Revista bimestral | nº 2 | FEVEREIRO 2014
pág’s 8/9 pág’s 10 pág’s 12/13 pág’s 14/15 pág’s 16/17
Seleção Musical
pág’s 52
“A mão do diabo”
pág’s 53
“Adore”
pág’s 54
Pedro Chagas Freitas
pág’s 56/57
Praxes
pág’s 30
Info Flashes
pág’s 33
(des)Olhar sobre...
pág’s 34
O olhar atento...
pág’s 36/37
Crise
pág’s 38/39
Desafios para a escola Família e escola Redes de suporte social
quem é quem?
Direitos reservados
pág’s 6/7
pág’s 18/19 pág’s 20/22 pág’s 23
Hélder reis
Hormonas no amor Gravidez na adolescência Planeamento familiar Famílias portuguesas Ser casal Geocaching
“Sempre quis ser o que sou hoje” Pág’s 24/29
Outros mundos...
Outros mundos...
Viagens ao património severense
Sara no Brasil pág’s 46/47
“Levantar-me na floresta às 5h da manhã, hora a que nasce o sol, e o facto de dormir nas redes causou-me algum transtorno”
Gerir o orçamento familiar Dicas para Poupar Duodécimos
pág’s 48/50
pág’s 40/41 pág’s 42/43 pág’s 44/45
Surge a ambição de materializar um espaço comum de leitura, aprendizagem, enriquecimento e saber. Um sítio físico que espelhe em palavras e ideias o panorama atual e as preocupações que o acompanham, apontando possíveis caminhos e alternativas. Surge a sua Rés fev./mar. 2014 VISTA...porque o saber é a melhor forma de prevenção, de combate e de ajuda ao próximo. Desfrute, boas leituras! revista | Rés Vista 01
Ajude-nos a quebrar o anonimato, fortaleça a nossa identidade. Damos o nosso rosto pelas pessoas, dê o seu por nós.
Pe. Licínio Manuel Figueiredo Cardoso Presidente da Direção & Diretor Técnico
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02 | fev./mar. 2014
NIB 003507770000112943031
revista | Rés Vista design | rui pires da silva
Licínio Cardoso
Diretora científica | Coordenadora
Bárbara da Silva Costa
Conceção gráfica e design
Rui Pires da Silva
Paginação e finalização para online
Ana Filipa Soares
Revisão
Índice
Saúde e Bem-Estar
Diretor executivo
De pequenino se aprende a amar Gravidez na adolescência Planeamento familiar Na bússola do tempo Ser casal em cada dia Geocaching
Educação
Seis desafios para a escola Sinergia de papéis Redes de suporte social
Quem é Quem? Hélder Reis
Atualidade e Sociedade Praxes Info Flashes (des)Olhar sobre... O olhar atento de... A crise que a crise esconde
Gestão Financeira Mª Madalena T. da Silva
Colaboradores:
Ana Rita Vicente Ângela Amaral David Nóbrega Dina Marli Nóbrega Diogo Veiga Elsa Nóbrega Fátima Soares Feliciano Angélico Inês Dimas
Entrevistas:
Hélder Reis Sara Silva
Propriedade:
Joana Coutinho Luís Silva Margarida Cardoso Mário Silva Nuno Antunes Pedro Chagas Freitas Pedro Henriques Sílvia Rodrigues
O orçamento familiar Dicas para poupar Duodécimos
Outros Mundos...
Sara no Brasil Viagens ao património severense
Aculturar
Seleção Musical Livro Filme Pedro Chagas Freitas
Fotogaleria
Os laços que nos unem fev./mar. 2014
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Nota de redação: relativamente ao acordo ortográfico, a Rés Vista respeita a opção dos seus colaboradores
revista | Rés Vista 03
E
ditorial
Pe. Licínio Cardoso Pres. direção do CSP Maria da Glória Professor bibliotecário Diretor do jornal Terras do Vouga Diretor Executivo da Rés Vista
”
Não basta ter mais, saber mais ou poder mais, para se ser mais pessoa. Não há mais nem menos quando se fala da pessoa humana. Há apenas ‘a pessoa’.
04 | fev./mar. 2014
Ao folhear este número da Rés Vista, não tenha receio, caro leitor, de pensar de modo livre, como pessoa que é, ser em relação. A Doutrina Social da Igreja (DSI) é um corpus de valores, princípios e propostas ainda pouco conhecido da sociedade em geral. A palavra ‘doutrina’ não soa bem… De qualquer modo, trata-se de uma reflexão amadurecida sobre a sociedade, a política, a economia e a cultura, em que a pessoa humana e o respeito pela sua dignidade constituem um dos princípios fundamentais de referência. Ao tomar conhecimento da aprovação, na Bélgica, da lei da eutanásia em crianças, urge parar e pensar um pouco no alcance de semelhante normativa. O compêndio de DSI, no seu número 133 refere que “em nenhum caso a pessoa humana pode ser instrumentalizada para fins alheios ao seu próprio progresso, (…) nem a sua vida, nem o desenvolvimento do seu pensamento, nem os seus bens, nem os que compartilham a sua história pessoal e familiar podem ser submetidos a injustas restrições no exercício dos próprios direitos e da própria liberdade. A pessoa não pode ser instrumentalizada para projetos de carácter económico, social e político impostos por qualquer que seja a autoridade, mesmo que em nome de pretensos progressos da comunidade civil no seu conjunto ou de outras pessoas, no presente e no futuro. (…) Tudo isto, uma vez mais, se funda na visão do homem como pessoa, ou seja, como sujeito ativo e responsável do próprio processo de crescimento, juntamente com a comunidade de que faz parte.” É tão grave o que se pretende alcançar com a lei da eutanásia como o que se vai perdendo quando tais práticas são uma possibilidade. E o que se perde é o sentido e a grandeza da pessoa humana. É verdade que “a pessoa não pode jamais ser pensada unicamente como absoluta individualidade, edificada por si mesma ou sobre si mesma, como se as suas características próprias não dependessem mais de outros que de si mesma. Nem pode ser pensada como pura célula de um organismo disposto a reconhecer-lhe, quando muito, um papel funcional no interior de um sistema.” (CDSI 125) Não basta ter mais, saber mais ou poder mais, para se ser mais pessoa. Não há mais nem menos quando se fala da pessoa humana. Há apenas ‘a pessoa’. E esta é capaz de se abrir aos outros e ao Outro Transcendente. Ao abandonarmos a visão personalista do ser humano, trocando-a pela alternativa ‘individualista’ (agravada pela questão do género), abrem-se caminhos de consequências de retrocesso muito difícil. Ao folhear este número da Rés Vista, não tenha receio, caro leitor, de pensar de modo livre, como pessoa que é, ser em relação. revista | Rés Vista
E
ditorial
Drª. Bárbara Costa Psicóloga clínica do CSP Maria da Glória Diretora Científica da Rés Vista
Fecha-se a porta, duas voltas na chave. Há coisas para as quais a porta não se voltará a abrir. Faz parte da história da minha vida, da vida de tudo quanto é humano, pura ação de seleção diária... O Homem é, de forma natural e inequívoca, predominantemente social, construindo personalidade e afetividade em cada dinâmica relacional, sejam laços de sangue, relações de amizade e|ou de amor. Leia-se família, amigos e afins. Cada relação é única, implica pessoas diferentes no ser e no agir, na sensibilidade e na tolerância para com o outro – fusão de absorções pessoais, sociais e relacionais passadas. É certo que o comum nos aproxima e o diferente nos afasta. É até inquietante, doloroso e complicado aceitar e conviver com atitudes que não as nossas, com fundos de valor dissemelhantes dos que praticamos e defendemos. A palavra respeito, medeia e acalma relações de evolução complicada, mas não é escudo protetor de pequenas mágoas diárias, que roçam ao descuido e indiferença, quando se espera mais daquela pessoa da nossa vida. Espera-se mais, espera-se aquilo que valorizamos em presença e ação expressa e espera-se de determinada forma. Eis a questão: somos nós que exigimos demais ou apenas damos demais? As portas vão-se fechando, com uma lista de argumentos sobre o que se fez versus a pessoa não fez, e assim se pontuam e vivem relações. É facto que devemos dosear exigências, apreciar situações com racionalidade e avaliá-las à luz das reais circunstâncias, não em função das histórias que construímos a um nível pessoal. Também é facto a premência da tolerância à frustração, bem como a capacidade de uma aprendizagem contínua para lidar com a deceção, de outra forma não nos poderíamos relacionar humanamente e com Humanos. Num relacionamento há sempre deceções, o que é necessário avaliar é o grau e intensidade das mesmas, categorizando-as e classificando-as, impondo limites. Há coisas que conseguimos assimilar e outras que não devemos, nem podemos por preservação pessoal e equilíbrio mental. Aí, as portas não devem estar entreabertas de reticência, devem estar fechadas, evitando desequilíbrios que se afiguram como previsíveis, protagonizados por pessoas que nos marcaram por e em desequilíbrios constantes. Preserve as suas relações saudáveis, é nessas que deve investir em tempo e em qualidade.
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revista | Rés Vista 05
Saúde e Bem-Estar
de pequenino se aprende a amar
David Nóbrega Licenciado em ciências da saúde Faculdade de medicina, U. Coimbra
Imagino o quão incrédulo ficará o leitor ao passar os olhos por uma página da nossa secção de saúde e bem-estar e se deparar com este título. Afinal, ciência e sentimento parecem tónicos imiscíveis, e por vezes as razões do sentir se afastam das razões do conhecimento rigoroso, num mundo cada vez mais tipificado em termos de regras próprias do modo de construir conhecimento científico atual. Mas existem agora explicações científicas que prometem revolucionar o olhar sobre as relações humanas, desde bem cedo na vida... Mas afinal, qual a relação entre o amor que surge entre mãe e bebé, a satisfação que nos trazem as relações sociais, o prazer relação monogâmica ou o prazer na relação sexual? As respostas que se encontram nos vários textos científicos que se debruçam sobre esta temática remetem-nos para uma hormona, que é inclusivamente por alguns autores designada hormona do amor: a oxitocina. Esta hormona é produzida, libertada e exerce a sua ação numa região central no cérebro responsável pela recompensa, pelo prazer: sistema límbico. Esta é uma parte ancestral do cérebro do ponto de vista evolucional, o que significa que a maioria dos animais, nomeadamente mamíferos, partilha mecanismos semelhantes, e foi destes que, através de experiências laboratoriais, se adquiriram muitos dos conhecimentos sobre o funcionamento deste sistema de recompensa. Este sentimento de prazer toma várias formas: sociabilização, envolvimento íntimo, sentimento de proteção, instinto maternal para com um filho recém-nascido. E cada uma destas diferentes formas de amor aqui envolvidas é determinada por hormonas que se vêm juntar à oxitocina (serotonina, testosterona, prolactina). Começando por analisar a primeira forma de amor, quando o recém-nascido é colocado pela primeira vez nos braços da sua mãe. Este é um momento em que se inicia uma história de amor, e é portanto de imaginar que dado o que falámos até aqui, a hormona do amor, oxitocina cumpra aqui o seu papel. Com efeito, o processo que leva ao nascimento é, um momento de stress, no sentido clínico da palavra: há libertação de um grande número de hormonas que aumentam o ritmo cardíaco, respiratório etc.. quer na mãe, quer no recém-nascido, que inclusivamente apresenta dilatação pupilar, o que no fundo realça a sua vulnerabilidade, necessidade de proteção para uma mãe, por sua vez preparada fisiologicamente para proteger e para cuidar. É no primeiro contacto logo após o nascimento em que o bebé é colocado junto da mãe que o acariciar, o toque, induz a libertação de oxitocina na mãe (juntamente com a prolactina) e no bebé, nascendo assim um laço, um amor, um vínculo, e amar é afinal tão simples. E o vínculo que aqui se cria conforta, diminui a ansiedade, tem efeito analgésico, e diminui o stress no bebé, acalmando o quadro criado com o ato do nascimento.
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revista | Rés Vista
Saúde e Bem-Estar
direitos reservados
Interessantemente, a oxitocina é também responsável por atuar, desta feita ao fluir na corrente sanguínea, por iniciar as contrações uterinas que levam ao trabalho de parto. Ao atuar em conjunto com a oxitocina, a prolactina vem complementar o amor, conferindo-lhe contornos de proteção, de instinto maternal, e suprime o desejo sexual. É não só experimentado pela mãe, como pelo conjugue, complementado o cenário de proteção, em torno do novo membro da família. Podemos aqui designá-la como hormona da família. Na natureza, no poupar é que está o ganho, por conseguinte, o uso da mesma molécula em funções diferentes. Neste sentido, mais uma vez a prolactina tem ainda um papel na resposta ao estímulo de sucção do mamilo durante a amamentação levando à excreção de leite. De destacar que todo o processo referido ocorre normalmente e durante o processo de trabalho de parto, e nos momentos seguintes ao nascimento, sem influência de técnicas externas. Durante o cuidado médico ao ato de puerpério pode ter interferência de fármacos, indução de stress extra que impeça o desenrolar dos acontecimentos. Assim, os momentos que se seguem ao parto merecem atenção redobrada de modo a permitir um desenvolvimento da capacidade social e de afetividade, da capacidade de amar que começa, como vimos, desde tão cedo.
