90 Anos: Palavras, Memórias e e Recordações

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Salomão Pontes Athias

90 Anos: Palavras, Memórias e Recordações

Rio, 20 de dezembro, 2018


Índice Infância em Curralinho e Oriximiná.................................................................................3 Primeira educação...........................................................................................................6 Vestibular, casamento e o nascimento dos filhos..............................................................10 Emprego no SESP......................................................................................................... 16 Vida nova no Rio............................................................................................................23

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Infância em Curralinho e Oriximiná

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ão temos a preocupação de ordenar cronologicamente episódios que ocorreram em nossa vida, apenas são lembrados a partir do ano de 1936, quando tínhamos oito anos.

dominava com maestria o árabe, o francês e o judeo-árabe (haketia).

O lazer do ribeirinho, como nossa mãe, constituíase principalmente nas festas dançantes, onde Nós éramos do interior (fazenda de criação de as moças encontravam-se com os rapazes para animais e comércio de alimentos, armarinho e conhecê-los. Nossa mãe dançava muito bem. outros, inclusive medicamentos populares), a Era bonita como suas irmãs, por isso elas eram amplitude de nossos conhecimentos era voltada disputadas nesses encontros dançantes, que para o regionalismo: embarcações, desde canoas até ocorriam nas fazendas, geralmente comemorando navios a vapor que passavam no rio Sapucaia, (na a festa do santo padroeiro da fazenda. Outras margem da qual estava nossa casa), a pesca, a criação vezes, participavam de festas dançantes nas de animais domésticos, e cultura de hortaliças. cidades (Óbidos e Oriximiná). Numa dessas festas, nossa mãe conheceu nosso pai. Sua religião Não havia escolas rurais, portanto, nosso era a católica, praticada como recebeu dos seus aprendizado inicial foi com mamãe, mas papai pais. Fácil imaginar o tempo que levava para os tinha para nós como objetivo nossa educação. Tão encontros de nosso pai com nossa mãe, além das logo que teve condições, fixou domicílio na cidade dificuldades religiosas de ambos, vez que, o judeu de Oriximiná, município do médio Amazonas. não era bem visto naquela época (década de 1920), tidos como autores da crucificação de Jesus Cristo, Nossa mãe, Ignez Faria Pontes, nascida numa fundador da Igreja Católica. fazenda de gado bovino, tinha 1m60 de altura e pesava 60 quilos, de cor morena, aprendeu a ler As dificuldades vencidas, o casamento ocorreu e escrever com seus familiares e também como somente nas leis brasileiras. Na época não havia seus irmãos, tocava violão. Nunca frequentou o casamento religioso misto. Foi estabelecido uma escola mas era qualificada como cozinheira, um acordo entre nossos pais: seus filhos só doceira, lavadeira, passadeira e costureira. escolheriam a religião judaica ou católica aos 21 anos, ao alcançar a maioridade civil. Desse O nosso pai, tinha 1m75 de altura, pesava 80 quilos, casamento nasceram: Lia, que faleceu após o de cor branca, marroquino-judeu, tratava-se de parto, eu e Jonathas. No interior os partos eram um líder nato e um administrador-aventureiro, assistidos por parteiras que aprenderam com emérito vendedor. Deixou sua casa, na cidade de outras parteiras. Salé (Marrocos), aos treze anos de idade e veio aportar na cidade de Óbidos, em um dos navios O dia 20 de dezembro de l928, marca o meu transatlânticos que faziam a rota Portugal-Brasil, nascimento na localidade Curralinho, no município sendo o primeiro porto em território brasileiro, de Oriximiná, no Pará. Nossa casa era coberta com a cidade de Belém no Estado do Pará, depois em telhas de barro, tinha uma parte assoalhada onde Óbidos e em Manaus no Estado do Amazonas. dormíamos e o resto era toda de terra batida, com Papai nunca frequentou uma escola, pagou uma paredes de blocos de barro feitos a mão. O parto foi pessoa para ensiná-lo. Escrevia muito mal, como assistido por uma parteira, chamada Rosa, que na também falava mal a língua portuguesa. Porém ocasião tinha cerca de 60 anos. A tesoura que corta 3


guardado pelos judeus e papai não fugia à regra. Essa refeição era feita na sexta-feira. Porque no sábado papai não pegava em fogo.

o cordão umbilical foi flambada, pelos cuidados de higiene que papai tinha. Era primeira barreira de contaminação para impedir o tétano neonatal. Quando o rio transborda suas margens mantém as terras submersas. Era uma época esperada para tomarmos banho, pulando da ponte que chegava a casa. A água entrava na casa e os pisos recebiam toras de madeira, onde eram colocadas tábuas para andarmos. Era um período de três meses, durante o inverno. Lembro-me muito bem de nossa prima que faleceu aos 2 anos de idade e seu corpo foi velado em nossa casa. Era um dia chuvoso e triste. Recordamos colocada, no pequeno caixão todo branco, com algumas velas e flores brancas. A cozinha instalada em um barracão e no canto havia um fogão a lenha. Era de barro com uma chapa de ferro com 4 bocas para as panelas. Permanecia aceso com uma chaleira com água quente, para fazer um café sempre novo. Havia também, um outro fogão de duas bocas a querosene, era utilizado para fazer a refeição para o dia de sábado, dia santificado 4

Próximo a nossa casa havia um barracão, onde era prensado carne salgada de animais bovinos. Dado a qualidade, esse produto que levava a marca Athias, era disputado no mercado da capital, Belém. O comércio deste produto e outros extrativistas, era realizado através de navios a vapor (Júpiter, Barão de Cametá, Môa, Moacyr, Tenente Jansem de Melo, Parintins, Tejo, Jurupary e outros), que faziam a rota BelémManaus, ligando as capitais dos Estados do Pará e Amazonas. Como o nosso conhecimento eram regionalismos, as embarcações a vapor, faziam nossa alegria quando chegavam e tínhamos os navios prediletos, que achávamos mais bonitos. Sentimo-nos importantes, observando tudo que desembarcavam e embarcavam nos navios. Nosso calçado era tamanco, normal para os interioranos. Mamãe aproveita essas oportunidades para vender sua produção de ovos de galinhas à tripulação dos navios. O dinheiro era colocado em um cofre tipo moringa de barro, uma vez dentro, só quebrado poderia ser retirado. Quando foi quebrado, tinha cerca de 25 mil réis (moeda do Brasil, antes do cruzeiro), que serviu para a construção de nossa casa em Oriximiná. Lembrança dessa época eram os banhos no rio, (de onde era tirado também água para beber). Papai mandou construir um banheiro sobre toras de madeira para flutuar e mandou fazer uma abertura no piso, por baixo construiu uma grade de madeira, para que pudéssemos tomar banho sem perigo de afogamento, diríamos um tanque. A casa de comércio acoplada à residência, atividade de papai que o mantinha sempre ao nosso lado, de maneira que suas ausências demoradas, sempre com destino a capital do Estado para fazer compras, durava em média l5 dias, duas vezes por ano. Nós sentíamos sua falta. Mamãe dirigia o comércio e tinha um bom controle da freguesia, que era conhecida. O retorno de papai era esperado pela saudade e também, pelos presentes que trazia para


todos nós. Lembramos que uma vez, trouxe um carrinho-ambulância, que nos divertia, mas sem conhecermos sua utilidade, porque nunca tínhamos visto uma. O menino do interior foi conhecer a cidade em 1937. A madrugada foi o que mais nos impressionou, com tantos galos cantando. Estávamos acostumados a ouvir os de nossa casa, que ficava distante de outras residências interioranas. Nessa viagem papai identificou que tinha chegado a hora de mudar-se para cidade, a fim de que pudéssemos estudar, seu grande objectivo para nós. Nessa viagem, ficamos em casa de parentes de mamãe. Começamos a estudar. Papai comprou um terreno na frente da cidade, para fazer uma residência acoplada às dependências comerciais. Contratou os operários e iniciou a construção, que consumiu seus haveres, principalmente o gado bovino de sua fazenda São Raimundo, localizada às margens do Igarapé dos Currais. Este nome define que em suas margens ficavam as fazendas de gado bovino. Estávamos no ano de 1936 e seria escolhido pela primeira vez o prefeito e os vereadores para o município de Oriximiná, que tinha se emancipado do município de Óbidos. Os partidos da época eram dois: Liberal e Frente Única. Papai era cabo eleitoral do Partido Liberal, embora não fosse eleitor por ser estrangeiro (nunca se naturalizou, que muito nos envaidece, porque jamais renunciou sua terra), mas não podia se candidatar a cargo eletivo. Assim, mamãe foi escolhida para vereadora do Partido Liberal. Era uma festa, as embarcações com bandas de música, tocavam as músicas carnavalescas consagradas. Subiam e desciam o rio, onde papai era o líder. Mamãe foi eleita a primeira vereadora mulher do município de Oriximiná, sem fazer um comício. Naquela época valia mais o corpo a corpo, na conquista dos eleitores. Pelos seus afazeres domésticos, ela renunciou em favor de seu primo Tomas Aquino, dono de um estaleiro que construía embarcações de madeira, muito apreciado pelo seu acabamento em Oriximiná. Deixávamos Curralinho, a casa onde nascemos, para morar em Oriximiná em 1938. Para isto

