Da REDAÇÃO Em Primeiro Lugar
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erminar esta tarefa não foi fácil. Mas, com certeza, foi muito gratificante. Depois de penar com meus colegas para conseguir trazer ao mundo este almanaque, ficou claro que com empenho e dedicação é possível realizar qualquer desafio, até mesmo este de colocar em um só lugar opiniões e pontos de vista tão divergentes sobre um mesmo assunto. Enquanto estudava e pesquisava, percebi que ainda é complicado falar sobre Ditadura Militar no Brasil, seja por ser um assunto tão recente ou tão controverso. Exatamente por isso, nós tentamos trazer a vocês, leitores, os mais diversos temas que permeiam esse período sobre perspectivas diferentes. Aqui, vocês encontrarão textos que repudiam o governo dos Militares (No Estilo Caça às Bruxas) até textos que exaltam a administração realizada por eles, como é o caso da seção Filhos da Ditadura. Suamos, e muito. Mas agora tudo valeu a pena porque, devido ao nosso esforço, você está segurando esta primeira edição do Almanaque Cosmopolita. Esperamos que nosso objetivo de esclarecer e fomentar o pensamento crítico com relação ao tema dessa edição seja alcançado através de você, leitor. Não é possível deixar de agradecer àquele que nos incentivou e nos incumbiu a realização desse desafio, desse modo, deixamos aqui um muito obrigado (que nunca será suficiente) ao Professor Sérgio Maschio, por seus ensinamentos e direções. Calma, não nos esquecemos daqueles que tão humilde e generosamente nos concederam atenção e ajuda. A vocês, Doutora Luciana, Professor Lugato, Seu Estevam, Seu Prina, Dona Ana, Márcio Arcas e Ramon Bidinotto, nossos sinceros agradecimentos. Por fim, agradeço a todos que de qualquer maneira contribuiram com esse projeto. Nisso incluo também você, que neste momento está lendo esse texto. Um abraço e tenham uma boa leitura. Victor Prado, Diretor de Redação e Editor Chefe victorafprado@gmail.com 3 Cosmopolita 10 de Dezembro de 2013
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Almanaque Cosmopolita, Ano 1. Primeira Edição, Dezembro de 2013. cosmopolita.rev@gmail.com
EDITOR E DIRETOR RESPONSÁVEL Victor Prado EDITORA CEIA - Escola Comunitária PRESIDENTE EXECUTIVO Sérgio Maschio
Diretor de Redação: Victor Prado. Editores: Victor Prado e Beatriz Dombrovski. Direção de Arte: Beatriz Dombrovski e Angélica Botassim. Reportagens: Leonardo Cangussu, Fernando Padovez, João Pedro Garcia, Milena Montoro e Taynara Garcia. Colunistas e colaboradores: Angélica Botassim, Beatriz Dombrovski, Eduardo Souza, Fernando Padovez, Gabriela Silva, Igor Destro, João Pedro Garcia, João Pedro Barbieri, Jessica Sversut, Leonardo Cangussu, Milena Montoro, Monica Souza, Sérgio Maschio, Taynara Garcia e Victor Prado. Revisão Geral: Marília Rubio.
Editora CEIA - Escola Comunitária Palmeira d’Oeste, São Paulo, CEP: 15720-000, AV. Francisco Félix de Mendonça, S/N, Centro.
Ponto De Partida INTERESSES EXTERNOS Beatriz Dombrovski e Gabriela Silva
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apítulo intrigante da história brasileira, a Ditadura Militar até os dias atuais não teve desvendados todos os seus segredos e ainda desperta a curiosidade de muitos estudantes sobre o que trazem os livros de história e o que realmente aconteceu à época. À parte das mais diversas teorias de conspiração que rodeiam os fatos e mitos da ditadura militar brasileira, é cediço que a realidade da época não se limitava ao cenário nacional. A tão discutida influência dos Estados Unidos no Golpe Militar de 1964 e a política de “boa vizinhança” entre os países nesse período é ponto indiscutível quanto à existência, entretanto controverso quanto aos detalhes de como se deu, e até onde se estendiam as estratégias políticas traçadas no período. Antes de adentrar ao assunto chave do presente almanaque, é importante destacar o cenário histórico e geopolítico mundial da época, fazendo uma breve revisão sobre al-
guns acontecimentos. Recém saídos da Segunda Guerra Mundial, os países viviam na histórica e excêntrica - Guerra Fria. De um lado, Estado Unidos defensor do capitalismo, e de outro, a URSS (União Das Repúblicas Socialistas Soviéticas) com os ideais socialistas. Cada qual, a seu modo, tentava conquistar adeptos à sua causa. Os socialistas tentavam disseminar sua linha de
Guerra Fria (www.infoescola.com/wp-content/uploads/2007/04/guerra-fria.jpg)
pensamento na Europa Central e nos Balcãs, enquanto os Estados Unidos buscavam conquistar aliados em locais estratégicos de tais regiões. Logo, a Ásia também se tornou território disputado, em especial a China, as Coréias e o Vietnã. A América Latina até conseguiu distanciar-se um pouco, mas tornou-se alvo em 1959, quando a revolução cubana, liderada por Fidel Castro teve êxito, fazendo do país, agora socialista, ponto estratégico da URSS, e direcionando os olhares cobiçosos de capitalistas e socialistas aos países latino-americanos. A fim de espantar o socialismo das terras brasileiras, os Estados Unidos desenvolveram uma estratégia que já adotavam em outros países latinos, a instauração de uma ditatura. O então presidente João Goulart, em sua política externa, era defensor do desarmamento, da coexistência pacífica das duas potências e da paz mundial, posicionando-se, sem dúvidas, no local mais vulnerável de uma guerra: em cima do muro. Dessa forma, na operação batizada de “Brother Sam”, os Estados Unidos enviaram apoio logístico-militar aos opositores do governo de Goulart e, em 31 de Março de 1964, chegou ao Brasil o porta-aviões Forrestal, com um navio de transporte de helicópteros, seis destróieres, quatro petroleiros, vinte aviões, além de toneladas de munições e armas leves. Assim, deu-se o golpe que levou os militares ao comando do país. Já no governo, os militares, por sua vez, logo trataram de declarar seu apoio aos capitalistas. Os EUA, então, enviavam financiamentos estrondosos ao Brasil, chegando aos 600 bilhões de dólares. Tais quantias eram destinadas a manter as necessidades básicas do povo, para que esse não se rebelasse contra o governo, mas para todos os efeitos, tal política era denominada “Aliança para o Progresso” que aos poucos foi diminuindo os valores repassados ao Brasil, até extinguir-se totalmente. Outra política - dessa vez pouco mais disfarçada - foi o Plano Cáritas, que distribuía alimentos, medicamentos e tinha por intuito, por meio do assistencialismo, conter possíveis revoltas populares. Diversas outras estratégias existiram, e a aliança entre Estados Unidos e Brasil solidificou-se com Emilio Médici no poder. Todas as políticas, planos e estratégias traçadas para o Brasil eram no sentido de dar à população o básico de que necessitava, para que não se percebesse que, na verdade, a política implantada pelos militares em quase nada condizia com os 5 Cosmopolita 10 de Dezembro de 2013
ideais capitalistas, mas era necessário acalmar a população à base da velha receita “pão e circo”. Nesse ínterim, destaca-se que aconteciam manobras para entreter o povo e ludibriá-lo com a sensação de que os Estados Unidos era um país amigo. Nesse período, Carmem Miranda fez diversas turnês pela terra do Tio Sam e um dos episódios mais curiosos foi a criação do personagem da Disney “Zé Carioca” ou “Joe Carioca”, como foi batizado pelo criador. O papagaio traz as cores da bandeira do Brasil e foi uma nítida homenagem ao nosso país.
Zeca Carioca (megaarquivo.files.wordpress.com/2012/11/zecarioca1.jpg?w=500)
Assim, fica claro, não só o apoio, mas o interesse dos Estados Unidos no Golpe Militar brasileiro. A fim de impedir que o exemplo de Cuba se espalhasse por toda a América Latina, os capitalistas investiram nas ditaduras em diversos países latino-americanos com o nítido intuito de conter o povo. No Brasil, o apoio e, principalmente, o financiamento dos Estados Unidos foram de extrema importância para a manutenção da ditadura e contenção dos movimentos comunistas. ¶
Repertório “No estilo caça às Bruxas” com Eduardo Souza, pág 25. Reportagem especial “Mais de 10 anos sem expressão”, pág 17.
“Marco Ditatorial” com João Pedro Garcia, pág 33.
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“Aparte Intelectual” com Angélica Botassim, pág 15.
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Entrevista Exclusiva com a Juíza Luciana Puia, pág 9.
Movimentos de Resistência, pág 29.
Entrevista com o professor de História Osvaldo Lugato, pág 23.
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“Sindicalismo Militar” com Igor Destro, pág 37.
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Acervo pessoal de Ramon Bidinotto ilustrando a rotina durante a Ditadura, pág 47.
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A Ditadura estampada nos jornais, pág 65.
Sergio Maschio arremata esta edição com o texto “Aprendendo com os Erros”, pág 67.
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O eco dos Militares nas vozes dos Filhos da Ditadura, pág 55.
“A Ditadura foi um mal necessário”, Estevam Prado, pág 35. Os mistérios do Caso Palmeira, pág 41.
