Artigos de ciência, saúde e tecnologia publicados no Correio Braziliense

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Ciência

Editora: Ana Paula Macedo anapaula.df@dabr.com.br 3214-1195 • 3214-1172 / fax: 3214-1155

17 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, quarta-feira, 6 de abril de 2016

Erradicar e preservar Estudo mostra que a eliminação de mamíferos invasores — como ratos e gatos domésticos — é uma estratégia eficiente para proteger a biodiversidade em ilhas. No entanto, a medida, que muitas vezes exige práticas extremas, divide especialistas a lógica da natureza, cada ambiente deve ter a conta certa de predadores e caças para manter a diversidade e o equilíbrio ecológico. Por isso, quando animais exóticos ocupam e se reproduzem em ambientes despreparados para recebê-los, espécies nativas passam a correr risco de extinção — segundo ambientalistas, essa é a segunda maior causa do desaparecimento de bichos, atrás apenas da perda de hábitat. Em grande parte das vezes, por trás dessa perigosa invasão, está o homem. Ao ocupar determinada área, o ser humano leva consigo mamíferos como gatos, cães e cabras, além de favorecer a proliferação de ratos. Com o tempo, o aumento desses bichos se torna um enorme problema, especialmente em áreas restritas como ilhas. Nesses locais, sem ter para onde correr, espécies originais se tornam presas fáceis. O que fazer nesse caso? A resposta pode soar digna de pessoas que não se importam com animais, mas é defendida por ambientalistas sérios: eliminar a presença desses mamíferos introduzidos pelo homem. A medida causa polêmica porque, muitas vezes, a única forma de fazer isso é por meio do uso de armas de fogo, esterilização e envenenamento, ao lado de medidas como a proibição de que os habitantes criem ou abandonem animais nessas áreas.

Stephanie B. Borrelle/Universidade do Nordeste de Illinois

pessoas, concorda Sérgio Lucena. Por isso, busca-se evitar técnicas cruéis, como armas de fogo e iscas envenenadas, mas há questões econômicas e a amplitude de cada caso a serem levadas em conta. “Onde há populações invasoras pequenas, é possível capturar, castrar e levar para adoção. Mas, às vezes, são milhares de animais invasores. Nenhum biólogo, nenhum protetor da biodiversidade, sente prazer em sair matando animais, mas, em determinados casos, é essa a solução”, enfatiza Lucena.

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Benefícios Um recente estudo, conduzido pela Universidade do Nordeste de Illinois em parceria com a organização não governamental Island Conservation, ambas nos Estados Unidos, traz argumentos para os defensores da intervenção radical. No trabalho, publicado na revista especializada Pnas, a equipe revisou pesquisas e dados de erradicação de animais invasores em dezenas de ilhas oceânicas, boa parte iniciada na década de 1970. Os resultados mostraram que 236 espécies nativas terrestres foram diretamente beneficiadas pelas 251 ações de erradicação de mamíferos em 181 ilhas. Com a medida, nenhuma espécie saiu da categoria de “risco de extinção” para “alto risco de extinção” na Lista vermelha, da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), o que, segundo os autores do estudo, sinaliza um ganho diretamente relacionado à erradicação. “Nós sabíamos que a erradicação de mamíferos invasores era uma ferramenta de conservação poderosa, mas essa é a primeira vez que os benefícios foram quantificados

Conscientização

A ave storm-petrel, típica da Nova Zelândia: animal foi classificado como criticamente em perigo depois da invasão de ratos em seu hábitat

Às vezes, são milhares de animais invasores. Nenhum biólogo, nenhum protetor da biodiversidade, sente prazer em sair matando animais, mas, em determinados casos, é essa a solução”

Se ações de mitigação tivessem sido instauradas a tempo, prevenir-se-iam o sofrimento e a morte de animais. O manejo não letal deve ser priorizado sempre”

Sérgio Lucena, biólogo e professor da Universidade Federal do Espírito Santo

Rosangela Ribeiro, gerente de Programas Veterinários da World Protection Animal Brasil

Biodiversidade As ilhas são um alvo importante de conservação porque abrigam cerca de 15% da biodiversidade do planeta. Elas também representam 61% dos registros de extinções causados por espécies invasoras. Na lista vermelha da IUCN, aproximadamente 37% das espécies classificadas como “criticamente em perigo” são nativas de ilhas oceânicas.

em escala global”, diz Holly Jones, líder da pesquisa e professora-assistente em ciências biológicas na Universidade do Nordeste de Illinois. De acordo com os cientistas, nos últimos 40 anos, foram feitas mais de 1,1 mil tentativas de erradicação de animais, das quais 700 deram certo. As espécies que mais colocaram outras em risco foram gatos, cabras e ratos, esses últimos presentes em 80% a 90% das ilhas do mundo. Nos casos em que a eliminação desses mamíferos foi eficaz, os pesquisadores observaram que houve recolonização, reintrodução e aumento de populações de animais, incluindo alguns seriamente ameaçados, como as aves storm-petrel, da Nova Zelândia, ameaçadas por ratos; e magpie-robin-de-seicheles, encontrada em Madagascar e vítima de gatos invasores.

Ações realizadas no Brasil mira da erradicação, segundo artigo de Nilber Silva e Ruy Alves, publicado na revista especializada Rodriguésia, associada ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Outro caso recente de eliminação de bichos é o dos búfalos selvagens na reserva do Vale do Gu aporé (RO). Em março, o governador do estado, Confúcio Moura, sancionou a Lei nº 3.771, que autoriza e regulamenta o abate de 5 mil búfalos. A lei é baseada em estudo de 13 instituições detalhando o desequilíbrio ecológico na região e destacando que os búfalos ameaçam mamíferos, répteis e a flora da reser va biológica, além de serem vetores da febre aftosa. Após avaliação sanitária, a carne dos animais poderá ser comercializada.

Apesar de inimaginável para alguns donos de gatos e cães, boa parte dos bichos domésticos conserva hábitos de caça instintivos. Se ficam livres, esses animais podem entrar em parques e reservas ambientais, causando sério desequilíbrio ecológico. Nas ilhas, são ainda mais ameaçadores. “As ilhas têm histórico evolutivo diferente. Grande parte das aves nativas não voa e não possui estratégias para se defender de ratos, gatos e cães”, explica Sérgio Lucena, biólogo e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Lucena, que ajudou a implementar projetos de conservação e recuperação da Mata Atlântica, lembra que é recente a atenção dada aos animais invasores como uma estratégia de conservação da natureza. Nas áreas nacionais

monitoradas por sua equipe, por exemplo, há pouco tempo foi descoberta a presença de cães. “Esses animais caçam determinadas espécies e se encontram em grande número. Muitas vezes são de pessoas que moram vizinhas a áreas de conservação.” Segundo Enrico Bernard, professor de biologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a erradicação de mamíferos é uma medida drástica, à qual se deve recorrer quando a situação foge do controle. “É a última alternativa, aplicada quando outras tentativas, como castração e criação de zonas livres, não dão certo”, explica. “As pessoas não entendem que, em algumas situações, é preciso erradicar, visando à proteção de espécies. Isso é quase um tabu”, completa. Por envolver animais domésticos, a erradicação é mesmo um tema sensível à maioria das

Antonio Cunha/Esp.CB/D.A Press - 26/11/13

Olhos D’água Em Brasília, o Instituto Brasília Ambiental (Ibram), em parceria com o Proanima, conseguiu realizar entre 2013 e 2014 a retirada total de coelhos abandonados no Parque Olhos d’Água, na 214 Norte. Foram aproximadamente 15 animais capturados, esterilizados e levados para adoção. “Muitas vezes esses animais são comprados para dar de presente a crianças na Páscoa e depois são soltos nos parques”, diz Ana Nira, coordenadora de Fauna do Ibram. Segundo ela, ainda há no parque uma superpopulação de tartarugas-tigre-d’água, naturais do Rio Grande do Sul e dos Estados Unidos, que disputam a sobrevivência com peixes e patos na pequena Lagoa do Sapo.