chegou uma embarcação a vapor de nome Ituqui com um batelão, onde foi arrumado todos os nossos pertences e quanta coisa: plantas, animais de estimação, malas, guarda-roupas, utensílios de cozinha, galinhas, frangos, perus, patos, e carneiros. Era uma manhã chuvosa e triste. Olhávamos tudo, como se quiséssemos gravar em nossa memória pela última vez. Por outro lado, havia a alegria de morarmos numa casa nova e na cidade. A reboque de uma canoa a remo, seguia o banheiro que já falamos, montado em toras para flutuar, a fim de utilizarmos agora, no Rio Trombetas, onde ficava a cidade, que íamos residir. Chegamos cerca de 16 horas. Jonathas não conhecia e como nós tínhamos estado antes, começamos, a mostrar a cidade: mercado público, a Igreja localizada na praça e sobretudo a praia para nossos banhos. Na Igreja nós não entrávamos, éramos filhos de judeu. Localizada na primeira rua, toda de alvenaria bem no centro da cidade. Tinha doze aposentos, sendo seis destinados a nossa moradia, dois para o comércio, eram os maiores, o restante para depósitos de mercadorias. Os sanitários foram construídos fora da casa, costume da época. Não havia água encanada, conduzia-se em latas do rio, para um reservatório de 200 litros aproximadamente, de uso exclusivo na cozinha. O banho era no banheiro na margem do rio, havia vários banheiros semelhantes utilizados pelos seus proprietários. Outra admiração: a iluminação elétrica, disponível de 18 às 24 horas, quando a usina de força era desligada e o resto da noite, com a luz nossa conhecida: candeeiros e lamparinas a querosene. A casa era muito bonita e alguma ponta de inveja 5


certamente acontecia, principalmente entre outros comerciantes, na maioria de origem italiana, na primeira oportunidade perdida de aprender essa língua, mas certamente seria desaprovado por papai que também não ensinou a sua língua. Papai alugou uma casa, antes de a nossa ficar pronta e montou o comércio. Nesse período associou-se a um outro judeu, David Azulay, que entrou na firma com seu trabalho. Este senhor todas as noites jogava com outros comerciantes, de sorte que prejudicou a firma, apressando a saída de papai do interior, enquanto isso, mamãe assumiu o comércio do interior. Após nossa chegada na cidade, foi feita a transferência para a nova casa, como era grande, os móveis e utensílios tornaram-se insuficiente para ocupar as prateleiras. Papai viajou à Belém para comprar principalmente tecidos, perfumes, artigos de armarinho, medicamentos populares e calçados, vez que, os artigos de mercearia eram adquiridos nos navios que faziam a rota até Manaus. Lembro-me da apresentação da loja, denominada a Casa Israelita, a procurada na cidade. com uma população cerca de mil e quinhentos habitantes. Os demais comerciantes na maioria eram de origem italiana, não aceitaram que esse comerciante do interior e judeu levasse vantagem sobre eles, que sobressaiam-se pelas padarias. Assim, a pressão era grande em cima dos caixeirosviajantes (vendedores de firmas de Belém), que faziam a praça da cidade, para não tomarem pedido do papai. A fim de repor as mercadorias em falta, papai viajava para comprar na capital do Estado, devido ao boicote que sofreu, pois se vendessem a papai, os demais comerciantes italianos não faziam compras e assim, prejudicam o vendedor. Conto um fato da esperteza de papai: o vendedor do perfume Roial Brial fazendo a praça deixou papai de fora. Os demais comerciantes em agradecimento fizeram compras elevadas. Ainda havia uma unidade desse perfume, na loja de papai. Nesse período faleceu o senhor Antônio Silva, pessoa muito querida na sua cidade. O material para revestir o caixão foi vendido por papai, que presenteou o perfume, para ser colocado no cadáver. Durante o enterro o perfume 6

exalava. Podem imaginar, esse produto ficou nas prateleiras, porque ninguém comprava. A próxima viagem do vendedor foi inútil... nada vendeu.

Primeira educação

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s nossos estudos primários foram ajustados com a professora primária Ermelinda Almeida de Oliveira, esposa do coletor de impostos estaduais (Sr. Reimar), que mantinha uma escola. Durante dois anos estudamos com ela, e tivemos bom aproveitamento. Interrompemos os estudos pela mudança da professora para outra cidade, acompanhando seu esposo, que foi transferido. Papai não aceitava que estudássemos na escola pública, porque julgava o estudo deficiente. O Juiz de Direito, Dr. Antônio Laureano Diniz, amigo de papai, aceitou nos ensinar em sua casa, por pouco tempo, também, devido a sua transferência para outra comarca. Papai e mamãe decidiram: devíamos continuar os estudos na capital do Estado. Isto aconteceu em julho de 1940, quando viajamos, na companhia do Juiz professor e sua família, no navio Moacyr. Foi nova aventura, tínhamos 11 anos e Jonathas 10 anos. No cais do porto, nos esperava os parentes maternos, que não conhecíamos, mas que nos acolheram em sua casa, onde ficamos até março de l942. Concluímos o curso primário no Colégio São Geraldo Majela e fizemos exames na Escola Pública D. Pedro II, para recebermos o certificado oficial, de conclusão do curso primário (1941). Consideramos importante descrever um pouco nossa permanência na casa de nossos parentes maternos, que de certa forma influíram em nossa educação. Ele Samuel Oliveira e esposa Hercinia Chaves de Oliveira. Tinham 4 filhos: Hélio, Hercinia, Hercilio e Hilma. Verdadeiramente esta família nos marcou, dando-nos exemplo como vencer na vida. Samuel era um funcionário graduado dos Correios e Telégrafos, chefe da seção dos recursos humanos. Hélio (meu exemplo)


formou-se em medicina, Hercilio em Engenharia, Hercinia professora primária e Hilma estudava o ginásio e piano, mas faleceu sem conseguir também seu diploma. Lembramos que pela primeira vez escutamos tocando no piano, La Comparsita. Hélio pela sua postura, suas atitudes de segurança serviram-me como exemplo. Ele teve participação preponderante na escolha da nossa profissão de médico. Foram eles que nos ensinaram as regras de sociabilidade, embora naquela ocasião nós os considerássemos enjoados, pelas correções constantes que faziam, quanto a nossa postura social: como sentar à mesa, comer, vestir, conversar. Os mínimos detalhes eram considerados (etiqueta). No ano seguinte, 1942, fizemos o exame de admissão para o ginásio (Jonathas tentou o exame), no Colégio Salesiano Nossa Senhora do Carmo. Desejávamos ser alunos do Colégio

Marista, imponente nos desfiles da semana da pátria, porém, não nos aceitaram para fazer o exame de admissão ao ginásio, porque não éramos batizados na Igreja Católica. Um dos nossos colegas da rua, aluno dos salesianos, conhecedor deste fato sugeriu-nos que procurássemos o Diretor Pe. Francisco Fabbri que talvez nos aceitasse. Mamãe esteve no Colégio, contando nossa situação ao Diretor. Fomos de pronto aceitos e pudemos então ser submetidos ao exame. Fomos bem sucedidos, nós ficamos em terceiro lugar, mas o Jonathas, também passou. Começamos o ginásio interno (só os colégios religiosos dispunham dessa modalidade de pensionato), com a aprovação no final do ano, voltamos a nossa querida Oriximiná, após três anos. Merecidas férias, muito esperada por nós e pelos nossos pais. A viagem se fazia em navios da rota Belém-Manaus, e até nossa cidade durava 7 dias. Sonhávamos com a praia do rio Trombetas. A nossa espera, já havia uma canoa para passearmos no rio. Encontramos nossos colegas que ficaram e que não tiveram a nossa chance de estudar na Capital do Estado, portanto, tudo era curiosidade para eles que desejavam saber o que tinha acontecido conosco nesse período e nós fomos aos poucos matando a curiosidade. Importante que éramos os mesmos, sempre humildes do tempo que frequentamos a escola de tamancos como calçado, assim como eles. Durante essas férias, como tivéssemos emagrecido pelo regime do internato, que não era nada fácil sobre alimentação. Mamãe pensando que tínhamos problemas para comer como antes, ficou abismada no nosso primeiro almoço das férias. Devoramos tudo que foi posto à mesa. Então ela entendeu, que tínhamos mudado muito e que não precisava mais se preocupar em fazer pratos muito especiais, porque nós traçamos tudo. Realmente em poucos dias aumentamos de peso. Terminada as férias retornamos à Belém para continuar o curso ginasial, acontecendo por quatro anos. Relatamos como era o dia no internato (nos salesianos do Carmo), pois, a época havia cerca de 120 internos que vinham de várias cidade 7


