Expediente Revista GEMInIS | ano 7 | n. 2 • jul/dez 2016 Universidade Federal de São Carlos ISSN: 2179-1465 www.revistageminis.ufscar.br revista.geminisufscar@gmail.com Poítica Editorial Editor Responsável João Carlos Massarolo Universidade Federal de São Carlos - UFSCar Co-Editores Temáticos Eduardo Portanova Barros Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS Fernanda Aguiar C. Martins Universidade Federal Do Recôncavo Da Bahia - UFRB Prof. Dr. André Gatti Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP Editor Executivo Dario Mesquita Universidade Federal de São Carlos - UFSCar Conselho Editorial (Copo de Pareceristas): André Lemos Universidade Federal da Bahia – UFBA Antônio Carlos Amâncio Universidade Federal Fluminense – UFF Arthur Autran Universidade Federal de São Carlos - UFSCar Carlos A. Scolari Universitat Pompeu Fabra – Espanha Bruno Campanella Universidade Federal Fluminense – UFF Derek Johnson University of North Texas – Estados Unidos Duílio Fabbri Júnior Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas Erick Felinto Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ Francisco Belda Universidade Estadual Paulista - UNESP Gilberto Alexandre Sobrinho Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP Héctor Navarro Güere Universidade de Vic – Espanha Hermes Renato Hildebrand Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP João de Lima Gomes Universidade Federal da Paraíba - UFPB Luisa Paraguai Pontifícia Universidade Católica de Campinas – PUC-Campinas Marcos “Tuca” Américo Universidade Estadual Paulista - UNESP Maria Immacolata Vassalo Lopes Universidade de São Paulo - USP Maria Dora Mourão Universidade de São Paulo - USP Pedro Nunes Filhos Universidade Federal da Paraíba - UFPB Pedro Varoni de Carvalho Laboratório de Estudos do Discurso (Labor) - UFSCar Ruth S. Contreras Espinosa Universidade de Vic – Espanha Sheron Neves Escola Superior de Publicidade e Marketing - ESPM Capa Original Gi Milanetto Diagramação Renan Alcantara
Sumário
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 04
D ossiê Televisão:
formas audiovisuais de ficção e de documentário
A química do mal contra o câncer: merchandising social espalhável Glauco Madeira de Toledo - Ana Heloiza Vita Pessotto. . . . . . . . . . . . . . . . . . 06 Estratégias e correntes de fluxos em espaços híbridos: a web e a tv Soraya Maria Ferreira Vieira - Liliane Maria de Oliveira Silva - . . . . . . . . . 26 Porta dos Fundos: humor de qualidade no audiovisual brasileiro? Gabriela Borges - Luma Perobeli - Monalisa Soares Lima . . . . . . . . . . . . . . . 43 Complexidade nas obras televisuais e cinematográficas de David Lynch Letícia Xavier de Lemos Capanema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 Heroes: Dissensos da multidão Dilma Beatriz Rocha Juliano - Jean Raphael Zimmermann Houllou. . . . . . . 78 Remediação e intermidialidade como geradores de comicidade em Web Therapy e Modern Family Christian H. Pelegrini. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97
A bordagens M ultiplataformas Comunicações cerebrais superarão as midias tradicionais Sebastião Squirra . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115 A realidade aumentada como possibilidade de expansão à narrativa do livro de imagem Augusto Zambonato - Maurício Elias Dick . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136 Fandom, fanwork e shipping como estratégias de engajamento em Supernatural Carolina Dantas de Figueiredo - Bruna Maria de Meneses. . . . . . . . . . . . . . 154 Consumidor e empresas no reclame aqui: negociação, conflito e convivência nas redes sociais da internet Marcelo da Silva. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171 Convergência midiática e apropriação das novas tecnologias pelos povos indígenas de mato grosso do sul: Perspectivas para o surgimento de um “cinema de índio”? Miguel Angelo Corrêa - Álvaro Banducci Júnior. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189
Apresentação O dossiê temático Televisão: formas audiovisuais de ficção e de documentário foi organizado a partir de uma parceria com o Seminário Temático homônimo da SOCINE - Sociedade Brasileira de Cinema e Audiovisual-, a partir dos trabalhos apresentados no Encontro Internacional realizado em outubro de 2015 na UNICAMP, em Campinas. Para possibilitar a publicação dos textos e dar continuidade ao trabalho de publicação dos resultados do seminário, concretizados nos livros Televisão: formas audiovisuais de ficção e de documentário Vol. I (2011), Vol. II (2012), Vol. III (2013), Volume IV (2015), foi retomada a parceria entre as revistas Lumina, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFJF, e GEMInIS, do Programa de Pós-Graduação em Imagem e Som da UFSCar, que em 2014 também lançaram um dossiê conjunto do seminário temático. O seminário agrega pesquisadores que debatem, por diferentes olhares, a complexidade narrativa e construção estilística em séries televisivas, as relações contemporâneas entre a televisão e a internet - em suas dimensões técnicas e de linguagem, bem como as extensões midiáticas de obras seriadas audiovisuais, as possibilidades de diálogos entre o cinema e a televisão e a crítica jornalística sobre televisão. De maneira geral, os artigos do dossiê refletem questionamentos sobre o momento contemporâneo de transformação da televisão. Seu entendimento como um simples aparelho audiovisual agora se dilui em diferentes telas, tecnologias e linguagens. A televisão se reconfigura em interface com novos gêneros e formatos, e coloca-se como uma mídia em constante diálogo com outras tecnologias e indústrias do entretenimento. Com o fim do seminário temático no âmbito da Socine em 2016, este dossiê ganha relevância ímpar no campo dos estudos televisivos no Brasil, pois os pesquisadores que ao longo dos seis anos de existência do seminário participaram dos debates e dos profícuos diálogos que ali se estabeleceram buscam, neste momento, novos espaços de interlocução na academia brasileira. Sendo assim, o conjunto de artigos aqui apresentados tem o intuito de promover o debate e enriquecer o campo dos estudos televisivos no país.
Na última edição do seminário temático em 2015 os coordenadores foram Gabriela Borges (UFJF), Marcel Vieira (UFPB), Vicente Gosciola (Universidade Anhembi Morumbi). Boa leitura!! Os editores desta edição do dossiê: Gabriela Borges (UFJF), João Massarolo (UFSCar), com a assistência de Dario Mesquita (UFSCar) e Daiana Sigiliano (UFJF).
Dossiê Televisão: formas audiovisuais de ficção e de documentário
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química do mal contra o câncer: merchandising social espalhável
G lauco M adeira
de
Toledo
Doutorando pela Universidade Anhembi Morumbi de São Paulo, Mestre e Bacharel em Imagem e Som pela UFSCar. Professor de Histórias em Quadrinhos da Especialização em Linguagens Midiáticas e da graduação tecnológica em Audiovisual do Centro Universitário Barão de Mauá. Professor de Cinema e de RTVI na UNIMEP. Membro do GrAAu (Grupo de Análise do Audiovisual) e do GEA (Grupo de Estudos Audiovisuais) da FAAC-UNESP e do GEMInIS (Grupo de Estudos Sobre Mídias Interativas em Imagem e Som), vinculado ao PPGIS-UFSCar. Membro da equipe editorial e revisor da Revista GEMInIS, periódico científico internacional. E-mail: glaucot@yahoo.com.
A na H eloiza Vita Pessotto Mestre em Comunicação pela UNESP. Graduada em Rádio e TV pela mesma instituição. E-mail: anahvp@gmail.com.
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Resumo Breaking Bad: A Química do Mal (Breaking Bad, AMC, 2008-2013), apresenta um exemplo de uso de um artefato diegético (SMITH, 2009) de cunho próximo do ativismo social através de um recurso espalhável (JENKINS, 2009; JENKINS, FORD, GREEN, 2013) e perfurável (MITTEL, 2009) em sua série. Algo similar ao merchandising social, expediente comum nas telenovelas nacionais, mas com um direcionamento específico à ação. Palavras-chave: Merchandising Social, Espalhabilidade, Narrativa Transmidiática, Breaking Bad, Artefato Diegético.
Abstract Breaking Bad (AMC, 2008-2013) shows an example of use of a diegetic artifact (SMITH, 2009) of close nature to the social activism through a spreadable (JENKINS, 2009; JENKINS, FORD, GREEN, 2013) and drillable resource (MITTEL, 2009) in the series. Something similar to brazilian “merchandising social”, common strategy on national telenovelas, but with a specific call-to-action aimed at the audience. Keywords: Social Merchandising, Spreadable, Trasmidia StoryTelling, Breaking Bad, Diegetic Artifact.
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audiovisuais e em temáticas de diversas naturezas. As narrativas transmidiá-
ticas (JENKINS, 2007) são uma forma de explorar estas alternativas. A série Breaking Bad: A Química do Mal (Breaking Bad, AMC, 2008-2013) tem como
centro de sua narrativa um homem por volta dos 50 anos de idade que é diagnosticado com câncer. Walter White, professor de química do ensino médio, busca alternativas para custear seu tratamento. Ao mesmo tempo, o personagem precisa juntar dinheiro para o sustento de sua família, esposa grávida e o filho adolescente portador de paralisia cerebral, caso chegue ao óbito. O filho, Walter Jr., para ajudar o pai decide desenvolver um site em que apresenta sua história e permite que os visitantes façam doações para ajudar no custeio de seu tratamento. O site extrapolou os limites do ambiente ficcional e ficou disponibilizado para acesso e doações no mundo real. Este é um exemplo de uma extensão narrativa transmidiática que usa de um artefato diegético (SMITH, 2009) de cunho próximo do ativismo social através de um recurso perfurável (MITTEL, 2009) e espalhável (JENKINS, 2009; JENKINS, FORD, GREEN, 2014). Ou seja, elementos pertencentes à narrativa, ao universo diegético, são utilizados para incentivar um ativismo social para além da ficção. O processo observado pode ser compreendido como um modelo de merchandising social (SCHIAVO, 2002) entendido como espalhável. Esta pesquisa tem como objetivo discutir o modelo de merchandising social espalhável por meio da análise do site “savewalterwhite.com”, produzido para a série Breaking Bad, o que este recurso compartilha com o modelo tradicional de merchandising social e qual o seu diferencial, tendo em vista a relação entre os conceitos de artefato diegético (SMITH, 2009), narrativa transmídiática (JENKINS, 2007), espalhabilidade (JENKINS, 2009; JENKINS, FORD, GREEN, 2014) e perfurabilidade (MITTEL, 2009) 1. 1 Prefere-se aqui o termo espalhabilidade para traduzir spreadability, ao invés de propagabilidade, usado na tradução de Cultura da Conexão, por crermos que expressa melhor o conceito.
