Carta de Princípios [PONTA-PÉS] A Renajoc - Rede Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicadoras e Comunicadores, surgiu em 2008 para ser um espaço de articulação, colaboração e diálogo dessas sujeitas1 em todos os cantos do país na luta pela garantia, promoção e defesa do direito humano à comunicação e liberdade de expressão de adolescentes e jovens, efetivado no cotidiano das pessoas e das comunidades e nas políticas públicas do Estado Brasileiro pela democratização da comunicação. É formada por adolescentes e jovens, bem como por adultas afinadas com a causa, organizações, movimentos e grupos dedicados às pautas da adolescência, juventude e direitos humanos com ênfase para o direito à comunicação. Temos por elemento de afinidade maior a comunicação enquanto direito e meio de mediação dos demais direitos, e desta forma, temos uma atuação transversal e interdisciplinar. Assim, dialogamos e atuamos com diversas outras pautas, desde as questões ecológicas e ambientais, da economia solidária, do feminismo e combate ao machismo e ao patriarcado, da negritude e combate ao racismo, das relações e identidades de gênero, direitos sexuais e reprodutivos e combate às intolerâncias, homolesbobitransfobia2, da educação, cultura, saúde, direitos das pessoas com deficiência e demais direitos humanos. Ao longo de sua história a Renajoc vem desenvolvendo sua cultura de rede, ou seja, seus modos de funcionamento, gestão, práticas, produção de saberes e trocas, intercâmbios e projetos neste macrouniverso que é uma rede de pessoas e organizações de todo o país, conectadas virtualmente, presencialmente, politicamente, em sintonias e diálogos. Buscamos constantemente potencializar as ações locais, estaduais e regionais de cada membro participante, como também amplificar nossas vozes e forças em ações conjuntas de âmbito nacional, de modo que tanto o local quanto o nacional cresçam e se fortaleçam na vivência e realização da rede. 1
Faz-se aqui uma opção política por uma linguagem crítica ao machismo da língua portuguesa, que toma o masculino como universal. Desta forma, escrevemos de acordo com o universal “pessoa”, sendo todos os substantivos, adjetivos e pronomes concordando com “pessoa”. Eventualmente é preciso, inclusive, transgredir a norma dominante da língua, que entende que certas expressões não comportam equivalente feminino. Onde se lê “a participante”, entenda “a pessoa participante” e não necessariamente a “mulher participante”. 2 Fobia/Opressão/Preconceito para com pessoas homoafetivas, lésbicas, bissexuais e transexuais.
Esta Carta de Princípios é fruto deste amadurecimento da Renajoc sobre sua existência, identidade, modo de funcionamento e caminhos a seguir. Ela está alicerçada nas reflexões, discussões e proposições de adolescentes, jovens e adultos das cinco regiões do país, reunidos nos Encontros Regionais de Adolescentes e Jovens Comunicadoras e Comunicadores, realizados em 2014. Neles refletimos sobre nós, quais nossos princípios e o que queremos com e para a Rede. E esse enorme esforço de colaboração e criação coletiva se materializa nesta carta, que foi avaliada, revisada, melhorada e aprovada durante o V Encontro Nacional de Adolescentes e Jovens Comunicadoras e Comunicadores, realizado em Brasília-DF, de 30/10 à 03/11 de 2015.