do interior do Estado, principalmente da região do Médio-Amazonas, (nossa região), da região do Marajó, da região Bragantina, da região do Tocantins. Era um regime difícil, que levava muitos ao desespero e tornamos insubordinados. Para coibir essa situação éramos submetidos a castigos, até certo ponto cruéis, (era o método usado de educação). Nós não éramos os melhores mas também não éramos os piores internos. Acordávamos às 5 horas da manhã, para o asseio individual, arrumar a cama, engraxar os sapatos e às 6 horas já estávamos na missa, que durava cerca de uma hora, incluindo a oração do terço (verdadeiro duelo entre quem puxava e quem respondia, para ser o mais rápido possível), às 7 horas tomávamos o desjejum, constituído de um terço de uma bisnaga de pão, já com manteiga e uma xícara de leite misturado com café (podíamos repetir o café), 7:30 horas seguíamos para o estudo (lugar onde ficavam os livros que eram manuseados para preparar as lições diárias). Às 8 horas estávamos na classe de aulas e terminava às 12 horas. Almoço em seguida, e, após o primeiro recreio que durava uma hora, passávamos rápido pelo dormitório, aqueles que tinham jogado futebol, voleibol, ou basquetebol, para tomar banho e ficarmos no salão de estudo até 15:30 horas, seguido de um intervalo de 30 minutos para merenda, retornando ao mesmo local até às 17 horas, depois, seguíamos para o dormitório, tínhamos 30 minutos para o banho e mudança de roupa. Às 17:30 horas era servido o jantar até às l8 horas. Durante o almoço e o jantar, nos primeiros 10 minutos, um dos alunos escolhidos, certamente de bom comportamento, fazia leitura de um livro de contos, em seguida éramos liberados para conversar. Cada mesa de refeição tinha 12 alunos, em uma das cabeceiras sentava o responsável, na outra cabeceira sentava o sub-responsável, a quem cabia verificar se estava tudo em ordem na mesa. Se houvesse necessidade de repetir algum alimento, era providenciado pelo responsável. O perfil do responsável: aluno qualificado em estudos e boas maneiras. A alimentação, pouco mudava no seu conteúdo, a diferença ocorria nas proteínas: peixe, frango ou carne bovina ou suína, mas os complementos eram mantidos: feijão, arroz, salada de alface, tomate, vagem, cebola com 8

azeite e suco de limão ou vinagre. Aos domingos era servido a sangria (mistura de vinho tinto com água e açúcar). O domingo diferenciava pelos jogos, missa solene às 8 horas da manhã, à tarde voltávamos para o sala de estudos. Na quinta-feira de tarde, de cada semana, após o almoço, aqueles que desejavam, saiam em companhia de um salesiano para visitar o bosque, o museu ou outro local de passeio turístico da cidade. Ressalte-se a proibição do fumo para aqueles que já tinham esse vício. Quando tentavam burlar a vigilância permanente e eram pilhados, sofriam castigos severos. As férias, portanto, eram esperadas com ansiedade e os dias que faltavam contávamos com delírio. Terminamos o curso ginasial em 1945 e no final do ano voltamos a nossa Oriximiná. Na viagem muitos estudantes das cidades do médio-amazonas também voltavam. Quando chegamos em Santarém, resolvemos deixar o navio que ficava ao largo, nadando. Não conseguimos chegar à praia e se não fosse socorrido teria morrido afogado, vez que não tínhamos mais forças para vencer a correnteza do Rio Tapajós, no encontro com o Rio Amazonas. Foi uma situação que não esquecemos. Queríamos mostrar minhas qualidades de nadador, mas não conhecíamos o rio. Talvez a finalidade era aparecer para as moças estudantes que estavam no mesmo navio. Ao chegar em Oriximiná ficamos chocados com a decadência econômica de papai, antes um comerciante bem sucedido e temido pelos outros de sua profissão. Ele tinha alugado mais da metade da casa (15 dependências) para o Serviço Especial de Saúde Pública – SESP, e nós morávamos numa pequena parte, antes destinado aos depósitos de mercadorias, que foram adaptados para nossa residência. O aluguel (500 cruzeiros mensais, moeda da época), garantia nosso retorno e pagamento de nossa estadia em Belém. Não perdíamos a confiança em papai porque sabíamos da sua capacidade de vencedor em tudo em que se envolvia. Durante estas férias, com 15 anos completos, conhecemos uma moça, com 18 anos (Angelise), de outra cidade que estava visitando seus familiares. Foi a primeira namorada, que levou-


nos a arranjar todos os meios para estar com ela. Convém ressaltar que papai não permitia que namorássemos, para não prejudicar os estudos. Nós estávamos inteiramente a mercê dos caprichos da Angelise, segura de sua beleza e disputada também por outros colegas. Um dia chegou a nos falar que só continuaria namorando se fosse para casar logo. Mesmo apaixonado, consegui forças para dizer que isto só aconteceria quando tivéssemos concluído o curso de medicina, nosso objetivo. Ela retornou a sua cidade, Santarém, alguns dias antes de terminar nossas férias. Voltando (1946) para Belém, fomos procurála naquela cidade. Ali nós nos despedimos e encerramos o namoro, vez que era esse o seu propósito, ficando apenas uma dolorosa recordação e uma sensação de vazio. Nessa viagem conhecemos Yolanda, também disputada por outros colegas. Viajava em companhia das irmãs (Wanda e Dulcinez) e o pai Ludgero. Começamos um namoro, que durou pouco, porque seu pai ameaçou internála ou retorná-la à Alenquer. Assim ficamos na amizade até 1948, quando retornamos o namoro. Continuamos firme, desta vez, com a anuência de seus pais, visto que os procuramos para pedir permissão. Esse encontro dá início a um novo sentimento, sim parecia que tínhamos sido feito um para outro, mas tínhamos que prosseguir a fim de consagrarmos essa assertiva. Após, o curso ginasial no Colégio Salesiano Nossa Senhora do Carmo (Salesianos), ficamos por mais 3 anos estudando externo o curso científico. Na mesma oportunidade nós nos inscrevemos no Curso de Contabilidade da Escola Técnica do Pará, assim só tínhamos a manhã livre porque estudávamos a tarde no Carmo e a noite no curso de contabilidade. O período de provas eram 15 matérias, 3 vezes ao ano, incluindo a prova oral. Fazíamos esforço para passar logo nas duas provas escritas, a fim de não precisar de nota na oral. Naquela época os professores não sabiam de quem era as provas que corrigiam, elas recebiam um número para destacar o canhoto com a assinatura que ficava na secretaria, não permitindo desta maneira ajudas ou vinganças imprevistas dos

professores. Assim concluímos os dois cursos no ano de 1948. Papai entendeu que mamãe deveria morar conosco em Belém, isto aconteceu em 1946, quando foi alugado uma casa no final da Pe. Eutíquio. Papai começou a ter dificuldades com os negócios, que não era mais só o comércio, mas uma usina de extração de óleo de pau-rosa, localizada primeiro em Oriximiná, depois julgou que teria mais lucro levando-a para a área onde era tirado a madeira para essa finalidade, localizado no alto rio Javari, no município de Faro. Foi um desastre, porque com a segunda guerra mundial, as compras do exterior dessa matéria prima (óleo de pau-rosa) foram suspensas. Então não havia mais recursos e tudo que conseguiu através do comércio foi sendo consumido, levando-o a falência. Hipotecou a casa (ao Sr. Abraão Chocron comerciante em Óbidos) para pagar dívidas. Associou-se ao Sr. Isaac Israel que também não deu certo. Por estes motivos não chegava dinheiro para pagamento das dívidas, mensalidades do Colégio do Carmo, aluguel da casa e tivemos que abandoná-la e morar de favor em um quarto na casa de uma amiga na Rua l6 de Novembro. 9


Faltava dinheiro para comprar alimentos e pouco que tínhamos comprávamos dobradinha (bucho) desidratada para almoço e jantar por muito tempo, com arroz e farinha. Devido a guerra, era difícil comprar carne de boi e também era muito cara. Papai deixou a Usina nas matas do município de Faro e retornou para trabalhar com plantio de Juta, uma fibra que serve à fabricação de sacas, para grãos e sementes, associado-se com o Sr. Eliezer Belicha na cidade de Juruti, morando em sua casa com mamãe de favor. Ali ficamos também quando viemos de férias. Em Belém moramos em uma pensão, onde até podíamos atrasar o pagamento porque eram nossos amigos. Papai se esforçava para não faltar dinheiro para pagamento de nossas necessidades, mas sempre atrasa mais de dois meses. No ano de 1948 concluímos os dois cursos com bom aproveitamento.

Este ano de 1948 nos preparávamos com intensidade nos estudos visando o vestibular, para o curso de medicina. De comum acordo, para que ficássemos concentrados para essa prova, Yolanda retorna à Alenquer, logo após concluir o curso de Professora pelo Colégio Gentil Bittencourt. Precisávamos ficar apenas preocupado com os estudos. Chegamos até a afirmar que se não passássemos, o namoro estava desfeito. Estaria desacreditado... porque era a única perspectiva que poderia oferecê-la de segurança econômica.