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LUCIANA CON T I PUI A Leonardo Cangussu e Victor Prado
“O AI-5 foi uma excrescência” A Juíza da Comarca de Palmeira d’Oeste, São Paulo, é contrária à Lei da Anístia e acredita que as pessoas que cometeram crimes contra a humanidade durante o Regime Militar devem ser punidas.
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m uma hora de entrevista a jovem Juíza formada pela UNESP (Universidade do Estado de São Paulo) foi clara ao explicar como o meio jurídico enxerga a Ditadura Militar e suas consequências para o Brasil. Segundo ela, a implantação deste Regime no país era desnecessária e nos causou mais problemas do que soluções. O que a senhora pensa sobre a Lei da Anistia? A Lei da Anistia é, na verdade, um absurdo jurídico e reconhecidamente pelas cortes internacionais nenhum poder pode anistiar os seus próprios atos. Então, juridicamente não há a possibilidade, por exemplo, de eu praticar um crime e depois criar uma lei para me absolver. Por isso, essa é uma lei que ainda está em discussão. O STF, que é um órgão que possui também um aspecto político, ainda não deu mostras de que vai reconhecer à invalidade dessa norma, mas eu acredito que, mesmo que o Tribunal do Supremo não reconheça, com certeza, entrando em qualquer uma das cortes internacionais de direitos humanos vai ser reconhecido que essa lei não tem validade. Porque nós vivemos num Estado Democrático de Direito - que surgiu após o estado de direito que, por sua vez, surgiu após o absolutismo – e isso significa que qualquer um, até mesmo, os governantes se submetem à lei. Não existe alguém que esteja acima da lei. Então, acho que criar uma lei para retirar a responsabilidade das pessoas que cometeram crimes, e crimes graves contra os direitos humanos, não tem nenhum fundamento.
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Dra. Luciana Conti Puia em seu escritório, onde nos atendeu.
A Senhora crê que a Comissão da Verdade tem um papel importante não só para o Brasil, mas também para outros países da América Latina que sofreram com ditaduras, como o Chile e a Argentina? Eu acho que a Comissão da Verdade é válida, e foi o primeiro passo para resgatar essa parte da história que todo mundo quer esquecer, mas que, na verdade, deve ser lembrada. Na minha opinião, é algo parecido com o Holocausto, porque, nesse caso, fizeram-se vários monumentos justamente para que as pessoas não esqueçam. Se a gente esquece tudo de ruim que foi feito e os erros que foram cometidos, nós voltamos a realizá-los, então, tem que estar ali marcado. E, no Brasil, não se tem isso. Todo mundo, simplesmente, quis esquecer. Por isso, eu acho que esse é um passo grande até mesmo para a busca de informações, apesar de que muitos arquivos ainda não foram entregues e provavelmente nunca serão, já que, com certeza, a maior parte incriminadora já deve ter sido destruída. Mas, certa vez, vi num documentário que, no Brasil, as pessoas não se comprometeram de verdade a expor o que aconteceu. Já nos outros países da América Latina, os movimentos caminharam para reconhecer as pessoas que praticaram os atos criminosos e puni-las, mesmo que tardiamente. Nesse ponto, aparece a questão da demora que acaba tornando a punição inefetiva, porque, quando finalmente a pessoa vai ser punida, ela já está lá com cem anos idade e sem condições de ser levada ao cárcere. A Senhora acredita que o esquecimento dessa parte da história do Brasil é culpa da redemocratização lenta, gradual e segura, em que os militares foram preparando o terreno para que as pessoas não se voltassem tanto contra eles? Eu acho que, na verdade, é um aspecto cultural nosso. Apesar dos protestos feitos no meio do ano, o nosso povo é bastante pacato, porque a nossa história sempre foi a de um povo mais alienado dos acontecimentos. Tanto que se a gente analisar a nossa independência é possível perceber que era tudo feito com base no poderio econômico e a maioria do povo ficava à margem dos acontecimentos do país. Eu acho que os militares viram que não tinham mais condições de manter a economia e, como a inflação estava muito alta, eles tentaram sair, justamente, de
uma forma que não fossem punidos, porque, se tivesse ocorrido uma revolução, com certeza, a situação seria diferente. Quando a Ditadura foi instaurada no Brasil, em 1964, boa parte da população apoiou o golpe militar, tanto por medo do comunismo quanto por influência dos EUA. No entanto, com o passar do tempo, as pessoas perceberam que os militares não saíram do poder e passaram a ser contra o regime. A Senhora acha que, em 1964, a ditadura era um mal necessário? Eu acho que ela não era necessária. Eu acho que não tinha como fugir disso, porque praticamente todos os países da América Latina viveram esse momento que era decorrente justamente dessa questão dos EUA e da URSS. Mas, na verdade, não tem como saber o que teria acontecido, porque olhe a URSS e como ela ficou e olhe a China e como ela está atualmente. Na China, eles souberam o momento de liberar a economia mantendo o mesmo pensamento. Eu até tenho uma amiga que é diplomata na China e, lá, até o acesso à internet é vedado. Tudo é bem vigiado. Tudo bem que em nenhum lugar a gente tem liberdade total, porque, se temos liberdade para dizer, temos que ter também responsabilidade para respondermos por aquilo que dissemos. E isso é a democracia. Agora, como nós estávamos na América Latina, a pressão era muito grande para que não chegasse ao poder o pessoal de cunho socialista. O que acontece é que a maior parte dos empresários, que era quem comandava a política, fornecia verbas para campanha e queria que chegassem ao poder aqueles que fossem satisfazer os interesses deles. Então eu acho que não tinha como fugir da ditadura, não que ela fosse necessária. Eu não consigo ver a ditadura como algo bom, ela foi só um mau mesmo. O que falta, de fato, é que o nosso povo pense. Até hoje o nosso povo não foi ensinado a pensar, a refletir, a ver por trás do que aparece na mídia. Então, na época, era muito difícil que a população percebesse o que viria a se tornar o Golpe de 64. Algumas pessoas dizem que só é possível ver a história olhando para trás, que, no nosso momento, nós ficamos vendados, porque são muitos elementos, e eu concordo com isso. Porém a ditadura foi um momento de toda a América Latina, não foi só aqui, por isso eu acho que não tinha como fugir dela.
O modo como a ditadura foi implantada no Brasil foi um dos mais pacíficos na América Latina. Justamente. E, se pensarmos que para acontecer uma revolução socialista no Brasil seria necessário tirar os grandes latifundiários, que nunca aceitariam dividir suas terras e seu poder (no Nordeste, até hoje, ainda existe um certo coronelismo), fica claro que essa revolução nunca aconteceria. Até mesmo porque o nosso povo não é de pegar em armas, o que, por um lado, é bom e, por outro, é ruim. Eu acho que nós temos que aprender a usar a força que temos que é o voto. E, no Brasil, a democracia é muito recente. Tanto é que o nosso primeiro presidente eleito foi o Collor. Mas eu acho, realmente, que o Brasil tem caminhado para uma democratização posi-
tiva. No entanto é muito difícil, porque, mesmo antes da ditadura, havia outras ditaduras como a do “café com leite”, e isso ocorreu desde a colonização. Na época em que eu estava na escola, tinha um trabalho que a gente devia perguntar para os nossos pais como eles viveram a ditadura e eu lembro que os meus pais falaram que para eles não mudou nada. Então, se formos pensar na história nacional, desde o Brasil Colônia até o Brasil República, passando pelo Getúlio, depois uma redemocratização e, então o Golpe, a população em geral não sentiu diferença alguma, sentiu os reflexos econômicos; mas a vida cotidiana no interior permaneceu a mesma coisa. Por isso houve um apoio, por isso ninguém questionou. Tanto é que os militares massacraram aquelas pessoas que apresentaram alguma resistência.
O que a Senhora pensa sobre torturar para conseguir informação? Eu acho que a tortura é o pior crime que existe, porque não será possível saber se a informação é verdadeira ou não, já que a pessoa sob tortura vai falar o que ela quiser para que a tortura pare. E, na verdade, ela só satisfaz o torturador, pois ele já tem uma ideia e vai buscar a confirmação dela. Penso que torturar é um crime contra a humanidade e, em nenhuma hipótese, pode ser justificado. No entanto dois países autorizam a tortura em casos de segurança nacional, que são os Estados Unidos e Israel. E aí está a questão de se lidar com o medo. A população acabou autorizando a tortura em razão do medo tanto do comunismo quanto do terrorismo, motivo usado pelos EUA e por Israel, porque, quando se lida com o medo das pessoas, é possível fazer com que elas autorizem coisas inacreditáveis. Então eu acho que a maior parte das pessoas tinha ideia de que
a Polícia Militar torturava, mas não fazia nada, pois a tortura era justificada como um meio para proteger o povo. O medo justifica tudo para as pessoas, e pode ser o medo mais básico como o de morrer ou o medo de perder um bem ou uma vida boa que, na concepção da pessoa, valha a pena que outros pereçam para que ela mantenha. E nós vemos isso na história humana milhares de vezes.