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história e também de como envolver e engajar os espectadores nas narrativas
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s plataformas digitais ampliam as possibilidades de como contar uma
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Introdução
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O envolvimento da cultura da conexão no entretenimento contemporâneo
A química do mal contra o câncer : merchandising social espalhável
Artefatos diegéticos são, conforme Smith (2009), todos os elementos que possam ser entendidos como objetos presentes no universo da narrativa, mas que se apresentem também como disponíveis e funcionais, objetos físicos ou virtuais que desempenhem funções, no mundo real, similares ou equivalentes às que desempenhariam no mundo ficcional. Um livro publicado no mundo real, mas que tenha (em teoria) sido escrito por um personagem de ficção, ou uma cópia do batmóvel andando pela rua. No caso de Breaking Bad, o artefato diegético é a página da web que Walter Jr. cria para divulgar a condição da doença do pai. A página se apresenta com qualidade compatível com a que se esperaria de uma personagem leiga, utilizando-se de recursos amadores e um estilo artístico que emula o do seu criador, utilizando exageros propositais e fontes textuais de baixa legibilidade e credibilidade, para que se acredite estar acessando uma página feita com boas e inocentes intenções e uma dose de desespero por atenção. Um artefato diegético como este traz informações narrativas complementares às da história da série televisiva, sugerindo não só uma continuidade do universo
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diegético daquelas personagens presentificado no universo cotidiano dos espectadores, mas também implicando a existência de um passado não mostrado na televisão. Assim, o artefato diegético cria uma extensão narrativa, em suporte distinto do original da série, o que conduz à conclusão de que a narrativa passa a ter uma expansão transmidiática.
de
As narrativas transmidiáticas são aquelas que são contadas de forma a gerar
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uma “experiência de entretenimento unificada e coordenada” (JENKINS, 2007) em mais de um suporte ao mesmo tempo, quando as extensões permitem uma compreensão aditiva em relação ao que se sabia nos trechos anteriores, em outras mídias. Assim sendo, uma vez que Breaking Bad tenha este artefato diegético narrativo complementando a história dos personagens da televisão, já se pode falar em narrativa transmidiática, embora esse elemento por si só não gere grande repercussão ou revisão na diegese. Seu principal interesse reside em outros dois pontos, que são a espalhabilidade e a perfurabilidade, dois comportamentos do público de ficções seriadas audiovisuais que estão intimamente ligados à cultura de fãs e à formação de comunidades no ciberespaço, promovendo o engajamento com narrativas contemporâneas. O primeiro deles, proposto por Jenkins (2009) em oposição aos conceitos de “viral” e “meme”, é o de “espalhamento” (spreading) de conteúdos. À medida que o público compartilha, comenta ou remixa conteúdos relacionados à série, esses conteúdos tornam-se populares na rede. Jenkins pretendia, a princípio, que a espalhabilidade explicasse e englobasse um aprofundamento de discussões e de experiências dos envolvidos, partindo do
princípio de que uma discussão que envolvesse mais pessoas fosse tornar a experiência do encontro com aquele conteúdo mais profunda. Ou seja, que o espalhamento gerasse Jason Mittell (2009) como uma “metáfora para descrever o engajamento do espectador com a complexidade narrativa” e corresponde ao comportamento de “cavar”, procurar mais conteúdo, mais informações, mais narrativa, não se contentando apenas com o
por parte do público, tanto no sentido de esmiuçar todo e qualquer raciocinio feito ou insinuado dentro da narrativa quanto fora dela, entendendo a obra como um mapa de indícios que deverá ser utilizado para compreender o que se passa no universo diegético como um todo. Eventualmente, este mapa direciona o perfurador para uma extensão diegética portadora de conteúdo narrativo, como é o caso da página que Walter Jr. cria para buscar apoio financeiro para o tratamento do pai. Mittell, em sua proposta do conceito de perfurabilidade, diz que enxerga que programas que se pretendem “perfuráveis” tendem a incentivar uma modalidade do “fanatismo forense” (idem, 2009b) que incentiva os telespectadores a cavar mais fundo, sondar abaixo da superfície para compreender a complexidade de uma história e de sua narração. Tais programas criam ímãs de engajamento, atraindo espectadores para os mundos ficcionais e instando-os a perfurar mais fundo para descobrir mais. Assim, a perfurabilidade é uma característica mais típica de produtos que pedem um desvelamento por parte do público, ou seja, um produto perfurável tende a ser um produto menos óbvio, menos escancarado em suas apresentações. É preciso esconder para que haja prazer em procurar; do contrário, constatações óbvias não atrairão pessoas com o interesse em pesquisar e aprofundar-se. Merchandising social e Rede Globo O merchandising social surge antes das possibilidades das plataformas digitais e da extensão transmidiática das narrativas. Ele consiste em uma inserção sistematizada e com fins educativos de questões sociais nas telenovelas e minisséries. Com ele, pode-se interagir com essas produções e seus personagens, que passam a atuar como formadores de opinião e agentes de disseminação das inovações sociais, provendo informações úteis e práticas a milhões de pessoas simultaneamente – de maneira clara, problematizadora e lúdica (SCHIAVO, 2002).
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Perfurabilidade é a capacidade de uma obra de suportar buscas profundas
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que vê na tela original.
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mais profundidade. O segundo conceito, o de perfurabilidade (drillability), foi criado por
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No Brasil, o procedimento foi e continua sendo utilizado pela emissora Rede Globo em suas telenovelas. Muitos estudos se debruçaram sobre estas obras e analisaram
A química do mal contra o câncer : merchandising social espalhável
a formulação, a tematização (MOTTER & JAKUBASZKO, 2004), as discussões e os resultados destas ações em forma do que chamam de “ativismo social”. Para Clemente (2009, p.61) a estruturação da tematização do merchandising social é um dos fatores de seu sucesso dentro do modelo televisivo brasileiro. O cunho ficcional das telenovelas potencializa o nível de envolvimento e de discussão dos temas agendados pela obra, além do papel deste formato dentro do país. O merchandising social não é a única forma de movimentar as pessoas em torno de uma causa, certamente, mas costuma gerar uma imagem positiva da emissora de televisão que o promove. Sobretudo quando há a cobrança por qualidade na programação e por implicação nas questões sociais do país, como se cobrou da teledramaturgia da Rede Globo por tanto tempo, especialmente ao final da década de 1980 e durante a de 1990. A página institucional da emissora traz uma menção específica ao recurso:
• G lauco M adeira de
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A teledramaturgia padrão Globo inclui a difusão de conhecimento, a transmissão de mensagens socioeducativas e o incentivo ao debate e à mudança de comportamentos. Desde a novela “O Espigão” (1974), que debateu ecologia e planejamento urbano, a programação manteve uma antena na vida real. Outros exemplos são a minissérie “O Portador” (1991), sobre a urgência da prevenção à Aids; a novela “O Rei do Gado” (1996) que discutiu o explosivo tema da reforma agrária; “Laços de Família” (2000), incentivo à doação de medula óssea; e “O Clone” (2001) que tratou sem retoques a tragédia da dependência química. Ao abordar os maus-tratos a idosos, as mortes por armas de fogo e a violência doméstica contra mulheres, o sucesso “Mulheres Apaixonadas” (2003), de Manoel Carlos, contribuiu para a aprovação dos estatutos do Idoso e do Desarmamento, além da lei que tipifica o crime de violência doméstica. Em 2004, “Senhora do Destino”, escrita por Aguinaldo Silva, mostrou a gravidez adolescente. “América” (2005), de Glória Perez, tratou dos direitos das pessoas com deficiências, na abordagem sobre a deficiência visual. “Páginas da Vida” (2006-7), outra novela de Manoel Carlos, incorporou a temática da Síndrome de Down, discutindo educação inclusiva, diversidade e preconceito, com grande impacto social. Em 2007 e 2008, “Duas Caras”, de Aguinaldo Silva, realizou ação contundente de combate ao preconceito racial, enquanto “Sete Pecados”, de Walcyr Carrasco, mostrou o papel central da educação no desenvolvimento social. Desde 1995, só nas telenovelas, foram mais de 12 mil cenas de conteúdo socioeducativo, incluindo “Malhação”, que representa aproximadamente 30% das inserções a cada ano. A prática inovadora do Merchandising Social deu à TV Globo, em 2001, o Business in the Community Awards
for Excellence, o mais conceituado prêmio de Responsabilidade Social do mundo, na categoria Global Leadership Award.2
dising social, Clemente (2009) destaca as novelas globais: Laços de Família (2000-2001), Mulheres Apaixonadas (2003), Páginas da Vida (2006-2007). Laços de Família (2000-2001) teve como tema base a leucemia. A personagem
Figura 01 - Cena em que Camila raspa o cabelo. Laços de Família (2000-2001)
(Fonte: Internet)
A cena em que a personagem raspa a cabeça foi emblemática e bateu recordes de audiência na emissora. Aqui mais um exemplo de uma forma emotiva de fortalecer a relação do público com a personagem com o uso de várias ferramentas audiovisuais, como a trilha sonora, que ficou marcada. Mulheres Apaixonadas (2003) trouxe à tona a questão de comportamentos excessivos, como é o caso da personagem Heloísa, que tem uma relação doentia com o parceiro. Aí é introduzido um grupo de apoio conhecido como MADA (Mulheres que amam demais anônimas). Páginas da Vida (2006-2007) trouxe em seu enredo um leque de temáticas como o planejamento familiar, o aborto, o HIV, maternidade-paternidade não assumida, gravidez na adolescência e saúde da mulher (SCHIAVO, 2007). Schiavo analisou o impacto destes temas da trama na vida social dos espectadores e mais de 60% deles afirmou que após a novela tiveram aumentado o seu nível de conhecimento sobre os 2 Disponível em: http://redeglobo.globo.com/Portal/institucional/foldereletronico/g_rs_merchandising_social. html
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contra a doença enquanto espera por um doador de medula.