Vestibular, casamento e o nascimento dos filhos

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oncluído os dois cursos, dedicamos todo o tempo disponível nos preparando para o vestibular temível de medicina. Para nós era uma questão de honra, por vários motivos, entre eles, era a única riqueza, que ninguém tira e ninguém perde, por outro lado se voltássemos à nossa cidade seríamos um fracassado, porque havia sido comentado que estaríamos estudando para ser médico. Além disso, nada tinha a oferecer à Yolanda, considerando que sua família, economicamente era bem situada entre as maiores na sua cidade. Não tínhamos recursos para fazer um curso de preparação para o vestibular. Enquanto meus colegas iam para o curso de preparação, ficávamos estudando e na volta deles (Osmar Bahia da Silva e Fernando Otero), repassavam o que tinham aprendido. Chegou o dia aprazado e realizamos as provas. Fomos aprovados, (os três), e bem classificados. Podem imaginar a alegria incontida. Passei no correio e telegrafei para papai e para Yolanda. Tínhamos alcançado o nosso objetivo.

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Tivemos dificuldades com minha certidão de idade que não estava com os nomes escritos certos do papai. Também faltavam os recursos para a matrícula. Finalmente tudo se resolveu e começamos o curso. Yolanda retorna e estávamos cada vez mais enamorados, desta vez apaixonados. Minha pensão ficava perto de sua casa, facilitando nosso encontro. Yolanda procurava um emprego, achando que deveria ser de professora e não no setor comercial. Quando ainda fazíamos o primeiro ano da Faculdade (papai ainda estava em Juruti), recebemos uma carta dele, para que procurássemos emprego, porque aquele mês era o último que receberia mesada para pagamento da pensão e transporte. Isso não duvidaria, visto não só pelas suas dificuldades financeiras, mas quando tomava uma decisão não havia mudança. Para nosso irmão foi estendido por mais um ano. Após o término do 1º ano na Faculdade de Medicina, fomos para as férias, agora na cidade de Juruti, onde papai morava com mamãe na casa do Sr. Elieser, durante um mês seríamos quatro pessoas (com Jonathas) comendo de favor, mas os judeus são solidários entre si, sobretudo longe de sua pátria. Realmente senti pena de papai e mamãe, que já tiveram recursos e agora nada tinham. Aceitamos um convite de Yolanda para passar uns dias em Alenquer, na sua casa. Nessa ocasião pedimos ao Sr. Ludgéro convidar papai a fim de ser seu sócio na Cerâmica Yacy, que havia comprado nesses dias. Mostramos sua experiência com a usina. Ele aceitou (não sabemos se foi interferência da Yolanda) e papai veio trazendo cerca de 10 mil cruzeiros para essa sociedade, que também não deu certo, ficando o papai sozinho na olaria, retirando-se o senhor Ludgéro (mais tarde meu sogro). Somos muito grato a esse homem que estimava não só como sogro mas como um grande amigo também. Começa um período de sucesso na Olaria Yacy e papai voltava a ter recursos financeiros, como antes. Depois de muito andar procurando emprego com os amigos do meu pai, tinha verificado que tudo o que sabia não era suficiente para sermos

contratados, por falta de experiência. Voltei ao Colégio do Carmo para pedir um trabalho, nossa única esperança fomos contratado para trabalhar na secretaria e morávamos em uma de suas casas recém compradas, também com direito a alimentação e roupa lavada e mais um salário de duzentos cruzeiros (CR$ 200,00), para atender as despesas com o transporte. Todo este somatório de dificuldades sem concentração nos estudos, fiquei dependente de duas matérias (2° ano) resolvemos estudar só essas duas matérias no ano seguinte para não complicar-nos nas outras matérias (3°ano), foi a decisão mais acertada. De maneira que minha turma seguiu e ficamos na turma subsequente e com eles concluímos o curso. No início do ano de 1950, fomos surpreendidos (Yolanda e eu) com telegramas do papai para Yolanda comunicando-lhe que havia sido pedida em casamento e aceito e telegrama do Sr. Ludgero (pai da Yolanda) para mim confirmando o pedido de casamento pelo papai e que tinha concordado. Assim ficamos noivos e tratamos de comprar as alianças que exibíamos com muita alegria. No ano de 1951, com a maioridade civil alcançada, resolvemos escolher nossa religião e vários motivos influenciaram, entre eles, minha mãe era católica, embora não fosse praticante, impedida porque era casada somente no civil, por outro lado tínhamos estudado durante sete anos em colégio católico (os salesianos), além disso, Yolanda, agora nossa noiva era católica praticante de missa diária, Filha de Maria. Por todos esses motivos só havia uma escolha definida, a religião católica por opção (não queríamos que nossos filhos fossem criados como nós sem o consolo de uma religião). No dia 10 de março de de 1950, fomos batizados na Igreja de Ananindeua, tendo como padrinho, na ocasião Monsenhor José Domitrovich, salesiano, diretor do Seminário sediado naquela cidade; como madrinha Joana Bahia da Silva, mãe de Osmar Bahia da Silva, nosso colega desde o primeiro ano do ginásio e juntos chegamos na Faculdade, embora tenhamos concluído o curso um ano depois, como já foi explicado. Após o batismo 11


fizemos a primeira Eucaristia no Colégio das Religiosas de Ananindeua. Assim iniciamos nossa vivência religiosa. Aos domingos não falávamos a missa, agora juntos (Yolanda) comungávamos aos domingos. A primeira Eucaristia foi um momento indescritível, porque durante muitos anos participando da missa, víamos nossos colegas comungarem e nós ficávamos excluídos, como pagãos verdadeiramente. Foi um momento inesquecível de nossa vida quando tomamos essa decisão. Por conta disto, papai, judeu professo, não aceitou e durante seis meses aproximadamente cortou nosso relacionamento. Quando tínhamos 14 anos frequentamos durante a Sinagoga em Yom Kipur fizemos um jejum de 12 horas e no ano seguinte de 24 horas e ficamos por aí, não nos entusiasmando. Esta foi a única ação vivenciada da religião de papai.

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No ano de 1951, de comum acordo, resolvemos casar no mês das férias do meio do ano (julho). Isto aconteceu no dia 14. Com algumas economias que restaram da celebração do casamento, fomos para a lua de mel em Mosqueiro (3 dias). Nossos recursos do trabalho que executamos não eram suficientes para mantermos uma família. Nessa época compramos uma caminhão financiado pelo meu padrinho (D. José Domitrovich) diretor do seminário salesiano em Ananindeua, que desejava se desfazer do veículo. Realmente pagando a parte do motorista sobrava uma importância que dava para pagar o financiamento e restava um bom dinheiro, do transporte de areia e terra para construções civis. Confiando nisso resolvemos casar. Porém, logo após ao casamento foi preciso comprar pneus e não sobrou dinheiro. Verificamos que


precisávamos urgente conseguir um emprego, e agora podíamos oferecer alguma experiência. A casa alugada que fomos morar era do Colégio Salesiano e conosco vieram as irmãs da Yolanda (Dulcinez e Terezinha). Nessa ocasião tivemos notícias que papai não estava passando bem, tomamos um navio para vê-lo, vez que ainda estávamos de férias na Faculdade, foi uma espécie de lua de mel continuada. Ao retornar no dia 13 de agosto (1951) conseguimos um emprego ganhando CR$ 1000 e mais 2% de comissão, como propagandista vendedor do Laboratório Pravaz, com sede em São Paulo. Nosso sucesso foi tão grande que, motivado pela responsabilidade de manter uma família, 3 meses depois tive um aumento para CR$ 1500 e 5% de comissão. Este foi o momento econômico difícil do nosso casamento. Yolanda que nunca havia tido dificuldades na sua família, ajudava fazendo pastéis para vender e cobrir o aluguel da casa. Comprávamos a crédito, na padaria e mercearia da esquina, os alimentos indispensáveis a nossa sobrevivência. Aliado a tudo isso tínhamos que estudar o curso de medicina, com as duas colegas, que vendo nosso sacrifício, conseguiam a matéria para estudarmos. Elas eram estudiosas, de sorte que facilitava estarmos sempre em dia com as matérias e por conta disso conseguimos excelentes notas, permitindo passar por média e ficar de férias ao final de novembro, não sendo necessário fazer as provas orais no mês de dezembro (eram duas provas escritas por ano, que para passar por média bastava tirar um somatório de 14 pontos nas duas). Mesmo trabalhando e estudando conseguimos concluir nosso curso com excelente aproveitamento. O Laboratório Pravaz, também facilitou nossa vida, colocando em nossa casa a representação e não mais na firma que antes o representava, portanto, saímos da nossa residência sem ter que ir ao escritório para marcar ponto, munido do material de propaganda, dandonos oportunidade para frequentar a Faculdade. Convém ressaltar que, nos dois últimos anos, o nosso salário era muito bom, podendo dar um conforto razoável à minha família.

