a análise de dados coletados é uma ordenação de tudo aquilo que foi visto durante as técnicas de pesquisa. Desta forma para cada resposta serão retiradas palavras que estejam ligadas diretamente ao fenômeno estudado, a repetição destas palavras ou do assunto, se tornará uma categoria que irá formar uma variável para assim, definir, o que Moreira chama de, “formulação de sentidos” (MOREIRA, 2002, p. 121). Desta forma, chegamos a Lopes (2006, p. 38) para quem a “(...) a análise dos dados dever permear todo o trabalho de pesquisa, pois é ele que dará sustentação referencial (...) para a análise dos resultados e conclusões obtidas.”.


18

Este trabalho está organizado através das seguintes partes: a introdução que apresenta o tema abordado, situando o leitor no contexto do carnaval montevideano, a justificativa da escolha da autora pelo tema, a problematização, objetivos e a metodologia, explanando sobre as técnicas que nortearam esta pesquisa. Posteriormente apresentaremos o capítulo que trata da relação entre cultura, identidade e carnaval, para um melhor entendimento, este é dividido da seguinte forma: cultura, memória, identidade, turismo e patrimônio cultural e carnaval. No capítulo da memória ao carnaval do Montevidéu, explanaremos os temas tratados no primeiro capítulo porém tendo como foco o tema desta pesquisa, para isto, esta parte do trabalho apresentará os seguintes temas: memória no Uruguai, identidade uruguaia, ditadura no Uruguai, carnaval em Montevidéu, aqui haverá duas subdivisões onde apresentaremos as llamadas e as murgas, finalizando este capitulo teremos o carnaval e ditadura, turismo em Montevidéu e no Uruguai e o carnaval como produto turístico. Após esta explanação apresentaremos os procedimentos metodológicos utilizados neste trabalho, para então, finalizar com o resultado e análise, que apresentará a descrição do carnaval de Montevidéu do ano 2011, que será subdivido em desfile inaugural, tablados, llamadas, carnaval e mídia e museu do carnaval. Faremos após, a análise dos resultados, apresentando estes, então, na forma de identidade montevideana, construção do patrimônio através do carnaval, carnaval como produto turístico, carnaval como manifestação cultural, finalizando esta pesquisa então teremos as considerações finais e os princípios éticos que nortearam esta pesquisa.


19

2 A RELACAO ENTRE CULTURA, IDENTIDADE E CARNAVAL

Neste capítulo serão apresentados referenciais relativos à cultura, identidade e memória, bem como conceituaremos turismo cultural, patrimônio e mostraremos a conceituação de carnaval, e as possíveis origens dos festejos de carnaval.

2.1 CULTURA

Neste texto serão contemplados alguns conceitos sobre cultura, como ela se constrói através da sociedade e como suas materializações capturam um determinado momento da sociedade. Utilizaremos autores como Achúgar (1994), Boas (1964), Coelho (2008), entre outros. Tendo com propósito situar o carnaval de Montevidéu em um contexto atual partindo da sua história e dos seus campos de ação nos quais ele está inserindo, se faz necessário uma compreensão das ideias em torno à cultura. Nos estudos considerados clássicos da cultura, tomemos a concepção de E.B. Tylor que diz que:

A cultura ou civilização, no sentido etnográfico amplo, é esse todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, o direito, os costumes e quaisquer outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade (TYLOR, 1871 apud LARAIA, 2001, p. 25).

Portanto, a cultura é formada pelas construções do homem inserido em uma sociedade, esta sociedade é dinâmica e faz das suas construções também dinâmicas. Com isso, temos que a cultura é um processo dinâmico que acompanha a sociedade que a constrói, para entender este processo utilizaremos a definição de Boas (1964, p.3, tradução nossa) que entende a cultura como “um processo de criação orgânica e viva e não uma adaptação mecânica”. Desta forma chegamos a Achúgar (1994, p.10, tradução nossa) para quem a cultura pode ser vista como “as estruturas de pensamento e de sentimento, porém em função de sua formalização ou de sua expressão simbólica”.


20

Podemos verificar, então, que a cultura surge das construções da sociedade, para reger sua convivência em comunidade e das interações desta comunidade com a natureza como destaca Laraia (2001). Para Boas (1964) cada cultura, irá fornecer informações de que a sua conseqüência de ser é o efeito das condições as quais foi submetida, porém estas conseqüências não determinam necessariamente o que o sujeito que nasce dentro de determinada cultura será.

Pode definir-se a cultura como totalidade das reações e atividades mentais e físicas que caracterizam a conduta dos indivíduos componentes e um grupo social, coletiva e individualmente, em relação ao seu ambiente natural, a outros grupos, a membros do mesmo grupo, e de cada individuo consigo mesmo. Também inclui os produtos destas atividades e sua função na vida dos grupos (BOAS, 1964, p. 167, tradução nossa).

Geertz (1994) opina que a cultura descansa no fenômeno das representações. Desta forma, tudo o que é produzido pela sociedade representa algo a ser demonstrado para si ou para os outros como uma forma de identificação. Ainda no campo das representações para Lévi-Strauss (1995) a cultura carrega significados a serem traduzidos levando em conta que estes existem material e culturalmente. Para Coelho (2008, p.9) a visão clássica da cultura continua necessária nos dias de hoje, esta concepção clássica da ideia da cultura engloba um “(...) conjunto de iniciativas que atendem as reivindicações das diferentes linguagens e gêneros clássicos”. Não existem visões erradas ou certas de ver a cultura e sim formas diferentes de se entender o que é cultura. Para cada objeto de estudo deve existir uma maneira de se trabalhar as teorias sobre a cultura de uma forma que esta consiga efetuar uma leitura precisa do processo a ser estudado. Coelho (2008, p.15) ao refletir como a nossa atuação através das cidades é feita “(...) também pelas cartografias mentais e emocionais que variam segundo os modos pessoais de experimentar as interações sociais”. Na declaração da UNESCO de 1982 na Cidade do México o primeiro princípio citado que deve reger as regras para políticas públicas mostra a cultura como representante de “Um conjunto de valores único e insubstituível, já que as tradições de cada povo e formas de expressão são os seus meios mais eficazes de demonstrar sua presença no mundo” (UNESCO, 1982, p.1, tradução nossa). A seguir na mesma declaração nos pontos que devem reger a dimensão cultural do desenvolvimento encontra-se que: A cultura constitui uma dimensão fundamental do


21

processo de desenvolvimento e contribui para reforçar a independência, soberania e identidade das nações (UNESCO, 1982, p. 2, tradução nossa). Leslie White, antropólogo norte-americano, explana que para os atuais estudiosos de antropologia da América do Norte.

(...) a cultura é o produto acumulado dos atos criadores de um sem número de indivíduos, que o indivíduo e a fonte e origem de todos os elementos culturais, e, finalmente que o processo cultural deve ser explicado em termos de indivíduo (WHITE, 1982, p. 162, tradução nossa).

White (1982, p.142, tradução nossa) conseguiu dimensionar sua teoria sobre a cultura, sendo esta a seu entender uma “organização de fenômenos que depende do uso de símbolos”. Neste caso podemos entender que a cultura então atua como uma organização de fenômenos sociais adaptáveis ao seu meio e surgidos também devido a eles, porém, não como subordinação, que se fazem entender para seus atores e para os outros com a utilização de símbolos.

2.2 MEMORIA

Nesta parte do estudo explanaremos sobre a memória, como ela se constrói como ela se representa como uma manifestação e como o carnaval torna-se um lugar de memória e construção cultural. Utilizaremos autores como Candau (2008), Arias (2004) e Beramendi e Baz (2008), para as explanações pertinentes ao assunto. Para Candau (1998) quando uma pessoa, através das memórias coletivas, se compreende como parte de uma sociedade ele começa a materializar a memória transformando-a em patrimônio. Acosta, Del Rio e Valcuende (2007) explanam que cada pessoa tem sua memória, a chamada memória individual, o individuo quando se vê como integrante da sociedade começa a utilizar suas memórias em uma interação com a memória coletiva que é o meio na qual ela interage e conclui que as representatividades materiais e imateriais de uma sociedade tomam forma a partir do esquecimento e das lembranças desta sociedade. Desta forma conseguimos entender como esta sociedade foi se ordenando dentro da sua realidade.


22

Toda memória é individual, porque são os indivíduos os que fazem ou não, uso da memória, mas ao mesmo tempo toda memória é coletiva, ou seja, se nutre e se transforma a partir de referentes culturais em função da interação social. (ACOSTA; DEL RIO; VALCUENDE, 2007, p. 21, tradução nossa).

Temos em Beramendi e Baz (2008, p. 46, tradução nossa) que “A memória é um fenômeno de recreação que, por definição, está artificial, cultural e socialmente determinado”. Ou seja, a memória seria, em última análise, produto de um determinado momento da sociedade, levando em conta todas as suas conjunturas. Então temos que a memória é construída conforme a dinâmica da sociedade em determinados espaços temporários. Para Arias (2002) a memória é a salvaguarda dos sistemas que regem a sociedade que funcionam como uma ligação entre o que a sociedade foi e o que ela é, desta forma o uso da memória trilharia a formação da identidade. Desta forma encontramos que “Se a memória condiciona nossa ação, a memória é também um recurso mutável que se transforma em função de contextos históricos e pessoais” (ACOSTA; DEL RIO; VALCUENDE, 2007, p. 23, tradução nossa). Nora (apud BERAMENDI; BAZ, 2008, p. 47) designa como memória “todas as formas da presença do passado que não se reconstroem na história critica formas que não excluem a lembrança, mas não a pressupõe”. Em Hershberg e Agüero (2005) encontra-se a ideia da memória como o discurso de um determinado momento da sociedade em uma intrínseca relação entre o que é lembrado até aquele momento pela sociedade e a memória do integrante desta sociedade. A memória coletiva se afirma nas ritualidades de uma sociedade em um processo continua de revitalização entrando no discurso de preservação das tradições como encontramos em Arias (2004). Achúgar (2004) explana que a construção da memória tem diversas variantes como a geração na qual um indivíduo pertence e a classe social onde ele está inserido, sendo assim, a construção da sociedade tem diversos pontos a serem analisados para criar um metarelato de uma sociedade. A construção da memória ocorre na atualidade do processo histórico que ocorre na sociedade, em uma constante revivificação do passado, este uso do passado no presente provoca alterações na memória, tornando-a um diálogo conflitivo como explana Arias (2004). A seleção da memória, para Beramendi e Baz (2008), tem como resultado o simbolismo que se materializa em manifestações,


23

monumentos e outros mecanismos que funcionam como preservação da memória, porém continuam os autores, explanando que mesmo com estes mecanismos as reais fontes da construção de memória desaparecem com quem as criou, ficando a materialização. Essa recuperação da memória é a criação de significados adaptados à atualidade da sociedade para que o passado tenha um sentido atual como encontramos em Acosta, Del Rio e Valcuende (2007). “[...] memória e identidade não são aspectos que atuam isoladamente; são um cenário de combate onde se enfrentam forças que tem desiguais cotas de poder, que são um elemento de importância no momento de construir seu resultado.” (JELIN, 2004, p. 143, tradução nossa)

Jelin e Lorenz (2004) opinam que na atualidade a memória trabalha como um mecanismo de esquecimento, sendo assim, para que as não se torne um recurso sempre utilizado tem que existir uma mudança no relato histórico, o que altera a construção da memória social e assim da construção da ideia de nação. Para Achúgar (2004, p. 128, tradução nossa) o monumento é a “objetivação da memória”, sendo que, continua o autor, a relação entre memória e história sempre apresenta um choque devido ao que é considerada parte da história e a construção da memória. Verifica-se que “(...) a análise da memória não pode separar-se da analise das identidades.” (ACOSTA; DEL RIO; VALCUENDE, 2007, p. 16, tradução nossa). Em Cueto (2009, p. 25, tradução nossa) encontramos que “A memória de identidade, como memória ancestral, se expressa nos elementos carnavalescos do universo simbólico das manifestações”. Para Alfaro (2002) o carnaval, ao materializar toda uma gama de representações simbólicas da memória, este pode ser visto “(...) “lugar de memória” e como relato possível do Uruguai imaginário.” (ALFARO, 2002, p.27, tradução nossa). Por lugar de memória entende-se “(...) lugar onde se fomenta a memória, uma fábrica onde se elabora uma determinada visão do passado.” (BERAMENDI; BAZ, 2008, p. 46, tradução nossa). Beramendi e Baz (2008) completam a sua colocação explicando que a materialização da memória nasce nos lugares de memória assim, esta materialização se torna um “lugar de memorializacão” (BERAMENDI; BAZ, 2008, p. 47, tradução nossa). Sendo o carnaval uma manifestação cultural e lugar de memória, temos que a cultura é “memória comum” (LOTMAN apud PIÑEYRUA, 2005, p. 40, tradução nossa). Na opinião de Ainsa (2008, p. 7, tradução nossa) todo “espaço mental tem um


24

passado e um futuro”, desta forma a encenação funcionaria como uma salvaguarda da memória. Na medida em que concebemos a cultura como memória, ou “gravação na memória do que foi vivido pela coletividade”, a estamos relacionando necessariamente com a experiência histórica passada. Quando decidimos que se cria uma nova cultura, conjunturamos que ela vai se tornar memorial, realizamos uma antecipação, embora somente o futuro vai demonstrar a legitimidade (ou seja, a permanência) de uma nova cultura (PIÑEYRUA, 2005, p. 41, tradução nossa).

2.3 IDENTIDADE

Entende-se necessário explanar alguns dos conceitos existentes sobre identidade, como, por exemplo, de que maneira ela se constrói. Para a construção deste tópico buscamos autores como Arias (2002), Castells (2003a) e Hall (2006) entre outros. Como vimos no capítulo anterior, a cultura é uma construção da sociedade a partir da sua interação com o meio e também uma forma de normatizar a sua convivência, sendo assim é um processo de construção social. Já a identidade marca um processo, um determinado momento de uma sociedade, ela é a construção de um fato social. Na opinião de Arias (2002) cultura e identidade não são o mesmo, apesar de serem construídas pela sociedade.

A cultura, como construção simbólica da práxis social, é uma realidade objetiva que tem permitido aos grupos ou a um indivíduo chegar a ser o que é. Enquanto que a identidade é um discurso que nos permite “eu sou ou nós somos isto”, mas que só pode construir-se a partir da cultura. Então temos que a cultura e identidade são conceitos diferentes, pois não é o mesmo “ser” que “dizer o que se é” (Arias, 2002, p. 103, tradução nossa)

Arias (2002) completa afirmando que a cultura não é, necessariamente, uma construção consciente do indivíduo, porém quando se constrói desta forma chega a alterar a cultura onde surge. Na opinião de Hall (2006) a construção da identidade de um indivíduo remonta a uma origem em comum da sociedade que ele faz parte, ou como foram utilizados os recursos circundantes ao indivíduo para que este esteja constantemente construindo o ser e não o de ser efetivamente; pois a construção da


25

identidade remonta a questão: em que podemos nos converter. Pois, a identidade, está em constante processo de construção então o indivíduo não chega a ser, está constantemente no processo de construir o será. Já na visão de García e Morín (2000, p.31, tradução nossa): “Carece de sentido conceber uma identidade substancial, quando só há conjuntos múltiples de elementos que formam sínteses, mas ou menos estavelmente organizadas, cujo ser depende das interações”. Para Castells (2003a) a identidade só se percebe como tal a partir do reconhecimento que um indivíduo tem de si dentro do contexto cultural pertencente a sua sociedade, o autor diz que a estruturação de um indivíduo na sociedade gera uma conseqüência na estruturação da sociedade como um todo. Castells (2003a) continua explanando que na era da pós-modernidade onde a desintegração das organizações sociais e políticas e onde cada vez mais as construções culturais se tornam transitórias a identidade pode ser considerada uma “fonte de significado” (Castells, 2003a, p.29). Castells (2003a) completa afirmando que essa significação atribuída à identidade é à base da significação das construções sociais. Sendo assim temos que: “As identidades são fonte de sentido para os próprios atores e por eles mesmos são construídas mediante um processo de individualização” (CASTELLS, 2003a, p. 29, tradução nossa). Hall (2006) analisa que é justamente a construção da identidade dentro um determinado espaço temporal que capta o processo que vive a sociedade naquele momento, ou seja, a identidade é a construção discursiva de um terminado contexto histórico da sociedade. Arias (2002) explica que a comunicação entre o eu e os outros, cada um com suas cargas simbólicas, cria uma perspectiva do que é próprio e o que é do outro, esta comunicação pode ocorrer entre indivíduos ou entre sociedades. As identidades sociais surgem no momento que indivíduos se unem em torno de símbolos e rituais que os representam, assim eles compartilham esta representação que os situa dentro de determinado contexto social. A coesão da identidade social se dá em torno à memória conforme opinião de Beramendi e Baz (2008) para quem os indivíduos precisam lembrar-se de valores comuns para se tornar um grupo coeso na questão identitária. Sendo então, a identidade, uma construção social não estática como analisa Arias (2002) ela é tão dinâmica quanto à sociedade que a constrói. Portanto, ela tem como característica representar simbolicamente as construções desta sociedade. O mesmo autor completa dizendo que a


26

produção consciente das representações as torna um cenário de conflito, pois ela mostra as relações sociais existentes naquela sociedade. A festa é entendida por Pizzano (2004) como o melhor lugar para abrigar a representação coletiva de uma identidade, pois é durante as festas que a identidade é representada aos outros e então se reafirma dentro da sua própria sociedade. Para Koch (1998) com as mudanças em festividades advindas do turismo, este também lhe abre as portas para o seu reforço identitário. Esse reforço, para Barretto (2001), também existe quando há o encontro entre o outro, turista, e o autóctone, que ocasiona, dentro do espaço visitado, um reforço de identidade e cultura para, justamente, criar a diferença entre eles, a mesma autora conclui que a invenção das culturas reinventa as identidades. Assim temos que: “A identidade turística dos lugares é uma construção social, feita de tradições inventadas e de construções culturais atendendo aos mais diversos interesses.” (BARRETTO, 2001, p. 18).

2.4 TURISMO E PATRIMÔNIO CULTURAL

Trataremos aqui da conceituação do turismo assim como do turismo cultural também o conceituando e verificando o uso do patrimônio para fins turísticos. Para tratar deste tema utilizamos, autores como Barretto (2007), Santana (2003) e Prats (1997) entre outros. Devido ao tema tratado neste trabalho o enfoque para conceituação do turismo será sobre uma ótica cultural e patrimonial já que o turismo utiliza-se destes como atrativos. Como verificamos nos dois capítulos anteriores as construções da sociedade geram a cultura, essas construções se transformam na identidade de uma sociedade, a materialização desta identidade é que chamamos de patrimônio. Neste capítulo veremos como o turismo se apropria comercialmente deste patrimônio para atrair turistas. O turismo conceitua-se pelo deslocamento de pessoas para ocupar seu tempo livre fora do seu local de residência, tendo diversas motivações para escolha de um determinado local a partir dos atrativos turísticos que mais satisfazem suas expectativas. Utilizando o conceito de Barretto (2007) sobre turismo, tem-se que:


27

O turismo pressupõe a existência de contingentes de pessoas (turistas) que se deslocam para fora do seu lugar habitual de residência durante um período de tempo, com sua carga de expectativas provenientes das mais diversas fontes (propaganda, amigos Etc.) e pelos mais diversos motivos (BARRETTO, 2007a, p. 23)

Barretto (2007) completa informando que comercialmente o turismo, é o resultado de um processo que utiliza como substratos recursos naturais e culturais. A pluralidade de motivações que leva a uma pessoa a viajar é complexa, focando no tema tratado neste trabalho a motivação principal é a experiência de conhecer a cultura de outra região a partir de uma manifestação cultural que abarca um patrimônio imaterial da humanidade. Sendo assim, utilizamos a explanação de Barretto (2007, p.38) que diz que: “A experiência cultural é a de estar num meio onde o passado histórico e as tradições convivem com os modos de produção do presente”. Para a OMT (1998) o turismo cultural é aquele que tem como atrativo principal a cultura do destino criada pelas particularidades de uma sociedade, os atrativos podem ser materiais ou imateriais e sua temporalidade pode ser fixa ou sazonal. Uma das definições mais aceitas para turismo cultural é a do ICOMOS7 (1976) onde encontramos que:

O turismo cultural é aquela forma de turismo que tem por objeto, entre outros fins, o conhecimento de monumentos e sítios histórico-artísticos. Exerce um efeito realmente positivo sobre estes enquanto contribui (...) a sua manutenção e proteção. Esta forma de turismo justifica, de fato, os esforços que tal manutenção e proteção exigem da comunidade humana, devido aos benefícios socioculturais e econômicos que comporta para toda a população implicada 8

Para Peralta (2003) o turismo cultural ganha uma importância maior a cada dia dentro do turismo mesmo que o atrativo cultural não seja o principal motivo da visitação, pois ele efetivamente traz ganhos econômicos e também porque ele pode gerar a conscientização da conservação patrimonial diminuindo o custo da preservação para o Estado, pois a sociedade também passa a se sentir responsável por suas próprias criações culturais sejam elas materiais ou imateriais. Barretto (2007) entende por turismo cultural o turismo que tem por finalidade as construções da sociedade em diversos âmbitos sejam na sua construção imaterial como costumes ou na sua construção material como sua arquitetura. As primeiras definições 7 8

A sigla ICOMOS á a abreviatura de International Council on Monuments and Sites. Disponível em http://www.icomos.org/docs/tourism_es.html (tradução nossa)


28

de turismo cultural se centravam, na sua maioria, no deslocamento que ocorre para conhecer o patrimônio cultural material, ou seja, museus, cidades-monumento, sítios arqueológicos e etc. o patrimônio cultural imaterial não era visto como objeto do turismo cultural e sim como um complemento daquele. Porém, a cultura como produto de uma sociedade não produz só patrimônios tangíveis, a intangibilidade patrimonial é aonde o turista consegue se inserir na realidade representativa da localidade visitada, sendo assim, quando o turista participa de manifestações culturais ele também inicia, de certa forma, a se identificar, quando se torna, nas palavras de Alfonso (2003) observadores ativos, pois assim criam este sentimento de identificação com o patrimônio imaterial.

Praticamente todas as definições existentes sobre o turismo cultural têm sido criticadas desde alguma perspectiva, já que o alcance do próprio turismo cultural está experimentando uma evolução contínua com o papel mais ativo dos turistas nas próprias atividades do turismo cultural. Desta forma, o turismo cultural não se centra exclusivamente nas visitas a monumentos, conjuntos históricos, sítios arqueológicos e museus, senão que em suas atividades se integram muitos outros aspectos, como a cultura tradicional, as festas populares, os festivais, a música e a dança, as exposições, as festividades religiosas e peregrinações, a gastronomia, as feiras e outros recursos e acontecimentos diversos (MARCHANTE, HERNÁNDEZ, VINUESA, 2008. p. 296, tradução nossa).

Arévalo (2010) ainda refere-se às duas funções do patrimônio ou a seus dois valores que seriam o valor de uso e o de troca. O primeiro refere-se ao uso do patrimônio como salvaguarda da identidade, e o segundo aplica-se a mercantilização do patrimônio, já que nos dias de hoje onde tudo é negociável o patrimônio também passa a ser negociado. Uma das formas de “utilizar” o patrimônio no turismo, para Prats (1997) poderia constituir-se de um valor agregado para destinos turísticos, porém não sendo o principal motivo do turismo em si, desta forma (...) para redefinir su oferta, a la busqueda y captura de um turismo “de calidad” (PRATS, 1997, p.43). O uso do patrimônio cultural intangível como produto turístico para Santana (2003) faz com que ocorra um resgate através de campanhas realizadas para conscientização da sociedade que o construiu, para que esta conheça a sua história que está sendo representada através do patrimônio, desta forma cria uma releitura da memória forçando sua fixação. Nas palavras de Silberberg (1995) turismo patrimonial é: “(...) a visita de forasteiros motivada, no todo ou em parte, pelo patrimônio histórico, artístico, cientifico ou pelo estilo de vida de uma comunidade, região, grupo ou instituição. (SILBERBERG, 1995 apud BARRETTO, 2007, p. 88)”.


29

Para Prats (1997) o que faz o patrimônio um atrativo turístico são suas virtudes como a sua gratuidade e o seu acesso a todos sem discriminação a partir da sua gratuidade na maioria dos casos, o autor continua que desta forma o atrativo turístico patrimonial seria o único que pode ser gerenciado somente através do Estado e pode ser utilizado pela iniciativa privada e também sendo o patrimônio construção da sociedade ele confere uma diferenciação perante outros atrativos que são estacionários. Peralta (2003) expõe que: “(...) para que determinados elementos se constituam como patrimônio tem de ser resgatados de um corpus cultural mais ou menos difuso e sujeitos a uma engenharia social que lhes confere valor e significado” (PERALTA, 2003, p. 85, tradução nossa). Para a UNESCO (2009) o patrimônio cultural não abarca somente a materialidade da cultura abarca também as construções imateriais transmitidas de geração para geração através de diversas formas de expressão. Arévalo (2010) expõe que: “A UNESCO considera o patrimônio cultural imaterial como elemento fundamental da identidade” (ARÉVALO, 2010, p.1, tradução nossa). Sendo então um elemento representativo da identidade encontramos em Santana que: “El Patrimonio es la síntesis simbólica de los valores identitarios de una sociedad que los reconoce como propios” (INIESTA, 1990 apud SANTANA, 1998, p. 1). Para Prats existe na atualidade um momento de transcição no qual se passa “del monumento, soporte de la memoria, hemos pasado al patrimonio, soporte de la identidad” (DESVALLÉES, 1987 apud PRATS, 1997, p. 8). O entrelaçamento entre memória, sociedade e patrimônio é explicado pela seguinte concepção:

Existe estreita relação entre o que entendemos por memória social e patrimônio; tendo em conta que a memória social sirva para reelaboração da continuidade entre o passado e o presente, e é, como o patrimônio, resultado de uma construção social e fator mediante o qual se configura a identidade dos grupos sociais, conferindo-lhes sentido ao seu passado e significação ao seu presente. Porque a cultura e o patrimônio são a base da memória coletiva e componentes essenciais na confirmação da memória social; se bem, como a memória o patrimônio é dinâmico e ativo, pelo que esta submetido a câmbios (ARÉVALO, 2010, p. 7, tradução nossa).

O patrimônio como produto do turismo cultural ou do turismo patrimonial, primeiramente foi entendido mais como visitas a monumentos e similares, ou seja, ao patrimônio material, porém, como vimos o patrimônio na sua relação com a memória social cria estruturas patrimoniais intangíveis que também são objetos da motivação dos


30

turistas, pois este tipo de patrimônio se comunica com o turista, pois o carnaval é um: “(...) sistema de comunicação mediante símbolos (...)” (ARÉVALO, 2009, pág. 31, tradução nossa). Para Santana (2003) quando o patrimônio começa a ser utilizado para fins turísticos ele não demonstra o motivo da sua construção através, por exemplo, de questões de identidades, ou seja, ele continua representando o momento no qual foi criado, porém é inserido em um contexto atual para que seja utilizado como atrativo turístico. Paes (2009) explana que o interesse do turista tem como objetivo justamente a materialidade das representações da identidade construídas no território, esse interesse acabaria por corroborar estas representações e por valorizar aquilo que muitas vezes é esquecido pelos próprios agentes de construção desta identidade. Complementando esta afirmação encontramos em Acosta, Del Río e Valcuende (2007) que a memória como parte integrante do patrimônio intangível é o que pode fazer ocorrer a patrimonialização, ou seja, valorizar a própria memória, não só mais de um grupo somente, mas que mostre todas as representatividades culturais oriundas dos múltiplos simbolismos da complexa trama social. Desta forma ao ser ativa pela memória a patrimonialização imaterial estaria colocando valores acima de objetos. Arévalo (2010) afirma que a utilização do patrimônio como fins turísticos, inserindo-o na comercialização cultural não destruirá a construção de identidade vinculada ao patrimônio pelo contrário a fortaleceria e ajudaria, em alguns casos, para que a própria sociedade fizesse uma releitura da sua história. Quando o turista tem contato com o território onde são construídas as representações de uma identidade ele passa a ter contato com a memória desta sociedade que é materializada no espaço. Para Arévalo (2010) a importância concedida ao patrimônio é concomitante com seu uso como produto turístico, pois é uma nova forma do homem pós-moderno, ou seja, do pós turista, fazer turismo. Ainda na opinião de Arévalo (2010) ao iniciar o uso como produto turístico do patrimônio se cria um “(...) produto com valor econômico e social mediante a patrimonialização das formas de vida e suas manifestações mais singulares (ARÉVALO, 2010, p. 10, tradução nossa)”.

A produção de identidades territoriais (HAESBAERT, 1999) se manifesta em escalas variadas, das nações, regiões, aos espaços sociais nas cidades, territorialidades muitas vezes marcadas pela segregação ou pela autosegregação. Estas territorialidades podem também ser projetadas por práticas sociais (festas, rituais), pelo mercado (enclaves homogêneos de consumo), ou


31

por estratégias e discursos políticos (valorização e institucionalização de paisagens e monumentos), lembrando que o sujeito e o meio estão em contínua integração e são constitutivos um do outro (BERDOULAY & ENTRIKIM, 1998, p.118 apud PAES, 2009, p. 165).

O turista que procura uma diferenciação em um produto turístico é chamado de pós-turista que para Santana (2003) é aquele turista que procura produtos ofertados para um número reduzido de turistas, evitando assim, aqueles destinos tidos como de massa, o autor ainda completa dizendo que esse turista tem “(...) gostos sofisticados e de eufemística qualidade, buscando cobrir, no melhor dos casos, os segmentos ocultos e pouco explorados do mercado, mas também ocupar os resquícios que os turismos clássicos tinham deixado” (SANTANA, 2003, p. 32, tradução nossa). Desta forma temos um turista diferenciado, ou que busca sê-lo, a procura de experiências também diferenciadas e fora do circuito do turismo de massa. Estas experiências chegam a este turista como um produto turístico opcional àquilo que lhe é ofertado regularmente. Ignarra (2003) utiliza a concepção de Valls (1996) para descrever o produto turístico, assim para Ignarra (2003) o conjunto de elementos materiais e imateriais é o que dá forma ao produto turístico.

A cidade, vitrine de tempos diversos, se oferece à percepção dos seus signos e símbolos e se reduz suas narrativas ao ser preservado como paisagem representativa de um tempo único. Subversiva, ela emerge vigorosa, com uma energia que perturba estas representações visuais estabelecidas por concepções verticais. (PAES, 2009, p.9).

Em Gastal e Castrogiovanni (2003, p.14) encontramos que “o passado é que torna o lugar mais do que um espaço”. Assim entendemos que o passado, feito de memórias faz com que o lugar se torne a materialização das construções representativas de uma sociedade. O autor ainda completa afirmando que “A cidade como escritura deve ser entendida como desafio cognitivo” (GASTAL;CASTROGIOVANNI, 2003, p. 14). Para Gastal e Castrogiovanni (2003, p. 24) “os fluxos [de turistas] também interagem, formam resistências, aceleram mudanças, criam expectativas, desconstroem o aparentemente rígido cenário urbano”.Dessa forma o turista passa a fazer parte do cenário que ele observa, construindo a interação que é necessária, como vimos para criar um sentimento de identificação.


32

Olhar para as cidades é sempre um prazer especial, por mais que possa ser o panorama urbano. A cidade é uma construção física e imaginária, compreende um lugar e faz parte do todo geográfico. O tecido urbano é dinâmico e está inserido no processo histórico de uma sociedade. O traçado de uma cidade é uma arte processual e representa uma leitura temporal (GASTAL; CASTROGIOVANNI, 2003, pág. 25).

O carnaval, transformado em um produto turístico, conforme vemos em Arévalo (2009) se insere no circuito de comercialização cultural, sendo assim temos que: “A festa implica, pois, a continuidade das gerações e os grupos sociais locais; atualmente se debate, não obstante, entre valores de uso (identidade) e os valores de troca (turismo).” (ARÉVALOS, p.1, tradução nossa). Jeudy e Jacques (2006) argumentam que o valor de troca do carnaval teria sido atrelado a este na sua forma urbana, que também gerou uma espetacularização do próprio carnaval e da cidade, transformada em cenário ou palco dependo da participação ou não, daqueles que estão presentes no ato da manifestação. Tornar uma manifestação um espetáculo dentro do espaço urbano dá inicio ao processo de gentrificação espacial. A grande cidade tem assumido um status de exótica, o turismo moderno já não está centrado nos monumentos históricos, nas salas de concerto ou nos museus, senão na cena urbana, ou mais, em alguma versão da cena urbana adequada para o turismo (SASSEN; ROST, 1999 apud JUDD, 2003, p. 57, tradução nossa).

2.5 CARNAVAL

Qué palabra, Carnaval, qué palabra, Es más mágica, aún, que abracadabra Qué palabra, Carnaval, qué palabra, Es más trágica que otrás más macabras. Qué palabra, Carnaval, no sé cómo Hay quien prefiera decir fiesta de Momo. Qué palabra, Carnaval, estupenda, Y es más fácil que decir Carnestolenda. (Saudação Murga La Gran Siete 2008.)

Com o objetivo de apresentar um panorama de festas, ritos e comemorações que aludem ao carnaval, estudaremos primeiramente as diversas correntes que tentam explicar a origem desta manifestação, cada uma delas aponta diversas características em comum das comemorações de séculos passados com o carnaval atual. São diversas as explicações, desde o festejo da entrada da primavera no hemisfério norte, os festejos a


33

Isis no antigo Egito segundo Ferreira (2004), a imitação da vida do urso despertando da sua hibernação como se verifica em Walter (1999), os festejos para a deusa Artemis em Siracusa e ainda os festejos babilônicos, os que ocorriam em Atenas, além das famosas saturnais- festas dedicadas ao deus Saturno. De acordo com Ferreira (2004). No Antigo Egito uma das festas mais famosas era realizada durante a primavera em homenagem a Ísis, deusa da castidade (...). A festividade longe de se apresentar como uma orgia descontrolada era caracterizada por atos piedosos (...) a comemoração era aberta por pessoas com disfarces variados como os de soldados, caçador, gladiador, magistrado, filósofo ou mesmo homens travestidos de mulher (FERREIRA, 2004, p.19).

A etimologia da palavra carnaval é discutida ainda hoje, ficando ainda em aberto a uma explicação definitiva sobre sua origem. No seu livro, o autor Felipe Ferreira (2004) explica que a presença de pequenos barcos nas festividades em homenagem a deusa Ísis poderia ter iniciado umas das correntes de explicação da palavra carnaval: É a presença, nas festas, desses pequenos barcos com rodas que acabou por fazer com que alguns pesquisadores considerassem tais celebrações como um exemplo de folia carnavalesca da antiguidade, ao imaginar que o nome “Carnaval” teria origem em Carrus Navalis, ou seja, um carro em forma de navio. Hipotese que, anos mais tarde, foi suplantada por outra que associa a palavra Carnaval à CARNE VALE, ou “adeus à carne” (FERREIRA, 2004, p.18).

Ainda na questão da etimologia da palavra carnaval, Vidart (2001) explica que as palavras utilizadas em espanhol como sinônimos de carnaval que são antruejo e em catalão introido, teriam a ver com introito proveniente do latim que por sua vez é a palavra que designa a severidade da quaresma. Esta etimologia não levaria em conta a frase latina Dominican ante carnes tollendas, que significa o domingo de retirar as carnes, esta frase também advinda da questão do jejum na Quaresma. Encontramos em Minois a seguinte afirmação:

A mesma prudência se encontra em Julio Caro Baroja, que, em sua obra clássica O Carnaval, demonstrou a ausência de qualquer prova decisiva de continuidade com a festa antiga. Toda a argumentação dos clérigos repousa sobre a etimología fantasista do currus navalis (...) enquanto a etimologia, quase certa, faz derivar “carnaval” de carne levamen, ou carne levamine, ou carne levale, expressão retirada de um texto romano de 1285 que significa o momento em que a carne (carne) vai ser “retirada”, proibida, durante a Quaresma. O termo, italianizado, indicaria, portanto, uma festa tipicamente cristã, marcando a ruptura da ordem normal das coisas com a entrada no período de jejum: uma festa de abundância, da alegria e da prosperidade da época anterior aos interditos (BAROJA 1979 apud MINOIS, 2003 p. 162).


34

Em Vidart (2001) percebe-se que muitas das etimologias que explicam a palavra carnaval vêm da invenção da Quaresma, ou seja, depois do carnaval viria à época de retirar a carne do cardápio, por isso à questão da comilança de carnes e seus derivados antes do carnaval. Uma das etimologias “remete a carnelevare, que, na língua italiana significa retirar a carne” (VIDART, 2001, p.26, tradução nossa). Do latim viria carnis vale que teria o mesmo sentido de retirar a carne do cardápio. Assim como a origem da própria manifestação a origem da palavra gera debates dependendo da origem que se utilize para o estudo da mesma. O posicionamento de Ferreira (2004) é de que apesar das similaridades dos festejos que se utilizam para justificar a origem do carnaval, não podemos dizer que estas comemorações eram a manifestação como a conhecemos hoje em dia, esta colocação é concordante com outros autores estudados durante a pesquisa. Gracejos que ocorriam durante as festas pagãs continuaram ocorrendo na idade média, dando a festa um elemento de continuidade do paganismo apesar da festa ser “enclausurada” pela Igreja com uma data fixa. Até o século XVIII, todas as festas que aconteciam nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro – como as saturnais, os ritos de inversão, as festas de loucos e os carnavais – eram vistos como se fossem uma mesma e, muitas vezes, condenável manifestação do populacho, ou seja, um “carnaval” (FERREIRA, 2004, p. 22).

As festas que aconteciam nas civilizações romanas e gregas, além do conteúdo da homenagem aos deuses, carregavam uma forte manifestação relativa a uma inversão da realidade, pois pessoas consideradas dos mais baixos escalões sociais podiam se fantasiar de clérigos, juízes ou outra posição mais elevada, assim como aqueles que possuíam o privilégio de estarem em uma posição mais favorável se fantasiavam daqueles que não ocupavam a mesma posição durante o resto do ano segundo Ferreira (2004).

Ora, nelas sempre encontramos quatro elementos: uma ritualização dos mitos, que são representados e imitados, dando-lhes a eficácia; uma mascarada, que dá lugar, sob diversos disfarces, a rituais mais ou menos codificados; uma prática da inversão, na qual é necessário brincar de mundo ao contrário, invertendo as hierarquias e as convenções sociais; e uma fase exorbitada, em que o excesso, o transbordamento, a transgressão das normas são a regra, terminando em caçoada e orgia, presididas por um efêmero soberano que é castigado no fim da festa. A importância relativa


35

desses elementos varia, mas quase sempre eles se combinam e estão presentes (MINOIS, 2003, p.30).

Essa inversão era permissiva por todas as classes, claro que, assim que finalizadas as festividades tudo retornava a seu “sentido” de normalidade. Dentro das festividades “transgressivas” se destacam as festas dionisíacas que se tornaram festas primeiramente gregas para depois se tornaram romanas após a conquista dos mesmos pelos anteriores, e assim os romanos tomaram para si a festividade, assim o destaca Ferreira (2004). O mesmo autor completa dizendo que este processo de aculturação irá ocorrer durante toda a história do carnaval aonde a civilização posterior vai tomando para si o que a anterior havia delimitado para a festividade retirando alguns elementos, invertendo a importância de outros, colocando as suas características, ou seja, configurando-o para sua realidade afim de que a festa se se torna um símbolo do que ocorria naquela sociedade. O carnaval, assim como muitas outras datas festivas, como período de tempo, foi decidido pela Igreja. Esta decidiu que os católicos apostólicos romanos teriam um intervalo de tempo determinado para lembrar os 40 dias que Jesus sofreu as provações no deserto. Este tempo foi chamado de Quaresma, porém nasceu sem data pré-definida, esta data só veria a ser sacramentada pelo Papa Urbano II no Sínodo de Benevento como podemos verificar em Minois (2003).

È verossimil que a Igreja, quando da cristianização dos usos pagãos no início da Idade Média, não tenha tido dificuldade para instaurar a regra da Quaresma: depois da patuscada carnavalesca, como não fazer abstinência, já que só se comia carne duas ou três vezes por ano? (VARAGNAC 1948 apud MINOIS, 2003, p. 162).