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Entre os casos de erradicação de espécies estudados pela equipe dos Estados Unidos, está o do arquipélago de Trindade e Martim Vaz, localizado a aproximadamente 1,2 mil quilômetros a oeste do estado do Espírito Santo, onde habitaram rebanhos de porcos, cabras e jericos abandonados por colonos açorianos em meados de 1780. Na Ilha da Trindade, apenas as cabras sobreviveram, até serem erradicadas por um programa da Marinha do Brasil em 2005. A partir dessa ação, pesquisadores locais notaram a regeneração da vegetação nativa, que havia sido devastada, e a recolonização de espécies de pássaros marinhos. Atualmente, permanecem no arquipélago apenas camundongos considerados invasores e que já se encontram na

Instinto

Na visão da bióloga Simone Lima, diretora-geral da Associação Protetora dos Animais do Distrito Federal (Proanima), a erradicação de animais é uma medida antiética, do ponto de vista dos direitos dos animais, e não é eficiente, uma vez que existe a irresponsabilidade humana. “Não adianta erradicar se o entorno da área de conservação é habitado por humanos. Os bichos invadem porque os humanos soltam lá. O que se deve fazer é conscientizar a população sobre a guarda responsável, fazer a castração dos animais.” Com posicionamento semelhante, a gerente de Programas Veterinários da World Protection Animal Brasil, Rosangela Ribeiro, destaca que as soluções de controle populacional de animais invasores devem ser acompanhadas do trabalho de conscientização para evitar o abandono de bichos. “É importante ressaltar que, se ações de mitigação tivessem sido instauradas a tempo, prevenir-se-iam o sofrimento e a morte de animais”, enfatiza. “O manejo não letal deve ser priorizado sempre, e qualquer abordagem escolhida deve seguir princípios éticos e humanitários. Não é justo que os animais sejam responsabilizados e punidos por problemas da nossa sociedade”. Holly Jones, autora da pesquisa publicada na Pnas, defende que, no caso das ilhas, a erradicação de animais invasores é a solução mais eficiente. “Você pode economizar muito da biodiversidade do mundo com uma intervenção relativamente simples”. Para Nick Holmes, coautor do estudo e diretor de Ciência da Island Conservation, nos últimos anos tem crescido o número de projetos de erradicações de mamíferos invasores em áreas insulares, pois aumentou o reconhecimento dos benefícios da intervenção. “Para algumas espécies, remover a ameaça de mamíferos invasores é tudo o que precisa ser feito para haver um impacto positivo.”

Ação de remoção de coelhos do Parque Olhos D’Água, na Asa Norte: abandono perigoso


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Saúde

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16 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, domingo, 26 de junho de 2016

Precisamos falar sobre a hanseníase Após pesquisa com 122 pacientes, cientistas concluíram que o preconceito e a falta de informação fazem com que o Brasil tenha um dos piores quadros de enfrentamento à doença infecciosa no mundo. A falta de treinamento profissional também é um dificultador Marcelo Ferreira/CB/D.A Press

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Brasil, os pesquisadores notaram que muitas pessoas sofrem durante anos com a hanseníase até procurar ajuda médica. Um dos motivos é que se trata de uma doença que pode ser confundida com alergias, micoses e outras complicações da pele (veja infográfico). De acordo com os dados levantados, 45,1% do total de entrevistados não buscaram um especialista por não terem considerado os sintomas sérios. Praticamente todos os participantes, 121 (99,1%), disseram que esperaram pelo menos cinco anos para ir ao médico desde a aparição dos primeiros sinais da hanseníase. Entre os motivos, está o medo do isolamento social e da internação — o número de pacientes que suspeitavam estar com a doença e tardaram na busca por um médico por medo é 10 vezes maior do que o número de pacientes que demoraram, mas não tinham o mesmo receio. Uma das explicações para esse receio são as antigas colônias de isolamento: pequenos vilarejos, com um centro hospitalar e moradias, criados para pessoas infectadas pelo bacilo de Hansen. Até as primeiras décadas do século 20, os infectados eram isoladas compulsoriamente em sanatórios, asilos e colônias, prática que começou a ser abolida na década de 1980. Segundo Artur Custódio, vice-coordenador nacional do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), das centenas de colônias construídas no Brasil, restam 30, que continuam servindo de abrigo a pacientes.

Casos caem, mas não chegam à meta Pelos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), a partir deste ano, os p a í s e s t ê m q u e a p re s e n t a r uma proporção de menos de um caso de hanseníase para cada 10 mil habitantes. Em 2014, segundo o último levantamento do Ministério da Saúde (MS), o Brasil registrou o índice de 1,56 casos, ficando atrás apenas da Índia,

segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Rosa Castália, coordenadora de Hanseníase e Doenças em Eliminação do MS, diz que os dados preliminares de 2015 indicam uma redução nos diagnósticos, o que faz o Brasil se aproximar da meta estabelecida no acordo internacional. “Ainda não temos uma declaração oficial porque os dados

99% Dos pacientes entrevistados esperaram pelo menos cinco anos para ir ao médico depois que perceberam os primeiros sintomas da hanseníase

Colônia de pacientes em Senador Canedo (GO): o isolamento histórico dificulta a busca por ajuda médica Esses espaços são protegidos por resolução da ONU, aprovada no ano passado, que também estabelece indenização às vítimas da política de isolamento. “Os atuais moradores são idosos, muitos sofrem de limitações causadas pelos anos em que a cura da doença era desconhecida. Eles criaram vínculos com os outros pacientes e passaram grande parte da vida nesses lugares”, diz Custódio, que critica tentativas de terceirização dos hospitais e venda das moradias. “Os governos deveriam investir na melhoria dos hospitais das antigas colônias, transformando em centros de saúde para reabilitação ou de atenção aos idosos”, sugere.

precisam ser certificados. Mas chegamos muito perto da meta”, garante. Em 2014, foram 31.064 novos casos da infecção no país, uma redução de 38,5% se comparada aos 50.565 diagnósticos de 2004. No Brasil, a hanseníase está concentrada em 40 municípios dos estados de Mato Grosso, Pará, Maranhão, Tocantins, Rondônia e Goiás, que reúnem mais de 80% dos casos diagnosticados da doença.

Diagnóstico errado Mais um agravante do quadro é a má formação de médicos

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á 16 anos, líderes se reuniram na sede das Nações Unidas, nos EUA, para estabelecer um pacto, que ficou conhecido como Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), cuja meta era reduzir a pobreza no mundo. Esse acordo tem oito objetivos que deveriam ser cumpridos até dezembro de 2015; entre os quais, a eliminação da hanseníase. Com o prazo esgotado, o Brasil apresentou à comunidade internacional dois resultados embaraçosos: é o único país signatário do tratado que não conseguiu eliminar a doença e também o único que continua registrando novos casos a cada ano (Leia mais nesta página). Buscando compreender quais as principais dificuldades enfrentadas no Brasil para acabar com a disseminação da hanseníase, pesquisadores do Instituto Lauro de Souza Lima (SP), da Faculdade de Medicina de Marília (SP), do Centro de Referência em Tuberculose e Hanseníase (MT) e da Universidade de Birmingham (Inglaterra) indicam um fator determinante para a permanência da infecção no país. Segundo eles, existe um desconhecimento sobre o que é a doença tanto entre os pacientes quanto entre os médicos. Detalhes dessa análise foram divulgados na revista Plos Neglected Tropical Diseases, assim como o alerta de que essa falta de informação é decisiva por retardar o diagnóstico, além de cultivar medo e preconceito. Por meio de entrevista com 122 pacientes das instituições de referência em hanseníase no

O fim do isolamento compulsório, no entanto, não impede que os pacientes temam a solidão social e, por isso, deixem de procurar ajuda médica.“Persiste esse medo. Ninguém quer se aproximar de um ‘leproso’ em casa ou no trabalho. Ainda há um conceito errôneo de que não existe cura para a doença e poucos sabem que, se o tratamento começar, a transmissão cessa”, diz Noêmi Galan, médica do Instituto Lauro de Souza Lima e coautora do estudo. A médica ressalta que, após ser diagnosticada a hanseníase, o paciente se torna resistente a

revelar a condição, inclusive, para pessoas com quem tem contato frequente. Além das consequências psicológicas, a postura pode até contribuir para a disseminação da doença, uma vez que existe o risco, mesmo baixo, de transmissão da enfermidade quando o tratamento não foi iniciado. Criação de centros especializados, ensino e treinamento de profissionais de saúde, melhoria das condições de vida da população e investimento em pesquisas científicas estão entre as estratégias apontadas por especialistas para romper com os preconceitos em torno da hanseníase. Letícia Maria Eidt, assessora do Departamento de

Hanseníase da Sociedade Brasileira de Dermatologia, reforça a necessidade de investir em informação para reverter o problema detectado pelo estudo conduzido pelas instituições brasileira e britânica. “Tudo o que a gente desconhece causa medo. Por isso, é importante desmistificar a doença, mostrando que o isolamento e a discriminação não fazem parte do tratamento. Precisamos apresentar bem, e de forma descomplicada, vários aspectos da hanseníase para convencer o paciente a seguir o tratamento até o final, porque os remédios da poliquimioterapia não curam sozinhos”, defende.

para o diagnóstico precoce da doença, quando há ainda apenas manchas na pele. Segundo relato de 42% dos pacientes entrevistados no estudo divulgado na Plos Neglected Tropical, embora eles tenham buscado ajuda quando surgiram os sinais iniciais, foram diagnosticados erroneamente com reumatismo, micose e alergia. “O único sintoma que foi reconhecido entre os clínicos e associado rapidamente à hanseníase foi a lesão de pele com perda de sensibilidade. Embora a prevalência da lepra tenha diminuído nos últimos

anos, essa doença ainda é endêmica no Brasil. Então, é surpreendente que outros sintomas não tenham sido reconhecidos. Isso indica que é necessário mais conhecimento sobre os sintomas pelos profissionais de saúde e pela população”, obser va Mar y Henry, pesquisadora da Universidade de Birmingham e participante do estudo. De acordo com Noêmi Galan, médica do Instituto Lauro de Souza Lima e coautora da pequisa, uma grande parte dos médicos brasileiros começa a atender nas redes básicas de saúde sem ter

estudado sobre a hanseníase durante a graduação. Em geral, apenas dermatologistas possuem conhecimento necessário para examinar e diagnosticar pacientes logo no início da doença. No entanto, esses profissionais são raros nos centros de saúde pública, principalmente nas cidades em que há maior incidência da patologia. “Além de o acesso ao sistema de saúde ser ainda muito precário no Brasil, a hanseníase é negligenciada de várias formas, inclusive no currículo de ensino dos profissionais de saúde”, critica.

