www.arquisp.org.br | 18 a 24 de novembro de 2015
| Entrevista | 15
Com a Palavra: Dom Diamantino de Prata Carvalho
‘O exemplo de Padre Victor veio para renovar o nosso zelo pastoral’ Márcio Britto/Páróquia Nossa Senhora D’Ajuda
Renata Moraes
jornalismorenata@gmail.com
Dom Diamantino Prata de Carvalho, OFM, é bispo da Diocese da Campanha, no Regional Leste II da CNBB (Minas Gerais e Espírito Santo), desde 2 de maio de 1998. Já no início de seu pastoreio na Diocese, ele esteve à frente das causas de beatificação do Padre Francisco de Paula Victor (18271905) - popularmente conhecido como Padre Victor, beatificado no sábado, 14, na cidade de Três Pontas (MG) – e de Francisca de Paula de Jesus (1810-1895), a Nhá-Chica, beatificada em maio de 2013, na cidade de Baependi (MG). Padre Victor, filho de escravos, foi o primeiro padre negro brasileiro a ser ordenado, em 1851, ainda quando a escravidão era vigente no Brasil. Nesta entrevista ao O SÃO PAULO, Dom Diamantino fala sobre as virtudes, o testemunho de santidade e o legado do novo Beato O SÃO PAULO – Quem foi Francisco de Paula Victor, o Padre Victor, e qual foi o seu legado na cidade de Três Pontas (MG)?
Dom Diamantino Prata de Carvalho - Padre Victor era filho de escrava, mas era escravo liberado pela sua madrinha, dona Mariana Bárbara Ferreira, dona da fazenda onde ele nasceu. Sob a tutela dela, ele aprendeu a ler, escrever, tocar piano, falar em francês. O sacerdote foi um homem de visão, que buscou promover às crianças e aos jovens a instrução do ensino e da educação para todos. Não apenas para as crianças negras, mas para as brancas, pobres e ricas. Com esse objetivo, fundou o Colégio Sagrada Família, em Três Pontas (MG). Estudou ali João Almeida Ferrão, que depois se tornou padre e o primeiro bispo da Diocese da Campanha, em Minas Gerais, em 1909. O maior legado que Padre Victor nos deixa é essa convicção que também o Papa Francisco nos alerta: cuidarmos da “casa comum” e sabermos nos integrar dentro da natureza, respeitando a todos, acolhendo e amando uns aos outros, como Jesus nos amou. Numa época de preconceito e discriminação, no período da escravatura, um padre negro veio para nos ensinar a amar os inimigos. Eu creio que se nós cuidarmos dessa dimensão humana de amar e acolher, nós teremos um País e também um mundo mais justo, mais fraterno e mais solidário.
de Nhá Chica. Como foi a vivência desses processos?
Desde que cheguei à Diocese, procurei conversar com todas as pessoas que trabalhavam nas causas e vi o quanto era bonito a dedicação e o trabalho que elas realizam em favor dessas beatificações, dessas duas figuras sul-mineiras em que a graça de Deus se manifestou. Os dois de descendência africana, os dois filhos de escravas e mães solteiras. Tudo isso pra dizer que Deus não olha raça e nem a classe social. Então, percebemos que em toda a parte existem os escolhidos, depende da abertura do coração que a pessoa faz para Deus preencher o seu coração magoado, o seu coração triste, na alegria e na paz. Essa é a lição que eles nos dão: uma profunda confiança em Deus.
Quais os próximos passos para divulgar a devoção ao Beato Padre Victor na Diocese da Campanha e em todo o Brasil?
Por que a vida do Beato Padre Victor foi um exemplo de santidade?
