R E P O RTA G E M
DEUS , EU E A BRISA, NA ESTRADA
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eixar tudo para trás e viajar sem destino, para encontrar-se com Deus e com si mesmo. Sem apego às coisas materiais, ter como meta viver intensamente cada dia, aproveitando as maravilhas da Criação e a sinceridade no contato com as pessoas. Ter o coração
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Novembro Novembrodede2017 2017
Hugo e sua cachorra, 2017, arquivo pessoal
Há mais de um ano, Hugo Mendes Pereira viaja pelo Brasil afora acompanhado por sua cachorrinha, Brisa como principal bagagem, em que se possa levar somente aquilo que importa e que traz felicidade. Foi essa a decisão tomada por Hugo Mendes Pereira, de 28 anos, natural da cidade de Jundiaí (SP). Assim, partiu acompanhado apenas da cachorrinha Brisa em uma viagem de “perua” pelo Brasil. O M E N S A G E II RROO DDEE SSAANNTTOO AANNTTÔÔNNI IOO Novembro 2017 Novembro de de 2017
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Hugo viajando pelo país, 2016-17, arquivo pessoal
R E P O RTA G E M
O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO
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Ao longo da vida, uma das inquietações de Pereira era que, por muitas vezes, ele se via vendendo seu tempo para
comprar algo que nem sequer precisava. Vivendo para dar orgulho às pessoas a seu redor, sendo alguém para agradar os outros. “Mas e eu?”, era uma de suas principais indagações. “Há pessoas que usam a expressão ‘tempo é dinheiro’,
UMA AMIZADE PARA A VIDA INTEIRA
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á doze anos, Pereira ganhou a vira-lata Brisa de um amigo. Ela tem um histórico de passeios de causar inveja a muito ser humano. Já viajou de avião, de barco, de canoa, de balsa, de moto, de bicicleta, mas sempre com ida e volta predeterminadas. Porém, viajar de carro, sem data de retorno, é algo inédito para ela. “É a primeira vez que não temos data, nem sequer para onde voltar. Estamos na rua, aos cuidados de Deus. Exatamente onde gostaríamos de estar”. Em sua opinião, os seres humanos precisam aprender muito com os animais. “Falo sobre a amizade, sobre dar sem esperar nada em troca. Ela é livre, assim como eu. Não sou dono dela, escolhemos estar juntos”.
Sobre o futuro, ele não faz planos. Não imagina onde vão dormir nas próximas semanas, nem faz ideia de onde estará em seu aniversário, nem com quem passará o Natal. Prefere abandonar-se ao Altíssimo e se deixar conduzir pela vontade do Pai. “Tenho certeza absoluta que os planos d’Ele são muito maiores que os meus e assim entrego minha vida nas mãos de Deus. Deixo-O me guiar, deixo-o agir”. Para o aventureiro, a vida é uma viagem bem curta, com passagem só de ida, por isso escolheu ser feliz todos os dias. “Com Deus sempre estarei bem acompanhado. Sucesso para mim é estar perto de Deus e Ele perto de mim. Não quero chegar a lugar nenhum que não seja dentro do meu eu”, finaliza.
mas em minha vida o tempo é muito mais do que isso. O dinheiro vai e vem e por aqui fica. Porém, o tempo não volta”. Dormir ao lado do mar, olhando a lua, acordar com o nascer do sol, morar na praia, esses são alguns dos privilégios conquistados por Pereira com essa experiência. Ele vive com pouco aos olhos da sociedade, mas com o essencial para sustentar a opção de buscar ser feliz a cada dia. “Não é sobre o que você come, o quanto você come, tampouco quanto custou, mas sobre ter o que comer, ter o que beber”, reflete. Em sua opinião, o mais importante na vida é ter gratidão a Deus. “Quando nos alimentamos com o coração pleno, quando damos valor para o pouco, para as coisas simples, isso preenche não só nosso corpo, mas completa nossa alma! Uma palavra alimenta mais do que a refeição diária”. Nos diversos Estados brasileiros que visitou (Alagoas, Bahia, Goiás, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Sergipe, entre outros), ele já trabalhou como ajudante de pedreiro, lavador de louças, recepcionista, caixa e gerente de hostel. “Nunca precisei pedir dinheiro a ninguém. Do pouco que tenho, sempre compartilhei”. Uma das lições mais importantes que aprendeu é que, em todos os lugares, há pessoas dispostas a estender a mão. Ele recorda que aqueles que têm menos condições financeiras são os que mais se propõem a ajudar. “O mundo coloca-nos em uma condição de concorrentes, quando na verdade somos todos irmãos. Eu não quero ser melhor que ninguém”.