Impacto social


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Saúde

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14 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Blindados contra o derrame cerebral Estudos apresentados em congresso americano trazem drogas que podem ser a chave na prevenção ao AVC. Em um deles, vacina testada em ratos estabilizou a pressão sanguínea e aumentou a quantidade de proteínas que protegem os neurônios

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pivô no tratamento da hipertensão e também associado ao AVC isquêmico. “Embora haja estudos que apliquem a vacina para tratar a hipertensão, até o momento, não foi dada atenção à sua eficácia sobre o AVC isquêmico”, destacaram os cientistas. Para sanar essa lacuna, eles dividiram ratos hipertensos em dois grupos: um com 53 roedores que receberam a vacina, o outro com 41 que receberam compostos de sal. Os cientistas provocaram derrame em todas as cobaias. Em seguida, mediram, no sangue e no cérebro delas, os níveis do anticorpo estimulado pela vacina para controlar a ação da angiotensina II. Observaram que, comparados aos ratos com baixos níveis do anticorpo no sangue, os animais com altas taxas possuíam mais estruturas de defesa no tecido funcional do cérebro em que ocorreu o AVC. Nesse local, esses ratos apresentaram também menos danos no cérebro, com menor quantidade de neurônios prejudicados. Os benefícios da vacina foram comemorados por especialistas brasileiros, que apostam em mais análises para confirmar os mesmos resultados em humanos. “A equipe japonesa trouxe um protótipo com menos efeitos colaterais e mais duradouro em animais. A expectativa é de que a vacina se mostre como uma nova modalidade no tratamento da hipertensão, o

Regulador A angiotensina II é um potente hormônio vasoconstritor, que age na contração dos vasos sanguíneos. Trata-se de um importante sistema de regulação da pressão sanguínea e das funções do organismo, mas pode se tornar nocivo quando desregulado por outras substâncias ou por causas genéticas.

que também previne os desfechos dessa doença, que são o infarto e o derrame”, avalia o cardiologista Marcus Bolívar Malachias, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia e professor da Faculdade de Ciências Médicas da Fundação Lucas Machado, em Minas Gerais.

Sistemas ligados O cardiologista lembra que, há aproximadamente cinco anos, foi desenvolvida e testada em humanos outra vacina para o tratamento da hipertensão. Segundo Malachias, a droga mostrou-se eficaz em uma pequena quantidade de voluntários, mas não chegou a ser liberada devido à curta durabilidade dos efeitos — seriam necessárias aplicações mensais — e pelo fato de pouco se saber sobre os efeitos colaterais a longo prazo. “O sistema angiotensina interage com outros, como o nervoso e o renal. Quando tomo um medicamento, ele não age apenas em um sistema. Por isso, é necessário todo o cuidado para aperfeiçoar esses protótipos”, ressalta. Com opinião semelhante, José Francisco Kerr Saraiva, professor de cardiologia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e coordenador de Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia, observa que os resultados apresentados pela equipe do Japão são um alento para o controle da hipertensão e a prevenção do AVC, porém são necessários mais estudos, salienta. “São resultados gratificantes e auxiliam para que se chegue ao uso em humanos. Desenvolver produtos que possam acrescentar nas terapias é essencial,

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esponsável por 108 mil mortes por ano no Brasil, o acidente vascular cerebral (AVC) pode ser evitado, principalmente, por mudanças de hábito: reduzir peso, regular a dieta e livrar-se do tabagismo, por exemplo. Cientistas do Japão trazem um reforço farmacológico ao desafio. Eles apresentaram na Conferência Internacional da Associação Americana do Derrame, semana passada, em Los Angeles, resultados de uma vacina que evita o AVC e ameniza os efeitos dele. Após anos de estudo em roedores, os pesquisadores das universidades de Tóquio, de Osaka e de Medicina e Medicina Dentária de Tóquio observaram que a droga proposta estabiliza a pressão dos vasos sanguíneos por mais tempo e também protege os neurônios, o que diminui as sequelas e mortes decorrentes do derrame cerebral (veja infográfico). “A vacina é duradoura, possui efeito anti-inflamatório e se mostra capaz de proteger o cérebro após o bloqueio de um vaso sanguíneo. Tem o potencial de ser uma terapia para a pressão alta e uma prevenção do AVC”, afirmou o time de cientistas em nota sobre a pesquisa. A descoberta sobre a capacidade da droga de proteger o cérebro do AVC veio de uma curiosidade sobre os efeitos da vacina no cérebro. Em princípio, ela foi elaborada para diminuir a atividade do hormônio angiotensina II, um

A expectativa é de que a vacina se mostre como uma nova modalidade no tratamento da hipertensão, o que também previne os desfechos dessa doença, que são o infarto e o derrame” Marcus Bolívar Malachias, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia

especialmente porque a hipertensão é o principal fator de risco associado ao AVC.”

Anticoagulante Em outro estudo apresentado na Conferência Internacional da Associação Americana do Derrame, pesquisadores do Northwestern Memorial Hospital em Chicago, nos Estados Unidos, confirmaram a eficácia da substância idarucizumab, que reverte os efeitos do anticoagulante à base de dabigatrana. O resultado oferece mais segurança a quem sofre de fibrilação atrial e trombose, pessoas que geralmente precisam ingerir anticoagulantes para evitar, por exemplo, a formação de coágulos no sangue — principal causa do AVC isquêmico.

Há, porém, um grave efeito colateral dessas substâncias: ao “afinar” o sangue, elas podem provocar hemorragias, externas ou internas, levando até mesmo ao AVC hemorrágico. Para evitar os sangramentos, estudiosos desenvolveram um antídoto, o idarucizumab, que está na terceira fase de testes, focados em eficiência e segurança. Nessa etapa, os cientistas conduziram testes em 18 pacientes com idade média de 79 anos e vítimas de sangramento cerebral. Os resultados foram estimulantes: os pacientes apresentaram total reversão do efeito de “afinar” o sangue provocado pelo anticoagulante, uma forma imediata de pôr fim à hemorragia. “O que esperamos com esse estudo é que, ao reverter o efeito de promover o sangramento, evitemos também a ocorrência de todos os tipos de sangramentos associados à dabigatrana”, explicou, em entrevista ao Correio, o líder do estudo e diretor do programa de derrame do Northwestern Memorial Hospital em Chicago, Richard A. Bernstein. De acordo com o cardiologista José Francisco Kerr Saraiva, os dados obtidos trazem importante avanço no tratamento da fibrilação atrial e da trombose, doenças medicadas com dabigatrana. “Esse anticoagulante é mais eficaz na prevenção do AVC isquêmico e mais seguro do que a substância utilizada antes, a varfarina. Com a dabigatrana, o risco de sangramento cerebral caiu em 70%, mas ainda existe”, ressalta o especialista. “A partir do idarucizumab, o paciente tem segurança para ingerir o anticoagulante porque, se sofrer um acidente e precisar de uma cirurgia urgente, terá como diminuir o sangramento”, compara.