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de Carolina Dieckmann, Camila, jovem e bonita é diagnosticada com leucemia e luta
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Dentre as obras que tiveram temáticas desenvolvidas por meio do merchan-
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assuntos abordados na telenovela. Entretanto, a pesquisa de Schiavo não se direcionou
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portadores de síndrome de down. A avó materna da criança com síndrome de down
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para a tematização que se mostrava como central da narrativa que foi a inclusão dos renega-a e entrega para adoção e mente para a filha ao dizer que a criança morreu. A personagem Helena adota a menina. A questão se apresentou de forma emotiva baseada na relação dos espectadores com a relação de Helena e Clara, dando um impulso à causa da inclusão das pessoas com down. O merchandising social ele não se dá por meio de apenas um tema central da obra, mas possibilita a inclusão de diversas ações. Schiavo (2002) apresenta dados que corroboram com esta afirmação. Segundo o autor, apenas no último mês de exibição de Laços de Família a novela apresentou 22 ações de merchandising social. Aos poucos as mídias digitais foram sendo incorporadas como ferramentas para o merchandising social. Uma novela que se destacou como um exemplo relevante foi Viver a Vida (2009-2010). A personagem Luciana, vivida por Aline Moraes, fica tetraplégica após um acidente. Com o intuito de ajudar outros cadeirantes,
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Luciana decide
de
contar suas experiências durante a recuperação do acidente, para que outras pessoas pudessem se inspirar naquela demonstração de superação. [...] A interconexão narrativa entre TV e blog produz como efeito a imbricação entre realidade e ficção. (GREGOLIN, 2010).
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A inovação desta ação está no fato de que o Blog que Luciana escreve durante a novela, na ficção, Sonhos de Luciana, pode ser acessado e lido pelos espectadores fora da trama da novela. Esta experimentação caracteriza Viver a Vida como uma narrativa transmidiática, pois o blog expande a narrativa. Este uso do blog apresenta uma ação de adaptação do formato novela para os novos paradigmas de consumo, formada por um consumidor-espectador que não apenas recebe conteúdo, mas que também se coloca como produtor de conteúdos. Uma opção para reinventar o gênero televisivo e incorporá-lo aos modelos contemporâneos de conteúdo midiático (GREGOLIN, 2010). O blog é utilizado como um artefato diegético que incentiva a imersão do espectador e favorece o desenvolvimento do tema abordado. Utiliza-se do formato diário e Luciana realizava postagens diárias com uma contagem progressiva de dias que equivaliam aos dias de evolução do seu estado psicológico e de aceitação.
Figura 02 - Sonhos de Luciana. Viver a Vida (2009-2010)
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(Fonte: Internet)
Foram realizadas 84 postagens, sempre com subtítulos que apresentavam a questão a ser abordada no texto. Foram adicionadas letras de música, histórias de preconceito e dificuldades da vida de cadeirante e fotos de Luciana e família. As principais tags do blog foram “casamento”, “poesia”, “Miguel”, “amor” e “acessibilidade”, na ordem do mais para o menos citado. Há nisto um indício de que os espectadores tenham chegado ao blog mais com o interesse na trama folhetinesca do que nos temas chamados sociais - embora a personagem Luciana fosse cadeirante. Outro dado interessante é o fato de que a maioria das postagens possuem mais de 150 comentários e, em todos, as pessoas que interagem chamam Luciana de “Luciana” ou “Lu”. Não há comentários que fujam do universo diegético e se reportem à atriz Aline Morais ao invés de reportarem-se à personagem Luciana. Entanto, cabe o destaque de que o blog pode ter sido gerenciado com o intuito de retirar as postagens que não se destinassem à personagem para que a imersão não fosse prejudicada. O consultor Jeff Gomez3 veio à Rede Globo na mesma época, e procurou mostrar que os artefatos diegéticos e narrativas transmidiáticas ampliavam o envolvimento dos fãs com a obra. No entanto, apesar de funcionar como uma estratégia de imersão, o blog esteve hospedado no site da globo, o que atrapalha a experiência imersiva, já que mantém Luciana e seu blog ancorados necessariamente na ficção, sem a possibilidade de leitura de o blog existir no mundo real. 3
Produtor especialista americano em narrativas transmidiáticas.
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Breaking Bad: savewalterwhite.com
A química do mal contra o câncer : merchandising social espalhável
A série Breaking Bad: A Química do Mal (Breaking Bad, AMC, 2008-2013) é focada na vida do personagem Walter White. Professor de química do ensino médio, e nas horas extras atendente e lavador de carros em um lava jato, Walter sustenta sua esposa grávida e seu filho de 17 anos, portador de paralisia cerebral. No dia de seu aniversário de 51 anos, o professor é diagnosticado com um câncer inoperável. Mr. White, que já tem uma vida financeira complicada, começa a buscar alternativas para pagar seu custoso tratamento médico. Além do seu tratamento e do sustento imediato da família, Walter também precisa arrumar uma fonte de renda para guardar dinheiro e garantir uma estabilidade financeira para sua família, caso ele morra. Inicialmente, ele esconde sua doença de sua família e encontra uma solução ilícita para os problemas financeiros: a produção de metanfetamina em um motorhome com seu ex-aluno Jesse Pinkman. Walter se responsabiliza pela produção e Jesse pela venda da droga. As mentiras para manter sua saúde fora das preocupações da família não se
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sustentam por muito tempo, e logo no quarto episódio da primeira temporada, intitulado “Cancer Man”, Walter conta à família de seu câncer para poder encobrir sua atividade como produtor de drogas e outras incoerências comportamentais dos últimos tempos. A família se aflige e tenta dar suporte para o patriarca. O filho, Walter Jr., na
de
trama também conhecido como Flynn, não pode ajudar na questão financeira da família
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da forma tradicional. A opção encontrada por ele foi criar uma página na web que tinha como intuito arrecadar doações para o custeio do tratamento do câncer do pai. A página “savewalterwhite.com” é citada pela primeira vez na série quando Walter descobre sobre a sua existência, no décimo segundo episódio da segunda temporada, intitulado “Phoenix”. É neste episódio também que ele conhece sua filha recém-nascida, Holly White. Flynn escreveu na página a história do pai sob sua ótica. Com declarações emocionantes, o adolescente buscava convencer as pessoas a doarem dinheiro para o tratamento do pai. Savewalterwhite foi desenvolvida pelo personagem dentro da narrativa, mas extrapolou os limites da ficção e foi disponibilizada para ser acessada fora da trama. Usuários comuns puderam ter acesso ao conteúdo do site. O portal mostrou-se assim um artefato diegético dentro de uma estratégia de narrativa transmidiática. Dois elementos importantes para o funcionamento de um artefato diegético são a sua verossimilhança e sua canonicidade. O nível da canonicidade ficcional está relacionado ao fato de se o conteúdo disponibilizado pelo artefato, no caso de Breaking Bad a página savewalterwhi-
te, é coerente com a história da série; e o nível da verossimilhança está relacionado com a capacidade de produção do Flynn para desenvolver a página web. que é a “verdade’, ou “realidade” dentro da diegese. Não se pretende atribuir ao objeto ilustrativo Breaking Bad o status de cânone dentre as obras narrativas transmidiáticas, como uma das leituras do termo “cânone”4 também permitiria, mas de verificar a
desambiguação do termo, para ilustrar de que canonicidade se está falando. Não é raro se ouvir falar de “canonizar” alguém no sentido de torná-lo oficialmente parte do cânone de uma religião. É comum que se dê o nome de cânone ao conjunto de textos considerados sagrados, de revelação ou inspiração divina. Em relação às bíblias, é frequente nomear livros canônicos e livros apócrifos, remetendo respectivamente àqueles que são parte efetiva daquela bíblia (segundo designação das autoridades religiosas relativas à bíblia em questão) e aos que são descartados por algum motivo, seja o estilo literário incompatível com o resto daquela bíblia canônica ou um texto cuja autoria seja questionada pelas respectivas autoridades eclesiásticas. Esse conjunto pode ser aberto, no sentido de permitir que outros textos ainda venham a ser adicionados ao cânone, ou fechado, se for considerado pelos estudiosos daquela religião específica que todas as revelações já foram feitas e o cânone está completo. Muitas religiões se utilizam de conjuntos de textos que têm intersecções com outras religiões. Assim, os cristãos e os judeus consideram canônicos alguns textos em comum, mas há textos considerados não-canônicos, ou apócrifos, para uma e que são canônicos para outra religião. A ideia de canonicidade é sempre relativa ao conjunto tido como regra, ao cânone (TOLEDO, 2012). No uso do termo canonicidade ficcional, aqui neste texto, a relação é similar ao uso nas religiões; o conjunto de informações que forma o cânone é o texto principal, no caso em questão, a série televisiva Breaking Bad, e todos os outros textos serão submetidos a escrutínio para que se verifique se estão, ou não, respeitando os “textos sagrados”. Se a série “Better Call Saul” (2015-) ou se a página savewalterwhite não contradizem o texto do carro-chefe, e se têm a autorização (ou a “benção”) dos detentores dos direitos sobre a obra, serão consideradas parte do cânone, o que é o caso de ambas. Para maior compreensão da análise, a seguir é apresentada a imagem do layout da página www.savewalterwhite.com.