Com a Quaresma ficou decretado os quarenta dias “espirituais” entre a quarta feira de cinzas e a Páscoa, onde todos deveriam honrar estes dias ao sacrifício feito por Jesus no deserto. Como definiu a pesquisadora Martine Grimberg no livro Carnavals et Masquerades: “O carnaval, antes de ser uma festa, é uma data.” (GRIMBERG, 1975, FERREIRA, 2004, p.29). Já na opinião de Joan Prat i Carós (2003) “o carnaval deve ser analisado como um período de caos criador e gerador de vida” (CARÓS, 2003, p. 3 tradução nossa) desta forma verifica-se como o carnaval sempre estava delimitado por um determinado período no tempo, seja ele destacado pela igreja ou pelas estações do ano como continua explanando o autor.


36

Ao tomar para si a data do Carnaval, a Igreja o enclausurou dentro das suas festividades, como o Natal no dia 25 de dezembro, o dia de Reis no dia 06 de janeiro, a quarta-feira de cinzas e assim por diante segundo a compreensão de Ferreira (2004). Natalie Zemon Davis refere-se a que a “vida festiva” além de ser simplesmente uma “válvula de segurança” desviando a atenção da realidade social, pode, por uma parte, perpetuar determinados valores da comunidade (inclusive garantir sua sobrevivência) e, por outra, criticar a ordem política. A desordem pode ter seu próprio rigor e pode também decifrar reis e estados (ZEMON 1975 apud MUIR, 2003, p. 109, tradução nossa).

Com a instituição da data da quaresma, a Igreja fundamentou os folguedos de carnaval, porém, negando a teoria marxista de oposição de Bakhtin onde haveria uma, sempre existente, oposição entre a quaresma e o carnaval como visto em Alfaro (1991). Há relatos que mostram que os próprios clérigos participavam das festividades e que muitos destes aconteciam dentro das igrejas. É consenso também entre os autores que o carnaval seria uma válvula de escape para as tensões existentes, fosse de quaisquer ordens existentes, ou seja, a realidade exigia que houvesse um tempo onde tudo ou quase tudo fosse permitido afim de que, depois tudo retornasse ao normal com sua “severa” tranqüilidade rotineira, que na Idade Média, era instituída pelas regras da Igreja esta opinião se encontra tanto em Muir (1997) como nas palavras de Ferreira (2004). Uma das hipóteses mais comuns considera que o carnaval atuava como uma “válvula de segurança” para as tensões que surgiam em toda a sociedade hierarquizada e muito estruturada (MUIR, 1997, p.107, tradução nossa).

Essa válvula de segurança seria a transgressividade, a troca de papéis, a questão da não limitação dos divertimentos, antevendo a seriedade da quaresma, era o momento de libertar-se antes da clausura nos ditames da Igreja. Era o momento em que, conforme Ferreira (2004) a Igreja permitia, sob a efígie da aceitação, tais transbordos de comportamento a fim de abonar a sua posição perante a sociedade. Onde a maioria dos pecados ocorria sem que a Igreja interviesse afim de que no final do período a ordem estabelecida retornasse. Nas festas carnavalescas, o povo representa a própria vida, parodiando-a e invertendo-a; uma vida melhor, nova, livre, transfigurada. “O Carnaval é a segunda vida do povo, baseada no princípio do riso. É a sua vida de festa” (MINOIS, 2003, p.156).


37

Para Baroja (2006), a manifestação seria um “filho dileto do cristianismo, e a forma com a qual se apresenta desde a Idade Média européia, demonstra estar intimamente ligada à idéia da quaresma” (BAROJA, 2006, p. 31, tradução nossa). São diversas as possíveis origens do carnaval, no entanto, existem diversas peculiaridades encontradas em todas as manifestações que foram citadas, como a inversão dos papéis sociais, a fantasia, o riso (BAROJA, 1979 apud SOIHET, 1999, p. 2). Que “pode-se no máximo, segundo Baroja, falar de semelhanças na morfologia ritual, no tempo e no espaço”. A Igreja entraria para a história justamente por delimitar o espaço-tempo dos festejos carnavalescos ao tentar moldá-los a nova realidade que ela mesma impunha aos participantes, tomando como próprio, muitos festejos pagãos durante a idade mediam, reagrupando e transformando-os em festejos próprios da era cristã “(...) para orientar em direção à religião cristã ritos, mitos e lugares que correspondiam a divindades pagãs (ou pré Cristiana)” (WALTER, 1999, p.153, tradução nossa). Assim a igreja acreditava acabar com o paganismo existente até essa época, pois tudo aquilo que caracterizava tais festividades era condenado pela Igreja. Dando-lhe um ar de oficialidade clerical conferia-lhe autorização a festa e uma forma de acercar os seguidores de tais manifestações pagãs arrebanhando-os para a Igreja. Deste modo a Igreja, ao determinar o período da quaresma e, portanto, o período do carnaval acaba por, de certa forma, por normatizar os rituais pagãos e fazendo sua leitura através da óptica da Igreja, assim, na compreensão de Ferreira (2004) julgando o certo e o errado, porém esta leitura vai ocorrer mais estritamente durante a Idade Média, sendo que na entrada da Idade moderna é a burguesia que dita às regras dos folguedos carnavalescos.

Alguns especialistas atribuem-lhes (aos rituais) grande importância como formas de comportamento, outros como representações que criam solidariedade social ou fórmulas de identidade social; outros se centram no ritual como modalidade de comunicação, que permite aos seres humanos contar histórias a si mesmas; e alguns vêm os rituais como representações criadas de forma coletiva, um tipo de prática que constrói, conservam e modificam a própria sociedade (MUIR, 2001, p. XIX tradução nossa).

O renascimento chega com uma fusão das antigas comemorações rurais, porém em âmbito citadino. Nas cidades diversas comemorações eram agregadas àquelas já sacramentadas, começam a surgir as sociedades alegres “Durante el renacimiento, en las grandes ciudades europeas, el carnaval evolucionó a partir de un festival


38

prácticamente universal” (MUIR, 2001, p. 111, tradução nossa ). É no renascimento que a festa começa a transladar-se para a cidade, urbanizando-se. Uma das cidades onde o renascimento floresceu, foi Florença para onde convergiu um grande número de artistas como pintores, escultores, arquitetos, escritores e toda espécie de artista da época. Neste momento quando começaram a surgir os conglomerados urbanos, também surgiram novas formas de conviver e novas formas de festejar. Neste contexto surgiram novas comemorações como o “triunfo” citado por Ferreira (2004). O mesmo autor completa que eventos deste tipo honravam os soberanos que se encontravam no poder com desfiles pelas ruas da cidade, com os súditos indo a pé ou em carruagens. Porém como o próprio autor explica estes desfiles eram inspirados nos desfiles dos imperadores romanos e nos desfiles das corporações na Idade Média. Devemos contextualizar estes desfiles com a época, onde estes eram uma amostra do poder dos soberanos, portanto nesta contextura o Carnaval como evento e como desfile, englobará o Triunfo foi englobado pelo Carnaval, quando ocorreu isto os próprios soberanos começaram a fazer parte dos desfiles carnavalescos nas cidades da Itália. Ferreira cita a prática de “lançamento de ovos coloridos com líquidos perfumados” (FERREIRA, 2004, p.42) prática que séculos mais tarde viria a ocorrer em Montevidéu conforme Alfaro (1991). Após o renascimento a burguesia começa a sofisticar o Carnaval a fim de se diferenciar da plebe, ao ritmo de bailes e operetas. Parte da festa saia das ruas e se deslocava para os salões requintados onde durante quase dois meses eram festejadas as festas da burguesia onde havia “sofisticação e libertinagem, característicos da cidade” (FERREIRA, 2004, p. 44).

Mesmo com as festas da burguesia a população continuou

com as brincadeiras na rua, o que a burguesia utilizou como desculpas para separar-se do trato social da plebe, surgem então “dois carnavais”, algo similar que ocorreu também no Carnaval de Montevidéu no início de Século XX como verificamos em Alfaro (1991). A Paris do século XIX influenciou fortemente nos festejos de Carnaval e com a derrocada de Napoleão e a entrada da década de 30 do proferido século, surgiu a ideia de brincadeiras próprias para a época já que, até então, não havia uma regularidade destas brincadeiras, que variavam de cidade para cidade. E é em Paris, que a burguesia fazia com que seus gostos prevalecessem, sendo assim tudo o que fugisse desta forma burguesa de fazer o Carnaval seria considerado grosseiro. A burguesia começa a


39

resgatar os grandes bailes da antiguidade o que é copiado em todo o mundo, porém os bailes se disseminam também nas camadas mais baixas. Toda essa elegância dos bailes burguesias caia por terra quando se leiam as regras das sociedades de foliões existem na época – os badouillards – que mostravam que apesar da sofisticação ainda havia certa agressividade nas brincadeiras carnavalescas como explana Ferreira (2004). Mas o carnaval não ficou restringido somente aos salões de baile, no rigoroso inverno parisiense um desfile de carruagens fazia surgir o boulevard, este tipo de exibição era propicia para a burguesia. Foi neste período, que pela opinião de Ferreira (2004) o carnaval parisiense passou a ser o festejo principal deste tipo no século XIX e, portanto, devido a sua importância ele deveria ter um passado a altura da atual festa. Foi quando as antigas festas ganharam uma ligação com a festa realizada em Paris. A festa escolhida, por assim dizer, para dar a Paris um passado “carnavalesco” foi a festa do Boi Gordo, não se tem certeza da origem desta festividade, porém o que se sabe que este costume dos açougueiros de Paris de colocaram um “boi cevado que passeava pela cidade enfeitado de fitas e guizos, carregando um menino vestido de Cupido, antecedido por um grupo de pessoas fantasiadas de deuses do Olimpo” (FERREIRA, 2004, p.63). O carnaval de Paris influenciou fortemente os carnavais no mundo ocidental, principalmente para definir a sua propriedade, se a burguesia com bailes, desfiles e passeios ou a outra parte da sociedade com sua algazarra e a maneira mais alegre e espontânea de comemorar. Enquanto as outras cidades viam os carnavais agonizando, Ferreira (2004) continua explanando que a cidade de Paris não só manteve as comemorações como a tornou uma das festas mais importantes do mundo ocidental dando origem a outros carnavais e fazendo o renascimento de outros que já estavam esquecidos.


40

3 DA MEMÓRIA AO CARNAVAL DE MONTEVIDÉU

Neste capítulo, focalizaremos os assuntos resgatados no marco teórico, para delinear o tema proposto. Para tanto, este capítulo apresentará a identidade uruguaia, sob o foco da sua formação, onde se utilizaram autores como Achúgar (1994),Demasi (2004) e Rico e Achúgar (1995), também serão apresentados a história do carnaval de Montevidéu, abarcando o período histórico onde surgiu à base da sua formatação atual. Para esta explanação utilizamos como base Alfaro (1991), (1992), (2008) e (2009), sendo que este subcapítulo será dividido em dois dedicados as murgas e llamadas. Após explanaremos sobre a ditadura no Uruguai e sua relação com o carnaval. Apresentaremos os dados sobre o turismo em Montevidéu e no Uruguai e também, será mostrado o carnaval como produto turístico

3.1 MEMORIA NO URUGUAI

Em Ainsa (2008) encontramos que a normatização da memória, vinda do poder, cria as tradições símbolos da memória social de uma época, sendo a comemoração o fruto da relação entre memória e identidade, pois na comemoração encontramos a representação dos simbolismos de uma época o que cria uma identificação com os indivíduos que fazem parte deste relato. Então temos que as comemorações trazem o relato de um determinado tempo, dando um novo valor aos signos que a ela pertencem. O discurso sobre memória no Uruguai atravessa, obrigatoriamente, o período ditatorial. Os doze anos em que o Uruguai se viu submerso no entremeado da ditadura fez surgir, já na democracia, um forte discurso sobre quais são os elementos que realmente formam a memória uruguaia sempre tentando ver quais os fatores alterados durante o período da ditadura. Em Jelin e Lorenz (2004) encontramos que esquecer é algo que marca a sociedade uruguaia, que sempre dispôs do esquecimento para proteger um histórico de uma democracia pouco abalada por períodos violentos e de quebras de democracia. Esquecendo, a sociedade uruguaia tenta apresentar no seu discurso histórico uma


41

passividade que não ocorreu, porém esta passividade é um dos sustentáculos da identidade uruguaia. A busca de uma “nova” memória uruguaia surgiu após a retomada da democracia, em busca de uma nova forma de pensar-se como uruguaio alterando a idéia de uma nação sempre em paz com a sua história como explanam Jelin e Lorenz (2004). Para Romero (2005), no caso do Uruguai, o resgate da noção de direitos humanos passa pelo processo de não negação da memória em torno à ditadura militar, para que não exista este esquecimento, o resgate memorial passa por uma política vinda do Estado, para que assim se chegue à construção de uma identidade nacional. No Uruguai, conforme Jelin e Lorenz (2004) a memória se constrói através da história, pois a história sempre registrou mais intensamente os momentos democráticos do país, relegando os momentos de conflitos a um esquecimento ou a mínima parcela do relato histórico da nação. Demasi (2004) explica que a memória no Uruguai pode ser explicada através das ““(...) sucessivas transformações da memória histórica no Uruguai como um longo processo simbólico de “definição de fronteiras”” (DEMASI, 2004, p. 13, tradução nossa), continua o autor informando que a construção da memória no Uruguai não passou por uma falsificação do passado, mas sim pelos novos olhares dos historiadores em torno do passado o que alterou a memória social do Uruguai. Para Ainsa (2008) o momento atual da memória no Uruguai passa por uma reconstrução da memória, para desta forma aceitar os seus momentos históricos que não fazem parte do histórico de democracia da nação. Em Achúgar (2004) encontramos que o novo debate sobre a memória no Uruguai tem uma nova dimensão após a ditadura, pois fazer uma leitura deste momento considerado o mais traumático da história, em um país que se considerava o mais democrático da América Latina, faz com que outros fatos que estavam de fora da história formal viessem à tona para tentar entender como o Uruguai se inseriu neste contexto ditatorial que envolvia a America Latina. Neste contexto de releitura da história a partir das memórias o carnaval se insere materializando a forma como o uruguaio se via naquele momento. [...] o lugar que tem ocupado o carnaval como âmbito desde o qual os uruguaios tem se pensado a si mesmo e tem construído um imaginário coletivo, o converte em revelador cenário para a resignificação de mitos fundacionais e de heranças do passado. (ALFARO, 1991. p. 8, tradução nossa)


42

Para Alfaro (1991) a festa se torna a voz daqueles que são excluídos das construções de memória da nação, trazendo a tona memórias do passado que não estão no relato formal da história, desta forma resgata a história “dos esquecidos”, pois a construção de simbolismos passa por uma leitura de um contexto histórico que não exclui ninguém, pois é uma construção dinâmica que mira sempre no futuro reconstituindo um passado. Em Lamolle (2005) encontramos que no inicio do século o carnaval resgatou a palavra murga e recriou seu significado dentro do contexto em que estes conjuntos atuavam em Montevidéu, o mesmo ocorreu com o candombe que ganhou nova significação a partir da sua inserção nos festejos de carnaval conforme Alfaro (2002), sendo assim, temos que o “(...) o papel da memória não consiste em conservar o passado senão em dar continuidade ao processo de construção permanente das identidades” (ALFARO, 2002, p. 28, tradução nossa).

3.2 IDENTIDADE URUGUAIA

Salú, salú Pueblo Oriental Hay que reír Ai que gozar Mientras reine la algaravia Habrá alegría y buen humor. Retirada murga Curtidores de Hongos, 1956

A explanação deste capítulo centra-se em torno da construção da identidade uruguaia utilizando autores como Achúgar (1994) Rico e Achúgar (1995) Demasi (2004) entre outros. Desta forma, será apresentado como o país foi se estruturando identitariamente. Na opinião de Achúgar (1994) existem alguns símbolos na formação da identidade uruguaia que além de ainda estarem presentes na vida dos uruguaios como “(...) os charruas e Solís9, a Hernandarias10 e suas vacas” (ACHÚGAR, 1994, p. 34,

9

Juan Díaz de Solís foi o descobridor do Rio de la Plata conforme Aínsa 2008. Conforme Arreguine (2008) Hernandarias é como ficou conhecido Hernando Suárez de Saavedra, que ocupou o cargo de governador da colônia do Rio de la Plata e Paraguai entre o fim do século XVI e início do XVII. Como sua origem é crioula, pois nasceu na atual capital do Paraguai, Assunção, é o primeiro 10


43

tradução nossa) ainda não se apagaram e mantêm sua força a isto se soma a situação geografia do Uruguai que o transforma, como o próprio autor define, em um paísfronteira ou uma fronteira-país em Achúgar (1994). Assim nasceu o que pode ser considerado a primeira identidade do Uruguai, um país agrário e defensor da sua fronteira. O Uruguai iniciou o final do século XIX querendo converte-se em um país europeu na América, pois se encontrava em uma construção identitária, apartir das imigrações e também envolvido por “(...) nostalgia de uma Europa que não éramos [assim o] Uruguai foi construindo sua auto-imagem” (ACHÚGAR, 1994, p. 15, tradução nossa). Para Demasi (2004) os historiadores tiveram um papel importante na construção de uma nova identidade uruguaia, pois, eles, deixaram registrado o que se queria ser oficialmente como nação, ou seja, utilizaram as lembranças e esquecimentos em tal medida, que forjaram a identidade uruguaia, assim temos que “A essência de uma nação é que todos os indivíduos tenham muitas coisas em comum e também que tenham esquecido muitas coisas” (ERNEST RENAN 1882, apud ACHÚGAR, 2004, p. 119, tradução nossa). Então a partir desta nova maneira de perceber-se como país, verificamos como: “A percepção que uma sociedade tem sobre seus antepassados é um componente fundamental para a constante construção de sua identidade” (AROCENA; AGUIAR, 2007, p. 18, tradução nossa). Esta visão estava ancorada em realidades concretas e na arrogância de ser um país único dentro do contexto geral latino americano devido aos imigrantes que chegaram entre o final do século XIX e o início do século XX. Rico e Achúgar (1995) exprimem que a prosperidade econômica e principalmente a questão de ter uma história política dedicada à questão democrática, fizeram com o que o imaginário identitário do uruguaio sempre ressaltasse a diferença do Uruguai como país latino. Essa visão cosmopolita e europeirizada eram aplicadas desde a capital, enquanto o interior sofria com as penúrias que acometeram desde sempre o meio rural conforme encontramos em Achúgar (1994). Desta forma então, levando em consideração que para Demasi (2004) “Todo relato (também o relato histórico) constitui a identidade dos protagonistas ao mesmo tempo em que descreve a ação, e o momento da seleção dos feitos tem uma forte impregnação ideológica” (DEMASI, 2004, p.12, tradução nossa). governador crioulo das colônias. Foi responsável pelo início da criação de gado no território que era chamado Banda Oriental (todo o Uruguai e um pedaço do estado do Rio Grande do Sul)


44

Portanto, a percepção dos uruguaios no final do século XIX era de ser um país bárbaro, de uma formação praticamente espanhola e chárrua11 passa por uma reconstrução da identidade que levou em conta o que se era, o que se estava vivendo, ou seja, a ação que ocorria e a projeção do que se queria ser como nação. A questão de acreditar-se europeu, devido à imigração, e de querer ver-se como tal, Achúgar (1994) a descreveu a partir de o Uruguai ser um país fronteira ou uma fronteira país é o que formou uma constante de medo ao desconhecido e medo daquilo demasiado conhecido, isso se deve a dualidade ao caráter ambíguo de ser uma fronteira como complementa o próprio autor, o mesmo ainda nos contempla com a opinião de que a fronteira também é um estado mental, um espaço simbólico. Durante várias décadas os uruguaios construímos ou cultivamos – em função de um orgulho que surgia da leitura de nossa historia como detentora de um arraigado civilismo democrático – outro elemento central de nosso imaginário: a excepcionalidade de nosso país (RICO; ACHÚGAR, 1995, p.17, tradução nossa).

Na política de disciplinamento que foi implantada pelo governo e que abarcou todas as esferas da população, a partir, principalmente do novo método12 de educação, introduzido por Varela, este novo método criou “novos uruguaios” como nos mostra Achúgar (1994). O que ocorreu durante este período foi uma busca de um discurso que justificasse a autoestima que era ensinada na escola. Demasi (2004) explica que a história e a memória não são o mesmo, porém na sociedade uruguaia a transmissão da memória se faz através da história tornando-se uma só forma de transmissão, esta maneira de transmissão foi utilizada no disciplinamento da reforma vareliana e posteriormente na ditadura. Para Rico e Achúgar (1995) ocorreu uma pasteurização da realidade do país transformando, por exemplo, violência em atos oficiais, portanto a violência passa a ser útil para a construção de uma nação. Para Demasi (2004) existe um consenso dos historiadores em cristalizar a história uruguaia em um momento de pujança,

11

Os charruas eram um povo original que habitava grande parte do Uruguai e um pedaço da Argentina na América pré hispana conforme Arreguine (2008). 12 A reforma Vareliana marcou a o fim da hegemonia da igreja católica sobre a educação, tornando-a pública, assim o estado passou a ser o responsável pela educação que passou a ser laica e totalmente gratuita como verificarmos em Arocena e Aguiar (2007).


45

domesticando os indígenas13e apaziguando a conduta dos Gauchos

14

, que serviram

como baluarte da conquista da liberdade do país. Continua Demasi (2004) que essa visão europeizada se institui formalmente depois que o Uruguai passou a reclamar da Doctrina Zeballos15, o que forjou a que se pensasse na origem do país como uma forma de argumentar a sua governabilidade sobre o Rio de La Plata já que também era uma nação a qual pertencia o rio, assim também trabalharia uma imagem surgida no final do século XIX de uma nação soberana, usando-a afim de que se se vende esta imagem tanto aos novos imigrantes, mas também para as novas inversões econômicas que o país procurava atrair segundo Demasi (2004). Exemplos desta pasteurização ou cristalização da realidade e da história se encontram em dois exemplos citados por Demasi (1999) que foram à amortização das ditaduras de Terra e o golpe do A. Baldomir. Essas amortizações foram uma forma domesticar a história para formar a memória de um país democrático e perpetuar a idéia de civilidade que o Uruguai tanto desejava. Esse novo contexto do “ser uruguaio” conforme Marchesi (2004) através do disciplinamento que ocorria no Uruguai é concomitante com a chegada dos imigrantes a este país e com a integração destes à sociedade o que ocorreu foi uma assimilação das culturas imigrantes, assim estas culturas deixaram seus legados para o que seria a futura identidade uruguaia. Porém a sua essência foi se perdendo engolida pelo novo projeto de nação. Para Darcy Ribeiro(1970) quando o Uruguai multiplicou por 32 a sua população devido aos imigrantes, falava da população do Uruguai como “povo transplantado” (RIBEIRO, 1970 apud ACHÚGAR, 1994, p.15, tradução nossa). Ao contrário da Europa onde se instaurava a Belle Epoque símbolo de países que viviam o resultado da industrialização, o que ocorria no Uruguai, conforme analisa Bethell (2000), era uma incipiente industrialização, surgiram às leis trabalhistas, foi o período onde o Estado começou a delimitar o espaço do privado e começou a cuidar da maioria das instituições pelas quais o Estado consegue criar uma situação de bem estar 13

O que ocorreu não foi uma domesticação dos charruas, mas sim um massacre comandado por Fructuoso Rivera dos últimos charruas que ainda sobreviviam em terras uruguaias roubando gado até que foram traídos pelo presidente em uma emboscada, os que sobreviveram vingaram-se e assassinaram o irmão do presidente como explica Galeano (1979). 14 Para Corbière (1998) gaúcho significa o homem do campo, que de servical foi transformado, pela literatura, em uma espécie de herói uruguaio. 15 Achúgar e Rico (1995) explicam que a Doctrina Zeballos foi o nome dado ao tratado do Río de la Plata, o nome se deve ao chanceler argentino Estanislao Zeballos que acreditava que a navegação do Rio de la Plata deveria ser unicamente argentina e que o Uruguai não tinha direito algum a sua navegação, o que causou forte impacto no Uruguai e trouxe à tona um sentimento nacionalista.


46

social, é quando, por exemplo, ocorre a estatização mais importante que é a do Banco de la República. Durante a ditadura de Gabriel Terra16 ocorreu à defesa da indústria nacional e o alinhamento com os governos norte americano e inglês, além de uma aproximação com o Estado fascista de Mussolini, como mostra Sechtig (2005). Isto gerou uma idéia de posse, ou seja, de apropriação definitiva do espaço uruguaio, além do distanciamento que a prosperidade econômica criava dos seus vizinhos latinos. Porém a consolidação desta prosperidade só viria a ocorrer no final da década de 1940 com o Estado intervindo em quase todas as áreas de produção na explanação de Garcé (2002). Já na década de 1950, o que ocorreu foi um massivo aporte na educação no ano de 1950 estavam matriculados 249.40017 alunos nas escolas de educação básica. Então, temos todos os componentes que serviram de base a frase “Como el Uruguay no hay” e onde se consolidou a imagem de Suíça da América devido aos indicadores sociais que possuía para a época e por sua continuada democracia o que não ocorria no restante da América Latina. Os anos 1960 trouxeram uma crise econômica que diminui o país, naquilo que ele acreditava ter de diferente do resto da América Latina, isto tornou o Uruguai o paisito, ou pequeno país, o que acarreta o que Achúgar (1994) chama de uma “negação do tamanho e negação do espaço” (ACHÚGAR, 1994, p.23, tradução nossa), ou seja, a sociedade uruguaia, ao atravessar uma crise devido à subordinação dos seus principais produtos a preços ditados por estrangeiros, se sentiu diminuída, então começou a negar o seu próprio espaço considerando-se um pequeno país em todos os âmbitos como social, econômico e geográfico, por exemplo. Ainda complementando Achúgar (1994) acredita que o Uruguai não consegue alcançar uma imensidão condescendente com o que pode ser devido à carga histórica de auto-suficiência e auto-complacência, que se iniciou nesta época. Na vida das sociedades, a história e a memória são mecanismos estruturantes do passado, assim como a esperança e a utopia dão forma ao futuro: “o objetivo último de todas elas é dotar de sentido o presente” (DEMASI, 2004, p. 9, tradução nossa). No caso do Uruguai ocorreram alterações nos dois mecanismos que Demasi (2004) menciona. O primeiro abrangeu o fim da última década do século XIX e início do século XX patrocinada pelo governo onde a sua política mais efetiva foi a reforma da 16 17

Gabriel terra governou o Uruguai de 1933 a 1942 conforme encontramos em Jelin e Lorenz (2004). Dados disponíveis em http://www.mec.gub.uy/


47

educação. A segunda alteração ocorreu na época da ditadura militar da década de 70 do século XX, quando ocorre a quebra de realidade devido as incessantes crises econômicas que se abateram no Uruguai. Neste cenário ocorre uma mudança de imaginário passando do otimista para o pessimista criando uma espécie de ufanismo que até hoje não se dizima que se concretiza com a instituição da ditadura como acredita Achúgar (1994). Para Rico e Achúgar (1995) “Uma história “desde o estado” não é uma criação da ditadura, senão a continuação da tendência historiográfica tradicional do nosso país” (RICO; ACHÚGAR, 1995, p.40, tradução nossa). Ou seja, desde o fim do século XIX o Estado sempre moldou a maneira como os uruguaios se viam, assim como na ditadura dos anos 70 no século XX. Os autores ainda complementam dizendo que a ditadura foi uma quebra na continuidade da auto-imagem que o uruguaio tinha de si mesmo, quebra, pois aqueles nascidos antes da ditadura possuíam e ainda possuem uma imagem diferente daqueles que cresceram após a mesma. No documentário Mundialito18 lançado em novembro de 2010, fica claro como o governo queria instaurar uma “Nova República” e no ano de 1980 ocorreu um Campeonato de campeões mundiais de futebol que reunia em um torneio onde o Uruguai sagrou-se campeão como uma forma de mostrar como ainda era uma nação que podia se reconstruir. Com o fim da ditadura começam a surgir diversos estudos sobre o que é ser uruguaio, quais os símbolos que traduzem o que é a sociedade uruguaia. Durante o período da ditadura ocorreram “mudanças não só a transformação tecnológica senão também a político-cultural, e de fato a simbólica” como encontramos em Rico e Achúgar (1995, p.17, tradução nossa). Para Irigoyen (2000) os “restauradores” nada mais fazem do que recuperar aquilo que os “fundadores” tinham decidido que seria a nacionalidade da nação. Assim, surge uma mudança na política cultural do governo, pois como na opinião de Canclini (2002, p. 35, tradução nossa) “Toda política cultural é uma política com os imaginários que podem fazer com nos acreditemos semelhantes”. Desta forma pode-se verificar então que os traumas criados pela ditadura acarretaram um rompimento de continuidade da memória coletiva, com as políticas de “esquecimento” ou de uma nova construção da história nacional.

18

O documentário Mundialito dirigido por Sebastián Bednarik mostra a estratégia militar para legitimar a ditadura no Uruguai no ano de 1980. Disponível em http://www.larepublica.com.uy/cultura/431057mundialito-un-filme-que-recupera-algo-siempre-necesario-la-memoria


48

Para Morín (2000 p.18, tradução nossa) “O estado é um aparato que dispões de aparatos apêndices”, e foi através de um dos seus apêndices o DINARP19. Este órgão do governo cuidou de fortalecer as circunstâncias que tinham ficado de fora no imaginário batllista, desta forma criando uma “nova realidade” para a representação dos uruguaios. Como nos apresenta Marchesi (2001), para Peluffo (1992) a DINARP trabalhou para criar “uma imagem do nacional no negativo (...) definida pelo que não devemos ser e o que não devemos ter e o que não devemos fazer” (PELUFFO, 1992 apud MARCHESI, 2001, p. 136, tradução nossa). O acúmulo de mudanças acarretado pelo final da ditadura e mais as diversas mudanças ocorrendo no âmbito mundial (fim da dualidade da guerra fria, queda do muro de Berlim, novas invenções, novas necessidades, novos atores sociais surgindo) fazem refletir que “estamos vivendo um tempo de “mutação civilizatória”” conforme Rico e Achúgar (1995, pag. 17, tradução nossa). Os autores ainda continuam afirmando que desta forma houve a necessidade de repassar fatos históricos, principalmente o mais cruel que foi a ditadura. Somando-se a estes fatores ainda existe a crise dos “sujeitos sociais e os conceitos básicos da democracia chamada “ocidental”” e o “surgimento de novos atores sociais: as mulheres, os gays, os agrupamentos étnicos e religiosos e o novo protagonismo da terceira idade” (RICO; ACHÚGAR, 1995, p.17, tradução nossa). Em Clemente (2008, p.95 tradução nossa) encontramos que:

A sociedade uruguaia se caracteriza hoje pela fragmentação desde inícios da década de 90 se registra uma tendência à formação de segmentos separados no sentido espacial, econômico, cultural e educativo.

O autor examina ainda que a atual fase da sociedade uruguaia mostra uma transição onde se quer manter certo continuísmo em concomitância com a mudança, sendo que o agente desta interação seriam as políticas públicas, que além desta função guiariam esta transição. Desta forma podemos ver que o Uruguai nos anos noventa se achava exprimido entre o fim da ditadura e o fim do século, dando uma oportunidade de fazer uma releitura do seu passado. Esta revisão do relato histórico implícita na releitura do passado se dá em meio a um processo econômico, político e cultural que tem sido chamado de 19

Dinarp era a sigla da Dirección Nacional de Relaciones Públicas


49

globalização financeira, de conformação de espaços regionais integrados política ou economicamente e de mundialização cultural e mediática (HARARI, 1997, p.111, tradução nossa).

Ainda nessa releitura que se faz da história Rico e Achúgar (1995) opinam que “Há tradições a recuperar e a conservar e há tradições/inércias que tem que se modificar” (RICO; ACHÚGAR, 1995, p.19, tradução nossa) desta forma podemos ver como existe uma necessidade de mudança, porém concomitante a isso se faz necessária à preservação de representações que não se perca a essência da identidade. Ainda neste contexto Harari (1997) diz que cada vez que é necessário voltar na história, se reconstrói o passado, sendo assim a história “(...) realiza sua construção sinalando não só uma sorte de Canon (...) senão estabelecendo-se e fundamentando uma “origem”, sua origem” (HARARI, 1997, p. 113, tradução nossa). Ou seja, a releitura do passado fundamenta uma nova origem, devido a sua nova concepção à luz do momento atual que a sociedade vive desde o fim da ditadura. Pois: A ditadura implica uma crise do paradigma implícito em todo o resto do relato, uma fratura em uma tradição longamente construída e assumida; é uma etapa traumática no desenvolvimento social e sua explicação questiona muitas das certezas tradicionais, desde a idéia de um talante social essencialmente pacífico até a mesma viabilidade do país como âmbito de coexistência de um entramado social variado. A própria existência da ditadura representa a evidência de um fracasso, a prova da ineficácia ou da falsidade de muitos caracteres que tem dado forma ao imaginário coletivo (JELIN; LORENZ, 2004, p. 143, tradução nossa).

3.3 DITADURA NO URUGUAI

No dia 27 de junho de 1973 quase todos os militares e um grupo de civis terminaram de reinventar a tradição democrática uruguaia, já em deterioro desde alguns anos, e começaram a fundar uma nova sociedade mediante as armas e a tortura, uma sociedade autoritária, repressiva, sem cultura, sem arte, sem literatura. (HARARI, 1997, p.7, tradução nossa).

Dizem que uma nuvem negra cobriu o Uruguai no dia 27 de junho do ano de 1973. O país que até então era conhecido pelo seu caráter democrático e por isso se diferenciava do restante da América Latina, viu-se mergulhado em uma crise política jamais vista. Juan Maria Bordaberry escolhido democraticamente, entregou o poder aos


50

militares enquanto acenava da janela do palácio do governo. este momento para alguns foi previsível devido, além do deterioro econômico e de governos de representatividade baixa, ao desmantelamento da esquerda a partir da política antisubversiva.Com isso,os militares surgiram como uma salvaguarda da nação “A ditadura no Uruguai consistia, em

termos

gerais,

em

negações,

exclusões

e

perseguições”

(VIÑOLY,

PARASKEVAÍDIS, 2009, p. 3, tradução nossa). A identidade até então construída, que tinha suavizado as ditaduras anteriores como a de Terra e A. Baldomir e que tinha optado pelo esquecimento das barbáries do século XIX, se viu envolta em uma política de medo, regressão e vergonha. Para aqueles que não saíram do país restou esconder-se, baixar a cabeça e acreditar que “todo pasa”, alguns de alguma forma decidiram lutar com o que sabiam fazer e era cantar, interpretar e divertir. Em Rico e Achúgar (1995) encontramos que naquela névoa20 na qual o Uruguai era envolto junto com seus países vizinhos, surgiu uma resistência interna, uma teimosia em rir e fazer rir, em chorar e fazer chorar, algo que dizia que os uruguaios ainda estavam ali e os faziam lembrar que um coração ainda batia por baixo dos sofrimentos, desaparecimentos e censuras, porque rir ainda era permitido e o pensamento não podia ser censurado, somente o seu resultado e mesmo assim, ele ainda conseguiu se materializar naqueles que teimaram em ser uruguaios, opinião que encontramos em Rico e Achúgar (1995). Em Harari (1997) encontramos que “A ditadura fez tábua rasa da cultura. Cortou seu desenvolvimento, aplicou uma política de extermínio21, teve afãs fundacionais absurdos, inconsistentes” (HARARI, 1997, p.36, tradução nossa). Para isso contou com braços como o DINARP (1975) – Dirección Nacional de Relaciones Públicas - o organismo que traçou as diretrizes e colocou em funcionamento as políticas da ditadura para a comunicação. Abarcando praticamente todas as áreas possíveis o Dinarp teve como questões fundamentais a criação um novo Uruguai nas suas origens, moldando-o as necessidades surgidas para acompanhar a mentalidade dos governantes do país, comunicar quais boas eram as intenções da ditadura e reter a campanha anti-ditatorial que emergia no exterior por parte dos exilados.

20

O regime política ditatorial não se instaurou somente no Uruguai, Brasil e Argentina também tiveram seus governos tomados pelos militares conforme Bethell (2000). 21 O termo política de extermínio utilizado por diversos autores como Harari (1997) e define as políticas que os governos ditatoriais utilizaram para calar os contrários aos regimes.


51

Políticas culturais são: “intentos de intervenção deliberada, com os meios apropriados, na esfera da constituição pública, macrossocial e institucional da cultura, com o fim de obter efeitos buscados” (BRUNNER, 1985 apud MARCHESI, 2001, p.13, tradução nossa). Tem-se como efeitos a geração de uma nova identidade utilizando os elementos que compõem um imaginário coletivo que forma a identidade cultural de uma nação. A ditadura formou uma nova concepção do quem eram os uruguaios, inserindo-a na sua forma de pensar. Para Marchesi (2001) a tentativa de construção de um novo imaginário representativo dos uruguaios foi construído através dos produtos das novas políticas culturais que foram utilizadas pelo regime afim de que este novo cenário de imagens pudesse representar um novo Uruguai a partir da instauração da ditadura. Desta forma temos que: “(...) a idéia de que os discursos de nosso imaginário contemporâneo se desenvolveram durate o primero batllismo22, ao longo do século o mesmo sofreu diversas crises que não se resolveram com a criação de novas síntesis, senão com o intento restaurador da matriz original” (MARCHESI, 2001, p. 28, tradução nossa).

Para entender a alteração na forma do uruguaio de perceber-se é necessário compreender as fases, principalmente econômicas e sociais que o país passou no início do século XX. Entre a última década de do século XIX e a alvorada no novo século foram colhidos os novos frutos da reforma civilizatória cujo período de barbárie foi deixado para trás e um novo Uruguai surgiu. Através da imigração, a industrialização e de um novo projeto de educação. Entre a década de 30 até o ano de 1958 o Uruguai sofreu oscilações e devido à crise econômica provocada desde o início da crise mundial de 1929 que fez com que os preços das matérias primas diminuíssem. Caetano e Rilla (1987) explicam os antecedentes do golpe de estado e citam como exemplo a repressao aos trabalhadores durante a década de 1930 e a supressão de alguns direitos constitucionais. Após o inicio da segunda guerra a democracia retorna ao

22

O batllismo se refere ao grupo formado ao redor das idéias do José Batlle y Ordoñez, dirigente do partido colorado “(...) orientados por uma ideologia de cunho reformista e modernizador forjada nos últimos trinta anos da do século XIX (...)” (Souza, 2003, p.19). Ainda hoje o Battilismo é muito forte dentro do partido Colorado, donde há diversos grupos políticos que tem como enfoque a ideologia batllista: Corriente Batllista Independiente, Batllismo Abierto, Batllismo Radical, Foro Batllista, Compromisso Batllista, Unión Colorada y Batllista y ProBa. A questão Batllista é tão forte que no site do partido colorado a principal notícia das primeiras semanas de outubro era a acusação que um jornalista fazia sobre a morte de um político, Washington Beltrán, que possivelmente foi morte por José Batlle y Ordoñez. http://www.partidocolorado.com.uy/index.html


52

pais e com isto a prosperidade23 retorna ao país de 1974 a 1951. Entre 1958 e 1971 a alteração do poder ficou entre blancos e colorados, em 1971 surgiu o Frente Amplio 24, concomitantemente surgiram os Tupamaros25.

No começo, nos anos desde 1903 até 1930, a democracia política se consolidou sob o comando do presidente José Batlle y Ordoñez (1856-1929), que foi presidente duas vezes, primeiro desde 1903 até 1907, segundo desde 1911 até 1915. Neste tempo cresceu a prosperidade econômica e a ascensão social foi fácil para a classe media (SECHTIG, 2005, p.3, tradução nossa).