Para saber mais

Fórmula protetiva Cientistas do Centro Médico de Langone, da Universidade de Nova Iorque (EUA), chegaram a uma fórmula para evitar o acidente vascular cerebral (AVC). Segundo eles, dormir de sete a oito horas por noite e se exercitar por 30 minutos a uma hora de três a seis vezes por semana reduz significativamente as chances de um adulto sofrer um derrame. A receita preventiva também foi apresentada na Conferência Internacional da Associação Americana de Derrame. Para chegar a esse resultado, os pesquisadores fizeram uma análise computadorizada relacionando saúde, estilo de vida, demografia e outros fatores relativos a 288 mil adultos. Os cientistas analisaram dados de 2004 a 2013 e concluíramqueaquelesquedormiam entre sete e oito horas por noite tinham 25% menos chances de sofrer um derrame.Entre os que dormiam mais de oito horas, porém, os riscos de ter a complicação subiam para 146%. Por sua vez, aqueles que descansavam menos de sete horas por noite apresentavam 22% mais chances de serem acometidos pelo AVC. “Alguns de nós olhamos o sono como o inimigo, aquele que está nos impedindo de realizar as coisas. Mas crescem as evidências de que, quando se torna uma escolha de vida saudável, o sono suficiente é o terceiro pilar, junto com a dieta balanceada e os exercícios regulares”, declarou Azizi Seixas, principal autor da pesquisa.


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Tecnologia Inovação

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12 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, segunda-feira, 11 de abril de 2016

Da conta de mais A

ninguém Empresas que trabalham com a comunicação pela internet investem cada vez mais em sistemas de criptografia, cuja função é assegurar a privacidade dos usuários. Especialistas explicam como funciona essa proteção, recentemente adotada pelo WhatsApp Laszlo Balogh/Reuters - 28/2/13

Centro de criptografia na Ucrânia: embora robustos, sistemas são vulneráveis merecem segurança. Estamos felizes por fazer a nossa parte em manter as informações pessoais fora das mãos de hackers e de cibercriminosos”, disse em sua página do Facebook Jan Koum, fundador e CEO doWhatsApp.

Proteção Outras empresas de compartilhamento de dados já ofereciam criptografia de ponta a ponta aos seus usuários, como o Skype e o Signal, concorrente do WhatsApp. Em sites como Facebook e de internet banking, uma indicação de que há criptografia é o cadeado seguido do endereço “https”, além da solicitação de senhas, o que significa que a movimentação do usuário tem alguma proteção contra invasores. De acordo com Artur Ziviani, membro sênior do Instituto de Engenheiros Elétricos e Eletrônicos (IEEE), os desafios em cibersegurança são cada vez maiores, especialmente com a expansão do conceito de internet das coisas, ou seja, a integração de equipamentos como carros e eletrodomésticos com a rede. “Nesse contexto, o desafio

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criptografia nasce da necessidade de trocar informações particulares sem que bisbilhoteiros e aproveitadores acessem o conteúdo das mensagens. Com o aumento do número de usuários na internet e das praticidades oferecidas pelo meio digital, como compartilhamento de informações e transações bancárias, cresce também a demanda por mais segurança. Dessa forma, para conquistar credibilidade e a confiança de seus clientes, empresas têm investido cada vez mais em sistemas de proteção de dados. A técnica, no entanto, não é nova. Desde o Egito Antigo, em meados de 1900 a.C., inscrições com hieróglifos posicionados fora do padrão formavam uma espécie de código. Outra aplicação recorrente da criptografia aconteceu durante os períodos de guerra, quando os países aliados trocavam mensagens cifradas sobre estratégias de combate. Assim, a interceptação dessas mensagens nem sempre trazia vantagens aos inimigos, que precisavam investir tempo para acessar o conteúdo das comunicações, muitas vezes em vão. E, para além do uso militar, a codificação de textos também tem uma utilidade mais romântica, como na troca de declarações entre amantes impedidos, ou na resistência contra regimes ditatoriais. Em todas essas situações, o denominador comum da criptografia é a segurança individual. Com base nesse argumento, ocorreu na semana passada a atualização do serviço de mensagens pela internet WhatsApp, que tornou as conversas e chamadas criptografadas de ponta a ponta, o que, segundo comunicado da empresa, assegura que “nem hackers, nem criminosos, nem regimes opressores, nem nós (funcionários)” podem ter acesso aos conteúdos trocados via o aplicativo. Isso quer dizer que, no momento em que um usuário instala ou atualiza o aplicativo para a última versão, recebe chaves de encriptação, as quais são disponibilizadas também aos seus contatos que possuem a mesma versão do programa, tornando a conversa sigilosa (veja mais no quadro acima). De acordo com um comunicado do WhatsApp, essa encriptação é feita automaticamente, dispensando digitar senhas ou ativar configurações. A lógica do sistema pode ser simplificada assim: quando um usuário envia uma mensagem já criptografada ao destinatário, essa mensagem fica armazenada em um banco de dados, o que garante que o destinatário receba o conteúdo caso não esteja conectado à internet naquele momento. No instante em que a mensagem é recebida, esse conteúdo desaparece do banco de dados da empresa.“As pessoas

fundamental parece-me ser incorporar níveis adequados de segurança, o que requer necessariamente mais complexidade.” Ziviani também observa que outro grande desafio dos desenvolvedores de segurança na web é “conseguir maiores níveis de segurança sem comprometer em excesso a flexibilidade do usuário.” A criptografia, contudo, ainda que pareça, não é inquebrantável. Mas, de acordo com Hélio Guardia, professor do Departamento de Computação da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), decifrar uma proteção digital é um esforço que exige computadores de grande desempenho, pois os sistemas atuais são, em geral, de algorítimos com aproximadamente 2 mil caracteres. “É um trabalho possível para um conjunto de computadores. Mesmo assim, levaria meses para decifrar, porque é necessário experimentar várias combinações.” Nesse sentido, Sérgio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e pesquisador em mídias digitais e cibercultura, pondera sobre a impecabilidade da criptografia. “Em segurança da informação, não existe

uma totalidade de proteção. É seguro até que alguém quebre”, afirma. Ziviani nota que, para reforçar a segurança, é fundamental a tomada de consciência dos usuários sobre a proteção de seus dados na internet. “É importante buscar senhas mais fortes e menos óbvias, bem como se preocupar com a verificação do uso de sites confiáveis, ou ao menos buscar comunicações cifradas para evitar vazamento de informações sensíveis ou pessoais. Quanto à privacidade, é importante o cidadão ter consciência do quanto ele se expõe na rede, por exemplo, em redes sociais on-line.”

Preocupações

Dois coelhos

A Lei nº 12.965 de 2014, conhecida por Marco Civil da Internet, estabelece garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, entre eles a proteção à privacidade, a liberdade de expressão e a garantia de neutralidade da rede, que determina aos provedores de internet não interferir ou distinguir os dados que circulam pela rede — por exemplo, beneficiar o tráfego de um site em detrimento de outro.

Uma das explicações para que a atualização de criptografia ponta a ponta do WhatsApp tenha ocorrido agora, cinco anos após sua criação, é a possibilidade de que instituições governamentais façam solicitações judiciais de acesso às informações de usuários, como ocorreu no recente conflito entre a Apple e o FBI, nos Estados Unidos. A polícia americana pediu à empresa da maçã que divulgasse dados de conversas de um usuário suspeito durante uma investigação sobre terrorismo. A Apple, que utiliza criptografia de ponta a ponta, se negou à divulgação e à criação de uma backdoor (chave-mestra para decifrar a criptografia), sob a alegação de que tornaria a segurança de milhões de usuários vulnerável à ação de hackers. “As empresas não querem perder a confiança do usuário. Elas não vão entregar os dados para qualquer pessoa que consiga uma interceptação, mesmo legal. Dessa forma, elas se resguardam se receber um pedido, pois o processo de decifrar uma mensagem não é reversível se não tiver a chave, que está com o usuário”, explica Hélio Guardia. “Se o WhatsApp instalou um protocolo como o anun-

Em pesquisa realizada entre fevereiro e março, a IEEE sondou 1.903 internautas e revelou que 49% dos entrevistados não confiam suficientemente na nuvem e preferem armazenar seus conteúdos em computadores pessoais. Ainda nessa pesquisa, 46% dos entrevistados apontaram que a maior preocupação com movimentações bancárias em plataformas móveis é o hackeamento das informações.

Garantias

ciado, sem implementação de backdoors, é de fato bastante seguro”, completa Sérgio Amadeu. Segundo ele, que colaborou na construção e na discussão do texto do Marco Civil da Internet, todos os cidadãos têm o direito de usar criptografia para segurança própria e privacidade. O pesquisador faz referência ao clássico pensador Thomas Hobbes, que orientava os cidadãos a abrirem mão de suas liberdades para garantir a própria segurança. “Não devemos abrir mão da nossa privacidade. Não é colocando diversas pessoas vulneráveis a interceptações que se garante segurança. Vivemos um ímpeto vigilantista. Querem investigar checando conversas, sendo que isso coloca pessoas inocentes em risco.”