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Qual deveria ser a punição dos envolvidos nesses atos? Cadeia, né? Acho que isso é o mínimo. Eles devem responder criminalmente e serem punidos devidamente na forma da lei como qualquer cidadão. Porque, se a gente mata uma pessoa, a gente responde pelo processo criminal tudo certinho. Se há abuso de poder também. Então eu acho que esses crimes deveriam ser punidos devidamente na forma da lei penal, fora a indenização para família das vítimas, porque o mais difícil para quem perdeu parente é não saber o que aconte-
ceu. Por exemplo, a família do Vladimir Herzog conseguiu pegar o corpo dele de volta e enterrá-lo, mas e uma mãe e os filhos que nunca mais viram o corpo do pai e nem sabem o que aconteceu ou como ele morreu? Acho que o pior é conviver o resto da vida com isso, com a tua própria imaginação, imaginando o que aconteceu, o que fizeram, a que ponto chegou a tortura e a que ponto aquele ente querido sofreu. Por isso, na minha opinião, o mais importante é que fossem liberados os arquivos, para que essas pessoas pudessem reaver os restos mortais ou que, pelo menos, conseguissem um alento de saber o que aconteceu com seus parentes. É cabível punição ao governo por estar escondendo essas informações? É cabível, mas na parte civil. Tais como: indenizações ou multas para que fossem exibidos os documentos. Mas isso depende de ordem judicial. Por exemplo, se há uma ordem judicial de exibição e a pessoal responsável não entrega os documentos, ela pode responder por crime de desobediência, porém o crime de desobediência tem uma pena assim... risível mesmo. Então, às vezes, compensa não exibir e arcar com as punições. Mas isso depende da consciência da pessoa mesmo. De que modo a Senhora vê a punição para aqueles que torturavam os militares? Acho que da mesma forma, pelo principio da igualdade. A gente não pode justificar as atrocidades de um lado pelas atrocidades do outro, porque senão (as atrocidades) não tem fim. O que acontece no Oriente Médio, na luta entre mulçumanos e judeus. Não é porque vieram e mataram 100 mil que eu vou lá matar 200 mil. Tudo isso pode ser considerado na pena, na parte de dosimetria, mas da mesma forma teriam que responder. Poderiam, também, ser consideradas algumas atenuantes ou agravantes em cada caso, mas isso seria analisado em casos concretos igualmente. De acordo com o Código Jurídico, como a Senhora enxerga o AI-5? Ah. (Risos). Acho que o AI-5 foi uma excrescência. Ele praticamente substituiu a Constituição da época. Na verdade, tudo do período da ditadura não tinha uma validade da forma com se tem hoje numa Constituição Cidadã-Democrá-
tica. Então, apesar de hoje ele não ter validade nenhuma, na época, ele tinha toda a autoridade, tanto é que a Câmara e o Senado foram fechados. Mas, incrivelmente, nós temos muitas normas ainda hoje em vigor que são do período da ditadura. Aliás, algumas muito boas para bancos, como o Decreto 911/1969 que é o da busca e apreensão. Nesse ponto entra a questão a se definir: a Constituição de 88 recepcionou ou não? Porque tudo que não for recepcionado fica automaticamente afastado. Há, também, a questão da compatibilidade, em que tudo que ofender a Constituição atual fica automaticamente não-recepcionado. Porque tudo que veio após a Constituição e a ofende é inconstitucional e aquilo que é anterior a ela e a ofende não é recepcionado pelo ordenamento jurídico atual. Mas o AI-5 é sempre comentado, pois foi o maior ato de retirada total das liberdades políticas, civis e que atentou totalmente contra os direitos humanos de toda população. E acredito que muitas pessoas nem perceberam na época, nem ficaram sabendo. Algo que é triste. A Senhora acredita que parte dos problemas educacionais que o Brasil enfrenta hoje é reflexo do que foi feito da educação na ditadura? Acho que não. Acho que esses problemas são bem anteriores. No Brasil, ninguém nunca tentou, efetivamente, mudar a situação. Eu lembro que uns tempos atrás a pessoa não era reprovada na escola pública (Ainda é, hoje em dia só se reprova por falta.). É? Então, não se estimula a pessoa a aprender. Eu vejo aqui na “Infância” muitas pessoas que não sabem ler ou escrever e que já estão na oitava série e só sabem escrever o próprio nome. Mas eu sei que ser professor hoje é muito difícil com as questões de disciplina e como fazer a pessoa que está aprendendo sentir vontade de aprender. Mas é isso que tem que ser feito. Estimular a pessoa para que ela tenha vontade de aprender, para que ela saiba que, se ela não souber ler e escrever, qualquer pessoa vai enganá-la. O mínimo é ter educação, mas parece que algumas pessoas não entendem isso. Não consigo ver uma pessoa crescer na vida sem educação. Alguém pode até dizer assim: “ah, mas meu pai é milionário”, mas então você, sem educação, vai administrar os bens do seu pai como? “Ah, vou colocar um administrador”. Mas como você vai saber se ele está bem administrando ou
está lhe subtraindo? Mas eu espero que essa situação melhore um dia. No período ditatorial, muitos projetos tinham relação com a questão agrária como, por exemplo, o projeto “Integrar Para Não Entregar” de 1.966. Do seu ponto de vista, esses projetos têm validade ou foram projetos que não tiveram muita utilidade para a nação? Eu acho que têm validade, mas não foram levados adiante. Acho que deveriam ter valorizado a produção de tecnologia nacional, porque, hoje, os nossos bons profissionais e bons estudiosos acabam indo para fora, pois aqui não existe investimento para que a pessoa desenvolva um projeto cientifico ou mesmo na área médica. Por exemplo, Cuba teve uma evolução médica muito grande, mesmo sendo uma ilha pequena totalmente isolada, fator que dificulta o crescimento econômico e, consequentemente, o do país, porque a economia está relacionada com tudo na nossa vida. Mas eu acho que foram válidos. Só penso que essas ações nunca são feitas realmente, porque as pessoas se preocupam com o país. Isso eu acho triste, mas eu acho que a gente não pode falar que tudo foi uma lástima no regime militar. Atualmente nós vemos muitas promessas de campanha que são lindas e seriam todas ótimas, mas o problema é a implementação disso tudo, pois muitas vezes falta vontade. Isso também vale para os investimentos educacionais. O futuro, eu acho, está na educação e sempre vai estar. ¶
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Espero que essa situação melhore um dia
Desaparecidos do Araguaia (secundassp.blogspot.com.br201204araguaiavive-antonio-ribas-e.html)
O Ã I OPIN
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APARTE INTELECTUAL
Chico Buarque com Edu Lobo, Itala Nandi, Arduíno Colasanti e Nelson Motta na Passeata dos Cem Mil (www.jobim.orgacervohandle2010.03371).
inegável o fato de que a ditadura precisava se fortalecer e que, certamente, presenteou a classe média com o pensamento ideal da possibilidade de progresso através do controle e ordem do estado sobre a sociedade, que, por sua vez, seria capaz de desenvolver a ascensão social. Esse caráter ilusório, capaz de ultrapassar as barreiras do paradoxal, mostra que ditadura apenas se torna ditadura na visão de quem alega sofrê-la, afinal de contas, para quem a exerce, suas características resumem-se em uma forma mais do que necessária de livrar a sociedade do declínio. 15 Cosmopolita 10 de Dezembro de 2013
Angélica Botassim
A evolução intelectual e a formação de cidadãos transformadores, proposta neste período de ausência democrática baseada na legislatura, são de caráter contraditório, afinal de contas, falo pelos pensadores, músicos, professores e jornalistas livres de alienação, e que destituíram a falsa generosidade dos opressores após anos de entraves e forçado silêncio em um movimento de contra-ataque ideológico-cultural às comandas de extrema direita. Para não fugir à regra, o cômico se manifestou nas falhas da censura brasileira durante seu período de maior atuação. Fruto de preceitos militares e, então, afirmado como fundação em 1964, o Serviço Nacional de Informações (SNI) objetivava a contenção daqueles que criticavam e se dispunham contra o regime coordenando informações e selecionando-as para, então, aprovar ou não sua posterior divulgação. Na medida em que a sociedade era forçosamente esculpida aos moldes do Regime Militar, artistas denunciavam o descontentamento popular e convocavam uma sociedade vitimada à luta pela liberdade através do subjetivismo expresso em suas letras e artes, que, por muitas e muitas vezes, escaparam aos olhos ironicamente “táteis” da censura. Entre demais incontáveis, a impecável exemplificação se dá na composição de Chico Buarque em 1970. “Apesar de Você” aparentemente retrata uma briga de namorados: “Você vai pagar e é dobrado / cada lágrima rolada /nesse meu penar / apesar de você / amanhã há de ser / outro dia / você vai se dar mal”. Nas entrelinhas fica clara à mensagem destinada a Médici, que erroneamente foi ao ar e vendeu mais de cem mil afrontas. Era necessário tocar para se fazer notar. Para que se sobressaíssem, foram usadas armas ainda mais poderosas do que as de fogo ou o exílio porvir - a metáfora, a ironia e o prazer da afronta - substancialmente, o intelecto. Ouso explicar a onda de saudosismo que apela pelo retorno do regime. Houvera, é claro, beneficiados. Alego que os idealizados “cidadãos transformadores” inverteram os papéis pré-definidos e emergiram da tragicidade da realidade. Realidade vivida por Marias e Clarisses e idealizada pelos beneficiados frutos da ditadura que resguardam a cultuada farda que obstrui o pensamento.¶
MAIS DE ANOS SEM EXPRESSÃO
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Milena Montoro e Taynara Garcia
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om o medo do comunismo se instalar no Brasil, os militares resolveram, indubitavelmente, dar um golpe militar e promover a ditadura no país (1964), a qual, desde o início, foi marcada pela repressão e autoritarismo do governo que controlava o povo sem dar-lhe direito algum para opinar, independentemente, do assunto. Conforme os anos passavam, Atos Institucionais eram aplicados e deixavam cada vez mais rígida a repressão cultural. Após o decreto do Ato Institucional nº 5 pelo presidente Costa e Silva (1968), foi criado o Conselho Superior de Censura, o qual barrava qualquer órgão de comunicação que fosse contra as regras impostas durante o período. Essa medida colocou um fim no último suspiro de qualquer forma de oposição, seja na arte, no cinema, na dança, na música e, principalmente, em textos que, de alguma forma, atingissem os militares.