fev./mar. 2014
revista | Rés Vista 07
Saúde e Bem-Estar
Gravidez na adolescência
Pedro Henriques Licenciado em medicina geral e familiar
A gravidez na adolescência é uma doença que se pode considerar social, a qual apresenta “custos “ elevadíssimos a vários níveis para a sociedade na qual ocorre. Em tempo idos, Portugal já foi o 2º país com maior taxa de gravidez na adolescência na EU. Em 2010, 4055 jovens foram mães com menos de 19 anos, o que nos atribuiu a 8ª maior taxa da EU. Para falar de gravidez na adolescência comecemos por abordar individualmente cada tema. Adolescência, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é um período de desenvolvimento pelo qual todos passamos, compreendido entre os 10 e os 19 anos, iniciando-se com as mudanças corporais da puberdade e terminando quando o indivíduo consolida o seu crescimento e a sua personalidade. É uma transição entre a infância e a vida adulta com alterações a nível físico, mental, emocional, entre outros. A puberdade, por sua vez, anda de mãos dadas com a adolescência, uma vez que irá despoletar esta última através de uma série de mudanças, uma delas, o aparecimento da fertilidade. Este processo não tem idades rígidas, variando do género feminino (normalmente mais precoce) para o masculino e ainda entre indivíduos do mesmo género. Com o evoluir das sociedades, principalmente em termos de condições de vida ao longo das últimas décadas, têm-se assistido ao início da puberdade cada vez mais prematuro, e com isso, consequências. Passando agora um pouco mais para o tema gravidez e afins, comecemos por falar em adolescentes e atividade sexual. Cada vez mais liberalizada nos dias de hoje, encontramos em várias estatísticas, uma média de idades, de início de comportamentos sexuais, de 14 anos nos rapazes e de 15 anos nas raparigas. Há quem possa ficar chocado com os números, mas acredito que sejam realistas, uma vez que por norma são obtidos através de questionários anónimos realizados aos próprios adolescentes. Estudos recentes apontam para uma taxa de gravidez na adolescência de 14%, o que significa que em cada 100 adolescentes, 14 engravidam e destas, em cerca de três quartos dos casos as gravidezes não foram planeadas. E se olharmos para o panorama mundial, os valores chegam a ser assustadores, prevendo a OMS cerca de 18 a 19 milhões de gravidezes/ano em adolescentes, das quais, cerca de 95% ocorrem em países subdesenvolvidos. Felizmente, sabemos que em Portugal o índice de fecundidade entre as adolescentes (indicador do número médio de filhos por adolescente) tem vindo a diminuir ao longo dos anos, o que revela entre vários fatores, um grande empenho das equipas de saúde. Acredito que a razão disto passe pela crescente informação dos nossos adolescentes. Sabemos que uma gravidez na adolescência é considerada de “Alto risco”, o que leva a que a rapariga seja referenciada para um ambiente hospitalar com uma equipa multidisciplinar. Esta designação que assusta tem a sua razão de ser. Passo a indicar algumas das consequências/complicações de uma gravidez na adolescência: probabilidade de morte do bebé nos primeiros dias de vida e mesmo ainda dentro do útero da grávida muito superior em relação a uma mulher adulta, maior predisposição para os bebés nascerem com um peso baixo, o que lhes trará problemas de saúde no futuro. É como se um corpo em desenvolvimento (o da adolescente) competisse
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revista | Rés Vista
Saúde e Bem-Estar com outro (o do feto) em termos de recursos biológicos, o que faz com ambos fiquem prejudicados. Maior risco de anemia na grávida, de parto antes do tempo recomendado e também hemorragias no pós-parto, são outras das questões delicadas que por vezes as adolescentes grávidas têm de enfrentar. Além disso, mães adolescentes têm maior risco de não terminarem o ensino secundário e de quererem educar os filhos sem a colaboração de parceiros, o que muitas vezes dificulta ainda mais as coisas. Também por vezes, a recente mãe acaba por prestar maus tratos intencionais ou negligentes ao novo ser que tem ao ser encargo. Para além disto, há também o dobro de prevalência de tendências depressivas nestas meninas do que em relação às mulheres adultas. E porquê engravidam os nossos adolescentes? Bem, há várias causas identificadas, passo a citar algumas: baixo nível de escolaridade, condições sócio-económicas desfavoráveis, precariedade dos conhecimentos sobre sexualidade, precocidade do início da atividade sexual, culturais (ex.: etnia cigana), vítimas de abusos sexuais e negligência no uso de contraceção, entre outras. É importante identificar e notificar aos serviços de saúde competentes, a começar pelo Médico de Família, a existência de uma grávida adolescente na família, uma vez que a intervenção social é imprescindível durante a gravidez e no pós-parto. Que estratégias adotar para diminuir a incidência deste problema tão sério? Há soluções? Sim, acredito que sim. Antes da gravidez poder-se-ão criar nas instituições de saúde já existentes espaços de diálogo para intervenção psicológica, onde as adolescentes são livres de colocar as suas questões e, para além disso, dever-se-á fomentar um maior acompanhamento e responsabilização dos encarregados de educação no que toca a educação sexual e de comparência das raparigas em consultas de planeamento familiar nos Médicos de Família/Assistentes respetivos. Explicar também em que consiste a sexualidade e que esta depende de uma “sopa” de biologia, psicologia, relações interpessoais e influências socioculturais. Incentivar um início mais tardio das atividades sexuais e divulgar métodos contracetivos são estratégias que certamente diminuirão este tipo de gravidezes. Integrar os rapazes nestes processos de educação é fundamental. Apesar das várias opções à disposição após o nascimento do bebé, (interrupção voluntária da gravidez e dádiva para adoção), a grande maioria das adolescentes grávidas decide assumir a educação dos seus filhos. Atualmente está em curso um projeto intitulado "Gravidez na Adolescência em Portugal: etiologia, decisão reprodutiva e adaptação", pela Universidade de Coimbra, o qual já englobou mais de 1600 indivíduas até ao momento e que, com certeza, terá resultados interessantes quando terminar, em princípio, este ano corrente.
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fev./mar. 2014 direitos reservados
Saúde e Bem-Estar
Planeamento familiar Joana Coutinho Licenciada em enfermagem
Integrado no Programa de Saúde Reprodutiva e Planeamento familiar da Direção Geral da Saúde, o planeamento familiar permite à pessoa enquanto utente dos serviços de saúde, sendo ela do sexo masculino ou sexo feminino, viver a sua sexualidade de uma forma segura e saudável. A consulta do planeamento familiar é gratuita nos serviços de saúde públicos e tem como objetivos: Promover comportamentos saudáveis face à sexualidade; Informar e aconselhar sobre a saúde sexual e reprodutiva; Reduzir a incidência das infeções de transmissão sexual e as suas consequências, nomeadamente a infertilidade; Reduzir a mortalidade e a morbilidade materna, perinatal e infantil; Permitir ao casal decidir quantos filhos quer, se os quer e quando os quer, em suma, planear a sua família; Preparar e promover uma maternidade e paternidade responsável; Melhorar a saúde e o bem-estar da família e da pessoa em causa. Este serviço existente nos serviços de saúde pretende: informar acerca do aparelho reprodutor, seu funcionamento e desenvolvimento relativamente à sexualidade de acordo com a idade da pessoa, dar a conhecer quais os métodos contracetivos existentes (contraceção oral hormonal conhecida por pilulas, contraceção hormonal injetável, contraceção hormonal - implante, dispositivo
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intra - uterino (DIU), preservativo masculino, espermicida, preservativo feminino, diafragma, abstinência periódica, contraceção cirúrgica e contraceção de emergência), o seu modo de funcionamento, vantagens, desvantagens e contra – indicações dos mesmos, fornecendo aconselhamento pessoal e indicação do mais adequado de acordo com a especificidade de cada caso. Após a escolha do mesmo este é fornecido gratuitamente, caso exista no serviço de saúde a que recorre. No planeamento familiar também pode obter informação acerca de doenças sexualmente transmissíveis como a sífilis, HIV/SIDA, Hepatite B e herpes genital. Se o casal está a planear uma gravidez, esta consulta permite-lhes obter informação e acompanhamento, efetuando -se uma avaliação do estado de saúde da mulher e do casal, estimando-se, se necessário, a eventual existência de riscos ou doenças para a futura mãe e/ou para o futuro bebé. É também nesta consulta que é realizado o rastreio do cancro do colo do útero através da citologia, mais conhecido por “papanicolau” e feito o ensino acerca do auto - exame para despiste do cancro da mama, uma patologia que afeta a nossa sociedade nos dias de hoje. Na consulta de planeamento familiar será observado por um enfermeiro e um médico. Informe-se acerca do horário das consultas de planeamento familiar na sua área de residência e frequente as mesmas, pela sua saúde e pela da sua família. revista | Rés Vista
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Saúde e Bem-Estar
Na bússola do tempo
Retrato das famílias portuguesas
Ângela Amaral Mestre em psicologia clínica
Na bússola do tempo pretende-se analisar as diferentes formas de família, os retratos e olhares distintos com que se pode perspetivar uma dinâmica familiar e lidar com os desafios que tais mudanças, no construto teórico e prático, acarretam para o individuo e suas idiossincrasias, família e interações entre os seus membros e a restante comunidade. O conceito de família é impreciso no tempo e no espaço, havendo uma multiplicidade de conotações derivantes de fatores sociais, culturais, ideológicos, económicos, políticos, biológicos e ambientais. A família pode ser definida como um grupo primário com convivência intergeracional, que possui relações de parentesco, com experiência de intimidade que se prolonga no tempo, encontrando-se em permanente interação. Na família tradicional ocidental assistiram-se a transformações profundas, para tal contribuíram aspetos relacionados com a evolução da ciência que alcançou logros no campo da manipulação genética, a procriação assistida, bancos de esperma, úteros alugados, entre outros. Dessas transformações fazem parte as novas formas de conjugabilidade e de parentalidade, as famílias monoparentais, uniões de facto, divórcios, famí-
lias reconstruídas, a permissão de famílias homossexuais que reivindicam o direito a educar, o número crescente de filhos únicos, as dificuldades acrescidas na educação e a depressão e stress de pais e filhos. Em todas e cada uma destas formas de ser e saber ser família, há uma necessidade acrescida de avaliar a capacidade de ajustamento individual, relacional e de prestação de cuidados parentais adequa-
das e promotores de um bom desenvolvimento individual de cada membro da família, possibilitando as condições suficientes e necessárias a um equilibrio desenvolvimental da criança. Neste sentido, pertende-se que as figuras que exercem parentalidade e prestação de cuidados sejam sensitivas, responsivas e estabeleçam uma vinculação segura com os seus filhos biológicos, adotivos ou enteados.
Face ao exposto poderá ser benéfico que as figuras parentais sejam incentivadas a cooperar e participar ativamente em programas de treino de competências parentais, desenvolvendo recursos e competências necessárias a um adequado exercício da parentalidade. O casal deverá ter recursos para gerir situações de stress e conseguir adaptar-se a novas exigências colocadas pelo núcleo familiar e pelas transformações da realidade circundante, neste sentido, será benéfico potenciar um ajustamento individual e relacional ajusta-
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revista | Rés Vista
Saúde e Bem-Estar
fotografia | bárbara costa
do. A terapia de casal, o treino de competências parentais, a avaliação e intervenção com a criança e o envolvimento da mesma numa estimulação holistica serão soluções ajustadas para possíveis disfuncionalidades. Concomitantemente, a sociedade deverá adaptar-se às novas realidades e aos diferentes retratos familiares, respeitando e aceitando a diferença. Potenciando recursos, partilhando experiencias e saberes, centrando-se no equilibrio emocional, cognitivo e comportamental da família, em geral e de cada um dos seus membros, em particular. Apraz realçar que são os pais que assumem um papel central nas novas conceções familiares, devendo a sua postura ser flexível e de diálogo, fomentando o respeito por novos olhares e visões sobre a família, pelos laços familiares de afeto e a nossa capacidade de respeitar os diferentes pontos cardeais de uma bússola de todos e de cada um, uma bússola do tempo, em que cada família tem o seu tempo, a sua estrutura e se define pelo ponto cardeal com que se identifica e que adota para o seu núcelo familiar, desde que de forma funcional.
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revista | Rés Vista 13
Saúde e Bem-Estar
ser casal a cada dia Inês Dimas Mestre em psicologia clínica
O ser humano passa uma parte muito substancial da sua existência em contexto laboral, o que se repercute em pouco tempo junto da família, sobretudo tempo de qualidade. Com efeito, os casais têm, cada vez mais, menos tempo para estarem juntos e, se não souberem comunicar adequadamente, facilmente a relação se deteriora. A realidade é que se não conseguimos controlar o fator tempo, é possível controlar o fator comunicação. Viver em família implica uma adaptação progressiva e uma capacidade adequada para gerir emoções, tomar decisões e fazer cedências. Apesar dos condicionalismos socioeconómicos a que todos estamos sujeitos, é possível fazer pequenas alterações para melhorar e reforçar os laços familiares e, mais concretamente, a relação de casal. Se o casal souber dialogar de forma assertiva, todos os elementos da família serão beneficiados. Algumas estratégias simples, sugestões que pode adotar:
14 | fev./mar. 2014
1. Melhore a sua comunicação. Uma boa comunicação é fundamental para um bom relacionamento. Antes de criticar o seu companheiro por se ter esquecido de algo ou não o ter feito da forma como esperava, avalie a importância dessa “falha”. Procure não idealizar o seu companheiro criando expetativas demasiado altas. Evite conversar só para discutir a relação e comunique também o quanto é feliz ao lado do seu parceiro, o quanto o ama e quais são as coisas que ele faz que lhe agradam. 2. Faça elogios à personalidade do seu companheiro. As pessoas precisam de ser elogiadas pelo menos uma vez por dia. Os elogios às qualidades, atitudes, conquistas, coragem e tenacidade ajudam o “elogiado” a tomar consciência do impacto e importância dos seus comportamentos nos outros. Elogie o seu companheiro hoje e mostre-lhe o quão especial ele é para si! 3. Converse sobre tudo, incluindo as pequenas coisas que o incomodam. Se, por exemplo, se incomoda com a roupa espalhada pelo quarto, converse com ele logo na primeira vez que isso acontecer e exponha calmamente os seus motivos, sem deixar de ouvir os dele. É importante evitar ressentimentos em relação ao seu parceiro quando vocês se desentenderem. 4. Invista em momentos a dois e quebre a rotina. É importante procurar coisas novas para fazerem juntos, tentando conquistar e reconquistar o parceiro diariamente e surpreendê-lo. Reservem um horário um para o outro no decorrer do dia e durante esse tempo façam algo que seja prazeroso para os dois. Durante o fim de semana, procure ter atividades diferentes do habitual que incluam a família, mas também só o casal. 5. Abra mão de querer ter sempre razão. Uma relação amorosa não pode ser um campo de batalha, por isso não tem razões para competir com o seu parceiro! Assuma os seus erros e desenvolva o hábito de pedir revista | Rés Vista
fotografia | bárbara costa
Saúde e Bem-Estar
desculpas quando estiver errado. Utilize o seu bom humor para lidar com os problemas e mesmo que tenha razão, perceba que há discussões desnecessárias. Ser família, implica sê-lo todos os dias, não basta dizer que somos família, é preciso demonstrá-lo a cada dia e ter consciência que, no seio de uma família cada elemento influencia os restantes e é influenciado por eles. Numa relação de casal, o problema não é a existência de conflitos entre os parceiros, o problema coloca-se na forma como lidam com as situações. Um casal cuja relação seja pautada pelo diálogo, compreensão, demonsfev./mar. 2014
trações de afeto e empatia não só vive melhor e mais feliz, como proporciona um ambiente mais salutar para o desenvolvimento sócio emocional dos seus filhos, contribuindo assim para prevenir a transmissão de problemas intergeracionais.