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12 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Energia solar

melhorada O

transportador de lacunas. O semicondutor mais usado para a produção de energia solar é feito de silício, que, devido aos processos químicos para melhorar a eficiência fotovoltaica, tem alto custo final. “Células solares de silício cristalino mostram cerca de 25% de eficiência de captação solar e são significativamente mais caras do que as células de perovskita, com eficiência de 21%”, compara, em entrevista ao Correio, o químico e coordenador do time de pesquisadores da escola suíça, Mohammad Nazeeruddin. A partir do FDT, cujo material custa um quinto do preço de outros transportadores de elétrons, a célula atingiu eficiência de 20,2% — índice aceitável para a inserção no mercado de energia solar, avaliam os criadores, que detalharam os benefícios do produto, no mês passado, na revista Nature Energy. Segundo Nazeeruddin, o que tem tornado impraticável a comercialização de células solares de perovskita — um material semicondutor desenvolvido há pouco mais de três anos — é o alto valor de fabricação. “Para um melhor desempenho, as células solares de perovskita usam o spiro-OMeTAD, um material de transporte de lacunas proibitivamente caro, custa mais de 300 euros por grama”, explica o químico. O FDT, diz, pode baratear o uso da perovskita: “O spiro-OMeTAD é sintetizado em cinco passos de reação e, no método de purificação intensiva, necessita de adição de energia. O FDT é fácil de sintetizar e purificar, e o seu

custo está estimado em um quinto em relação aos materiais existentes, ultrapassando o desempenho deles”.

Instável Para especialistas em energia fotovoltaica, outros dois problemas impedem que as células de perovskita saiam dos laboratórios e se consolidem no mercado de painéis solares: a escassez do cristal e a rápida degradação. “É uma célula instável, se autodestrói com o tempo, além se ser um material muito raro. O silício não é o melhor material, mas é abundante para produção em larga escala. Por isso também a perovskita ainda não tem aplicação comercial”, observa Marcelo GradellaVillalva, professor de energia elétrica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O que tornou a perovskita uma sensação entre a comunidade científica, na opinião do físico Francisco das Chagas Marques, professor do Laboratório de Pesquisas Fotovoltaicas da Unicamp, foi a rapidez com que o material se desenvolveu, quando comparado ao silício. “Ela teve um aumento vertiginoso de eficiência em poucos anos. Para conseguir 20% de eficiência em silício, levaram décadas. Por isso, acredito que vão conseguir melhorar a durabilidade da perovskitaempoucotempo.” Nesse sentido, o químico Mohammad Nazeeruddin justifica: “Estamos realizando medições de estabilidade a longo prazo do FDT contendo células solares de perovskita. Se a estabilidade for comprovada, haverá um enorme impacto sobre a eletricidade produzida localmente”, aposta.

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s altos valores nas contas de energia elétrica, além de mudar hábitos cotidianos, têm levado brasileiros a reavaliar o uso dos telhados de casa: eles podem ser uma ótima fonte de energia limpa e a saída para gastos irrecuperáveis. Desde as primeiras semanas deste ano, 15 estados brasileiros não cobram o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de quem produz e fornece energia elétrica para as redes de distribuição das cidades. Com esse benefício, os órgãos responsáveis acreditam ter dado mais um passo rumo à popularização do consumo e da produção de energia solar. Há também estímulos científicos. Quase simultaneamente, pesquisadores da Escola Politécnica Federal de Lausanne, na Suíça, divulgaram uma criação capaz de alavancar o uso de painéis solares em todo o mundo. Isso porque um dos motivos pelos quais a energia solar ainda não caiu no gosto dos consumidores é o alto custo para a produção e a instalação dos painéis. Buscando uma solução para esse entrave, os cientistas encontraram um substituto economicamente atrativo para o transportador de lacunas — que move os elétrons liberados quando os raios solares são absorvidos — das células fotovoltaicas feitas de cristal de perovskita. Com o dispositivo, que recebeu o nome de FDT (fluoreno-ditiofeno dissimétrico, na sigla em inglês), conseguiram arrebatar dois avanços: um sobre a eficiência de captação solar pela célula de perovskita e outro sobre o preço do

Cientistas da Suíça desenvolvem material que, além de aumentar a eficiência na captação da luz natural pelas células fotovoltaicas, é mais barato que os painéis de silício instalados no alto de prédios e casas

Palavra de especialista

O FDT é fácil de sintetizar e purificar, e o seu custo está estimado em um quinto em relação aos materiais existentes, ultrapassando o desempenho deles” Mohammad Nazeeruddin, pesquisador da Escola Politécnica Federal de Lausanne e líder do estudo

Em média, R$ 25 mil Quatro módulos de células fotovoltaicas com eficiência em torno de 15% produzem por mês 130 quilowatt-hora. No fornecimento tradicional, uma família que consome, por mês, 300 quilowatts-hora de energia pagaria, segundo tabela da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), receberia uma conta de R$ 131,28. Para investir no sistema de produção solar, gastaria cerca de R$ 25 mil. Em Brasília, a irradiação emitida quando o sol está mais forte é de cinco quilowatt-hora por metro quadrado, condição que garante um bom aproveitamento das células fotovoltaicas.

Vida útil mais longa “A importância da energia solar passa pela sustentabilidade, uma questão indiscutível. Se você instala um sistema de captação solar, gera energia na sua casa, está desligando uma termoelétrica. Além disso,trata-se de um sistema que tem vida útil de aproximadamente 30 anos.É um investimento para passar pelo menos 25 anos

sem pagar conta de luz a partir do sistemadecompensação.Empouco tempo, a tendência será gerar energia para o consumo próprio e para fornecimento. A expectativa é de que o mundo inteiro tenha uma camada de captação solar para, assim, cada vez menos dependermos dos combustíveis fósseis e das termoelétricas.” Rafael Shayani, professor do Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade de Brasília (UnB)

Exploração ainda baixa no Brasil Em 2014, o mundo produziu 180 gigawatts (GW) de potência instalada de geração de energia solar fotovoltaica. O número, segundo o boletim Energia solar no Brasil e no mundo — Ano de referência 2014, publicado pelo Ministério de Minas e Energia, é 40,2GW maior que o ano interior. O Brasil contribui pouco nesse cenário. Os cinco principais países em potência instalada são Alemanha, China, Japão, Itália e EUA, que respondem por 70% do total da produção. Segundo o governo brasileiro, em dois anos, o país estará entre as 20 nações com maior geração de energia solar. Marcelo GradellaVillalva, professor de energia elétrica da Universidade Estadual de Campinas

(Unicamp), destaca que, por enquanto, o que pode tornar a energia solar mais atrativa para o consumidor comum é o aumento da escala de produção e a melhoria da tecnologia em silício.“A China já está produzindo painéis solares, o que pode alavancar o uso graças aumaquedanopreço”,avalia. De acordo com o especialista, outro caminho para que a energia solar se desenvolva no Brasil ao ponto de se tornar uma das principais matrizes energéticas passa pela confiança tanto da população quanto dos governos. “A energia fotovoltaica ainda é pouco conhecida, por isso ainda há muitos que a consideram inviável. Faltam conhecimento do público e estímulos governamentais.”


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Ciência

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15 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, sábado, 18 de junho de 2016

Ataque duplo e mortal Estudo conclui que a megafauna da Era do Gelo foi extinta devido à pressão combinada de mudanças climáticas e da caça realizada pelo homem Daniel Ferreira/CB/D.A Press - 28/1/05

as últimas décadas, paleontólogos do mundo inteiro têm explorado cavernas em busca de fósseis que forneçam pistas sobre as causas da extinção em massa da chamada megafauna, conjunto de grandes animais do Pleistoceno que incluía espécies como o tigre-de-dente-de-sabre e o urso-de-pernas-longas, que, em pé, alcançava os 3,5m. Enquanto algumas evidências apontam que o culpado desse desaparecimento — ocorrido entre 60 mil e 11,6 mil anos atrás — foi o aquecimento pelo qual o planeta passou nesse período, conhecido também como Era do Gelo, outros indicam a multiplicação da espécie humana como a causa da extinção. Agora, uma terceira hipótese é apresentada por um time formado por cientistas da Austrália, Argentina, Inglaterra, dos Estados Unidos, do Chile e Canadá, em estudo publicado na revista Science Advances. A partir de investigações em cavernas da Patagônia, na região sul da Argentina, os autores concluíram que foi a combinação dos dois fatores que levou ao desaparecimento da megafauna, ou seja, nem o clima, nem o homem seriam capazes de, isoladamente, dar fim aos animais gigantes do passado. De acordo com os especialistas, essa é uma região estratégica para pesquisas porque a América do Sul registrou a maior perda de biodiversidade animal no fim do Pleistoceno. Justamente em cavernas da Patagônia que foram encontradas as primeiras evidências arqueológicas do impacto da caça humana na rápida extinção de outras espécies. “A Patagônia tem uma excelente preservação de fósseis da megafauna devido às condições de frio e à grande quantidade de cavernas, fornecendo um registro muito mais detalhado do que o resto da América do Sul e a maior parte da América do Norte. Por isso, é um sistema de estudo ideal. A América do Sul fornece um conjunto exclusivo de fatores que é provavelmente único no mundo”, observa ao Correio Alan Cooper, coautor do estudo e diretor do Centro Australiano para DNA Antigo. Para chegar à conclusão de pressão combinada do clima e

N

Tubo de ensaio

Futuro

Esqueleto do tigre-de-dente-de-sabre em exposição realizada na cidade: extinção acelerada a partir de 12 mil anos atrás Arquivo pessoal

Cavernas da Patagônia: a região abriga muitos vestígios da fauna do Pleistoceno do homem, os pesquisadores realizaram uma análise minuciosa das mitocôndrias presentes

no DNA de amostras de ossos e dentes da megafauna recuperados em cavernas da Patagônia.