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Faceless No:01, por Famous When Dead (famouswhendead.com/Faceless-No-01)
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A
censura se tornou mais presente no cotidiano da mídia com o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) - comandado pelo Serviço Nacional de Inteligência (SNI) e pelo Departamento de Ordem Policial e Social (DOPS). Ele era responsável pela censura dos meios de comunicação, sendo que tudo tinha, obrigatoriamente, que passar por uma avaliação antes de ser publicado. Matérias de jornais, como Folha de S. Paulo e O Estadão, diversas vezes foram substituídas por receitas de comidas por não
estarem de acordo com as normas estabelecidas pelos censores. Essa prática também era uma maneira de protesto encontrada pela mídia, que se via cada vez mais sem espaço para retratar a situação real que o país enfrentava. Com o medo do comunismo se instalar no Brasil, os militares resolveram, indubitavelmente, dar um golpe militar e promover a ditadura no país (1964), a qual, desde o início, foi marcada pela repressão e autoritarismo do governo que controlava o povo sem dar-lhe direito algum para opinar, independentemente, do assunto.
Edu Lobo, Caetano e Otton Bastos na Passeata dos Cem Mil (www.tribunademinas.com.brculturarevivendo-o-tropicalismo-1.1173861comments-7.2025719)
Conforme os anos passavam, Atos Institucionais eram aplicados e deixavam cada vez mais rígida a repressão cultural. Após o decreto do Ato Institucional nº 5 pelo presidente Costa e Silva (1968), foi criado o Conselho Superior de Censura, o qual barrava qualquer órgão de comunicação que fosse contra as regras impostas durante o período. Essa medida colocou um fim no último suspiro de qualquer forma de oposição, seja na arte, no cinema, na dança, na música e, principalmente, em textos que, de alguma forma, atingissem os militares. A censura se tornou mais presente no cotidiano da mídia com o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) - comandado pelo Serviço Nacional de Inteligência (SNI) e pelo Departamento de Ordem Policial e Social (DOPS). Ele era responsável pela censura dos meios de comunicação, sendo que tudo tinha, obrigatoriamente, que passar por uma avaliação antes de ser publicado. Matérias de jornais, como Folha
Tônia Carrero, Paulo Autran e outros artistas na Passeata dos Cem
Passeata dos Cem Mil no Rio de Janeiro (ti.br.inter.netrafaasregmilbragovcostaesilva)
de S. Paulo e O Estadão, diversas vezes foram substituídas por receitas de comidas e trechos de poemas por não estarem de acordo com as normas estabelecidas pelos censores. Essa prática também era uma maneira de protesto encontrada pela mídia, que se via cada vez mais sem espaço para retratar a situação real que o país enfrentava.
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Mil (blogdozecelso.wordpress.comtagpasseata-dos-cem-mil) 19 Cosmopolita 10 de Dezembro de 2013
ssas ações se refletiam na população que se tornava cada vez mais alienada aos acontecimentos que preenchiam o cotidiano da nação. As torturas, os desaparecimentos e todo o lado negativo da ditadura eram mascarados para que as pessoas achassem que o Regime só faria bem a todos. Mais de 600 filmes, uma infinidade de livros, peças teatrais, letras de músicas e, até mesmo, histórias em quadrinho foram vetados pela censura. Mas o principal alvo da repressão foi a MPB. Os avaliadores diziam que as músicas eram ofensivas às leis, à moral e aos bons costumes. Dentre os cantores, os mais perseguidos da época foram Chico Buarque e Caetano Veloso. Como não era permitido criticar a ditadura, os artistas começaram a escrever suas obras com duplo sentido e a usar pseudônimos para que, dessa maneira, conseguissem a avaliação positiva e a publicação de suas músicas. Obras como Caminhando (Geraldo Vandré), Cálice (Chico Buarque e Milton Nascimento), É Proibido Proibir (Caetano Veloso) e Apesar de Você (Chico Buarque) foram censuradas durante o Regime Militar.
A Favor da
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L
Contra CU
questão cultural envolve não só filmes, teatros e músicas, como também as manifestações culturais. Mesmo com a censura na ditadura, a cultura brasileira não deixou de criar e se espalhar pelo país e a arte se tornou um instrumento de denúncia da situação nacional. Um grande exemplo disso pode ser encontrado no âmbito da criação cultural ao se observar o movimento Tropicália de Caetano Veloso, cantor que surgiu justamente em festivais de música, muito comuns para a época. Esses eventos foram muito populares no final da década de 60 e revelaram compositores e intérpretes das chamadas canções de protesto, como Geraldo Vandré, Chico Buarque e Elis Regina. Com o AI-5, as manifestações artísticas foram reprimidas e seus protagonistas, na maioria, foram empurrados para o exílio.
T Tropicália (revistaforum.com.brblog201212uma-nova-tropicalia-contra-a-caretice)
N
URA
a metade dos anos 70, as manifestações culturais expressivas foram praticamente extintas da vida do brasileiro e as poucas que resistiram foram submetidas à censura prévia. Nesse momento, surgiram os periódicos regionais e nacionais de oposição ao regime militar. Eles se empenhavam em denunciar a tortura, as violações dos direito humanos, a falta de liberdade, o arrocho salarial e a degradação das condições de vida dos trabalhadores. A partir de 1974, a imprensa adquiriu o caráter de porta-voz de movimentos ou grupos de esquerda. Dentre esses periódicos, destacaram-se: Movimento (1974), Versus (1975), Brasil Mulher (1975), Em Tempo (1977), e Resistência (1978). A censura só foi perdendo força quando houve a revogação do AI5, em 1978, pelo presidente Ernesto Geisel. Nesse período, o Brasil passava por um processo de redemocratização e reabertura política, tornando cada vez menos rígidas as regras que foram impostas durante o Regime, deixando mais livres as composições que, por muitos anos, foram vetadas.¶
21 Cosmopolita 10 de Dezembro de 2013
Passeata dos Cem Mil (josekuller.wordpress.com30-1968-a-passeata-dos-cem-mil)
Chico Buarque (virtualiaomanifesto.blogspot.com.br200807msica-e-censura-daditadura-militar)
a t s i v e r t n E
OSVALDO LUGATO Eduardo Silva Souza
“Duas décadas de perdas”
O Professor de História afirma que a Ditadura nada mais é do que uma consequência dos conflitos ocorridos durante a Guera Fria e ainda acredita no poder dos brasileiros de ressurgirem das cinzas.