revista | Rés Vista 15
Saúde e Bem-Estar
Geocaching, a caça ao tesouro da era moderna! Diogo Veiga Professor de Educação Física
Para testar a precisão dos aparelhos GPS civis, um grupo de entusiastas, no início do ano 2000, decidiu fazer algo muito simples: esconder uma caixa no meio da floresta, sendo dadas apenas as coordenadas da localização do objeto. Outros voluntários deviam encontrar o local e a dita caixa, assinar uma especie de folha de presença e em troca poderiam levar alguns objetos que tinham sido deixados nessa mesma caixa. O que aconteceu a seguir foi um verdadeiro sucesso... (os paragrafos anteriores podem ser colocados em caixa de texto) Geocaching (Geo = Terra + Cache = Esconder) foi o nome escolhido, por esse grupo de utilizadores de GPS, para o novo jogo a nível global. Hoje em dia são mais de 2 milhões de caixinhas escondidas por todo o mundo e cerca de 6 milhões de jogadores. É muito fácil começar a jogar. Vá ao sitio de internet www.geocaching.com , faça um registo gratuito e está pronto a começar... Há duas formas de jogar, com aparelho de GPS (GPS automóvel ou GPS outdoor) ou com telemóvel smartphone. No telemóvel basta descarregar a aplicação de Geocaching e, tendo o serviço de dados e localização ativa, basta procurar as caixas (geocaches) que se encontram perto de si. Nos aparelhos GPS basta introduzir as coordenadas das geocaches disponibilizadas no sítio de internet do jogo. Neste caso os GPS outdoor são os melhores, porque em zonas mais remotas continuam a ter uma ótima cobertura e tem uma excelente precisão. Sempre que encontra um geocache, deve assinar e colocar a data no livro de registos que se encontra dentro da mesma, voltar ao sítio da internet (no final da sua caçada) ou, nos smartphones, fazê-lo diretamente na aplicação e registar que a encontrou, exatamente como fez no livro de registos. Isto permite-lhe saber quantas geocaches já
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encontrou e a sua localização. É um excelente jogo para se fazer em grupo ou em família, é muito saudável, pois é 100% ao ar livre e pode ser feito a pé ou de bicicleta. No meio rural é usual encontrar geocaches escondidas em miradouros, quedas de água, capelas, monumentos megalíticos. No meio urbano, as geocahes são mais encontradas no exterior de igrejas, museus ou praças. Nas cidades as geocaches normalmente são mais pequenas para não ficarem à vista de todos. É uma excelente forma de conhecer locais de interesse seja no campo ou na cidade e fazê-lo, em grupo, torna as coisas mais divertidas, pois são mais olhos para procurar e mais cabeças para entender as pistas dadas por quem esconde a geocache. Muitas geocaches obrigam a decifrar pequenos enigmas para as conseguir encontrar. Imagine-se com o mapa do tesouro de um qualquer pirata na mão, contar passos, contar árvores, entender o que significa uma frase é literalmente o que vai fazer durante este jogo. E o mais interessante, é que o pode fazer em qualquer lugar do planeta, sim, leu bem. Há geocaches do polo norte ao polo sul e provavelmente uma bem perto de sua casa! revista | Rés Vista
Saúde e Bem-Estar Material necessário: Telemóvel (smartphone) ou GPS, caneta (para assinar os livros de registo da geocache). Dicas: Leve a familia consigo, as crianças, com a orientação dos adultos, adoram fazer este jogo. Deixe sempre as geocaches onde as encontrou, sem as danificar. Por vezes existem pequenos objetos dentro das caixas, se retirar algum, deve deixar outro de valor semelhante. Evite que pessoas estranhas ao jogo o vejam a retirar a geocache do seu lugar, pois quem desconhece o jogo pode danifica-las ou muda-las de lugar. Se encontrar uma especie de moeda (Geocoin) com o símbolo do Geocaching, pode levá-la consigo, mas deve procurar o seu significado em www.geocaching.com e perceber o que fazer com ela, por vezes essas moedas já percorreram milhares de quilómetros e com a sua ajuda vão continuar a viajar pelo planeta.
Terminologia principal: Geocache ou apenas Cache - Caixa que contem pelo menos um livro de registos. As Geocaches têm tamanhos e formatos muito diferentes, depende sempre da imaginação do jogador que a colocou. Geocoin - uma moeda que normalmente tem uma história e um percurso associado, não deve ser guardada. Procure o seu significado e veja de onde veio e quem a colocou e decida onde a deixar. Muggle – como nos livros de Harry Potter, o muggle é uma pessoa que não faz parte do jogo ou porque o desconhece ou porque acompanha quem joga, mas ainda não se registou para poder assinar o livro de registos. Multicache – conjunto de várias geocaches que vão dando pistas ou coordenadas para a cache final. Nanocache – cache de dimensões muito reduzidas, as mais comuns nas cidades, normalmente são do tamanho da cabeça de um dedo e são difíceis de abrir e de registar, mas não desista, até isso é divertido.
fotografia |david nóbrega
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revista | Rés Vista 17
Educação
seis desafios para a escola em portugal Pe. Licínio Cardoso Professor bibliotecário
A escola em Portuga l, estrutura fundamental para a democratização da educação e consequente progresso da sociedade enfrenta atualmente alguns desafios para os quais as respostas não são fáceis, seja pela complexidade dos mesmos, seja pela ausência de um consenso sobre o papel do Estado no que à escola diz respeito. Com efeito, apesar da Constituição da República reconhecer e garantir o direito ao ensino particular e cooperativo (artigo 75), algumas agendas políticas não reconhecem esse direito. No quadrante oposto encontra-se a visão da escola como industria ou negócio, onde impera o fator lucro (mais do que a garantia de sustentabilidade) e o sucesso escolar pode ser adquirível. Em estado quase permanente de reforma nos últimos 40 anos, a escola tem, no entanto, outros desafios muito maiores, desafios endémicos à sua condição de garante de educação num quadro de igualdade de oportunidades, que possibilite “a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desen-
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volvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva” (artigo 73). 1. Enquadrar os jovens na escola até aos 18 anos exige que se criem percursos alternativos, pois a igualdade de oportunidades passa também por dar aquilo que os alunos podem e sentem ser capazes de realizar. Escolaridade obrigatória não é sinónimo de caminho único. Às atuais alternativas ao ensino dito regular falta uma maior ligação ao mundo do trabalho; falta um grau de exigência que garanta que o ensino profissional é diferente, não porque menos exigente, mas pelo fato de ser um outro tipo de ensino; falta maior liberdade de escolha por parte de cada escola na definição dos cursos a escolher. Educar com o trabalho é uma expressão que remete, infelizmente, para visões totalitaristas da sociedade, mas é preciso recuperar a dimensão educadora do trabalho, da profissão e enquadrá-la com o percurso escolar.
2. Os principais documentos sobre a escola do século XXI, nacionais e internacionais, colocam o aluno no centro de todo o processo de aprendizagem, construtores dos saberes e não apenas recetores de conhecimentos. Nas atuais circunstâncias, é possível observar que o edifício escolar, a estrutura organizativa e curricular defende este princípio, mas o enquadramento normativo ainda deixa transparecer uma visão de escola assente na transmissão de saberes e centrada nos docentes. Este desencontro é um grande desafio pois gera situações de instabilidade. A avaliação dos docentes e das escolas, uma necessidade e não uma fatalidade, depara-se com esta pequena/grande contradição. Fazer depender a excelência do trabalho realizado pelos docentes do sucesso dos alunos no quadro de um modelo concetual em que o conhecimento é mais uma construção que uma aquisição, em que a construção de significados é mais relevante que a aquisição de conhecimentos, em que a aprendizagem coletiva e em rede se sorevista | Rés Vista
Educação brepõe à aprendizagem individual e apenas na sala de aula…, requer um outro modelo que avalie efetivamente o trabalho dos docentes e da escola como organização. 3. As tecnologias da informação e da comunicação (TIC) têm atualmente um papel incontornável na sociedade e na escola. Não é possível ignorar a presença das TIC na escola. O grande desafio está no modo como essa integração é feita (ou não é feita). A investigação tem demonstrado que a estratégia de acrescentar a tecnologia às atividades já existentes na escola e nas salas de aula, sem nada alterar nas práticas habituais de ensinar, não produz bons resultados na aprendizagem dos estudantes. As novas tecnologias, por si sós, não ensinam, mas podem ser recursos inestimáveis. As aprendizagens serão, de facto, significativas quando o docente enquadrar o recurso TIC em metodologias de ensino de efetiva qualidade, clarificando o que se pretende com a introdução de uma tecnologia sendo, para tal, fundamental que aquele desenvolva o seu sentido crítico em relação a este “novo” recurso, selecionando e promovendo experiências aos seus alunos que os conduzam a uma evolução. É muito mais do que introduzir um adorno para o que já é velho e ultrapassado. Será tanto mais significativo o papel das Tecnologias da Informação e da Comunicação como suporte para a criação de conhecimento, quanto mais invisível se tornar o computador na sala de aula, uma presença ‘não incomodativa’, um modo de estar natural para alunos e professores. fev./mar. 2014
4. O trabalho cooperativo entre os professores é outro dos grandes desafios para os quais é preciso encontrar caminhos de resposta. Esse modo de atuar está previsto e legalmente enquadrado mas ainda prevalece a dimensão burocrática e institucional, fruto de muitos a pensar que “a aula é minha”, a “a turma é minha” e “a disciplina é minha”. O trabalho cooperativo entre docentes passa pela assunção de uma visão colaborativa mais transversal e menos hierarquizada, mas voluntária e pedagógica, menos institucional e legalista. Enquadrar assim, o trabalho dos docentes, implica repensar o horário e a forma dos professores estarem presentes na escola, a existência de condições logísticas de trabalho e dedicação exclusiva à escola, bem como a respetiva remuneração. A introdução do fator “paixão” na atividade docente é fundamental, a paixão de que falava Sebastião da Gama no seu diário. Ser professor tem de ser uma paixão, um privilégio, uma profissão de reconhecido mérito por parte da sociedade e das famílias. 5.A presença da família na escola é uma aprendizagem que está por fazer, uma reforma que está por estudar e implementar. A escola abriu-se à sociedade (e bem) mas as famílias entraram apenas para exigir direitos e não para assumir deveres. A investigação sociológica neste campo vem demonstrando que o que é pedido pela escola às famílias não é compreendido por estas. E o que as famílias pedem à escola não é possível de ser realizado. Por vezes acontece a inversão de papéis,
não se sabendo bem o que compete a cada uma. A comunidade escolar é reflexo da sociedade, quando (pelo menos em teoria) a sociedade deveria ser o espelho da escola que temos. Idealismos à parte, a função da escola é sempre a de, em parceria com outras instituições, garantir o acesso à cultura e possibilitar a mobilidade social, sem a qual não se pode falar verdadeiramente de progresso social. 6. Motivar os alunos e respetivas famílias para uma dinâmica de aprendizagem ao longo da vida, vendo esta não como recuperação de tempo perdido (voltar à escola para terminar o que não se completou), mas como a permanente construção de saberes, a aquisição de competências e o encontrar de respostas para problemas e desafios sempre novos, nomeadamente com a globalização do mercado de trabalho e a forte concorrência que daí advém. Do mesmo modo que hoje já não se vislumbra uma profissão para toda a vida, também não há um processo de aprendizagem único e inicial que tudo garanta. A aprendizagem ao longo da vida é responsabilidade da escola e da sociedade no seu todo, mas a escola está mais apta a reconhecer e a certificar as competências e saberes processados. Em jeito de conclusão, para além dos normais problemas, à escola é pedido muito mais do que a responsabilidade de ocupar e guardar as crianças, adolescentes e jovens. Encabeça uma missão nobre nos princípios, exigente quanto aos fins e problemática quanto aos meios disponíveis. revista | Rés Vista 19
Educação
Sinergia de Papéis “(...) relações de proximidade entre a família e a escola”
Elsa Nóbrega Professora primária Mestre em psicologia da educação
A família e a escola constituem os dois ambientes essenciais no percurso de crescimento das crianças e jovens. Há que encontrar estratégias para aproximar as duas realidades e procurar alternativas para percorrer os caminhos do processo ensino-aprendizagem, tendo em conta que o papel da família na continuidade do trabalho da escola tem implicações no desenvolvimento social e cognitivo do aluno e no sucesso escolar. A família é o espaço educativo por excelência, é o primeiro e principal espaço de realização, desenvolvimento e consolidação da personalidade humana, onde o indivíduo se afirma como pessoa. É o habitat natural de convivência solidária e desinteressada entre diferentes gerações. A transmissão e aprofundamento dos princípios éticos, sociais, espirituais, cívicos e educacionais acontecem no ambiente familiar, ele é o elo de ligação entre a consistência da tradição e as exigências da modernidade. A escola é uma instituição concebida para ensinar, onde se pretende desenvolver não só as competências de escrita, leitura e raciocínio matemático, mas também as competências para enfrentar os desafios futuros de entre os quais o pensamento crítico, capacidade de resolução de problemas, colaboração, agilidade, adaptabilidade, iniciativa, empreendedorismo, aceder à informação e analisá-la e também estimular a curiosidade e a imaginação. No entender de vários autores, a escola parece ser um elemento indispensável para os pais, aí encontram o apoio para as suas vidas quotidianas que não reconhecem em qualquer outro sítio da comunidade. Não podemos esquecer que o que a criança vive e aprende na família é tão importante e de tal forma marcante que será difícil modificar ou corrigir na escola, pois uma criança que não é educada corretamente em casa será um aluno que provavelmente virá a ter problemas na instituição de ensino. Os pais confiam aos professores a formação dos filhos, exigem responsabilidades, não faz sentido que à primeira contrariedade os desautorizem perante os filhos. Se os pais criticam os professores acabam por minar a sua autoridade. Os docentes necessitam do apoio incondicional dos pais para poderem realizar a sua missão pedagógica. Conhecer a realidade e a história de vida de cada criança ajuda a equipa educativa a pensar, avaliar e ponderar acerca das melhores estratégias de intervenção e criar novas oportunidades para desenvolver uma educação diferenciada de qualidade sustentada pela relação escola família. É portanto fundamental a existência de uma relação que assente na cooperação e na partilha de informação, de forma a garantir um bom desenvolvimento e progresso educativo do aluno. É pertinente dar à família a oportunidade de participar ativamente na educação, pois quando ela participa na educação a aprendizagem das crianças melhora e as notas também. Há pesquisas recentes que mostram que o incentivo dos pais nos estudos é decisivo para um bom desempenho escolar. Aqui deixamos algumas sugestões para a família dar continuidade e complementar o trabalho da escola:
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revista | Rés Vista
Educação ● Colocar à disposição das crianças materiais e ferramentas de trabalho: livros, equipamento informático, etc. No caso de crianças mais pequenas é muito importante ler-lhes histórias; ● Estimular a participar nas atividades escolares, acompanhar as tarefas escolares e monitorizar a sua realização; ● No estudo orientar, mas nunca dar as respostas, indicar o caminho, dar sugestões; ● Deixar tempo livre para as atividades de recreio, diversão e descanso; ● Manter contacto com a escola, com os professores, assistir e participar ativamente nas reuniões de pais; ● Enfatizar os aspetos positivos dos seus professores e da escola, evitar as críticas. Apoiar e valorizar o trabalho dos docentes;
● Perguntar e interessar-se pelos colegas da turma, conhecer os amigos dos filhos e os seus pais; ● Manter expetativas positivas sobre as capacidades dos seu filho, demonstrar confiança nas suas capacidades, valorizar e reconhecer os seus esforços; ● Tranquilizá-lo quando se depara com dificuldades e contrariedades, transmitir a ideia que os erros e os fracassos também são uma oportunidade de aprendizagem; ● Promover na família um ambiente acolhedor e próximo: valores sempre presentes; regras muito bem definidas; espírito de entreajuda; divisão das tarefas em casa e hábitos de trabalho; diálogo permanente com os filhos.