Quando Jose Batlle y Ordoñez tomou as rédeas do partido a ideologia passou a ser a equiparação, dentro do possível, entre ricos e pobres entendendo que as diferenças sempre existem isto tornava o estado intervencionista o que faria com que ele distribuísse a riqueza produzida. Quando foi fundado26, o Partido Colorado, possuía a elite como parte majoritária da sua constituição e desde o inicio teve como diretriz que a capital deveria comandar unilateralmente o país conforme analisa Demasi (2004). O autor coloca que o partido colorado fazia acordos com o partido em diversas questões, surgiram às primeiras leis em defesa aos trabalhadores entre elas o direito a aposentadoria. O Uruguai passou a ter quase dois milhões de habitantes, isso graças a um conjunto de medidas higiênicas do governo o que fez com que a taxa de mortalidade infantil diminuísse, porém ao mesmo tempo surgiu o controle de natalidade, o analfabetismo também diminui. As mulheres conseguiram o divórcio e depois o direito ao voto, a pujança econômica ocorreu pela diversificação da produção devido à industrialização assim se iniciou o ciclo modernizador daquele país que viria a ser conhecido como a suíça da 23

Coincidentemente os títulos mundiais de futebol do Uruguai foram no ápice dos dois momentos de prosperidade econômica que o país viveu, assim os dois títulos ganhos, de 30 e de 50 são um símbolo da pujança econômica do país e da confiança no futuro que a população declamava aos quatro cantos conforme Achúgar (1992). 24 Durante os anos de 67 a 72 o governante do Uruguai Jorge Pacheco Areco foi considerado um déspota já que suprimiu as garantias individuas e com a desculpa de colocar o país novamente nos moldes de pujança econômica das décadas de 30 e 50 atuou com um controle da inflação que não foi bem aceito pela sociedade conforme Villalobos (2006) 25 Os tupamaros era o nome usado pelos guerrilheiros do Movimento de Liberación Nacional do Uruguai, foi fundado por Raul Sendic e congregava diversos agremiações da esquerda partidária urbana do país como também conseguiu atrair diversos grupos de camponeses e trabalhadores rurais, na época do seu surgimento formal no ano de 1965 havia um descrito total nos partidos políticos do país o que fez com que os tupamaros também tivessem nas suas fileiras estudantes universitarios da clase média conforme encontramos em Villalobos (2006). 26 O Partido colorado foi fundando em 1836 pelos simpatizantes de Fructuoso Rivera, o partido colorado governou o Uruguai, sem interrupções, de 1865 a 1959 conforme encontramos em Devoto e Pagano (2004).


53

America Latina como se verificou em Achúgar (1994) e Rico e Achúgar (1995). Segundo Demasi (2004) na origem do partido Colorado, haviam idéias consideradas liberais para a época, e que podiam ser consideradas antinacionalistas, defendiam o livre comércio e o financiamento de obras por empresas estrangeiras. Em 2011, o partido colorado tenta levar a pauta principal da política situações como a legalização da venda da maconha, da eutanásia e do aborto, e também, seguindo o exemplo argentino, a legalização do casamento gay e a adoção de crianças por parte destes27. Durante 94 anos o partido colorado ocupa a presidência da republica permitindo que o Partido Blanco fizesse parte com algumas propostas. Em 1933 o presidente Gabriel Terra, toma o poder instaurando o que se chamou de Dictablanda28. Terra promulgou uma nova constituição onde ficava proibida a entrada de imigrantes que se consideravam fora do contexto do que o país precisava deficientes físicos, por exemplo, além do governo se alinhar a política norte-americana e inglesa, para onde exportava carne enlatada, em 1939 o peso uruguaio chegou a valer mais que o dólar, o que foi considerado um símbolo da pujança nacional. “A tradição civilista de Uruguai (incluso e a pesar da “dictablanda” de Terra) integrava o imaginário nacional como um rasgo quase essencial y constituía parte do orgulho com que os uruguaios se autoimaginavam” (RICO; ACHÚGAR, 1995, p. 16, tradução nossa). A partir de 1958 inicia uma dualidade governamental com a chegada ao poder do Partido Nacional (Blanco), o partido começou com uma ampla camada ruralista e após foi incorporando setores urbanos. Um dos principais políticos do partido foi Luis Alberto de Herrera (este viria a ser avô de Luis Alberto Lacalle de Herrera, presidente da república de 1990 a 1995 pelo mesmo partido) e em torno dele surgiu o Herrerismo29. Em Zemelman (1990) durante a década de 1960 uma economia desgovernada e as políticas que não conseguiam frear o aumento da inflação fizeram 27

Informação disponível em http://www.partidocolorado.com.uy/ Para Jelin e Lorenz (2004) o fato de ter sido utilizada a nomenclatura dictablanda, que na tradução seria dictablanda criando uma maneira de suavizar a palavra ditadura, deve-se a tentar suavizar a situação para que não houvesse uma quebra de imagem do Uruguai utilizada pelo ex-presidente Luis Batlle Berres “pequeno oásis de paz, liberdade e justiça em um mundo perturbado por trágicas realidades”. (JELIN; LORENZ, 2004, p 141, tradução nossa). 29 O Herrerismo tinha como uma das temáticas principais, devido a ter fazendeiros tradicionais dentro da sua base, o antiimperealismo e a conservação da economia nacional, para alguns é o partido mais tradicionalista e o que poderia ter gerado uma ditadura no Uruguai, já que tinha uma forte aproximação com o fascismo. Com o fim da dualidade URSS - EUA o partido tomou uma direção mais centro-direita, o Presidente Luis Alberto Lacalle na década de 90, seguindo a política Argentina e Uruguaia intentou privatizar empresas estatais, porém a maioria dos projetos não foi aprovada devido a forte oposição dos partidos oposicionistas como verificamos em Devoto e Pagano (2004). 28


54

com que surgisse uma coligação de esquerda que acabou se tornando o Frente Amplio posteriormente. Em Tristán (2005) encontramos que a esquerda uruguaia era, até a década de 1960, extremamente montevideana, sendo o interior ainda divido entre blancos e colorados, o que impedia uma boa representatividade da esquerda no governo uruguaio a partir deste panorama a esquerda se uniu formando uma frente popular e assim surgiu o Frente Amplio. Em 1972 entrou no poder Juan Maria Bordaberry, declarando estado de guerra interno e com o congresso suspendendo qualquer tipo de garantia constitucional; houve greves gerais, inflação em alta e desvalorização da moeda como podemos verificar em Tristán (2007). No dia 27 de junho do ano de 1973 as forças armadas deram o golpe de Estado assumindo o poder até fevereiro de 1985, porém baixo o governo civil de Bordaberry30 que dissolveu o Legislativo e criou um conselho que era administrado pelos militares, ao contrário de outras ditaduras em 1976 enquanto as forças armadas queriam um retorno à democracia, Bordaberry suspendeu as eleições desse ano devido a esse motivo ele foi deposto pelos militares conforme encontramos em Marchesi (2004). Como expõem Sechtig (2005) entre os anos de 76, com Bordaberry sendo deposto, os militares escolheram os dois futuros presidentes, montando um novo conselho nacional, privando de direitos políticos aqueles que tinham atuado politicamente. Em Marchesi (2001) encontramos que a ditadura, então, querendo resgatar o imaginário surgido no auge do Batllismo que amortizava os atos de violência, fazia dos charruas heróis nacionais e mostrava o Uruguai como uma nação democrática desde o seu nascimento, recorria a ele quando necessário e tentou apagar da memória da população as duas décadas que tinham se passado (1950 e 1960) e que tinham deixado uma imagem de decadência econômica e social. Mesmo com todo o aparato da ditadura para que todas as esferas sociais convergissem para uma única ideia sobre seus novos imaginários “A ditadura não conseguiu o respaldo nem o tácito acordo dos intelectuais para seus projetos propensos a criar uma nova ordem” (VIÑOLY, PARAKESVAÍDIS, 2009, p. 3, tradução nossa). Marchesi (2001) explica que desta forma começou o expurgo da sociedade daqueles que não concordavam com a nova política implantada,

30

Juan María Bordaberry foi presidente do Uruguai entre 1972 – 1973, foi o presidente que dissolveu o do parlamento em 1973 conforme Jelin e Lorenz (2004).


55

alguns saíram do país diretamente para a Europa, alguns para a América Latina, músicos, escritores, jornalistas, políticos todos rumaram para outras terras. A alteração identitária da política ditatorial do Uruguai consistia em alterar o passado e assim fazer uma releitura do século XX, Marchesi (2001) explica que para fundamentar a imagem que a ditadura queria construir ela tinha que recriar o passado. Desta forma continua o mesmo autor, o cerne na questão da mudança de imagem consistia no papel que o Estado possuía dentro da história nacional “e o contexto autoritário no qual se desenvolvem as propostas” (MARCHESI, 2001, p. 62 tradução nossa). Chegamos assim as alterações no plano cultural onde se tentou retirar todo o simbolismo criado na época do Batllismo, ou seja, a construção de um índio passivo e heróico. O país como uma ilha européia na America Latina, um país que se considerava hegemonicamente branco, foi neste período que surgiu a idéia da Suíça da America. Para Moraña a política cultural se baseava em “combater e erradicar os símbolos, relatos e rituais que questionavam o governo militar ou que faziam referência a vida anterior à ditadura” (MORAÑA, 1988 apud REMEDI, 2001 p. 133, tradução nossa). A ditadura conseguiu, de feito, implantar en um país um conjunto de sentimentos, valores, afetos, ideais e sensibilidades: aceptação da ordem das coisas, despolitização, submissão, delação, conservadorismo socio-cultural, falta de solidariedade, concepção individualista e darwinista da sociedade, concepção salfívica do livre mercado, aceptação da ideologia do desenvolvimento, fetichismo da tecnologia e dos bens de consumo. (REMEDI, 2001, p. 133, tradução nossa)

3.4 CARNAVAL EM MONTEVIDÉU

O carnaval de Montevidéu faz uma leitura da atualidade a partir de um recorte temporal. Das agremiações, focos deste estudo, verifica-se que a participação das murgas no carnaval, sempre teve como principal argumento expor o que ocorre na sociedade, utilizando a crítica na sua forma de comunicar-se com o espectador. A crítica, que utiliza o humor como principal componente, é o que caracteriza estas agremiações que sempre tiveram nas suas apresentações uma visão da atualidade da sociedade e confronta passado e presente quando necessário. Como se verifica em


56

Cárambula (1985), as llamadas mostram o resultado de um processo histórico envolvendo a cultura afro-uruguaia, rememorando-a através de simbolismos que fazem parte das suas apresentações e desfiles. Para Alfaro (1991) os símbolos encontrados no Carnaval de Montevidéu “(...) plasmam uma visão uruguaia do mundo; (...) para construir (e reconstruir com uma mensagem dinâmica) uma identidade nacional” (p. 230, tradução nossa). “Qué barullo colosal, Que relajo tan bestial... ¡Es carnaval! (Saludo La Gran Siete 2008.)

Não haviam se passado 10 anos da independência do Uruguai perante o Brasil quando em 1832 os jornais da época descreviam um carnaval onde todos participavam de um jeito bárbaro. O país ainda inserido em um contexto rural, já tinha Montevidéu como sua maior cidade como mostra Alfaro (1991) que completa analisando que a festividade era realmente uma liberação de toda e qualquer formalidade existente durante o ano. O jogo de Carnaval foi à expressão culminante da “cultura lúdica” que, ambientada pelo ócio e o igualitarsmo do Uruguai pré-capitalista, impregnou a vida daquela sociedade jovem, plebéia e descontraída (BARRÁN 1999 apud ALFARO 1992, tradução nossa).

O carnaval fugia do período antecessor da quaresma e seguia, claro que em uma proporção menor, durante o ano, pois as brincadeiras estender-se de um carnaval a outro. No início do século XIX já se observavam os bailes de máscaras e os desfiles de comparsas31, porém neste período a máxima do carnaval não era participar de um grupo, ir a bailes ou assistir espetáculos, mas sim brincar o carnaval, mesmo durante uma apresentação em algum dos teatros espalhados pela cidade às brincadeiras ocorriam neste período não importando onde se estivesse. Na visão de Alfaro (1991) o Uruguai é um país que nasceu da guerra e da resistência perante seus dois vizinhos Argentina e Brasil, onde a violência estava em seus atos de defesa do território, não era de se esperar

31

As comparsas é uma das vertentes da manifestação do candombe, que é o ritmo executado pelos afrouruguaios, mas que também pode definir a festa em si. As comparsas são formadas pelas cuerdas de tambores. Para Guterres (2003) as comparsas são “(...) apenas umas das formas visíveis pelas quais se expressa à tradição dos tambores de candombe afro-uruguaios” (GUTERRES, 2003, p. 11)


57

que ela se mantivesse longe do folguedo de carnaval, a guerra foi literalmente levada para dentro da festividade sem menor ressentimento. Naquela sociedade aonde a violência era componente inseparável da vida, o jogo concebido como guerra foi à dramatização mais ostensiva dessa realidade, sintetizada na ordem que presidia um dos cantões que protagonizou nosso Carnaval “heróico” (ALFARO, 1992, p. 23, tradução nossa).

Para a mesma autora, o carnaval era composto de duas partes distintas e bem definidas na sua forma de festejo. O chamado Carnaval heróico que compreende o período de 1800 a 1872 e a segunda parte que vai do ano 1873 até o ano 1904 e é chamado pela autora de Carnaval Civilizado. A diferenciação seria devido ao que a autora considera o marco civilizatório do carnaval, que ocorreu quando os governantes da época querendo que a civilização, esta considerada como uma característica da sociedade industrial e, portanto oriunda da modernização, se estendesse a outras esferas sociais e não só ao espaço físico então foram criadas regras para trazer a civilidade ao carnaval, modernizando-o. Continuando o relato de Alfaro (1991) que cita invasões de casa, ovos de avestruz, baldes com urina, pedras e outros materiais que eram utilizados nas brincadeiras de carnaval. No período do carnaval heróico tudo podia ser usado durante o carnaval, senhoras faziam das suas casas verdadeiras fortalezas para não serem invadidas pelos “foliões”, moças bem comportada enchiam baldes e bexigas com água para jogarem nos transeuntes desde seus terraços. Essa violência vista na forma de comemorar o carnaval também faz parte do contexto político-social daquele período no Uruguai, como vimos à independência do Uruguai foi no ano de 1825, porém a país ainda não tinha a paz tão almejada durante o processo de independência, devido a conflitos internos. De acordo com Bethell (2001) mesmo com o Uruguai tendo sua primeira constituição em 1830 o Brasil ainda ocupava uma faixa perto do Río Negro e as disputas internas vieram a ocasionar a Guerra Grande que ocorreu no período de 1839 a 1851, guerra que marcou o início da dualidade política que ocorreu no Uruguai até o século passado entre “blancos” e “colorados”. Durante a guerra, mais precisamente entre os anos de 1843 e 1851, ocorreu o “sítio de Montevidéu”, no ano de 1851


58

Urquiza32 unido com o governo brasileiro adentra as terras uruguaias sem prévia permissão. A Guerra do Paraguai, que se iniciou em 1864, foi uma forma de selar a paz entre argentinos, brasileiros e uruguaios já que foram unidos sob os interesses ingleses. Mesmo com o fim da guerra do Paraguai, as crises político-econômicas assolavam o Uruguai principalmente devido ao sistema bipartidário existente e ao processo de modernização que ocorria no país como dito anteriormente, completando a década de 1860, no ano de 1868. Venancio Flores e Bernardo Berro, dois ex-presidentes do Uruguai, foram assassinados as portas do Carnaval daquele ano este dia ficou conhecido como El día de los chuchillos largos e fez parte da Revolución de las lanzas33 como vemos em Achúgar e Moraña (2000). Em 1876 começa um ciclo de militarismo (em 1876 se instaura o governo do coronel Latorre, foi no início deste ciclo do militarismo que o Uruguai começou a consolidar-se como nação). Porém, no final do século XIX, o Uruguai já começa a ser a “Suíça da América”, para Barrán (2001) a segunda metade do século XIX seria uma etapa de disciplinamento do país, ou seja, o Uruguai (na realidade a capital Montevidéu, o interior ainda se mantêm agrário) começa a entrar no circuito capitalista que começa a surgir nesta parte da América. Com este disciplinamento uma nova maneira de opinar sobre a realidade, de agir perante o mundo começa a surgir na nova Suíça. Com toda a história do século XIX marcada com conflitos externos e internos o carnaval não parou34; a barbarização do carnaval acompanhou todo esse histórico de tensões políticas principalmente no que tange a defesa do território, assim para Alfaro (1992) os abusos ocorridos durante o carnaval “remiten significativamente a décadas de turbulencia política, a años de Sítio Grande y a la necesidad de exorcizarlos a través de la risa y el juego” (ALFARO, 1992, p. 25). A isto se deve o grande número de acidentados durante o carnaval relatado por Alfaro (1992), dessa forma a função de válvula de escape do carnaval fica visível, neste caso soma-se às regras habituais o estado permanente de guerra ou de sítio que viveu o Uruguai e a cidade de Montevidéu em parte do Século XIX. O carnaval também servia 32

Governador da província de Entre Rios na argentina no período de 1854-1860 conforme Bethell (2001); Em 1870, ano da derrota da França frente ao exército alemão e da constituição do Império germânico, a rebelião campesina no Uruguai denominou-se “revolución de las lanzas”, porque era com elas que lutavam os esquadrões rurais contra um exército que introduziu o fuzil Rémington, para vencê-los (RAMA, SOSNOWSKI, MARTÍNEZ 1985, p. 351, tradução nossa). 34 Na escolha de Montevidéu como capital ibero-americana do Carnaval este fato foi fundamental, o de nunca ter interrompido seu carnaval mesmo em épocas de guerra ou períodos ditatórias. Informação disponível em http://www.montevideocapitalcarnaval.com/core.php?m=amp&nw=OQ 33


59

como um canal para a socialização entre as classes, pois o Uruguai no início do Século XX construa uma imagem de um país majoritariamente branco onde o negro e o indígena não coexistiam com os novos emigrantes europeus que lá iam tentar o seu futuro. As Mojigangas35, comparsas e de certas formas os corsos36 faziam com que toda a população festeja-se junta esquecendo a opressão que uma classe sofria pela outra. Lembramos que na opinião de Alfaro37 (1991) enquanto os bailes tiveram uma maior facilidade de domesticação, a rua ainda continuou como palco de uma liberação que ia ficando, cada vez, menos genuína, porém mantinha a zombaria como símbolo da manifestação das ruas. Já nas décadas de 50 e 60 do século XIX, os bailes de máscaras começam a durar mais dos que os três os dias habituais, além de antecipá-la entraram quaresma adentro, marcando os Carnavais Bárbaros. Quando, um baile de máscaras pagou a ampliação do Cemitério Novo da cidade, devido a isto Alfaro (1992) mostra que era o profano ajudando o sagrado. Na década de 70 do século XIX começa a se comemorar o enterro do carnaval que aqui no Brasil é o Enterro dos ossos. Em Montevidéu o início da comemoração deste “enterro” serviria como uma forma de fundamentar a transição do carnaval bárbaro para o civilizado e também como representação da revivificação do Sagrado perante o desmando do profano. Eram chamados de “reformadores de la sensibilidad” (BARRÁN 1990 apud ALFARO, 1991, p. 39, tradução nossa) todos aqueles que de certa forma ajudaram a mudar a sensibilidade bárbara da sociedade e prepará-la para a modernização insurgente que vinha adentrando junto com o Século XX. Para estes “sensibilizadores” os festejos de carnaval, da forma que ocorriam, lembravam um Uruguai economicamente agrário, politicamente colonial e culturalmente “bárbaro”, além claro, de todo a subversão de valores que o carnaval tem intrínseca como manifestação. Além disso, vemos aqui a questão do surgimento do homo economicus38 em detrimento do sujeito que se diverte

35

As Mojigangas podem ser definidas como um (...) gênero parateatral de procedência popular (BUEZO, 2005, p.2, tradução nossa) que tinham como palco as festas burlescas e participavam “(...) representando entremeses cantados o bailes entremeseados palaciegos.” (BUEZO, 2005, p. 2, tradução nossa). 36 Para Ferreira (2004) em uma analogia com as batalhas de confete, o autor informa que “(...) consistiam basicamente de grupos de pessoas encarapitadas sobre carruagens ou automóveis, desfilando a elegância e o charme da burguesia endinheirada para o deleite da população” (FERREIRA, 2004, p. 241). 37 A utilização predominante de Alfaro na temática carnaval uruguaio se deve a que esta é considerada a maior historiadora do carnaval uruguaio 38 Para Jiménez e Franco (2007) o homo economicus é um ser “(...) racional e de proveta, carente de condicionantes sociais ou culturais, e sem outros sentimentos que o desejo de perseguir os fins que marca


60

no carnaval, então a modernização do país também passava pelo fato de “corrigir aqueles que brincam nas horas que deveriam dedicar ao trabalho” (ALFARO, 1992 p. 40, tradução nossa). Mesmo com todo o aparato civilizatório que trabalhava em prol de mudanças no carnaval, algumas brincadeiras bárbaras ainda eram cometidas por foliões, pois este período era libertador e nivelador, era quando todos se viam iguais como verificamos em Alfaro (1991). A “domesticação” da festa por parte das autoridades suaviza o riso e diminui o poder corrosivo que a festa possuía nas ordens hierárquicas estabelecidas na sociedade. Podemos dizer que a primeira fase, ou seja, a primeira forma de festejar o carnaval é herdada da Espanha conforme Alfaro (1992): “É difícil inclusive, determinar com exatidão quando os montevideanos adotaram como sua essa “barbárie” carnavalesca herdada da Espanha” (ALFARO, 1992, p. 41, tradução nossa).

Sendo a segunda fase

do carnaval uma cópia do processo civilizatório do carnaval que ocorria em Paris e fruto de um processo reformador da sociedade por parte do estado, a civilidade significava progresso, o que o Uruguai buscava de forma árdua em todos os campos da sociedade. As primeiras normas que tentaram aplacar a barbárie dos dias do Carnaval diziam respeito ao material utilizado para tal diversão onde, por exemplo, Alfaro (1991) explica que foram proibidos quaisquer ovos que não fossem de galinha e a água teria que ser limpa. Para que este processo civilizatório começasse a surgir efeito “(...) era preciso dotar gradualmente a festa de novos conteúdos que apagaram seu caráter essencialmente lúdico” (ALFARO, 1992, p.44, tradução nossa). Alfaro (1992) ainda continua relatando que no ano de 1868 com todas as regras criadas e desrespeitadas os “sensibilizadores” “determinaram suspender totalmente as brincadeiras com água ou projétil ao mesmo tempo em que liberou o uso da fantasia a qualquer hora do dia, os bailes de máscaras e as comparsas” (ALFARO, 1992, p. 45, tradução nossa). O processo de civilizar o carnaval teve várias idas e vindas com proibições que depois perdiam a validade ou que retornavam a qualquer momento. Na opinião de Alfaro (1992) os instrumentos desta mudança, que começou a se solidificar na década de setenta do século XIX, quarenta anos depois das primeiras tentativas civilizatórias, foram os bailes de máscaras, as comparsas e o uso controlado das fantasias. o sistema capitalista tendente a buscar a máxima ganância individual imediata” (JIMÉNEZ; FRANCO, 2007, p.69, tradução nossa).


61

A máscara foi um instrumento muito valioso nessa mudança do carnaval de Montevidéu, pois a sua permissão foi concedida pelas brincadeiras curiosas e inofensivas que quem a usava fazia, mesmo assim quem a usava deveria identificar-se antes da entrada nos bailes, isso devido ao caráter de anonimato que o uso conferia ao usuário. Os foliões que a utilizavam eram chamados de máscaras como nos descreve Alfaro (1991), em 1867 mesmo com a Guerra do Paraguai e com a permissão para utilizar máscara sendo cobrado, o número de solicitações para sua utilização mais do que triplicou segundo a própria autora. Procurando um ar de amenidade nos folguedos de carnaval começou-se a proibir a presença negra nos bailes de carnaval, por isso a norma da retirada da máscara e das luvas antes da entrada em um baile. Assim, começa a surgir a diferenciação do carnaval da elite que ocorre nos bailes de máscaras e o carnaval daquelas pessoas que não eram aceitas em tais bailes, estes acabaram migrando para as festas na rua da cidade no Carnaval Callejero. Para alguns veículos da mídia este tipo de medida tirava a alegria das festas, pois o onde mais ela se encontrava era justamente nas camadas mais populares da sociedade como vemos em Alfaro (1992).

A resposta dos negros, por sua parte, não se fez esperar: iniciando uma longa tradiação, em 1872, o infatigável Eulogio Ansina organizou no Teatro San Felipe um suntuoso baile para a classe de cor, onde escolheu a atuação das comparsas Pobres Negros Orientales e Raza Africana (ALFARO, 1992, p.61, tradução nossa).

A força das mudanças inseridas no carnaval, seja por ordem dos mandatários, seja por uma separação de classes provocadas pela elite ou mesmo por mudanças naturais inerentes a qualquer manifestação como formas de adequação a uma nova realidade foram moldando o carnaval do final do século XIX. Na linha de pensamento de Alfaro (1992) nestes aspectos da mudança mesmo que as camadas mais populares fossem literalmente jogadas à rua pela sua condição ou pela cor, as brincadeiras começavam a mudar para os montevideanos. No ano de 1870 o espetáculo já começa a surgir como forma de diversão substituindo aos poucos as brincadeiras, é o momento quando se inicia a separação entre atores e espectadores do carnaval, comparsas organizadas foram surgindo cada vez mais fortes e mais organizadas. Os negros com seus ritmos já estavam presentes no carnaval desde 1830 como nos mostra Alfaro (2008), porém é só na década de 70 junto com a


62

junção da cultura negra, do tambor, da dança e que surgem nos bairros Palermo e Sur o que hoje denominamos comparsas. Distintas agrupações surgiram em torno da música passando por diversos gêneros musicais, enquanto a elite não conseguia rir da sua própria realidade nos bailes, na rua a paródia tinha o seu palco e o seu público assim como explana Alfaro (2008). Nada escapava nem os próprios festejos de carnaval, modismo e os militares também figuram na lista de vítimas das letras carnavalescas no século XIX cantadas na rua. O que vale destacar neste período de fim de século é o comércio se interessando pelo carnaval é tratando-o como, efetivamente era, uma das datas se não a mais importante do ano para as vendas. Para Barrán (1992) “(...) uma paixão uruguaia tem continuidade apesar das mudanças sofridas é a paixão pela política” (BARRÁN, 1990, ALFARO, 1992 pag.79, tradução nossa). Segundo o pensamento de Alfaro (1992) esta paixão pela política fica evidente na forma cantada de fazer o carnaval e a crítica política existente no mesmo, algo que poderia ser estritamente masculina no Uruguai também é uma paixão feminina. (...) as paixões políticas, impregnadas da exuberante carga afetiva que nelas depositou a sensibilidade bárbara, marcaram a fogo os carnavais daquelas décadas turbulentas, dando lugar a reveladoras instâncias nas quais a carnavalização da política sucumbiu ante a politização do carnaval (ALFARO, 1992, p. 80, tradução nossa).

Esta politização do carnaval serviu, para Alfaro (1992) e ainda serve como termômetro da participação da sociedade na política do país, e aqui também entramos no conceito que a burla, na realidade, perpetua a ordem estabelecida ou que esta para se manter no poder tem a necessidade de permitir tal situação de sátira com isso se mantêm no comando como a autora conclui. Para Alfaro (1991) o ano de 1873 marca uma mudança na forma de brincar o carnaval, claro que fruto de todas as tentativas de domesticação iniciadas 40 anos atrás na década de 30 do século XIX. Estas transições, ainda tiveram um tempo de maturação até que os historiadores pudessem falar do fim da transição e do início de um carnaval disciplinado. Aos poucos a estética ganha o espaço das brincadeiras, às vezes brutais, que tinham espaço no Carnaval, para Alfaro (1991) “há uma verdadeira revolução fisiológico-social” (ALFARO, 1991, p.14, tradução nossa). Em um contexto mais generalista o país começa a sofrer mudanças econômicas e também urbanistas, Montevidéu passa por um


63

processo intenso de urbanização com o surgimento dos bulevares. Com estas alterações, que surgem em diversos âmbitos, é de se esperar que os valores dos montevideanos sofram alterações principalmente no plano simbólico na tentativa de se modernizar, tomando para si os valores vindos da Europa como mostra Alfaro (1992), e assim ocorre uma alteração endógena para adequação aos novos valores do mundo ocidental. Barrán (1990) fala de uma “privatização das emoções” (BARRÁN, 1990 apud ALFARO, 1991, p. 15, tradução nossa), ou seja, a espontaneidade dos festejos, brincar por brincar o carnaval, o divertimento, tudo isto é relegado a segundo plano, quando não, retirado da vida pública como uma forma de adequação ao formalismo exigido pelo capitalismo. No carnaval as mudanças vieram de cima para baixo como uma forma de domesticação da barbárie das classes consideradas inferiores. Para Alfaro (1991) a aceitação do modo de vida europeu junto com suas normas de ordem e civilidade: “a acelerada aculturação39 derivada de nossa inserção periférica no mundo capitalista que, através da desigual confrontação de modelos culturais, nos tomou ainda mais vulneráveis ante o tradicional influxo europeu” (ALFARO, 1991, p.16, tradução nossa). A tudo isso Barrán (1990) fala da troca de tipo de castigo se antes existia o castigo do corpo a tática foi alterada para uma repressão da alma (BARRÁN 1990 apud ALFARO, 1991, p.16, tradução nossa). Para isto foram utilizadas diversas ferramentas como, por exemplo, uma nova forma de educação que estava surgindo, porém essa mudança no início obrigatória passou a ser aceita pela sociedade como algo necessário.

Se partirmos do suposto de que a história dos sistemas de valores e dos comportamentos coletivos ignora as mutações bruscas, resulta surpreendente o tom emblemático que assumiu a mudança, pelo menos no terreno do Carnaval, naqueles primeros anos da década de setenta (ALFARO, 1991, p.17, tradução nossa).

O olhar do outro – no caso o Europeu – começa a construir o que Montevidéu quer ser, a ano de 1873 marca o primeiro adorno das ruas conforme Alfaro (2008) e o primeiro desfile de comparsas o que ocorreu conjuntamente com uma série de normas que teriam que ser seguidas para evitar desagravos durante os festejos de carnaval. Como todo ritual coletivo, o Carnaval requer um espaço próprio, um âmbito especialmente reservado para sua celebração e, nesta conjuntura, essa 39

Em Santana, encontramos que aculturação refere-se: “(...) especificamente aos processos e acontecimentos que provem dos encontros de duas ou mais culturas e, em principio, por definição, todas as culturas implicadas se verão afetadas” (SANTANA, 1997, p. 18, tradução nossa)


64

dimensão espacial da festa converteu a cidade num grande cenário para a dramatização da nova ordem em gestação (ALFARO, 1991, p.20, tradução nossa).

No início da década de 70 do século XIX e no decorrer do final do século XIX verificamos diversas mudanças, é um dos períodos conhecidos como Militarismo. Depois da Guerra da tríplice aliança o Uruguai inicia um longo processo de recuperação a fim de sanar os danos provocados pela guerra. Surgem planos de urbanização e remodelação tanto do espaço urbanístico como uma remodelação para a transição do agrário para o industrial. Além disto, há uma transformação nos simbolismos, ao se modernizar o país, novos valores surgem para uma adequação a fundamentação que vem da Europa do certo e do errado em como agir, vestir, sentir e viver, em um processo de aculturação. Em concomitância com a opinião de Alfaro (2008) podemos verificar que o homem adquirindo a posição perante o mundo de homo economicus e então, transformando a sua vida e que passa a ter o trabalho como temporizador assim o ser humano esquece-se da diversão ou a relega para um segundo plano, pois seu novo status dentro das alterações da economia não lhe permite dar-se o luxo de diversões, principalmente carnavalescas tidas para muito como uma lembrança das festividades “selvagens” que agora seriam relegadas aos “operários”. O espaço da cidade começou a ser preparado para receber a civilidade do novo carnaval, começa a surgir a decoração de carnaval dos principais bulevares da cidade, também surgiu o desfile de carros alegóricos e as fantasias começaram a ser premiadas nos bailes. Na reflexão de Alfaro (2008) a festa ganha a oficialidade que a nova ordem exige; as camadas dominantes tomam as fantasias como símbolo desta nova forma de festejar, relegando a máscara a “plebe” e lhe concedendo um papel de símbolo daquele carnaval de antanho40. A fantasia mostra a civilidade que a burguesia da época deseja mostrar para se diferenciar da simples máscara da plebe. Essa separação nas formas de festejar das camadas da sociedade vem a corroborar as mudanças culturais que começam a surgir em praticamente todos os 40

Um século depois na década de 80 não havia criança que não tivesse uma máscara dos mais diversos personagens, Mulher Maravilha, Chaves, Tom e Jerry todos estavam com os vendedores durantes os desfiles e fora deles, havia quem colecionasse e aqueles que para cada dia de Carnaval usassem uma diferente. As máscaras de hoje em quase nada se pareciam às máscaras do século XIX e início do século XX e na década de 80 deste último era o máximo símbolo infantil da comemoração de Carnaval (comprovação empírica).


65

campos da sociedade. As relações entre os diversos âmbitos da sociedade montevideana, na opinião de Alfaro (2008) começam a ser alterados nas suas formas de comunicação dentro do disciplinamento que ocorre devido à adequação ao capitalismo. No marco de um novo Uruguai, a atualização de simbologias, conteúdos e cenários carnavalescos expressou pontualmente a lenta e trabalhosa emergência de uma nova ordem simbólica. De alguma maneira, o ano de 1873, ponto de partida de um novo itinerário através do Carnaval montevideano (…) marca o início do longo processo que conduzirá a consolidação de uma festa de acordo com as formas de viver e de sentir desse novo país (ALFARO, 1992, p.95, tradução nossa).

A nova forma de estar no mundo também fazia parte dos setores desprivilegiados da sociedade, que, apesar de que na historiografia carnavalesca esta informação não apareça. Confirmando a riqueza e a complexidade dos processos culturais, a “reforma do Carnaval” está cheia de incongruências do mais variado signo que permitem detectar quão manchada é a línea divisória que separa as culturas populares da elite (ALFARO, 1991, p. 64, tradução nossa).

Apesar de todas as reformas a sátira continuou presente desde os tempos mais remotos do carnaval montevideano, antes da eleição de 1873 que ocorreu no dia 1º março, não era difícil encontrar diversas máscaras “presidenciáveis” nos desfiles. Desde esta época, carnaval faz uma leitura satírica da política do país, a partir de sátiras às vezes amargas, às vezes festivas41. No final do século XIX, temos a consolidação das comparsas42 como ingrediente fundamental da celebração (ALFARO, 2008, p.18, tradução nossa), junto a estas comparsas surgem também uma quantidade considerável de conjuntos, chamados por Alfaro (2008) de “agrupaciones de negros y lubolos”. Para o final do século XIX, mas precisamente na década de 90, o candombe, que na sua essência é uma cerimônia ritual africana, passa a ser incorporada ao carnaval, o que para Cárambula (1985), faz surgir uma sincronia de elementos da realidade do negro no espaço-tempo em Montevidéu com o passado ritualista dos mesmos, como por 41

No ano de 2005 a murga Agarrate Catalina fez uma apresentação onde falava do Presidente Pepe Mujica quando este ainda era Senador da República e foi indicado para entrar no primeiro governo do partido Frente Amplio a nível federal, se utilizou a figura do atual presidente da República para satirizar o medo que algumas camadas da sociedade tinham e preconizavam sobre a toma de poder por parte do partido esquerdista que tinha o Presidente PePe Mujica como símbolo da luta contra a ditadura, já que este foi guerrilheiro e faz parte do Movimiento de Participación Política. Vídeo disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=Hsifiaxn_tA>.


66

exemplo, a maneira de andar dos componentes de uma cuerda de tambores43 que faz uma “reverência” aos passos dos negros escravos e seus grilhões, o que impossibilitava que levantassem os pés, assim eram arrastados ou levantados muito pouco do chão, como fazem até hoje os integrantes das cuerdas. “Para ser autêntica a festa só pode se expressão do seu tempo e, com sua justa dose de tradição e inovação, de ruptura e permanência, de loucura e sanidade” (ALFARO, 1991, p.215, tradução nossa). Fruto direto de diversos processos como o disciplinamento e a aculturação, e devido às influências européias, o Carnaval de Montevidéu sobreviveu e foram justamente estas mudanças que ajudaram a sua sobrevida e consolidação no século XX. O carnaval como manifestação, se adaptou as mudanças sociais e culturais que ocorreram no final do século XIX e continuaram posteriormente. A evolução das agrupações que faziam o carnaval somando-se as novas regras que a nascente realidade exigia fez surgir a espetacularização da festa, o carnaval onde a brincadeira era que reinava, dá lugar ao um novo carnaval da dança, dos ritos e de falas. As premiações já não são mais obras de arte, mas prêmios em dinheiro como encontramos em Alfaro (2008b) e se antes negros e brancos disputavam os mesmos prêmios nos tablados isso começa a mudar no raiar do século XX por exigência dos próprios negros assim começam a surgir às categorias do para premiação do carnaval. Na alvorada da primeira década dos anos 1900 temos um verdadeiro panorama do que era a sociedade montevideana da época e, também, onde ainda incipiente o molde do carnaval como o conhecemos hoje começa a surgir, onde o ponto máximo foi o carnaval da virada do século em 1899 se utilizaram “quinze milhões de serpentinas” um símbolo da civilização na época. (ALFARO, 2008b, p.27, tradução nossa). Se a construção da nação na era moderna foi, entre outras coisas, o resultado de um complexo processo de integração de síntese e aculturação (...) no marco de um país que necessitava pensar se a si mesmo e imaginar-se como comunidade. (ALFARO, 1991, p.128, tradução nossa).

Hoje as categorias que fazem parte do Carnaval montevideano são cinco: Parodistas, Humoristas, Murgas, Revistas e as agrupações de Negros e Lubolos. O papel das pessoas no carnaval do Uruguai é extremamente bem definido, atores, 43

Cuerda de Tambores, explica Olaza (2009) é onde o candombe é tocado por uma cuerda de três tambores, chico, repique y piano e é tocado por três indivíduos, e cada tambor tem sua medida específica (...) e vão se multiplicando de três em três. (OLAZA, 2009, p. 53, tradução nossa)


67

músicos, empresários, letristas, espectadores, isto foi parte da transição do carnaval brincado para um tipo de carnaval assistido e menos participativo como podemos ver em Vidart (2001).

3.4.1 LLAMADAS e CANDOMBE

Dale negro p’a delante no me pares de luchar Grupo Pareceres Partiram de diversas regiões da África os negros que desembarcaram em Montevidéu eram em sua maioria da civilização Bantú, que ocupavam o que hoje são as regiões de Camarões e da Nigéria segundo Rodríguez (2006). Somando-se a estes, também fazem parte da raiz africana no Uruguai as civilizações Dahomey e Sudanesa. Estima-se que em torno de 40.000 pessoas vindas para trabalhar como escravos desembarcaram em terras uruguaias a este contingente foram somando-se escravos oriundos do Brasil que fugiam para a região quase desértica da Campanha no Uruguai. Os negros ocupavam funções principalmente na indústria do charque, cuidando da carne que seria vendida para os países vizinhos, também eram chamados para lutar quando o país entrava em guerra enquanto que as mulheres eram enviadas para o serviço doméstico. “Em 1791 Montevidéu, foi designado, único porto de introdução de escravos para o Rio de la Plata, Chile e Peru” (MEC, 2007, p. 4, tradução nossa). As afinidades culturais dos escravos serviram como ponto de partida para que, chegando a Montevidéu, estes se agrupassem segundo sua língua, crenças, religião enfim, tudo aquilo que pudesse ser considerado um elo da sua origem e assim, servindo como um agregador para unir os negros na sua chegada a estas terras como identificamos em Carámbula (1985). Esta união também serviu como uma maneira de proteger a carga cultural que cada um trazia, afim de que isto lhe concedesse uma identidade dentro do seu novo espaço. Ainda para Carámbula (1985) os afrodescendentes conseguiram unir-se por sua origem, idioma e outros fatores devido à necessidade de proteção e de ajuda entre semelhantes.


68

A denominação de “nações” foi, precisamente, ocorrência dos negreiros, que, para facilitar suas despiadadas transações comerciais, classificam a mercadoria humana de acordo com sua origem, por resultar mais cômodo e facilitar sua rápida identificação (CARÁMBULA, 1985, p.23, tradução nossa).

Nas nações havia uma corte com reis e rainhas, para Carámbula (1985) as diversas culturas africanas que aportaram no Uruguai são a origem das nações, pois cada uma representava a majestosidade deixada em solo africano. As Nações não só trabalhavam para agrupar e fortalecer o espírito de origem comum dos negros organizando as festividades e rituais religiosos, mas também serviam de apoio àqueles que necessitavam da ajuda da sua comunidade, mais ou menos nos moldes de associações de ajuda como as que os imigrantes espanhóis e italianos fundariam posteriormente, assim nesta forma de agrupamento eles “(...) buscaram formas e espaços de encontro dentro da legalidade de uma época que apenas aceitou seu agrupamento nas chamadas Naciones” (MEC, 2007, p. 13, tradução nossa). Os negros que chegaram as terras uruguaias trouxeram sua rítmica denominada candombe, que no país vizinho denominou tanto o ritmo quanto os festejos dos negros no século XIX. “El término ka-ndombe na lingua kimbundo, significaría “costume ou dança dos ndombes”” (MEC, 2007, p. 14, tradução nossa) complementando, para Carámbula (1985) “ Provavelmente a onomatopéia rítmica, deu origem ao uso da palavra candombe para tudo o que era de origem “negra” como bailes, dança negra e etc. (CARÁMBULA, 1985, p. 13, tradução nossa). Candombe se chamavam as festividades do dia seis de janeiro, dia de reis44·, a reunião dos tambores, o ritmo, tudo aquilo que fosse vinculado aos afrouruguaios era candombe. A palavra candombe aparece pela primeira vez em uma crônica do escritor de época Isidoro de Maria, que titulou “el recinto y los candombes” (18081829). Posteriormente, a lemos em uma composição do poeta Acuña de Figueroa, aparecia no “El Universal”, em 1894 e cujo primer verso diz: “compañelo di candombe.” (CARÁMBULA, 1985, p.13, tradução nossa).