Uma ajudante do lar passou a morar conosco, e acompanhava as cunhadas Terezinha e Dulcinez que estavam em nossa companhia. Nessa época tinha cerca de 20 anos. Tornou-se a Páscoa Ramos, a Babá de todos os nossos filhos. Antes que as domésticas tivessem INSS, pagamos a mensalidade e ao completar sessenta anos foi aposentada. Nessa ocasião dissemos para ela que não era mais nossa empregada, mas se tornava nossa hóspede enquanto desejasse. Mostrou a vontade de juntar-se as seus familiares em Alenquer, após 49 anos de convivência conosco. Fazia as refeições junto com a nossa família. Não adaptando-se em Alenquer voltou para a casa da Yolanda filha, que a acolheu com muito carinho, oferecendo acomodações apropriadas. Durante os dois primeiros anos de casados, a Yolanda não engravidava, e quando conseguia, abortava no segundo mês, acontecendo por duas vezes. Podem imaginar nossa tristeza. Na terceira gestação foi submetida a um tratamento e no dia 3 de dezembro do ano de 1953, nasceu o Renato, às 14 horas. O trabalho de parto não foi fácil, pela apresentação inicial de face, mas com medicação apropriada foi silenciado as contrações uterinas e duas horas após induzido o trabalho de parto, modificando a apresentação para cefálica. O filho esperado, nasceu na maternidade da Santa Casa de Misericórdia, sendo seus padrinhos escolhidos Francisco (Belinha) Leite, tios da Yolanda. Havíamos concluído o quarto ano de medicina. Agora mais uma boca em casa, mas nessa ocasião tínhamos um bom salário. No período das férias dinamizamos, nossa atividade de propagandista-vendedor do laboratório industrial e assim viajávamos pelo interior do Estado introduzindo os medicamentos. Nessas viagens aumentamos nossos rendimentos em consequência da comissão pelas vendas realizadas, então podíamos comprar mais alguma coisa que precisávamos. Lembramos que não tínhamos refrigerador para guardar os alimentos e nem ter água gelada. Conseguimos duas formas de gelo da casa da minha madrinha que ficava próximo. Durante o curso de medicina tivemos a ajuda de dois professores: Rubens Guilhon Coutinho, 13


para auxiliá-lo nas operações, especialidade que desejava. Este médico muito nos auxiliou porque, operava diariamente em vários hospitais e assim fui sendo conhecido por outros médicos operadores. O outro foi Afonso Rodrigues Filho, professor de clínica médica. Fiquei responsável pela enfermaria com 18 leitos da qual ele era o titular. Com ele aprendi a ser um médico clinico. Em julho de 1954 uma outra alegria, a Yolanda engravidou transcorrendo sem anormalidades e nasceu em 11 de março de 1955, as seis horas da manhã, na Maternidade do Hospital da Santa Casa, recebendo o nome de Ana de Fátima, veio como prêmio no meu último ano do curso de medicina. Conquistamos o diploma de médico resultado de um desafio pelos percalços ocorridos; no dia 8 de dezembro de 1955 em cerimônia memorável, realizada no salão nobre da Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará.

Outro fato digno de nota, no dia 10 de dezembro (1955), dois dias após nossa formatura, realizamos nossa primeira cirurgia com o título de médico, ajudado pelo então acadêmico do sexto ano, José Almir Gabriel. A cirurgia foi para corrigir uma hérnia inguinal. No primeiro dia do ano seguinte (1956), tomávamos o navio Lauro Sodré, do Serviço de Navegação da Amazônia e Administração do Porto do Pará – SNAPP, com destino a Santarém, onde apanharíamos outra embarcação: a lancha Belterra, para a cidade do mesmo nome, enquanto isto, o resto de minha família tomava a embarcação Santo Antônio de Alenquer, que os levaria para Alenquer onde moravam nossos pais, até arrumarmos uma residência na cidade onde íamos trabalhar.

Em Belterra, começava praticamente a minha Termina meu contrato de trabalho com o profissão de médico (1956). O temor do erro e a Laboratório Pravaz S/A e somo-lhes gratos preocupação de fazer meu nome como médico pelos recursos financeiros auferidos com o meu capacitado, faziam-nos examinar o doente com trabalho, tendo podido sustentar a minha família atenção redobrada, para fazer um bom diagnóstico com dignidade e concluir o curso de medicina. e restabelecê-lo com certa brevidade. Vislumbrava ser um grande médico, vez que os que nos Conseguimos emprego no interior do Estado, antecederam no Hospital Henry Ford foram cumprindo um propósito de trabalhar algum capacitados e eficientes com seus nomes sempre tempo, como filho do interior, em cidades que lembrados a cada momento. Nesse Hospital nunca tiveram médicos. Foi em Belterra, um trabalharam médicos americanos e brasileiros. distrito de Santarém. Renunciamos fazer um curso Das cidades vizinhas, pacientes procuravam a cura de gastroenterologia em Porto Alegre, conseguido neste Hospital, até mesmo de Belém e de Manaus pelo Prof. Afonso Rodrigues Filho, residência vinham doentes para serem operados. no Hospital dos Servidores do Estado no Rio de Janeiro e um emprego na Secretaria de Saúde do No hospital Henry Ford de Belterra, com um Estado. Abdicamos em favor de um compromisso excelente centro cirúrgico. Tumores no cérebro que fizemos ainda criança, quando fomos foram extirpados, enxertos do ureter na bexiga espectadores de várias mortes na minha cidade realizados, cirurgias obstétricas e ginecológicas, por falta médico. retiradas da vesícula, gastrectomia... era um bom centro de aprendizado. Convém lembrar que nesse ano de 1955, meu irmão Jonathas recebia também o diploma de advogado Éramos inseguros, se não fosse um bom médico, pela manhã do dia 8 de dezembro na Faculdade de a exemplo dos demais que nos antecederam. Direito do Pará. Nosso pai, quando éramos crianças Entretanto, aos poucos fomos recebendo elogios, nos falava que queria ter um filho médico e outro pela nossa dedicação, e pelo acerto diagnóstico. advogado. Seu Deus o escutou e permitiu que se É verdade que durante o meu curso médico, realizasse esse sonho. Hoje cremos na força da procuramos nos preparar em três grandes palavra que brota do coração e a língua expressa. especialidades: pediatria, clínica médica e cirurgia 14


geral, para tanto, procuramos estagiar com os professores dessas especialidades. Porém, não tínhamos o mesmo desempenho em obstetrícia. Com o apoio do médico diretor do Hospital Henry Ford de Belterra (médico Osvaldo dos Santos Pereira), que tinha essa especialidade, nos orientou da melhor maneira, e também conseguimos ter um bom desempenho como obstetra.

companhia em Belterra, logo tornou-se simpático às famílias dos técnicos que trabalhavam nessa cidade (agrônomo, médico, farmacêutico odontólogo), respectivamente Eurico Pinheiro, Osvaldo dos Santos Pereira Tiburcio Albuquerque e Dib Doce, que se reuniam às noites para jogo de canastra, (não a dinheiro), apenas por divertimento.

Aproveitamos muito o tempo que trabalhamos naquele hospital, para sedimentar o que tinha aprendido na Faculdade e no Hospital escola. Acompanhava os casos com dedicação e os estudava, buscando aprimoramento na semiologia médica, a responsável para o sucesso diagnóstico.

O médico Osvaldo Pereira namorou-se da minha cunhada Terezinha, que veio morar conosco e trabalhar no escritório em Belterra. Em outubro (1956), se casaram numa cerimônia muito simples. Passaram a lua de mel na mesma cidade, em uma casa que foi preparada para a residência deles.

Neste ano de l956, no dia 19 do mês de outubro nasceu às 10 horas da manhã, o nosso terceiro filho, mulher e recebeu o nome de Yolanda, homenageando sua mãe, parto normal, realizado pelo Dr. Osvaldo Pereira, posteriormente tio e padrinho de batismo. Foi um ano inesquecível!

Ainda nesse ano fui designado para diretor (durante três meses) do Hospital Henry Ford de Fordlândia, um distrito do município de Aveiro, distante da sede aproximadamente uma hora de barco a motor. Logo que foi contratado outro médico, retornamos a Belterra, tanto que não desocupamos nossa residência, na expectativa de breve retorno.