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Cânone como o grande expoente artístico a ser imitado pelas outras obras
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ou estão em acordo com o cânone de seu universo diegético. Assim, faz-se necessária a
ano
coesão interna dessa narrativa e se os trechos dispersos por várias mídias se reportam
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O uso do termo canonicidade ficcional dá-se aqui no sentido de referenciar o
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Figura 3 – Página www.savewalterwhite.com
20 A química do mal contra o câncer : merchandising social espalhável
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(Fonte: Internet)
Para a avaliação da canonicidade da página, a análise se direcionou aos textos
de
escritos e aos textos em forma de imagem, no caso, as fotografias da família.
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As informações disponibilizadas pela página são sempre sob a visão do personagem do filho. Como pode ser observado na imagem já apresentada, a página tem como título “Walter White” e um subtítulo “Father, Husband & Teacher”, em tradução livre “Pai, Marido e Professor”. Durante o texto em que Flynn apresenta a história do pai, as informações apresentadas são exatamente as informações que o personagem tem acesso durante a trama. Nos primeiros episódios, nos quais Flynn não sabia da doença do pai, o filho parece menos engajado com a relação familiar. Logo no episódio piloto a relação de Flynn com os pais é apresentada por uma discussão na hora do café da manhã, na qual o adolescente enfrenta os pais e faz inúmeras reclamações, como a necessidade de um aquecedor novo e o gosto ruim do bacon vegetariano. O arrependimento de Flynn quanto ao seu comportamento em relação aos pais é descrito no texto inicial da página web. Esta passagem dos episódios está representada fielmente na página, por exemplo, quando Flynn diz que “My dad is amazing. It’s funny, but I didn’t know that until I found out he was going to die.” (Meu pai é incrível. É engraçado, mas eu não sabia disso
até eu perceber que ele iria morrer). Isso é uma das demonstrações da canonicidade da página, já que a narrativa é coesa, não-contraditória e os personagens são fiéis ao que A apresentação do pai também é coerente com a narrativa da série. Flynn explica que seu pai é um professor de química muito inteligente e adiciona ao texto informações reais sobre reações químicas que o pai lhe ensinou. Quanto às reações
diretamente ao nosso mundo real. É digno de credibilidade que quem escreve aqueles trechos sobre química seja, realmente, o filho de um professor de química; o fato de o adolescente saber essas reações porque o pai lhe ensinou é um elemento conectado à canonicidade da ficção construída na página. Muito do conteúdo apresentado pelo filho no savewalterwhite explica elementos da série, expandindo a experiência do espectador. Flynn explica que o pai é apaixonado por química e não consegue entender que ninguém mais é, e gosta de cozinhar por causa da química, porque na cozinha as reações ocorrem o tempo todo. Esta informação se conecta diretamente com o fato de Walter ter arrumado uma solução financeira “cozinhando” metanfetamina. O texto também apresenta Walter como um homem que sempre dá o seu melhor em tudo, e Flynn acredita que é isso que faz com que o pai seja tão corajoso nesta batalha contra o câncer. A linguagem utilizada é simples, direta. As frases são todas na primeira pessoa do singular e pressupõe a existência de um leitor, a quem o adolescente faz referência e indagações em alguns momentos. O texto utiliza de humor, emoção, tristeza e esperança como ferramentas de convencimento. O humor irônico já é característico do personagem de Flynn dentro da narrativa. Uma das passagens que apresentam este toque de humor é o momento em que compara sua deficiência física com a falta de talento e destreza do pai para esportes como o futebol americano. A ligação emotiva do personagem com a página está nas declarações tão pessoais que Flynn realiza durante todo o texto. Ele se abre sobre assuntos como a relação com os pais, o bullying que sofre dos garotos das escola por causa de sua deficiência, da situação financeira do pai, e do fato do pai não aceitar caridade. Para a narrativa, um dos maiores ganhos é poder entender como Flynn vê o pai e comparar com a forma como Walter começa a se comportar depois do diagnóstico e da estreia como cozinheiro de metanfetamina.
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com a mitologia construída para aquele universo e personagens, mas uma que remete
ano
químicas, a página mantém a verossimilhança, já que apresentam não uma relação
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sabemos sobre eles na série.
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As informações escritas e as fotos fazem parte do universo diagético que representam e, por isso, a página faz parte do cânone da série. Os textos também
A química do mal contra o câncer : merchandising social espalhável
comprovaram a verossimilhança do artefato, tendo em vista a linguagem utilizada como própria de um adolescente, incluindo suas limitações. O layout e as escolhas estéticas e de navegação da página são elementos a serem analisados para comprovar a verossimilhança. A simplicidade da página, que apenas apresenta texto corrido e fotos, sem grandes detalhes e complexidades de navegação, tornam verossímil ter sido realizado por um adolescente sem grandes conhecimentos na área. A escolha das cores, com foco no verde e no amarelo, com a intenção de chamar atenção, e a fontes comic sans, assim como o recortes das fotos, são sinais de amadorismo que validam a autoria de Flynn na página. Figura 4 – Página www.savewalterwhite.com Doações
• G lauco M adeira de
Toledo - A na H eloiza Vita Pessotto
(Fonte: Internet)
A página tem o intuito de pedir doações para o tratamento de Walter. Flynn pede que as pessoas realizem doações clicando no botão e que mantenham Walter em suas preces. Durante a série, a página é citada diversas vezes e foi até mesmo utilizada por Walter como forma de lavar seu dinheiro advindo de sua ocupação ilegal e ainda por cima alegrava o filho com o sucesso de sua ação solidária. O link para doações, ao invés de manter-se na diegese para o salvamento de Walter White, direcionava à página de uma instituição de caridade, a National Cancer Coalition. A ação arrecadou dinheiros e alguns fãs.
Como pode ser observado pelos dados de doações, o apelo foi grande, a página foi encontrada por perfuradores e posteriormente espalhada por uma grande quantidade de pessoas, espectadores ou não. Entretanto, enxerga-se aqui no uso do website da AMC um recurso similar ao mais conhecido e tradicional merchandising social. Considerações finais O recurso do merchandising social efetivamente promove uma movimentação da sociedade, discutindo sobre os temas, indissociáveis da narrativa, enquanto fala sobre sua tão popular forma de entretenimento televisivo. Independentemente de ter sido escolhido em função de dar à emissora uma imagem social mais palatável, ou de efetivamente querer provocar as discussões acerca das temáticas espinhosas que tangem, como violência doméstica e preconceito racial, o recurso é válido e efetivo. Schiavo, falando de maneiras distintas de apoiar um conjunto de situações que, sinergicamente, contribuem para provocar o efeito da discussão - rodeando os espectadores com menções à temática em questão - elenca diversos métodos e estratégias utilizados pelo merchandising social, dentre os quais, aqui se destacam: • Criar condições para engajamento de profissionais de produção ligados a outros gêneros ou modalidades de programas, tais como os de variedades, de entrevistas, esportivos, jornalísticos e outros. 5
No entanto, o link ainda pode ser acessado através da memória cache do Google, por este endereço: http:// webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:Tt5BHTpowfMJ:www.AMC.com/shows/breaking-bad/ talk/2012/10/breaking-bad-fans-donate-125k-to-fight-cancer+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br
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investigações sobre a eficácia e idoneidade da instituição beneficiada5.
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O link foi posteriormente removido pela AMC, mediante questionamentos e
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Segundo um post de outubro de 2012 no blog do programa, desde o lançamento do site, em julho de 2009, a iniciativa já arrecadou mais de 125 mil dólares para a causa da instituição, que é garantir que todos tenham acesso a cuidados médicos de qualidade e medicamentos para combater doenças crônicas e câncer em qualquer lugar do mundo. Achei uma iniciativa bastante interessante por parte da AMC. Com a força do programa, foi possível criar uma coisa relativamente simples com intuito de engajar as pessoas para algo nobre. Imagino que outras empresas de entretenimento poderiam adotar atitudes similares, contextualizando os temas de suas produções com assuntos sociais. Muita utopia? O que você acha? (CHAGAS, 2013, s/p)
• Enfatizar o uso do entertainment-information, que é um novo e promissor
A
• Estimular o processo de intertextualidade (cross-media) que, em geral, surge
química do mal contra o câncer : merchandising social espalhável
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campo que se abre às ações de socioeducação. [...] associado às ações ou cenas de merchandising social, principalmente nos demais veículos de comunicação pertencentes às Organizações Globo, tais como as Rádios Globo, 98 FM e CBN; os jornais O Globo, Extra e Expresso, além dos vários sites ligados aos programas de entretenimento e telenovelas envolvidos nas ações de merchandising social [...] (SCHIAVO, 2006, p.10-11). De certa forma, o recurso que Breaking Bad utiliza tem proximidade dos casos nacionais de merchandising social em novelas, mas com a clara proposta de trabalhar-se via espalhabilidade e perfurabilidade, de um ativismo mais ativo, mais voluntário e de nicho, distinguindo-se da proposta mais massiva da novela de TV aberta. Sem a pretensão de amplo debate, mas com a efetiva mobilização das pessoas em torno de um tema conduzido de forma emocional e tendo como lastro a narrativa e a identificação do público com o personagem.