L
ugato é professor há mais de uma década e, atualmente, também exerce a função de vereador na cidade de Rubinéia, São Paulo, onde reside com a esposa e as filhas. Num rápido encontro, ele nos contou sobre como a educação brasileira foi afetada pelas decisões tomadas pelos Militares durante o período que estiveram no poder e mais. Sgundo Lugato esse momento na história do Brasil representa “Praticamente duas décadas de perdas” que podem ser percebidas no dias atuais. A Ditadura Militar foi um período marcado visivelmente pela falta de democracia, censura, perseguição política e supressão dos direitos constitucionais. Foi implantada pelo golpe militar de 31 de março de 1964, sob a alegação de que havia uma ameaça comunista no país. Em sua opinião, havia interesses de alguns setores em tal golpe? Com certeza a ditadura é uma construção na esfera da Guerra Fria. Há interesse, sim, dos Estados Unidos em manter sua zona de influência sobre a América Latina, mas, com certeza, há outros setores interessados, como é o caso da oligarquia temerosa com as ligas camponesas, temerosa com a ideia da reforma agrária liderada, principalmente, por Francisco Julião. A oligarquia e, também, a burguesia nacional estavam temerosas, inclusive, com setores da Igreja Católica da ala chamada progressista, mais conhecida como Teologia da Libertação que tinha vários grupos de jovens que debatiam a questão da reforma agrária, da educação, da cultura e da quesOsvaldo Lugato
tão operária. Digamos que o Brasil estava numa efervescência de mudanças e isso trazia temores à oligarquia em perder suas terras, à burguesia nacional em perder suas empresas, e às multinacionais que estavam interessadas em entrar neste país a longas datas e os populistas ainda não permitiam que isso acontecesse. Diante disso, multinacionais, latifundiários (a oligarquia) e Estados Unidos apelam para um golpe militar em 1964 e instalam aqui a ditadura que tem mais de duas décadas de duração com a finalidade de fazer uma faxina “vermelha” e, ao mesmo tempo, eliminar outras lideranças que não tinham um compromisso com o socialismo, mas tinham compromisso com mudanças políticas nesse país. A repressão marcou o Regime Militar calando milhares de opositores. Torturas e mortes aconteceram de forma brutal, sufocando grandes movimentos sociais de trabalhadores e intelectuais. De que maneira essa perseguição marcou a sociedade brasileira? Como isso refletiu na vida política da população? Toda ditadura vem acompanhada de censura. Só existe uma forma de se manter a consciência calada. A ideologia é um dos caminhos, mas a ideologia só funciona para as pessoas que não sabem o que está acontecendo. Para muitos intelectuais, artistas, militantes, inclusive, sindicalistas - que tinham uma consciência política mais formada - restou justamente a violência. A tortura empreendida pelo Dops, a Operação Bandeirantes (Oban), a Operação Condor, que é uma união das ditaduras da América Latina com a finalidade de limpar o Brasil e toda a América Latina dos perigos vermelhos que a rondava, fez um limpo, digamos assim, no Brasil. Muitas pessoas torturadas, muitas pessoas presas, muitas pessoas demitidas, mais de trezentas pessoas desaparecidas ou mortas, muitas exiladas e qual seria o saldo disso? Impedir que a classe trabalhadora e vários intelectuais pudessem exercer a cidadania e a eliminação de muitas lideranças que poderiam ter dado um rumo a esse país. Entende-se que o saldo da ditadura seja negativo, a meu ver, porque foi uma longa “noite” em que se calou um clamor de um povo que merecia várias reformas. Eu penso que isso tenha sido muito negativo. Por outro lado, toda essa situação de censura fez com que a cultura brasileira cres23 Cosmopolita 10 de Dezembro de 2013
cesse, por incrível que pareça. Tivemos depois de muito coar daquilo que a censura deixava ou não grandes artistas que surgiram nesse período, como Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso. Não que eles não existissem antes, mas eles vão dar a esse período um tom diferente. São músicas de protestos. Crescemos. O brasileiro tem uma característica de pássaro fênix que morre, mas ressurge das cinzas e muitos não ficaram reclamando como dizem por aí. Muitos aproveitaram a situação para crescer. Combater ideologias tornou-se uma necessidade no Regime Militar. Sabe-se que a educação polariza muitas ideologias distintas que poderiam ser contrárias ao Regime Militar. Dessa forma, foi preciso uma expressiva interferência na educação do país para adequá-la a ditadura. Em sua opinião, essa interferência foi positiva ou negativa? Penso que trabalhar a educação em positivo e negativo seja algo muito pequeno. Vamos dizer assim: toda ditadura, com certeza, tem a necessidade de controle e um dos veículos que vai utilizar é a educação, a escola. No Ensino Primário, vamos colocar, hoje, Fundamental e Médio, suprimiram-se vários conteúdos e certas matérias como História, Geografia, Filosofia e Sociologia; e colocaram-se em seus lugares Educação Moral e Cívica, Estudos de Problemas Brasileiros e Estudos Sociais. Tirou-se o lado crítico e nos ensinou a adorar símbolos pátrios, cantar o hino nacional, a se portar diante da bandeira, a desenvolvermos um nacionalismo forjado, enquanto isso as multinacionais levavam nossas riquezas embora. A Escola esteve a serviço da ditadura, inclusive, com cursos técnicos cuja finalidade era arreganhar o Brasil para as multinacionais. Precisava-se, também, produzir mão de obra especializada para esses empregos. Por isso, davam curso técnico de apertar parafuso e não fazer com que usássemos nossa capacidade de questionamentos, nem de cidadania. Então a escola perdeu esse lado de posição social e partiu para formação da obediência e formação profissional. Além disso, nós tivemos um problema chamado de Mobral, Movimento de Alfabetização Brasileira, cuja finalidade era retirar o analfabetismo deste país, dando a estas pessoas uma escola que fizesse permanecer a ditadura. Paralelamente a isso, quem financiava muito desses programas eram os Estados Unidos através de um acordo
com o MEC, Ministério de Educação e Cultura. E fazíamos exatamente o que eles queriam. Eles controlavam a escola e muitos professores - que não se adequaram a isso - foram demitidos, aposentados compulsoriamente, exilados ou sofreram torturas, prisões e, em alguns casos, até faleceram. A escola era, sem dúvida, um dos meios que devia ser controlado e isso trouxe prejuízos horrorosos para nós. Até mesmo muitas pesquisas de nível superior ficaram aí paradas. A interferência na educação foi mais expressiva quando houve a eliminação de disciplinas como Filosofia e Sociologia. Essa foi uma estratégia adotada pelo regime para que não fosse despertado nos jovens daquela época senso crítico. De que maneira isso colaborou para que a ditadura permanecesse por tantos anos? De certa forma, a ditadura se manteve por tantos anos e ainda sentimos sua herança de tal maneira que muitos permanecem sem senso crítico. Então, digamos que, a ditadura soube usar isso sim. Para ela foi importante suprimir essas matérias e conteúdos e ensinar a história factual e heroicista, sem a participação pública e ensinar a nós uma profissão, mas não nos ensinar uma participação política ou exercício de cidadania. Essa era a finalidade da ditadura. Ela queria exatamente apagar do cenário brasileiro às manifestações e às participações políticas da população que nós adquirimos depois de algum tempo na década de 1960. Portanto, essa interferência na educação, para a ditadura, foi muito importante, mas, para o Brasil, teve danos horríveis: uma universidade elitista e uma escola pública falida. As pessoas vão falar “isso foi depois da ditadura”. Não! Nada acontece do dia para noite. Foi fruto disso, pois faltaram cérebros. Pessoas que, por falta de liberdade de expressão, deixaram de existir, e essas pessoas nos fazem muita falta hoje. De certa forma, toda educação do país foi prejudicada. Praticamente duas décadas de perdas. ¶
Toda educação do país foi prejudicada
O Ã I N OPI
No Estilo
C a ç a à s
BRUXAS Eduardo Silva Souza
F
oi um período nebuloso da política brasileira. O Regime Militar em seus mais diversos desdobramentos ainda causa sentimentos de repúdio e, até mesmo, de medo em muitas pessoas que passaram por tal período tão tenebroso e intrigante da história do Brasil. Foram 21 anos de intensa agitação política (1964-1985) num clima de repressão e mudanças significativas. Sob o momento ardente da Guerra Fria, via-se no cenário mundial uma luta entre o bloco capitalista e o bloco socialista que refletiu no Brasil uma preocupação hipócrita com supostas implantações secretas do comunismo. Na verdade, vejo isso apenas como uma maneira de permitir com que as multinacionais ainda estivessem com sua expansão garantida e que os setores conservadores tivessem seu controle mantido. Um conservadorismo tão peçonhento que enfraquecia movimentos sociais promovidos por 25 Cosmopolita 10 de Dezembro de 2013
trabalhadores, intelectuais e estudantes os quais se enchiam de conhecimentos da teoria marxista. Não era algo fora do comum o que aconteceu com Olavo Hansean, sindicalista e militante comunista, que foi preso em 1963 por distribuir panfletos sobre Cuba. Hansen - que participou do sindicato dos metalúrgicos - foi solto apenas em março de 1965. A repressão foi no estilo “caça às bruxas” da idade média: mortes, prisões e torturas foram os instrumentos utilizados para sufocar tais levantes contra o regime. Em 1970, Hansean foi assassinado depois de uma série de espancamentos, queimaduras e choques elétricos. Ele apresentava graves problemas renais e edemas pelas pernas, entrou em coma e, em seguida, veio a falecer. Em período como esse, o mais comum é reprimir, ou melhor, impedir qualquer forma de manifestação que seja contra o regime. Na ditadura não foi diferente e, além da fortíssima perseguição imposta pelos militares, acredito que acharam melhor cortar o “mal” pela raiz, isto é, inves-
tir num plano que anulasse a provável origem de mais problemas para o regime. Logo se encontrou um campo para a atuação ideológica do período: a educação. Era de grande importância impedir qualquer difusão de ideologias contrárias, também era preciso uma grade curricular adequada. Que tal cortar algumas disciplinas básicas para formar uma população pensante? Era uma ideia muito boa, entretanto, já executada em outros contextos. Basta retornar algumas décadas para vermos Getúlio Vargas em toda sua inteligência de ditador envolto em populismo propagar sua imagem de benfeitor nas escolas em pleno Estado Novo. Quem pensou que a atuação dos militares se resumiu a perseguição e tortura se enganou. De certa forma, a perseguição ajuda a espalhar ideias - sempre há alguém que sobrevive ou escapa - e a tortura até silencia, no entanto há momentos que, por mais que queiram esconder, uma hora ou outra sobe à tona, gerando muito descontentamento popular. Então era preciso algo a mais, gerar uma população a favor do regime. Começou pelas crianças e adolescentes. O primeiro passo foi impedir o contato com certas disciplinas, como, por exemplo, filosofia e sociologia, que chegou até ser proibida. Sem essas disciplinas, com certeza, ficaria muito difícil para o adolescente dessa época perceber o que estava acontecendo na esfera político-ideológico de seu país. Sem perceber, é inevitável que, também, não conseguisse discernir e argumentar contra a ditadura.