Como o próprio Papa Francisco anunciou, no domingo, 15, durante a oração do Ângelus: “Padre Victor foi um grande exemplo de humildade”; e assim como disse o Cardeal Amato [prefeito da Congregação para as Causas dos Santos], “era um sacerdote humilde e, ao mesmo tempo, zeloso na instrução da Catequese das crianças e adolescentes’. Mesmo não sendo um bom pregador, ele chamava pregadores conhecidos, sobretudo para as grandes festas e solenidades. Nunca quis se colocar em primeiro lugar, pelo contrário, se colocava em último lugar para servir a todos. Ele era chamado “Apóstolo da Caridade”, porque o que ele tinha, partilhava com os outros, e, muitas vezes, doava até aquilo que era necessário para ele. Certa vez, doou todo o dinheiro que tinha recebido na igreja a um homem que não tinha o que dar de comer aos seus filhos. Padre Victor era de uma extrema caridade. Era um bom samaritano. Conta-se que se dedicava de corpo e alma aos cuidados de um leproso, que ele levou para a própria casa, o que na época era proibido. Ele levou o doente para sua casa escondido e lá dele cuidou com todo carinho. Padre Victor tinha esse jeito e essa maneira de cuidar do irmão. Era um tempo de excomunhão dos doentes de Hanseníase, mas ele teve a coragem de levá-los para a própria casa, para cuidar deles.
Esses foram gestos de extrema humildade e caridade que caracterizam este novo Beato.
Como esse exemplo de humildade e santidade de Padre Victor pode inspirar ações pastorais na Diocese da Campanha?
Toda a Diocese se animou e se mobilizou para a preparação da beatificação de Padre Victor. Todos deram as mãos para colaborar. Foi uma atitude espontânea e generosa. Centenas de famílias acolheram os devotos que vieram de fora da cidade. As pessoas aqui são muito generosas. Essa é uma característica do povo, e isso tudo é modelo de seu querido pastor, o Beato Padre Victor. A vida dele foi exemplo e serve para todos os padres. Realmente, ele foi um modelo de vida zelosa, apostólica e generosa, que pode levar os sacerdotes hoje a seguir este exemplo, mesmo em tempos diversos e em épocas diferentes. Essa característica e esse espírito que animava o nosso Beato, deve animar a todos nós também, porque, afinal, somos todos convidados a sermos zelosos, apostólicos, caridosos, capazes de atender os doentes, visitar as comunidades rurais, dar atenção e cuidado aos irmãos. O exemplo de Padre Victor veio também para renovar o nosso zelo pastoral.
Como bispo da Diocese da Campanha desde 1998, o senhor acompanhou as etapas para a beatificação do Padre Victor e
A proposta do Cardeal Angelo Amato é que essas figuras simples e humildes, que nos mostram total confiança em Deus, sejam mais conhecidas. E nós temos alguns meios de comunicação, por exemplo, as rádios e tevês locais sempre colaboram e divulgam as notícias, assim como as emissoras católicas. Pedimos também que as pessoas em suas orações façam uma prece, pedindo uma graça especial ao novo Beato, ou uma intercessão por elas próprias ou por alguém que saibam que precise de uma grande graça. E vamos trabalhar rumo à canonização, pois agora tem que se constatar um novo milagre para isso. Já ouvimos muitas histórias de milagres e bênçãos por intercessão do Beato. Temos a Associação Padre Victor de Três Pontas (www.padrevictor.com.br), com o seu memorial e que se encarrega de receber das pessoas os relatos das graças alcançadas, com as pessoas escrevendo e entregando os laudos médicos, radiografias, todos os documentos necessários para encaminhamento e averiguação. E temos agora, já na entrada da Paróquia Nossa Senhora D’Ajuda, do lado esquerdo, a imagem do Beato Padre Victor e, ao lado direito, a imagem da Beata Nhá-Chica, ambos com suas relíquias. E ao fundo da igreja, temos o altar dele com uma pintura muito bonita, com Padre Victor ao centro, com dois anjos e alguns símbolos da cidade e da igreja que ele construiu. E no altar uma urna de madeira, mogno e vidro, que contém os seus restos mortais, suas relíquias, e a imagem jacente que representa muito bem Padre Victor, em vida, vestido com suas vestes litúrgicas. Uma imagem muito bonita, que nos leva à veneração. Louvado seja Deus por tudo!