Construir relações de proximidade entre a família e a escola é uma forma de eliminar as barreiras de desconfiança recíprocas, na certeza de que cada um é insubstituível no papel que desempenha. Os pais precisam cooperar e acompanhar a vida dos seus filhos, de forma a testemunhar os seus progressos, valorizar as suas conquistas e ajudar a superar as suas dificuldades. direitos reservados
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revista | RĂŠs Vista
Educação
redes de suporte social
Fátima Soares Licenciada em educação social Mestre em intervenção psicossocial com crianças e jovens em risco
Quando pensamos em família, pensamos num meio privilegiado para a educação, a individualização e para a socialização, onde culminam uma série de emoções e sentimentos positivos e negativos entre os membros familiares e se constrói o lado social da realidade. Na sociedade atual a família continua a ser vista como um dos principais pilares da socialização, uma vez que é com esta que, pelo menos nos primeiros anos de vida, o indivíduo passa a maior parte do seu tempo. Contudo, hoje é, consensual que, para além da família, também a escola e a comunidade são um “lugar” privilegiado para a socialização e aquisição de valores e competências por parte das crianças. Antigamente dizia-se que a “família dava a educação e a escola a instrução”, formando assim uma barreira entre ambas as instituições, o que levava os pais a pensarem que a sua participação na escola acabava quando o portão da mesma se abria para os filhos entrarem e os professores pensavam que a sua missão terminava quando o mesmo portão se abria para os alunos saírem. Nos dias de hoje, a escola não pode viver sem a família nem a família sem a escola, uma vez que ambas são responsáveis pela educação e pela instrução, sendo fulcral que ambas trabalhem em conjunto, com os mesmos objetivos para uma melhor socialização da criança. Desta relação escola – família surgem, inevitavelmente, vários conflitos no que se refere à educação das crianças. A relação próxima entre ambas as instituições é de extrema importância para o desenvolvimento social da criança. É importante que a escola tenha conhecimento dos problemas individuais e familiares da criança para uma intervenção individualizada, assim como, é imprescindível que a família tenha conhecimento do processo educativo, da evolução da criança para um melhor apoio no seio familiar. Neste sentido, podemos afirmar que a comunidade e as redes de suporte social formal e informal têm um papel indispensável na mediação entre as esferas escola e família. Entende-se por redes de suporte social formal e informal todos os apoios e ajudas que a família tem do exterior do seio familiar. Entende-se por suporte formal todos os técnicos e profissionais bem como instituições que de alguma forma apoiam a criança e a família nas mais variadas vertentes. Por outro lado, o suporte social informal é constituído pela família alargada, pelos amigos, vizinhos que têm conhecimento dos problemas e carências familiares prestando o seu apoio. A ação de um mediador socio – pedagógico no contexto da relação família – escola - comunidade local pode constituir uma mais-valia para a promoção do auto – desenvolvimento social das comunidades locais, uma vez que a este profissional compete o papel de aprofundar as relações entre a escola e as instituições da comunidade bem como com a família. Compete a todos nós, enquanto membros ativos da sociedade e também profissionais da área social ou educacional promover uma boa relação entre estas três grandes esferas da sociedade (família – escola – comunidade) para uma melhor socialização e educação das nossas crianças de hoje e adultos de amanhã. fev./mar. 2014
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Quem é Quem? quem é quem?
“A minha infância foi muito feliz. Cheia de amigos, brincadeiras de rua, lanches, corridas na areia” 24 | fev./mar. 2014
revista | Rés Vista
DR DR DR
Esmoriz, uma pequena freguesia do concelho de Ovar, pincelada a castanho e azul, em perfeita alusão à terra e ao mar, viu nascer Hélder Reis, acarinhado por pequenos e graúdos. Aquele menino vivia numa casa cheia, onde a brincadeira existia em cada bater de porta do vizinho, em cada mergulho no mar ou cambalhota na areia. Com um punhado de sonhos, aos 12 anos, ingressa no seminário, que contribui fortemente para a sua formação enquanto pessoa, estruturando identidade e personalidade. Mas, na sua história, longe de chegar ao fim, constam outros capítulos: licenciado nas áreas de teologia e comunicação, vigilante de um museu, empregado de mesa, repórter, escritor e músico…quem é afinal o homem Hélder Reis?
DR
direitos reservados
Hélder Reis fev./mar. 2014
Quem é Quem?
revista | Rés Vista 25
Quem é Quem?
Que aromas e sabores lem-
definir este caminho? Quais
apetecia. É ótimo saber o que
bram Esmoriz? Que episó-
foram os pontos de encon-
queremos e não queremos.
dios de infância teimam em
tro e desencontro ao longo
persistir na memória e no
deste seu percurso?
tempo, aconchegando mo-
Vocação. Fui para o semi-
O primeiro contacto com o
mentos e arrancando sor-
nário por vocação. O semi-
público do pequeno|grande
risos?
nário é um lugar para apurar
ecrã surge na rtp1, na Praça
A praia, mar, muito mar. A
decisões. Foi o que me ac-
da Alegria. Como chegou
terra onde os meus pais tra-
onteceu. Lá aprendi a rezar,
ao papel de empregado de
balhavam, correr na terra
a duvidar da Fé, a encontrar
mesa e qual a importância
descalço, ainda hoje gosto.
a fé. O seminário ajudou-me
que assumiu para o Hélder
A minha infância foi muito
a aprender a escrever, a ler, a
pessoa e para o Hélder figu-
feliz. Cheia de amigos, brin-
gostar do silêncio, das pes-
ra pública?
cadeiras de rua, lanches, cor-
soas. Muito daquilo que hoje
Fui convidado da Praça para
ridas na areia. Não tenho o
sou.
Hm-
apresentar o meu primeiro
momento, tenho vários.
mmm não era o caminho.
livro e mais tarde cantar.
Foi esse o desencontro.
Fiquei amigo, como ainda
Desencontros?
sou hoje, do Manuel Luís Como era o contacto com o
Goucha. Convidou-me para
Hélder menino, que sonhos
À saída do seminário seg-
ser o empregado da Praça, e
e que ambições?
uem-se a conclusão da li-
fiz as entrevistas necessárias,
Sempre quis ser o que sou
cenciatura em teologia e as
testes de câmara e fiquei, e
hoje. Trabalhar no mundo
funções de vigilante? Como
apaixonei-me pela TV.
das artes. Comunicar. Mas
foi
era mais tímido quando
novos mundos, outras re-
novo. Recatado. Hoje ainda
alidades?
Da teologia para a comuni-
não gosto muito de show off.
Saí do seminário e tinha de
cação social. Foi um novo
Era uma criança sossegada,
trabalhar. Pagar o fim da li-
início ou uma continui-
aplicada, que adorava rir (tal
cenciatura. E fui para Ser-
dade? Como foi o caminho
como hoje)…
ralves. Ser vigilante e de-
teórico de uma prática já
pois rececionista. O mundo
experimentada?
era muito maior do que eu
Uma continuidade. Somos
Aos doze anos ingressa no
pensava. Mas apaixonei-me
tudo o que a vida nos dá. O
seminário, o que o levou a
pela vontade de ser o que me
seminário deu-me as ferra-
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este
despertar
para
revista | Rés Vista
direitos reservados
Quem ĂŠ Quem?
fev./mar. 2014
revista | RĂŠs Vista 27
mentas para ser o comunica-
postura se passa para fun-
dor que hoje sou. Estar aten-
ções em que se pode val-
to às respostas, ouvir, saber
orizar pessoas a que apren-
calar-me, saber estudar, ser
deu a reconhecer mérito?
curioso. Tudo isso recebi no
Humildade. É o básico. So-
seminário. Depois licenciei-
mos o que somos não pelo
me em jornalismo. Muito
que fazemos mas pelo que
Ahahahhah Mas gosto mui-
trabalho. O talento faz-se!
somos cá dentro. Tudo o res-
to do público que me vê.
to é uma capinha frágil. Por
Muito mesmo!!!!
isso odeio tanto que as pesPara além de iniciar o
soas tratem as outras pessoas
seu percurso na RTP, per-
por Dr ou Dra e que a outra
Os ofícios e artes que lhe
manece na mesma até à
parte permita tal coisa. So-
estão associados estendem-
data. Quais os ingredientes
mos o nosso nome próprio.
se ainda à música, sendo
que consubstanciam esta
Tudo o resto não faz parte do
vocalista da banda Polén.
relação feliz e leal?
nosso ser pessoa. É preciso
Como surgiu este projeto e
Fazer o que gosto. Dedicar-
esta humildade e consciência
quanto do Hélder se pode
me. Adorar o público para
de nós. É isso….
ouvir e sentir nele?
quem trabalho e as pessoas
Sempre cantei. Estudei can-
com quem trabalho. Tenho
to. Mesmo antes de fazer TV.
um ótimo ambiente de tra-
É muito acarinhado pelo
Faz parte de mim. E ajuda-
balho. Gente que me apoia
público que o assume como
me a colocar a voz, a saber
muito acredita em mim. E
um repórter | apresentador
respirar. E sou muito feliz a
tenho um carinho imenso
do terreno, das pessoas, do
cantar em palco! É outra ex-
pelas pessoas que me vêm.
toque e do sorriso. Com
pressão!!!
Acho que este amor global a
esta proximidade, com toda
tudo é o grande segredo
a certeza já existiram episódios caricatos e emocional-
A escrita assume também
mente pesados. Recorda-se
uma grande componente
De vigilante e empregado
de um em especial que o
criativa na sua vida. Editou
de mesa, funções às quais
tenha marcado?
livros de poesia e contos
a
não
Tantos. Mas acho muita pia-
infantis com fins solidári-
proporciona destaque, à
da aos piropos das senhoras
os. A escrita é um per-
comunicação social é um
de idade. Não posso dizer
curso pessoal, de reflexão
grande passo. Com que
aqui, são muito picantes!
e introspeção, mas tam-
nossa
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sociedade
revista | Rés Vista
DR
DR DR
DR
bém é direcionada e dedi-
se Humano, ou aprende-se
felizes ou os desencontros?
cada aos outros, tentando
a sê-lo?
Felizes. MUITO mais OS
transmitir-lhes
Nasce-se humano e fazemo-
FELIZES. Sem dúvida nen-
nos
huma!
inspirando-se
algo em
ou
vidas
HOMENS.
Acredi-
que conhece e reconhece.
to muito na reconversão.
Nesta aventura do escrever,
Podemos sempre recomeçar
quanto tempo é seu e quan-
e sermos melhores pessoas,
O que é que ainda sente
to tempo é dos outros?
profissionais, amigos etc.
precisar ser ou ter?
Quando escrevo ou canto,
Ter oportunidade é maravil-
Mais ser do que ter!! Ser
metade é meu, metade é de
hoso. Convém não abusar!
mais profissional. Ajudar
quem me ouve ou me lê. É
mais o mundo a crescer, a
uma troca justa. Dou e re-
humanizar-se, a cuidar-se.
cebo. E alegro-me com esta
Numa retrospetiva de pes-
Construir uma sociedade
troca generosa de ambos os
soas especiais da sua vida.
mais justa e equilibrada. É
lados. Comunicar é isso não
Foram mais os encontros
isso que quero fazer mais!
é? Dar e receber.