• G lauco M adeira
Entre as diferenças das duas possibilidades de ações de merchandising social, a tradicional e a espalhável, aqui representada pela página savewalterwhite.com, está o posicionamento das empresas responsáveis pelas obras audiovisuais. No caso da Rede Globo, uma forte motivação está relacionada à concepção da responsabilidade social da
de
empresa. A emissora tem local de destaque no quadro midiático nacional e utilizar o
Toledo - A na H eloiza Vita Pessotto
seu poder de agendamento à favor de levantar discussões temáticas direcionadas às causas socioeducativas tendo como intenção criar uma imagem positiva para a empresa. Outra maneira encontrada de comprovar a preocupação com a responsabilidade social é a forma como as temáticas e o enredo dos personagens envolvidos se desenvolve. Em narrativas menos complexas, como em Malhação, obra que se estende desde 1995 e representa 30% das ações socioeducativas anuais da emissora, os personagens que são “bonzinhos” terminam a novela bem e os “maus” são punidos como forma de reforçar o cunho educador da trama. A Rede Globo, como mostrado na análise do blog Sonhos de Luciana, não se desliga das ações e toma para si a responsabilidade pela problematização das temáticas. Os elementos, portanto, não se desvinculam da emissora. Em Breaking Bad, entretanto, a ação da página não segue estas características apresentadas pelas ações da Rede Globo. A AMC não deixa vestígios de seu interesse em explorar, seja simbólica ou comercialmente, sua responsabilidade por problematizar o tema ou incentivar as doações à instituição. A localização da página web, a ausência
de publicidade para a página e a causa demonstram esta posição. A AMC não vincula, nem por meio de publicidade, muito menos por meio de símbolos visuais, o savewaltersimilhança da campanha iniciada por Flynn. Diferente do Blog Sonhos de Luciana, que se encontra hospedado no site da Globo. Há quem tenha sugerido chamar o que se fez em savewalterwhite.com de “Cause
seria a inserção, em obra de entretenimento, de uma causa. Neste exemplo, o auxílio financeiro às pessoas com câncer e que precisam de apoio para poder realizar seus tratamentos. Talvez uma das principais características diferenciais entre o merchandising social produzido pela Rede Globo e o Cause placement produzido pela AMC seja a perfurabilidade. Uma vez que o material perfurável precisa, ou deveria, estar escondido, provoca nos fãs o anseio de buscar informações, o que demanda bastante tempo e energia, encontrar este “tesouro enterrado” é uma situação digna de celebração. Não se pretende, com isso, dizer que o site tenha sido completamente soterrado de forma a não ser encontrado. Pelo contrário, o nome da página é mencionado pela tia de Flynn; mas o fato de o espectador ter feito a ponte entre a ficção e a realidade e de fato ter ido procurar pela página já era, em 2009, improvável em muitos lugares do globo. Talvez nos Estados Unidos o recurso tenha parecido mais óbvio, mas aqui no Brasil não o era. Também o não-reconhecimento da página como propriedade da emissora é um componente relevante nesta construção; ao saber que o site de Flynn era da AMC, a imersão teria sido prejudicada e o recurso escondido teria sido entendido como visível e ao alcance de qualquer um, o que leva ao raciocínio seguinte. Para poder considerar uma obra ou uma narrativa como espalháveis, é necessário entender que o espectador, ou o fã, ou ainda a pessoa que tenha entrado em contato com aquele conteúdo predisponha-se a ser vista perto dele. Atrelar-se ao conteúdo, identificar-se com ele e por ele ser identificado; para compartilhar informações, gerar conteúdo novo derivado da ficção ou mesmo debater sobre aqueles temas é necessário que haja algum envolvimento, sendo quanto maior o envolvimento, maior a probabilidade de gerar espalhamento. Deste ponto de vista, os temas do merchandising social são espalháveis, desde que não sejam espinhosos demais a ponto de gerar ojeriza. Há grandes chances de, entendidos como relevantes, os temas serem espalhados. Mas, se em Breaking Bad a questão é ajudar uma personagem ficcional em seu tratamento, o que gera essa identificação, ao ponto de propor o compartilhamento das informações
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obra ficcional um produto que se queira vender, ou dar visibilidade. O Cause placement
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placement”, assemelhando a ideia ao product placement, técnica na qual se insere em uma
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white a ela, com a intenção também de manter a imersão no artefato diegético e a veros-
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que “impediriam a morte” de um personagem da ficção? Parte da resposta parece
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no espectador. O mesmo ocorreu na telenovela Laços de Família e a personagem Camila,
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residir no envolvimento profundo com a narrativa, que desperta emoções empáticas que passou pela tocante cena em que precisa passar pelo corte dos cabelos, em função de submeter-se à quimioterapia. A resposta emocional é motivadora, sem dúvida. Mas no caso de White, há mais do que isso em jogo: a página, colocada na web no mundo da ficção, transforma-se em portal para o universo diegético (mais similar, neste ponto, ao blog Sonhos de Luciana) e, com o bônus da imersão obtida com sucesso, ele não é um recurso divulgado à exaustão, nem tem a marca da emissora, nem estava entre os conteúdos disponibilizados no portal da AMC. Ou seja, sua efetiva “descoberta” é um feito para o espectador. Mais que isso, um feito do qual o espectador não só quer gabar-se, mas que ele não tem a certeza de que vai ter sido visto por todos os espectadores da série, repetido a exaustão e anunciado nos programas dominicais de não-ficção. Esta descoberta, se feita cedo (ou se anunciada a público menos engajado) é uma novidade surpreendente. Tão relevante quanto à surpresa, é a manutenção da imersão, neste caso, já
• G lauco M adeira
que haverá um sem-número de espalhadores inocentes, que farão o compartilhamento da página em seus perfis nas redes sociais visando ajudar o professor cujo filho com paralisia cerebral tão ternamente solicitou. As duas possibilidades são interessantes para trazer a tona temáticas polêmicas
de
e problematizar tabus dentro da sociedade. A vantagem do modelo tradicional de mer-
Toledo - A na H eloiza Vita Pessotto
chandising social está no poder de agendar o tema e trazer discussões sobre ele que podem gerar transformações de dimensões maiores. O compartilhamento destes temas produz diálogos e interferências na vida social das pessoas, pois as telenovelas tem alto grau de penetração social graças ao seu acesso fácil. A audiência e poder da Rede Globo para os cases sociais podem ser observados em exemplos como a campanha anual do Criança Esperança, que arrecadou em 2015, mais de 22 milhões de reais, quebrando o recorde dos 31 anos de existência do projeto. Ou seja, a emissora tem em mãos todas as ferramentas para utilizar-se do modelo espalhável de merchandising social. Se a arrecadação não-ficcional alcançou índices tão altos, imagina-se que ao envolver também o engajamento e a cultura de fãs, a emissora só teria a ganhar levando os espectadores do nível da abstração temática e discussões para a materialização das ações concretas. O case de Breaking Bad apresenta a concepção do espalhável, entretanto alguns elementos, principalmente relacionados aos modelos de narrativa, impediram-no de alcançar patamares tão elevados, tanto de discussão e comoção nacional, quanto
financeira. O fato de a série ser produzida para um público segmentado e a necessidade de cavar para achar as informações do site fez com que a instituição beneficiada muito inferior, ao valor, por exemplo, do Criança Esperança. O que não pode ser desconsiderado é que a ação foi bem sucedida, pois se tratou de uma página web simples e de baixo custo, versus o modelo de alto investimento produzido pela Rede Globo. Além de
Os recursos estão à disposição, mas o importante é perfurar para descobrir informações, espalhar apenas aquelas que são confiáveis, fazer a discussão necessária aos temas e evitar fazer doações para infratores. Referências AMC. Breaking Bad fans Donate More than $125,000 to fight cancer via Savewalterwhite.com. 2012. Disponível em: <http://webcache. googleusercontent.com/search?q=cache:Tt5BHTpowfMJ:www.AMC.com/ shows/breaking-bad/talk/2012/10/breaking-bad-fans-donate-125k-to-fightcancer+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br>. Acessado em: 29 de agosto de 2016. CHAGAS, Bruno. Salve Walter White. Disponível em:<http://socialemidia. com.br/salve-walter-white/>. Acessado em: 29 de agosto de 2016. CLEMENTE, Andréa Sant’Anna. Merchandising social: a caixa de Pandora da Telenovela brasileira. Revista Comunicação & Inovação. V.11. N.20. p.58-67. São Caetano do Sul, SPJan-jun 2010. Disponível em: >> http://seer.uscs.edu.br/index.php/revista_comunicacao_inovacao/ article/view/950/773<< Acessado em: 24 de agosto de 2016. COUCH, Aaron. AMC Drops ‘Worst Charity’ From ‘Breaking Bad’ Fundraising Website. Disponível em: >>http://www.hollywoodreporter.com/news/breakingbad-AMC-drops-worst-612717>> Acessado em: 27 de agosto de 2016. http://www.hollywoodreporter.com/news/breaking-bad-AMCdrops-worst-612717<< Acessado em: 27 de agosto de 2016. JENKINS, H. If It Doesn’t Spread, It’s Dead. In: Confessions of an Aca-Fan. the official weblog of Henry Jenkins. 2009.
7 - n. 2
alvo da ação.
ano
ter alcançado doações muito superiores à média que a instituição recebia antes de ser
Revista GEMI n IS |
arrecadasse a quantia de $125 mil dólares em três anos. Um valor considerável, contudo,
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JENKINS, H; GREEN, J; FORD, S. Cultura da conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Aleph, 2014.
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• G lauco M adeira
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Toledo - A na H eloiza Vita Pessotto
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Estratégias
e correntes de fluxos em espaços híbridos: a web e a tv
Soraya M aria Ferreira Vieira Universidade Federal de Juiz de Fora. Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. E-mail: sovferreira@gmail.com
Liliane M aria
de
O liveira S ilva
Graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: lilianeoliveiras19@gmail.com
S abrina Chinelato Graduada em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: sabrinachinelato@hotmail.com
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p.
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Resumo As TVs estão ampliando seus domínios a partir das novas plataformas digitais e buscando alternativas para enfrentar esse momento de convergência de mídias. As emissoras com tradição televisiva passam por uma fase de adaptação ao novo mercado que se abre para audiência e produção para os meios digitais. Por conta disso, os canais GNT e Globo, desenvolveram em seus sites, GNT e Gshow, ferramentas de participação, convidando o usuário a interagir por meio das redes sociais digitais. Diante disso, buscamos averiguar quais estratégias de interação tais canais desenvolveram diante do fluxo de convergência bilateral que esta associação TV e web promovem hibridizando ainda mais os ambientes. Palavras-chave: TV, web, fluxo de convergência, hibridismo, Segunda Tela.
Abstract TVs are expanding their domains from the new digital platforms and seeking alternatives to face this time of media convergence. Broadcasters with television tradition go through a phase of adaptation to the new market that opens for the audience and production for digital media. Because of this, the GNT and Globo channel, developed on their websites, and GNT Gshow, participatory tools, inviting the user to interact through digital social networks. Therefore, we seek to ascertain what interaction strategies such channels developed on the bilateral convergence flow of this association and TV web promote further hybridizing environments. Keywords: TV, web, convergence flow, hybridity, second screen.