O candombe se caracteriza por uma conversa entre tambores, um toque chama outro toque de outro tambor e assim se forma a rítmica do candombe. “O candombe, como o samba brasileiro ou o guagancó cubano, é a evolução, ao contato com realidades 44

A escolha do dia de Reis, também era uma forma de reverenciar o rei mago negro Baltazar, também não era difícil dentro das casas existirem imagens dele e de São Bento. (MONTAÑO, 2010, disponível em http://www.alterinfos.org/spip.php?article4155, tradução nossa).


69

locais, de um ritmo original dos ritos africanos de fecundidade” (POLIMENI, 2002, p. 146, tradução nossa). Para Carámbula (1985) a formação do candombe seria a segunda etapa da constituição das danças afro-criolas; ele é o ritmo que ditava e dita as festividades dos afrouruguaios, em um primeiro momento estas festividades ocorriam nas casas das Naciones denominadas Salas ou nas Canchas. Conforme o MEC (2007) os candombes dos negros de antanho eram uma forma de sobrevivência e assim serviriam como válvula de escape aos moldes do carnaval da Idade Média “um íntimo e intenso chamado a rebeldia antes as imposições e ao avassalamento do qual eram objeto” (MEC, 2007, p.13, tradução nossa). No desenvolvimento do candombe do Rio de la Plata, o papel decisivo correspondeu aos congos, cujo ritual se iram somar quase todas as outras “nações”, pelo que o vocábulo se generalizou até o ponto de englobar quase todas as danças dos negros, inclusive as carnavalescas (CARÁMBULA, 1985, p.8, tradução nossa)

As nações tinham o seu território nas Salas. As salas estavam instaladas em antigas casas coloniais abandonadas ou alugadas pelos próprios amos, que eram ocupadas pelas nações, estes eram os mais velhos e eram respeitados dentro da “hierarquia” existente dentro das nações segundo Carámbula (1985) o autor ainda completa que eram os reis das nações que definiam as regras de comportamento que os componentes da nação deveriam seguir, estas Salas eram mantidas através das esmolas recebidas em nome destas nações eram convertidas para ajudar aqueles da comunidade que não tinham como se sustentar. . “Isidoro De María (1968) considera o período de 1808-1829 como a “época de ouro”, o auge dos candombes das nações a sul da cidade, contra as muralhas e o mar” (DE MARÍA, 1968 apud GUTERRES, 2002, p.71) desta forma, pode considerar-se a importância que as Salas tiveram como lugar de memória, identificação e manutenção da cultura afro uruguaia. “domingo a domingo, “os amos permitiam aos seus escravos que fossem a suas “canchitas” alinhadas ao longo da muralha que fechava e cuidava de cidade”. Nesses pequenos espaços de terra cobertos, com uma camada de areia, se reuniam todos os africanos de acordo com a sua nação. “Cada grupo ia llamando a seus companheiros, os que saiam das casas de seus amos, e se reuniam com aqueles que llamaban desde a rua ou desde a canchita.” (MEC, 2007, p. 15, tradução nossa).

Uma das manifestações do candombe é a comparsa, que é a reunião dos tambores, a corda dos tambores, somado a outros elementos que simbolizam a cultura


70

afrouruguaia e os personagens como o gramillero, o escobero, a mama vieja. O Gramillero deve seu nome às gramillas ou yuyos (ervas) como explana Carámbula (1985) que usava para curar seus pacientes, assim ele simbolizava o curandeiro; o escobero o bastonero era um personagem que tinha sua importância fora e dentro das Salas. No MEC (2010) encontramos que o papel deste personagem como sendo o “diretor de uma orquestra” isto mesmo antes das comparsas existirem como tal. A Mama Vieja é o personagem feminino da comparsa, robusta, sempre de branco, com uma saia rodada e segurando um abanico na mão, companheiro do gramillero na dança à frente da cuerda de tambores na comparsa. Para alguns a Mama Vieja era a dona das chaves, ou seja, aquela que controlava a saída e a entrada das pessoas na casa dos amos, na visão de Carámbula (1995) a Mama Vieja simboliza a rainha das Nações.

A comparsa tem uma formação clássica: seu estandarte vai à frente com troféus conquistados, logo as Bandeiras, e na retaguarda a meia lua, estrelas e faróis de tecido pintado, distintivo que, pelas noites, dá um especial encanto e a faz visível a distancia. Os negros vão caminhando em fila indiana com suas típicas y vistosas fantasias, caminhando entre o intenso e cálido som dos tamboriles, que lhe dão uma fisionomia exótica e pitoresca, colocando uma nota de tom local nas festas do efêmero e funambulesco reinado de momo. (CARÁMBULA, 1985, p.48, tradução nossa).

A cuerda de tambores é o que forma a comparsa somando-se todos os personagens, a corda tem três tambores o Chico, o Repique e o Piano. “As comparsas, portanto, são apenas uma das formas visíveis pelas quais se expressa à tradição dos tambores do candombe afro uruguaio (...) na forma de agremiações” (GUTERRES, 2002, p. 11) e ainda complementa que as cuerdas de tambores são as orquestras percussivas do candombe.


71

FIGURA 01: PROJETO EDUARDO VERNAZZA Y EL CARNAVAL 1930 - 1991

FONTE: PÁGINA ELETRONICA MUSEO DO CARNAVAL

A corda de tambores, nos seus desfiles, junto com os personagens, saindo junto a outras cordas de tambores caracteriza as llamadas, que hoje fazem parte do desfile de agremiações do Carnaval, para Guillén (2007) antigamente as llamadas eram um chamado de fé já que ocorriam no dia de reis45. As llamadas também eram um ato de congregação entre as Nações, e, portanto, entre as comparsas, esse chamado também é o coração do candombe já que os tambores se chamam entre si. O candombe, portanto é um ritmo onde ocorre uma conversa entre os tambores, por isso, o nome de llamadas “(...) se va llamando, uno llama, repica al outro, se va llamando a cada barrio” ( OLAZA, 2009, p. 59). Para Carámbula (1985) existiram três etapas da formação do candombe, sendo que hoje, vemos a terceira etapa que seria a formação das comparsas, que surgiu em 1867 com o aparecimento da sociedade de negros “La raza africana”. Nas llamadas se congregam todos os símbolos da cultura afrouruguaia que por muito tempo foram proibidos, a comparsa aparece com as luas, estrelas, os personagens, se para Guillén (2006) o candombe é uma degeneração da religião afro, podemos identificar que na sua raiz o ritmo era uma forma de veneração dos Deuses do panteão africano, então a mesma autora identificou que as llamadas também era um llamado da fé africana isto 45

Em Chirimini e Varese (2000) encontramos que: “Também os candombes se dançavam em datas indicadas¸especialmente no dia 6 de janeiro, a festa dos Reis Magos. Esse dia, depois de uma missa solene na Igreja Matriz, a que assistiam os reis negros e todo seu séquito, se fazia uma visita às autoridades (governador espanhol ou português ou o presidente em exercício, dependendo da época) e mais tarde se rumavam em procissão musical até a sala, onde após um suculento banquete se iniciava o candombe até o por do sol. Na dança participavam todos os membros da sala, aos que se uniam um coro de curiosos, tanto brancos quanto negros, para presenciar o espetáculo barulhento.” (CHIRIMINI; VARESE, 2000, p. 98, tradução nossa)


72

esta em consonância com a opinião de Ayesterán (1953) “(...) as danças negras no Uruguai, trazem uma idéia de sincretismo religioso” (AYESTERÁN, 1953, p.65, tradução nossa). Herança direta do tronco comum africano, a força desse fraseado (conversa entre tambores) é versão local de uma misteriosa comunhão com a música e a dança, ingrediente chave na existencia do negro, que, mais além de fronteiras, expressa uma forma de ver e de sentir a vida (ALFARO; COZZO, 2008a, p.52, tradução nossa).

Todas as manifestações dos afrouruguaios ocorriam em locais onde lhes era permitido fazê-lo. Quando a Montevidéu de antanho estava encerrada entre as muralhas da Ciudadela46, o candombe se realizava dentro da cidade, na antiga Plaza del Mercado Chico ou no Paseo del Recinto, na costa sul (CARÁMBULA, 1985, p.21, tradução nossa), também em “lugares denominados “canchas” e nas salas (...) se levavam a cabo com mimética solenidade palaciana”(CARAMBULA,1985, p.17, tradução nossa). Quando as muralhas da Ciudadela são derrubadas, os afrouruguaios continuam a usar as imediações da mesma para seus festejos. As celebrações ou os bailes africanos desde os fins do século XVIII ocorriam na zona sul do Recinto (espaço estabelecido entre as bóvedas sobre a bahía e o cubo do Sur a beira do mar, atual tramo que se estende aproximadamente desde a Rambla Roosevelt a Rambla Gran Bretaña) (MEC, 2007, p. 7, tradução nossa).

Os negros não saíram de entorno a cidadela já que o porto e suas Salas se encontravam nesta região, estes bairros, hoje em dia, Sul e Palermo são referência para a população negra montevideana. A localização geográfica dos negros nestes bairros é do tempo que o Uruguai ainda era uma colônia e pela reclamação dos habitantes que tinham que ouvir os toques dos tambores dos negros estes foram permitidos a tocar fora das muralhas da Cidadela. O que criou uma “fixação topográfica do candombe” (ALFARO; COZZO, 2008, p. 23, tradução nossa). Desta forma os bairros Sul e Palermo tornam-se um marco da cultura negra e do seu representante o candombe.

Para

Carámbula (1985) os sítios africanos conseguiam aproximar toda a população da cidade, não importando origem, gênero ou idade, como uma forma de fuga da sua fastidiosa realidade.

46

A ciudadela, quando da edificação em 1741 foi projetada para ser um pequeno forte. Para Ribeiro: “La ciudad em si era aquella que se encerraba em sus defensas” (RIBEIRO, 1997, p. 21), ou seja ela “encerrou” a cidade dentro dos seus muros até hoje na entrada do bairro Ciudad Vieja a sua porta esta visível como um monumento da cidade.


73

Quando se derrubam os muros da cidade e esta se alargou, transpondo os limites de pedra da severa Cidadela. Então os negros, ansiando maior liberdade, escolheram os subúrbios extramuros, pois devido ao ruído infernal dos tambores a população continuava a se queixar as autoridades (CARAMBULA, 1985, p.22, tradução nossa).

“Com o advento da industrialização e as mudanças sociais que ocorriam no Uruguai, os negros continuaram convergindo para as “docas do porto, as imediações da Antiga cidade e perto do mercado” (MEC, 2007, p. 6, tradução nossa). Antes do surgimento dos cortiços, alugaram peças de inquilinato. Os cortiços começaram a ser erguidos em uma conjuntura de modernização e industrialização que ocorria no final do século XIX para abrigar a mão de obra imigrante que provinha da Europa como verificamos em Alfaro e Cozzo (2008) principalmente italianos e espanhóis nesta conjuntura de novos moradores de Montevidéu se encontravam os negros libertos que chegavam em grande número a capital e que se somavam a aqueles que já estavam na cidade. Nos cortiços o novo homem livre, se via rodeado, no início por um ambiente que não lhe era de todo agradável, já que estava envolto por regras dos primeiros moradores na sua maioria imigrantes assim o afro uruguaio se vê diante de um desafio de “adaptar sua vida a novos códigos sociais sobre os que não têm nenhum antecedente” (RODRÍGUEZ, 2006, p.33, tradução nossa). Dos cortiços mais conhecidos se destacaram três pelo surgimento de congregações de cultura negra em torno deles, o Mediomundo, Ansina e Gaboto, os três tiveram cuerdas e comparsas, geraram ícones do candombe e da cultura negra, enclaves destas duas que mesmo com sua desintegração física continuam colocando nome aos tambores e aos toques oriundos das cordas de tambores existentes ainda hoje. “O Mediomundo era delimitado pelas ruas Cuareim, Islas de Flores, Yi e Durazno” (ALFARO; COZZO, 2008, p.18, tradução nossa) e por uma convenção mais dos seus moradores do que realmente pela demarcação dos bairros como completa a autora, o cortiço ficou sendo no Barrio Sur e seu maior rival candombero, no Bairro Palermo. Possuía 40 habitações, com um pátio no meio equipado com 32 tanques para lavagem de roupas, contava apenas com quatro latrinas é o mais conhecido dentre os três. “(...) enclaves associados desde sempre a sua tradição e a sua produção simbólica, neles como sustenta Luis Ferreira, a desempenho musical dos tambores delimita uma territorialidade urbana e promove uma reinvenção do local que nutre-se de


74

códigos próprios, totalmente diferentes o autônomos dos critérios urbanísticos oficiais” (ALFARO; COZZO, 2008, p.9, tradução nossa).

O cortiço teve vários nomes que dependiam de quem o povoava como nos mostram Alfaro e Cozzo (2008), teve o nome dos seus construtores Cortiço de Risso, na década de 20 começou a ser chamada de Cancha de Wanderers, aludindo desta forma as cores da camiseta da mesma equipe de futebol o branco e o preto, já que nesta altura o cortiço possui metade da população negra e metade branca, por última ganhou o nome da rua que o circundava Conventillo Cuareim47. “(...) no caso específico de Mediomundo, a categoria (lugar antropológico) se torna particularmente reveladora quando explora o dispositivo pelo qual um determinado âmbito pasa a ser depositário da identidade do grupo” (ALFARO; COZZO, 2008, p. 9, tradução nossa).

Muitos dos traços sociais dos cortiços se construíam através da necessidade advindas das dificuldades do dia a dia. O compartilhamento de pertences era comum, assim como algumas mulheres serviam de babás para as outras que precisavam sair a buscar roupas para lavar e assim fazer o seu sustento. No cortiço nasceram, criaram-se ou estiveram figuras do carnaval ou que dele vieram a fazer parte posteriormente. Alfaro e Cozzo (2008) citam Rosa Luna48, Juan Ángel Silva49, Carlos Paez Vilaró50 como alguns nomes inesquecíveis que vivem no imaginário carnavalesco da cidade e que tiveram o Mediomundo como palco. Juan Ángel Silva foi considerado patriarca de Cuareim e uma das figuras mais importantes da cultura afrouruguaia segundo a opinião de Alfaro e Cozzo (2008), seu apelido era Cacique, nasceu em 1919, em 1940 chegou ao cortiço, casou, teve filhos, conseguiu um emprego público devido a suas amizades na política e fundou Lonjas de Cuareim passando a se chamar Morenada em 1953 sua primeira comparsa. Cacique ficou conhecido pela sua forte ligação com o artista plástico Paéz Vilaró que tinha um atelier no cortiço na peça que ainda era de Cacique, além disso, a mesma peça para a 47

A comparsa que se originou no cortiço, hoje utiliza o nome Cuareim 1080 mesmo que alguns dos seus integrantes não tenham raízes no cortiço e nem no bairro. Disponível em

http://www.cuareim1080.com.uy/pres.html 48

Uma das vedetes com mais destaque no Carnaval Uruguaio, falecida no ano de 1994. Por muito tempo foi quem “comandou” o cortiço Mediomundo conforme Alfaro e Cozzo (2008). 50 Artista plástico uruguaio conhecido internacionalmente por ter construído Casapueblo na cidade de Punta del Este. Desfilava pela comparsa Cuareim C1080 sendo seu último desfile no ano de 2010. Disponível em http://www.lanacion.com.ar/1232960-lluvia-tambores-y-una-despedida 49


75

sede do clube de futebol Yacumenza. Foi um símbolo da década de 50 do qual é “um produto típico e inconfundível” (ALFARO; COZZO, 2008, p.50, tradução nossa). Lonjas de Cuareim e posteriormente a comparsa Morenada alcançaram êxito internacional graças a Vilaró que com seus contatos conseguia shows em Punta del Este e em outras cidades do mundo.

FIGURA 02: CORTICO MEDIOMUNDO

FONTE: HECTOR DEVIA IN ALFARO E COZZO (200a, p. 19)

Em 1954 Paéz Vilaró decidiu que sua exposição, que participaria da Conferencia Internacional da UNESCO a ser realizado em Montevideú, seria no cortiço dando ainda mais visibilidade ao cortiço conforme explicam Alfaro e Cozzo (2008). Paez pintou os negros não só porque os admirava, mas também porque convivia com eles no dia a dia. Os cortiços também se caracterizaram por serem escolas de candombe, onde os filhos dos moradores aprendiam desde pequenos a tocarem o tambor ou a se transformarem em mini vedettes do carnaval. Assim mantendo uma tradição que até hoje, mesmo com o desmantelamento dos cortiços continua e nos desfiles ainda se faz uma homenagem àqueles que já se foram e deixaram sua marca em frases como “en esta noche (la de las llamadas) ellos estan presente junto a nosotros” (ALFARO; COZZO, 2008, p.57). O cortiço Mediomundo não só albergou Paéz Vilaró também são figuras do cortiço Rosa Luna uma das maiores vedetes que o carnaval já teve nascida no cortiço em 1937, Martha Gularte e lágrima Rios completam o panteão de vedetes uruguaias que fizeram história não só pela sua beleza, mas pela sua história na cultura afrouruguaia, as


76

duas eram freqüentadoras assíduas do cortiço, como encontramos em MEC (2007) o cortiço não só era também ponto de encontro de crianças que moravam nos arredores do mesmo. Sendo um dos símbolos da cultura negra, o cortiço sempre foi muito visitado por turistas que queriam ver a “alma” do candombe e segundo Alfaro e Cozzo, (2008) “o enigma radica da força dos atributos que faziam que o Mediomundo fosse uma das grandes capitais culturais do candombe e, por isso, muito mais que um simples cortiço” (ALFARO; COZZO, 2008, p.64, tradução nossa). Para Alfaro e Cozzo (2008) a década de 60 foi crucial para a vida do cortiço, mesmo com a consolidação da imagem de comparsas como morenada, o deterioramento físico continua, a esta altura tinham se passado oitenta anos da inauguração do prédio. As obras de manutenção previstas nunca ocorreram, as pinturas da fachada davam um ar provisório de melhora, um arremate frustrado, a revogação da lei que tornou o cortiço um Monumento Histórico Nacional51 e o barramento de outro projeto, o de exploração turística do local abriram as portas para o que depois seria o desmantelamento deste lugar de memória. Nos processos de construção das identidades, tanto as coletividades como os indivíduos tem a necessidade de simbolizar esta identidade em alguns referentes compartilhados. O tratamento do espaço é um dos principais meios ao qual se recorre para a concreção deste operativo (ALFARO; COZZO, 2008, p.9, tradução nossa).

As cuerdas de hoje, Cuareim52, Ansina53 e Cordon54, tiveram sua origem em três cortiços, os respectivos Mediomundo, Ansina e Gaboto, cada um com um toque de tambor diferenciado que o identificam com sua origem. No momento que houve a demolição dos cortiços por parte da ditadura, pensou-se que haveria uma desintegração da cultura negra, porém o que ocorreu e que alguns que foram desalojados acabaram voltando para casas de amigos ou parentes que continuaram no bairro ou mesmo aqueles que não conseguiram retornar fizeram do entorno ao cortiço seu local de ensaio e de passeio, além disso, a dispersão daqueles que não puderam ou conseguiram voltar 51

Referente à história da revogação do tombamento do cortiço encontramos que “havia sido declarado Monumento Histórico Nacional pela resolução 1.941/975, desalojado no dia 3 de dezembro de 1978, foi extinta a declaração de Monumento Histórico em 1979 pela Resolução 2.570/979 e demolido nesse mesmo ano. No transcurso de quatro anos o valor e o significado atribuído pelo Estado ao cortiço Medio Mundo, mudou radicalmente. De digno de ser preservado como “representativo da cultura de uma época”, se transformou em passível de ser apagado” (Adinolfi; Erchini, 2007, p. 137, tradução nossa). 52 Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=td5gX2xMSrM> 53 Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=ZHpmz3XIQ4U> 54 Disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=wAzNQmCmd4w&feature=related>


77

originou a dispersão do candombe pela cidade, o que seria a desagregação da cultura negra acabou fortalecendo a “Cultura do tambor” por quase toda a cidade segundo as palavras Alfaro e Cozzo (2008).


78

3.4.2 MURGAS Retornar Al tablado de barrio Mistério de esquina. Caminar Sobre una serpentina... Eso es Carnaval. (CARRIZO, 2000, p. ix)

A Murga é a agremiação carnavalesca aos moldes europeus do carnaval montevideano; a sua origem pelas paragens americanas tem época delimitada, em 1909 um grupo chamado “A Gaditana” desembarcou para uma série de apresentações, as quais não conseguiram público suficiente para a volta do grupo a Espanha, referindo-se a este grupo “podemos recordar como a primeira murga espanhola em Montevidéu: como uma imitação desta murga é que nascem os conjuntos que atuarão durantes os festejo de carnaval desde o ano 1909 em frente” (DIVERSO, 1989, p.23, tradução nossa). O fato da pouca assiduidade do público fez com que o grupo fizesse suas apresentações na rua e não cobrasse entrada e sim fazia pedidos voluntários de colaborações chamados de “pasar la manga”. Existe um consenso que na Espanha a Murga tem sua aparição em Cádiz, porém os elementos que estão presentes nestas murgas são encontrados em outros locais da Europa: Cádiz, por sua vez, tem uma dupla herança: por um lado, um marcado componente migratório italiano, basicamente genovês e veneziano. Máscaras, pistolas de água e fantasias (...) foram elementos que Cádiz herdou dos carnavais italianos (LAMOLLE, 2005, p.12, tradução nossa).

Diverso (1989) situa temporal e politicamente o aparecimento destas agremiações: A murga surgiu no Uruguai durante o primeiro governo de Claudio Wlliman, e sua origem está relacionada com uma companhia de zarzuelas55 que viajavam assiduamente ao Uruguai, no início do século, provenientes de Espanha. A primeira murga, que pode ser chamada de legitimamente uruguaia surgiu para, justamente, parodiar os espanhóis: “La gaditana que se va (...) esta foi à primeira murga

55

“(...) a zarzuela (...) está pelo seu assunto dentro dos gêneros cômico e trágico em toda sua extensão. Porem falamos, além disso, que parte dela é cantada (...) se bem é composição dramática, é também uma composição lírica, uma espécie de ópera; na qual as declamações são simplesmente falados” (RODICIO; BARBIERI, 1994, p.262, tradução nossa).


79

uruguaia que atuou nos carnavais, e na imprensa da época aparecem referencias a este conjunto no mesmo ano: 1909” (DIVERSO, 1989, p. 23, tradução nossa). Alfaro (1991) conseguiu identificar como se viam as murgas na época do seu surgimento: “sinfonias orquestrais” que se confundem com as “notas estridentes y desafinadas produzidas por latas, bombos y platillos” (ALFARO, 1991, p.98, tradução nossa) em outras oportunidades a murga é mostrada como “o resultado de um longo processo (...) cujos incertos antecedentes se fundem” (ALFARO, 1991, p.70 tradução nossa); Então podemos definir a murga como um processo (artístico) de diversas vertentes que confluíram para formar uma manifestação músico-teatral que serve como uma forma de comunicação, manifestação e representatividade popular. Também encontramos uma definição que consegue unir tudo aquilo que as murgas congregavam no início do Século XX:

Síntese e herdeiro das festas e dramas cristãos da colônia, das cerimônias e da musica africana, do circo, o teatro gauchesco e o sainete crioulo, das estudiantinas56 e comparsas do século XIX, e também das zarzuelas e operetas gaditanas que, no início deste século, visitavam o Rio da Prata (CAPAGORRY; DOMÍNGUEZ, 1984 apud REMEDI, 2001, p. 130, tradução nossa).

Remedi resume o espírito pelo qual é guiado até hoje a essência das murgas: Um grupo de uruguaios que decidiram imitar uma manifestação artística espanhola em tom de brincadeira foi suficiente para que as murgas se constituíssem em umas das expressões populares mais importantes (DIVERSO, 1989, p.31, tradução nossa). O tom de brincadeira que é citado refere-se à burla, ao costume de rir de acontecimentos de uma nova forma utilizando-o como mecanismo de comunicação. Uma “manobra” artística utilizada pelas murgas é o uso da base de uma música conhecida, este tipo de elaboração é conhecido como Contrafactum, assim é usada uma melodia já conhecida com uma nova letra adaptável a este tema57. Conforme Diverso: As canções tinham a música das zarzuelas58 mais populares da época, iniciando assim a tradição murguera

56

Martínez e García (2004, p.112, tradução nossa) conceituam uma estudiantina da seguinte forma “(…) grupos lírico-musicais de divertimento, formadas por jovens de ambos os sexos das classes acomodadas da cidade, e que constituem os elementos mais dinâmicos, engraçados e festejados do carnaval.” 57 No ano de 2010 a murga Agarrate Catalina utlizou a base da música Solo Le Pido a Dios do músico León Gieco, imortalizada pela cantora Mercedes Sosa, para a sua apresentação, que justamente, falava de Deus.


80

de usar melodias já conhecidas para vincular novas letras, tradição que em parte se tem mantido até hoje (DIVERSO, 1989, p.33, tradução nossa). Em uma primeira aproximação falaremos que a Murga é uma expressão artístico-popular, de caráter massivo, aparentada com outros gêneros como o teatro de rua, a zarzuela ou opereta, geralmente oposta a forma de arte considerado “culta” e que tem desenvolvido caracteres próprios tradicionalmente reconhecidos. A sátira dos acontecimentos sociais e um modo específico de representação constituem seus rasgos mais característicos, tradição que tem sido em parte recolhida, pelas “Normas Básicas Municipales de Carnaval” da cidade de Montevidéu, que em seu artículo 25 estabelece: “A categoria murgas recolhe uma expressão claramente popular: o que as pessoas vêem, ouvem e dizem a propósito dos acontecimentos salientes do ano tomados como piada e em seu aspecto insólito ou jocoso. Distingue a murga, (...) a mímica, a vivacidade, o movimento, o contraste, a informalidade cênica e o grotesco (...)” (DIVERSO, 1989, p. 89, tradução nossa).

Através da ironia como figura retórica fundamental, a murga fazia eco de expectativas e rumores da população, especialmente os setores socioculturais mais baixos, sendo assim a grande parte da população que assistia aos espetáculos das murgas vinham destas camadas conforme Diverso (1989). No início as murgas eram constituídas, na sua maioria, por canillitas, que era o nome dado aos vendedores de jornais das esquinas, já que estes trabalhavam com a voz para vender o seu produto, criaram uma impostação de voz que se transformou na forma de cantar e falar das murgas. No início do século com a modernização do país e do carnaval, cada vez mais as manifestações artísticas, assim como outras manifestações dividiam a população de Montevidéu. As camadas da população mais abastadas se dirigiam aos teatros para apreciarem as Óperas européias que faziam suas turnês pela América, já as classes com menos recursos se dirigiam a palcos callejeros para assistir as apresentações dos grupos de zarzuela, que atingiam o público que não podia aceder a outro tipo de diversão. “O 1900 é a época da popularidade da zarzuela e simultaneamente dos espetáculos operísticos eram o centro das preferências dos setores, mais distinguidos da sociedade” (DIVERSO, 1989, p. 33, tradução nossa).

Uma das características que diferenciam os festejos do carnaval uruguaio de outros mais conhecidos é a notória descentralização na representação de suas diferentes manifestações artísticas. O carnaval uruguaio se reduz além de alguns bailes e desfiles (corsos) inaugurais, as atuações que durante quarenta dias os conjuntos realizam em meio a uma centena de cenários de ruas


81

dispersos pelos distintos bairros da cidade (DIVERSO, 1989, p. 33, tradução nossa).

As murgas sempre se caracterizam, no Uruguai, pelo tom crítico-humorístico das suas apresentações, a partir de um recorte semiótico feito em um momento da atualidade da sociedade montevideana59 e utilizando os elementos que lhe são pertinentes ela mostra uma crítica, por vezes considerada ácida60, do momento atual. Essa crítica remete a origem da murga para Diverso (1989) a crítica passa a ser um elemento do carnaval montevideano que passa a ser vinculada a imagem da murga em 1909, para este autor a murga surge neste ano de uma forma repentina. A forma de retratar a sociedade fez o sucesso da murga crescer entre a população montevideana, pois era uma forma de comunicação, que se mantêm até hoje, das camadas menos abastadas, ou seja, era um meio de comunicação feito por participantes desta classe – lembremos dos canillitas – para ser ouvida, na sua maioria, por esta classe e com a realidade própria do dia-a-dia, assim podemos dizer que no início a murga era feito pelo povo e para o povo.

O êxito que as murgas iam obtendo através de suas atuações no Carnaval montevideano, devia-se fundamentalmente ao conteúdo social e o tratamento informal e irônico de seus versos, que estabeleciam certo desvio da norma “culta” dominante, possibilitando uma maior identificação do público (DIVERSO, 1989, p. 91, tradução nossa).

Ao utilizar formas e temas que não eram reconhecidos como arte no início do século, pelo contrário, as ironizava, assim as murgas criaram um canal de comunicação que contrariava o conteúdo elevado das apresentações operísticas. Para Diverso (1989) isto seria a continuação de uma tradição medieval, pois utiliza “(...) expressões verbais ou certas referências indiretas a temas moralmente proibidos na cultura oficial” (DIVERSO, 1989, p. 34, tradução nossa).

59

Utilizaremos a sociedade montevideana como confluente da atualidade da sociedade uruguaia como um todo, por acreditar que aquela representa de uma forma concisa a realidade do país. 60 Depois da sua vitória no segundo turno das eleições no Uruguai, o presidente Pepe Mujica foi “homenageado” pela murga Agarrate Catalina, porém diferentemente do ano de 2005 onde ele foi assunto da mesma murga quando ainda era senador, neste ano a crítica foi mordaz com um Cuplê chamado “Civilizemos al Pepe” o qual recordava a forma de vestir e falar do presidente, assim como falava do seu animal de estimação, carro e casa. O Presidente não gostou da crítica, considerando-a mal educada. Vídeo disponível em http://www.youtube.com/watch?v=7c3CJo1UTJ0.


82

A murga configurou, desde seu nascimento, um fenômeno político. Não pelo que diz respeito à militância partidária senão pela origem de sua arraigado e as conotações cidadãs de seu repertorio. Surgida da polis, da cidade, seu cancioneiro transparece o impacto da perda do caráter sagrado e do desencanto próprio do racionalismo urbano. (VIDART, 2001, p.121, tradução nossa).

A partir desta crítica em um âmbito sócio-político, a murga cria um elo de identificação, assim ela passa a ter uma função dentro da sociedade, já que ela faz um recorte semiótico (VIDART, 2001, p. 21, tradução nossa) da sociedade, trabalha este recorte transformando-o em uma crítica-satírica, dentro deste recorte os temas mais encontrados em toda a historiografia referente ao carnaval trata de questões políticas e de modismos da sociedade. É claro que o carnaval em si, se tratando de uma forma de invenção da realidade não poderia deixar de rir de si mesmo. No ano de 2004 o DAECPU exigiu que as murgas contassem com pelo menos uma mulher, já que estas não faziam parte das apresentações e sim, ficavam atrás do palco, como maquiadores ou montando as fantasias, então no ano de 2005 a Murga Contrafarsa fez o Cuplê61 “La Gorda Bella62”. A apresentação da murga se desenvolve em palcos chamados Tablados. Para Alfaro: “O tablado63 contava a vida do bairro” (ALFARO, 2008, p.59, tradução nossa) e “(...) geograficamente os dois bairros de tradição murguera são La Teja y La Unión” (LAMOLLE, 2005, p.26, tradução nossa). Assim havia uma questão geográfica na identificação das murgas com seu público, assim como o time de futebol do bairro, era comum ver vizinhos em uma apresentação da murga do bairro em outra localidade. Na década de 60 era comum, famílias inteiras iram de camioneta para os clubes aonde a murga do bairro iria se apresentar. As murgas foram se adaptando conforme o espaço que lhe era concedido, no início do século a forma de cantar dos canillitas era necessária devido às condições 61

“O Cuplé, sem dúvidas, é a parte mais “teatral” na representação das murgas. Também é o único momento verdadeiramente narrativo onde existe a preocupação de compor personagens. Os papéis protágonico o assumem os “cupleteros”, integrantes especializados do coro que possuem, além de serem cantores solistas, certa capacidade histriônica para esta modalidade de atuação” (DIVERSO, 1989, p.80, tradução nossa). É onde existe uma conversa entre o coro e o cupletero, onde geralmente o público toma partido de parte do coro. 62 Vídeo disponível em http://www.youtube.com/watch?v=EqmdAHmoP5E 63 “O maior “tablado” do Uruguai, é sem dúvida o Teatro de Verano, anfiteatro ao ar livre com capacidade para cinco mil pessoas, onde anualmente se realiza o concurso oficial de agrupações carnavalescas. O concurso oficial de comparsas já estava instaurado desde o ano 1874, porém tem sofrido varias transformações tanto em suas formas organizativas como a quantidade de categorias de conjuntos participantes” (DIVERSO, 1989, p. 88, tradução nossa).


83

precárias de acústica que existiam nos tablados, já que nem microfone havia. O palco por excelência das murgas são os tablados, Diverso (1989) diz que os tablados por si só, devido ao seu espaço físico, tomam a responsabilidade de ditar as regras da apresentação, assim no decorrer dos anos, continua o autor, os tablados foram formatando as apresentaçãos das murgas até o que se conhece hoje em dia.

FIGURA 03: TABLADO DE BAIRRO ANOS 30 DO SÉCULO XX

FONTE: MUSEU DO CARNAVAL FIGURA 04: MURGA PATOS CABREROS DÉCADA DE 30, SÉCULO XX.

FONTE: GOOGLE IMAGENS

Outra questão de identificação do público com as murgas são os temas e as formas como os temas são tratados, isto de certa forma tem a ver com o histórico das


84

murgas e com seus componentes letristas64·, durante a ditadura as murgas com mais afluência de público eram aquelas que criticavam, como se podia na época, o governo ditatorial, como por exemplo, a murga Falta y Resto. Desta forma a murga cumpre o que Diverso (1989) chama de “funções sócias culturais” inerentes a murga que faz com que ela se identifique com certo público, assim “as letras das murgas se definem antes que nada pelo conteúdo temático” por suas referencias ao contexto político-social, antes que pelo uso de certos tropos verbais ou por sua construção literária” (DIVERSO, 1989, p. 49, tradução nossa). Para Bordolli (2008) a murga cria um “sentido de pertencimento” nas camadas populares da população, servindo assim como uma forma representatividade.

Álias, se bem que o Carnaval não é em si um fenômeno política, as murgas, tanto ontem como hoje tem estado possuídas pelo demônio da politização. Em conseqüência, a arma satírica de aquelas faz alvo nos aparatos do poder ou no andamento dos costumes (VIDART, 2001, p.23, tradução nossa).

Assim vemos como o letrista, a partir de um corte semiótico da sociedade, faz uma “análise espectral” (VIDART, 2001, p. 21, tradução nossa) da sociedade onde ele está inserido, seja em nível de bairro, cidade ou país, utilizando mecanismos como a sátira política, a murga constrói um repertório feito de imagens oblíquas (LAMOLLE, 2005, p.20, tradução nossa). Desta forma é construído um relato a partir de um diálogo entre personagem e o coro65 da murga, como forma de representação do Cuplê como opina Diverso (1989) utilizando “Nas suas representações (...) elementos teatrais, de opereta, zarzuela e outras vertentes que são tratadas de modo particular” (DIVERSO, 1989, p. 41, tradução nossa). Desta maneira a murga se transforma em

Uma forma de nos reconhecermos, em nossas realizações e frustrações, em nossas tristezas e alegrias, em nossos desejos e postergações cotidianas; o caminho largo e generoso, enfim, para gritar em voz alta às injustiças e darlhe luz verde a sátira, ao barulho, a picaresca em riste, que é também uma forma implacável de autocaricatura sem concessões (VIDART, 2001, p. 123, tradução nossa).

64

O letrista é quem escreva as músicas, portanto conforme Diverso (1989) segue este, informando que ele não obrigatoriamente é intregrante da murga. 65 “O canto coral, por sua parte, é o elemento definidor do gênero. O canto de varias vozes simultâneas conformando um coro, se remonta as origens da murga y tem-se mantido como um rasgo mais característico no que diz respeito às diferentes formas expressivas adotadas.” (DIVERSO, 1989, pág.36, tradução nossa)


85

Na apresentação das murgas vemos que a participação do público é de críticoespectador, já que este não participa da apresentação de uma forma ativa, assim como nas llamadas o público assiste a quem faz o carnaval, a participação nas brincadeiras ficou na história do carnaval parado no início do século XX. “O povo, transformado em público, já não se disfarça nem usa a máscara nas praças, nas ruas, nos salões de baile ou nos corsos” (VIDART, 2001, p.133, tradução nossa). A participação do publico durante a representação das murgas difere em termos gerais do caráter dionisíaco dos festejos de carnaval universalmente mais conhecidos. Se vive o carnaval, por assim dizer, mais que nada em forma distanciada e até crítica com respeito as diferentes propostas: as murgas representam o Carnaval para que seu publico julgue. Também a delimitação de função ator/espectador está claramente definida e raramente é transgredida. (VIDART, 2001, p. 124, tradução nossa).

Nos anos de 1990 surgiram oficinas de murgas nos bairros mais afastados, com o intuito de surgisse uma renovação, estas oficinas surgiu de um convênio entre a intendência e o TUMP-Taller66 Uruguayo de Música Popular. Alguns grupos que se formavam nestas oficinas se independizavam do tallerista, assim grupos de amigos do bairro onde acontecia a oficina criava uma murga. Com murgas surgindo em quase todos os bairros de Montevidéu surgiu o ENCUENTRO DE MURGAS JOVENES que no ano 2010 chega a sua 14ª edição67. Antes desta renovação oriunda de uma necessidade de primeiramente fortalecer a música uruguaia em contra a todos as outras vertentes musicais advindas do exterior e de, como política pública educacional, ocupar o horário inverso ao da sala de aula, uma renovação ainda mais pontual surgiu durante o período da ditadura. “A renovação de certos aspectos da murga (...) que se afirmou a partir dos últimos anos da ditadura, se deu, sobretudo nas murgas (do bairro) La Teja” (LAMOLLE, 2005, p.26, tradução nossa). As murgas, como uma manifestação artística dinâmica, sofre modificações, também por uma necessidade de se fazer entender frente às novas ferramentas comunicacionais existentes. Em 2004 em um acordo da DAECPU68 com VTV69 o carnaval começou a ser televisionado para todo o Uruguai, o que para muitos era uma forma de afastar o público dos tablados, pelo contrário, fez surgir fenômenos como a 66

Oficina Informação disponível em http://www.montevideo.gub.uy/noticias/abren-inscripcion-para-murga-joven 68 DAECPU é o orgão responsável pelo concurso de Carnaval como já citado na introdução. 69 A VTV televisionou pela primera vez o Carnaval no ano de 2003 conforme Alfaro e Fernández (2009). 67


86

murga Agarrate Catalina70 atraindo um público que não freqüentava os tablados. Esse televisionamento fez com que a murga adaptasse a sua forma de falar para a TV, o palco também sofreu adaptações. Salvo as queixas de alguns, sobre estas alterações tem que ser lembrado que “(...) a murga sempre tem se caracterizado pela continua assimilação de outras formas artísticas para seus fins de comunicação” (DIVERSO, 1989, p. 41, tradução nossa). Para Vidart (2001) a questão do horário fechado junto aos interesses comerciais da televisão e as novas tarifas dos tablados têm entrado no circuito de comercialização da cultura. As murgas continuam sofrendo modificações pelo dinamismo da própria sociedade na qual estão inseridas, estas alterações não são pontuais, mas trabalham como um processo contínuo de adaptação às novas realidades que surgem a todo o momento. Elas sofreram “sofrem inumeráveis modificações (...) nos últimos anos inclinados a “trazê-lo de volta ao grande mundo”, isto é, a fazê-lo soar, mas parecido a tudo e menos a si mesmo” (LAMOLLE, 2005, p.15, tradução nossa). Esta colocação de Lamolle vai ao encontro de um pensamento muito difundido entre os montevideanos “Carnaval eran los de antes” onde, se acredita, as murgas eram mais autênticas devido ao seu caráter amateur e que agora com a “comercialização” das murgas, mudou a sua forma de ser, a sua essência, ou seja, mudou a sua identidade. Diferentemente de outros autores para Alfaro e Fernández (2009) “o profissionalismo sempre esteve presente no carnaval uruguaio” (ALFARO; FERNÁNDEZ, 2009, p. 14, tradução nossa). Porém existem diversos elementos murgueros que não sofreram alteração: “Como antes, as murgas se organizam nos bairros obreiros, cooperativas de habitação, centros estudantis, clubes sociais, cantinas e bares, lugares onde se juntam, ensaiam e de onde saem as murgas noite a noite (REMEDI, 2001, p.131, tradução nossa). As murgas hoje podem ser consideradas como um espelho de toda uma evolução sociopolítica do Uruguai conforme Bordolli (2002) demonstrando isso na sua musicalidade ou nos aspectos visuais da sua apresentação. Após o surgimento do televisionamento em 2003 elas tiveram uma maior entrada no interior do país, transformando-as em uma “espécie de símbolo pátrio” (BORDOLLI, 2002, p. 3, tradução nossa). 70

A Murga Agarrate Catalina começou como uma murga jovem no ano de 2000, até que no ano 2003 foi para o concurso oficial onde nos anos 2005, 2006 e 2008 alcançaram o primeiro lugar, é considerado um fenômeno por Alfaro e Fernández (2009) devido ao grande número de seguidores que alcançou com tão pouco tempo de existência.