Depois de muitos anos sem convivência com nosso pai, ele veio passar um mês em nossa

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Emprego no SESP

N

o início de 1957, aconteceu um fato que não estava previsto e muito desagradável. Houve um desentendimento com o administrador das Plantações, engenheiro agrônomo Abnor Gurgel de Lima. Esta situação levou-nos a deixar a Instituição. Conversando com Yolanda decidimos procurar outro emprego, pois, não podíamos, sair numa aventura vazia, já tínhamos três filhos. Como já tinha um ano de trabalho, solicitei férias que foram negadas por necessidade de serviço. Então, pedi licença para tratamento de saúde. Não havia mais ambiente para nós em Belterra. Precisava urgentemente conseguir outro trabalho. Com a licença concedida viajamos para Belém. Procuramos os amigos e logo tínhamos nas mãos dois empregos para escolher: Serviço Especial de Saúde Pública – SESP e no Serviço Médico da Petrobras. Decidimos pelo primeiro onde trabalhamos 34 anos até a nossa aposentadoria em 23 de julho de 1991. Na nossa volta para Belterra, tínhamos a data acertada para nos apresentar na outra instituição, pertencente ao Ministério da Saúde, assim deixávamos o Ministério da Agricultura, através das Plantações Ford. Tentaram persuadir-nos com novas vantagens, que não mudaram nossa decisão de deixar Belterra e nós fazíamos com muita tristeza, porque nossa família estava muito bem adaptada. Começamos a trabalhar na US - Unidade Sanitária de Monte Alegre no dia 4 de fevereiro de l957, primeiramente fazendo o estágio a fim de conhecer as normas e instruções do SESP. Convém ressaltar que minha família sempre nos acompanhava. O chefe da US era o Dr. Orlando Gonçalves Correia. Nessa cidade passamos 40 dias. Fomos designado como chefe da US de Alenquer, cidade natal de Yolanda, onde viviam 16

seus pais Ludgero Burlamaqui Monteiro e Heribertina Batista Monteiro e meus pais Jacob Amram Athias e Ignez Farias Pontes Athias. Permanecemos em Alenquer um ano e seis meses. Nossa família foi aumentada com a chegada de mais um filho no dia primeiro de outubro de 1957, Ricardo, antes que Yolanda completasse um ano. Nasceu na Unidade Mista de Santarém e realizamos o parto com a obstetra de plantão, as quatro horas da madrugada. Agora tínhamos dois casais. Aos dois meses Ricardo teve malária (plasmodio falsiparum), foi consultado pelo pediatra Dr. Wilson Maia Leite (FSESPSantarém), que fez o diagnóstico e ficou curado com a medicação recebida. Yolanda não ficou contente com nossa transferência para Alenquer onde estavam nossas famílias, vez que podiam abusar de nossa chefia na Unidade Sanitária (US), com muita habilidade mostramos aos nossos parentes as regras da instituição, que não deviam ser desrespeitadas. Nós nos conduzimos com prudência, atravessando a maior dificuldade para um médico no interior – o pleito eleitoral, – sem tomar partido. Ressaltese que meu pai era militante do PSD – Partido Social Democrático liderado pelo Cel. Magalhães Barata e meu sogro militante da UDN – União Democrática Nacional sob a liderança de José Malcher, que eram os partidos majoritários e antagônicos em suas cartas de intenções. Em Alenquer incentivamos a construção da sede de um clube, o Esporte Clube Internacional, do qual somos sócio proprietário. Fundamos um time de voleibol feminino, incentivando o esporte entre as moças. O mesmo já tinha acontecido em Belterra, fazíamos isso lembrando da Faculdade que tinha um time de voleibol. Com a ajuda local fizemos um campo no terreno da Unidade Sanitária, iluminado para jogos noturnos. Éramos todo entusiasmo. Embora cansado ao final do expediente, fazíamos dois times para jogar voleibol, esporte de minha predileção. Ano político, 1958, eleições para deputado federal e estadual, senador, prefeito, vereador


e governador do Estado. Em cidades pequenas ninguém fica de fora, mas com serenidade, procurávamos conviver com os militantes de todos os partidos políticos, sem nos identificar simpatizante deles, vez que o SESP onde trabalhávamos era imune a política. Logo após as eleições que ocorreram no primeiro domingo de outubro (1958), viajamos de férias para Belém, com toda família, os quatro filhos Renato, Ana de Fatima, Yolanda e Ricardo. Yolanda estava grávida no sétimo mês.

reta intenção com nossa esposa, que assim mesmo, nos incentivou a fazer a viagem. Terminada as férias fomos transferidos para a cidade de Ponta de Pedras na Ilha do Marajó. Era hábito do SESP manter o médico no máximo dois anos em cada cidade para não criar amizades, que seriam empecilho para sua administração. Chegamos em novembro de 1958, ali habitavam cerca de dois mil e quatrocentas pessoas, bem menor que Alenquer, que deixamos com saudades.

Como sempre fazíamos, chegávamos primeiro na Em Belém, após 10 dias viajamos ao Rio de Janeiro cidade para alugar casa e posteriormente trazer para um Congresso de Ex-alunos salesianos em a família. Haviam boas casas, mas permaneciam Niterói. Fomos até certo ponto egoísta, deixando fechadas, porque eram dos fazendeiros que usavam a família para viajar para a Capital da República, durante a festa da padroeira da cidade ou para mesmo por uma semana. Restou o passeio vez que as férias de seus filhos. Finalmente encontramos Congresso foi cancelado, éramos quatro: Ataliba uma com duas dependências, um corredor e uma Lima, Francisco Miléo, Jonathas, meu irmão e cozinha onde havia a mesa para refeições. A água Presidente da Associação dos ex-alunos salesianos era retirada do rio para um tambor de 200 litros do Pará e eu. Foi um impulso de viajar ao Rio de localizado no banheiro fora da casa, onde também Janeiro, sem chances no momento presente de ficava o sanitário. Diariamente um carregador se fazê-lo! Como já falamos Yolanda estava grávida, ocupava de encher o tambor. A água que bebíamos portanto mais um motivo para não aceitar o era fervida para evitar qualquer infecção intestinal. convite. Agora muitos anos escrevendo esses Alguns meses depois, fomos para um sobrado de acontecimentos, percebemos que não tivemos a madeira que possuía um poço de onde tirávamos a 17


água. O banheiro possuía um tambor com chuveiro, mas era preciso enchê-lo com baldes realizado pelo mesmo carregador casa anterior. Esta casa já era mais confortável. Quando éramos transferidos para uma cidade levávamos as roupas e os demais utensílios como: refrigerador a querosene, fogão a querosene, os móveis nós comprávamos na cidade ou mandávamos fazer por um carpinteiro. a fim de que pudéssemos nos desfazer com certa facilidade vendendo-os com certa facilidade na próxima transferência. Yolanda chegou grávida naquele ano de 1958, na cidade de Ponta de Pedras, uma das 12 cidades localizadas na Ilha do Marajó. Fomos chefiar uma Unidade Sanitária com menor número de funcionários, mas que tinha sob sua custódia duas outras cidades: Muaná e São Sebastião de Boa Vista, onde atendemos sempre no mesmo dia do mês os sub-postos instalados naquelas cidades. A lancha de certo conforto do SESP vinha e apanhava-

nos para fazer a viagem, mas para nós se tornava um martírio. Tínhamos que atravessar a Baía do Marajó durante 6 horas na pequena embarcação que consideramos frágil para os temporais que pudessem ocorrer durante a viagem. Em 22 dezembro de 1958 nasceu o nosso quinto filho, Yeda, na cidade de Belém no Hospital da Santa Casa de Misericórdia, parto realizado pelo meu colega desde o primeiro ano do Ginásio no Colégio Salesiano Nossa Senhora do Carmo, Osmar Bahia da Silva, filho de minha madrinha Joana Bahia da Silva. Logo tornou-se seu padrinho com sua esposa Tosca. Ressalte-se que éramos contentes pelos filhos todos sadios que tínhamos, por outro lado tínhamos a facilidade de termos mais de duas empregadas domésticas e facilitava o trabalho com as crianças. Trabalhávamos como chefe da Unidade Sanitária de Ponta de Pedras quando chegou uma gestante com 16 anos de idade, vindo da cidade vizinha Cachoeira do Arari, onde não havia médico, com placenta prévia e perdendo sangue há 12 horas de viagem de canoa a remo. A realização do parto cesariano era a indicação, entretanto a Unidade Sanitária só tinha um ambulatório para pequenas cirurgias, assim como material cirúrgico reduzido. Tivemos que tomar essa atitude, porque sabíamos fazer a operarão, apenas não havia as condições de uma sala cirúrgica, mesmo assim fomos bem sucedido. A criança não resistiu o sofrimento fetal e faleceu na hora seguinte do seu nascimento. Nossa reputação como médico alcançou as cidades vizinhas que vinham para se consultar, e para nós era motivo de satisfação em atender uma população ribeirinha e dos campos do Marajó, sem recursos. Esse era o nosso objetivo quando criança na minha cidade natal sem recursos médicos. Em fevereiro de 1960 fomos transferidos para a Unidade Sanitária de São Miguel do Guamá, por onde passaria a Rodovia Federal Belém-Brasília, para unir o norte ao sul do Brasil. Ocorriam acidentes diários e por isso havia nessa Unidade 10 leitos para atendimentos de urgência e encaminhamento posterior para cidades com mais recursos médicos.