Porém, o que fazer com as centenas de professores que lecionavam tais disciplinas? Infelizmente só restou uma alternativa cruel, a repressão. Muitos foram calados, outros foram exilados, outros demitidos e outros se recolheram a vida privada. Alguns somente trocaram de função. No regime, não era permitido tais profissionais, pois iam contra os posicionamentos desse regime. O posicionamento do período era basicamente uma educação de caráter antidemocrático. No Ensino Superior a ideologia do período, também, entrou em vigor. O Ministro do Planejamento no governo de Castelo Branco, Roberto Campos, sugeriu um vestibular mais rigoroso para as áreas do ensino superior. Ele dizia que a agitação estudantil era provocada por um ensino desvinculado do mercado de trabalho. Campos acreditava que o posicionamento político de muitos estudantes era devido ao estudo de matérias que os deixavam livres demais. Em pouco tempo novas medidas, cada vez mais severas, foram tomadas, como invasão de algumas universidades, pois havia profes-
sores e estudantes que resistiam às exigências do regime. Isso ficou muito nítido na faculdade de filosofia da USP, onde muitos estudantes e professores foram presos. Houve muitos confrontos com a polícia, e fechamento de organizações estudantis como a União Nacional dos Estudantes. O decreto-lei 477 calou a boca de alunos e professores e o Ministro da Justiça declarou que “estudantes têm que estudar” e “não podem fazer baderna”. Essa era a prática do Regime. Também, nesse momento, houve a criação de um segundo grau (Ensino Médio) totalmente profissionalizante. Algumas escolas particulares ilegalmente não seguiram, mas as escolas públicas tiveram que fechar o segundo grau comum. Foi uma manobra e tanto da ditadura, pois conseguiu neutralizar a fase de questionamento de muitos jovens. Além disso, a lei 5692/71 desativou a escola normal e transformou, conforme a ideologia do regime militar, o curso de formação de professores das quatro primeiras séries iniciais do ensino básico em “Habilitação de Magistério”. Dessa forma, houve um contro-
(pimentacomlimao.wordpress.com/2011/01/29/ate-quando-os-arquivos-da-ditadura-permanecerao-secretos/)
le mais amplo sobre a educação por parte dos militares. Mas a verdade é que a ditadura fracassou no seu projeto educacional em todos os sentidos. As medidas que começaram com a retirada de algumas disciplinas tiveram que ficar cada vez mais severas para conter os opositores constituindo-se uma perseguição ideológica e, como já disse, há um momento em que não dá para conter o descontentamento popular. Em 1968 foi derrubada a profissionalização obrigatória, pois começou um certo afrouxamento nas medidas do regime militar. Portanto, posso afirmar que, sem sombra de dúvida, uma das maiores armas usadas pelos militares para que a ditadura prevalecesse por duas décadas foi a interferência na educação. Permitiu um rigoroso controle sobre as ideologias contrárias ao regime e pôde conter por muitos anos vários movimentos estudantis. Essa peça do complexo quebra-cabeça da ditadura é importantíssima para a compreensão de como o regime alterou a educação no Brasil, pois as duras medidas do governo no Regime Militar marcaram profundamente milhares de estudantes que hoje integram a sociedade brasileira. ¶ 27 Cosmopolita 10 de Dezembro de 2013
Quem pensou que a atuação dos militares se resumiu a perseguição e tortura se enganou
Leonardo Cangussu e Victor Prado
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urante o período em que o do de forma ditatorial, as naram o meio mais enfátic cional. Elas se caracterizaram por aç emboscadas, assaltos a bancos, seq dos terroristas, orquestrados e real que variavam de tamanho, de ideol objetivos. Essas organizações estav dois tipos: a Guerrilha Rural, lidera marca, e a Guerrilha Urbana, admin Marighella.
(nepo.com.br/2013/08/29/a-invisibilidade-das-interpretacoes/abaixo-a-ditadura)
Brasil foi governaguerrilhas se torco de oposição nações descontínuas, questros e atentalizados por grupos logia, de alvos e de vam divididas em ada por Carlos Lanistrada por Carlos
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A Resitência no
E
CAMPO
sta tática de guerra se mostrou poderosa durante o processo de independência de Cuba, onde os guerrilheiros, organizados em Sierra Maestra, conseguiam promover sabotagens, atentados e empreender ataques, fugindo, posteriormente, para o campo. Desse modo, eliminavam a possibilidade de serem rastreados pelas forças do governo. Esses eram os ideias que moviam a Guerrilha Campestre que tinha como líder e idealizador Carlos Lamarca, carioca nascido no dia 23 de Outubro de 1937. Ele, diferentemente de seus subordinados, iniciou uma carreira no Exército Brasileiro e se destacou como exímio atirador da Academia Militar das Agulhas Negras no inicio da década de 60. No entanto, em 1969, ele deserta das forças armadas, onde já ocupava o cargo de capitão, para se juntar ao grupo paramilitar, conhecido como Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Posteriormente, ele se torna dirigente desse grupo e realiza uma junção com outras duas frentes de oposição, o Comando de Libertação Nacional (COLINA) e a União Operária. Juntos, eles passam a formar o grupo VAR-PALMARES. Durante sua vida, sempre defendeu a tática de guerrear no campo, levando os combates para fora dos grandes centros. Justamente em um desses combates, Lamarca protagonizou a execução do jovem tenente da Polícia Militar Alberto Mendes Junior, de apenas 22 anos, no Vale do Paraíba. Esse fato serviu para reforçar, ainda mais, a caçada contra esse líder guerrilheiro, que já estava sendo procurado pela Força Militar Nacional por ser considerado traidor e inimigo da pátria. A partir desse momento, Lamarca se vê obrigado a buscar refúgio na Bahia, local onde acabou
cercado e morto a tiros, durante a operação Pajuçara, em 1971. Atualmente, Lamarca é considerado um líder cuja guerrilha promoveu uma carnificina na região do Araguaia, no norte do país, onde os guerrilheiros esperavam o apoio campestre para conseguir desabilitar os militares. No entanto não tinham homens, muito menos aparatos bélicos suficientes para fazer isso. O resultado foi um verdadeiro massacre com vários guerrilheiros mortos e muitos ainda desaparecidos.
Carlos Lamarca (www.comunistas.spruz.comguerrilha1)
A Resitência na
CIDADE
A
Guerrilha Urbana consistia principalmente de sequestros de pessoas consideradas importantes para os Militares – geralmente embaixadores de outros países – e assaltos a bancos. Em ambos os casos, o dinheiro conseguido era usado para financiar a luta armada no país. Esse modo de oposição teve em Carlos Marighella um de seus principais líderes. Esse sujeito, nascido em 1937 na cidade de Salvador, era chefe do grupo guerrilheiro, conhecido como Ação Libertadora Nacional (ALN). Foi responsável por inúmeros assaltos a instituições financeiras no Brasil e, nas horas vagas, escrevia. Vários de seus livros já foram publicados no Brasil e em outros países, sendo que boa parte deles só entraram em circulação após sua morte. Entre seus escritos mais importantes encontram-se Manual do Guerrilheiro Urbano (1969), Pela Libertação do Brasil (1970) e Alguns Aspectos da Renda da Terra no Brasil (1958). Dentre alguns de seus companheiros nos assaltos a bancos está a ilustríssima presidente desta nação, Dilma Roussef. É importante que se perceba que o objetivo desse tipo de resistência não é derrotar a ditadura com armas, mas sim sustentar a luta armada que ocorria na Guerrilha Rural. No entanto as táticas de guerra não diferem em nada dos moldes terroristas usados atualmente em países do Oriente Médio e da África. Ambos causam o caos nos centros urbanos (no Brasil di31 Cosmopolita 10 de Dezembro de 2013
tatorial isso ocorria em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro) e utilizam métodos bárbaros com os próprios companheiros que acabam sendo capturados e, mesmo sob tortura, liberam qualquer tipo de informação aos seus inimigos. De modo geral, a punição vem na forma de pena de morte. Com a morte de Marighella numa ação orquestrada por Sérgio Paranhos Fleury, delegado do DOPS-SP, em 1969, a ALN não permaneceu tão firme. Aos poucos seus integrantes foram sendo mortos ou partiam para o exílio, até que, em 1971, a organização chegou ao fim. Como formas de combater o Regime, eram utilizadas também imensas passeatas organizadas pelos movimentos nacionais de esquerda, apoiados por intelectuais e, principalmente, por estudantes. Além disso, em muitas ocasiões, a ALN buscava atrair pessoas por meio de distribuição de panfletos e cartazes e da realização de discursos clandestinos.