87


88

3.5 CARNAVAL E DITADURA

Dentro deste contexto o carnaval, que tinha seus símbolos extraídos das classes mais baixas e que tinha conseguido conquistar públicos de diversos matizes, além de ser porta voz das necessidades da população tornou-se alvo da nova política cultural como corrobora Aínsa (2002). As llamadas e as murgas sofreram cada uma de um jeito diferente, com esta alteração de simbolismo que a ditadura pretendia instaurar, desta forma, para Viñoly e Paraskevaidis (2009) se rompia a comunicação entre espectadormanifestação, quebrando um elo identificatório que tanto marcou o carnaval. “No marco do desastre ético e cultural da serie de profanações e violações de tabus e “crimes supremos” ocasionados pela ditadura militar, “o mundo de cabeça pra baixo” passou a ser a reafirmação, disfarçada, daquilo suprimido e não tolerado pelo poder, mas venerado e celebrado pela sociedade” (REMEDI, 2001, p.147, tradução nossa)

Nesta vida onde o medo era uma constante, onde não se podia falar ou agir diferente, onde até os pensamentos eram moldados, as murgas criaram uma nova forma de comunicação com seu público, metáforas, meias palavras, duplo sentido. A murga foi à legítima expressão dos setores populares durante a ditadura Militar como afirmar Viñoly e Paraskevaidis (2009), uma forma de dizer o que este setor pensava e como agia durante o período de 12 anos. Mas não só estes setores fizeram das murgas suas porta vozes, também a classe média a adotou: “Durante a ditadura militar, a murga acentuou seu papel político e também passou a ser um gênero escolhido pela classe media pelo qual se converteu em um foro de oposição política, muito difícil de censurar” (POLIMENI, 2002, p. 149, tradução nossa). Entende-se a murga como expressão cultural destes setores não só pela sua origem, história ou pela aceitação que ela tem senão pela forma de se produzir como tal expressão. A extração de classe, a não profissionalização de seus componentes (para este período), sua massividade, o reconhecimentos de outros representantes de expressões culturais como produto popular, ou desprezo de sua estética desperta na intelectualidade e nos setores dominantes, são alguns aspectos que tem se levado em conta (VIÑOLY; PARASKEVAÍDIS, 2009, p. 2, tradução nossa).

A censura de certa forma tentou mudar a opinião que a murga havia originariamente colocado na música, às vezes estas eram obrigados, de certa forma,


89

concordar com o censurador, o que na hora da apresentação soava uma crítica discreta. Surgiram textos cheios de metáfora, que conforme Viñoly e Paraskevaídis (2009) faziam pensar que as murgas eram em prol dos “novos ares” que corriam pelo país vizinho, porém ao se chegar mais perto se verifica a eximia utilização da metáfora como linguagem para expressar aquilo que se pensava sobre o golpe. Na composição das musicas murgueras havia uma busca incessante por certas palavras que pudessem dar a entender uma crítica à ditadura. Esta por sua vez trabalhava com um aparato de controle sobre qualquer manifestação artística que pudesse ocorrer através do Edicto del carnaval71 ou a Comissão de Controle. Dentro do concurso oficial de carnaval aquelas murgas consideradas transgressoras ocupavam sempre os últimos lugares ou retirando 50% do seu prêmio em dinheiro, o que muitas vezes quase inviabilizava a sua volta no ano posterior. Desta forma “A parodia (ainda que velada) se transformou em uma forma capaz de criticar o discurso oficial, mas também simultaneamente, de afirmar um discurso alternativo” (REMEDI, 2001, p.136, tradução nossa). Um dos exemplos da censura sobre a murga é relatado por Viñoly e Paraskevaidis (2009) e ocorreu com a murga Diablos Verdes, os autores relatam que em um dos livretos, a murga deturpou o slogan do governo, porém um censor que se encontrava no tablado e que estava embriagado entendeu que se falava o slogan e não a mudança que a murga havia realizado, todos os integrantes da murga acabaram dentro de uma chanchita72 a caminho da delegacia. Devido a este tipo de censura mais incisiva, por vezes, não se fazia claro se a censura era um processo que a própria murga se afligia ou era externo, ja que para evitar que estas situações ocorressem, além disso, um mesmo letrista podia, e pode até hoje, fazer letras para diversas agrupações o que ajudava por vezes a trabalhar a forma com que murga iria falar utilizando-se de recursos de outras murgas. Para Remedi (2001) as murgas faziam parte de todo um aparato de reunião do povo em torno a outras manifestações que surgiram principalmente no final da ditadura, portanto a murga seria um símbolo a mais entre “blecautes, panelaços e assembléias,

71

Edicto de Carnaval é expedido todos os anos com o que é permitido e proibido no carnaval montevideano. No ano de 2008 chamou a atenção que as proibições de brincadeiras nas ruas lembravam as proibições dos anos 50. A informação se encontra disponível em < http://www.elpais.com.uy/08/01/26/pciuda_326545.asp> 72 A tradução literal de chanchita é porquinha, era o nome dado aos veículos utilizados pelo governo no momento das prisões.


90

greves gerais e panfletagens, marchas e pichações, atos sociais e artísticos de conteúdo cívico, gremial e político” (REMEDI, 2001, p. 134, tradução nossa). Foi concebido assim o hábito de falar a meio termo, digamos, com sorrisos e piscadas, fantasiar-se e ler nas entrelinhas, no qual foi feita referência ao tempo, os ídolos, as histórias e proibido valores, provenientes de um mundo para além do aceitável dentro horizonte simbólico da cultura ditatorial. (REMEDI, 2001, p.134, tradução nossa).

Um exemplo de censura realizada pelos próprios censores ocorreu com a Murga La Soberana, no ano de 1973 conforme Viñoly e Aguiar (2009) onde a frase Sol de los Libres, foi trocada pelo censor pelo Sol de los Humildes. Sendo a letra original: “Sol de los Libres / nunca se esconda, y con verdades / ¡Siempre responda! / En nuestro pueblo / hay muchas nubes de confusión / que están cubriendo / el claro cielo de la razón” (VIÑOLY; PARASKEVAÍDIS, 2009, p. 7, tradução nossa). Em épocas de ditadura, a questão da “re-união”, do agrupamento ficava difícil, o carnaval era um período que a congregação entre iguais era permitida para o mesmo fim, que seria a diversão, porém, diante da falta de oportunidades para isto, o carnaval se tornou palco destes momentos. Desta forma o palco passou das ruas para os tablados e as murgas, o carnaval promoveu e tornou-se: “em metáfora da voz e memória coletiva. Ali se falava de ruas e cenários cheios de “ontem” e das panelas, do “aquilo” e do que aconteceria “depois” (REMEDI, 2001, p.135, tradução nossa). O candombe, por sua vez, tentou ser silenciada, desta forma a nova política já no final da década de 70, começou a retirar dos espaços de cultura africana, primeiro seus moradores e depois o seu simbolismo, assim vieram abaixo os cortiços; baluartes quase seculares da cultura afrouruguaia, enclaves negros na nova dinâmica que a ditadura queria dar a região onde os negros se encontravam como relatam Alfaro e Cozzo (2008). Os autores prolongam-se afirmando que o desmantelamento de um lugar de memória da cultura africana acreditou-se na época, que iria desmantelar todo o aparato de simbolismos que esta possuía, porém não foi isto que ocorreu como veremos adiante, assim a tentativa era que o entorno ao porto e ao centro da cidade fosse uma amostra do poderio econômico do “Novo Uruguai” com prédios comerciais novos e embaixadas o que era impedido pela força dos tambores que ali se encontravam desde a colônia. A forma mais eficaz que a ditadura militar encontrou para quebrar a hegemonia dos tambores naquela região da cidade foi silenciar os cortiços. O cortiço Mediomundo


91

calou no dia 5 de dezembro de 1978, décadas de histórias enterrados em nome de uma disfarçada limpeza étnica dos bairros que eram considerados “negros”. Declarado em ruínas pelo governo, foi solicitada a sua evacuação, sem nenhum estudo que comprovasse que realmente podia desmoronar a qualquer momento, esta deportação como corroboram Alfaro e Cozzo (2008) este acontecimento foi chamado pelos autores de catástrofe cultural. Os tambores, no final da ditadura, tocaram mais fortes que nunca fazendo jus ao seu nome llamadas, assim começaram a chamar a população a fazer parte dos desfiles aonde só havia as ruínas dos cortiços que outrora eram símbolos da cultura negra. Nas convocações das greves gerais os tambores saiam dos bairros Sur e Palermo clamando para que as pessoas saíssem as ruas com tampas de panelas ou latas, o que fosse com tal que se fizessem ouvir segundo Remedi (2001). Dois dias antes no dia 3 dezembro os tambores choraram pelo cortiço, no ano de 2006, este dia foi instituído como do Dia Nacional do candombe: A lei nº 18.059 declarou o três de dezembro de cada ano como “Día nacional del candombe, la cultura afrouruguaia e a equidade racial” e o candombe como patrimônio cultural do Uruguai. Neste marco propicia a “valorização e difusão da expressão cultural denominada candombe, da contribuição da população afrodescendente a construção nacional, e de seu aporte a conformação da identidade cultural da República Oriental del Uruguay (MEC, 2007, p. 10, tradução nossa)

Não foi só o Mediomundo que sofreu com a diáspora provocada pela ditadura, o Conventillo Ansina e o Cordón também foram silenciados com seus habitantes sendo transladados para fábricas desocupadas enquanto esperavam uma nova casa em um bairro afastado do centro da capital. Porém o que ocorreu foi uma dispersão das cuerdas de tambores por toda a cidade de Montevidéu e a continuidade das mesmas nos bairros Sur, Palermo e Reús, esta afirmação é sustentada por Alfaro e Cozzo (2008), pois nem todos os moradores foram embora, alguns conseguiram residência nos mesmos bairros ou foram morar com parentes nos próprios bairros ou próximos. A desintegração física dos espaços de memória afro uruguaios não conseguiu desmantelar o seu significado, hoje, os toques dos tambores ainda têm o nome Ansina, Cuareim (Mediomundo) e Cordón. As comparsas ainda se identificam com sua origem dentro dos cortiços e homenageiam aqueles que nasceram dentro dos cortiços. Enquanto a cultura afrouruguaia teve como maior desafio a continuidade da sua expressão as murgas tiveram que aprender a falar com seu público de uma forma indireta e se fazer


92

entender assim, mudanças ocorreram durante a ditadura, umas irreversíveis como explica Alfaro e Cozzo (2008) e que na sua maioria ocorreram com os cortiços, outras que não se fizeram reversíveis por outras alterações que surgiram com o fim da ditadura. Os questionamentos da murga antes da ditadura eram os das pessoas simples, lembramos que nesta época a murga não era profissional e sim amateur, no fim da ditadura com a liberação das letras e uma nova forma de falar já que não havia mais a necessidade de se falar veladamente, as mudanças migraram para uma nova (...) dicção em detrimento do som característico, e as harmonias costumam ser translações ao coro dos acordes que o da guitarra. (LAMOLLE, 2005, p. 25, tradução nossa).

Para Achúgar (1997) com a volta da democracia “se fez palpável a necessidade de restabelecer vínculos, valores, de propor explicações, de começar a pensar no futuro” (HARARI, 1997, p.36, tradução nossa). Desta forma estas duas manifestações culturais uruguaias tiveram que se reinventar, se ajustar ao novo desafio pós-ditadura, pois completa com a opinião de que “à volta a democracia (...) como sempre ocorre, não foi homogênea como não o é nunca em nenhuma geração” (HARARI, 1997, p.115, tradução nossa). No início da década de noventa, ou seja, a cinco anos do fim da ditadura militar, ocorreu segundo Marchesi (2004) o surgimento de estudos sobre o período ditatorial que tentam entender as transformações surgidas na “subjetividade, através de aspectos psico-sociais vinculados à repressão, ou de aspectos culturais que a ditadura intentou transformar” (MARCHESI, 2001, p.7, tradução nossa). A partir da opinião do autor entende-se que ocorreu, ou tentou ser aplicada, uma mudança na maneira como os uruguaios se viam diante perante o Mundo, o que rendeu frutos pós ditadura na identidade do carnaval uruguaio.


93

3.6 TURISMO EM MONTEVIDEO E NO URUGUAI

Será apresentado, nesta parte do trabalho, um panorama do turismo no Uruguai e em Montevidéu. Portanto serão mostradas as porcentagens de turistas que visitam o país e a cidade, a política para o turismo do governo atual, dados do conglomerado de turismo de Montevidéu, entre outras informações pertinentes ao assunto. A base para as informações contidas neste subcapitulo são oriundas de reportagens com os responsáveis pelo turismo na cidade e do país, dados do Ministério de deportes y turismo do Uruguay através do anuário de turismo 2010. A cidade de Montevidéu é a capital do Uruguai, país que faz fronteira com o Brasil e a Argentina. O país tem 3.344.93873 habitantes, destes 1.325.96874 vive na capital, Montevidéu. Montevidéu faz parte do departamento com o mesmo nome que ocupa uma área de 530 km² conforme vemos nos dados apresentados pelo PCCCP75 (2008), destes 40% é considerada área urbanizada. A cidade foi fundada, pelo então governador da Província de Buenos Aires, Mauricio de Zabala e, pela sua data de fundação em 172676, é considerada a capital mais jovem da América Latina. Montevidéu abriga a ALADI, Associação Latino-americana de Integração e é a sede do MERCOSUL. (PCCP, 2008).

FIG. 05: MAPA DO URUGUAI

FONTE: BANCO MUNDIAL

73

Dado disponível em http://datos.bancomundial.org/pais/uruguay Dado disponível em http://www.ine.gub.uy/fase1new/Montevideo/divulgacion_Montevideo.asp 75 PCCCP é a sigla do Programa de Competitividad de Conglomerados y Cadenas Productivas da cidade de Montevidéu. Que é formado pela Prefeitura de Montevidéu, Ministério de Turismo e Esporte, Direcao de projetos de desenvolvimento e camaras e empresas de representatividade do departamento de MOntevidéu 76 Dado disponível em http://www.montevideo.gub.uy/ciudad/historia/cronologia 74


94

Conforme o Ministério do Turismo e Esportes (2010) no ano de 2009 o Uruguai foi visitado por 2.304.454 turistas, sendo que destes 80.5% são visitantes oriundos dos países vizinhos ao Uruguai, Montevidéu foi visitado por 33% destes turistas, sendo que estes turistas procuram o turismo no Uruguai para usufruir do ócio, do divertimento e da cultural local. Em 2009, 67% do total de visitantes afirmou que já tinha visitado o país, sendo o primeiro trimestre aquele com mais afluência de turistas. No ano de 2010, o Uruguai recebeu 2.098.26577 sendo que destes 816.000 visitaram Montevidéu consolidando a capital como principal destino turístico do país. No primeiro trimestre de 2011, Montevidéu recebeu 187.843 turistas do total de mais de 1.600.000 que visitaram o país sendo que na maioria dos casos, estes são oriundos da Argentina, o incremento de turistas foi de 40% em comparação com o mesmo período do ano passado e a receita teve um aumento de 57%78. FIGURA 06: CARTAZ DE CARNAVAL DE 1916

FONTE: ARQUIVO PESSOAL

Para Brida, Lanzilotta e Risso (2008) o Uruguai não oferece atrativos turísticos do porte daqueles que são considerados como maravilhas.Porém, uma das vantagens que o país apresenta a seus visitantes é poder visitar todo o território sem dificuldades 77

Dados disponíveis em: http://www.mintur.gub.uy/index.php?option=com_content&view=article&id=715:las-cifras-de-2010-unbuen-ano-para-el-turismo-en-uruguay-&catid=63:boletin-no-113-semana-11-de-enero-2011&Itemid=14 78 Dados Disponíveis em: http://www.larepublica.com.uy/comunidad/449834-metas-por-turismo-

se-elevan-preven-us-2000-millones-en-ingresos-al-ano


95

de locomoção devido a sua condição geográfica, que não se altera pois é um terreno predominantemente plano, onde o turista não precisa ter altos custos na hora do deslocamento. A segurança também é um fator citado tanto por Brida, Lanzilotta e Risso (2008) como pelo PCCCP (2008) e o MINTURD (2010) como um fator positivo para atrair ao país, turistas de alto poder aquisitivo e que busquem tranqüilidade na sua viagem. Brida (2008) continua explanando que a sazonalidade e a dependência do mercado argentino são duas fraquezas a serem superadas pelo Uruguai, já que as principais ações de turismo do Uruguai são feitas na Argentina e focam o período de veraneio. Atualmente o governo busca criar uma política nacional para o turismo, tendo como ações de base para tal criação79:

Fortalecimento institucional para a criação de uma política nacional de turismo; Um estudo da priorização de prédios para a instalação de um centro de feiras e de congressos em Montevidéu; O desenvolvimento de um plano de marketing para o destino; O impulso a novos “clubes” de produtos; Roteiros e pacotes turísticos; O fomento do diálogo intersetorial e interinstitucional com os autores públicos e privados que gerenciam o destino Montevidéu;

No diagnóstico do PCCCP (2008), verifica-se que a falta de um política pública que regule o turismo uruguaio e formate, de uma maneira mais focada, suas metas, funciona como um entrave para a busca de novos mercados. No diagnóstico também se percebe que a falta de conhecimento, por parte de todos os âmbitos da sociedade, do poder do turismo como fator de desenvolvimento econômico e social, dificulta a criação de uma política nacional de turismo. O histórico econômico agrário e administrativo no que se refere à natureza de trabalhos ofertados é a dificuldade maior no momento de involucrar a sociedade na criação de um plano de turismo.

79

Informações disponíveis em: http://www.presidencia.gub.uy/_web/noticias/2009/08/2009081701.htm (tradução nossa)


96

No diagnóstico do PCCCP (2008) verifica-se como se articula o turismo em Montevidéu, pois ocorreram mudanças de gestão nos últimos anos, cuja atividade turística, a ser uma responsabilidade do Departamento de Desenvolvimento Econômico e Integração Regional. Porém a Divisão de Turismo de Montevidéu continua sendo responsável pelo setor de Promoção e Gestão das Festas Populares o que inclui o carnaval. Uma das alterações que ocorreram após a mudança de gestão do turismo na cidade foi a melhoria da área central da cidade, chamada de Ciudad Vieja, que era a parte da cidade dentro da Cidadela. Montevidéu é o principal destino anual do Uruguai e o que menos sofre com a sazonalidade. Porém isto depende do trimestre que é analisado, pois no primeiro semestre o principal destino, devido a seus atrativos, é a cidade de Punta del Este. O fato de ser a principal entrada portuária do país é tido como um dos principais motivos pelo qual, Montevidéu é o principal destino turístico nacional conforme o PCCCP (2008). Porém, apesar disto, não existe diversidade de promoções para o lazer e o divertimento pensando no turista, ou seja, não há uma utilização da infra-estrutura local para o turismo, levando-se em conta que uma das forças para a oferta turística montevideana é justamente a “hospitalidade e amabilidade espontânea da população para com o turista e forasteiro” conforme o PCCCP (2008, p. 13, tradução nossa), não havendo uma utilização das promoções para a população por parte do turismo se perde uma grande oportunidade de criar um atrativo turístico e de fidelizar o turista, já que 67% de turistas visitam o Uruguai mais de uma vez conforme o MINTURD (2010). A campanha de turismo para 2011 do Uruguai utiliza o sucesso da seleção uruguaia de futebol, que ficou em quarta colocação no mundial, tendo como garoto propaganda o jogador de futebol Diego Forlán80, o anuário 2010 do Ministério do turismo e o material distribuído como propaganda do país também tem a seleção uruguaia na capa.

3.7 CARNAVAL COMO PRODUTO TURISTICO

80

Vídeo disponível em http://www.youtube.com/watch?v=M2f84RN8Z8A


97

O diretor do departamento de turismo de Montevidéu, Fernando González81, afirmou que em 2009 os turistas gastaram em torno de U$ 90 milhões no primeiro trimestre do ano e que o desejo do turista que visita Montevidéu neste período é o de consumir cultura. Desta forma o investimento que a prefeitura da cidade faz no carnaval, diz González, é justificável, pois os tablados tem lucro que fica dentro do próprio bairro tendo fins sociais e o fato do candombe ser patrimônio histórico também se justifica pelo retorno que o desfile dá em visibilidade para a cidade. Fernando González (2010)

82

explica que a atual gestão de turismo pretende

trabalhar mais profissionalmente o carnaval como produto turístico no que se refere à venda do mesmo no exterior, as alterações, continua González (2010)83, começaram a sair do papel no governo nos anos de 1994-2005 pertencente ao Frente Amplio, neste governo que se consolidaram as bases e posteriormente surgiu o Conglomerado de Turismo de Montevidéu. Algumas ações, no atual governo do Frente Amplio, tendo a frente à prefeita Ana Oliveira, como a implementação de um imposto cujos dividendos serão direcionados para a promoção turística, haverão projetos para efetivamente tornar o carnaval produto turístico da cidade tendo como base uma análise que será realizada por Luiz Carlos Prestes que entre outros livros, escreveu a Cadeia Produtiva da Economia do Carnaval.

En turismo lo más importante que hemos hecho, como ocurre en tantas otras actividades, es lo que no se ve. Por ejemplo, en este período se creó el Museo del Carnaval, que era una vieja aspiración en la que durante 20 años se vino trabajando y se pudo concretar hace cuatro años. Lo más importante no es el museo en sí mismo sino su gestión.84

Dentro do plano estratégico de Marketing do MINTURD que se inicia em 2010, Uruguay Natural, o carnaval é um dos componentes do eixo cultura da atração turística, pois a cultura uruguaia é vista como um produto único que “[…] se articula em torno a expresiones populares como el Carnaval, el mate y el tango; el patrimonio histórico, monumental y arquitectónico; el modo de vida rural, con la figura del gaucho como elemento central; etc.” (MINTURD, 2010, p. 21). Dentro do mesmo plano encontra-se 81

Entrevista disponível em http://www.180.com.uy/articulo/La-inversion-de-la-IMM-en-el-Carnaval Entrevista disponível em http://ladiaria.com/articulo/2010/5/montevideo-turistico/ 83 Entrevista disponível em http://ladiaria.com/articulo/2010/5/montevideo-turistico/ 84 Fernando González em entrevista disponível em http://ladiaria.com/articulo/2010/5/montevideo82

turistico/


98

o carnaval como uma das forças de Montevidéu a respeito dos seus produtos turísticos. Para o PCCCP (2008), apesar do carnaval ainda não ter um espaço adequado no marketing turístico uruguaio e montevideano a DEACPU aparece com uma das associações do setor turístico, comprovando a potencialidade que o carnaval tem como produto turístico. Os dados do carnaval de Montevidéu, segundo Bello (2009, p. 20, tradução nossa) são:

Estima-se que o carnaval de Montevidéu beneficie com ingressos a mais de 800.000 pessoas (mais da metade de sua população) ao ano por via do trabalho direto ou indireto que gera; Em 2007 ingressaram na cidade mais de 70 milhões de dólares entre janeiro e março durante o carnaval; Na atualidade, se conta com mais de 25 cenários populares distribuídos por toda a cidade onde se realiza um trabalho de integração social; que é desfrutado por mais de 120.000 pessoas das áreas mais deprimidas economicamente da cidade, facilitando a participação, integração e democratização nas atividades urbanas. Apesar de criar uma rede produtiva que envolve uma grande parte da população, a sua divulgação, como produto turístico, ainda não é suficientemente desenvolvida pelo governo, as políticas públicas recentemente começaram a elaboração e as ações são focadas na divulgação do carnaval conforme encontramos, (PCCCP,2008). Como exemplo, faz-se menção a que em janeiro de 2011 o carnaval de Montevidéu foi vendido como principal atrativo turístico na cidade de Buenos Aires, o que mostra, também, a dependência que o turismo do Uruguai tem da Argentina85 pois foi o único país a receber a visita de integrantes do MINTURD com esta finalidade. O Uruguai buscou, com isso, comercializar seu carnaval em quatro mil agências argentinas86. Para Lilian Kitchichian (2011)87, subsecretária do MINTURD, o carnaval não se articula

85

Informação disponível producto-turistico.html 86 Informação disponível em

em

http://museodelcarnavaldeluruguay.blogspot.com/2011/01/carnaval-

http://www.portaldeamerica.com/index.php/index.php?option=com_k2&view=item&id=4485:l as-llamadas-de-montevideo-se-ofrecer%C3%A1n-en-4-mil-agencias-de-viajesargentinas&Itemid=6 87

Entrevista publicada no Mdiario Del Carnaval do dia 31 de janeiro de 2011 (tradução nossa).


99

somente como manifestação cultural, mas também como principal carta de apresentação do Uruguai. [o carnaval é] sem dúvidas um enorme produto turístico não somente na argentina onde estamos gerenciando sua venda, senão em outras partes do mundo, onde querem ver uma expressão cultural tão diferente a aquela que se pode ver em outra parte do mundo. 88

O Carnaval de Montevidéu ganhou forca, no setor turístico, após a UCCI ter lhe concedido o título de carnaval mais longo do mundo, concomitante a isto, a cidade também foi premiada a com a nominação de capital ibero-americana do carnaval, no biênio 2008-2010, pela mesma entidade. Para a UCCI a escolha, de Montevidéu, como capital ibero-americana do carnaval se deve a diversos fatores, entre eles: é considerada a única cidade do continente a ter ainda um carnaval de espetáculo (aos moldes de um espetáculo teatral); é tido como o carnaval mais longo do mundo tendo, uma média de duração, de 45 dias; é a única cidade da América que não interrompeu seu carnaval em mais de 100 anos, considerando-se os períodos de guerra e ditadura; também se leva em consideração que o carnaval resguarda a identidade da cidade e para isso criou projetos como o Museu do Carnaval89 e o Programa “Montevideo se Presenta”, além de estar ligado ao turismo pela sua condição de patrimônio histórico e cultural da cidade90·. Esses fatores que levaram a UCCI a conceder este título para Montevidéu são repetidos sempre que o governo fala do carnaval como produto turístico como se verifica em diversas edições do Mdiario do Carnaval. Para Pizano (2004) o turismo trás um caráter dualístico para a festa no instante que a utiliza como produto turístico, pois, ao querer atrair mais turistas, a festa se transforma em um espetáculo (no sentido puro de diversão) que, buscando uma uniformidade, para que a cultural local seja mais bem compreendida pelo “outro”, ocorre uma deformação da essência da festa que não é oriunda de alterações da própria

88

Entrevista publicada no Mdiario Del Carnaval do dia 31 de janeiro de 2011 (tradução nossa). O Museu do Carnaval foi inaugurado no ano de 2006, porém o projeto data do ano de 2002 é um museu que se propõe resgatar a história do carnaval com um grande acervo de fotos, documentos e livros como a autora pode verificar nas diversas visitas feitas ao museu durante a pesquisa. O museu é interativo, pois permite ao visitante acesso a áudios, vídeos, roupas e diversas outras formas de apresentação do carnaval montevideano, também conta com um tablado onde ocorrem diversas apresentações durante o carnaval sendo estas apresentações extensivas ao restante do ano. Informações disponíveis em http://museodelcarnaval.org/ 90 Estes fatores estão disponíveis em http://www.montevideocapitalcarnaval.com/core.php?m=amp&nw=OQ 89


100

sociedade que constrói a festa. Ao mesmo tempo o uso da festa como atrativo ou produto turístico também ajuda a salvaguardar a originalidade da festa, pois é nela, que se encontra seu diferencial que é o que muitos turistas buscam, como uma fuga dos produtos para o turismo de massa que uniformizam a cultura local, transformando-a em um produto entendível e vendível, preterindo, desta forma a essência da festa. Pizano (2004) mostra os dados do impacto econômico do carnaval de Barranquilla, na Colômbia, sobre o PIB da cidade, os dados provêm do estudo da Fundesarrollo91, estes dados foram coletados nos quatro dias em que aconteceu o carnaval na cidade entre os anos de 2001 e 2002. No caso de Barranquilla, os produtos vendidos durante o período de carnaval, e que são produzidos na cidade, involucram 1,5% da população seja na confecção dos mesmos ou na sua comercialização, estes dados levaram em consideração tanto o trabalho formal e informal. Barranquilla tem uma população de 1.148.506 habitantes então temos que 1.5% são mais de 17.000 pessoas, que fazem parte da população que trabalha para e no carnaval, no período que o antecede e durante o espetáculo.

[...] uma festa de caráter local, também tem suas características particulares que a fazem atrativa ou importante para seus habitantes, tanto os que vivem na localidade como aqueles que têm emigrado a outras cidades ou países. Estes últimos seguramente possuem uma maior identificação com sua localidade na medida em que se sentem orgulhosos das festas que ali se desenvolvem, é dizer, que as mesmas apresentam rasgos diferenciadores frente as demais, que sejam dignas de admiração e que gerem o desejo de desfrutá-las. A festa é, ainda, uma oportunidade para renovar laços familiares e sociais ou para criar outros. (PIZANO, 2004, p. 62, tradução nossa).

91

Fundación para el Desarrollo del Caribe


101

4 PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS

Como explanado esta é uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório que utilizou como técnicas de pesquisa a revisão bibliográfica, observação participante e o questionário de perguntas abertas. A maior parte da pesquisa bibliográfica foi realizada na Biblioteca Nacional do Uruguai, em periódicos como os do jornal La diária e El País e livros acessados por meios eletrônicos e em páginas oficiais dos governos municipais e federais do respectivo país. Esta etapa foi realizada durante a pesquisa de campo. A pesquisa na Biblioteca Nacional do Uruguai foi fundamental para a base bibliográfica apresentada neste trabalho, pois diversos livros utilizados neste trabalho não se encontram disponíveis completos nos meios eletrônicos, porém primeiramente foi realizada uma pesquisa em bancos de dados de bibliotecas e no site Google Livros, para assim buscar autores que enriqueceriam esta pesquisa. A ajuda dos funcionários da Biblioteca Nacional do Uruguai foi essencial no momento de buscar mais fontes para a pesquisa e de indicar livros que ainda não foram adquiridos pela biblioteca, mas que são de extrema importância para a abordagem dos assuntos. O periódico utilizado como principal fonte de informações foi o MDiario de Carnaval que é uma publicação da DAECPU - Diretores Associados de Espectáculos Carnavalescos Populares del Uruguay - em conjunto com a prefeitura da cidade de Montevidéu. Este periódico traz informações sobre a atualidade do carnaval, assim como resgata o histórico do carnaval de Montevidéu. O MDiario de Carnaval também participa de importantes momentos do carnaval como a apresentação do carnaval de Montevidéu 2011, onde estavam presentes gestores das políticas públicas vinculadas ao turismo e cultura de Montevidéu e do Uruguai. Este periódico é mensal, porém torna-se diário desde o primeiro dia de carnaval até o resultado do concurso oficial, ou seja, o leitor mantém-se atualizado com as principais noticias do carnaval e os espetáculos que ocorrem pela cidade. Os jornais do período da pesquisa foram obtidos junto ao estante montado pela DAECPU no Teatro de Verano lá obtivemos mais de 60 periódicos gentilmente cedidos pelos funcionários assim que lhes foi informado o assunto desta pesquisa, mantivemos outros contatos com estes funcionários através do Facebook com a finalidade de obter mais informações referentes ao carnaval.


102

Outra determinante para a pesquisa foi à utilização da internet para obtenção de dados que ainda não constam em bibliografias, sendo assim utilizamos diversos meios eletrônicos para obtenção de dados, como páginas eletrônicas referentes ao carnaval como o Portal das Murgas e Portal Candombe, sendo estes os mesmos adquiridos quando da visita, revistas, portais eletrônicos que tem como assunto principal o carnaval, base de dados como bibliotecas digitais e o Google acadêmico, páginas do governo municipal e também do MINTURD. No caso do MINTURD todos os dados foram obtidos através da internet, devido a que no período da pesquisa a maioria dos funcionários encontrava-se em férias o que dificultou a obtenção de dados junto ao Ministério no mês de fevereiro, foram utilizadas também revistas científicas digitais obtidas através do banco de dados das bibliotecas digitais como a Biblioteca da Universidad de la República, em Montevidéu, ou da Universidad de la Rioja, na España. Também a página de relacionamentos Facebook foi primordial para obtenção de dados devido aos contatos ali realizados para a obtenção de informações. O Facebook é uma ferramenta de comunicação fortemente utilizada pelas agremiações de carnaval que comunicam ensaios, apresentações e sua participação no concurso oficial. A página do Mdiario do Carnaval foi visitada via facebook. O questionário92 foi enviado para cinco pessoas, das quais três responderam-no, sendo eles, um professor de história e escritor que tem como base das suas obras a história do Uruguai e o período da ditadura neste país, cujo como pano de fundo é a relação intrínseca entre a formação da nação e a memória dos uruguaios nos períodos estudados. Estas cinco pessoas foram escolhidas devido a seu aporte nos assuntos relacionados neste trabalho como carnaval em Montevidéu, identidade, memória. Verificou-se durante a observação que estas pessoas são reconhecidas por aquilo que produzem nas suas respectivas áreas o que facilitou a escolha destes para a participar desta pesquisa. Os livros publicados por este participante são frutos de um projeto que traça o histórico do Uruguai em todo o período ditatorial. Também participou respondendo o questionário uma historiadora e escritora de assuntos referentes a afro descendentes, titulada como mestre em sociologia, professora do instituto de formação de professores mais importante do Uruguai e em seus trabalhos (incluso livros) tratou do tema dos afrodescendentes sob uma ótica de inclusão dos afrodescendentes no multiculturalismo 92

O mesmo encontra-se no anexo A.


103

e como o racismo funciona nos meios onde os afrodescendentes são atuantes. Possui dois livros publicados sobre o tema de afrodescendência no Uruguai, um destes livros concedeu-lhe um premio do MEC, pois trata da questão de continuidade das tradições afro através da história oral. O terceiro respondente do questionário é um letrista de murga jovem e participante no coro do carnaval chamado de “Mayor”, participante ativo do carnaval desde a sua infância, pois acompanhava e era mascote da Murga Contrafarsa, que foi uma das melhores murgas dos anos 90 e no início dos anos 2000. As letras compostas por este respondente para as murgas ficaram conhecidas pela originalidade e sarcasmo, além de ser um dos expoentes das murgas jovens no Uruguai. As questões do questionário foram apresentadas no idioma espanhol para os entrevistados, (ver no anexo I - com versões nos dois idiomas, espanhol e português). O questionário foi aplicado por correio eletrônico e enviado no dia 06 de maio do corrente ano. Foi solicitado para que os participantes enviassem a resposta em uma semana, porém houve atrasos na entrega e algumas dúvidas dos respondentes foram respondidas por correio eletrônico e pela página de relacionamentos Facebook. O primeiro contato com os respondentes 1 e 2 foi feito por correio eletrônico pois não conseguiu-se obter contato pessoalmente durante a observação no campo de pesquisa que ocorreu em abril de 2010 e fevereiro de 2011, por isso foi enviado um correio eletrônico informando do assunto deste trabalho e indagando se gostariam de participar, os dois foram extremamente receptivos à participação e expuseram o seu contentamento pelo interesse em participar deste trabalho. A partir de então mantivemos contato permanente pelos meios já explicados. O primeiro contato com o respondente 3 se deu na pesquisa de campo, após a apresentação de uma das murgas nas quais participa no tablado do Velódromo. Naquela ocasião a pesquisadora se apresentou e perguntou sobre o interesse em participar da pesquisa, o mesmo se dispôs a participar do trabalho e desta forma começamos a comunicarmos permanentemente durante o carnaval e após este por correio eletrônico e por Facebook. Os questionários foram enviados para os participantes por correio eletrônico, obtendo a resposta da participação, dos 3 que participaram deste trabalho, no mesmo dia do envio da solicitação. Durante a observação, que ocorreu do dia 04 ao dia 24 de fevereiro de 2011, observou-se o desfile inaugural, as apresentações nos tablados, o desfile de llamadas, os


104

toques de candombe nos fins de semana. Conjuntamente observou-se a relação da cidade com o carnaval, do carnaval com a mídia local e fizeram-se visitas ao Museu do Carnaval. Para uma observação mais aprofundada foram realizadas visitas a diversos tablados, que foram o Tablado Velódromo, Malvín, Cine Plaza, Defensor Sporting, o Museu do carnaval, o Teatro de Verano, as apresentações do concurso oficial, aos toques93 de candombe nos fins de semana nos bairros Sur, Palermo, Cordón e Ciudad Vieja e ao desfile de llamadas dia 04 de fevereiro. Um dos pontos mais visitados foi o Museu do Carnaval devido a seu acervo sobre a história do carnaval e por possuir um tablado para apresentações construído este ano, pois quando da primeira observação feita na cidade para o TCC I, em abril de 2010, o tablado não estava em funcionamento. Este museu se tornou um referencial durante a pesquisa, pois, obtiveram-se dados importantes através dos historiadores que trabalham no museu como, por exemplo, informações sobre referencial bibliográfico para tratar do tema. Também se fez contato com um fotógrafo que participava de uma das exposições do museu, este gentilmente cedeu suas fotografias para utilização no trabalho. As visitas foram documentadas com fotografias, porém também se solicitaram fotografias de profissionais especializados devido à qualidade das mesmas ser superior a qualidade das fotografias da autora do trabalho. Existiram dificuldades para obterem-se fotografias devido ao grande número de pessoas que havia, por exemplo, no desfile inaugural e no desfile de llamadas, o que não permitia uma movimentação adequada com o fim de garantir uma fotografia de boa qualidade. Estas fotografias foram solicitadas através da página de relacionamento Facebook onde, também, deu-se o contato com outro fotógrafo profissional que disponibilizou suas fotos para serem utilizadas pela autora da pesquisa. Na descrição do Carnaval de 2011 mostram-se os ingressos adquiridos para entrada nas apresentações e no museu do carnaval, além de um folheto explicativo sobre o carnaval e o livreto da Murga Diablos Verdes, adquirido durante uma apresentação no tablado do velódromo. A observação ocorreu durante os espetáculos e apresentações, mas também em outros momentos, acredita-se que, desta forma é verificado, de uma forma mais profunda, como o carnaval se insere no dia-a-dia da cidade, como ele é visto pelos montevideanos e como os meios de comunicação o divulgavam. 93

Toque é a nomenclatura recebida não só pela forma de tocar o tambor, mas também pelas saídas que uma corda de tambores faz no fim de semana, geralmente no bairro ao qual pertence. Conforme encontramos em Olaza (2009).