Nesse exame, o time encontrou características genéticas desconhecidas, que remetem a

espécies distintas de guanacos (camelídeos da família de lhamas, camelos e dromedários que mediam aproximadamente 1,1m) e de jaguares-gigantes, felinos típicos do passado sulamericano. Ao comparar os novos dados com análises fósseis semelhantes, os cientistas identificaram uma fase de extinção da megafauna há cerca de 12 mil anos, cerca de mil a 3 mil anos depois de os humanos passarem a conviver com esses animais. Além disso, outros indícios apontam que, nesse período, iniciou-se um aquecimento global. “Nossos dados conciliam as duas principais ideias contrastantes: a causa era ou climática, ou devido à caça humana. O que encontramos mostra que, pelo menos na Patagônia, houve uma longa sobreposição de convivência entre humanos e animais no tempo até que o aquecimento ocorreu, e, em seguida, se deu a morte repentina da megafauna”, explica Cooper.

A melhor compreensão da extinção de uma grande biodiversidade no passado é também um alerta para os próximos anos. De acordo com Alexander Kellner, paleontólogo do Museu Nacional, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as intervenções feitas pelos seres humanos nos dias de hoje são cada vez mais intensas, acentuando inclusive o fenômeno natural de aquecimento da Terra. “Nossos antepassados hominídeos caçavam pela sobrevivência. Nossos motivos hoje não são tão nobres. Ambiente é uma coisa séria que afeta a vida no planeta. Isso é óbvio para biólogos, para uma parte da população, mas para muita gente não é, especialmente para os políticos. Nós interferimos em microescala, ao derrubar florestas para fazer área de pastagem, e em macroescala, ao emitir gases poluentes que agravam o efeito estufa”, avalia o especialista, que não participou do estudo. Com uma opinião semelhante, Waldir Stefano, coordenador do Grupo de Pesquisa em História da Geologia e Paleontologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, observa que o estudo reitera a importância de cuidar do equilíbrio dos ecossistemas pela preservação de espécies. “Variações ambientais, que podem acontecer naturalmente ou influenciadas pelas atividades humanas, são componentes importantíssimos nesses processos que envolvem o equilíbrio dos seres vivos nos seus ecossistemas, e também podem levar à extinção de várias espécies.” Cooper segue um raciocínio parecido: “A questão-chave agora, penso eu, é como a rapidez de fenômenos de aquecimento conseguem ampliar ou acelerar impactos em humanos? Parece que o aquecimento, de alguma forma, também causa impactos ruins nos humanos. Isto é, em parte, uma questão para os arqueólogos agora: olhar para os registros de primeiros seres humanos ao redor do mundo e examinar a questão de quais mudanças ocorrem (a caça, a taxa de nascimento, o movimentos de população etc.) quando o aquecimento acontece.”

Fatos científicos da semana Spencer Platt/AFP - 17/8/15

» SEGUNDA-FEIRA, 13

» SEXTA-FEIRA, 17

VERÕES ESCALDANTES

JUNO DESVENDA OS MISTÉRIOS DE JÚPITER

Nos últimos anos, têm sido comuns verões mais longos e com termômetros batendo recordes de temperatura. Mas, segundo estudo do Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica (NCAR, na sigla em inglês), nos Estados Unidos, caso a emissão de gases poluentes siga no ritmo atual, a probabilidade de que a situação se agrave entre 2061 e 2080 é de 80%. O cenário pode ser ainda pior em várias partes da América do Norte e do Sul, da Europa central, da Ásia e da África, onde as chances de verões ainda mais quentes nesse período chegam a 90%. A única forma de evitar esse cenário, dizem os autores, é diminuir a emissão de gases que acentuam o efeito estufa. “Verões extremamente quentes sempre aumentam o risco para doenças, além de prejudicar colheitas e aprofundar a seca. Esse tipo de verão seria um verdadeiro teste para nossa adaptação ao aumento da temperatura”, afirmou Flavio Lehner, líder do estudo, publicado na revista Climatic Change.

Passados quase cinco anos de seu lançamento, em 5 de agosto de 2011, a sonda Juno deve entrar na órbita de Júpiter (ffoto) em 5 de julho para explorar os mistérios do maior planeta do Sistema Solar, afirmou a agência espacial dos Estados Unidos. Segundo a Nasa, Juno está a menos de 14 milhões de quilômetros de seu destino e efetuará uma série de voos a apenas 4.667km da espessa camada nublada do gigante planeta gasoso. Durante a missão científica, que vai durar 16 meses, os instrumentos da sonda de quatro toneladas penetrarão na espessa camada nublada de Júpiter para estudar as origens do planeta, suas estruturas, atmosfera e magnetosfera. Os voos de Juno, que é movida por energia solar, vão superar o recorde de aproximação de 43 mil quilômetros de Júpiter, estabelecido pela sonda americana Pioneer 11, em 1974. » QUINTA-FEIRA, 16

Uma nova posição do acasalamento de anfíbios foi revelada por pesquisadores indianos na revista PeerJ. Chamada de “montagem dorsal”, foi observada pela primeira vez nas rãsnoturnas-de-mumbai (Nyctibatrachus humayuni), animais difíceis de serem estudados por viverem no alto de árvores e acasalarem, geralmente, durante tempestades. Liderados por Sathyabhama Das Biju, da Universidade de Délhi, os pesquisadores notaram a prática até então desconhecida, na qual o macho monta a fêmea por trás, sem abraçá-la, apoiando-se nas mãos ou em uma folha, galho ou árvore. Em seguida, a fêmea põe os ovos sobre a folha em que o casal se encontra. O macho, então, ejacula nas costas da parceira, e o sêmen escorre até os ovos, para a fertilização. Fecundados, os óvulos deslizam pela folha até cair na água, onde se desenvolverão os girinos. Além disso, são as fêmeas que emitem os chamados de acasalamento, um fenômeno que ocorre em apenas 25 espécies de anfíbios. “Essa é uma espécie de rã notável”, disse Das Biju.

METANOL NO ESPAÇO Pesquisadores do Observatório de Leiden, na Holanda, descobriram metanol no disco de poeira em torno de uma estrela recém-nascida. É a primeira vez que essa molécula orgânica foi flagrada em um sistema de planetas ainda em formação. A novidade foi encontrada na jovem estrela TW Hydrae, que fica a 170 anos-luz da Terra, distância pequena, em termos astronômicos. Segundo os pesquisadores, a região se assemelha ao Sistema Solar durante sua formação, há mais de 4 bilhões de anos. A revelação abrirá caminho para futuros estudos de química orgânica complexa em astros.

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NOVA POSIÇÃO DE ACASALAMENTO

» QUARTA-FEIRA, 15

INÉDITOS DE VAN GOGH Um caderno com desenhos inéditos do pintor holandês Vincent Van Gogh foi encontrado, e seu conteúdo será publicado simultaneamente em vários países, em novembro deste ano, anunciou a editora francesa Seuil. “Esse caderno só foi visto por seus proprietários, eu e o editor”, disse Bernard Comment, responsável pela publicação da obra, intitulada Vincent Van Gogh, le brouillard d’Arles, carnet retrouvé (Vincent van Gogh, o nevoeiro de Arles, o caderno recuperado, em tradução livre). A editora afirmou que não divulgará mais nenhuma informação até a coletiva de imprensa que acontecerá em Paris, em meados de novembro, na véspera da chegada da obra às livrarias.