Há um grande humanismo em tudo aquilo que faz e na forma como o faz. Do que a vida lhe ensinou, nasce-
fev./mar. 2014
nes Selvagens Um livro: Cis ema Paraíso da) Um filme: Cin (a minha ban n le ó P s o d Sangue, Uma música: : Natação e Um despor to da minha mã O : o it n o b is O sorriso ma ar atento pensável: Est O que é indis ão lera: Ingratid O que não to úde o: Não ter sa ir O maior med dar a constru ju A : a id v e d Uma missão
revista | Rés Vista 29
fotografia | bárbara costa
Atualidade e Sociedade
Destaque
“Dura Paxis sed Praxis”
Dina Marli Nóbrega Estudante de comunicação, cultura e organizações U. Madeira
Aquilo que não conhecemos, ou sobre o qual temos pouca informação, temos tendência a generalizar a partir do pouco que sabemos. As praxes são um exemplo recente em que formulamos uma ideia geral a partir de uma particular, sendo o caso da “Tragédia do Meco” um dos maiores e mais recentes causadores da generalização, fazendo vir ao de cima outros casos, também eles isolados, de abuso e mau uso do conceito de praxe. No dia 15 de Dezembro de 2013, diz-se que sete jovens universitários foram para a praia do Meco, perto do local onde tinham alugado uma casa para o fim de semana. Seis deles foram arrastados por uma onda nesse dia durante a madrugada, sendo que um deles conseguiu escapar e avisar as autoridades. Foram encontrados com o traje, e, segundo algumas testemunhas, os alunos foram vistos a fazer rituais académicos, e pensa-se que os mesmos foram levados por estarem muito perto do mar devido a uma “praxe”, que consistiam em perguntas e respostas, e cada vez que errassem tinham de dar um passo para trás. João Miguel Gouveia, o sobrevivente, era o “Dux” da Lusófona, ou seja o órgão máximo da hierarquia da praxe. Este continua em silêncio acerca do que se passou naquela noite, alegando amnésia seletiva. Desde esse dia que esta tragédia tem tido destaque em todos os órgãos de comunicação. Tudo aquilo que é levado ao exagero acaba por ter graves consequências, mas a verdade é que praxe abusiva, não é praxe. Para quem não a conhece sem ser a partir do que tem sido transmitido de forma sensacionalista nas estações televisivas, nem a experienciou, aqui fica a noção de “motor de integração”, e não de humilhação. Um partilhar vivências para mais tarde recordar, pois bem-feita, é uma oportunidade única de diversão e inclusão. Muitas opiniões negativas foram ouvidas acerca deste ritual, pois em questão estavam as vidas humanas perdidas no mesmo. Algo de muito errado se passou naquela noite, mas essa “praxe”, se é que o foi realmente, consiste nada mais nada menos que numa não-praxe vinda de quem se esconde atrás do traje para libertar as frustrações e sujar o nome daqueles que o fazem de acordo com as regras, pela união dos alunos recém-chegados entre si e entre os colegas de outros anos e outros cursos. Nem todos os comentários são de teor negativo. De entre o mediatismo, criou-se uma página de Facebook “Pela Praxe Académica”, que já conta com mais de 42.000 likes, cujo objetivo é mostrar a praxe como é, ou pelo menos, como deveria ser. Nela encontramos diversas histórias de sucesso, em que este ritual originou solidariedade, animação, amizades, e até histórias de amor de pessoas que se conheceram através da mesma. Para evitar abusos futuros, agora mais que nunca visto que a praxe está sob holofotes, houve no dia 30 de janeiro, no Palácio das Laranjeiras em Lisboa, uma reunião com os representantes dos praxistas de todo o país, de modo a se discutir as regras e (re)lembrar o conceito e objetivo original da mesma. Sim, as praxes académicas têm regras, o código de praxe, que deve ser sabido não só por quem traja mas também por quem é submetido aos rituais académicos, para que possam saber os seus direitos e não serem lesados física, psicológica ou financeiramente, ou sofrerem qualquer outro tipo de excesso. Existem já universidades que, para evitar abusos de poder por parte dos praxistas, tenham implementado punições que vão desde coimas até à própria suspensão ou expulsão.
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revista | Rés Vista
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fev./mar. 2014
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fotografia | bĂĄrbara costa
32 | fev./mar. 2014
revista | RĂŠs Vista
Atualidade e Sociedade
Info Flashes
por
Dina Marli Nóbrega
Povo Lusitano Dá Que Falar
O povo português é cada vez mais valorizado no mundo pelas suas qualidades. Marco Bessa, da empresa dinamarquesa de brinquedos LEGO, criou um conjunto de 2500 peças da aclamada série televisiva Os Simpsons, para assinalar os seus 25 anos em televisão. Na última semana de janeiro, em Paris, a Assembleia Anual da Academia Internacional de Gastronomia concedeu o prémio de melhor Literatura Gastronómica, “À Mesa em Mação – Carta Gastronómica”, a Armando Fernandes, e o de Chef do Futuro a David Jesus. Para quem ainda não está convencido dos dotes do nosso povo, temos ainda David Simas, um lusodescendente eleito recentemente líder do Gabinete de Estratégia Política da Casa Branca pelo presidente Obama.
Stephanie
No dia 7 e seguintes, dez distritos estiveram sob alerta vermelho, e os restantes em aviso laranja. A tempestade Stephanie, com seus ventos e chuvas avassaladores, provocou inundações, queda de árvores, deslizamento de terras, e afetou ainda as ligações marítimas e aéreas. Nem o dérbi Sporting – Benfica escapou às condições meteorológicas, tendo de ser adiado devido a estragos no estádio. No domingo e madrugada de segunda-feira os locais mais afetados foram Aveiro, Coimbra, Porto, Lisboa e Setúbal. Na terça ficaram interditas 58 estradas e outras 3 condicionadas, sendo desta vez o distrito de Santarém o mais atingido.
Mau tempo generalizado
O Reino Unido foi atingido, com ventos fortes e elevada precipitação que deu origem a cheias, sendo Somerset dos condados mais afetados. O rio Tamisa inundou também Berkshire e Surrey. Três pessoas faleceram aquando da tempestade. Em França também se registou mau tempo. Em ambos os países o trânsito estava caótico e houve cortes de energia, principalmente na Normandia e Bretanha, onde 240 mil casas ficaram sem eletricidade. Também na Argélia se fez sentir a intensidade da Natureza. Um avião militar despenhou-se, possivelmente devido às condições climatéricas, no dia 11 e apenas uma pessoa sobreviveu das 103 pessoas a bordo.
Modelo sexagenária
Jacky O’Saughnessy, com os seus 62 anos, foi cara e corpo da marca American Apparel. A sexagenária, que já tinha trabalhado como modelo para a mesma em 2012, teve direito no dia 30 de Janeiro a uma foto em lingerie nas redes sociais da empresa com o slogan “Sensualidade não tem data de validade”.
Bird(s)
Depois do grande sucesso do jogo Angry Birds, segue-se o Flappy Bird. O seu criador, Nguyen Ha Dong, estaria a ganhar perto de 50 mil dólares diários, antes de decidir removê-lo das lojas dia 9 de fevereiro devido a querer a sua “vida simples” de volta. Logo após a sua retirada do mercado, os smartphones e tablets que ainda tinham a aplicação foram vendidos a preços exorbitantes, sendo o caso mais famoso o de um Iphone 5s que foi vendido por 73 mil euros, quando o seu custo inicial de licitação seria 477 euros.
Da Ficção à Realidade
Um paciente alemão de 55 anos deu entrada no centro médico por ter dores agudas no coração, febre, cegueira, surdez temporária e também nódulos inchados. Juergen Schaefer, um cardiologista que trabalha no Centro de Doenças Não Diagnosticadas em Frankfurt, lembrou-se de um episódio da série Dr.House, em que havia um caso com sintomas semelhantes. Após alguns exames a teoria do médico foi confirmada, tratava-se duma intoxifev./mar. 2014 revista | Rés Vista 33 cação por cobalto devido à sua recente prótese de metal da bacia. A prótese foi removida, o homem recuperou e o médico passou a ser chamado “Dr. House Alemão”.
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Progrediu-se ou regrediu-se? Há quantos anos acabou o regime ditatorial? Este marco histórico largamente conhecido, afigura-se como um ponto de referência revelador. Mote inspirador de filmes, retóricas e até base de bons livros, encontra-se aparentemente e lamentavelmente esquecido por muitos. O processo de esquecimento será natural para aqueles que não viveram à luz da época, mas deveria haver, contudo, o reconhecimento. Ao relembrarmos este timing temporal, cronologicamente definido, associamos as palavras-chave caracterizadoras desta época. O conservadorismo, a repressão e a censura, são rótulos de excelência que nos transportam para uma era marcada por expressões de conotação negativa. E eis que volvidos 40 anos. Os anos que precederam esta viragem histórica, amplamente associada à revolução dos cravos, trouxeram fortes lufadas de ar fresco, reinventando novas formas de vida e de viver. Assistiu-se ao potenciar da emancipação de novos valores, crenças, usos e costumes, padrões comportamentais, conteúdos e ações. Eis-nos chegados à democracia. Analisemos e situemo-nos, mês de fevereiro de 2014. Vejamos agora, no panorama nacional quantos governos já tivemos? Governos esses, de diferentes cores partidárias e assentes em convicções políticas distintas. Quantos ministros da educação (um dos pilares mais importantes de um estado de direito) ou individualidades direta e indiretamente (ir)responsáveis? Quantos rostos e quantas crenças associadas? Ou melhor, quantos interesses? Será que a crise de valores atual é fruto do ontem, (será?) num modo de passado recente, ou será fruto de um passado mais distante e longínquo? Que evolução ocorreu ou quantos retrocessos, de maior ou menor dimensão, e que influência teve cada um deles nas funções de educar e formar as nossas camadas jovens, futuros adultos de amanhã? Como avaliar a educação, ou mesmo, numa aceção do termo mais leviana, a falta dela que se tem vindo a verificar no panorama atual? Quais os critérios e métodos que permitem e medeiam uma comparação justa entre épocas que se afastam? Será a arte educativa e de educar de hoje melhor ou expressamente pior? Nos nossos dias, vislumbra-se um certo clima de democracia, de liberdade e respeito por opiniões divergentes, de cordialidade, transparência e de aceitação do diferente, quanto mais não seja pela aparente elegância social que assim o dita, ainda que, nem sempre seja ponto de honra. Sem dúvida um grande passo que se materializou, moral e civicamente. Aliás uma gigantesca conquista que originou a geração das liberdades extremas, do viver e ser feliz a cada dia: “carpe diem”, da garra tão guerreira que ultrapassa limites, inclusive os legalmente impostos, tendo como intuito vencer seja individual ou coletivamente, ainda que, em prejuízo dos outros e benefício do próprio… Às vezes pelo menos… Progrediu-se ou regrediu-se? A resposta comum é que existem prós e contras, mas, como em tudo na vida, devemos guiarmo-nos pelo meio-termo onde está o âmago da virtude. No entanto, a minha parca experiência de vida diz-me que, teoricamente, o meio-termo é possível, contudo na prática torna-se inexequível. fev./mar. 2014
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Artigo de opinião
O olhar atento de
Referendo
Sim/Não
Nuno Antunes De entre todas as inúmeras situações de dificuldade com que Portugal se deparou ao longo destes anos, há uma recente que possui contornos, no mínimo, insólitos. Fruto da iniciativa de alguns membros pertencentes à atual maioria governativa, estamos a ser convocados, supostamente, para respondermos a uma fundamental questão que assola e preocupa profundamente as ocupadas mentes de alguma da nossa classe política. Falamos da possibilidade de se referendar a possibilidade de atribuir a dois cidadãos do mesmo sexo a possibilidade de efetuarem o exercício da parentalidade. Nestes últimos dias, muito se tem escrito sobre este assunto, pelo que não pretendo trazer ao debate nada de inovador. No entanto, na vastidão de comentários efetuados sobre este assunto, ainda não ouvi propostas de referendar a possibilidade das crianças serem cuidadas por tias, primos ou avós, três, quatro ou cinco elementos, do mesmo sexo ou de sexos diferentes, muitas vezes de forma temporária, noutros de forma mais definitiva, sendo disso bons exemplos as famílias de acolhimento, lares de infância e juventude e os centros de acolhimento temporário. Daqui adveio o meu espanto. Ora, se estas são respostas pretensamente de promoção e proteção das crianças, sempre procurando promover o tão aclamado superior interesse da criança, procurando sempre o retorno da criança a medidas em meio natural de vida, junto de indivíduos que promovam a parentalidade e que assegurem os cuidados continuados da criança, que razão justificar tal pretensão de referendo? E nada mais “natural” do que ser educado no seio de dois (ou mais) indivíduos que pretendem procurar exercer a sua parentalidade de forma positiva e responsável. Para qualquer criança, num sistema familiar composto por dois indivíduos, importa mais a qualidade dos afetos, dos cuidados e da vinculação do que o género ou a sexualidade dos seus cuidadores. Tais questões apenas importam à sociedade. O papel de “pai” e “mãe” é uma construção social falaciosa. Bem visto, regra geral crescemos com figuras de referência que procuraram, na melhor/ou pior das suas capacidades, responder ao difícil exercício da parentalidade. Desde o século passado, fruto de um vasto trabalho do qual Portugal é orgulhosamente pioneiro, a criança tem sobejamente evoluído enquanto sujeito de direitos e de uma proteção jurídica particular. Mas nada se legalizou ou procurou analisar face às características genéticas dos indivíduos a quem esta se encontrava aos cuidados: não se questiona se dois cuidadores negros, altos, de olhos pretos ou azuis serão os melhores cuidadores para esta ou aquela criança ou jovem. Não se inserem na praça pública caraterísticas que definem os cidadãos, muitas delas inatas, outras aprendidas, fruto de uma predisposição genética desenvolvida no diário exercício de interação com o meio envolvente. Assumindo assim que questões como a
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“Nasci e aprendi a entender a democracia como a expressão plena da igualdade entre cidadãos. E para mim, a igualdade não é referendável. ” cor dos olhos, a altura e a predisposição sexual são fatores com forte componente genética, desenvolvida na constante interação do individuo com o seu contexto, confesso-me com sérias dificuldades em compreender esta necessidade política de converter os afetos em leis. Deste modo, assumindo desde já a minha tremenda ignorância face ao pensamento dos que defendem tal medida, parece-me, leigamente, que se pretende referendar um preconceito, fruto de uma velha sociedade patriarcal: a intolerância face ao diferente. E aqui recai a alegada ”problemática” do exercício da parentalidade ser exercido por dois indivíduos do mesmo sexo. A ainda atual exclusão de casais do mesmo sexo de serem cuidadores de uma criança, para além do exercício de um maltrato inqualificável para os interessados, é perpetrador de uma violação de direitos humanos fundamentais, obtidos após anos de suor, sangue e lágrimas. Nasci e aprendi a entender a democracia como a expressão plena da igualdade entre cidadãos. E para mim, a igualdade não é referendável.