105

Com a finalidade de análise dos dados, estes, foram categorizados, com o propósito de formar variáveis pelas quais foram analisados os dados conforme o método de análise explicado por Moreira (2002), para quem a utilização das palavras que os respondentes utilizaram é importante para a formação das variáveis. A partir disto, foi feita a análise dos resultados com o uso de variáveis, em uma triangulação com o marco teórico, a observação participante e as respostas dos questionários. Desta forma conseguir-se-á obter um resultado conciso com a proposta do trabalho. As categorias foram à manifestação cultural; identidade; carnaval; turismo; identidade do bairro; patrimônio e cultura afro, que, por conseguinte, deram origem as variáveis pelas quais analisaremos os dados, estas variáveis são: 1 – identidade montevideana; 2- carnaval como produto turístico; 3 – carnaval como manifestação da cultura montevideana; 4- construção do patrimônio através do carnaval, para a criação das variáveis também foi levado em considerado a amplitude que estas dariam ao tema pesquisado, a fim de que exista uma reflexão maior sobre o assunto. A criação de cada variante foi orientada pelo encaminhamento com que cada tema foi trabalhado durante a pesquisa. Com os resultados obtidos, chegasse ao objetivo do trabalho a partir do circulo virtuoso, que foi fundamentado pelo ato de pesquisar, pensar, escrever, observar e analisar.


106

5 RESULTADOS E ANÁLISE

Neste capítulo apresentaremos os resultados obtidos através da utilização das técnicas de coleta de dados. Portanto, são apresentados a descrição do carnaval de Montevidéu, os aspectos observados durante a realização do mesmo, como os desfiles. Após esse texto, é apresentada a análise dos dados e a conclusão

5.1 DESCRIÇÃO DO CARNAVAL DE MONTEVIDÉU DE 2011.

Este item apresenta o carnaval de Montevidéu de 2011, iniciando-se pelo desfile inaugural que abre oficialmente os festejos do carnaval, passando pelos tablados, o Teatro de Verano e o Desfile de Llamadas. Para uma melhor descrição das apresentações das murgas, a autora deste trabalho assistiu as apresentações da Murga La Gran Siete, para, desta forma, averiguar como a murga se comporta em diferentes tablados. No que concerne as llamadas, assistiu-se o Desfile de Llamadas que ocorreram no dia 04 e 05 de fevereiro.

5.1.1 DESFILE INAUGURAL

O carnaval se inicia oficialmente no dia do desfile inaugural que, no ano de 2011, ocorreu dia 27 de janeiro. O desfile acontece todos os anos na Avenida 18 de Julio, no centro da cidade. Sua programação é disponibilizada em diversos meios eletrônicos, como da prefeitura de Montevidéu, no MDiario del Carnaval, em todos os jornais de circulação diária e, na TV paga e aberta. A abertura ocorre com todas as agremiações ou categorias desfilando na Avenida 18 de Julio, estas agremiações que


107

desfilam são: lubolos94 ou comparsas (que formam as Llamadas), as murgas, os parodistas, humoristas e as revistas95 sendo que estas três últimas não serão foco deste trabalho já que o foco deste trabalho são as murgas e llamadas. O carnaval é organizado pela DAECPU96 que também é responsável pelo concurso que ocorre no Teatro de Verano97onde todas as categorias concorrem. Para fazer parte do concurso oficial primeiramente a agremiação deve participar das provas de admissão para depois entrar no que se denomina Liguilla98.

FIGURA 07: MAPA DO DESFILE INAUGURAL DO CARNAVAL

FONTE: JORNAL OBSERVA

O itinerário do desfile inaugural se inicia na Avenida 18 de Julio esquina com a Rua Tristán Narvaja e finaliza na a Rua Zelmar Michelini. O desfile de llamadas ocorre na Rua Isla de Flores começa no seu início quando ela ainda é Rua Carlos Gardel na 94

Como explica Andrews (2007) Negros & Lubolos eram comparsas, porém não admitiam mulheres e nem negros seus componentes eram brancos com o rosto pintado de negro e faziam parte das altas camadas da sociedade uruguaia. 95 Para Lamolle (2005) parodistas e humoristas “São espetáculos musicais onde os quadros centrais são atuados, com canções e bailes intercalados, e a apresentação e a despedida cantadas, com grande emprego (sobretudo com os parodistas) de baile e vestuário” (LAMOLLE, 2005, p. 10, tradução nossa). O mesmo autor nas explica que as revistas são algo com um fim não muito bem conceituado até mesmo pelo regulamento do carnaval, porém os elementos que as compõem são o baile, o canto e o relato de uma história. 96 A DAECPU foi fundada no ano de 1952 a partir da reunião de figuras importantes do carnaval montevideano com a ideia de constituir um carnaval organizado para que as agremiações participantes tivessem uma contrapartida devido aos gastos que as mesmas tinham para se apresentar. Informação disponível em http://www.daecpu.org.uy/index.php?option=com_content&view=article&id=1&Itemid=4 97 O Teatro de Verano foi fundado em 1944 e está situado às margens do Rio da Prata em uma das zonas mais turísticas de Montevidéu, pois está perto do principal parque de diversões da cidade, o Parque Rodó, e do Parlamento do MERCOSUL. Recebeu o nome oficial de Teatro Municipal de Verano Ramón Collazo devido a uma figura importante do carnaval de Montevideo. Informação disponível em http://www.teatrodeverano.org.uy/ 98 A liguilla é como se denomina o concurso oficial do carnaval, a liguilla é separa em três partes sendo 1° ronda, 2°ronda e 3°ronda sendo que depois desta última são conhecidos os vencedores. Informação disponível em http://carnaval.elpais.com.uy/reglamento-oficial-de-carnaval-2011


108

esquina com a Rua Zelmar Michelini e se estende até a Rua Yaro, o desfile de llamadas fica compreendido entre os bairros Sur e Palermo. As murgas são mais apreciadas visualmente, enquanto as llamadas colocam toda sua forca no desfile, como se fosse um grande ensaio para o desfile de llamadas. O desfile inaugural tem uma extensão maior que o desfile de llamadas, assim como um maior fluxo de público devido, justamente, a participarem todas as agremiações desta forma, o público “aprova” visualmente as murgas e tem uma prévia do que virá a ser apresentado nos tablados. No desfile inaugural99 há um concurso onde se premiam as melhores apresentações da cada categoria, é um momento onde as Llamadas estão no seu cenário natural e as murgas são prejudicadas porque o seu palco natural é o tablado. Durante o desfile inaugural, dificilmente ouve-se o canto das murgas, os microfones disponíveis não são suficientemente numerosos para que o som se propague devidamente, nem mesmo, perto do local onde ficam os jurados. Porém, mesmo que fosse possível ouvir as murgas, estas, no desfile, tem a frente ou são seguidas na ordem do desfile, por uma comparsa, dependendo da distância da comparsa, mesmo com suficientes microfones para as murgas, estas não se fariam ouvir.

FIGURA 08: DESFILE INAUGURAL 2011

FONTE: PORTAL MONTEVIDEO

A quantidade de pessoas tanto na Avenida 18 de Julio como nos arredores é grande, estas buscam uma posição melhor para assistir desfile. Em torno à avenida

99

Um resumo do desfile está disponível em http://www.montevideo.gub.uy/mvdtv/mvd-vive/desfile-decarnaval-2011


109

existe também uma grande quantidade de vendedores de choripan100 e de guloseimas, de máscaras de carnaval, de confete e espumas que são jogadas a toda hora por crianças que invadem literalmente o desfile. A maioria das pessoas leva para o desfile cadeiras de praia e caixas de isopor com água e refrigerantes, mas o que chamou a atenção é quantidade de pessoas que tomam chimarrão não importa a faixa etária, sempre tem alguém tomando mate, como os uruguaios chamam o chimarrão, isto também se viu durante toda a observação. O chimarrão é a bebida principal dos uruguaios, considerada uma parte da identidade nacional; pode ser no trabalho, nos passeios, nos ônibus, em qualquer lugar se toma mate, não importando horário. O desfile inicial é transmitido por rádio e TV. A transmissão por rádio fica a cargo da rádio CX42, da CX30 e 1410 AM libre que acompanha desde o início do ano os diversos ensaios das agremiações. Também existe uma rádio online dedicada somente a carnaval onde se pode acompanhar o desfile inaugural 101. A transmissão pela televisão fica a cargo do Canal 5 (Televisión Nacional Uruguay), que transmite para capital e interior além de transmitir para o exterior por AdinetTV através da Internet. O jornalista Cristhian Font102, integrante da Murga Diablos Verdes, cita a radio CX 42 como antiga companheira de jornadas carnavalescas na sua infância, onde escutava noite após noite as apresentações das murgas, o que serviu para que este se apaixona-se pelo carnaval e fosse considerado em 2011 a uma das figuras mais importantes das murgas103. Nos dias onde não ocorriam visitas, o acompanhamento do carnaval era feito através da rádio ou das transmissões feitas pela TV. FIGURA 09: DESFILE INAUGURAL 2011

100

Choripan é um sanduíche de pão e lingüiça que leva como condimento chimichurri, é o prato mais pedido entre os comerciantes ambulantes do desfile. 101 http://www.carnavaldelfuturo.com.uy/cdf/radio-on-line.html 102 Informação disponível em http://www.tvshow.com.uy/sabadoshow/blog/7804-carnavaleros-en-tv-ytablado/ 103 Informação disponível em http://carnaval.elpais.com.uy/las-menciones-del-carnaval


110

FONTE: PORTAL MONTEVIDEO


111

O desfile ocorreu no tempo determinado, porém, é entendido por algumas pessoas presentes, mais como um ensaio técnico das llamadas e uma prova de aceitação do público por parte das murgas, do que propriamente, um acontecimento que festeje o início do carnaval. Conforme se viu na visita ao Museu do Carnaval, está havendo um resgate da prática de confecção dos cabeçudos através do programa Tablado del Bairro, que abarca, também, o ressurgimento dos corsos barriais. Durante o desfile ficou em evidência a questão do tempo de finalização do mesmo, já que mesmo que as murgas não tivessem conseguido se apresentar perante os jurados do desfile no período indicado por um relógio que havia frente a estes, elas eram obrigadas a seguir para não prejudicar o andamento do desfile FIGURA 10: DESFILE INAUGURAL 2011

FONTE: PORTAL MONTEVIDEO

FIGURA 11: DESFILE INAUGURAL 2011

FONTE: PORTAL MONTEVIDEO


112

5.1.2 TABLADOS “Carnaval con sus tablados que dan vida a los juglares Estos teatros populares por la gente levantados Un macramé delicado de guirlandas de colores Donde vibran vozarrones de denuncia y rebeldía Donde reina la alegría, doña. Y florecen los amores….” Raúl Castro, introdução da despedida da murga Falta y Resto, 2001.

O carnaval toma conta da cidade nos seus 45 dias, nos bairros, o papel de palco do carnaval é cumprido pelos tablados, que são municipais ou particulares. Na opinião de Diverso (1989) o tablado oficial do carnaval é o Teatro de Verano já que nele se desenrola o Concurso Oficial do Carnaval.

A margem de alguma fugaz e esporádica experiência anterior, pode decir-se que o tablado vecinal – o mais genuíno e mítico de nossos cenários carnavalescos – nasce em 1890 na plazoleta Silvestre Blanco (...), mercê a iniciativa dos vizinhos da zona e como resultado direto do crescente protagonismo que já haviam alcançado por então, as comparsas (ALFARO, 2008, p. 35, tradução nossa)

A maior parte do carnaval se desenvolve nos tablados que podem ser municipais ou comerciais, a maior diferença entre eles é o preço da entrada, enquanto os municipais cobram entradas a preços populares os comerciais ficam localizados em pontos estratégicos da cidade e sua entrada não é acessível a todas as pessoas. Os tablados abertos este ano foram104:

Municipais

Molino de Galgo (entre bairros Maroñas e Villa Española) Flor de Maroñas (no bairro Flor de Maroñas) Punta de Rieles (no bairro Punta de Rieles) Las Acacias ( no bairro Las Acacias) Cesar Gallo Duran (no bairro Manga) 104

Informação disponível em: http://www.daecpu.org.uy/index.php?option=com_content&view=article&id=15&Itemid=21)


113

Teatro de Barrio Monte de La Francesa (no bairro Villa Colón) Club Arbolito (no bairro Tres Ombues) Paso de las Duranas ( no bairro Lavalleja) Tito Borjas (no bairro Cerro) Juan Taranto (no bairro Las Torres)

Comerciais:

Monumental de la Costa (no bairro Carrasco) Velódromo Municipal (no bairro Tres Cruces) Rural del Prado ( no bairro Prado) Club Malvin (no bairro Malvin) Club Sayago (no bairro Sayago) Defensor Sporting (Parque Rodó) Primero de Mayo (no bairro Aguada) Club Lagomar (no bairro Lagomar en Ciudad de la Costa) El Tablado (no bairro Malvin, entre Malvin Norte y Malvin Nuevo) Cine Plaza (no bairro Centro) Tablado del Museo del Carnaval (no bairro Ciudad Vieja) Coca Cola (no bairro Pocitos)

Os tablados se espalham por toda a cidade, levando um grande número de espectadores, sendo o maior deles o do Velódromo. Neste tablado realizaram-se a maioria das visitas devido ao mesmo ser bem localizado e de fácil acesso e por, no final do espetáculo, disponibilizam ônibus para diversas partes da cidade. O Velódromo fica situado no bairro Três Cruces, dentro do Parque Batlle próximo ao estádio Centenário. A reserva do ingresso podia ser feita por telefone ou momentos antes de iniciar as apresentações, que geralmente se iniciavam as 19h30min, o mesmo procedimento pode ser feito em todos os tablados comerciais. Nas apresentações se apresentavam majoritariamente murgas e muitas delas quase todas as noites como Agarrate Catalina e Curtidores de Hongos. As informações sobre as apresentações eram vistas previamente


114

no endereço eletrônico do tablado105 assim desta forma evitava-se assistir diversas vezes a mesma murga.

FIGURA 12: INGRESSO PARA O TABLADO DO VELODROMO DIA 21/02/2011

FONTE: ARQUIVO PESSOAL

O Palco no Velódromo está situado na parte central, no meio da Pista, na frente do palco acomodam-se as cadeiras numeradas, para aqueles espectadores que querem ficar mais confortáveis e assistir as apresentações mais próximas ao palco, porém ao lado das cadeiras muitas pessoas sentam no grama. Para registrar o momento, os espectadores, na sua maioria, levam câmaras fotográficas e filmadoras, assim registram a apresentações e após, ou antes, destas tiram fotos com os integrantes das agremiações. Na volta da área central ficavam as bancas de alimentação aonde se vendem, sorvetes, massas, churros, hambúrguer, choripan, panchos (cachorro quente), refrigerantes, nas outras bancas vendiam-se cds, dvds, agendas, camisetas e artesanato. Uma das situações que chama a atenção é a quantidade de merchandising que existe nos tablados comerciais, tanto dos patrocinadores dos tablados como dos patrocinadores das murgas, algumas levam até 10 minutos anunciando seus patrocinadores e muitas têm dentro da própria apresentação alguma referência aos seus patrocinadores. As apresentações têm um intervalo de 5 minutos entre as apresentações, o que ocorreu diversas vezes foram atrasos por partes das murgas, pois estas se apresentam em diversos tablados na mesma noite, ocasionando atrasos no deslocamento ou mesmo, devido ao atraso das apresentações em outros tablados. Desta forma, a última apresentação é a mais prejudicada, principalmente em dias de semana, quando os 105

O endereço eletrônico para obtenção de informação sobre a programação do tablado do velódromo é http://www.velodromo.com.uy/ porém este só fica disponível de janeiro a março.


115

espectadores não ficam até o final do espetáculo devido ao horário avançado. Também, ocorre que, a ultima apresentação geralmente não é completo devido a estes atrasos e a uma norma da prefeitura os tablados devem terminar seus espetáculos à 1h30min da manhã.

FIGURA 13: PROGRAMACAO TABLADO DO VELÓDROMO

FONTE: ACERVO PESSOAL

Mas as pessoas esperam, tomando chimarrão, falando da apresentação da murga em outro tablado, falando qual murga está melhor em cada quesito. As pessoas debatem os quesitos como jurados, mas sempre defendendo sua murga preferida, se tiverem alguma. Durante estes intervalos aproveitou-se para conversar com os espectadores para obter informações, porém, geralmente escutavam-se histórias das próprias pessoas ocorridas no carnaval, o que facilitou o entendimento da relação do montevideano com o carnaval, assim compreende-se que, para muitos, o carnaval faz parte da própria historia de vida. É praticamente da opinião de todos que existem dois carnavais na cidade de Montevidéu o que ocorre nos tablados e o que ocorre no Teatro de Verano, pois, no teatro, as agremiações estão sob a pressão do jurado e do público esperando uma apresentação que supere as expectativas. Nos tablados há uma interação maior com o público, as brincadeiras, as risadas, as apresentações fluem mais facilmente, há mais risos e muitas vezes os integrantes das murgas são substituídos por outros e estes esquecem as letras no meio da apresentação, o que gera risos tanto entre os integrantes


116

como do publico, estes momentos são aproveitados para que a murga interaja com o público sendo ela mesma o alvo das brincadeiras. Acompanhamos a apresentação da Murga La Gran Siete em três oportunidades, no Velódromo, no Cine Plaza e no Teatro de Verano. As três apresentações apresentaram aspectos particulares devido ao espaço, ao público que participou e também porque no Teatro de Verano não podem haver erros perante os juízes do concurso, o que corrobora a idéia geral dos dois carnavais. A apresentação da Murga La Gran Siete no velódromo, no dia 21 de fevereiro de 2011, foi mais interativa com o público do que a apresentação no Teatro de Verano. Neste dia o público ainda chegava ao velódromo quando a murga iniciava sua apresentação por volta das 19h30min, a chegada do público neste horário é normal, pois é as pessoas costumam sair do trabalho, ir para suas casas e posteriormente dirigir-se ao tablado, algumas pessoas costumam chegar no horário de apresentação da sua murga favorita, por este motivo há uma constante movimentação de chegada de público, isto ocorreu em todos os tablados visitados, excluindo-se o Teatro de Verano e o Cine Plaza. FIGURA 14: TABLADO DO VELÓDROMO VISTA GERAL

FONTE: ACERVO PESSOAL


117

FIGURA 15: TABLADO DO VELÓDROMO

FONTE: ACERVO PESSOAL FIGURA 16: INTEGRANTES MURGA LA GRAN SIETE ANTES DA APRESENTAÇÃO

FONTE: ACERVO PESSOAL

A primeira apresentação que acompanhamos da murga La Gran Siete ocorreu no Cine Plaza no dia 06 de fevereiro de 2011, o Cine Plaza é um antigo cinema que também funcionava como teatro, o carnaval que ocorre no Cine Plaza é chamado Carnaval de Gala, pois é coberto, com cadeiras confortáveis, ar condicionado e outros elementos que não estão presentes nos tablados tradicionais. Os funcionários, uniformizados, levam os espectadores até os assentos que são numerados, na entrada há uma loja que vende produtos das murgas que se apresentam à noite, também há um bar


118

e para fumar existe uma sacada onde a cada intervalo os espectadores se reúnem; a entrada para o Cine Plaza custa de R$ 18,00 a R$ 25,00. O ingresso do Cine Plaza, mostrado abaixo, pode ser comprado por uma rede bancária que está localizada em quase todos os bairros, o que facilita muito a compra, o ingresso é mais elaborado graficamente do que os dos outros tablados e é o único que vende os ingressos na rede mencionada acima. Esta foi à primeira oportunidade onde se conversou por alguns instantes com o diretor da Murga La Gran Siete, após esta oportunidade continuaram-se os contatos com o diretor, cujas colocações foram de extrema importância para o entendimento do “funcionamento” da murga durante estes 45 dias de carnaval. FIGURA 17: ENTRADA CARNAVAL DE GALA – CINE PLAZA 06/02/2011

FONTE: ACERVO PESSOAL

FIGURA 18: APRESENTAÇÃO MURGA LA GRAN SIETE CINE PLAZA

FONTE: ACERVO PESSOAL


119

A apresentação da murga só é completa no Teatro de Verano, nas outras apresentações são apresentadas apenas algumas partes. O Teatro de Verano por ficar em um ponto nevrálgico da cidade é de fácil acesso, tem estacionamento na entrada e os ingressos podem ser adquiridos em lotéricas espalhadas pela cidade, o teatro dispõe de platéia baixa e alta sendo que os preços são diferenciados, a platéia baixa possui um valor mais elevado por ser mais perto do palco, o que proporciona que o espectador que adquiriu um lugar na platéia baixa, de certa forma, participe na descida da murga. Logo na entrada do teatro de Teatro de Verano há diversos comércios de alimentação e de venda de souvenires relativos à cidade, ao país e ao carnaval, pois há uma grande afluência de turistas no Teatro de Verano, na sua maioria de argentinos. Na parte atrás do palco pode-se ter contato com os integrantes das murgas antes da sua apresentação e na hora da saída. Nas apresentações do concurso oficial as murgas costumam ir com toda sua equipe, para que não ocorram falhas na apresentação, a equipe é composta pelo utilero106, pessoas responsáveis pelo som, pela iluminação, instrumentos, arrumação do palco e outros que a murga necessite. Na hora da saída da murga é o momento mais tumultuado de todos, pois há uma aglomeração de fãs, jornalistas, equipe de apoio e fotógrafos.

FIGURA 19: VENDA DE MERCHANDISING NO TEATRO DE VERANO

FONTE: ACERVO PESSOAL

106

Conforme observação o utilero é a pessoa que ajuda no que for necessário para o bom andamento da apresentação da murga.


120

É dificultoso se aproximar dos integrantes, também, devido à empolgação dos mesmos, pois na chegada na praça do Teatro e no fim da apresentação, os integrantes são parabenizados para muitos é o momento mais emocionante pois é a finalização de meses de ensaios e ajustes para que a murga chegue “redonda” no concurso oficial e para o público, e, também, porque a última parte da apresentação fala da volta da murga no próximo carnaval como verifica-se na letra da retirada da Murga Curtidores de Hongos (2011)107.Também, na comemoração, verificou-se a emoção das murgas que tem dono e as murgas que praticamente não tem patrocínio algum, como é o caso da Murga La Gran Siete que possui, apenas, patrocínio da ANCEL108. A diferença na comemoração destas murgas se deve ao esforço dos seus integrantes, a ajuda de amigos e familiares para que a murga participe do carnaval, tem-se a sensação que estas murgas tem mais sentimento na apresentação ou “cantan con el corazón en la garganta” expressão muito utilizada quando a apresentação da murga emociona o público. FIGURA 20: APRESENTAÇÃO MURGA LA GRAN SIETE – 2ª RONDA DA LIGUILLA

FONTE: ACERVO PESSOAL FIGURA 21: PÚBLICO NO TEATRO DE VERANO – 2ª RONDA DA LIGUILLA

107

Volverán pletóricos de gloria/Para escribir la historia/Por otro siglo más/Dejan su eterno pregón/(Cuando termine la fiesta)/En su partida triunfal/Volverán los hongos en febrero/Ta esta prendido el fuego/Que viva el carnaval. (Retirada Murga Curtidores de Hongos do ano 2011) 108 Ancel é a empresa de telefonia móvel que faz parte da Antel (Administración Nacional de Telecomuicacoes), ou seja, é uma empresa estatal, conforme Lamolle na sua apresentação no Carnaval de Gala (06/02/2011) a murga La Gran Siete foi uma das que após passar por um processo seletivo foi patrocinada pela empresa.


121

FONTE: ACERVO PESSOAL FIGURA 22: APRENSENTAÇÃO MURGA FALTA Y RESTO – 2ª RONDA DA LIGUILLA

FONTE: ACERVO PESSOAL

FIGURA 23: INGRESSO TEATRO DE VERANO – 2ª RONDA DA LIGUILLA

FONTE: ACERVO PESSOAL

A identificação com as murgas é muito forte, antes da observação verificamos em sites de relacionamento como era a relação entre as murgas e seus fãs. Cada murga tem seu público, que se identificam com a murga pelos temas que esta trata, pois,


122

sentem que esta murga retrata melhor, que outras, a sua realidade. As murgas jovens, geralmente, não tem um público muito especifico, por terem um discurso muito parecido e se diferenciarem mais através de outros elementos da apresentação. Aquelas murgas que tiveram um discurso mais contestatório durante a ditadura como é o casa de Falta y Resto e Araca la Cana, tem um público fiel, que, pelo que observou-se nas apresentações, a faixa etária beira os 60 anos, ou seja, o público destas murgas estava entrando na idade adulta e o discurso da murga acompanhou os anseios desta, outrora, juventude. Murgas como Agarrate Catalina, tem um público jovem muito fiel, que vai para as apresentações com bandeiras, camisetas, faixas e todos os elementos possíveis, que possam identificá-los com a murga, este fanatismo verificou-se, também, no Facebook pois há diversas discussões em torno do relacionamento do público da murga Agarrate Catalina com o público de outras murgas. As discussões através dos foros de discussão do Facebook, muitas vezes lembram acaloradas discussões sobre futebol e política. As murgas La mojigata e Metele que son pasteles tem um público diverso, pois tem um humor chamado picaresco e de fácil entendimento, o que faz que atraiam bastantes crianças com suas apresentações. Estas murgas, este ano, tiveram uma maior torcida, pois a Murga Queso Magro, que é uma das preferidas deste público, não se apresentou. As murgas mais antigas em atividade são Diablos Verdes e Curtidores de Hongos, esta última completando 100 carnavais no ano de 2011 estão programados diversos festejos para marcar os 100 anos desta murga, que sempre se manteve em evidência sendo uma das mais queridas pelo público. Nas murgas mais tradicionais, há dificuldade de pontuar um tipo de público especifico, pois por serem murgas com um forte histórico de participação acabam atraindo um público muito variado. A parte mais aguardada da apresentação da murga é o cuplê, as pessoas acompanham atentamente, pois é a parte onde se critica um fato da forma mais cômica possível. Como o carnaval é extenso a apresentação não chega a ser uma surpresa depois da segunda semana, mesmo assim, no público, observa-se, o riso fácil, pois os cupleteros mudam a apresentação com alguma piada nova ou com algum fato novo ocorrido no período do carnaval ou até mesmo com alguma situação que aconteceu ou está ocorrendo no momento da apresentação, por duas vezes, acompanhou-se estes momentos, em um deles, o integrante da murga esqueceu uma parta de apresentação e em outro um dos integrantes estava com metade da fantasia somente, isso não foi


123

motivo de preocupação e sim, um momento que a murga aproveitou para rir dela mesma. O fato de apresentadores de televisão, atores e humoristas participarem das murgas, também é um fator importante, as pessoas aguardam para ver estas pessoas que se destacam nas apresentações das suas respectivas murgas. FIGURA 24: MURGA AGARRATE CATALINA - TABLADO DEL VELÓDROMO

FONTE: ACERVO PESSOAL

Durante os espetáculos nos tablados as murgas aproveitam para comercializar camisetas, cds, libretos, adesivos e tudo aquilo que tenha a imagem da murga, neste ano a Murga Diablos Verdes criou uma página no Facebook para divulgar o cuplê das suas apresentações que é apresentada na figura 25, os Solymareños fizeram tanto sucesso que além de terem esta página ganharam um fã clube.

FIGURA 25: MURGA DIABLOS VERDES - TABLADO DEL VELÓDROMO

FONTE: ACERVO PESSOAL


124

FIGURA 26: LIBRETO MURGAS DIABLOS VERDES

FONTE: ACERVO PESSOAL

O debate principal deste ano foi a não abertura de diversos tablados, tanto particulares como públicos, por falta de apoio da prefeitura e por desinteresse dos tablados particulares devido ao horário de inicio e fim das apresentações. Esta regra da prefeitura foi motivada principalmente pela quantidade de reclamações de vizinhos dos locais de ensaios e de tablados, que reclamaram do barulho. Assunto constante das conversas entre espectadores e principalmente das murgas e que esteve presente em praticamente todas as apresentações, foi à decisão por parte da prefeitura de não apoiar alguns tablados particulares e por conseqüência estes não funcionaram no carnaval e também a regra criada que estipula um horário fixo para o fim das apresentações, hora esta fixada às 1h30min. Houve assim, uma dura crítica à postura da prefeitura que ao contrário de procurar uma alternativa, como queriam os murguistas, simplesmente optou pelo não apoio aos tablados. A murga Curtidores de Hongos estendeu a crítica na apresentação realizada para o Carnaval del Bicentenário, quando se apresentava não só para o público que foi assistir a apresentação como para autoridades municipais e federais, incluindo o Presidente da República, José “Pepe” Mujica. “Cada vez que se abre un tablado nace una esperanza, y cada vez que se cierra un tablado se le está tapando la boca al pueblo”. Raúl Tintabrava Castro, director da murga Falta Y Resto iniciando a cancao de despedida.


125

O diretor da murga La Gran Siete, Guillermo Lamolle, criou um grupo no site de relacionamento facebook chamado: Brigada contra silêncios molestos, onde o diretor expõe sua opinião sobre a situação do fechamento de tablados e conclama aos protagonistas do carnaval a propor junto à prefeitura um espaço específico para ensaios e tablados, já que a política da prefeitura é de descentralizar a cultura e facilitar o acesso a esta. Uma das principais causas da Brigada era o não fechamento de alguns tablados, mas não obtiveram sucesso, o tablado Monumental de Tres Cruces foi fechado e agora no local funciona um estacionamento. Lamolle através da Brigada publicou um artigo no Mdiario de Carnaval onde opina que “Desde aqueles dias, daqueles dias do tablado em cada esquina, de ensaios na calçada” que congregavam a seus seguidores, passamos por diferentes processos. Durante diversas apresentações a maior reclamação era que com o fechamento de alguns tablados, diversos bairros tinham ficado desprovidos de tablados, tendo os moradores que se deslocar para conseguir assistir as apresentações. FIGURA 40: FOLDER DO CARNAVALDO BICENTENÁRIO.

FONTE: ACERVO PESSOAL

FIGURA 41: MURGA CURTIDORES DE HONGOS NO CARNAVAL DO BICENTENÁRIO.


126

FONTE: ACERVO PESSOAL

Para comemorar o bicentenário da independência do Uruguai no dia 25 de agosto de 2011, comemorou-se o carnaval do bicentenário ocasionou um grande debate ocorrido entre os montevideanos, primeiramente por ser no hipódromo municipal, um lugar que não é acessível para todos devido a sua localização e também pelo preço das entradas que era de R$ 29.00 a R$ 64.00 o que não possibilitava o acesso de todos à festividade. A má organização do evento também chamou a atenção do público e houve uma onda de repudio antes, durante e após o evento, sendo taxado de evento para a classe média. Debates também por algumas murgas e comparsas não serem convidadas e pelo evento terminar a 1h30min da manhã o que fez com que as apresentações fossem muito curtas. As críticas foram por parte da população e das agremiações tanto as que participaram como as que não participaram.

FIGURA 29: ENTRADA PARA O CARNAVAL DO BICENTENÁRIO.

FONTE: ACERVO PESSOAL


127

FIGURA 30: MURGA CURTIDORES DE HONGOS NO CARNAVAL DO BICENTENÁRIO.

FONTE: ACERVO PESSOAL

Os temas das murgas neste carnaval refletiram o ano uruguaio e montevideano: o tema das greves dos lixeiros foi falado por diversas murgas como Diablos Verdes e Curtidores de Hongos, o fato ocorrido com os chilenos que ficaram presos em uma mina foi falado por quase todas as murgas tendo ênfase nas murgas Diablos Verdes, A Contramano, La Bolilla que Faltaba (a única murga em que o coro é composto só por mulheres), o campeonato mundial de futebol onde a equipe uruguaia ficou na 4° posição foi assunto de todas as murgas a partir de diversas visões como a visão das mulheres explorada pela murga Curtidores de Hongos ou pela visão dos torcedores otimistas ou daqueles pessimistas que foi utilizada pela murga Agarrate Catalina. Algo muito interessante durante a observação e após, acompanhando as notícias pelos principais jornais do Uruguai, comentários de pessoas do nosso entorno, foi a questão da recuperação de uma auto-estima vinculada ao esporte, primeiramente pelo campeonato mundial de futebol, mesmo com a 4ª colocação e agora com a chegada ao final da copa Libertadores da América do Peñarol, o time que é considerado como o de maior torcida no Uruguai. A identificação do montevideano com a murga também ocorre pela origem da mesma, a murga Araca La Cana é conhecida como La Bruta ou La murga Compañera, oriunda do bairro La Teja, para Hernández (2010) a murga deu impulso a identidade carnavalesca que o bairro possui até hoje tornando-se um dos símbolos espacial do


128

carnaval. A murga ganhou o apelido de La Bruta por ser uma murga que originariamente era formada somente por vendedores de jornais chamados de canillitas o que fez com que a murga tivesse uma maneira de cantar próprio, apelido de compañera surgiu na época da ditadura por ser uma murga que sempre ficou do lado do povo. É uma murga pela qual as pessoas tem um carinho especial mesmo que tenham outra murga como favorita, é um sentimento de respeito pela história da murga. “Em momentos de repressão a murga não emudeceu e são de sua autoria temas, milhares de vezes entoados em momentos difíceis, que levaram a Araca a constituirse como “companheira” do povo” (Hernández, 2010, pág. 6). Ainda para Hernández (2010) a murga é um símbolo representativa da sociedade, não só do bairro como da cidade, pois é símbolo e atua como agente de propagação da cultura popular dentro e fora do país. FIGURA 31: MURGA ARACA LA CANA NO CARNAVAL DO BICENTENÁRIO.

FONTE: ACERVO PESSOAL

5.1.3 LLAMADAS Em Montevidéu é comum ouvir que o “meio” natural das comparsas é a rua, é onde elas se apresentam como todo seu esplendor e magnificência. No concurso oficial elas não se apresentam como todos seus componentes e até o ritmo (candombe) sofre certa alteração já que as comparsas cantam e não somente tocam. No Teatro de Verano elas ficam a mercê do espaço do palco, não tem o movimento que tem na rua e nem as pessoas, devido ao local, conseguem participar de uma forma mais ativa. O Desfile de Llamadas ocorre nas ruas Carlos Gardel e Isla de Flores no bairro Sur que como citado anteriormente é um bairro marcado pela cultura afrodescendente.


129

FIGURA 32: MAPA DESFILE DE LLAMADAS

FONTE: JORNAL OBSERVA

Uma semana após o desfile inaugural começam os Desfiles de Llamadas, estes ocorrem nos bairros Sur e Palermo. São disponibilizadas arquibancadas nos dois lados da rua, os ingressos para as arquibancadas preferenciais custaram R$ 19,20 e para as numeradas de R$ 15.00 a R$ 7.40. O desfile de sexta feira iniciou pontualmente às 20h15min. A variedade de público que assiste ao desfile é grande, há desde moradores do interior a estrangeiros como franceses, dinamarqueses, espanhóis, norte americanos, italianos, sudaneses, japoneses pelo que se observou durante o desfile. Estes turistas, geralmente, andam com a câmara de fotos e filmadora, costumam fazem perguntas aos locais sobre o desfile. Desde o inicio da manhã há uma movimentação grande nos locais de ensaio das comparsas, o diretor da comparsa Tronar de Tambores, residente no bairro Cerrito de la Victoria é a pessoa mais destacada no que tange as comparsas, seu nome é Julio Sosa conhecido pelo apelido de Kanela, na sua residência houve movimentação desde a manhã do desfile, com integrantes levando seus tambores e vestimentas, após finalizados os últimos detalhes, os integrantes se encontraram no clube onde geralmente ensaia a comparsa. Uma hora antes do desfile, a comparsa Tronar de Tambores já se encontrava pronta para o desfile, tamborileros esquentavam as lonjas enquanto tiravam fotos com locais e turistas, outros integrantes arrumavam as gigantes bandeiras que as comparsas levam, sem exceção, para o desfile, as bandeiras geralmente representam Cada comparsa faz uma pequena fogueira para esquentar as lonjas dos tambores, nessas horas antes do desfile as pessoas aproveitam para tirar fotos com alguns integrantes enquanto outros arrumam as enormes bandeiras que irão ser levadas no desfile, é o momento de colocar em ordem os participantes da comparsa para a


130

entrada. Se houve os diferentes toques das comparsas e se vê os turistas tirando várias fotos e filmando, muitos filmam antes do início, durante e após. Acompanham atentamente o que lhes é falado.

FIGURA 33:AQUECIMENTO DOS TAMBORES

FONTE: LAFIGARI.BLOGSPOT.COM

As comparsas se anunciam pelo toque que é ouvido de longe, o primeiro que é visto no desfile são as enormes bandeiras com as cores da comparsa, atrás geralmente vem o corpo de baile com as dançarinas e com os personagens das comparsas a Mama Vieja, o Yuyero, o Bastonero após vem o coração da comparsa, os tambores. Os tamborileros têm os rostos pintados com as cores da comparsa, são poucos, como visto no desfile do dia 04 de fevereiro que ainda pintam o rosto de negro. Os tambores do candombe são três: chico, repique e piano. Uma das discussões atuais entre os pesquisadores do candombe é a mudança nas dimensões de cada um desses tambores, esta mudança, para os que estudam o assunto muda o som dos tambores e, portanto altera a sonoridade do ritmo como um todo.


131

FIGURA 34: DESFILE DE LLAMADAS 2011

FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA FIGURA 35: DESFILE DE LLAMADAS

FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA

Os personagens parecem ter pedido a importância e em algumas comparsas alguns personagens não aparecem tanto quanto antes como o escobero. Os personagens mais aplaudidos em todas as comparsas foram os casais de mama viejas e yuyeros, os tamborileros usam as meias de cor preta para imitar a cor dos afrodescendentes e as alpargatas com os laços entrelaçados até altura do joelho, o passo continua o mesmo,


132

cadenciado fazendo reverência aos escravos que utilizavam grilhões que os impedia de caminhar e, portanto fugir. No final da comparsa aparecem os símbolos como as meia luas e as estrelas e algumas bandeiras e faixas com personagens importantes do candombe e da comparsa e alguma mensagem relativa aos afrodescendentes, quando vai passando a última comparsa os espectadores vão atrás dançando até o fim do desfile.

FIGURA 35: MAPA DESFILE DE LLAMADAS

FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA FIGURA 36: DESFILE DE LLAMADAS

FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA


133

FIGURA 37: DESFILE DE LLAMADAS

FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA FIGURA 38: DESFILE DE LLAMADAS – CARLOS PAEZ VILARÓ

FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA

No concurso oficial a apresentação da comparsa é diferenciada da sua apresentação na rua, no Teatro de Verano, durante a apresentação, as comparsas


134

apresentam músicas, que na sua totalidade falam da situação do afrouruguaio na sociedade. O número de bailarinos é em algumas comparsas maior que o número de tamborileros, os comentários entre alguns espectadores, e que a comparsa perde sua força no concurso oficial porque para participar têm que ser seguidas certas regras que desfiguram a comparsa, como o canto, que no desfile de rua não existe e não faz parte das comparsas originariamente. E o grande número de bailarinas de relleno, que são as bailarinas que são colocadas no espetáculo para “fazer volume”. FIGURA 39:DESFILE DE LLAMADAS

FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA

A parte onde as pessoas realmente se emocionam é quando os tamborileros ficam sozinhos no palco e o que se sobressai é o toque da comparsa, as pessoas dançam nas arquibancadas, se escutam gritos de apoio de torcedores e simpatizantes, as pessoas tocam tambores inexistentes junto com a comparsa, alguns choram. É quando a comparsa se mostra na essência.

A bajada da comparsa é um momento tão

emocionante como é a da murga, primeiramente descem os bailarinos, os estandartes e as bandeiras e por último os tamborileros é um momento onde todos batem palma acompanhando o ritmo do toque da comparsa, pois na descida os tamborileros não conseguem tocar somente quando já estão em meio ao público então os espectadores.