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Eventos médicos variados ocorreram dignos de relato, seleciono o caso de um homem infectado por Febre Amarela, medicado com antimaláricos por pessoas curiosas em medicina. Depois de 4 horas ao seu lado veio a falecer. Sabíamos que seu organismo enfraquecido pelos dias distante de atendimento adequado, sabíamos também, que se não houvesse reação do organismo desejada seria fatal, vez que não há medicação específica para essa doença, mesmo oferecendo os medicamentos e nutrientes que dispúnhamos na base de soro glico-fisiológico, Vitamina C, Complexo B injetável, nada conseguimos. Sentimos nossa impotência diante dessa doença. Poucos são os médicos que viram um caso de Febre Amarela. Lutávamos com as enfermidades como se fossem membros de minha família. Convém ressaltar que havia uma epidemia de malária na região e nós tomávamos as refeições, temperadas com sal cloroquinado como profilático. Trabalhávamos alguns dias entrando pela noite e madrugadas, mas contentes porque estávamos fazendo o que gostávamos tratar os

doentes, nas várias especialidades, vez que éramos um médico pluralista. Meu trabalho foi reconhecido pela Diretoria da Fundação SESP, sendo indicado para fazer o curso de Saúde Pública na Escola Nacional, sediada no Rio de Janeiro, durante um ano, tanto que em fevereiro de 1960 viajamos para aquela cidade e fizemos prova para conseguir vaga para o curso, que nos daria outras perspectivas na Instituição em que trabalhávamos. Em março toda minha família chegava para estar connosco, inclusive minha mãe. Ocupamos um apartamento na Rua Marquês de Abrantes, n° 64, apartamento 505 com dois quartos. Durante um ano ficamos no Rio de Janeiro fazendo o curso de Sanitarista, de março de 1961 a fevereiro de 1962. Nesse período Yolanda teve mais um filho que seria o sexto e nasceu no Hospital dos Servidores do Estado, onde ela fazia o pré-natal para ter parto sem dor. Realmente foi o parto mais rápido acontecido na maca a caminho da sala obstétrica. Recebeu o nome 19


de Salomão Pontes Athias Júnior, sendo os seus padrinhos Oscar Cristiano Batista e Maria de Nazaré Petrucelli, batizado na Igreja da Santíssima Trindade, situada na Rua Senador Vergueiro, onde éramos paroquianos. Foi um ano de estudos mas também aproveitamos muito, vez que tínhamos vindo do interior do Estado do Pará. Nossos filhos, os três primeiros foram matriculados numa escola particular que os desenvolveu muito. Há um fato que ficou gravado na memória deles. Uma senhora se jogou do andar superior do prédio que morávamos, vindo a falecer. Esse acidente trouxe de volta ao apartamento o Ricardo que tinha se perdido da mãe na feira de São Salvador. Chorando, ele disse que morava no prédio que houve o acidente e logo o trouxeram, terminando a aflição que Yolanda se encontrava. Com o término do curso março de 1962. Foi decidido pela direção da Fundação SESP que voltaríamos como supervisor médico da Diretoria do Pará, entretanto posteriormente, houve uma determinação do Ministério da Saúde, para que a Fundação nos cedesse para dirigir a Circunscrição Pará do Departamento Nacional de Endemias Rurais – DNERu. Convém ressaltar que foi uma surpresa e um desafio para nós, vez que desconhecíamos as ações deste Departamento. Procuramos não trocar ninguém nas funções da Circunscrição, tudo permaneceu como encontrei. Posteriormente foram mudados aqueles que decepcionaram nossa administração, Isto só aconteceu com dois ocupantes de chefias. Essa é a melhor regra, para não colocar pessoas desconhecidas nas funções e também sejam desconhecidas por nós. Desenvolvemos um bom trabalho, após várias reuniões em que mostrava que toda instituição tem um legado ou missão especial para ficar na história. Com essa motivação e com o apoio do Diretor Geral reduzimos a infestação de filaria em Belém, chegando a 0,3% da população de Belém.

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A lancha da Instituição foi recuperada e colocada em ordem para as demais atividades de outras endemias, como ancilostomíase e sobretudo a bouba nos municípios da Ilha do Marajó. Ficava atracada no porto das embarcações da Fundação SESP. Posteriormente descobrimos que havia sido dado ao DNERu um terreno a margem da Baía do Guajará, próximo ao Porto do Sal na Cidade Velha e era ocupada por várias embarcações. Mandamos fazer uma Placa com o nome do DNERu – Ministério da Saúde e mandamos colocar a fim de proibir o uso do referido porto. Recebemos a visita do Ministro da Saúde, que se entusiasmou com os resultados obtidos pela


Circunscrição. Tínhamos um ano e seis meses que à chefiávamos (Circunscrição do Pará do DNERu – Departamento Nacional de Endemias Rurais). Nessa ocasião a Fundação SESP pediu o meu retorno, para dirigir o Serviço Cooperativo do Pará. Uma instituição criada, com a parceria do Governo do Estado. Ao Governador cabia escolher o Diretor e nós fomos selecionados, porque o técnico deveria ser do quadro da Fundação SESP.

Vice-Presidente João Goulart, que substituiu o Presidente Jânio Quadros. As forças armadas não aceitavam pronunciamentos do Presidente em exercício, atrelados ao movimento social e político, que defendia a transformação total da sociedade capitalista e o estabelecimento de uma sociedade igualitária (comunista).

A Superintendência da FSESP – Fundação Serviço Especial de Saúde Pública, atendeu Em 1963 escolhido pelo Governador Aurélio do uma solicitação de nos colocar a disposição do Carmo, para ser o Diretor do Cooperativo, que Ministério da Saúde. O Ministério entregou-nos funcionava acoplado aos escritórios da Fundação ao Diretor Geral da Campanha de Erradicação SESP, na Rua Santo Antônio. Escolhemos os da Malária que havia sido tirado do DNERu, cooperadores para funcionar o Cooperativo. Todas que numa ação conjunta com a OPAS pudesse as Unidades da Fundação SESP, passaram a ser erradicar esta doença que estava assolando o país administradas pela nova Instituição. O Secretário de principalmente no Norte e no Nordeste. Saúde do Governo também fazia parte da direção do Cooperativo, com o Prof. Dr. Pedro Valinoto. Fomos designado para ser o chefe do Setor do Estado do Pará da CEM – Campanha de Os recursos que o Estado se propunha a entregar Erradicação da Malária. Localizado na Gentil o fazia com atrasos, mas a parte da Fundação Bittencourt, próximo a minha residência. Podia ir SESP suportava essas dificuldades e não deixava e vir andando. que as Unidades de Saúde sofressem problemas. A situação crítica na época era conseguir médicos Quando assumimos a chefia, encontramos os que desejassem trabalhar no interior do Estado, estoques de inseticidas nos porões de colégios portanto, algumas sofriam por falta desse públicos como o Instituto Lauro Sodré, que profissional. Conseguimos esses profissionais, abrigava a maior parte. Falei ao Diretor Geral da formados em Pernambuco, que vieram trabalhar CEM, que tínhamos um terreno do Ministério de na Amazônia, selecionados pela Diretoria Saúde, onde poderíamos fazer os galpões e o porto Regional de Pernambuco. Eram bons profissionais para atracar as embarcações para o Trabalho de e entusiasmados pelo salário que era considerado Erradicação da Malária nos rios, lagos e igarapés. muito bom e que recebiam pontualmente ao fim de cada mês. Recebemos os recursos e em pouco tempo tínhamos tudo sob nosso controle, inclusive um As atividades das Unidades funcionavam, mesmo porto onde atracavam as lanchas. Construímos um tendo havido a mudança para uma nova instituição um hangar com torno mecânico para consertos e criada para substituir a Fundação, mas com os manutenção dos motores das embarcações, assim mesmos programas ao adulto, gestante, crianças, como também pinturas e calafetação das juntas vacinações regulares, controle das doenças infecto nos cascos que eram de madeira. contagiosas, sobretudo a tuberculose e a hanseníase. Controle das curiosas. Atenção constante ao Os Inspetores e guardas ficaram estimulados saneamento básico, com o fornecimento de água porque tinham um parque para manutenção das potável (SAAE – Sistema Autônomo de Água e embarcações, que somavam trinta e duas de vários Esgoto) e destino adequado de dejetos. tamanhos, Uma delas carregava 50 toneladas de inseticida que poderia levar para os outros Estados. Em março de 1964 ocorreu uma rebelião das Antes esse transporte era feito em embarcações Forças Armadas, com a finalidade de destituir o contratadas que faziam as ligações entre municípios 21


e Estados. Muitas vezes chegava fora do tempo adequado para o trabalho de borrifação nas casas ribeirinhas e também nos campos. Posteriormente em 1965 fomos indicado para fazer o curso de malariologia com bolsa da OPAS – Organização dos Países Americanos de Saúde, ligado a Organização Mundial de Saúde. Fiquei de janeiro a maio na Venezuela onde se realiza o melhor curso de malária no mundo, Escuela de Salud y Saneamiento Ambiental localizado em Maracay no Estado de Aragua, cerca de 150 quilômetros de Caracas. Voltamos para o Setor Pará da CEM, com os conhecimentos adquiridos realizamos uma administração considerada de boa qualidade, pelo Diretor Geral. Nesta Instituição permanecemos até dezembro de 1969, quando fomos solicitados a retornar a FSESP, pelo então Superintendente Dr. Nilo Bastos. Fui colocado como agregado à Diretoria a partir de 2 de janeiro de 1970. O Diretor Regional Dr. Abel Tenorio de Souza Rocha estava nos EUA em viagem de observação. Fui recebido pelo Diretor em exercício Dr. Walter Muniz Barreto. Dr. Abel chamou-me a Diretoria e perguntoume se ainda era médico, respondemos que nunca tínhamos abandonado a profissão. Na ocasião mandou-me tirar as férias do médico chefe da US. Capanema. Sábado e domingo passava em Belém e segunda-feira estava às 7:30 horas na Unidade para atender os pacientes. Neste período a Ana de Fátima completou 15 anos e fizemos uma festinha com missa na Igreja de Santo Antônio de Lisboa, celebrada pelo Frei Lourenço. Após essa incumbência em Capanema, fomos tirar as férias de Dra. Cecília em Abaetetuba, no mesmo procedimento (sábado e domingo em Belém). Com o meu retorno fui para Altamira organizar a Unidade Mista (UM), com acoplagem do Hospital São Rafael adquirido da Diocese de Altamira. Funcionavam em prédios separados o setor ambulatorial do setor Hospitalar. Com 22