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Atualidade e Sociedade
a crise que a crise esconde
(ou desvenda)
Luís Silva Professor de EMRC Mestre em bioética
A crise tem-nos feito despertar para matérias em que pouco tínhamos pensado. A quem preocupara, verdadeiramente, antes desta crise, o problema do défice da balança comercial, ou o défice do orçamento do Estado, ou o rating da República ou as agências de notação ou tantas outras matérias que, hoje, passaram a fazer parte do nosso quotidiano? Do mesmo modo, num passado recente, muitos alertaram para as implicações de decisões que se estavam a tomar, no âmbito da política demográfica, sem que se lhes desse suficiente atenção, no devido tempo, estando-se, hoje, a assistir a um quadro que lhes atribui razão. Na verdade, os dados demográficos nacionais são, no mínimo, inquietantes. De tal modo que pode considerar-se que «o» problema nacional, verdadeiramente relevante é o que concerne à demografia e à distribuição demográfica. Este segundo vetor não é, aliás, novo. Já no período pombalino se considerava que Portugal era um país macrocéfalo. Tinha uma grande cabeça, Lisboa, e um diminuto corpo. Hoje, essa macrocefalia só se diferencia por alguma bicefalia, mas o cenário é pouco distinto e não tende a melhorar, dadas as políticas de eliminação de serviços a que vimos assistindo, desde há dez anos. Portugal vive, com efeito, desde 2007, uma crise demográfica que importa interpretar. Observemos, em primeiro lugar, os números. Em 2012, o saldo natural, isto é, a relação entre o número de nascimentos e os números de óbitos, apresentava-se negativo. Tinham morrido mais 17771 pessoas do que as que tinham nascido. Um cenário que se vem verificando, desde 2007, com exceção de 2008. Tal saldo natural encontra-se estreitamente vinculado ao facto de Portugal apresentar uma taxa de fecundidade verdadeiramente preocupante: em 2012, essa taxa já se cifrava em 1,28 filhos por mulher, uma das três mais baixas do mundo. Portugal vive, de forma aguda, um fenómeno que vem sendo designado, pela Europa fora, como sendo o de um inverno demográfico. Fenómeno a que alguns já têm procurado dar resposta, mas a que Portugal tarda em atender. E considero que uma das causas dessa tardia resposta está no erro de diagnóstico. Na verdade, muitos atribuem a causa deste fenómeno à conjuntura de crise, o que, a ser verdade, deixaria por explicar a antecipação do fenómeno à própria realidade crítica. O fenómeno do decréscimo demográfico é anterior à emergência da crise, pelo que terá de encontrar-se numa raiz mais profunda a sua causalidade. George Weigel, no seu extraordinário ensaio «O cubo e catedral», vislumbra no apagamento europeu da influência pública das religiões (e, em particular, do Cristianismo) uma das mais substanciais causas da quebra demográfica, verificando que esse apagamento não encontra paralelo na realidade americana, onde não se assiste a uma crise do género da europeia. A perda desta influência repercute-se, segundo o referido autor, no facto de se assistir a um crescimento do individualismo e da perda do sentido da gratuidade e da perceção de que a vida nascente é dom, que as religiões sempre preconizam. Concordando com o diagnóstico, acrescentamos-lhe uma especificidade, no que respeita à realidade portuguesa. Definamos, para tal, um pressuposto de que partilhamos: as leis têm uma função pedagógica, isto é, favorecem a criação
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Atualidade e Sociedade de mentalidades, criam paradigmas conceptuais de que as populações vêm a partilhar. Com este pressuposto, tenha-se em conta que Portugal assistiu, nos últimos dez anos, à proliferação de legislação promotora de uma lógica pouco favorável à constituição de família e à sua estabilidade, acrescentando contributos para que se favoreça uma lógica individualizante (para não dizer «individualista»). A título de exemplo, recordemos três momentos legislativos particularmente significativos: - a Lei 61/2008 de 31 de Outubro que vem facilitar o divórcio, lei que mereceu reparo do Presidente da República, alertando para os riscos de injustiça que tal lei poderia favorecer. Para além deste reparo, há que ter em conta que criou um quadro de facilitismo na concretização da rutura familiar. - Lei Nº9/2010, de 31 de maio – que veio admitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, favorecendo a convicção de que o casamento era, fundamentalmente, uma estrutura assente em dimensões sentimentais e afetivas, contribuindo para o apagamento da sua dimensão de estrutura jurídica de forte relevância social e coletiva. O casamento deixou de ser, a partir daqui, uma estrutura sobre a qual a sociedade depositava a expectativa da descendência para se centrar na dimensão da relação afetiva, individualizando a estrutura familiar. - Lei n.º 60/2009, de 6 de agosto, que regulamenta a educação sexual em contexto escolar, preconizando uma abordagem fundamentalmente descritiva, neutra, isenta de referências morais, contribuindo para a redução da sexualidade à sua dimensão de prazer (hedonista), em relação à sua dimensão de abertura à vida, que lhe é inerente, numa abordagem humanista e personalizante. Tal quadro legislativo é, só por si, suficientemente representativo de uma mentalidade preconizadora da centralização no indivíduo, em relação à dimensão comunitária. As suas repercussões não se fizeram esperar. A título ilustrativo vale a pena constatar o crescimento exponencial dos divórcios e a concomitante redução de casamentos assim como o crescimento preocupante do número de famílias monoparentais. Em 2012, este facto cifrava-se nos 423.518, sendo que, nos últimos 5 anos, aumentaram mais de 100 mil, uma evolução correspondente ao que se percorreu nos anteriores 15 anos. Em cinco anos, este número aumentou três vezes mais. No nosso entendimento, as razões não são as conjunturais associadas à crise. Valerá, aliás, a pena perguntar em que medida a crise poderia favorecer a emergência de famílias monoparentais. Não será, antes, o contrário? No nosso entendimento, a emergência destes indicadores fica, sim, a dever-se a um paradigma de interpretação da vida que tem vindo a mudar, no sentido da perda da sensibilidade para o valor da vida e da prevalência do interesse individual sobre o interesse comunitário. A estes dados acrescentou-se, ainda, o facto de se ter realizado, em 11 de fevereiro de 2007, um referendo que veio legitimar o aborto, a pedido da mulher, até às dez semanas. Tal referendo contribuiu para que, desde 2007 até ao final de 2012, se tenham realizado 103582 dos quais 100583 são a pedido da mulher. Ao abrigo da lei de 1984, que vigorou até ao referendo, e que permitia o aborto por motivo de violação, malformação ou conflito entre vida da mãe e do filho, realizaram-se 2999. Os restantes são devidos à mudança ocorrida em 2007. À luz de tudo isto, importa perguntar se não terá sido, antes, todo um registo ideológico o que favoreceu que se tenha chegado a esta crise demográfica. É, aliás, nesse sentido que se situa a carta pastoral «a propósito da ideologia de género», publicada pela Conferência Episcopal Portuguesa, em 14 de novembro de 2013. Ali, alerta-se para uma dinâmica que alguns têm vindo a introduzir na sociedade portuguesa, no sentido de se fazer passar uma nova mentalidade, que situa a sexualidade no registo da pura influência cultural, como se esta não tivesse de atender à natureza que lhe é anterior. Como se, de algum modo, o que se é fosse fruto puro e simples da decisão de cada um, numa visão espantosamente individualista, amnésica perante a constatação de que cada ser humano é a confluência do natural e do cultural e não pura construção cultural. Esta crise demográfica é, mais do que tudo, uma crise de civilização, uma crise de paradigma ético, entre uma abordagem em que a relação é parte intrínseca da definição da identidade e uma outra em que o indivíduo é concebível sem a existência dos demais. Será este segundo paradigma garante de certeza de futuro? Poderá construir-se um país sobre a soma dos indivíduos ou deverá pensar-se como a construção de uma comunidade?
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Gestão Financeira
gerir o orçamento familiar
Margarida Magalhães Cardoso Mestre em psicologia clínica Coordenadora de projetos educativos e formadora
A gestão do orçamento familiar é uma das tarefas mais exigentes das famílias portuguesas. Com as diminuições dos rendimentos e o aumento dos preços de alguns itens essenciais à vida, esta questão torna-se ainda mais desafiante. Este artigo tenciona, de modo sucinto, indicar algumas medidas que podem ajudar à gestão saudável das finanças da sua família. Em primeiro lugar, há que detalhar a entrada e saída do dinheiro. Apenas com uma identificação clara dos seus rendimentos e gastos conseguirá conhecer a sua vida financeira e, por consequência, poupar. Os grandes passos são calcular os seus rendimentos de forma exata, discriminar os seus gastos e ajustar o seu estilo de vida à sua capacidade financeira. Faça, durante um mês completo, um registo detalhado de todos os seus gastos (ou dos gastos familiares). Coloque numa tabela todos os gastos, desde grandes mensalidades (e.g., a renda/mensalidade do empréstimo da casa) até às pequenas quantias (e.g., uma revista ou um bolo na pastelaria). Não se esqueça de colocar os eventuais valores que são retirados da sua conta por débito direto (e.g., água, gás, internet e televisão). Todas as despesas que são pagas anualmente (e.g., IMI, seguros) devem ser divididas por 12 e incluídas no registo. Se tem crianças em casa, fale com elas sobre a gestão financeira da família. Explique-lhes que não é possível terem tudo o que desejam e que o dinheiro tem que, prioritariamente, ser gasto nos itens essenciais. Evite pagamentos a crédito e a contração de dívidas em itens supérfluos. Será preferível que, logo no início do mês, retire uma percentagem dos rendimentos para juntar e comprar o item desejado a pronto, ao final de alguns meses. No caso de ser necessário, verifique se as taxas de juro cabem no orçamento da sua família. Reveja alguns dos seus gastos: o tarifário do seu telemóvel é o mais adequado para o seu tipo de utilização? Não é possível agrupar algumas faturações, como o gás e a eletricidade, ou a televisão por cabo e a internet, e obter descontos? Quando for às compras, existem alguns passos que podem ajudá-lo a reduzir a conta final: fazer uma lista dos itens necessários; tirar vantagem das promoções, apenas nos itens de que necessita e calculando sempre o preço por unidade/litro/quilograma; aproveitar as épocas de saldos para comprar roupa, calçado e presentes de aniversário. A habitação (e seus custos agregados, como a água, luz e gás), nas famílias portuguesas, corresponde em média a 30% das despesas. Os especialistas indicam que este valor nunca deve ser superior a 35% do ren-
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Gestão Financeira
direitos reservados
dimento familiar. Assim, tente verificar se há algum aspeto da sua habitação em que pode poupar algum dinheiro mensalmente (e.g., poupando energia). A seguir à habitação, a alimentação é, na maioria das famílias, uma grande fatia das despesas. Alguns pequenos gestos podem ajudar à contenção: opte por cozinhar, em vez de comprar refeições preparadas ou congeladas; leve para o trabalho o seu almoço; evite tomar o pequeno almoço fora de casa; planeie as refeições com antecedência, de modo a evitar gastos de emergência. Vários especialistas indicam que, idealmente, devemos poupar 10% dos nossos rendimentos. Se for mais fácil, retire este valor no início do mês e coloque-o numa conta poupança. Outro método de poupança é utilizar um mealheiro no qual vai metendo algumas moedas. Parece um pequeno gesto, mas, se for disciplinado, verá que, ao fim de algum tempo, terá amealhado uma quantia significativa. Se tem objetos em casa que não utiliza regularmente (e.g., roupa, eletrodomésticos, mobília), coloque-os à venda. Existem, hoje em dia, vários sites onde pode fazer isso e o próprio facebook pode servir este propósito. Em vez de comprar algumas coisas que só usaria algumas vezes, peça emprestado: roupa de cerimónia, livros, DVDs e CDs, ferramentas e itens de bebé, por exemplo. Contribua também para a poupança dos que o rodeiam e empreste também algumas coisas. Recapitulando os passos essenciais a uma vida financeira saudável: calcular o seu balanço financeiro (i.e., rendimentos menos despesas) e adaptar o seu estilo de vida às suas capacidades.
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Gestão Financeira
dicas para poupar
Ana Mendonça
Gestora de conteúdos web Ao longo de 3 anos e de um projeto que foi evoluindo, percebemos que poupar não é assim tão difícil e que muitas poupanças passam por nós sem pensarmos nelas. Pelo que vos deixo sugestões e ações que devem agarrar se pretendem poupar. A 1ª sugestão é uma Pergunta (Sim, uma pergunta): "Quanto vale o vosso tempo?" A pergunta feita desta forma parece estranha a maior parte de vós mas, na realidade, a nossa maior despesa é comprar tempo. Tempo que não temos por dificuldades do dia a dia. Pensando assim coloca-se a questão (2ª Sugestão): "Quanto vale a vossa Saúde?" Coloquei 2 perguntas e até agora não mexemos em dinheiro. No entanto estarão já a pensar afinal para que serve o dinheiro. Se regredirmos na história, percebemos que muito antes de haver moeda, já se trocavam bens. Na realidade já aqui se trocava tempo. Pois percebeu-se que se fizéssemos tudo o que precisávamos para viver de forma confortável não teríamos tempo para tudo. Portanto focamo-nos a fazer algo bem, podendo posteriormente trocar por outros bens ou serviços feitos por outras pessoas. Hoje sabemos também que o "stress" (muitas vezes associado à azafama do dia a dia) tem um custo e que este deve ter um limite. Portanto tempo de qualidade é necessário para todos. Claramente as duas sugestões iniciais vão no sentido de medir quanto vale o vosso tempo e a vossa saúde. E como a podem melhorar. Não no sentido de esbanjarmos dinheiro para termos ambos, mas de pensarmos que podemos fazer melhor com menos. Coloca-se então agora algumas ações que devem conquistar e que, sendo genéricas, nem todas se aplicam. Nem sempre estamos preparados para o desafio de Poupar. Muitas vezes de forma forçada.