[Princípios] Princípios são as bases, alicerces, pontos de partida, elementos essenciais, compreensões fundamentais daquilo que não abrimos mão, sem os quais deixamos de ser quem somos e/ou queremos e buscamos ser. Os princípios da Renajoc são o que nos une, o que temos em comum e compartilhamos em nosso íntimo e que cuidamos e colocamos em tudo que fazemos. Sem isso, deixamos de ser Renajoc. 1) Adolescentes e Jovens enquanto sujeitas ativas e de direitos: A Renajoc é pensada, composta, gerida, realizada e vivenciada por adolescentes e jovens para a promoção, garantia e defesa de direitos humanos de adolescentes e jovens. Em uma sociedade adultocêntrica3, quebramos esse paradigma, vivenciado nos diversos espaços de “poder”, para fazer valer e alinhar-se a princípios básicos conquistados e assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente4 e pelo Estatuto da Juventude5 que defende o direito à participação ativa de crianças, adolescentes e jovens. No entanto, as adultas são convidados a participar, construindo conosco e a integrando, numa gestão e relação colaborativa e horizontal. Aqui nos fazemos sujeitos de nossa voz, de nossas atitudes políticas, de nossa transformação social. E estamos constantemente empenhadas em inserir e receber mais adolescentes e jovens que queiram participar, crescer conosco, construir e produzir junto, transformar a realidade coletivamente. 2) Autonomia da Rede | Autonomia Local | Suprapartidarismo | Laicidade: A rede é um encontro de pessoas autônomas. Pessoas, tanto individualmente, quanto organizadas em grupos, movimentos, instituições, que se unem por objetivos comuns de transformação e fortalecimento mútuos. Desta forma, a rede se move pela mediação, confluência, sintonia e soma dessas autonomias, sem imposições, sem hierarquias, sem ordens ou decisões verticais, sem influências/determinações partidárias ou religiosas. A partir do que temos em comum, do que nos une e nos fortalece coletivamente, agimos, sempre 3
O termo adultocêntrico significa entender a pessoa adulta como o centro e a sujeita dos processos, o que implica que quem assume essa ideia não reconhece as pessoas mais novas, jovens, adolescentes e crianças, como capazes de assumir suas autonomias, ações e decisões com maturidade, competência e responsabilidade. A lógica adultocêntrica menospreza e inferioriza a outra pessoa em razão de sua idade, supondo que o fato de alguém ter certa idade, acima ou abaixo de 18 anos, é o que lhe concederá autoridade e poder sobre si mesma, se ela for “adulta”, ou obediência aos “mais velhos” e uma presumida ignorância, se ela for “não-adulta”. 4 Lei 8.069 de 13 de julho de 1990. 5 Lei 12.852 de 05 de agosto de 2013.
autônomos para transformar e fazer cada um sua transformação, na medida das suas particularidades locais, regionais, políticas, culturais, sociais, existenciais. 3) Comunicação como Tema Central | Liberdade de expressão e comunicação | Democratização dos meios de comunicação | Luta por mídias livres e alternativas | Para integrar a Rede basta querer aprender, participar e se comunicar: Entendendo a comunicação como processo fundamental do ser humano, que a todo instante se comunica, percebemos, em contraste, que a sociedade em que vivemos não nos permite comunicar, nem incentiva ou garante nossas várias formas de expressão. No Brasil as comunicações são controladas por alguns grupos econômico-familiares, que transformam um bem público fundamental em mercadoria a serviço de seus interesses e dos demais grupos econômicos a eles ligados. Assim, impede-se no país um debate plural e democrático nos espaços de formação da opinião pública, sem participação social e privando a população de expressar sua diversidade e riqueza cultural, social, política, étnica, regional. Como nosso próprio nome diz, todas nós nos entendemos como comunicadoras populares, não por profissão, mas simplesmente porque precisamos, queremos e sabemos que pela comunicação passam as transformações que queremos ver e fazer. Assim, para construir a Renajoc, não precisa saber tudo/muito sobre comunicação, basta querer comunicar e transformar a realidade por meio da comunicação. Nós também estamos presentes nas lutas por mídias alternativas que garantam a produção de conteúdos de interesse público e responsabilidade social, por educação para a comunicação, fortalecendo as autoestimas de cada adolescente e jovem para que elas possam se comunicar, por políticas públicas que garantam uma sociedade realmente democrática que ouça e amplifique todas as vozes. 