NASA/JPL-Caltech/SETI Institute/Handout/AFP

» TERÇA-FEIRA, 14


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15 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Estudo mostra que a mente de crianças e adolescentes viciados em jogos eletrônicos apresenta uma conexão exagerada entre áreas, mesmo quando os usuários estão longe do aparelho. O efeito pode levar a prejuízos como distração constante e hiperatividade

Cérebro refém dos games A

cérebro que processam os pensamentos, os sentimentos e as ideias, além de redes que processam a atenção aos estímulos. Geralmente, essas redes são mais separadas, e a hiperconectividade pode ser associada à distração e à hiperatividade”, explica ao Correio Anderson, um dos principais autores do estudo, publicado na última edição da revista especializada Addiction Biology. Segundo Jeffrey Anderson, os gamers compulsivos passam a apresentar um quadro de transtorno quando deixam de fazer atividades vitais, como dormir e comer, para continuar jogando. O risco de se tornar um viciado em jogos virtuais é grande porque não depende de fatores biológicos, como a genética, que, segundo evidências, influenciam quadros como esquizofrenia e autismo. Há, no entanto, de acordo com a nova pesquisa, uma semelhança entre o cérebro de compulsivos por jogos e o de esquizofrênicos e autistas: uma elevada coordenação entre o córtex pré-frontal dorsolateral e a junção temporoparietal. “A hiperconectividade entre essas redes cerebrais pode levar a uma habilidade mais robusta para direcionar a atenção a detalhes e para o reconhecimento de novas informações no ambiente, o que pode ser bom ou ruim”, sugere Anderson, que indica, como próximo passo do estudo, testar essas habilidades nos adolescentes em tratamento.

Esgotamento Para a psicóloga Dora Sampaio, que conduz grupos de psicoterapia para dependentes de internet no Hospital

No DSM O problema foi incluído no Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês), guia de saúde mental organizado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), no primeiro semestre do ano passado. A intenção dos especialistas com a inclusão foi identificar padrões e estimular pesquisas para o tratamento daqueles que valorizam os jogos virtuais em detrimento da vida real.

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inda que os olhos ardam, o estômago ronque e as costas implorem por descanso, os compulsivos por videogames em rede não desligam o aparelho enquanto não atingirem seus objetivos virtuais — mesmo que, para isso, precisem de 24 horas ininterruptas ou de vários dias ao longo de anos. Alguns dos prejuízos para os viciados em jogos eletrônicos são bem visíveis. Vão de isolamento, dificuldade para se relacionar e insônia até reprovação na escola e perda do emprego. Menos explícitos são os efeitos sobre o cérebro, que novas pesquisas começam a desvendar. Estudos anteriores haviam mostrado que, durante uma partida de videogame, diversas áreas cerebrais são estimuladas ao mesmo tempo. Mas especialistas da Universidade de Utah, nos Estados Unidos, e da Escola de Medicina de Chung-Ang, na Coreia do Sul, decidiram investigar o estado em que essas áreas ficam quando os gamers estão repousando, de volta ao mundo real. Para avaliar os efeitos do exagero de estímulos, a equipe de cientistas analisou imagens do cérebro de 106 garotos sulcoreanos, de 10 a 19 anos, que faziam tratamento em uma clínica para um quadro psicológico que recentemente ficou conhecido como transtorno por jogos de internet. As imagens foram comparadas às do cérebro de outros 80 jovens que não têm vício por games, divididos em quatro subgrupos: saudáveis, ansiosos, depressivos e pacientes com transtorno de deficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Os pesquisadores se surpreenderam ao notar que, mesmo quando estavam longe dos jogos em rede, o órgão dos adolescentes compulsivos permanecia com diversas áreas mais conectadas e estimuladas do que o normal. Essa ligação elevada entre regiões, de acordo com o estudo, pode sinalizar algumas vantagens, como maior agilidade nas reações e uma possível rapidez na aprendizagem. Porém, segundo o neuroradiologista Jeffrey Anderson, da Universidade de Utah, ativar tantas regiões cerebrais ao mesmo tempo pode trazer consequências graves. “A mudança mais perigosa que vimos foi a hiperconectividade entre as redes do

das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), a pesquisa feita por coreanos e americanos confirma o que é observado no comportamento de pacientes que buscam tratamento para o vício em videogames, a maioria na faixa etária de 25 anos. “Eles mostraram quais são as áreas relacionadas à impulsividade, à impaciência dos jogadores”, destaca Sampaio, que complementa:“A hiperconectividade esgota a parte cognitiva cerebral. O cérebro fica mais desatento, mais agitado. Um cérebro que está lendo um livro é diferente de um que está jogando. Isso atrapalha a memória de longo prazo”, afirma. A psicóloga alerta para uma geração de imediatismo, que não consegue refletir sobre as informações que acessa, além de se entediar facilmente. “Passei uma tarefa para eles (alguns pacientes): ler um livro, era fininho. Não leram, não interpretaram. Apenas reproduziram algumas informações sobre a história”, relata a psicóloga. “Estão perdendo um tempo irrecuperável na vida. Deixam de estudar e acabam com a própria autoestima, porque não interagem com outras pessoas.” O psicólogo e coordenador do grupo de dependência tecnológica do HCFMUSP, Cristiano Nabuco, lembra estudos que mostram outros efeitos do vício por videogame, que é o desgaste da bainha de mielina dos neurônios, uma capa branca que envolve os braços neuronais e é responsável pela agilidade na condução das informações nervosas. Com a bainha danificada, há perdas na comunicação entre os neurônios, comprometendo diversas funções do organismo. “Esse efeito também foi observado em dependentes químicos, alcoólatras e em outras compulsões, como a de compras e de sexo.” Assim como ocorre em outros vícios, muitos jovens acham nos games uma fuga para um mundo menos exigente e em que as habilidades conquistadas os transformam em “super-homens”. “A indústria sabe o que fazer para cativar esses jovens. Dão altas pontuações no início do jogo, os estimulam a ficar mais tempo conectados. Quem tem baixa autoestima é cativado”, diz Nabuco.

Outra relação Diferentemente dos videogames tradicionais, em que há apenas um ou dois usuários por vez, os jogos em rede possibilitam a interação entre vários participantes ao mesmo tempo por meio da internet. Nesses ambientes, ocorrem competições entre equipes e formação de comunidades de jogadores, que em algumas mídias podem conversar por vídeo e texto durante as partidas. Nesse caso, é comum que um jogador passe a se relacionar com outros de diferentes lugares do mundo, que nunca conheceu pessoalmente.

O especialista lembra o caso de um paciente de 16 anos que sofria de obesidade e compulsão por jogos virtuais, chegando a passar 55 horas ininterruptas conectado, sem intervalo nem mesmo para refeições normais ou para ir ao banheiro — o adolescente mantinha uma dieta à base de refrigerantes e chegou a urinar e a defecar na própria roupa. “Quando você pergunta para garotos assim o que tem de tão legal no jogo, eles respondem que ali ‘são alguém’: não gaguejam, não têm espinhas, não são obesos. São levados para o mundo virtual porque se sentem bons em algo.” Nesse mesmo sentido, o professor de psiquiatria da Universidade de Brasília (UnB) Gabriel Graça de Oliveira nota que o ambiente virtual é mais atraente para os tímidos e fóbicos sociais. “Se o jovem está se frustrando na escola ou em casa, vai buscar prazer em atividades solitárias.”

Perda O que é mais preocupante sobre a compulsão por jogos virtuais, de acordo com Oliveira, é que atinge principalmente crianças e adolescentes, que estão em uma fase crucial de desenvolvimento do cérebro. De acordo com o psiquiatra, o processo de maturação do órgão começa no parto e vai até os 21 anos. Por volta dos 14, acontece a última fase de um fenômeno conhecido por apoptose, ou poda neuronal, que é o desligamento de circuitos neuronais

Palavra de especialista

Pais podem prevenir “Os pais têm a chave para prevenir a dependência dos jovens por videogames e internet. Aqueles que se dedicam a brincar com as crianças, que têm disponibilidade para interagir com contato físico e visual, agem da melhor forma para prevenir quaisquer vícios e compulsões. A grande parte dos adictos por jogos e internet vêm de uma negligência dos pais para um convívio prazeroso. Por trabalharem muito, acreditam que o filho está seguro jogando videogame em casa. O filho passa a ter uma relação afetiva com o mundo virtual. Os pais podem, por exemplo, jogar videogame com eles, mostrar interesse pelo que fazem e depois propor outra atividade.” Gabriel Graça de Oliveira, professor de psiquiatria da Universidade de Brasília (UnB)

não utilizados. “Se o adolescente tem as conexões relacionadas à música, ao esporte, à sociabilidade desligados, perderá o substrato neurológico preparado para essas atividades”, ressalta. Dora Sampaio pondera, no entanto, que a perda não é irreparável. “O cérebro deixa de fazer conexões, mas sua plasticidade permite que ele reaprenda, apesar de ser mais difícil.” Cristiano Nabuco completa: “O adolescente não desenvolveu a habilidade de freio comportamental, como entender os limites. Por isso, pode perder habilidades que requerem treino, como a de socialização”. Os especialistas reiteram que quanto maiores os prejuízos sociais do vício, maior a importância de buscar tratamento, que consiste, basicamente, em atrair o gamer para o mundo real. “Não dizemos a ele que jogar videogame é ruim, mas tentamos mostrar o que está acontecendo com a vida dele, e aí fica a escolha”, frisa Nabuco.