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1. Avalie o que realmente gan a.Quanto gasta de trans b.Quanto gasta em alim c.Quanto gasta em vest 2. Contabilize custos fixos. 1.Casa (Rendas, Prestaç 2.Carro 3.Créditos 4.Seguros 5.Infantários e Escolas 3. Avalie de forma consciente 0.Supermercado 1.Combustível 2.Cafés ou passeios não revista | Rés Vista
Gestão Financeira Nesta altura e depois de ler, a maioria terá uma ideia do que realmente sobra. Mas será que já tentaram perceber o que devem mudar?
nha. sportes? mentação? tuário?
ções, Eletricidade, Água, Gás)
e o que gasta em custos não fixos.
o regulares fev./mar. 2014
1. Repense deslocações, alimentação, cafés ou lanches fora de casa. Sejam trabalho ou lazer. a. É possível partilhar as deslocações ou optar por transportes públicos? b. Conduza de forma mais prudente. O combustível agradece o a sua segurança também. 2. Programe a alimentação em casa. Não faça por impulso. a. Programe o que vai fazer e que ingredientes irá consumir. 3. Reduza o tempo de águas quentes e frias. a. Banhos e lavagens têm um custo elevado. b. Opte pela máquina de lavar louça se possível. É mais eficiente que as lavagens manuais. c. Opte por máquinas de lavar no limite da sua capacidade. 4. Reduza o consumo de eletricidade. a. Sempre que possível abra as janelas para circular o ar. b. Use roupa quente no inverno para evitar aquecedores. c. Não aqueça a casa toda. Aproveite termoventiladores para aquecimento pontual. 5. Repense as despesas fixas. a. Avalie os seus créditos, seguros e mensalidades fixas. Contacte com regularidade outras empresas para saber se pode reduzir este custo. b. Evite deixar de pagar. Renegociar é sempre a melhor forma de tentar ultrapassar o problema. Estes custos irão aparecer mais cedo ou mais tarde e serão superiores e com consequências mais graves. 6. Escolha bem como fazer as suas compras. a. Evite produtos de beleza, decoração ou bricolage. b. Compare os preços e considere produtos de marca branca. c. Compre embalagens maiores, mas compare sempre o preço por Kg ou Litro. Muitas vezes são enganadoras. d.Esteja atento aos descontos e promoções. Elas existem e são regra geral boas. e. Não compre por impulso. Crie a sua lista e mantenha-se fiel a ela o mais possível. f. Não tenha receio de visitar vários supermercados, desde que o custo da deslocação o justifique. Consideradas as sugestões atrás, muitos pensarão que não precisam destes sacrifícios, outros que poderiam ter feito alguns e muitos que estas pequenas regras são difíceis por falta de tempo. Aqui entra a minha primeira sugestão. O valor do vosso tempo. Pessoalmente tive diferentes fases de vida, em algumas tive a capacidade de seguir melhor estas sugestões que vos deixo. Noutros foi quase impossível. No geral, importante é perceberem que não devem adiar decisões. Devem ser rigorosos a começar por vocês e fazendo cumprir e partilhando com o que vos rodeiam. E acima de tudo, devem tentar que, no final do dia, esta balança seja equilibrada no sentido de melhorar o ambiente que vos rodeia. Espero a todos ter trazido alguma ideia nova e consolidado um plano de melhorias. Fico à espera das vossas questões/sugestões. revista | Rés Vista 43
Gestão Financeira
duodécimos Silvia Rodrigues Licenciada em recursos humanos
O orçamento de estado para o ano de 2014 prevê a continuidade do pagamento dos subsídios de Férias e de Natal em duodécimos, de acordo com a medida adoptada em 2013. Com o intuito de minimizar os cortes mensais nos salários, o Governo propôs a diluição de metade dos subsídios no rendimento mensal. Neste âmbito, os trabalhadores do setor privado tiveram até ao dia 6 de janeiro deste ano para decidir se queriam receber em duodécimos em 2014, já para os trabalhadores da função pública não há alternativa. Os trabalhadores do Estado e todos os pensionistas sejam do público ou do privado, vão continuar a receber o subsídio de Natal em duodécimos. O regime previsto pode ser alterado por vontade expressa do trabalhador efetivo mas, em caso de silêncio, a empresa assume automaticamente que metade dos subsídios de férias e de Natal serão pagos em duodécimos. No caso dos contratos de trabalho a termo e dos contratos de trabalho temporário, o ago: p r se e v e de Natal d regime de pagamento fracio2014 O subsídio embro de do z o e g D n o e l d o 5 a 1 cimos nado dos subsídios de Natal a) 50% até em duodé % 0 5 s te n a st e r s O b) e de férias depende de acordo 14 ano de 20 escrito entre as partes, caso s: contrário receberá por inteiro. io de Féria de férias o z o g o E o subsíd d o d o i longo Mas será que compensa? tes do iníc écimos ao d o u a) 50% an d m e % 0 5 s nte Ou será que é preferível manb) Os resta 4 1 0 2 ano de ter e receber a totalidade nos períodos habituais? A resposta não é universal e, na verdade, depende da maneira como cada pessoa prefere gerir o seu orçamento. Para quem for um bom gestor do seu património, poderá ser preferível receber por duodécimos. O dinheiro entra na posse do trabalhador mais rapidamente, permitindo-lhe organizar a sua poupança em depósitos a prazo ou através de outro produto, contribuindo para que as famílias não sintam o impacto mensal do corte salarial.
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revista | Rés Vista
Gestão Financeira Também para as famílias com orçamentos muito apertados e sem capacidade de poupança a perda de rendimento mensal poderá ser mais difícil de suportar e, por isso, receber o subsídio em duodécimos poderá ser preferível. Algumas pessoas poderão ser induzidas em erro e pensar que estão a ganhar mais. Na verdade, o trabalhador não se pode esquecer de que está a receber o adiantamento de meio subsídio e que o aumento de rendimento é ilusório. Na prática, à excepção dos contribuintes com rendimentos muito baixos, estamos quase todos a perder dinheiro. Se trabalhar numa empresa em dificuldades, é mais seguro para o trabalhador ser pago em duodécimos, caso a empresa vá à falência, há uma parte do rendimento que já fica na sua posse. Para quem optar por receber por inteiro, por um lado terá de viver mensalmente com menos esse valor mas, por outro, poderá contar com a totalidade dos subsídios, e não apenas com metade na altura devida. Trata-se de um valor importante para muitas famílias que, em muitos casos, utilizam os subsídios para o pagamento de despesas extras ou anuais como seguros, IMI, livros da escola, etc.
fev./mar. 2014
revista | Rés Vista 45
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DR
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Um país pobre, pessoas que apresentam carências aos mais variados níveis, uma outra dimensão humana e contextual. Que expectativas? Parti com o Grupo Missionário JP2, ao qual pertenço. Foi uma caminhada de preparação e formação também enquanto cristã, procurando ir de encontro às expectativas de quem me aguardava, não esquecendo os anseios de quem ficava. Senti-me responsável por dar mais de mim, ser mais para aquelas gentes com quem iria trabalhar. Há memórias de uma história que te tenha marcado particularmente? O transporte de uma criança baleada de 12 anos. Tínhamos o único automóvel disponível nas redon-
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dezas, com o hospital mais próximo a cerca de 5 horas. Os acessos eram péssimos e acabamos por ficar atolados no rio devido às chuvas e foi necessário o auxílio da comunidade ali residente para remover o jipe. Como foi a chegada e o contato com o terreno físico e humano? O calor foi aquilo que de melhor me recordo a todos os níveis, na temperatura do ar que se fazia sentir e na maneira como fomos recebidos. É um povo muito expansivo e acolhedor. No entanto, na visita às comunidades, contactando com a sua realidade para posterior ajuda, sentia-se algum desconforto e desconfiança. revista | Rés Vista
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Outros mundos... Sara no Brasil
Em que consistiam as tuas tarefas e como organizaste o teu quotidiano? O nosso tempo era organizado em função das tarefas atribuídas pelo Pe. Luís Miranda (responsável pela missão), que as organizava a partir do feedback do Pe. Neves (Pe. Missionário da Boa Nova, responsável pelas paróquias da cidade), que sinalizava as carências das comunidades. Quais foram as principais dificuldades de adaptação ou os rituais com os quais te sentias menos confortável? Não acho que tenha havido uma maior dificuldade, até porque tinha total consciência das características físicas que me esperavam. Há aspetos linguísticos curiosos, por exemplo o que aqui usamos de forma corriqueira por terras de lá não é bem interpretado, sendo exemplo a palavra rapariga. O tomar banho de água fria por recipientes de plástico, em pleno mato e tapada por folhas de palmeira com os porquinhos e galinhas em volta, não me deixou assim tão confortável, até porque existia sempre gente por perto. Levantar-me na floresta às 5 da manhã, hora a que nasce o sol, e o facto de dormir nas redes causou-me algum transtorno inicial. Quanto tempo permaneceste nesse pedaço de mundo e como mantinhas contacto com familiares e amigos próximos? Estive um mês e vinte dias o que, fazendo um balanço final, parece pouco. Os padres responsáveis possuem net apesar de ser pouco veloz e sermos muitos a tentar estabelecer contacto. Nos pequenos momentos de pausa íamos a correr para perto do computador com o intuito de guardar lugar. Tamfev./mar. 2014
bém existia a opção do telemóvel que funcionava na cidade apesar do elevado custo das chamadas e mensagens. Viveste bons momentos ou tentaste proporcioná-los às pessoas que tinhas por missão ajudar? O ato de tentar proporcionar bons momentos consegue ser mais gratificante do que a atitude de nos focarmos em vivê-los. O proporcionar aos outros implica pessoas e não singularidades, é mais alegria, é mais vontade, é mais riqueza experiencial. É uma experiência marcante que não se vive de forma passiva. O que mudou em ti? Não sei se mudei de forma efetiva, a verdade é que tenho mais dúvidas sobre muitas das coisas que me rodeiam. O ter dúvidas, por si só, é um passo para um estado de reflexão e introspeção superior, sinto-me mais pessoa, o que me traz mais certezas de que quero e preciso de mais. Quais os procedimentos a adotar por quem tiver a aspiração de integrar nestas missões? Inicialmente, quando comecei por conjeturar a hipótese de integrar uma missão voluntária, não me foi muito fácil reunir informação consensual e elucidativa. Por norma, existem alguns sites que esclarecem alguns pontos, disponibilizam contactos e solicitam voluntários. Nas infraestruturas académicas também se observam alguns cartazes afixados nas faculdades a oferecer essa hipótese. No entanto, é necessário algum discernimento no que respeita à análise cuidada das condições e dos termos. No meu caso específico, esta experiência proporcionou-se na sequência do meu ingresso no Grupo Missionário JP2. revista | Rés Vista 47
VIAGENS AO PATRIMÓNIO ARQUITETÓNICO SEVERENSE Couto de Esteves - Paços do Concelho e Cruzeiro Triunfal
Mário Silva
Licenciado em história Mestre em história moderna Prof. Arg. Escolas de Sever do Vouga Localizada no limite oriental do distrito de Aveiro e extremo nordeste do concelho de Sever do Vouga, onde confronta, do norte, com o concelho de Vale de Cambra (Junqueira e Arões), do nascente, com o mesmo concelho (Arões) e o limite natural do rio Teixeira, do sul, com limite natural do rio Vouga e, do poente, com a freguesia de Rocas, Couto de Esteves, com base nos muitos testemunhos arqueológicos ainda preservados, pode encontrar as suas raízes nas pequenas comunidades humanas seminómadas, geralmente ligadas por laços de parentesco, que há cerca de 5000 anos deambulavam pelo seu território. Couto do mosteiro de Lorvão, a sua importância na Idade Média era tal que em 1128, de acordo com a tradição, D. Teresa e D. Afonso Henriques, seu filho, assinaram a carta de foral que tornou Couto de Esteves vila e sede de concelho, concedendo-lhe grande quantidade de privilégios. Numa descrição da provedoria de Esgueira, datada de 1689, a vila de Couto de Esteves apresenta entre a sua governança um juiz ordinário (cível e crime), dois vereadores, dois tabeliães, um juiz dos órfãos e um escrivão. Em 1758, o padre-cura António Pinheiro, refere que a “vila de Couto de Esteve”, sede de freguesia de Santo Estêvão do Couto, fica “na Provinçia da Beira, do Bispado de Vizeu, Comarqua de Isgeira, e parte della he do Conselho da mesma villa de Couto de Esteve, e par[te] pertence a villa de Cambra, Comarqua da Villa da Feira (…). Pertensse a aprezentassam do juis e dois vereadores, e procurador, a que tem a Sua Magestade, (…); o Senhorio das Rendas he o Exsellentissimo Duque de Lafons, e a tersa pertensse a Mitra de Vizeu.” Para além do Couto de Baixo, Amiais, Vilari¬nho, Catives, Mouta, Coval, Cerqueira, Parada, Barreiro e Lourizela, o mesmo clérigo acrescenta que a vila tinha mais os lugares de Sanfins, Linheiro e Irijó, mas “que estes sam de fora desta freguezia e sam freguezes de Sam Joam de Roquas”. Em 1836, a reforma administrativa de Passos Manuel, posta em prática pelo decreto de 6 de Novembro, reduz para 351 o número de concelhos em todo o território nacional, liquidando definitivamente o de Couto de Esteves, incorporado no de Sever como simples freguesia. No entanto, embora tendo perdido a categoria de concelho, Couto de Esteves mantém-se ainda hoje vila, pela inexistência de documento que lhe retire tal estatuto. Do seu vastíssimo e riquíssimo património arquitetónico falaremos hoje dos antigos paços do concelho (casa da câmara ou casa do concelho), testemunho da independência municipal do passado, e do cruzeiro triunfal que lhe fica fronteiro. Localizado na face nascente do centro da vila, a cuja esquerda assenta a igreja matriz, o edifício dos paços do concelho, de planta quadrangular e feição maneirista, datará, muito possivelmente, do séc. XVIII, servindo até 1836, ano em que passa para a posse da câmara de Sever, de “casa da câmara”, no andar nobre,
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espaço onde se realizavam as reuniões do senado municipal e se efetuavam os julgamentos (tribunal), e cadeia, no rés-do-chão. Entre 1836 e o dealbar do século XXI, aquele espaço teve diversas utilizações: junta de paróquia, escola primária, junta de freguesia, posto dos correios, telescola, sala de reuniões, salão de bailes e até de barbearia, carpintaria, arrumos e armazém de mercadorias.