4) Respeito | Saber Ouvir | Igualdade/Diversidade de gênero, etnias, regiões, religiões | Inclusão e Acessibilidade | Educação Ambiental: Para que todas as pessoas possam se comunicar, expressar suas identidades, realidades, pontos de vista e ouvir as demais, é condição imprescindível o respeito mútuo, o reconhecimento da outra enquanto sujeita igual em direitos, de inestimável valor humano por sua riqueza pessoal e coletiva, por sua história de vida e suas origens, identidades e heranças culturais e étnicas, regionais e religiosas. A expressão da nossa liberdade se dá na multiplicidade de realidades, de olhares, de perspectivas, de possibilidades de posicionamentos e caminhos a seguir, sendo uma violação da liberdade de todas as pessoas a exclusão de qualquer grupo ou sujeita do processo comunicativo. O pertencimento e respeito pela natureza que nos acolhe a todas e garante nossas condições de existência também é inestimável e deve ser defendido. Sem a preservação ambiental efetiva, não são possíveis nenhum dos direitos humanos. 5) Diversidade | Pluralidade | Fortalecimento Coletivo | Participação Horizontal | Autogestão | Descentralização | Colaboração | Amizade | Socialização cultural | Interação | Flexibilidade: A Renajoc não só reconhece e valoriza a diversidade interligada na rede, mas entende que esta é parte de seu modo de funcionamento. Ser e fazer rede significa a livre e motivada circulação, troca e partilha de ideias, propostas, projetos, vontades, sonhos, histórias, afetos, utopias, ações concretas e transformadoras. Resulta em processos de decisão e produção que promovem a ampla participação e colaboração de todas, de forma horizontal (sem hierarquia) em que todas
pensam a gestão da rede, enquanto as figuras gestoras atuam como pontos de animação da participação e colaboração, sistematizando os processos. Significa que todas as participantes são beneficiadas pelo estar e fazer a rede, pelo contato com o diferente, o novo, a outra, em que o local/regional soma com o nacional e o nacional com o local/regional. Não um sistema formal, rígido e burocrático de transmissão de informações e execução de tarefas, mas uma comunidade de pessoas afins, afetando-se positivamente, em convivência saudável e prazerosa, em constante transformação e reinvenção criativa. 6) Partilha/Compartilhamento | Vivência | Participação em formações políticas on/off-line locais/regionais/nacionais | Educação Social e Popular | Educomunicação | Leitura e visão crítica/social: A força motriz de uma rede é a conexão das sujeitas, é o fato de que na medida em que estão juntas, os saberes, as práticas, as experiências de cada pessoa podem se tornar um movimento político mais forte e articulado, uma inteligência coletiva que transcende a limitação de cada uma, unindo forças e superando fragilidades. Desta forma, é fundamental para a Renajoc potencializar seus processos de educação popular para o intercâmbio e ecologia de saberes6, de interpretação do contexto a partir dos diversos pontos de vista para produzir visões do mundo mais nítidas e coerentes que permitam a elaboração e execução de ações conjuntas mais estratégicas e eficazes. Assim, podemos cada vez mais nos estruturar e intensificar nossas ações em busca dos objetivos comuns. 7) Participação política popular | Comprometimento com as lutas sociais e direitos humanos | Atitude | Fomento da incidência em políticas públicas | Democratização dos Espaços Públicos | Disputa de imaginário: Nascemos em razão da luta por direitos e transformações sociais, em busca de uma sociedade mais justa, participativa, sustentável e solidária. Pois compreendemos que nosso papel no mundo, enquanto indivíduos e grupos, organizações e movimentos, é participar e incidir na transformação do mundo, em busca dos horizontes de sonhos e projetos de sociedade que temos, projetos populares, emancipatórios, dialógicos, solidários, artísticos, culturais, midiatizados, criativos, participativos, colaborativos, horizontais, incessantes. 8) Diversão | Alegria | Estímulo | Entusiasmo: E se não podemos ser alegres e dançantes em nossas lutas e desafios cotidianos, não é a nossa rede. A Renajoc busca sempre fazer política da maneira livre e descontraída do adolescente e jovem. Porque não gostamos de burocracias desnecessárias ou formalismos distanciadores. Nós nos aproximamos umas das outras, abraçamos, queremos bem, cuidamos e temos carinho. Acreditamos que assim também se faz política e no entusiasmo e alegria cantamos nossas causas canções-rimas-raps.