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13 • CORREIO BRAZILIENSE • Brasília, segunda-feira, 11 de julho de 2016

O dispositivo usado para correção visual e estética pode ser facilmente contaminado por bactérias, vírus e fungos, causando a ceratite microbiana. Cientistas dos EUA detectaram um mecanismo com potencial para evitar essa infecção ocular

irritação nos olhos, acompanhada da sensação de que há um corpo estranho na região, pode ser sinal de ceratite microbiana. Trata-se de uma infecção provocada por seres microscópicos, como vírus, bactérias, fungos e protozoários, que inflamam a córnea. Se não tratada adequadamente, a complicação pode causar danos graves à visão e até mesmo a cegueira. O que torna essa patologia ainda mais perigosa é que o seu principal fator de risco são as lentes de contato, populares tanto para a correção da visão quanto para fins estéticos. Embora ainda não se saiba exatamente os motivos da predileção dos micróbios pelas lentes de contato, pesquisadores têm buscado mapear quais são esses invasores, como agem e formas de combatê-los. “Ainda temos um conhecimento limitado de como bactérias associadas às lentes de contato e aos estojos dessas lentes danificam as células da superfície do olho. Nosso estudo abre caminho para novas terapias que aliviam a inflamação associada a esse problema ocular, que é geralmente grave”, nota Robert Shanks, pesquisador da Universidade de Pittsburgh (EUA) e líder do estudo, apresentado no último encontro da Sociedade Americana para Microbiologia, no mês passado. A equipe observou, em laboratório, córneas humanas contendo duas espécies de bactérias: a Proteus mirabilis e a Serratia marcescens, que causam infecções nos olhos e em outras partes do corpo. Especificamente na região

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Caiu um micróbio na lente de contato

Além das bactérias observadas no estudo norte-americano, Biondi aponta para os riscos da infecção causada pelo protozoário Acanthamoeba sp,

que também provoca a ceratite. “Trata-se de um micro-organismo extremamente resistente, que pode viver durante anos em sua forma de cisto, aderir às lentes de contato por meio da contaminação pela água ou pelas mãos e, posteriormente, colonizar a córnea”, explica o médico. O problema é que a córnea oferece as condições ideais para o desenvolvimento do micróbio, que pode provocar uma infecção de difícil controle. “Há o risco de evoluir de uma sensação de corpo estranho e irritação para um quadro de dor muito intensa, hiperemia e perda da transparência da córnea. Não é incomum a necessidade de realização de transplantes de córnea para o reestabelecimento da visão nesses casos”, complementa Biondi. A mudança de alguns hábitos geralmente praticados por quem utiliza lentes de contato é uma forma de evitar os prejuízos da ceratite microbiana. “Dormir com lentes de contato, praticar esportes aquáticos com elas e não descartá-las no período recomendado pelo oftalmologista são fatores que aumentam o risco de complicações e infecções”, pontua Maria Regina Chalita, representante da regional de Brasília do Conselho Brasileiro de Oftalmologia. E, para quem desconfia dos sintomas, a médica frisa: “No caso de suspeita de infecção, recomenda-se a suspensão imediata do uso das lentes e procurar imediatamente um oftalmologista. Quanto mais precoce for o diagnóstico e o início do tratamento, menor a chance de sequelas visuais”, justifica.

vontade, outro consumiu nozes sem restrições e o terceiro teve que reduzir o consumo de gorduras. Ao fim, a porcentagem de lipídios na alimentação diminuiu de 40% para 37,4% no grupo submetido ao regime pobre em gorduras e aumentou nos outros dois grupos: de 40% para 41,8% entre os sem restrições para o azeite de oliva e de 40,4% para 42,2% nos que seguiram uma dieta com mais nozes.Todos os participantes emagreceram ligeiramente: em média, 800g no grupo do azeite,

600g no grupo pobre em gorduras e 400g no das nozes. “Nossa pesquisa mostra que um regime rico em gorduras e verduras, como a dieta mediterrânea, não engorda”, ressaltou Estruch. A Organização Mundial da Saúde (OMS) cogita a possibilidade de revisar suas recomendações sobre a ingestão de gordura até o fim deste ano. Hoje, a entidade sugere que as pessoas limitem a 30% as calorias consumidas na forma de lipídios. Na maioria dos países mediterrâneos, essa proporção é de 40% ou mais.

Quase sempre evitável A Organização Mundial da Saúde estima que entre 60% e 80% dos casos de cegueira poderiam ser evitados com diagnóstico e tratamento precoces. No planeta, há 285 milhões de pessoas com baixa visão ou cegueira, sendo 1,2 milhão no Brasil. A estimativa é de que, em 2020, o número suba para 300 milhões. Na América Latina, a principal causa da perda da visão é a catarata, que pode ser curada cirurgicamente.

ocular, esses micro-organismos provocam mudanças morfológicas na superfície da camada epitelial da córnea. De acordo com os cientistas, essas mudanças se assemelham a uma larga membrana com bolhas, o que causa a morte de células dos olhos. Indo mais a fundo, o time de pesquisadores analisou a genética das bactérias para encontrar os genes responsáveis por causar as bolhas na membrana da córnea. Eles descobriram que existe uma proteína reguladora, a GumB, relacionada à expressão de Sh1A, a indutora da formação de bolhas. Outro aspecto que chamou a atenção dos pesquisadores é que a proteína Sh1A é comum a diversos tipos de bactérias que causam mal ao corpo humano. Como estratégia para prevenir a ação desses elementos, o estudo sugere que bloquear a expressão gênica da GumB e da Sh1A pode ser uma forma de prevenir a infecção associada à inflamação e aos danos oculares.

Quando usamos as lentes de contato, diminuímos a oferta do oxigênio para a córnea, que fica mais suscetível aos ataques de micro-organismos. Por isso, em geral, se recomenda evitar dormir com elas” Adriano Biondi, oftalmologista do Hospital Israelista Albert Einstein

Falhas protetivas Segundo Adriano Biondi, oftalmologista do Hospital Israelista Albert Einstein e não participante do estudo, o sistema ocular humano tem diversas formas de proteção, como sobrancelhas, cílios e o filme lacrimal. No entanto, é importante estar atento a possíveis falhas nesse sistema. “Quando todas essas barreiras falham, os sintomas passam a constituir um sinal de alarme importantíssimo para as devidas providências. Estruturas nobres, como a córnea, são muito sensíveis. Nesse caso, a dor pode ser um dos primeiros sinais de problema. Pode começar com uma sensação de corpo estranho e tende a piorar em intensidade com a evolução da infecção. A aversão à luz (fotofobia) e os olhos vermelhos (hiperemia) também estão presentes”, detalha. Quanto às lentes de contato, Biondi chama a atenção para as recomendações de higienização e demais cuidados

que devem ser um hábito dos usuários. “Elas são seguras se utilizadas de acordo com as recomendações, mas muitas pessoas abusam e se acostumam com o risco”, diz. O médico também lembra que a córnea é uma estrutura que não tem vasos sanguíneos, pois funciona como uma lente natural da retina e deve manter sua transparência. No entanto, demanda muito oxigênio, fornecido pela difusão dos vasos presentes nas pálpebras e no filme lacrimal. “Quando usamos as lentes de contato, diminuímos a oferta do oxigênio para a córnea, que fica mais suscetível aos ataques de micro-organismos. Por isso, em geral, se recomenda evitar dormir com elas”, alerta.

Transplante

NUTRIÇÃO

Rica em azeite, dieta mediterrânea não engorda pouco no ganho de peso quanto uma pobre em gorduras. “É hora de acabarmos com nosso medo da gordura e deixarmos de focar unicamente na redução total das calorias provenientes dos lipídios. Certos tipos de ácidos graxos têm

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A alimentação mediterrânea não precisa de moderação quando o objetivo é emagrecimento. Segundo estudo conduzido por cientistas da Espanha, a dieta que tem o azeite como um dos principais ingredientes influencia tão

efeitos muito positivos para a saúde”, defenderam os autores, no artigo divulgado na revista médica The Lancet Diabetes and Endocrinology. Para chegar à conclusão, a equipe liderada por Ramón Estruch, da Universidade de Barcelona, acompanhou, entre 2003 e 2010, 7.500 espanhóis com mais de 55 anos. Todos apresentavam risco cardiovascular alto e diabetes, e 90% eram obesos ou tinham sobrepeso. Os voluntários foram divididos em três grupos: um ingeriu azeite de oliva à


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