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gera conteúdo para a internet e essa para a televisão. Fato este que pode até se tornar estratégia das emissoras de televisão e portadores de portais para
manter e ganhar o público jovem os nativos digitais. Queremos ao mesmo tempo compreender como conseqüência como se dá o que estamos denominando por fluxo bilateral invertido, ou seja, como o que se passa no ambiente da internet vai para TV. Consideramos a televisão como sendo a Primeira Tela. Daí nos questionamos sobre quais as marcas que se anunciam quando os espectadores e usuários da Segunda Tela trocam impressões e opiniões? Como se mostra a performance da participação nesses espaços híbridos? Com a propulsão da convergência midiática, a lógica da produção para a web está bem à frente do que é produzido para a televisão. É possível que isto se deva ao fato de a televisão ainda permanecer como meio clássico e ir adaptando seu público já fidelizado ao novo contexto da cultura da convergência. Ela permanece dentro do fluxo da narrativa tradicional, explorando pouco a interatividade, apesar de iniciativas tímidas. A convergência representa um risco, já que a maioria dessas empresas teme uma fragmentação ou uma erosão em seus mercados. É certo o risco existente cada vez que um espectador é deslocado da televisão para a internet, por exemplo, de ele não voltar mais. (JENKINS, 2009, pág. 47). Acreditamos que, por conta disso, os canais Globo e GNT desenvolveram
estratégias para transferir o seu conteúdo televisivo para a web, conforme vimos em pesquisa anterior (FERREIRA, 2014). Naquela investigação foi possível perceber que o conteúdo apresentado na televisão basicamente se repete na internet. Porém, sofre uma reconfiguração estética e de conteúdo para se adaptar ao novo meio. Os gêneros televisivos já consolidados por meio da repetição de suas narrativas vão reconfigurando sua estética, promovendo a interação entre o usuário e emissora, inserindo links de participação, ao convidarem o usuário a interagir, por meio da
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C
hamamos fluxo de convergência bilateral o fenômeno pelo qual a televisão
ano
Introdução
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internet e de redes sociais, e até mesmo participar de sua programação, através dos
Estratégias
Mas a materialidade das produções e interconexões destes espaços, dada nestes
aplicativos ali disponibilizados. dois ambientes na e pela linguagem se misturam, fazendo surgir mais vozes, mais
e correntes de fluxos em espaços híbridos : a web e a
formas de dividir a tela e escolher os elementos presentes em cena para configurar presenças. Interessa-nos olhar para essas intermidialidades, que, a nosso ver, se configuram de maneira repetida, conforme buscaremos demonstrar na análise das estratégias de interação em emissoras com tradição televisiva. Uma delas, por exemplo, é a inserção, de maneira síncrona, do ambiente das redes sociais na tela da TV, durante a apresentação do reality show Superstar, da Rede Globo. Essa intermidialidade produzida – que acreditamos se apresentar sem uma transcriação de elementos ao passar de um fluxo internet para TV – repete presenças e seus modos de materialização estética presentes nos aplicativos dos programas. Não podemos negar que a convergência de mídias tem trazido mudanças nas linguagens jornalísticas, tele dramatúrgicas, dos talks-shows, dos programas de auditório e minisséries, dentre outros gêneros. Podemos perceber que as emissoras ainda estão
TV • S oraya M aria Ferreira Vieira - Liliane M aria
se adaptando a este novo cenário e, aos poucos, criando estratégias de comunicação, como a interconexão de conteúdos a fim de gerar fluxo bilateral e invertido, visando manter a audiência dos telespectadores-internautas. Aos poucos, são rompidas formas tradicionais de ver TV e abandonadas práticas até então adotadas no consumo de produtos simbólico, por meio de uma única tela. O novo ambiente audiovisual intercala múltiplas telas de modo a viabilizar formas de participação, interação e consumo ubíquos que nos permitem estar ao mesmo tempo vendo, compartilhando, criticando e parodiando o que circula, em tempo real, de modo a habitar, assim, diferentes espaços. O espectador se torna visível. Como resultado nasce espaços híbridos, mesmo que se apresentem neste primeiro momento esteticamente repetidos, mesmo com usos significativos de interfaces.
de
As dimensões tecnológicas, empresariais, citadas por Scolari (2008), que
O liveira S ilva - S abrina Chinelato
compreendem a convergência midiática, estão aos poucos sendo utilizadas pelas emissoras tradicionais de TV ao impulsionarem no ambiente do ciberespaço sua programação. Emprega-se para tanto várias estratégias, dentre elas as narrativas transmídias. Quais as estratégias de interação dessas emissoras com esse novo público/ meio neste ambiente liquido, navegável, interativo? Quais são, enfim, as disposições dos recursos existentes? Quais são os modos de posicionamento desses ambientes, ao desenvolveram ferramentas de participação, convidando o usuário a interagir por meio
das redes sociais? Em síntese, buscamos averiguar quais estratégias de interação tais canais desenvolveram. voltada para um público feminino/familiar, com programas relacionados à culinária, moda, bem-estar, beleza, decoração, variedades, entrevistas, pequenos reality shows familiares e séries.
além de programas de variedades ao vivo. Devido à diversidade da programação da Rede Globo, a emissora disponibiliza seu conteúdo online em um único portal, o www.globo.com, que abriga sites divididos pela temática, tais como o G1, dedicado ao jornalismo da emissora (g1.globo.com), o Gshow, que abrange conteúdos de entretenimento (gshow.globo.com), o site do Globo Esporte, que destaca informações sobre variadas modalidades esportivas (globoesporte.globo.com), e o site Famosos & etc., que traz assuntos relacionados à intimidade dos famosos, bem-estar, saúde e decoração (famosos.globo.com). Espaço online destinado ao conteúdo de entretenimento da emissora, o qual engloba o conteúdo dos programas do gênero e produções virtuais exclusivas, o Gshow foi o escolhido para análise. Quais são as ferramentas de participação que convidam o usuário a interagir por meio do ambiente da internet, das redes sociais. O que resulta deste cruzamento de fluxos e o que se apresenta na e por meio das linguagens da trama da hiperconexão? Qual espaço se inaugura nesta corrente singular que o tempo presente nos apresenta? Estratégias de interação adotadas pelos sites GNT e Gshow Neste cenário de mídia convergente, o receptor vem sendo reconfigurado. O internauta passa a exercer o papel de quase interator, se deslocando da função estática de apenas receber o conteúdo para participar e interferir na produção das emissoras. Sendo assim, os canais de televisão observaram a necessidade da adoção de estratégias para envolver o receptor na produção de sua programação, criando agências (MURRAY, 2001). Objetivamos verificar como se estabelece esta relação de interação entre emissor e receptor do conteúdo audiovisual de emissoras com tradição televisiva. Cartografamos as seguintes estratégias, que mostraremos na seqüência, adotadas pelos canais para possibilitar agenciamentos: fluxo nas Redes Sociais uso de Apps e Segunda Tela, TV on demand, Fluxo de Convergência Bilateral e a Interconexão de conteúdos nos dois ambientes.