135

FIGURA 40: DESFILE DE LLAMADAS

FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA

Nos toques de fins de semana o que chama a atenção é a quantidade de pessoas que lá se encontram. Em um dos toques que fomos, o dia estava nublado e frio para um dia de fevereiro, mas mesmo assim no mercado público a quantidade de pessoas que esperavam pela cuerda de tambores era muito grande, naquele dia não havia uma comparsa especifica, mas sim um grupo de tamborileros que se juntaram para tocar. Neste dia vimos um grupo considerável de estrangeiros que eram facilmente identificados pelas câmaras penduradas no pescoço e por fotografar cada detalhe dos tamborileros. O toque de fim de semana é algo difícil de explicar no que se refere à ocupação do espaço, pois ela vai muito além daquilo que se vê, pois a comparsa sai do mercado público e toma o caminho do antigo cortiço Mediomundo, pois naquele dia a maioria dos integrantes era da comparsa C1080 que é tida como uma das agremiações que surgiu depois do fim da comparsa Morenada que foi a comparsa por excelência vinculada ao a este cortiço. Durante o caminho da comparsa vimos que em diversas casas havia uma espécie de churrasqueira feita com galões de gasolina ou outro produto que são cortados ao meio e colocados em um tipo de suporte, as pessoas faziam seus churrascos e bebiam, geralmente havia umas 30 pessoas em cada churrasqueira enquanto isso a comparsa passava e as pessoas iam saindo das suas residências acompanhando a comparsa que


136

havia saído do Mercado Público com umas 200 pessoas acompanhando e chegava ao cortiço com mais de 500 como nos informou um componente da “polícia turística109”. Os turistas tentavam acompanhar a dança do candombe, porém percebemos que eles tentavam “sambar” o que, de certa forma, irritava os componentes da comparsa que repetiam diversas vezes: “No somos brasileños, acá no hay samba, esto es candombe.” Sempre ressaltando a palavra candombe, a resposta dos turistas era acompanhar os passos das dançarinas que faziam um esforço para ajudar os turistas, naquele, conforme conversa com um dos turistas, a maioria provinha da Alemanha, Holanda e Bélgica e o que este turista destacou, além da beleza arquitetônica da cidade, foi a amabilidade das pessoas e seu conhecimento em línguas110 o que facilita muito na hora de encontrar uma atração turística ou até mesmo se comunicar em um restaurante. O toque finaliza e os turistas, assim como os próprios moradores da cidade pedem para tirar fotos com os componentes da comparsa, o que chama a atenção que os turistas acabam voltando ao Mercado Público e comprando uma lembrança vinculada a candombe, seja algo alusivo com chaveiros e quadros com pinturas sobre candombe ou mesmo comprar tambores que, já pensando na sua comercialização com fins turísticos, são confeccionados em tamanho menor. Outra frase muito falada pelos componentes da cuerda de tambores no fim do toque é “Ahora conocen Uruguay”, pois informam que a maioria dos turistas acredita que a cultura local seja parecida com a do Brasil, quando se fala em carnaval, tambores e cultura afro ou similar a de Buenos Aires, pois para muitos turistas o Uruguai seria, algo como um anexo a Argentina, o que o PCCCP (2008) chama de “efeito sombra” de Buenos Aires, como geralmente, os pacotes turísticos se iniciam em Buenos Aires e depois os turistas visitam Montevidéu e somente neste momento que o turista tem a real conhecimento das diferenças visíveis entre um país e outro, principalmente, como dito por alguns turistas, pelo fato da presença afro na cidade de Montevidéu, suas “marcas” espaciais e o candombe.

109 A policia turística de Montevidéu está presente naqueles que são considerados os principais pontos turísticos da cidade e tem como função proteger turistas extrangeiros e uruguaios. Informação disponível em http://www.minterior.gub.uy/index.php/es/servicios/policia-turistica 110 No Uruguai, no liceo, o que vem a ser o segundo grau no Brasil o aluno pode optar por diversas linguas estrangeiras como ingles, francés, alemao e italiano.


137

FIGURA 41: DESFILE DE LLAMADAS

FONTE: SIRISO FOTOGRAFIA

Quando a corda parou de tocar se escutou uma música do período da ditadura de um grupo de candombe chamado Pareceres: Barrio Sur este es mi canto / es mi sueño echo canción / conventillo te saluda / el no se olvida de vos (...) Mama vieja / Gramillero es el candombe y se viene. Descobrimos que a música se chama Por si vuelvo e marcou época para aqueles que estiveram fora do país como exilados durante a ditadura. A música foi cantada por mais de 100 pessoas na frente do prédio onde se situava o cortiço Mediomundo. Na frente do prédio os integrantes das cuerdas tentavam explicar para os turistas a história do local o que é dificultado pelas palavras próprias da cultura do candombe. À noite, antes dos toques, o espetáculo se tornava mais chamativo devido às fogueiras que são feitas no meio da rua para esquentar o couro dos tambores, ou as chamadas lonjas.


138

5.1.4 CARNAVAL E MIDIA

Quem chega a Montevidéu percebe que a cidade respira o carnaval, as propagandas usam como música de fundo os toques das comparsas ou a marcha camión111 das murgas, na televisão se vem às chamadas para os espetáculos e há uma larga discussão entre os analistas para tentar prever quem irá melhor tecnicamente, a prefeitura coloca a disposição no site uma pesquisa para que as pessoas informem sua murga e comparsa favoritas, os outdoors (que não são muitos) têm sua imagem vinculada ao carnaval, integrantes de murgas e comparsas fazem propagandas. Na rádio existem programas específicos para o carnaval e o mesmo é transmitido ao vivo com comentários e entrevistas principalmente aos diretores das murgas e comparsas, é realizado um resgate histórico e vêm a tona nomes históricos do carnaval, a televisão relembra carnavais de antanho, principalmente os do inicio da década de 80 (entre 1980 e 1986), além de montar todo um aparato de transmissão direto do Teatro de Verano para a transmissão das apresentações, das quatro apresentações por noite só as duas últimas são transmitidas. As empresas de ônibus transportam as murgas gratuitamente em troca de propaganda na apresentação das murgas. O carnaval vem a cada ano ganhando um espaço ainda maior, pois uma pessoa que se identifica como Croata112 disponibiliza no site de vídeos youtube todas as apresentações da liguilla na íntegra, desta forma os uruguaios que moram no exterior e quem não pode por algum motivo ir até o Teatro de Verano ver as apresentações pode vê-las na internet. Os jornais dedicam páginas inteiras ou cadernos especiais para o carnaval, tanto na sua versão impressa como eletrônica, inúmeros sites destinados ao carnaval promovem debates e entrevistas entre pessoas que acompanham o carnaval. Jornalistas que durante o ano tratam de outros assuntos no carnaval se voltam inteiramente a sua transmissão, o jornal da DAECPU, Mdiario del Carnaval, passa a ser diário durante o carnaval e continua com sua distribuição gratuita. O Mdiario del Carnaval começa a apresentar um resgate histórico meses antes, com histórias de carnavais passados, costumes que não existem mais, pessoas destacadas do carnaval, todos os temas 111

Ritmo característico da murga que ganhou esse nome porque a murga se locomovia de um lugar para outro em um caminhão, camión em espanhol, então o ritmo ganhou o nome de Marcha Camión conforme encontramos em Remedi (2011). 112 Noticia disponível em http://carnaval.elpais.com.uy/un-croata-en-el-carnaval-uruguayo


139

envolvidos ao carnaval são expostos. Assim como um grande debate com o regulamento atual, que apresenta poucas mudanças de um ano para outro. Os jornais também servem como respostas dos protagonistas do carnaval quando recebem criticas. Os sites de relacionamento são um importante veículo de comunicação das agremiações com seu público As redes sociais também jogam um papel bastante importante na forma de comunicação das murgas com seu público, é nas redes que as murgas avisam data de apresentações locais, opiniões sobre as rodadas do concurso, acontecimentos referentes às murgas e é onde a torcida dá apoio servindo como um tipo de termômetro. Também podemos obter informações sobre material de merchandising das murgas; a comunicação mais “formal” ocorre através dos sites, onde as murgas colocam a disposição as suas letras, o nome dos integrantes, a história, as novidades e outras informações da murga. Nos fóruns de debates dos sites de relacionamento fica mais claro o porquê de um determinado público se identificar com determinada murga, ali na tentativa de prever quem irão ser os melhores, cada torcida usa seus argumentos para defender a sua murga, mesmo que fique visível que tecnicamente a murga não preenche os requisitos para ser campeã naquele ano. Durante a apresentação no teatro de verão a murga La Gran Siete levou um público médio, não lotando o Teatro de Verano, no mesmo dia se apresentou a murga Falta y Resto. No site de relacionamento Facebook, localizamos as páginas de todas as murgas da liguilla e das murgas jovens assim como de murgas do interior, também localizamos todas as comparsas do desfile oficial e também as comparsas que ainda não atuam na competição, como por exemplo, a página da comparsa do bairro Villa Española, a qual vimos por diversas vezes, por estar situada perto do local, onde estávamos hospedados. O Facebook tornou-se uma ferramenta de comunicação imprescindível para as agremiações carnavalescas pela quantidade de pessoas que a utilizam e muitos seguidores das murgas colocam como suas fotos de perfil os símbolos das murgas, acompanham todos os comentários na página da murga, algo similar com o que ocorre com as páginas referentes a futebol no Uruguai, para Alfaro (1991) o carnaval, o futebol e a política formam a tríade que apaixona os uruguaios, o mesmo é verificado em Achugar (1994).


140

5.1.5 MUSEU DO CARNAVAL

Um dos pontos mais importantes durante a observação foi à visita ao museu do carnaval, inaugurado no ano de 2006 depois de mais de 20 anos de planejamento para que houvesse este espaço de resgate e salvaguarda da memoria carnavalesca montevideana. Para González113 a principal importância e função do museu é ser um espaço cultural aberto seus mantenedores são: a prefeitura de Montevidéu, o MINTURD e a ANP sigla da Administração Nacional de Portos e a sua gestão fica sobresponsabilidade é da Corporação Nacional para o Desenvolvimento, portanto a gestão é privada, pois desta forma se acredita que as decisões que precisam ser tomadas de forma mais ágil o sejam.

FIGURA 42: LOGO DO MUSEU DO CARNAVAL

FONTE: GOOGLE IMAGENS

O museu do carnaval recebeu em 2009 o VI Premio Internacional Reina Sofía de Conservación y Restauración del Patrimonio Cultural, que é concedido Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o desenvolvimento que atende pela sigla AECID114. Conforme a endereço eletrônico do Museu a principal motivação para a existência do museu é que a sociedade montevideana participe do carnaval como antigamente assim a festa seria novamente e essencialmente o pulsar da sociedade. Ele é considerado por muitos como o principal. Na visita ao museu se pode observar diversas mostras de vestimentas, fotos, maquetes, uma sala interativa e o tablado que fica aos fundos do museu, todos estes elementos juntos dão uma visão geral do carnaval montevideano desde suas origens até os dias atuais. Quando da observação se comemorava os 30 anos da murga Falta y 113

Informacao disponível em http://ladiaria.com/articulo/2010/5/montevideo-turistico/ Informacao disponível em http://www.larepublica.com.uy/comunidad/360745-museo-del-carnavalgana-el-premio-reina-sofia 114


141

Resto um dos expoentes carnavalescos da época da ditadura. Duas das atividades principais do carnaval se referem a trazer de volta a cultura do tablado barrial ou seja, aquele feito pelos próprios moradores e a mostra itinerante da história do carnaval que leva para o interior do país a cultura carnavalesca com o fim de torná-la uma cultura de todos os uruguaios. FIGURA 43: ENTRADA MUSEU DO CARNAVAL

FONTE: ACERVO PESSOAL

FIGURA 44: MUSEO DO CARNAVAL

FONTE: ACERVO PESSOAL


142

FIGURA 45: MUSEU DO CARNAVAL

FONTE: ACERVO PESSOAL

FIGURA 46: MUSEO DO CARNAVAL

FONTE: ACERVO PESSOAL


143

FIGURA 47:MUSEO DO CARNAVAL

FONTE: ACERVO PESSOAL

Ao lado do museu do carnaval estrategicamente, fica o serviço de atendimento ao turismo onde obtivemos um mapa da cidade e um folheto explicativo do carnaval, no atendimento não havia ninguém que falasse outra língua a não ser o espanhol e as atendentes eram funcionárias públicas, conheciam bem a cidade e conseguiam dar explicações exatas de como o turista pode se locomover pela cidade, também tivemos informações sobre as apresentações do carnaval. Durante a observação tivemos um acesso facilitado aos espetáculos já que estes são divulgados, pelos jornais e também pelas páginas de internet dos próprios tablados, radio, tv, facebook, ou seja, fica praticamente impossível se manter afastado do carnaval durante uma estada em Montevidéu durante o mês de fevereiro.

FIGURA 48: FOLHETO EXPLICATIVO SOBRE O CARNAVAL


144

FONTE: ACERVO PESSOAL

FIGURA 49: MUSEU DO CARNAVAL

FONTE: GOOGLE IMAGENS FIGURA 50: MUSEU DO CARNAVAL

FONTE: GOOGLE IMAGENS


145

5.2 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Para a análise dos dados coletados faremos uma conexão entre o marco teórico, a observação participante e as respostas obtidas através do questionário respondido por participantes do carnaval. Busca-se através, destas informações, a conformidade para uma análise do assunto abordado neste trabalho. Para tanto, a partir desta conexão, entre os temas, foi dada a ocasião para a análise do carnaval de Montevidéu como produto turístico. As variáveis nesta análise são: I – Identidade montevideana; II – Carnaval como produto turístico; III – Carnaval como manifestação cultural; IV – Construção do patrimônio através do carnaval Na primeira variável analisada, a identidade montevideana, procurou-se compreender como os participantes do carnaval vêem a sua própria identidade. Analisou-se, para tanto, a identidade através do olhar de Alfaro (1991) para quem a identidade é a resultante de um sistema de símbolos gerados pelo processo constante de necessidade da identificação de uma sociedade. Alfaro (1991) continua opinando que no carnaval a sociedade se vê e desta forma constrói um “ser coletivo”, fazendo do carnaval um espaço identitário da cidade e do país. O carnaval como produto turístico é a segunda variável apresentada, onde se buscou analisar como os respondentes vêem o carnaval de Montevidéu como produto turístico, assim conseguimos a ótica daqueles que vivenciam o carnaval participando da manifestação, assim chegamos a Pizano (2004) para quem os que mais “sofrem” a utilização do carnaval como produto turístico e seu possível esvaziamento como manifestação cultural são os autóctones das regiões visitadas pelos turistas em busca desta manifestação. Na terceira variável, analisou-se o carnaval como manifestação da cultural montevideana com a finalidade de verificar as construções da sociedade que levaram o carnaval a ser considerado uma das máximas manifestações culturais da sociedade montevideana, a partir das representações simbólicas que se encontram no carnaval, como vemos em Alfaro e Cozzo (2009). Trataremos aqui a manifestação cultural, não só como construção da sociedade, mas também como um lugar de memória como o entende Alfaro (2009). Finalizando, analisou-se a variável sobre a construção do patrimônio através do carnaval, desta forma buscou-se entender como o processo de estruturação do patrimônio se potencializou através do carnaval, para uma melhor


146

compreensão da análise utilizou-se o conceito de Iniesta (1990 apud Santana 1997), para quem o patrimônio resume os símbolos construídos por uma sociedade o que torna o carnaval a materialização deste patrimônio. A partir disso, dá-se início a análise.

5.2.1 IDENTIDADE MONTEVIDEANA

Para chegar ao objetivo geral deste trabalho partiremos da construção da identidade montevideana, pois se entende que esta é um sistema de símbolos que se materializa no carnaval, que é entendido como uma forma de comunicação, entre outras coisas, a identidade conforme Alfaro (1991). Analisar a identidade montevideana, a partir de dados coletados com os próprios montevideanos é uma forma de analisar um momento do processo permanente da construção da identidade, pois assim ela é entendida por Hall (2006), como uma constante construção do que se pode ser que influencia e é influenciada pelo momento que vive a sociedade que a cria. Para os três respondentes os elementos que mais caracterizam o montevideano são o gosto pela crítica, à política e o futebol, o reunir-se com amigos, sendo que esta reunião pode ter diversas finalidade e motivações. Porém, os mesmo sujeitos dizem que nestes encontros nunca vai faltar o mate, o vinho e os cigarros. Há também o momento de crítica, cujo alvo é geralmente os governantes e a atual política do país e da cidade. Esta fala nos remete tanto a Alfaro (1991) para quem as paixões nacionais são o futebol a política e o carnaval. Com isto, pode retomar ao carnaval de Montevidéu no ano de 2011 onde se observou que a crítica é uma parte essencial do carnaval, principalmente das murgas, pois sendo o carnaval uma forma de comunicação como o dizem Remedi (2001) e Alfaro (2009) o carnaval somatiza as expectativas da sociedade em torno das ações do governo lembrando-os das suas promessas e criticando as falhas governamentais. Os respondentes 1 e 3 referiram-se a imigração como outra questão fundamental no momento de análise da sociedade montevideana, pois os imigrantes trouxeram sua bagagem cultural o que resultou em uma identidade fruto do hibridismo da união destas culturas imigrantes. No marco teórico resgatamos a questão da imigração na identidade uruguaia em Darcy Ribeiro (1970 apud Achúgar, 1994) que chamou a sociedade


147

uruguaia de “povo transplantado”, sendo que para Alfaro (2009) um ponto de encontro das principais imigrações espanhola, italiana e africana ocorreu nos cortiços de Montevidéu. Outro fator citado pelos três respondentes e que vai de encontro com o que se apresentou neste trabalho, no que se refere à identidade uruguaia é a questão do negativismo ou de uma nostalgia disfarçada de que houve tempos melhores que os de agora, o que gera uma crença de uma crise constante em todos os âmbitos do país, fato que se verifica em Achúgar (1994), pois para este, a crise surgida nos anos 1960 e que posteriormente levaria a instauração da ditadura que gerou esse negativismo que passou a ser uma marca registrada do uruguaio e mais propriamente do montevideano. Durante a observação participante, verificou-se nas visitas as apresentações das murgas, que durante os cuples, diversas murgas se referiam ao Uruguai como paisito, expressão ouvida diversas vezes independente do tablado ou da murga, o que para Achúgar (1994) é fruto da questão de auto complacência que a sociedade tem consigo mesma. A questão de fazer ou de atuar em grupo é uma questão levantada por Alfaro (1991) quando cita que o uruguaio é um apaixonado pela música e principalmente por cantar em grupo, isto se verificou durante a observação, pois no concurso oficial ou nos desfiles de llamadas, cada intervalo das apresentações, grupos entoavam as músicas da sua agremiação favorita e ritmavam a música com instrumentos imaginários. Os três respondentes também citaram a construção da identidade afro como uma determinante da construção da cultura montevideana, pois para estes a cultura afro demarcou territórios, que são chamados de “barrios de negros” Ainda na questão do bairro de origem, nas llamadas é constante a lembrança dos bairros Sur, Palermo e Cordón, dos cortiços, dos cidadãos ilustres destes, a identificação rítmica do bairro ocorre através do toque de cada comparsa, o que a respondente 2 chamou de “identificação pelo toque”, e isto foi constatado durante a observação pois quando dos toques de candombe no fim de semana os toques eram reconhecidos pela sua diferença rítmica que define o bairro, agrupando as pessoas em torno do seu “toque” preferido. Viu-se durante a observação e também se constata na descrição do carnaval de 2011, pois é notório para quem visita a cidade e participa do carnaval, a questão trazida por todos os respondentes ao que se refere a uma identidade barrial, ou seja, a manifestação da identidade construída no bairro no qual se nasce ou se vive, constatouse isto nas apresentações das murgas que saúdam o seu bairro de origem nas suas


148

apresentações, fazendo referência, também, ao bairro onde ensaiam e como se verificou outras levam o próprio nome do bairro no nome. O bairro é essencial na apropriação da identidade para os afrodescendentes, o bairro funciona como a representação do processo histórico destes em Montevidéu. Através do marco teórico, resgatou-se que a questão da identificação com o bairro, para os afrodescendentes, vem das épocas coloniais como encontramos em Carambula (1985) tornando-se referência para os afrodescendentes. O que é concomitante com o que se viu em Alfaro (1991, p. 146) que chama isto de “fixação topográfica do candombe”, o que serve de base para a construção da identidade de alguns bairros. Porém encontra-se em Olaza (2009) que, hoje em dia, devido a diversas influências externas os tocadores mais experientes já têm certa dificuldade de reconhecer o toque, pois acreditam que, ocorre atualmente, uma inserção de outro ritmo, a cumbia, o que estaria desconfigurando tanto o toque quanto a dança do candombe. Para o respondente 1 a construção da identidade afro teve seus momentos mais marcantes vinculados ao carnaval, sendo que em um primeiro momento, os afrodescendentes começaram a ser inseridos nas agremiações carnavalescas para posteriormente fazer parte do carnaval através das suas próprias agremiações, fato que se iniciou a partir do final do século XIX como viu-se em Carambula (1985). Para o respondente número 2, a maior contribuição dos afrodescentes para a identidade montevideana foi, além da rítmica considerada pelos 3 respondentes como o ritmo de Montevidéu, mais além do tango, a cultura do “fazer em grupo”, o que ficou evidente na época dos cortiços como vimos em Alfaro (2009), além disto os três respondentes são unánimes em afirmar que o fato dos locais dos antigos cortiços serem, agora, considerados lugares de memória e lugares que marcam a história da cidade dá um sentido material a identidade provendo a mesma de sentimentos.

5.2.2 CONSTRUÇÃO DO PATRIMÔNIO ATRAVÉS DO CARNAVAL

Analisou-se nesta variável como se constrói o patrimônio através do carnaval de Montevidéu na ótica dos respondentes, a forma como ele se apresenta e como é visto pelos montevideanos.


149

Para o respondente 1 o fato do candombe ter sido escolhido patrimônio imaterial da humanidade demonstra a importância da construção patrimonial da cultura montevideana a partir do processo histórico construído pelos afrodescendentes na cidade. Pois, para este, nem toda a construção material ou imaterial de uma sociedade pode ser considerada patrimônio se não tem uma fixação no tempo, ou seja, não demonstre uma determinada etapa de um processo de construção da tríade memória, identidade e cultura. O respondente continua expondo que a construção do patrimônio, por partir de uma sociedade, ou seja, sendo um processo em permanente construção, se salvaguarda a partir da sua função como patrimônio, esta afirmação resgatou-se em Arévalo (2010) para quem a nominação de patrimônio tem dois valores, sendo que, o valor de uso do patrimônio salvaguarda a identidade e, portanto permite a permanente construção do patrimônio. Já para a respondente numero 2, o patrimônio seria um insumo de informações para o carnaval e vice versa, verifica-se, então que temos um processo de retroalimentação, onde os dois são dependentes um do outro. Para este respondente, a construção do patrimônio através do carnaval, tem um viés educativo, pois é uma forma de garantir que a história seja repassada por aqueles que são responsáveis (legais) por salvaguardar o patrimônio, ou seja, teríamos uma forma de resgatar e de salvaguardar aquilo que faz parte do patrimônio e que não havia sido preservada. Desta forma, chegamos a Santana (2003) que cita as políticas de salvaguarda do patrimônio como forma de preservar a identidade. Durante a observação, viu-se, os diversos cartazes onde se informava do candombe como patrimônio e, como se verificou na visita ao museu do carnaval, existe uma preocupação de comunicar a patrimônio através de oficinas de candombe dentro e fora do Museu e também através do resgate de práticas como os corsos barrias e os tablados de bairro construídos pela própria sociedade. Para os respondentes 1e 3, o carnaval, a sua forma, representa a identidade montevideana fielmente, não só nas llamadas, que abarcam o candombe. Para estes o carnaval como um todo deveria ser considerado patrimônio já que, na história do carnaval, estão expressas as alterações que a sociedade montevideana viveu desde o século XVIII e, portanto, o carnaval serviu como uma forma de comunicação da identidade montevideana, o que construí o patrimônio da cidade. Estes respondentes, portanto, entende que o candombe, faz parte de todo um processo histórico e não somente dos processos da sociedade afrodescendente Estas opiniões vão de acordo com


150

o que foi mostrado por Arévalo (2010), quando este diz que a memória de uma sociedade, fica intrínseca na construção do patrimônio, pois esta memória serve como uma forma de resgate do passado no presente para dar um valor a este último. Portanto, partindo da lógica que o carnaval, considerado no seu todo, é um lugar de memória como vemos em Alfaro (2009) todas as manifestações, que estão concentradas no carnaval, poderiam ser consideradas patrimônio. Os respondentes são unánimes em afirmar que o carnaval é uma forma de comunicação da identidade assim reafirmando-a e desta forma tornando-se a si próprio patrimônio já que ele salvaguarda a identidade da sociedade e encerra em si diversas manifestações que comunicam a identidade de diversas formas por isso o carnaval vai além de uma manifestação cultural tornando-se instrumento fundamental identitario de uma sociedade que se vê todo fevereiro diante de um espelho, chegamos assim a opinião de Arevalo (2009) para quem o carnaval, a partir de toda sua simbologia, comunica cultura, identidade e memória, tornando-se, portanto, patrimônio. Os respondentes também fizeram menção, a revaloração da identidade através do turismo. Para o respondente 2, a materialização desta revaloração passa sem exceção pelo Museu do Carnaval, a partir do seu trabalho de resgate da história do carnaval, e portanto, transformado em um museu de memória. Esta opinião é concomitante com o que viu-se durante a observação ao Museu do Carnaval, pois este cumpre um rol importante no resgate da história do carnaval, através de um trabalho árduo por parte de historiadores que trabalham no museu com o intuito de resgatar histórias e elementos que não fazem mais parte do carnaval e rememorá-los. Verificou-se, também, durante a observação, que uma das funções do Museu do Carnaval é aumentar a participação da sociedade no carnaval, portanto desta forma fortalecer a identidade do carnaval.

5.2.3 CARNAVAL COMO PRODUTO TURÍSTICO

Para o respondente 3 as políticas públicas não tem sido efetivas na forma de transformar o carnaval em um produto turístico, o que efetivamente é, para este respondente é uma forma de comunicação da cultura através de um patrimônio. Portanto, sua venda como produto turístico teria que ser mais fortemente baseada na


151

construção patrimonial da sociedade montevideana. Este respondente, continua, afirmando que as estatísticas de turismo do MINTUR, consideram os uruguaios que moram no exterior turistas, porém, acredita, que estes devem ficar fora das estatísticas ou entrarem em uma nova estatística, pois para este não teríamos o turistas descobrindo uma nova cultura e sim teríamos um uruguaio que por diversos motivos mora no exterior e vem visitar a sua família e se “sentir em casa” novamente. Como se verificou, nos dados informados pelo MINTUR (2010), os uruguaios residentes no exterior são contabilizados em separado, porém na finalização de números de visitantes, estes aparecem como turistas. Durante a observação participante conversamos com muitas pessoas nesta condição, uruguaios que emigraram na época da ditadura e não retornaram, como o caso de uma professora que mora na França desde 1981 e o caso de um advogado que se formou e foi estudar no exterior conseguiu um trabalho e fixou residência na França onde já tem dois filhos. Sendo assim, o respondente 3, acredita que não se pode medir a verdadeira afluência de turistas estrangeiros, considerando-se estes aqueles que não tem origem no Uruguai, que participam do carnaval. Para o respondente 2 existe uma dificuldade de comunicação muito grande no que se refere as murgas, pois “la gracia” do espetáculo está, justamente, no seu conteúdo comunicacional e, para ser vendido como um produto turístico, teria que passar por um processo de adaptação, o que esvaziaria o conteúdo murguista, este respondente acredita que as murgas já estão passando por um processo de esvaziamento pelo fato da profissionalização e o turismo só viria agravar esta situação. Portanto, acredita que deveria existir uma salvaguarda também para as murgas, já que estas são consideradas de interesse nacional para o país, mas ainda não são consideradas patrimônio assim como o candombe. Este processo de esvaziamento, como se verificou, foi analisado por Calle (2006) é nela se encerra a relação conflitiva entra o turismo e patrimônio, onde inserimos o carnaval, porém este esvaziamento, que para muitos se reflete nas vestimentas e em todo o processo de aprimoramento do carnaval é um processo que vem ocorrendo gradativamente como se observou na visita ao museu do carnaval. O respondente 2 ainda afirma que as llamadas tem uma facilidade maior de serem entendidas e, portanto, com um maior apelo para serem utilizadas como produto turístico, o que não torna o carnaval como um todo um produto turístico. Isto foi visto durante a observação, pois enquanto nos desfiles de llamadas e toques de candombe


152

havia um grande numero de estrangeiros fotografando, filmando, ou seja, interagindo de certa forma com os integrantes das comparsas, nas apresentações das murgas era incontável a quantidade de uruguaios que moram no exterior que estavam presentes nas apresentações sendo, na sua maioria, os países de residência a Argentina, Espanha e Estados Unidos. Recorda-se que para Alfaro (1991) o carnaval é um lugar de memória, ou seja, mostrando um histórico sócio-cultural de uma sociedade ele tanto tem um apelo turístico, como é uma forma de resgate da memória para quem, apesar de não residir mais no país, se sente parte da sociedade. O respondente 1 acredita que o carnaval do Montevidéu tem uma “fuerza” como produto turístico que ainda não foi bem trabalhada em nenhum momento pelas políticas públicas, que recém, a partir da primeira gestão do então presidente Tabaré Vasquez, passa a ser visto com uma potencialidade turística que até então não tinha sido trabalhada, aqui a respondente faz uma separação entre divulgação do carnaval no início do século XX, como vimos pelos pôster anexados ao trabalho, e utilização do carnaval como produto turístico em si, o fato de, no início do século, o carnaval ser trabalhado como produto turístico apenas na Argentina não o torna, para a respondente um produto turístico em si desde o início do século. Como se viu, o carnaval continua sendo divulgado especialmente na Argentina, onde o MINTUR lançou sua campanha turística para o carnaval, pois o ministério acredita que pela facilidade idiomática o carnaval seria mais bem entendido, em todas as suas formas de apresentação, pelos argentinos. Os três respondentes, também acreditam que alguns elementos que não pertencem ao carnaval uruguaio desconfiguram a identidade nele apresentada, como a inserção de escolas de samba e principalmente das vedetes nas llamadas, porém, como se viu anteriormente, sempre houve dançarinas de destaque como Rosa Luna, Martha Goulart e Lágrima Rios, porém estas eram da comunidade onde se originavam as comparsas e eram afrodescendentes. Agora, como se verificou nos desfiles das llamadas, modelos tomam o lugar das representantes das comunidades e em nada lembram as antigas dançarinas na forma da dança ou nas vestimentas, já que prefere um estilo muito parecido às rainhas de bateria das escolas de samba do Rio de Janeiro informação corroboradas por Olaza (2009). As opiniões são iguais, também, no que concerne ao carnaval como produto turístico, pois para estes o atrativo em si não é o carnaval e sim a construção deste a partir da sociedade, pois é um carnaval feito por afrodescendentes e por um discurso


153

europeu em uma só cidade, o que o torna único, pois não é só uma forma de manifestação, como ocorre no Rio de Janeiro, onde o produto é o desfile, para estes o carnaval de Montevidéu, tem as llamadas, murgas, parodistas, humoristas, revistas e os corsos vecinais (estes não fazem parte do concurso). Para a respondente 2, o fato da utilização do carnaval como produto turístico, pode sofrer uma adaptação para se tornar um pouco mais entendível, porém tem que ser criado um limite para não perder “lo genuíno” do carnaval. Para o respondente 3 o panorama atual da utilização do carnaval, como produto turístico, mudou as práticas sociais que se viam no carnaval, porém como viu-se em Alfaro (2008) isto ocorre desde o final do século XIX com o início do disciplinamento do carnaval por parte das políticas que, tinham como objetivo, tornar o Uruguai um país civilizado a partir da sua opinião de civilidade. Um ponto positivo que este respondente assinala, a partir do uso turístico do carnaval, é a fixação de horário, itinerários dos desfiles e outros elementos que normatizaram o carnaval. Para o respondente 2, o carnaval pode ser um “chamativo” turístico, porém não o produto em si, o que pode ser realizado, em seu entendimento, através das políticas públicas, é uma união entre a venda da cidade como produto turístico e o carnaval como um dos elementos deste produto turístico porém não como produto em si. Como o carnaval tem a duração de 45 dias, em média, por ano, os turistas teriam como participar do carnaval e conhecer a cidade e seus atrativos, potencializando o turismo urbano. A falta de uma política pública, consistente, é um ponto sinalizado pelos respondentes 1 e 2, como sendo o maior entrave tanto para o turismo na cidade como para a utilização do carnaval como produto turístico. Verificou-se durante a observação que muitos dos turistas que estavam assistindo ao desfile das llamadas souberam do carnaval ou do candombe, que é o principal foco para quem é estrangeiro através de contato com uruguaios que moram no exterior ou após este ter sido escolhido patrimônio da humanidade. Como se viu, não foi verificado no material divulgado pelo MINTUR, alguma ação de divulgação do carnaval com um forte apelo turístico, verificou-se que estas divulgações têm mais um viés explicativo sobre o carnaval.

5.2.4 CARNAVAL COMO MANIFESTAÇÃO CULTURAL


154

Para o respondente 1 o carnaval demonstra uma trama cultural que une diversas maneiras de ver e de se comunicar com o mundo, pois sendo a sociedade uruguaia e montevideana, fruto de emigrações e do encontro destas com os autóctones, ela é o resultado de um processo de hibridismo que sempre está se modificando, pois a sociedade se modifica a partir de mudanças externas e internas. O respondente 2 cita que deve-se levar em conta todo o processo de construção do carnaval e não seu fim, que é a parte da manifestação que fica visível para a utilização como produto turístico. Para este, a manifestação se inicia, e cita como exemplo, desde a fabricação dos tamboriles das comparsas, a confecção das lonjas, no processo de criação da letra da murga, seus ensaios, continua este, dizendo que o carnaval pode sim, ser considerada a máxima mostra de identidade dos montevideanos, porém não do Uruguai, sendo o carnaval o produto de um “sentir coletivo”, termo utilizado, também, por Alfaro (1991), que provem da identidade da sociedade montevideana. Como se verificou anteriormente, o carnaval de Montevidéu é considerado uma manifestação cultural única e com uma forte expressividade identitária para o MINTURD, como vimos em Kitchichian (2011). Para o respondente 2 as murgas e as llamadas são, por si, manifestações culturais mesmo se não participassem do carnaval, pois se tornam uma maneira de comunicação do povo para o povo, o carnaval fez com que estas duas manifestações tivessem seu “momento” durante o período de carnaval, este continua dizendo que o processo do candombe como construção simbólica e manifestação cultural é um processo de hibridismo que continua em nossos dias, pois cita que primeiramente existia o ritmo, depois ocorreu o sincretismo de datas comemorativas, tornando-se o dia de Reis o principal, depois para participar do carnaval vieram as comparsas e por última as llamadas que materializam o que é considerado símbolos dos afrodescendentes tornando-se a máxima manifestação da cultura dos afrodescendentes no Uruguai, estes processos das llamadas foi resgatado em Carambula (1985) e Chirimini e Varese (2000). Para o respondente 3 a manifestação cultural do carnaval tece uma trama entre uma cultural da cidade e uma cultura do bairro, que seria um dos elementos da cultura da cidade, cada bairro tem sua identidade e constrói sua cultura, ou seja, alguns bairros tem mais um viés cultural “candombero” e outros “murgueros”, outros nem um nem outro, mas nenhum tem os dois explicitamente. O que vemos no carnaval para este


155

respondente são as construções culturais de cada bairro, pois que tem o estilo do bairro de La Teja não vão cantar ou ter o mesmo processo de construção da apresentação do que das murgas de La Únion, como vimos em Lamolle (2005), e mesmo as murgas jovens que costumam não se vincular com nenhum dos dois estilos se identificam com algumas questões que são importantes para os participantes da mesma e para seu público. Uma manifestação cultural, para o respondente 1, parte do principio de comunicar uma cultura, uma identidade e materializar

e os simbolismos de uma

sociedade, sendo assim a manifestação não é estática se modifica conforme a sociedade que a cria, desta forma o carnaval sofre as alterações que a própria sociedade montevideana sofre a as comunica, durante a observação escutamos diversas vezes que alguns tamborileros estavam tocando como “cumbieros” e as dançarinas incorporavam ao baile passos de “cumbia” observamos que a idade destes integrantes não chegava, aparentemente, aos 30 anos, sendo então o ritmo musical mais escutado por este como foi corroborado por Olaza (2009). Os três respondentes foram unánimes em afirmar que o processo ditatorial do Uruguai mudou a idéia do carnaval como manifestação cultural, pois desta forma o carnaval sofre o que foi chamado de “tate quieto” por parte da ditadura, porém isto lhe deu forças para ser, o que o respondente 3 chamou, de máxima expressão cultural montevideana no momento em que se potencia. A murga utiliza o seu poder comunicacional ao ser uma ferramenta de critica ao governo, como vimos em Remedi (2001) a ditadura ao tentar alterar a mensagem do carnaval potencializou a reunião social em torno ao carnaval. Durante a observação uma das histórias que escutamos nos situava no ano de 1979 quando o desfile de llamadas surpreendeu a segurança militar e as comparsas subiram as ruas adjacentes até a Avenida 18 de Julio como uma afronta ao que vinha ocorrendo com a população afrodescendente nos cortiços, Rosa Luna abriu caminho entre os militares e gritava mandando os seguranças saírem da frente das comparsas dançando e entrando por meio da segurança que se viu obrigada a sair, frente aquela multidão que vinha subindo até a Rua 18 de Julio. Ainda na questão da ditadura, o respondente 1 cita que a identidade da murga foi alterada dentro do processo ditatorial e portanto alterou a manifestação como um todo, fazendo surgir dois tipos de murgas, uma com mais tendência para o humor em si e


156

outros usando a crítica para se posicionar contra o governo, isto também teria ajudado a fundamentar o carnaval como máxima manifestação cultural da cidade ao criar um contraponto ao oficialismo reinante, quando da volta a democracia o carnaval continuou com seu rol de comunicar porém com um teor crítico menor do que aquele que possuía no tempo da ditadura, esta opinião também foi vista em Viñoly e Paraskevaidis (2009). Para o respondente 1 os afrodescentes tiveram um papel muito importante no fortalecimento do carnaval como manifestação cultural já que a partir da ditadura, para este respondente os afrodescendentes foram os que mais sofreram com a ditadura e o carnaval serviu como uma maneira de fortalecer as manifestações afro, durante a observação escutamos diversas músicas da época ditatorial que são hinos da cultural afro até os dias atuais.


157

CONSIDERAÇÕES FINAIS O carnaval como um todo, mostra a identidade construída através de processos históricos que confluíram nesta manifestação, isto foi levado em consideração na hora de construir as variantes que nortearam a análise dos resultados, pois não há como desvincular os processos que deram origem ao carnaval com a sua utilização como produto turístico. Sob a ótica do carnaval, este construído a partir das representações da identidade montevideana, viu-se que esta é representada no carnaval, construindo um sistema de símbolos que leva a sociedade a participar do carnaval para ver-se e ouvir-se, desta forma comprovou-se que o que se vê nas agremiações estudadas é fruto da sociedade que as constroem, com suas mudanças e seus resgates, assim as agremiações vão se adequando ao momento atual da sociedade, viu-se também que esta identidade é uma força do carnaval, pois este se torna lugar de memória para a sociedade, pois os autóctones contam histórias do carnaval como pano de fundo para as suas vidas. Portanto, tem-se uma manifestação construída a partir das relações intrínsecas entre a sociedade, seu meio, suas construções simbólicas e sua memória. A partir disto, observou-se que a construção do patrimônio ocorre através da tríade memória, identidade e cultura que se materializam no carnaval e o utilizam como uma forma de comunicação deste patrimônio. Constatou-se que cada uma das agremiações formata-se como patrimônio, não só pela tríade mostrada, mas também a partir da sua contribuição para o momento atual, justamente por rememorar o seu próprio histórico dentro da sociedade. Histórico este que é resgatado pelas diversas práticas que começaram a surgir como uma forma de revalorização da memória e, em último caso, do patrimônio. Este resgate passa pelas políticas públicas que cada vez mais focam na sociedade o resgate do seu próprio patrimônio. Sob o olhar do turismo verificou-se que o MINTURD e a Prefeitura de Montevidéu através de diversas ações, têm projetos para tornar o carnaval um produto turístico da cidade mais atrativo do que ele é atualmente, e para isto utiliza como base a identidade cultural que nele se encerra, o que o tornaria um produto único para ser vendido no exterior, isto depende mais da divulgação do carnaval em outros mercados além da Argentina, pois Montevidéu ainda depende fortemente dos turistas argentinos.