Foto: carteirinha de Marighella do Partido Comunista do Brasil (www.comunistas.spruz.comguerrilha1)
O CONTRA GOLPE A
Ditadura controlava seus inimigos através de departamentos especializados em combater crimes realizados por eles. O DOPS, o Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI) e a Operação Bandeirantes (OBAN) são exemplos máximos dessas instituições de combate aos opositores do governo. Seus métodos eram considerados brutais, mas, de acordo com os militares, eram os únicos meios
de se conseguir informações. O SNI (Serviço Nacional de Inteligência) também atuou longamente e arduamente nesse período na caça aos membros de guerrilhas de diversos tipos que promoviam a guerra contra as forças governamentais. Todo o embasamento dos militares estava sob o Ato Institucional nº 5 de 1968, que dava amplos poderes aos militares, dentre os quais:
• Concedia poder ao Presidente da República para
dar recesso à Câmara dos Deputados, às Assembléias Legislativas (Estaduais) e à Câmara de Vereadores (Municipais). No período de recesso, o Poder Executivo Federal assumiria as funções dos poderes legislativos;
• Concedia poder ao Presidente da República para intervir nos estados e municípios, sem respeitar as limitações constitucionais;
• Concedia poder ao Presidente da República para suspender os direitos políticos, pelo período de 10 anos, de qualquer cidadão brasileiro;
• Concedia poder ao Presidente da República para
cassar mandatos de deputados federais, estaduais e vereadores;
Foto concedida por Ramon Bidinotto
• Proibia manifestações populares de caráter político; • Suspendia o direito de habeas corpus (em casos de crime político, crimes contra ordem econômica, segurança nacional e economia popular);
• Impunha a censura prévia para jornais, revistas, livros, peças de teatro e músicas. Foi nesse momento que a ditadura atuou de forma mais perversa, calando as manifestações e impondo limites aos meios de imprensa e artistas. ¶
O Ã I N OPI
MARCO
DITATORIAL João Pedro Garcia
N
opressão ao instituir o famoso AI-5, dando livre direito aos militares para realizarem, através da força, o que achassem mais cabível em determinada situação. Esse decreto também bania o direito de habeas corpus do cidadão em casos de crimes contra a ordem pública, segurança nacional ou crimes políticos, além de dar poderes plenos ao governante da nação. Com o passar dos anos da Ditadura, o governo se destacou por sua brutalidade e opressão. Posteriormente a Costa e Silva, assumiu Emilio Garrastazu Médici, cujo mandato ficou conhecido como os “anos de chumbo”. Devido a tanta repressão, os comunistas inTropas do Exército Brasileiro no Araguaia (década de 1970) (www.istoe. com.brreportagens160615_O+QUE+O+BRASIL+ESCONDE)
o ano de 1964, um Golpe Militar destitui João Goulart, então Presidente do Brasil, do poder. Isso só ocorreu porque os militares eram contra as Reformas de Base propostas por Jango. Com isso, é outorgada a Ditadura que perseguia e torturava todos que se opunham ao Regime. Tendo Castello Branco como primeiro Presidente Militar, o Brasil deu início a um período marcado por ações que objetivavam eliminar a “ameaça vermelha” do horizonte nacional. Logo em seguida, Costa e Silva assumiu a cadeira presidencial. Sem demoras, esse militar enrijeceu a
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gressaram na luta armada contra o poder vigente que agia de forma agressiva e brutal, métodos estes que eram vistos, pela mentalidade do ditador, como sinônimos de ordem política e social. Além disso, os governantes brasileiros pareciam concordar com Maquiavel, pois preferiam ser temidos do que queridos pelo povo. Tal forma de lidar com o ser humano gerou uma insatisfação em algumas camadas da população. Portando-se como revolucionários, essas pessoas decidiram compor grupos de guerrilhas armados que desejavam a deposição do governo. Esses grupos visavam à derrubada do ditador e à anulação dos atos violentos por parte do governo. Muitas dessas organizações expropriavam bancos para se manterem estáveis financeiramente e para comprarem armas e munições a fim de usá-las contra o Estado. Boa parte do arsenal bélico da época possuía preço acessível e poderia circular facilmente entre os civis. Portando material que possibilitava uma resistência mais efetiva, a vontade e o ânimo dos revolucionários só aumentavam. É evidente, portanto, que não se luta contra uma ditadura de forma pacífica. Então, a pergunta que ecoa é: os oficiais pensaram que poderiam controlar uma nação tão grande e diversa sem
que houvesse resistência alguma? Certamente, a resposta seria não. E isso demonstra a razão do caráter autoritário e opressor assumido pelos militares, pois, para eles, era necessário não deixar espaços para que os revolucionários antiditatoriais conseguissem lutar por seus direitos e expandir o pensamento do restante da população, para que, dessa forma, o Regime não sofresse com grandes resistências. Um exemplo de revolucionário decisivo no duelo contra a ditadura foi Carlos Lamarca, integrante e líder da Vanguarda Popular Revolucionária. Esse homem foi um dos principais responsáveis pela criação do campo de treinamento para guerrilheiros localizado no Vale do Ribeira, no interior do estado de São Paulo. Lamarca foi considerado traidor e inimigo da pátria, pois ele havia desertado de seu cargo de capitão do Exército. Lá, chegou a ser professor de tiro antes de se juntar a resistência comunista. Dessa forma, fica claro que, ainda que as chances de êxito fossem praticamente nulas, esses guerrilheiros enfrentaram o caos, o terror e a agressividade de um sistema centralizador e rígido. Homens e mulheres deram suas vidas na luta contra um regime opressor e autoritário. Por isso, a guerrilha é uma parte importante de nossa história e precisa ser lembrada. ¶
Lamarca ensina tiro a funcionárias do Bradesco antes de se tornar uma guerrilheiro (www.comunistas.spruz.comguerrilha1.htm)
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a t s i v e r t En
ESTEVAM M. DO PRADO Igor Garcia Prado Destro
“A Ditadura foi um mal necessário”
O fundador e administrador do Sindicato Rural da região de Jales, São Paulo, acredita que o Regime Militar foi necessário e que a violência e a perseguição ocorriam de fato somente nos grandes centros.
E
stevam Mariano do Prado é aposentado e vive tranquilamente na cidade de Palmeira d’Oeste. Mas a vida desse senhor nem sempre foi assim. Durante o período ditatorial vivido pelo Brasil, ele foi designado para criar e administrar o Sindicato Rural de Jales. Atuando nesse cargo, chegou a conhecer e a ser ameaçado por lideranças militares da época. Estevam possui uma opinião firme e acredita que, apesar dos pesares, a instauração da Ditadura foi necessária para o país. Qual é a visão que o Senhor tem a respeito da Ditadura Militar no Brasil? Em minha opinião, a Ditadura foi um mal necessário. O Brasil sofria com a ameaça do comunismo sobre o governo do presidente João Goulart e alguma coisa precisava ser feita para impedir que o país caísse nas mãos dos comunistas. Então, em 1964, foi feito o Golpe Militar e a Ditadura foi decretada como forma de governo, inicialmente, representada pelo Marechal Castelo Branca. No geral, os militares desempenharam um bom governo, trazendo investimentos por meio de capital estrangeiro para a construção de estradas, rodovias, prédios e cidades, mas por outro lado foi um regime marcado pela violência e pela repressão, fato que eu sou completamente contra. O Senhor foi uma importante figura do movimento sindical do interior de São Paulo durante o regime militar. Como ocorreu a participação do Senhor no sindicalismo na época? Eu fazia parte do conselho fiscal da Fe-
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deração dos Sindicatos Rurais de São Paulo na época. Então foi solicitada a criação do Sindicato Rural em Jales e eu fiquei responsável por essa criação e pela administração também. Depois disso, consegui levar o sindicato para outras cidades como Votuporanga, Mirassol, Aparecida d’Oeste e Santa Fé do Sul e, através dessas cedes, eu e os membros dos sindicatos passamos a desenvolver um trabalho de ajuda social pelo interior, distribuindo remédios a quem precisasse, alimentos, ajuda médica e auxilio em casos policiais e políticos da região. O movimento sindical desenvolvido pelo Senhor sofreu alguma forma de repressão por parte dos militares? Sim, sofreu sim... Em 1966, em uma reunião em São Paulo, fui chamado pelo Brigadeiro Roberto Brandine em sua sala para conversar. Ele me fez uma série de perguntas e disse que sabia de tudo o que eu fazia na região onde eu morava e acrescentou: “Ou o senhor para de interferir na situação da região ou o senhor será jogado ao mar”. Então eu disse a ele: “Vai fazer comigo o que fez com tantos outros? Pode fazer então... Mas veja que essas minhas mãos calejadas são quem produz o alimento que o senhor come todo dia em sua mesa”. Levantei e sai da sala. Depois de alguns dias, devido, também, a problemas de saúde, assinei minha carta de demissão do sindicato e passei a trabalhar somente em meu sitio aqui em Palmeira d’Oeste. Em algum momento o Senhor teve medo? Não, em nenhum momento. Não tinha medo, porque eu não devia nada a ninguém e não estava fazendo nada de errado em ajudar o povo da região.