Moldura: trabalho gráfico. Pintura original do prof. Feliciano Angélico, pintado a pena e tinta da china
Feliciano Angélico
Licenciado em educação visual e tecnológica Prof. Arg. Escolas de Sever do Vouga fev./mar. 2014
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VIAGENS AO PATRIMÓNIO ARQUITETÓNICO SEVERENSE Couto de Esteves - Paços do Concelho e Cruzeiro Triunfal
A 22 de Fevereiro de 2001, a câmara municipal de Sever do Vouga delibera, com o objetivo de dotar a freguesia de Couto de Esteves de um espaço cultural que respondesse às necessidades da população, ceder, “a título gratuito”, a fruição do edifício à Associação Cultural e Social de Couto de Esteves “enquanto se mantiver a referida Associação, sem prejuízo da sua devolução em qualquer tempo, caso se verifique essa necessidade, e sem direito a qualquer indemnização por benfeitorias introduzidas nele ao longo desse mesmo tempo.” Restaurado entre 2006 e 2008, o edifício, agora designado de “Casa da Cultura”, apresenta rés-do-chão (duas portas, que eram as antigas jane¬las da cadeia, viradas a poente, uma porta virada a sul, que dá acesso ao pelourinho, e um pequeno postigo virado a nascente), primeiro andar (duas janelas viradas a nascente, duas a poente e uma porta virada a sul), escadaria, de patamar alto e coberto por pequeno telheiro de três águas assente em duas colunas pétreas, e, por baixo desta, instalação sanitária. Possui ainda cobertura de quatro águas e fachadas de cantaria granítica, em fiadas regulares, que ainda conservam nas suas pedras não só algumas cartelas com datas insculpidas, datas que talvez correspondam às várias reformas por que o edifício passou no século XIX, mas também as marcas que serviam já para assinalar as horas do dia, já para o seu tempo de cuidar das águas. Fronteiro aos antigos paços do concelho, emerge majestoso um magnífico cruzeiro triunfal, belo exemplar rural deste tipo de cruzeiros que terá sido ereto na primeira metade do século XVIII, provavelmente na mesma época em que foi edificada a “casa da câmara” e no mesmo local em que, até então, tinha estado o pelourinho. O conjunto granítico (630x86 cm), de belo efeito, é composto de uma base com proteção em argamassa e pedras, a que se seguem um degrau abaulado, da edificação original, e quatro degraus de aresta com focinho, alto plinto-base, no qual estão cavadas duas fortes almofadas em cada face; a coluna toscana, lisa e com secção superior mais estreita que a inferior, repousa sobre cornija e termina em largo capitel, seguindo-se um pequeno pedestal encimado por uma esfera onde poisa esguia cruz, de braços oitavados e terminações florais. Por fim e como curiosidade refira-se que, em 1950, este cruzeiro, depois de ser abalroado por uma camioneta, foi, por pressão do então presidente da junta de freguesia, Adelino Soares Coutinho “Cortes”, “aproximado da antiga casa da câmara”, então “casa das sessões da junta”. O restauro, feito por administração direta, custou 400$00 à junta. Após esta intervenção, os degraus do seu soco, com exceção do primeiro, deixaram de ser abaulados.
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A seleção músical por Marli Nóbrega Top 5 músicas do momento no iTunes Portugal e Estados Unidos: Portugal 1. Berg - Tell Me 2. John Legend - All Of Me 3. Pharrell Williams - Happy 4. Ed Sheeran - I See Fire 5. Nelson Freitas - Bo Tem Mel (feat. C4Pedro)
Estados Unidos 1. Pharrell Williams - Happy 2. Katy Perry - Dark Horse (feat. Juicy J) 3. John Legend - All Of Me 4. Bastille - Pompeii 5. Passanger - Let Her Go Consultado a 12/02/2014
Cá em Portugal é Teófilo Sonnenberg de 41 anos, conhecido por Berg, quem lidera o top da tabela musical. Vencedor do Factor X, um programa de talentos da SIC que terminou domingo passado, ganhou não só um contrato com a Sony, 100 mil euros e um automóvel, mas também o apreço e consideração do povo português. A sua carreira no mundo da música começou há cerca de trinta anos, como voz de apoio de vários artistas nacionais conhecidos e também como guitarrista de Rui Veloso. No entanto, só agora o seu talento como cantor foi reconhecido. Berg consolida essa tese afirmando que fez dois discos, e que as editoras “puseram-nos na gaveta”. No dia posterior à sua vitória no programa, o single Tell Me ficou disponível no iTunes e logo ascendeu ao pódio. Do outro lado do mundo, Pharrell Williams continua no auge, líder nos Estados Unidos com a sua música Happy, da trilha sonora de um dos filmes de animação mais falados dos últimos tempos, “Gru - O Maldisposto 2”. Começou a sua carreira em 1992, mas só em 2001 começou a ser reconhecido mundialmente. Desde então, integrou o duo de produção The Neptunes e a banda “N*E*R*D” (Nobody Ever Really Dies), iniciando a sua carreira a solo apenas em 2005. Durante este tempo, ganhou cinco Grammys, três deles junto aos Daft Punk na 56ª edição, que teve lugar no dia 26 de janeiro de 2014. De entre os vencedores deste ano destacam-se: a já referida banda Daft Punk que ganhou nas categorias de Disco do Ano, Álbum do Ano e Álbum de Dança, a cantora Lorde que venceu a Canção do Ano e melhor Artista Pop, e por fim o rapper Macklemore, que, além de ter sido escolhido Artista Revelação do Ano, viu o seu álbum “The Heist” ser eleito o melhor Álbum de Rap. Bruno Mars também teve direito a um gramofone dourado, com o prémio de melhor Álbum Pop, e os eternos Led Zeppelin o grammy de melhor Álbum Rock, com seu CD Celebration Day. Como é habitual, aqui fica a sugestão de música desta edição: Invisible, uma canção do novo álbum dos U2.
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Aculturar
O Livro “a mão do diabo” “A Mão do Diabo” encontra-se já na sua 13ª edição com 132.000 exemplares vendidos. José Rodrigues dos Santos ganhou o Prêmio do Melhor Romance de 2012 atribuído pelo Portal da Literatura, e é o 10º do autor que mais vende em Portugal, sendo distinguido pela segunda vez consecutiva (2012 e 2013) com a marca Escritor de Confiança das Seleções do Reader’s Digest. Trata-se de um romance semificcional, cujo conteúdo sobre a crise é claro, rigoroso e esclarecedor (“Toda a informação histórica, financeira e económica incluída neste romance é verdadeira.” - da nota inicial do autor). ”A Mão do Diabo” é um livro indispensável ao leitor mais leigo (e até ao mais sapiente) em matéria de crise, a sua origem e as suas consequências, e que descodificará alguns dos responsáveis pelos tempos conturbados em que vivemos. Com simplicidade, JRS analisa a crise e com simplicidade o leitor fica esclarecido, mérito esse, que nenhum programa de televisão ou jornal executa com sucesso. Os tão controversos temas dos Submarinos, TGV, PPP, obras de autoestradas, estádios, hospitais (bens não-transacionáveis) são abordados diretamente neste livro com o rigor que, talvez, só um grande comunicador como JRS possui. José Rodrigues dos Santos consegue aproveitar a ficção como veículo, oferecendo ao leitor uma imagem da nossa realidade económica, expondo um passado, sublinhando o presente e adivinhando o futuro económico do nosso pais. Conseguindo a convergência da ficção e da realidade em perfeita harmonia. Muitas das informações oferecidas encontram-se disponíveis ao público mas em lugares dispersos e não tão visíveis e aqui, de uma forma simples e em linguagem acessível, ganhamos uma nova perceção do que nos envolve. Um livro digno de realce cuja informação transcende a própria história. A história prende-nos com os ingredientes apelativos: mistério, crime, pirataria informática, sensualidade e corrupção, que aliado ao cariz revelador e conspiratório do livro nos mantém colados à narrativa. Este livro oferece-nos a informação de uma forma encadeada e percetível, consegue expor a crise, sem contudo utilizar uma forma maçadora e repetitiva, bem pelo contrário dá-lhe uma nova aparência, trata-se de um excelente trabalho de investigação e comunicação, extremamente inteligente e atual.
Sílvia Rodrigues
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Aculturar
O Filme “Adore” “Adore” (Título Original) (2013) O filme conta a história de duas amigas de infância, Lil (Naomi Watts) e Roz (Robin Wright), que se apaixonam pelos filhos uma da outra. Por receio de enfrentar a ira e o julgamento da comunidade, decidem manter estas relações em segredo. No entanto, quando o escândalo rebenta e ameaça dividir as vidas e as famílias dos dois jovens, estes terão de optar entre um caminho seguro e os seus desejos mais íntimos. Um filme que desperta diversas reacções no espetador: raiva, empatia, compaixão e curiosidade, entre outras. Este argumento faz-nos pensar na importância da amizade como peça fundamental da vida humana, no amor entre homem e mulher, entre pais e filhos e da responsabilidade e consequências dos nossos actos. Ana Rita Vicente
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“A loucura da vida é o corpo, sabes?” À frente dele uma mulher com as lágrimas presas por arames, um sorriso forçado, a sensação de que a qualquer momento ele vai, o homem de sempre, a vida de sempre, e agora se pudesse queria outra vez as discussões todas, outra vez a forma como ele por vezes não lhe prestava toda a atenção, tudo para o ter fora daquela cama que como todas as camas de hospital cheira a qualquer coisa muito próxima do cheiro da morte. A que cheira o que cheiramos quando estamos perante alguém que vamos ver morrer? “Promete-me que vais ser feliz com o primeiro que te fizer feliz.” Pode até haver lágrimas, e agora há mesmo, ela não aguenta e chora mesmo, mas há também a certeza de um futuro, ele pede-lhe que continue para além dele, o amor pode muito bem ser, muitas vezes, perceber que o outro lado pode continuar para além do nosso.
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“Porque não te levantas e vens brincar comigo, papá?” A criança chegou, não era suposto ter chegado mas chegou, não sabe ainda o que está ali a acontecer mas sabe que é o seu pai ali parado, como se fosse um preguiçoso que não se quer levantar, e o que é a morte ou a proximidade da morte senão uma preguiça que não passa? “O pai agora não pode.” Nenhum pai deveria ser obrigado a dizer que não pode, “não pode” é impossível para um pai, “não pode” é impossível para uma mãe, todos os pais e todas as mães deveriam saber que têm em si superpoderes, e que se há coisa que não podem é dizer que não podem o que quer que seja. A prova disso mesmo vem já de seguida. “Vês como podes, papá?” Afinal pode, demorou alguns minutos mas aconteceu, o pai, puxado por toda a sua vida e toda a sua força nos braços, um na mulher com quem casou outro na mu-
lher que viu nascer, conseguiu erguer-se, está de pé, os tubos que lhe saem do corpo parecem até nem existir, está ele e quem ama, e ele de pé, os olhos delas como sempre, apaixonados pelo que ele é, o amor inteiro a aparecer inteiro, nunca serão uns simples tubos a impedirem um amor inteiro, há um homem que ama duas mulheres e duas mulheres que amam um homem, só isso, apenas isso, à volta tudo é perfeito quando por dentro de nós há o espaço ocupado, todo ocupado, por quem amamos em nós. “Anda, vamos passear, papá.” Se quiséssemos ver o que está a acontecer pela negativa diríamos que este era o último passeio da vida deste homem, amparado por duas pessoas, uma de cada lado, uma pequena e uma maior, os tubos vão consigo, um carrinho de soro também, os passos são pequenos, as pernas esquálidas, magras que doem, a fazerem de cada centímetro uma vitória, de cada avanço um herói, mas não há nada revista | Rés Vista
fotografia | rui pires da silva
disso, não há um último passeio, há apenas um passeio de três pessoas que se amam e que corpo algum conseguirá separar, ele pode andar mais devagar mas é ele, ele pode estar magro e acabado mas é ele, e quando se ama nenhum corpo acaba o amor, o que valem umas pernas incapazes ao lado de quem se ama assim? “Olha ali a nossa casa, papá.” E vão os três, os olhos na janela e lá longe, perdida entre tantas casas, está uma casa onde os três chegam agora, imaginam-se novamente lá, a menina brinca e salta no
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jardim, a mulher e o marido olham-na junto à entrada, sorriem e abraçam-se, valeu a pena, dirá um, amo-te e amo-a, dirá outro, depois ele vai ensinar-lhes as regras de um jogo qualquer, os três a jogarem num jardim onde todas as memórias ficaram, e ali ficarão, haja o que houver, por dentro do espaço reservado a quem só se consegue imaginar quando imagina ao seu lado outras pessoas assim.
tará sempre, mesmo que a cama um dia fique vazia e o papá tenha de ir passear para outro lado, para um lado em que ela não o pode ver, amanhã a criança voltará e quando um dia for adulta não deixará de voltar, à casa onde levou o seu pai, à casa onde o seu pai a levou, para lhe ensinar que nada do que se toca com a pele fica na pele, e o que é estar vivo senão ainda ser capaz de trazer sensações aos outros?
“Amanhã volto para me levares a passear outra vez, sim, papá?” Sim, amanhã voltará, vol-
“Sempre que voltares eu vou estar aqui.” E está.
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Tonalidades Os laços Ana Filipa Soares
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Licenciada em comunicação social
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fotografia | ana filipa soares
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fotografia | ana filipa soares
que nos unem
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