158

Existem diversas discussões em torno à utilização do carnaval de Montevidéu como produto turístico, principalmente o seu possível esvaziamento simbólico devido a esta utilização. Porém, o turismo é visto também como uma forma de resgatar práticas carnavalescas, não vistas atualmente, mas que ajudariam a afirmar ainda mais a identidade local. O resgate destas práticas já inexistentes no carnaval passa obrigatoriamente por projetos como o Museu do Carnaval que tem um trabalho fundamental no resgate destas práticas e de involucrar parte da sociedade, que não participa mais da manifestação, para que estes ajudem a construir o carnaval e se vejam nele. Viu-se que o Museu do carnaval é uma das pontas das políticas públicas postas em ação para que o carnaval se torne um produto turístico vendido em diversas partes do mundo. Sobre os turistas que participam do carnaval verificou-se que as agremiações carnavalescas estudadas atraem públicos diferentes devido ao seu discurso, sendo assim, observou-se que as murgas são um atrativo para uruguaios que moram no exterior devido a sua mensagem e as llamadas se tornam um atrativo para turistas estrangeiros pela força identitária e por ser considerado patrimônio da humanidade. Percebeu-se que o carnaval tem como função comunicar a identidade, através dos discursos apresentados pelas agremiações, assim tem um grande apelo social, o que lhe vale o título de maior manifestação social do Uruguai, o que justifica a afirmação de que o carnaval vende mais entradas que o futebol ou qualquer outra atração cultural no Uruguai. O carnaval de Montevidéu tem os elementos necessários para tornar-se, no que se refere ao turismo, um referencial como produto turístico. Desde a perspectiva do carnaval como manifestação cultural, faz-se menção a conjuntura de elementos que constroem o carnaval como tal, pois se verificou que o carnaval é o produto final de todo um processo que parte da construção das representações simbólicas, passa pela sua materialização dentro da sociedade até serem materializadas no carnaval. Viu-se que o carnaval manifesta o “ser coletivo” da sociedade nas suas produções simbólicas e como este também manifesta o hibridismo causado pelas imigrações que ocorreram em massa, pois nas duas agremiações estudadas existe a manifestação das imigrações que formaram o Uruguai. Observou-se como a manifestação engloba também as construções a partir de um nível micro da cidade, os bairros, assim o carnaval evidencia ainda mais a sua representatividade como manifestação cultural da cidade. Também neste aspecto viu-se como a ditadura ainda é


159

um tema doloroso para a sociedade uruguaia devido ao fato de ter interrompido um histórico político democrático como acreditavam os uruguaios. Assim viu-se que o resgate do histórico da ditadura passa também pelo carnaval já que no seu discurso ,esta manifestação sofreu, lutou e venceu por ser uma manifestação fruto de uma coletividade. Portanto, pode-se considerar que o carnaval manifesta o “ser” da sociedade, comunicando-o para que esta veja sua própria construção. Também se ressalta a dificuldade de um levantamento preciso da quantidade de turistas estrangeiros e de uruguaios que retornam especificamente para participar do carnaval. Faz-se menção também a circunstância da demora de obter uma confirmação positiva quando solicitada uma entrevista ou o envio das respostas do questionário por parte dos dois participantes que não nos deram retorno, o que também se tornou um entrave para obtenção de mais dados para a análise por parte dos participantes do carnaval, também ressaltamos a dificuldade que tivemos em obter dados em outras oportunidades já que muitas pessoas, procuradas para participar da pesquisa, não responderam os contatos. Um dos fatores mais dificultosos no trabalho é a falta de estudos sobre o turismo no Uruguai e em Montevidéu, existem dados, porém não há estudos suficientes para que o tema seja mais profundamente explanado, não há ocorrências de estudos históricos sobre o turismo e, as instituições de ensino no Uruguai, recém começam a publicação de trabalhos referentes ao turismo, porém é um processo incipiente se comparado com a produção acadêmica no Brasil. Contudo, cabe ressaltar que durante a observação participante tivemos uma ajuda valiosa no que se refere aos participantes das murgas, que foram de importância suprema para a coleta de dados e, em no que lhes era possível, continuaram com a ajuda no decorrer da pesquisa, confirmando o lado comunicativo das murgas e dos seus integrantes. Acredita-se que seja extremamente necessário que este pesquisa continue para que desta forma exista uma contribuição efetiva para o conhecimento do carnaval de Montevidéu como produto turístico e para que sejam diagnosticadas as necessidades e que, desta forma, se consiga efetivamente ajudar no processo de construção do produto turístico. Conclui-se que o carnaval em Montevidéu ainda tem um longo caminho a trilhar para tornar-se um forte atrativo dentro do produto turístico de Montevidéu. A força da sua atratividade reside nas construções identitárias que nele se encerram e que


160

acompanham os processos vividos por esta sociedade, portanto torna-se uma manifestação cultural e um produto único desde a sua construção até o seu resultado.


161

PRINCÍPIOS ÉTICOS NORTEADORES DA PESQUISA Com o fim de nortear esta pesquisa no aspecto ético utilizou-se o código de Etica da ABA115 – Associacao Brasileira de Antropologia criado na Gestao 1986 – 1988, portanto temos que:

Constituem direitos dos antropólogos, enquanto pesquisadores:

1. Direito ao pleno exercício da pesquisa, livre de qualquer tipo de censura no que diga respeito ao tema, à metodologia e ao objeto da investigação. 2. Direito de acesso às populações e às fontes com as quais o pesquisador precisa trabalhar. 3. Direito de preservar informações confidenciais. 4. Reconhecimento do direito de autoria, mesmo quando o trabalho constitua encomenda de orgãos públicos ou privados e proteção contra a utilização sem a necessária citação. 5. O direito de autoria implica o direito de publicação e divulgação do resultado de seu trabalho. 6. Os direitos dos antropólogos devem estar subordinados aos direitos das populações que são objeto de pesquisa e têm como contrapartida as responsabilidades inerentes ao exercício da atividade científica.

Constituem direitos das populações que são objeto de pesquisa a serem respeitados pelos antropólogos:

1. Direito de ser informadas sobre a natureza da pesquisa. 2. Direito de recusar-se a participar de uma pesquisa. 3. Direito de preservação de sua intimidade, de acordo com seus padrões culturais. 4. Garantia de que a colaboração prestada à investigação não seja utilizada com o intuito de prejudicar o grupo investigado.

115

Disponível em http://www.abant.org.br/?code=3.1.


162

5. Direito de acesso aos resultados da investigação. 6. Direito de autoria das populações sobre sua própria produção cultural. Constituem responsabilidades dos antropólogos:

1. Oferecer informações objetivas sobre suas qualificações profissionais e a de seus colegas sempre que for necessário para o trabalho a ser executado. 2. Na elaboração do trabalho, não omitir informações relevantes, a não ser nos casos previstos anteriormente. 3. Realizar o trabalho dentro dos cânones de objetividade e rigor inerentes à prática científica


163

REFERÊNCIAS

ACOSTA, Gonzalo; DEL RÍO, Ángel; VALCUENDE, José Mª (Coord.). La recuperación de la memoria histórica: una perspectiva transversal desde las ciencias sociales. Sevilla: Centro de Estudios Andaluces, Consejería de la Presidencia, Junta de Andalucía, 2007. 266 p. Disponível em http://books.google.com.br/books?id=z71zIminrcC&source=gbs_navlinks_s. Acessado em 20 de abril de 2011. ACHÚGAR, Hugo. LA BALSA DE LA MEDUSA. Ensayos sobre identidad, cultura y fin de siglo en Uruguay. Colección Desafíos. 3ª ed. Montevideo: Ediciones Trilce, 1994. 113 p. . PLANETAS SIN BOCA. Escritos efímeros sobre arte, cultura y literatura. Colección Desafíos. Montevideo: Ediciones Trilce. 2004. 262 p. ; MORAÑA, Mabel (Edit). Uruguay: Imaginarios Culturales. Desde las huellas indígenas a la modernidad. Tomo I. Montevideo:Ediciones Trilce, 2000. 327 p. ADINOLFI, Laura; ERCHINI, Carina. El Conventillo Medio Mundo: materialidad e inmaterialidad en el Barrio Sur. Almanaque Banco de Seguros del Estado 2007. Pág. 131 – 138. Montevideo: Banco de Seguros del Estado. 2007. AINSA, Fernando. Espacios de la memoria: lugares y paisajes de la cultura uruguaya. Montevideo: Ediciones Trilce, 2008. 159 p. .Del Canon a la periferia. Encuentros y transgresiones en la literatura uruguaya. Montevideo: Ediciones Trilce. 2002. 158p. ALFARO, Milita; FERNÁNDEZ, Marcelo. Carnaval A Dos Voces: El Fenômeno de la CATALINA y otras polémicas. Montevideo: MEDIO&MEDIO Editorial, 2009. 261 p. ; Cozzo, José. Mediomundo: sur, conventillo y después. Montevideo: MEDIO&MEDIO Editorial, 2008a. 92 p. . MEMORIAS DE LA BACANAL: Vida y milagros del Carnaval montevideano 1850-1950. Montevideo: Ediciones de la Banda Oriental, 2008b. 95 p. .CARNAVAL: Una historia social de Montevideo desde la perspectiva de la fiesta. Primera Parte. El Carnaval heroico (1800-1872). 2ª ed. Montevideo: Ediciones Trilce, 1992. (Segunda parte). 110 p. .CARNAVAL: Una historia social de Montevideo desde la perspectiva de la fiesta. Segunda Parte. Carnaval y Modernización. Impulso y Freno del disciplinamiento (1873-1904). Montevideo: Ediciones Trilce, 1991. (Primera parte). 255p. .“Los uruguayos y el Carnaval. Representaciones sociales e identidades colectivas en el espacio mítico de la fiesta”. IN América. Cahiers du Criccal nº 28. La Fête en Amérique Latine II. Pág. 21 – 28.Presses de la sorbonne nouvelle. 7º colloque international du CRICCAL. Université de la Sorbonne Nouvelle – Paris 3, 26, 27, 28 mai, 2000. Paris, 2002. 298 p.


164

ALFONSO, María José Pastor. EL PATRIMONIO CULTURAL COMO OPCIÓN TURÍSTICA. In Horizontes Antropológicos, ano 9, n. 20, p. 97-115, Porto Alegre: outubro de 2003. ALVES, Andrea Moraes IN VELHO, Gilberto; KUSCHNIR, Karina (Orgs.). Pesquisas Urbanas: desafios do trabalho antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 2003. 235 p. ANDREWS, George Reid. RECORDANDO ÁFRICA AL INVENTAR URUGUAY: SOCIEDADES DE NEGROS EN EL CARNAVAL DE MONTEVIDEO, 18651930. Revista de Estudios Sociales nº 26, abril de 2007. Bogotá, Colombia. Disponível em http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/src/inicio/ArtPdfRed.jsp?iCve=81502607. Acessado em 10 de setembro de 2010. ARÉVALO, Javier Marcos. Los carnavales como bienes culturales intangibles. Espacio y tiempo para el ritual. Gazeta de Antropología, n 25/2. Articulo 49, 2009. Disponível em http://hdl.handle.net/10481/6906. Acessado em 25 de fevereiro de 2011. .El patrimonio como representación colectiva. La intangibilidad de los bienes culturales. Gazeta de Antropología, n 26/1. Artículo 19, 2010. Disponível em http://digibug.ugr.es/handle/10481/6799. Acessado em 25 de fevereiro de 2011. ARIAS, Patricio Guerrero. Usurpación simbólica, identidad y poder: la fiesta como escenario de lucha de sentidos. Série Magíster. Volume 51. Equador: Editorial AbyaYala, 2004. 166 p. Disponível em http://books.google.com/books?id=ic5fY0oyuYC&hl=es&source=gbs_navlinks_s. Acessado em 31 de março de 2011. . LA CULTURA. Estrategias conceptuales para comprender la identidad, la diversidad, la alteridad y la diferencia. Equador: Editorial Abya-Yala, 2002. 134 p. Disponível em http://books.google.com.br/books?id=6AoccVUxvGQC&source=gbs_navlinks_s. Acessado em 31 de março de 2011. AROCENA, Felipe; AGUIAR, Sebástian (edits). Multiculturalismo un Uruguay: ensayos y entrevistas a once comunidades culturales. Montevideo: Editora Trilce, 2007. 230 p. ARREGUINE, Victor. Historia del Uruguay. Montevideo: BiblioBazaar, 2008. 416 p. AYESTARÁN, Lauro. La música en el Uruguay. Montevideo: Serv. Oficial de Difusión Radio Electrica, 1953. BAROJA, Julio Caro. El Carnaval. Madrid, Alianza Editorial, 2006. 534 p. BARRAN, José Pedro. Historia de la sensibilidad en Uruguay: El disciplinamiento (1860-1920). Montevideo: Ediciones de la Banda Oriental, 2001. 335 p. BARRETTO, Margarita; BANDUCCI JR., Álvaro (Orgs.). TURISMO E IDENTIDADE LOCAL UMA VISÃO ANTROPOLÓGICA. Coleção Turismo. 5ª ed. Campinas: Papirus Editora, 2006. 208 p.


165

.Cultura e Turismo. Discussões contemporâneas. Coleção Turismo. Campinas: Papirus Editora, 2007. 176 p. BASTOS, Rogério Lustosa. Ciências humanas e complexidades: Projetos, métodos e técnicas de pesquisa. O caos, a nova ciência. 2. Ed. Rio de Janeiro: E-papers Serviços Editoriais, 2009. 146 p. BELLO, Ana Maria. Momo reina em Montevideo. IN Revista de paseo numero 1, agosto –setiembre 2009, pag. 16-20. Montevideo, Uruguay. BERAMENDI, Justo; BAZ, Maria Jesús (Edits). IDENTIDADES Y MEMORIAS IMAGINADA. València: Publicaciones de la Universitat de València, 2008. 275 p. BERNIER, Enrique Torres (Coord.). Estructura de mercados turísticos. Barcelona: Editorial UOC, 2006. 348 p. BETHELL, Leslie. HISTÓRIA DE AMÉRICA LATINA. AMÉRICA DEL SUR. DA INDEPENDÊNCIA ATÉ 1870. Volume 3. São Paulo: Edusp, 2001. 1016 p. . HISTÓRIA DE AMÉRICA LATINA. AMÉRICA DEL SUR. C. 1870-1930. Volume 10. Barcelona: Editora Crítica, 2000. 541 p. BOAS, Franz. CUESTIONES FUNDAMENTALES DE ANTROPOLOGÍA CULTURAL. Buenos Aires: Ediciones Solar, 1964. 278 p. BORDOLLI, Marita Fornaro. Repertorios de la murga hispanouruguaya: del letrista a la academia. Pandora. Revue d Etudes hispaniques, N 7, páginas 31-48, 2007. .“LOS CANTOS INMIGRANTES SE MEZCLARON...”La murga uruguaya: encuentros de orígenes y lenguajes. Revista Transcultural de Música. Barcelona: Sociedad de Etnomusicologia. N6, 2002. BRIDA, Juan Gabriel; LANZILOTTA, Bibiana; RISSO, Wiston Adrián. Turismo y crecimiento económico: el caso de Uruguay. PASOS. Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. Vol. 6 N 3. Págs. 481-492, 2008. Disponível em http://www.pasosonline.org/Publicados/6308/PS0308_7.pdf. Acessado em 16 de maio de 2011. BUEZO, Catalina (Ed.). LA MOJIGANGA DRAMÁTICA: De la Fiesta al Teatro. Volume 2. 2ª Ed. Edition Reinchenberger, 2005. 533 p. Disponível em http://books.google.com.br/books?id=3j3KOuttz2cC&dq=la+mojiganga+dram%C3%A 1tica&hl=pt-br&source=gbs_navlinks_s. Acessado em 18 de novembro de 2010. CAETANO, Gerardo; RILLA, José. Breve historia de la dictadura 1973-1985. Montevideo: Ediciones de la Banda Oriental. 1987. 151 p. CALLE, Manuel de la. La ciudad histórica como destino turístico. Barcelona: Editora Ariel, 2006. 302 p. Disponível em http://books.google.com.br/books?id=IjU0lcT0ikC&hl=pt-br&source=gbs_navlinks_s. Acessado em 17 de maio de 2011.


166

CANCLINI, Néstor García. No sabemos cómo llamar a los otros. IN Global/Local: democracia, memoria, identidades. In: FRANCO, Jean; ACHÚGAR, Hugo; D’ALESSANDRO, Sonia (Comp.). Serie: Políticas culturales: Estado y sociedad Civil. Montevideo: Ediciones Trilce, 2002. 239 p. CANDAU, Jöel. Memoria e Identidad. Série Antropológica. 1 ed. 1 reimp. Buenos Aires: Ediciones Del Sol, 2008, 200 p. Disponível em http://books.google.com.br/books?id=d9C7MA9BgvoC&hl=ptbr&source=gbs_navlinks_s. Acessado em 02 de junho de 2011. CARÁMBULA, Ruben. El Candombe. Montevideo: Ediciones Del Sol, 1985. 185 p. CARÓS, Joan Prat i. Nº4 Huesca, IAA, 1993. ISSN: 0212-5552. Revista temas de antropologia aragonesa. Disponível em antropologiaaragonesa.org/pdf/temas/4.14_El_carnaval.pdf. Acessado em 20 de setembro de 2011. CARRIZO, Luiz. CONTRAFARSA: murga, arte, sociedad. Montevideo: Ediciones Trilce, 2000. 127 p. CARVALHO, Maria Cecilia M. de (Org.). Construindo o saber: Técnicas de Metodologia Científica. 2. ed. Campinas, SP: Papirus Editora, 1989. 180 p. CASTELLS, Manuel. La era de la información: Economía, sociedad y cultura. EL PODER DE LA IDENTIDAD. VOL II. Cuarta edición en español. Buenos Aires: siglo xxi editores argentinos, s.a., 2003a. . A galáxia da internet: REFLEXOES SOBRE A INTERNET, OS NEGÓCIOS E A SOCIEDADE. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda, 2003b. 243 p. CHIRIMINI, Tomás Oliveira; VARESE, Juan Antonio. LOS CANDOMBES DE REYES. LAS LLAMADAS. Montevideo: Editora El Galeón, 2000. 252 p. CLEMENTE, Isabel. INFORME QUE HACER EDUCATIVO. Características sociales, políticas y culturales de la sociedad uruguaya, Montevideo. Fevereiro 2008. P. 95-97. COELHO Netto, José Teixeira (Org.). A cultura pela cidade. São Paulo: Iluminuras, 2008. 191 p. CORBIÈRE, Emilio P. El gaucho: desde su origen hasta nuestros dias. Buenos Aires: 2ª edição. Editorial Renacimiento, 1998. 256 p. COUTINHO, Iluska Coutinho; LEAL, Paulo Roberto (Orgs.) Identidades midiáticas: Memória e representação. Rio de Janeiro: Editora E-papers serviços editoriais ltda., 2009. 242 p.


167

CUETO, Danny González; ANGARITA, Martha Lizcano (Comps.) Leyendo el carnaval: miradas desde Barranquilla, Bahía y Barcelona. Barranquila: Ediciones Uninorte, 2009. 143 p. CUNHA, Nelly. La construcción del “país turístico” (1930-1955). II Jornadas de Investigación FCH. Noviembre, 2009. DEMASI, Carlos. LA LUCHA POR EL PASADO. Historia y nación en Uruguay (1920-1930). Montevideo: Ediciones Trilce. 2004. 159 p. . (Coord) Alemania y Uruguay: las décadas violentas. Montevideo: Ediciones Trilce; Instituto Goethe, 1999. 135 p. DEVOTO, Fernando; PAGANO, Nora (Edit). La historiografía académica y la historiografía militante en Argentina y Uruguay. Buenos Aires: Editorial Biblos, 2004. 217 p. DIVERSO, Gustavo. MURGAS: LA REPRESENTACION DEL CARNAVAL. Montevideo: Coopren, 1989. 94 p. FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995. 224 p. Disponível em < http://books.google.com.br/books?id=15__7hPkpIEC&hl=es&source=gbs_navlinks_s>. Acessado em 13 de outubro de 2010. FERREIRA, Felipe. O livro de ouro do carnaval brasileiro. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações, 2004. 421 p. FERREIRA, Maria Nazareth. As Festas Populares na Expansao do Turismo: a experiência italiana. São Paulo: Arte & Ciência, 2005. 264 p. Disponível em: http://books.google.com/books?id=ijb6jY9BTU0C&hl=es&source=gbs_navlinks_s. Acessado em 20 de setembro de 2010. GALEANO, Eduardo. AS VEIAS ABERTAS DA AMÉRICA LATINA. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. Pags. GARCÉ, Adolfo. Ideas y competencia política en Uruguay (1960-1973): revisando el "fracaso" de la CIDE. Montevideo: Ediciones Trilce, 2002. 168 p. GARCÍA, Pedro Goméz. MORÍN, Edgar (Coord). Las ilusiones de la identidad. Madrid: Cátedra Universitat de València, 2000. 307 p. Disponível em http://books.google.com.br/books?id=hwTMDJLW6XgC&dq=las+ilusiones+de+la+ide ntidad&hl=pt-br&source=gbs_navlinks_s. Acessado em 18 de novembro de 2010. GASTAL, Suzana; CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos (Orgs.). Turismo na pósmodernidade: (des)inquietações. PORTO ALEGRE, EDIPUCRS, 2003. 152 p. GEERTZ, Clifford. Conocimiento Local. Ensayo sobre la interpretación de las Culturas. Colección Paidós Básica. Barcelona: Editora Paidós, 1994. 297 p.


168

GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1999. 200 p. GOLDENBERG, Mirian. A ARTE DE PESQUISAR: COMO FAZER PESQUISA QUALITATIVA EM CIENCIAS SOCIAIS. 10. Ed. São Paulo: Editora Record, 1997. 107 p. GONZÁLEZ, Fernando. Montevideo Turístico. La diária digital, Montevideo, 11 maio 2010. Disponível em http://ladiaria.com/articulo/2010/5/montevideo-turistico/ . El Lanzamiento del carnaval y sus reflexiones. MDiario del Carnaval. Edición Impresa. Año. 6. Montevideo, p. 3, 31 de jan. 2011. GUILLÉN, María Isabel Cintas. Candombe Uruguayo. Revista Científica de Información y Comunicación. Universidad de Sevilla. n. 4, p. 88-107, 2007. Disponível em http://institucional.us.es/revistas/revistas/comunicacion/htm/indice4.htm. Acessado em 8 de agosto de 2010. GUTERRES, Liliane Stanisçuaski. La gente de Ansina. Perfomance, tradção e modernidade no carnaval da “Comparsa de Negros y Lubolos Sinfonía de Ansina” em Montevideo/Uruguai. Doutorado em Antropologia. Ano de Obtenção: 2003. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, Brasil. 440 p. HALL, Stuart. IDENTIDADE CULTURAL NA PÓS-MODERNIDADE. 11. Ed. Rio de Janeiro: PD &A, 2006. 102 p. HARARI, Pablo (Edit.). Papeles de Montevideo: literatura y cultura. Aproximaciones a la narrativa uruguaya posterior a 1985. Volume 2. Montevideo: Ediciones Trilce, 1997. 158 p. HERNÁNDEZ, Carlos. Charla de boliche con los 75 años de la murga Araca la Cana desde la imagen de su director responsable. MDiario del Carnaval. Edición Impresa. Año. 6. Montevideo, p. 6, set. 2010. N° 228 HERSHBERG, Eric; AGÜERO, Felipe (Comps). Memorias militares sobre la represión en el Cono Sur: visiones en disputa en dictadura y democracia. Colección Memorias de la represión. Madrid: Siglo XXI de España Editores, 2005. 212 p. IGNARRA, Luiz Renato. Fundamentos do turismo. Cengage Learning Editores, / pioneira thomson learning. Sao Paulo. 2003. 205 p. IRIGOYEN, Emilio. La pátria em escena. Estética y autoritarismo em Uruguay. Textos monumentos, representaciones. Montevideo: Ediciones Trilce. 2000. 166 p. JELIN, Elizabeth; LORENZ, Federico Guillermo (comps.). Educación y memoria. La escuela elabora el pasado. Colección Memórias de la Represión. Madrid: siglo veintiuno de España editores, s.a. 2004. 185 p. JEUDY, Henri Pierre; JACQUES, Paola Berenstein (Org.). Corpos e cenários urbanos: territórios urbanos e políticas culturais. Salvador: EDUFBA. 2006.


169

Disponível em http://books.google.com.uy/books?id=8quKg928aH8C&hl=es&source=gbs_navlinks_s. Acessado em 02 de setembro de 2010. JIMÉNEZ, Francisco Chacón; FRANCO, Juan Hernández (Edit.). Espacios sociales, universos familiares: la familia en la historiografía española. Murcia. Universidad de Murcia, Servicio de Publicaciones, 2007. 315 p. Disponível em http://books.google.com.uy/books?id=AJJryfncLfAC&hl=es&source=gbs_navlinks_s. Acessado em 31 de março de 2011. JUDD, Dennis R. EL turismo urbano y la geografia de la ciudad. Revista eure, pp. 55-62, Vol. XXIX, n 87, Santiago de Chile. 2003. KITCHICHIAN, Lilian. El Lanzamiento del carnaval y sus reflexiones MDiario del Carnaval. Edición Impresa. Año. 6. Montevideo, p. 3, 31 de jan. 2011. KOCH, Gisela Cánepa. Máscara, transformación e identidad en los Andes: la fiesta de la Virgen del Carmen Paucartambo-Cuzco. Fondo Editorial PUCP (Pontificia Universidad Católica del Perú), 1998, 349 p. Disponível em http://books.google.com/books?id=KWZzyUUOboQC&dq=koch&hl=es&source=gbs_ navlinks_s. Acessado em 12 de maio de 2011. LAMOLLE, Guillermo. Cual retazo de los suelos: anécdotas, invenciones y meditaciones sobre el Carnaval en general y la murga en particular. Montevideo: Ediciones Trilce, 2005. 136 p. LARAIA, Roque de Barros. Cultura, um conceito antropológico. 14ª ed. Rio de Janeiro: Joge Zahar Editores, 2001. 117 p. LOPES, Jorge. O Fazer do Trabalho Cientifico em Ciências Sociais Aplicadas. Recife: UFPE, 2006. 303 p. Disponível em http://books.google.com.uy/books?id=A321LE03ab8C&hl=es&source=gbs_navlinks_s. Acessado em 01 de maio de 2011. MARCHANTE, Joaquín Saúl G.; HERNÁNDEZ, María García; VINUESA, Miguel Ángel Troitiño. Destinos turísticos: viejos problemas ¿nuevas soluciones? España: Univ de Castilla La Mancha, 2008. 804 p. MARCHESI, Aldo. El Uruguay Inventado: la política audiovisual de la dictadura, reflexiones sobre su imaginario. Montevideo: Ediciones Trilce, 2001. 143 p. (comp.) et al. El presente de la dictadura: estudios y reflexiones a 30 años del golpe de Estado en Uruguay. Montevideo. Ediciones Trilce, 2004. 232 p. MARRERO, Walter Díaz. Llamadas de tambor y etnicidad. “Una máscara blanca sobre la memoria afrouruguaya” ANTROPOLOGÍA SOCIAL Y CULTURAL EN URUGUAY, Pag 99-104. Montevideo: Unesco Anuário 2006. MARTÍNEZ, Palma; GARCÍA, Burgos (Coord). La Fiesta em el mundo hispânico. Colección Estudios. Cuenca: Universidade de Castilla La Mancha, 2004. Disponível em


170

http://books.google.com.uy/books?id=DzDqgbQ7UVcC&hl=es&source=gbs_navlinks_ s MEC - MINISTÉRIO DE EDUCACIÓN Y CULTURA. CULTURAS AFROURUGUAYAS. Comisión Del Patrimonio Cultural De La Nación. Día del patrimonio 2007. 6-7 octubre de 2007. MINAYO, Maria Cecilia de Souza (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 27. Ed. Petrópolis: Vozes, 2008. 108 p. MINOIS, Georges. História do riso e do escárnio. São Paulo: UNESP, 2003. 654 p. Disponivel em http://books.google.com.br/books?id=b2w0rbIXUQC&dq=Hist%C3%B3ria+do+riso+e+do+esc%C3%A1rnio&hl=ptbr&source=gbs_navlinks_s>. Acessado em 08 de agosto de 2010. MINTURD – Ministério De Turismo Y Deporte Del Uruguay. Anuário 2010. Montevideo, 2010. Disponível em http://www.mintur.gub.uy/images/stories/pdf/estadisticas/2010/informeanual2010.pdf MOREIRA, Daniel Augusto. O método fenomenológico na pesquisa. 1ª reimp. da 1ª. ed. São Paulo: Pioneira Thompson Learning, 2002. 152 p. MUIR, Edward. Fiesta y rito en la Europa moderna. Madrid: Editorial Complutense, 2001. 388 p. OLAZA, Mónica. Ayer y hoy: afrouruguayos y tradición. Montevideo: Ediciones Trilce, 2009. 134 p. OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Cultura é patrimônio: um guia. 1ª ed. Rio de Janeiro, RJ: FGV, 2008. OMT – Organização Mundial do Turismo. Introducción al turismo. Madrid: 1998. PAES, Maria Tereza Duarte. “Patrimônio cultural, turismo e identidades territoriais: um olhar geográfico”. In: BARTHOLO, R.; SANSOLO, D. G.; BURSZTYN, I. (Org.) Turismo de base comunitária – diversidade de olhares e experiências brasileiras. Rio de Janeiro: Ed. Letra e Imagem; Ministério do Turismo, 2009. P. 162-176. Disponível em http://www.turismo.gov.br/export/sites/default/turismo/o_ministerio/publicacoes/downl oads_publicacoes/TURISMO_DE_BASE_COMUNITxRIA.pdf. Acessado em 05 de outubro de 2010. PCCCP. Programa de Competitividad de Conglomerados y Cadenas Productivas. Agosto, 2008. Disponível em http://www.diprode.opp.gub.uy/pacc/Conglomerado_TURMVD/Documentos_TURMV D/infocat.pdf. Acessado em 02 de junho de 2011. PERALTA, Elsa. O Mar Por Tradição: O Patrimônio e a Construção Das Imagens Do Turismo. IN Revista horizontes antropológicos. 2003. Outubro. Porto Alegre, ano 9. N. 20. P. 83-96.


171

PICCOTI C., Dina V. La Presencia Africana En Nuestra Identidad. Buenos Aires: Ediciones del Sol, 1998. 283 p. PIÑEYRÚA, Pilar. La transformación y la memoria en la cultura: el caso de la murga uruguaya. In Entrextos. Revista Electrónica Semestral de Estudios Semióticos de la Cultura. N° 5. Granada, Mayo 2005. PIZANO, olga et al. La fiesta, la otra cara del patrimonio. Valoración de su impacto económico cultural y social. Colombia: Convenio Andres Bello, 2004. 138 p. POLIMENI, Carlos. Bailando Sobre Los Escombros: historia crítica del rock latinoamericano. Buenos Aires: Editorial Biblos, 2002. 192 p. PRATS, Llorenc. Antropología y Patrimonio. Barcelona: Editora Ariel, 1997. 171 p. RAMA, Ángel; SOSNOWSKI, Saúl; MARTÍNEZ, Tomás Eloy. La crítica de la cultura en América Latina. 1985. Caracas: Biblioteca Ayacuho. 402 p. REMEDI, Gustavo. Del Carnaval como “metáfora” al teatro del carnaval. Latin American Theatre Review. Spring 2001. Pág 127-152. RIBEIRO, Ana. Montevideo, La Malbienquerida. Montevideo: Academia Nacional de Letras, 1997. 221 p. RICO, Álvaro; ACHÚGAR, Hugo (Comp.). Uruguay cuentas pendientes. Dictadura, memorias y desmemorias. Colección Desafios. Montevideo: Ediciones Trilce, 1995. 133 p. RODICIO, Emilio Casares; BARBIERI, Francisco Asenjo. Escritos. Música hispana – textos. Madrid: Editorial Complutense, 1994. Série Temáticas. Biografías. Disponível em http://books.google.com.br/books?id=cld0xHeiokC&printsec=frontcover&hl=es#v=onepage&q&f=false. Acessado em 18 de maio de 2011. RODRÍGUEZ, Jorge Romero. MBUNDO: Malungo a Mundele – Historia del Movimiento Afrouruguayo y sus Alternativas de Desarrollo. Montevideo: Rosebud Ediciones, 2006. 247 p. ROMERO, Graciela. Memorias y olvidos de nuestra identidad. In El Descubrimiento pendiente de América Latina: Diversidad de saberes en diálogo hacia un proyecto integrador. Memorias del 1er Foro Latinoamericano “Memoria e Identidad”. Signo – Centro Interdisciplinario, UNESCO, Universidad de la Rioja. Montevideo, outubro de 2005. SANS, Isabel. Identidad y globalización en el carnaval. Montevideo: Editora Fin de Siglo, 2008. 307 p.


172

SANTANA, Agustín. Antropología y turismo: ¿nuevas bordas, viejas culturas? Barcelona: Editora Ariel, 1997. 220 p. . Patrimonios culturales y turistas: Unos leen lo que otros miran. Revista Pasos. Vol. 1. Número 1 págs 1-12. 2003 . Patrimonio cultural y turismo: reflexiones y dudas de un anfitrión. Revista Ciencia y Mar, 6, pag. 37 -41, 1998. SANTOS, Vanice dos Santos; CANDELORO, Rosana J. Trabalhos acadêmicos: uma orientação para a pesquisa e normas técnicas. Porto Alegre: AGE. 2006, 149 p. SECHTIG, Daniela. Uruguay en el siglo XX. De la transición a la democracia. Seminar paper. 2005. 24 p. Siriso Fotografia SOHIET, Rachel. Reflexões sobre o Carnaval na historiografía – algumas abordagens. Revista Tempo, Rio de Janeiro, v. 4, n. 7, pp. 169-188, 1999. Disponível em <http://www.historia.uff.br/tempo/site/?page_id=11> Acesso em: 20 agosto 2010. SOUZA, Marcos Alves de. A cultura política do “batllismo” no Uruguai, 1903-1958. São Paulo: Annablume editora/Fapesp, 2003. 168 p. STRAUSS, Claude Lévi-. Antropología estructural: mito, sociedade, humanidades. Série Paidós Básica; 41.Barcelona: Paidós Editora. 1995. 428 p. TRISTÁN, Eduardo Rey (dir.). Memorias de la violencia en Uruguay y Argentina: golpes, dictaduras, exílios (1973-2006). Santiago de Compostela: Universidad de Santiago de Compostela. 2007. 382 p. . La izquierda revolucionaria uruguaya. Sevilla: Universidad de Sevilla, 2005. 472 p. UNESCO. Declaración De México Sobre Las Políticas Culturales. Conferencia mundial sobre las políticas culturales. México D.F. 6 de agosto de 1982. Disponível em http://portal.unesco.org/culture/es/files/35197/11919413801mexico_sp.pdf/mexico_sp.p df. Acessado em 04 de agosto de 2010. .Lista representativa do patrimônio cultural imaterial da humanidade, 2009. Disponível em http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001883/188328f.pdf. Acessado em 04 de agosto de 2010. VIDART, Daniel. El Espíritu Del Carnaval. Montevideo: EDICIONES DE LA BANDA ORIENTAL, 2001. 225 p. VILLALOBOS, Marco Antônio. Tiranos tremei!: ditadura e resistencia popular no Uruguai (1968-1985). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2006. Colecao Nova Et Vetera 9. 276 p. VIÑOLY, Federico Graña; PARASKEVAÍDIS, Nairí Aharonián. Murgas y Dictadura. Uruguay 1971-1974. Segundas Jornadas de Investigación. Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación. Universidad de la República. 1999.


173

ZEMELMAN, Hugo (Coord.). Cultura y política en América Latina. 2ª ed. Buenos Aires: siglo xxi editores argentina, s.a. 2004. 378 p. WALTER, Philippe. El Culto A Santo Antonio Y Su Leyenda En Europa. Revista Arxius de Sociologia. Valencia: Universidad de Valencia, Departamento de Sociologia i Antropologia Social; Instituto de Socioloiga i Antropologia Social, junho/1999. 147 – 157 N 3, Disponivel em < http://www.uv.es/~sociolog/arxius/arxius3.pdf>. Acessado em 10 de agosto de 2010.

WHITE, Leslie. La ciencia de la cultura. Un estudio sobre el hombre y la civilización. Colección Paidós Básica. Buenos Aires: Editorial Paidós, 1982. 408 p. Disponível em < http://books.google.com.br/books?id=I2exGV2t0AEC&dq=La+ciencia+de+la+cultura &hl=pt-br&source=gbs_navlinks_s>. Acessado em 23 de agosto de 2010.


174

ANEXO A As questões do questionário apresentadas foram: 1. Como você descreve o carnaval de Montevidéu? 2. Qual é sua relação com o carnaval de Montevidéu? 3. Como você caracteriza a identidade do montevideano? 4. Quais os elementos desta identidade estão presentes no carnaval, na murga? 5. Como você entende o processo de formação da identidade dos afrodescendentes no carnaval de Montevidéu? 6.

Que mudanças você percebe no carnaval nas ultimas décadas? Como as descreveria?

7. Qual a sua opinião sobre o carnaval como expressão de identidade local, e a difusão do candombe como patrimônio imaterial da humanidade? 8. Na sua opinião, como os meios de comunicação e o turismo alteraram o carnaval? 9. Qual sua opinião sobre o carnaval como produto turístico? 10. Você acredita que o carnaval é uma forma de comunicar o patrimônio via promoção turística? 11. Quais são as influencias que você percebe a partir do turismo no carnaval de Montevidéu?


175

ANEXO B

Cuplê los Charruas Composição: Yamandú Cardozo, Tabaré Cardozo e Carlos Tango Apresentado no carnaval de ano 2010.

Acá estaban los charrúas pura garra y corazón puro corazón y garra poca civilización

No te asían edificios y ninguna construcción no tenían calendario no tenían plantación

Los más revolucionarios en el plano cultural una cuerda con un palo era el arco musical

No tenían sacerdotes no tenían religión pero no tenían nada la puta que lo pario

Pero era un pueblo muy gentil con el que pasaba por ahí eran modestos y educados hicieron flor de asado cuando llego solis


176

ANEXO C

Cuplê Civilizaciones Vecinas Composição: Yamandú Cardozo, Tabaré Cardozo e Carlos Tango Apresentado no carnaval de ano 2010.

Parecemos gente tranqui, gente atenta y servicial pero es solo una apariencia, no se dejen engañar somos muy educaditos con un aire intelectual pero adentro reprimimos un asesino serial estamos a la defensiva, con el mundo en general pero con los argentinos, es asunto personal.

Los porteños nos adoran, pero somos gente vil y hace tiempo los odiamos, siempre hinchamos por brasil que envidiada vez los ves llegar con su autito nuevo a cancherear todo enero se te plantan y encima nos levantan, las pocas minas qe hay

Querido hermano argentino que te encuentras aqui presente, queremos pedirte un favor, ahora cuando bajemos del escenario no nos preguntes mas: uuuhhh la murgaa, cuando tocan las llamadas?. porque la murga no tocan las llamadas pelotudo

Uiiaah chicos, me encanto el sketch de los charruas, pero si es un cuplé boludoo Uiiaah que suerte arrancaron los carnavales, Es un carnaval solo y encima larguisimo, llueve dia por medio, la puta madre que lo pario.


177

Entre Brasil y Argentina la opresion los deformo, somos el gil de la clase Como tienen tanta gente, y al futbol juegan mejor, los cagamos a patadas -A quien a los brazucas o a los porte単os no me qeda claro, a cualquiera de los dos.

Cuando llega un pobre gringo pone un pie en la capital, lo despluman los tacheros, pa que aprenda a respetar, si queres llegar derecho desde el puerto al bulevard, le hacen una ruta corta: cerro, pardo, sol y mar. Un pais mas recentido y mas envidioso no hay, chucaro y acomplejado, pal turismo es ideal. Asi qe si andas pensando, en venir a veranear, venganse con la patrona, bienvenido al Uruguay.


178

ANEXO D

Saludo De La Reina De La Teja A Montevideo Letra: José Morgade Música: "A toi" Joe Dassin

Malvín, vieja barriada sin fin, junto al Buceo sientan el latir viejo Palermo, Barrio Sur gentil esperen siempre nuestra voz del Pantanoso con amor. Cordón, Cerrito lindo hermosa Comercial Reducto Franco y la Villa Muñoz, entrelacemos el cantar Punta Carretas se unirá. En Carrasco será, tal vez Nuevo Paris de que unamos el canto adquirido. Goes, Brazo Oriental, Capurrense feliz, llegaremos al Sayago amigo. Y en el Paso Molino hemos de recordar su verde prado que nos vio pasar, algún domingo que faltó la chiquilina del lugar. Llegar a nuestro hermoso grande Belvedere la misma brisa impulsa al Cerro fiel Villa Española, y Peñarol, Aduana hermosa que acunó en su pecho el soñar de aquel que al emigrar no esperaba ser tan bienvenido. Y a Maroñas triunfal, con la Aguada total nuestros lazos ya están compartidos. Borro, Piria y La Unión, Aires Puros, Colón


179

Piedras Blancas sentirรก el latido por ser del carnaval...


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.