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telejornais, séries, reality shows, conteúdo esportivo, educacional, humorístico e infantil,
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Por sua vez, a Globo oferece uma programação composta por telenovelas,
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O canal GNT faz parte da TV fechada brasileira e tem sua grade de programação
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Redes Sociais, Apps e Segunda Tela
Estratégias
Entre as diversas formas de interação entre o canal e o espectador, encontradas em ambos os sites, as Redes Sociais (RSIs) Facebook, Twitter, Instagram, Pinterest, YouTube e Google+. Nelas, os espectadores podem se informar sobre detalhes e chamadas para a
e correntes de fluxos em espaços híbridos : a web e a
programação, novidades, promoções e, principalmente, sobre os bastidores da TV. No que diz respeito às RSIs, o GNT. globo.com se destaca, pois oferece links de direcionamento para as redes sociais, enquanto o Gshow apresenta apenas a opção de compartilhamento do conteúdo no perfil dos usuários. Outro ponto positivo do GNT é a apresentação de pequenos vídeos na própria RSI Facebook, sem que o usuário seja redirecionado para outra página, fazendo com que o internauta permaneça mais tempo conectado na fanpage. Por meio das RSIs e do próprio portal, na opção “comentários”, também é possível interagir, comentar, sugerir, elogiar ou criticar a programação e o conteúdo veiculado na web. Com isso, o internauta, mais uma vez, pode agir como interator e interferir no fluxo de informações intenso que acontece nas RSIs, como destacam
TV • S oraya M aria Ferreira Vieira - Liliane M aria
Santaella e Lemos (2010). Nas RSIs 3.0, a dinâmica de renovação de conteúdo passa a ser contínua e coletiva. É a era dos streams (fluxos), das correntezas vivas de informação que entrelaçam textos e links, recomendações, perguntas, declarações, ideias, posições e, por que não, também irrelevâncias. Independentemente do tipo de informação que esteja sendo vinculada, o fluxo de informação é algo vivo, estando permanentemente em movimento. (SANTAELLA; LEMOS 2010, p. 62)
De acordo com Martino (2014), as principais características das RSIs
são a flexibilidade de suas estruturas e a dinâmica entre seus participantes. Além disso, a arquitetura horizontal das redes possibilita que estas sejam desprovidas de uma hierarquia rígida. Neste contexto, assim como ocorre com o GNT e Gshow, a
de
O liveira S ilva - S abrina Chinelato
interação é potencializada pela facilidade da interferência do interator no processo de produção televisivo. Isso ocorre, por exemplo, por meio de críticas e sugestões feitas pelos internautas nos comentários dos posts e, até mesmo, na possibilidade de curtir e compartilhar o conteúdo e avaliar a página. Ou seja, todos estes elementos funcionam como um termômetro que mede a aceitação da página, programas, atores/atrizes, horários de exibição, etc. O ciberespaço, e principalmente as RSIs, formam um grande grupo focal de avaliação da aceitação da mídia. Além das RSIs, o interator tem acesso a aplicativos (Apps) para dispositivos móveis que podem ser baixados gratuitamente na Apple Store ou Play Store, encontrados
no menu de qualquer smartphone ou tablet. Os Apps permitem acesso rápido e dinâmico a conteúdos da TV e da web. Além disso, o App é uma ferramenta para diversificar a screen. Tal estratégia abrange o alcance do público, tornando a mídia mais presente e acessível para diferentes perfis de usuários. Diversos autores tratam a televisão como a Primeira Tela devido às suas carac-
o advento das redes sociais a televisão precisou incorporar a interação instantânea a sua programação, por isso passou a utilizar os recursos da Segunda Tela por meio de aplicativos ou redes sociais. Pesquisas da Google Brasil em 2013 já anunciavam que 63 milhões de brasileiros acessam dois tipos de tela, sendo que a TV é a tela que mais se repete. O estudo revelou ainda que 52% da população assistem TV e acessa a internet simultaneamente e 63% vêem TV e utiliza o smartphone, ao mesmo tempo. Um exemplo dessa prática é o Talent Show Superstar, exibido pela Rede Globo, que apresenta interação ativa pelo aplicativo exclusivo do programa e também pelo Twitter. O Superstar é transmitido ao vivo e sua proposta é escolher a melhor banda dentre as pré-selecionadas para a edição. O público participa dessa escolha por meio do aplicativo, votando a favor ou contra a banda que está se apresentando. Os votos são computados simultaneamente determinam se o candidato continua ou não na competição. Os votantes ainda podem ter sua foto divulgada durante a votação. Outra forma de interação é pelas redes sociais, em especial o Twitter. Durante a exibição, os tweets dos telespectadores marcados com a hashtag #Superstar vão aparecendo na parte inferior da tela. Além disso, o programa tem ainda a Sala Interativa, onde uma apresentadora destaca os tweets com a opinião dos famosos sobre as bandas. Essas ações comunicacionais dadas através de diferentes ambientes, web e TV, com resultado estético confluindo para esta última, têm implicações diretas para o hibridismo e as conexões de fluxo de linguagens (que não se dão obviamente com as 1 Para a 2nd Screen Society (SET, 2015), a segunda tela está diretamente relacionada com a audiência e sua prática consiste em toda e qualquer experiência de engajamento da audiência, que inclui a TV Social como um elemento integrante. Na visão da entidade, o objetivo principal na criação de conteúdos para segunda tela resume-se em promover o compartilhamento dos programas por meio das redes sociais como forma de alavancar os índices de audiência da TV em rede, seja em programas ao vivo ou não. Este posicionamento amplia o uso da segunda tela, deixando de ser apenas um conteúdo que agrega valor ao programa distribuído pela emissora para ser um dispositivo vinculado a uma estratégia de comunicação que objetiva a participação do telespectador, compartilhando o conteúdo em sua rede de relacionamento de forma atuante (o telespectador fã). Para isso, o conteúdo tem de ser relevante para o telespectador e ser capaz de requerer (a participação dele em enquetes, jogos, criação de conteúdo, tarefas etc.) e prever ações (compartilhamento nas redes sociais) por parte do usuário na construção desta relevância.
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os dispositivos móveis digitais de uso concomitante à televisão de Segunda Tela.1 Com
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terísticas como meio clássico e o seu caráter massivo, por isso convencionou-se chamar
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forma de acesso do conteúdo e também estimular a interação pela Segunda Tela, ou second
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dimensões que encontramos nas produções artísticas mediais - com meios - com fortes
Estratégias
dos pelas emissoras, os sujeitos se fazem presentes na tela. Tecem uma intermidialida-
marcas antropológicas). Ao acionarem os dispositivos estrategicamente disponibilizade ainda que materializada, exibida, de maneira repetida, ou seja, como reprodução, remediação, da tela que a gerou.
e correntes de fluxos em espaços híbridos : a web e a
Figura 1: Interação pelo App.
TV • S oraya M aria Ferreira Vieira - Liliane M aria
Disponível em: http://gshow.globo.com/Bastidores/noticia/2015/07/14-mi-departicipacoes-no-app-e-mais-veja-numeros-do-superstar.html
Figura 2: Interação pelo twitter.
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Disponível em: http://globotv.globo.com/rede-globo/superstar/v/ vencedora-do-superstar-malta-reapresenta-memorias/3480088/
Ruela (2014) reflete sobre a intermidialidade entre imagens e meios no campo artístico, mas a partir de uma formulação mais geral, com a qual concordamos, de que a convergência dos meios digitais e analógicos na produção contemporânea em expansão permite repensar, descobrir e potencializar estas noções. Para ela, bem como para Román Gubern, devemos falar de uma amálgama “intermedial” que se associa e incluí o conceito de transmidialidade.
Entendemos intermidialidade, neste ambiente povoado por fluxos com intensidades diferentes, não como superação entre os meios, mas sim como uma
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na web, a facilitação da portabilidade proporcionada pela natureza móvel, fluida e
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líquida do ciberespaço, traduz e possibilita o usuário ubíquo com a habilidade de se
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conectar com o conteúdo online a qualquer hora e em qualquer lugar, via aparelhos
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convergência em que os fluxos se interconectam – ainda que repetindo as formas originais de materialidades, como vemos na figura 2 acima. Para além da linguagem, que se materializa ao ser exibida pela TV e via rede,
eletrônicos, conforme aponta Santaella (2013, p.15), “A hipermobilidade cria espaços fluidos, múltiplos não apenas no interior das redes, como também nos deslocamentos espaço-temporais efetuados pelos indivíduos. Hipermobilidade conectada redunda em ubiquidade desdobrada”. Com isso, o interator pode se conectar ao aplicativo para saber o que acontecerá em sua novela favorita, enquanto se desloca entre seu trabalho e sua casa, ou até mesmo assistir a um capítulo que perdeu, por exemplo. Antes ele estava “preso” à TV para receber o conteúdo. TV on demand A TV on demand é uma estratégia de interação, na qual vídeos digitalizados são oferecidos ao internauta por meio de um menu, que relaciona títulos, gêneros, intérpretes, diretores, sinopses, etc. O usuário escolhe o que quer ver e os bits lhe são transmitidos imediatamente. O internauta pode criar uma ordem e selecionar seus programas favoritos e, após salvar sua programação, ele pode assistir à própria seleção de vídeos. Este tipo de ferramenta caracteriza, conforme explica Arlindo Machado (2011, p.88), a TV on demand, “onde se pode ver o que se quer, em qualquer horário, a partir de um menu de possibilidades, pagando especificamente por aquele conteúdo acessado”. Dos sites analisados, somente o GNT oferece este serviço de TV on demand, exclusivo para assinantes da TV fechada, por meio da plataforma GNT Play, disponível no próprio site. Sendo assim, o internauta tem a possibilidade de selecionar o conteúdo que deseja ter acesso, característica denominada por Palácios (2003) como “personificação de conteúdo”. Devido à autonomia que a ferramenta proporciona ao usuário, esta pode ser considerada mais uma estratégia de interação.
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Figura 3: GNT Play. Acesso em: 01 de outubro de 2015
Estratégias e correntes de fluxos em espaços híbridos : a web e a
Disponível em: http://globosatplay.globo.com/GNT/decora.
Nos sites, além da interação pelas RSIs, Apps e serviço de TV on demand, o
TV • S oraya M aria Ferreira Vieira - Liliane M aria
internauta tem a possibilidade de contribuir com a própria programação da televisão por meio da internet. Neste caso, a convergência é bilateral, não mais apenas a TV pautando a internet, mas o ciberespaço criando e contribuindo com novos conteúdos para o meio tradicional. Fluxo de convergência bilateral O fenômeno da convergência midiática nos faz pensar que apenas a internet recebe influências dos meios tradicionais, como a televisão, o impresso e o rádio. Entretanto, este fenômeno fez com que os limites entre os meios se tornassem estreitos, ou seja, um meio influência o outro e vice-versa. Bolter e Grusin (2000) citam o processo da remediação para explicar a
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contaminação dos novos e velhos meios. Para os autores, os novos meios nunca extinguem os velhos, mas sim recuperam elementos anteriores, os remediam, para formarem novos produtos. Assim, é possível perceber que a internet surgiu remediando características próprias dos meios de comunicação tradicionais, como a imagem da tela da televisão e a oralidade do rádio. Entretanto, ao analisar os sites dos canais GNT e Gshow, percebemos que a internet influencia também a linguagem, estética e o conteúdo audiovisual da televisão, gerando um fluxo de convergência bilateral: a TV contribui com a internet, ao passo que a internet influencia a TV. Os gêneros televisivos, com suas linguagens e narrativas já
consolidadas, vão reconfigurando sua estética e linguagem, promovendo uma forma de apresentação do conteúdo baseada na interação entre o usuário e emissora. percebemos o quanto nossas vidas são habitadas pelos meios e pela tecnologia quando surge um outro meio:
reality show. Tais programas, como Big Brother Brasil, The Voice e Superstar, potencializam este fluxo de convergência invertido (a internet pautando a TV), ao influenciarem a programação da televisão. O programa Superstar citado acima, por exemplo, depende da participação do internauta para definir quem permanece na competição. Neste caso, a opinião do público possui um peso definitivo para o desenrolar da atração. Esta valorização do receptor é potencializada por meio da internet. Assim como o Superstar, o Big Brother Brasil e The Voice também utilizam a internet para definir o conteúdo transmitido. Entretanto, nesses programas, o telespectador pode interagir também por telefone ou SMS. Figura 4: Você no GNT. Acesso em: 01 de outubro de 2015.
Disponível em: http://GNT.globo.com/participe.html.