muito. Não estava triste, estava feliz. Era exatamente onde queria estar, da forma que gostaria de viver”. E Deus sempre apresentava soluções ou pessoas no Para Pereira, a viagem atual é muito caminho para ajudá-lo. Foi nos momenmais que uma aventura de despojamento, é um exercício de espiritualidade. tos de maior dificuldade que ele mais Nas andanças por todo o país, ele faz se apegou a sua fé. Antes da viagem, questão de ressaltar Pereira era um jovem que experimenta uma ansioso e desconfia“Mesmo sem eu ter nada intimidade com o dido, hoje se considera a oferecer, Deus me deu mais calmo. “Estou vino. “Mesmo sem eu tudo o que precisava. É em paz comigo mester nada a oferecer, sobre descansar no Senhor Deus me deu tudo mo e entendo que e entender que Ele sabe o que precisava. É estar perto de Deus o que é melhor para nós”. sobre descansar no é fazer o bem e disseE completa: “Os maiores Senhor e entender minar o amor”. prêmios dessa viagem foram que Ele sabe o que é Apesar de atualos encontros que tive com melhor para nós”. E mente não se idenDeus. Hoje tenho mais do completa: “Os maiotificar com nenhum que certeza de que nunca grupo religioso esres prêmios dessa estou sozinho” viagem foram os enpecífico, Pereira tem sua fé centrada no contros que tive com Deus que é amor. Ele lê a Bíblia todos Deus. Hoje tenho mais do que ceros dias e gosta de ouvir a palavra teza de que nunca estou sozinho”. das pessoas mais velhas. Algo que o Mas o caminho também apresenta entristece muito são as guerras feitas alguns obstáculos. Em sua jornada, o em nome do Senhor. “Quantas vidas aventureiro sentiu sede, fome e passou são tiradas? Nós, seres humanos, sofrio. Chegou a ficar 24 horas sem comer, mas sempre rezando, meditando e se mos irmãos e não nos cabe apontar alimentando da palavra de Deus. Ele o dedo para nosso semelhante. Só a relembra que, nos momentos difíceis, Deus cabe nos julgar”, ressalta. aprendeu a gostar de alimentos que antes jamais comeria. Revela que, certa vez, pensou em desistir, quase Renata Moraes vendeu sua “casa” para voltar à vida Jornalista e pós-graduanda de antes. “Eu estava fraco, pedi a Deus em Jornalismo Digital pela uma oportunidade, não dinheiro nem Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) de São Paulo bens. Não pedi comida, apenas uma chance. Rezei por horas, dias e chorei UMA JORNADA ESPIRITUAL
O MENSAGEIRO DE SANTO ANTÔNIO Novembro de 2017
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Arquivo pessoal
TUDO O QUE O DINHEIRO NÃO É CAPAZ DE COMPRAR
Hugo e Brisa, 2017, arquivo pessoal
Em entrevista ao Mensageiro de Santo Antônio, ele relata sobre essa experiência de vida e de fé. “Nosso planejamento foi entregar nossos corações a Deus e deixar que Ele nos guiasse. Não tínhamos uma rota definida. Troquei minha moto por uma Kombi ® antiga e, com 2,5 mil reais no bolso, iniciamos a viagem”. Desde agosto de 2016, os dois amigos estão na estrada. Até agora já conheceram catorze Estados brasileiros e o Distrito Federal, percorrendo ao todo, catorze mil quilômetros. Atualmente, moram na cidade de Búzios, na Região dos Lagos no Rio de Janeiro, onde Pereira trabalha como gerente de um hostel. Antes dessa experiência pelo Brasil afora, ele já havia feito uma viagem internacional semelhante, mas sem sua companheira de quatro patas, que havia ficado na casa de amigos. Em dez meses, visitou a Argentina, a Austrália, Cingapura (onde teve algumas dificuldades, morando por alguns dias no Aeroporto Changi), a Espanha e a Indonésia. No período que estava na Austrália, onde também morou em uma Van, teve a ideia de repetir a experiência no Brasil. Ao retornar ao País, logo que pôde, comprou uma Kombi® e a modificou para que tivesse conforto, funcionalidade e nada além do necessário: Duas camas, minigeladeira, pia, fogão, forno e armários para guardar as roupas. Foi desse jeito que o modelo de automóvel utilitário mais popular e adaptável do território nacional se tornou lar dele e de Brisa.