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A Ecologia de Saberes é um conceito proposto pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos e que propõe o diálogo horizontal e construtivo entre todos os saberes existentes, tantos os populares quanto os científicos, os urbanos e os rurais, o tradicional e o inovador, considerando-se a importância de todos os saberes na vivência, partilha e produção de novos saberes e aplicação destes na transformação e melhoria de nossas vidas.
[Objetivos e finalidades] >Objetivo Geral< Articular adolescentes e jovens comunicadoras e comunicadores, pela promoção, defesa e garantia do Direito Humano à Comunicação, exercício da Liberdade de Expressão e, transversalmente, demais Direitos Humanos. :Para alcançar este objetivo, nós buscamos: @Em todos os âmbitos, nacional, regional e local: Promover e defender o Direito Humano à Comunicação e demais Direitos Humanos por meio das práticas de comunicação, educação e cultura popular; Incentivar/incidir que existam espaços para que as jovens e adolescentes desenvolvam seus potenciais comunicativos, fortalecendo suas vozes e estimulando a produção de mídias, processos educativos, livres, alternativos, independentes, inclusivas, diversificadas e transformadoras em diversos espaços, incluindo os escolares; Estimular a leitura de mundo, problematizando os diversos assuntos transversais com as adolescentes, jovens e adultos; Traduzir pautas complexas com e para adolescentes, jovens e adultos; Fortalecer iniciativas de adolescentes e jovens de todo o Brasil, potencializando suas atuações e vozes; Mobilização e articulação social para inserir adolescentes e jovens nos espaços sociais, culturais, comunitários e políticos de discussão sobre as temáticas em que a rede atua; Contribuir para a visibilidade e representatividade de adolescentes e jovens e as organizações que compõem a rede; Contribuir para denunciar violações de direitos, especialmente às cometidas pelos meios de comunicação; Fortalecer vínculos e realizar intercâmbios culturais, políticos e sociais, promovendo a integração, mapeamento e práticas colaborativas em rede; Desenvolver nossos conhecimentos e compartilhar experiências, afetos, culturas e saberes teóricos e práticos por meio de formações e conexões em rede; Acesso e democratização da informação; Desenvolver estratégias de comunicação; Formação em educomunicação, educação popular, comunicação popular, cultura e políticas públicas; Realizar diálogos sobre políticas para juventudes, promovendo incidência política e monitoramento de políticas públicas; Captação de recursos para ações coletivas nacionais, regionais, estaduais e locais realizadas nos diversos estados articulados;
@Nacionalmente: Conectar indivíduos, organizações, grupos e movimentos de adolescentes e jovens que atuem com comunicação e direitos humanos, promovendo diálogos, trocas, intercâmbios, ações conjuntas e fortalecimento coletivo; Produzir materiais de referência, sejam publicações, vídeos, postagens em redes sociais, banners, artes gráficas, funks, raps, cartazes, memes, propostas metodológicas, ilustrações, grafites, entre outros materiais; Sistematização unificada e socialização dos conhecimentos e vivências dos diversos estados e participantes; Articulação entre as regiões e estados; Ser um espaço contínuo de sensibilização, mobilização, articulação e participação virtual e presencial; Realização do bem-viver* de todas as participantes e da sociedade; @Regionalmente: Aproximar os estados uns dos outros, promovendo diálogos, trocas, partilha de experiências, ideias e produções, favorecendo ações conjuntas em âmbito regional; Proporcionar um diagnóstico dos problemas e dificuldades comuns de cada região e favorecer a elaboração de soluções coletivas; @Localmente: Potencializar as ações locais, por meio do respaldo garantido pela rede, da experiência adquirida pela conexão, pela força política conquistada pela rede nos diversos espaços; Trazer novas experiências fazendo com que adolescentes e jovens desenvolvam/despertem novos olhares sobre o mundo, lendo-o de formas mais críticas e engajadas; Colaborar com iniciativas da adolescência e juventude em afinidade com a Renajoc; Interação e (re)conhecimento entre as populações locais onde atuamos; Espaço de visibilidade para as comunidades mostrarem o que têm de saberes e expressões, buscando reconhecimento; Base de articulação para os âmbitos estadual, regional e nacional.