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No caso do Gshow. globo.com, o site apresenta as páginas dos programas de
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podemos captar de que maneira diferentes meios de comunicação moldam nossos hábitos de pensamento porque podemos ver progressão, a mudança, de uma forma para outra. Nascemos num mundo dominado pela televisão e de repente nos vemos tentando nos aclimatar a nova mídia da World Wide Web. A transição é alarmante, até palpitante, dependendo de nossa postura mental- mas, seja qual for nossa reação às novas formas, a chegada delas tem uma força iluminadora. (2001, p.24)
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Steven Johnson, estudioso da cultura da interface, alerta para o fato que só
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O internauta do GNT, além de interferir nos programas, pode também se tornar o personagem principal deles. No caso de diversos programas como Fazendo a Festa,
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S.O.S. Salvem o Salão e Santa Ajuda, por exemplo, o telespectador se cadastra no site do canal para participar dos programas. Além disso, o canal possui realitys shows, como
e correntes de fluxos em espaços híbridos : a web e a
The Taste Brasil, Decora e Que Marravilha! que também dependem da inscrição dos participantes pela web. No programa Fazendo a Festa, por exemplo, o internauta se cadastra para ganhar uma festa de aniversário, promovida pela emissora. O formato do programa funciona na medida em que os participantes possam interagir por meio do site. Nesse sentido, pôde-se perceber que o fenômeno do fluxo bilateral de convergência abrange as três leis que configuram a chamada Ciber-cultura-remix, caracterizada por Lemos (2005, p. 53) como resultante do processo que as novas tecnologias de informação e comunicação promovem ao alterar os processos de comunicação, de produção, de criação e de circulação dos bens e serviços nesse século. Para o autor, a primeira característica particular da Ciber-cultura-remix é a “liberação do pólo da emissão”, ou seja, a emergência de vozes e discursos, antes
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reprimidos pelos mass media. Assim, a possibilidade do internauta participar ativamente das decisões do roteiro dos programas do Globo e GNT representam esta característica. Além disso, outra lei citada por Lemos é a do “Princípio da Conectividade Generalizada”, a qual contempla o fenômeno da ubiquidade citado acima. Deste modo, o fato de os programas disponibilizarem Apps para a interação do usuário, em qualquer tempo e espaço, faz parte deste princípio. Por fim, a lei da “Reconfiguração” engloba a remedição dos meios, mas vai além e compreende a modificação das práticas comunicacionais. O fato da televisão se adaptar aos meios digitais, alterando sua conduta, conforme os exemplos acima citados demonstram tal “Reconfiguração”. Portanto, as estratégias adotadas pelos canais para estabelecer o fluxo bilateral
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de convergência devem ser destacadas, uma vez que, conforme aponta Lemos (2005), “o
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remix é a verdadeira natureza do digital”. A Interconexão de conteúdos Outra estratégia utilizada pelas emissoras para manter o espectador em seu site é a interconexão do conteúdo disponibilizado. Na televisão, este tipo de procedimento se dá quando o locutor chama o espectador para a próxima atração, ou seja, anunciando-a antes de o produto em exibição chegar ao fim, ainda quando este está em andamento,
o que pode se dar também através de vinhetas de passagem no transcorrer do mesmo, criando-se a sequencialidade dos conteúdos no fluxo televisivo.
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Figura 5: Links direcionais do Gshow. Acesso em: 01 de outubro de 2015.
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Disponível em: http://Gshow.globo.com/tv/noticia/2015/10/ otaviano-costafaz-video-exclusivo-de-ferias-com-flavia- alessandra.html.
Na internet, as estratégias de interconexão do conteúdo podem ser consideradas, também, tentativas de se criar uma narrativa, “linkando-se” os assuntos que a princípio estão em espaços diferenciados na web, mas que podem ser acionados por proximidade semântica, contextual. A interconexão de conteúdos é trabalhada de maneira parecida nos canais GNT e Gshow. Entre um programa e outro sempre há uma chamada para o seguinte. Assim como na TV, os sites seguem esta linearidade de apresentação: ao final das matérias, os conteúdos são oferecidos aos internautas com links internos de: “Veja mais sobre...” ou “Você também vai gostar de”, que direcionam o usuário para conteúdos com temas parecidos dentro do site. Além disso, no texto, algumas palavras são destacadas, para o internauta clicar e ser direcionado para outro espaço do site. Tal estratégia busca criar uma simultaneidade na navegação do usuário, como se o produtor da informação tentasse guiar o caminho pelo qual o usuário seguirá no espaço do site. Isso acontece principalmente por meio do uso de “links conjuntivos”, conforme nomeia Leão. São os links que possibilitam o relacionamento entre as lexias [páginas]. Eles permitem que se teçam associações semânticas, comentários mais aprofundados, definições, exemplos, etc. Os links em sua maioria são do tipo direcionais, isto é, levam o leito a um ponto pré-determinado
pelo autor. […] Os links conjuntivos são bem interessantes de serem usados, pois levam a uma experiência de simultaneidade (1999, p.31).
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Portanto, esta é uma maneira de fidelizar o internauta, incentivando-o a permanecer no site, fazendo com que a sua taxa de rejeição seja menor. Esta taxa, de
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acordo com o Google Analytics, é a porcentagem de visitas a uma única página, isto é, visitas em que o usuário abandona o site na mesma página de entrada, sem interagir com o conteúdo de maneira mais aprofundada. Sendo assim, é uma estratégia de estímulo à interação e consumo do conteúdo oferecido. Considerações Finais: correntes de fluxos e espaços híbridos As estratégias abordadas geram um processo de linguagem dado por via de diferentes ambiências, a da televisão e a do ciberespaço, cujas naturezas e lógicas são distintas, mas agenciadas pelo mesmo dispositivo operativo oferecido pelos sites, que aciona diferentes saberes e experiências. Tanto a dos produtores como a de consumidores
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de conteúdos, que podem ser prosumidores, estrategicamente e de modo ordenado, convocados a interagir, conforme vimos, através dos aplicativos e das redes sociais. Justamente devido à convergência digital, estas ambiências se encontram, se comunicam e desenham suas relações intermediais que se hibridizam na tela da TV, como demonstrado no exemplo do programa Superstar. Entretanto, vimos que este espaço híbrido é dado pela presença repetida das linguagens dos meios TV e internet, que, no encontro dos dois universos, faz surgir na tela modos de expressão dos diferentes meios. Será que temos uma co-expressividade dessas participações acionadas na tela através das estratégias vistas? Existe agora o enquadramento do antigo telespectador que se vê na tela. Sua participação é acionada através da disposição de elementos dados nas redes sociais digitais. Antes de tudo, os programas devem produzir subjetividades
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para fazer gerar, por parte daquele que consome o produto, assunto na Segunda Tela. Para tanto, os portais procuram ser operativos, dispondo de estratégias ordenadas. Agora ele, o antigo espectador da TV, se torna presente nesta operação de participação através das plataformas dos programas. Há uma expansão de textos neste espaço de hibridismo configurado na Primeira Tela a partir daquilo que estamos chamando de fluxo invertido, que vai da internet para TV. Mesmo que os elementos apresentados para configurar a tela estejam acionando os mesmos signos, ou seja, se remediando. Aqui os diferentes formatos, seja o próprio dos sites de redes sociais, seja o próprio dos diferentes formatos televisivos, eles não se fundem em um terceiro.
Isto porque a TV, como Primeira Tela, a nosso ver, está sendo considerada neste momento convergente como janela de exibição síncrona dos sites das redes sociais, o próprio espaço bem como a percepção de sua presença. Diferentes autores do campo de estudos sobre as mídias têm tomado o termo operativo dispositivo (empregado por Foucault nos anos 1970, em uma das traduções da sua entrevista a Bernard Henry Levy,
contemporâneos emergentes convergentes vivenciamos modos de ordenamentos de controle e de libertação. Estes conjuntos de signos nos dão a ver ações organizadas, pois têm expressão na tradução de um produto a outro, de um meio a outro, propiciando conexões e endereçamentos para a audiência. A estética surge e depende da dinâmica do processo de comunicação para se tornar algo exprimível, se tornar presente. A experiência estética neste caso se dá nessas ações do internauta que se relaciona, de algum modo, de maneira sensível com a linguagem que se torna exprimível no momento em que o usuário toca a tela, acessa os links. Esta ambiência produzida do amálgama do fluxo televisivo com o da web acontece em narrativas, em situações dadas, em que o sujeito deve escolher alguns acessos para interagir por meio dos aplicativos. Ao fazer isto, ele é também mostrado. Insere-se na tela e em fluxo invertido inclusive. Entretanto, agora temos o tempo da ubiquidade que transforma este fluxo, fazendo surgir e fluir com maior dinâmica e potencialidades os envolvidos na rede de produzir e consumir televisão, estar ou não estar no ciberespaço, atuando na Segunda Tela de maneira síncrona. O usuário-telespectador aciona sua inserção em tempo presente e real, aumentando a sensação de simultaneidade. O espectador é que torna possível a experiência estética diferenciada para a antiga TV, que tem suas regras sintagmáticas e de montagem bem repetidas, que não permitia curtir, comentar, postar, compartilhar. Ele se insere dentro da TV através de sua própria ação. Queremos dizer que, mesmo que neste momento esta ação não corresponda a resultados estéticos efetivos em que haja desaparecimento de bordas, temos a presença de fluxos diversos na mesma tela. O usuário é enquadrado de outro modo. À medida que novos meios surgem, começamos a verificar uma fusão de elementos que estão presentes nos antigos meios e que, agora, se reconfiguram. Mas qual estética é dada nos meios convergentes, quando os conteúdos de gêneros consagrados ganham montagens diferenciadas? Parece-nos ser interessante pensar a estética no
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dinâmica dos agentes envolvidos nos atuais fluxos comunicacionais, já que nos processos
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para explicar seu projeto na incursão sobre a História da Sexualidade) para pensar a
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porém uma janela controlada, com poucos riscos. De algum modo, porém, ela reformata
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contexto das mídias como modos de expressão dos diferentes meios que se deslocam de um ambiente a outro se contaminando nas intensidades dos fluxos.
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vai ter uma? Disponível em: < http://www.set.org.br/artigos/
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