administração única. Permanecemos quinze dias. Nesse ocasião fomos informados pelo Diretor que havia sido indicado para supervisor dos Serviços Médicos Sanitários da Diretoria. Foi contratado o Dr. Walter Amoras e após o estágio na US de Castanhal, fomos levá-lo para introduzi-lo como chefe da UM de Altamira, onde permanecemos cerca de 15 dias. Altamira estava no auge das atenções por causa da Rodovia Cuiabá-Santarém, que passava em seu território e também pelo assentamento de colonos nordestinos, nas várias Agrovilas as margens da Rodovia. Portanto, foi palco da visita de Vicepresidentes e Presidentes da República. Tendo sido construído um Hotel específico para acomodar essas altas figuras da Nação, em uma Agrovila mais desenvolvida há 40 quilômetros da cidade. Posteriormente como supervisor retornamos várias vezes no intuito de manter a Unidade Mista de Altamira confiável e bem administrada, sobretudo nos nos anos de 1971, 1972 e 1973. vez que, tinha o peso de fazer cirurgias. Tinham sido contatados médicos em Pernambuco, porque em Belém os médicos não aceitaram ir para o interior. O ano de 1974 foi marcado por profundas dores e mudanças. No dia 31 de agosto fomos para Alenquer, em avião fretado, levando um grupo de judeus, de Belém e Santarém para ter minian e realizar o enterro de nosso pai segundo as tradições sefaraditas do Marrocos. Ainda com o luto de nosso pai, no dia 6 de setembro fui para o enterro de meu irmão Jonathas, vítima de um infarte fulminante, na ocasião ele era Secretário de Educação do Estado de Pará, e foi enterrado com as devidas honrarias. Foram momentos de profunda comoção.


Vida nova no Rio

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m 1974 fomos convidados para ser supervisor da seção médica da Divisão de Saúde, cujo Diretor era o Dr. Abel que havia sido removido do Pará para a Presidência, no Rio de Janeiro. Ficamos contentes por termos sido reconhecidos. Não tomamos a decisão sozinhos. Junto com Yolanda, estavam Ana de Fátima, Yolanda, Ricardo, Yeda. Os dois outros Salomão Júnior e Rubens eram menores sem a consciência do que estava sendo proposto. Ressalte-se, que só a Yeda foi favorável a nossa transferência. Fátima cursava o terceiro ano de Medicina, Yolanda e Ricardo preparavam-se para o vestibular. Como estava tudo em forma de convites. Pedi-lhes que não contassem a ninguém. Realmente só aconteceu em maio de 1975. Começando uma vida nova. Yolanda tornou-se uma gigante em promover nossa mudança, venda do apartamento em Belém. Yolanda disse de imediato que não viria para o Rio morar em residência alugada. Assim providenciamos entre tantas escolhas, o apartamento 702 da Rua das Laranjeiras, 95, com telefone instalado, número 265-6742 do momento. Aqui chegaram primeiramente, Yolanda, dona Heribertina que pediu para morar conosco, foi uma alegria para todos nós, Yeda, Salomão Júnior e Rubens. Uma semana depois fomos buscar Ana de Fatima, Yolanda e Ricardo, Convém lembrar que Renato havia deixado nossa residência, aos 13 anos para fazer uma experiência no colégio interno dos padres salesianos, em Ananindeua. Uma escola subvencionada cujo nome era “escola para os filhos dos seringueiros” principalmente aqueles meninos que eram filhos dos trabalhadores da borracha na fábrica da Pirelli de Marituba, ele se encontrava nessa época fazendo a faculdade salesiana de filosofia, em são João del Rei, Minas Gerais. No segundo semestre de 1975 iniciamos nossa vida no Rio de Janeiro, instalados na Rua das Laranjeiras, 95 apartamento 702. Compramos

um chevette banco, vez que tínhamos vendido a Kombi em Belém para nossa locomoção. Tomamos o ônibus 180 que saia da rua Ministro Tavares Lira para a Central do Brasil e ficávamos no ponto próximo do trabalho na Av. Rio Branco número 251, nos andares, 11 a 13. Nossa sala no 13º, número 1305. Como tudo era novidade, mostramos aos filhos que tínhamos muito tempo para conhecer a cidade na devida oportunidade. Neste momento precisavam saber o trajeto para as escolas: Yolanda e Ricardo no Colégio São Vicente de Paula, no Cosme Velho. Yeda no Colégio Santo Antônio Maria Zacarias, Rua do Catete. Tratavase de colégios com mensalidades altas. Quanto ao Salomão Junior e o Rubens, foram estudar na Escola Pública na Rua das Laranjeiras, para fazerem o primeiro gráu. Ressaltamos que a compra deste apartamento foi uma súplica para que fosse perto de uma igreja, no caso a igreja de Nossa Senhora da Glória, na distância de cinco minutos e até hoje quando escrevemos estes episódios ainda somos seus paroquianos. O Presidente da Fundação SESP Dr. Aldo Villas Boas tomou a iniciativa de fazer várias mudanças, entre elas trazendo de Belém o Dr. Abel Tenorio de Souza Rocha para a Divisão de Saúde. Tínhamos vindo para ser o supervisor e ao chegar, o Diretor da Divisão de Saúde, resolveu nomear-nos Chefe da Seção Médica. Um mês aproximadamente substituímos o Chefe do Setor que foi removido para Brasília. Significava coordenar as seções médicas, de odontologia, de enfermagem, de educação em saúde e de saneamento básico. Na Divisão substituímos o Diretor nos seus impedimentos. Indicamos para chefe da seção médica, Dr José Carlos dos Anjos de Souza. Tomamos a iniciativa de metodizar as supervisões, com tempo apropriado para a Diretoria, Unidades Mistas e Sanitárias (isto não agradou os supervisores das várias seções), formando a 23


equipe com o médico, enfermeira, e o inspetor de saneamento. Educação em saúde e odontologia viajavam separadamente. Esta logística não foi aceita sem murmúrios, que nada adiantava vez que era determinação do Diretor, a fim de coibir exageros em viagens. Por outro lado havia poucos recursos para essa atividade. Esse semestre e o do ano seguinte foi de muito trabalho elaborando projetos para novos Estados como o de Rondônia. Também recebemos todas as unidades sanitárias do norte de Goiás, conhecido como “bico de papagaio”, que estava sob a administração da OSEGO. Hoje, Tocantins. Ao final de 1975, após os vestibulares: Yolanda passou para a Administração de Empresas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Localizada no Campus da Urca, enquanto o Ricardo passou para Universidade de Santa Úrsula, particular. Ficava próximo de nossa residência, com oportunidade de não usar transporte. Ao final de 1977 Ana de Fátima conseguiu vaga na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, tendo voltado a estudar com os acertos dos currículos. Matérias que tiveram que ser refeitas. Ao final só perdeu um ano, vez que devia

terminar em 1978 e aconteceu em 1979. Com Yolanda e Fátima em Faculdades Federais, tiramos o Salomão Júnior e Rubens e matriculamos no Colégio Santo Inácio, por interferência de Pe. Gino Zatelli. Durante o ano escolar achamos oportuno transferir Salomão Júnior e Rubens para outros Colégios. Depois da Faculdade ambos conseguiram trabalhar em suas respectivas áreas de conhecimento e hoje estão muito bem consolidados em suas devidas profissões. *** O ano é 2018. Os filhos tiveram filhos, e os netos também filhos. Renato teve 3 filhos: Diloá, Aaron e Jonas. De Yolanda e Ivo, nasceram Tiago e Camila. Ricardo e Berenice trouxeram ao mundo: Isadora, Samuel e Valentina. A Yeda teve o Daniel. De Salomão Jr e Nilma vieram Rebecca e Jônathas. Rubens e Patrícia tiveram David (de abençoada memória) e Hanna. Em 2016, Diloá e Rayane trouxeram a primeira bisneta, a Flora. Este ano de 2018 fomos agraciados com mais um bisneto, com a chegada de Felipe Manuel, filho da Valentina e Andrés. Todos os filhos, netos e bisnetos estão bem e felizes.


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