Como era vista a ditadura aqui no interior? Na época, não se tinha os meios de comunicação que se tem hoje, nem a televisão era difundida ainda. Então, o povo aqui do interior não tinha conhecimento do que acontecia nos grandes centros, como São Paulo e Rio de Janeiro, lugares onde a presença militar era grande e onde aconteciam de fato a violência e a perseguição. Qual foi o melhor período da ditadura para o Senhor? O melhor período foi o do governo Médici, pois foi nesse período que o Brasil vivenciou de forma mais intensa o desenvolvimento, com o chamado “Milagre Econômico”. Como foi o período após o término da ditadura? Foi eleito Tancredo Neves como presidente, mas ele morreu antes mesmo de tomar posse do cargo. Na época, disseram que ele morreu devido a uma doença, mas para mim mataram-no do mesmo jeito que mataram JK. Assumiu, então, José Sarney e, a partir daí, as coisas foram se acalmando e o Brasil passou a andar nos trilhos de novo, com um pouco de dificuldade, agora com o governo democrático novamente. Se fosse para o Senhor escolher entre a ditadura e a democracia, qual das duas formas de governo o senhor escolheria? Eu escolheria a ditadura, porque por mais que os militares fossem opressores e usassem da violência para governar, naquela época, não existia corrupção como hoje e o país estava protegido da ameaça comunista. ¶
(jeocaz.wordpress.com/2010/06/07/copa-de-1970-e-a-ditadura-militar/)
O Ã I OPIN
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O M S I L A C I IND
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Igor Garcia Prado Destro
liberdade sindical é resultado da luta dos trabalhadores por melhores condições de vida e trabalho e a busca por justiça social, a qual corresponde a um melhor equilíbrio na distribuição e no oferecimento das condições de acesso à democracia no plano econômico e social. Tratando-se do Regime Militar, tal liberdade, assim como a maioria das ou-
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tras, foi restrita ao trabalhador brasileiro, sendo proibida e punida qualquer manifestação operária de cunho liberal e reivindicativo. Considerados comunistas, os sindicatos passaram a ser controlados pelos militares e seus antigos líderes passaram a ser perseguidos, simbolizando como iriam ser os próximos anos no Brasil, anos esses de autoritarismo, opressão e crises sociais e econômicas. Após a instauração do Regime Militar em 1964,
Luiz Inácio na Greve do ABC (www.blogdoulisses.com.brblog.phpid=14&arquivo=2009-07)
mais de duas mil entidades sindicais sofreram que era na época a principal região industrial do retaliações por parte do governo. O direito de país, onde se localizavam as grandes empresas. greve foi suspenso em todo o país e passou a ser Um grande líder despontou durante o evento rerealizado o arrocho salarial, situação na qual o presentando o movimento operário, Luís Inácio valor do salário não acompanhava o aumento da Lula da Silva, o qual mais tarde deixaria a proinflação, por isso o mercado de trabalho se defissão de torneiro para se tornar presidente do sestabilizou. O operário foi calado. Aqueles que Brasil. O governo passou a tratar o episódio com se opunham às novas regras eram presos e tortuatenção, já que aqueles trabalhadores, que agora rados, sendo obrigados a concordar com aquilo estavam parados, eram responsáveis por fomenque era imposto. tar a economia industrial brasileira. A política econômica adotada pelos militares faA meu ver, o modo autoritário de governar dos voreceu a decadência da situação do operário na militares assusta. É inadmissível que liberdades esfera social e ecotão necessárias nômica do país. A para o homem, influência direta dos para o trabanorte-americanos, lhador sejam através de suas mulsimplesmente tinacionais, e a ensacadas de suas trada maciça de cavidas e que repital estrangeiro na gras e situações economia causaram sejam impostas o aumento da ina eles, prejudiflação e uma maior cando suas conconcentração de dições de vida e renda, diminuindo o suas dignidades. salário dos trabalhaE tudo isso para dores como forma quê? Para que de atrativo para as os americanos grandes empresas. enriquecessem Ao mesmo tempo, mais à custa do a dívida externa do povo brasileiBrasil aumentava ro? Para atrasar cada dia mais, faainda mais a cozendo com que os lônia chamada moldes econômicos Brasil? Não se se redesenhassem, pode calar a voz alterando toda a esdo povo, não se trutura interna do pode perseguir país. e torturar um A insatisfação do operário que povo com a forma luta por condide governo e, princições melhores palmente, a revolta de vida através dos trabalhadores de uma organidevido às suas conzação sindical dições de trabalho que o represen(revistapesquisa.fapesp.br20120329quando-parar-%C3%A9-ir-para-a-frente) e à remuneração foi te. Refletindo socrescendo cada dia mais. Isso fez com que os bre o que fez a ditadura no Brasil e sobre o que é operários, mesmo sem uma organização sindia democracia hoje, também, acredito que ainda cal que os representassem, organizassem-se e não encontramos um sistema político em que a iniciassem uma greve geral. A greve reuniu mais ignorância e a ganância do homem não sejam de 300 mil operários e ocorreu na região do ABC, despertadas. ¶
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Foto por Fernando Padovez e Leonardo Cangussu/Cosmopolita 39 Cosmopolita 10 de Dezembro de 2013
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Leonardo Cangussu, Fernando Padovez, João Pedro Garcia eVictor Prado
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Ditadura no Brasil teve início no ano de 1964, porém a repressão foi consolidada e intensificada quatro anos depois, em 1968, com a institucionalização do Ato nº 5, AI-5, que dava plenos poderes aos militares para torturar e prender todos aqueles que se opunham ao regime. O Brasil era governado com mãos de ferro e nenhum tipo de oposição era aceito, por isso vários grupos armados montaram táticas de guerrilha como forma de oposição ao governo. Sob esse contexto, uma troca de tiros entre guerrilheiros e policiais aconteceu. Alguns poderiam pensar que era algo normal para a época. Porém esse fato representou uma reviravolta na vida dos moradores de uma pacata cidade do interior de São Paulo. Palmeira d’Oeste, que mal conhecia a energia elétrica por sua distância dos grandes centros, foi o palco desse acontecimento.
Foto por Fernando Padovez e Leonardo Cangussu/Cosmopolita 41 Cosmopolita 10 de Dezembro de 2013
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ano era 1971 e um trio formado por duas mulheres, Maria Luiza e Maria Paula, e um homem, Altair, que supostamente assaltou um banco, veio foragido para Palmeira d’Oeste. A escolha da cidade provavelmente foi essa, porque uma das mulheres, Maria Luiza, tinha um primo que morava na região, em um bairro rural conhecido como “Córrego do Sucuri”. João Gomes era um típico morador rural, mas teria sua vida totalmente transformada com a chegada inesperada de uma prima com quem mal mantinha contato. O trio chegou à casa dele no dia 15 de agosto, domingo. Gomes, em sua maneira simples, ficou surpreendido, mas, a princípio, achou bom ter visitas, ainda mais porque uma delas era alguém de sua família que não via há muito tempo. No entanto ele não tinha conhecimento dos fatos que fizeram esse grupo aparecer em sua porta sem ao menos mandar qualquer recado, fosse de sua passagem ou de sua estadia. Os três ficaram hospedados na casa de João, onde compartilhavam o mesmo quarto, no qual, supostamente, guardavam uma pasta com muito dinheiro e, também, uma bolsa com armas, sem
que o dono do local soubesse. João não desconfiava de nada, pois nenhum deles demonstrava qualquer atitude suspeita ou estranha. “Seu João”, como era conhecido, não tinha qualquer informação sobre o contexto da época. O auge da ditadura, os assaltos que ocorriam nos grandes centros e a ação de guerrilheiros de esquerda não eram do conhecimento desse cidadão e, com certeza, também não eram do conhecimento da maioria da população brasileira, que vivia alheia a maior parte dos atos perpetrados durante o Regime Militar. Desse modo, Gomes não tinha qualquer informação a respeito da militância de seus parentes e não imaginava que estava fornecendo um abrigo seguro, por sua distância e localização, para guerrilheiros procurados pela Polícia Militar. O grupo ainda incentivava o roceiro a vender seu café na tuia, pois, com o dinheiro, poderiam fazer algo melhor para mudar o país, além de quererem comprar um terreno para viver. Na quarta-feira, 18, a jovem Maria Luiza, disse que teria que ir a São Paulo resolver alguns negócios. Nessa época, a maior parte das viagens ainda era realizada pelo transporte ferroviário, sendo que a estação de trem mais próxima de
Foto por Fernando Padovez e Leonardo Cangussu/Cosmopolita
Foto por Fernando Padovez e Leonardo Cangussu/Cosmopolita
Palmeira d’Oeste situava-se a quase 35 km, na cidade de Jales. Luiza conseguiu chegar até Estrela d’Oeste, onde foi reconhecida e presa pela polícia. Durante seu interrogatório, Maria acabou por entregar a localização de seus companheiros. A jovem teria ainda alertado os policiais sobre as armas que estavam sob a posse dos guerrilheiros no sítio. Ela teria dito que o grupo poderia ser altamente perigoso e, por isso, os policiais deveriam ir com “força”, porque a “barra era pesada”. Esse tipo de abordagem era amplamente usado pelas forças de segurança da época. Elas se baseavam na informação fornecida por uma pessoa, que seria parte de um grupo maior e, a partir dela, localizavam o cérebro da organização. Note-se que os órgãos que realizavam as investigações tinham ganhado o poder para usufruírem de métodos considerados ilegais atualmente tais como a tortura física e psicológica – em situações que ameaçassem a segurança nacional. Essas práticas se davam com mais frequência em locais reservados e distantes dos olhos da população e da imprensa como os porões do Departamento de Ordem Policial e Social, mais conhecido como DOPS. A ação das forças militares foi rápida e já no dia 19 um plano para capturar os dois guerrilheiros 43 Cosmopolita 10 de Dezembro de 2013
havia sido preparado e posto em ação. Os policiais contaram com a ajuda de um dos moradores vizinhos ao sítio de João Gomes. Ao ir para a cidade, sem nem imaginar o que estaria por acontecer, o agricultor foi abordado por PMs que o questionaram sobre supostos jovens que estariam na região há pouco tempo. Esse senhor confirmou tal suspeita e foi requisitado que levasse os oficiais ao encontro dessas pessoas, no entanto o agricultor se negou a realizar essa tarefa, mas ofereceu carona até o um local próximo que fazia parte de caminho diário. Em nenhum momento a possibilidade desses jovens serem guerrilheiros passou pela mente desse vizinho. Igualmente, Seu João não imaginava o que a polícia queria com seus hóspedes. Os dois homens da polícia vieram escondidos, deitados na caçamba de um caminhão, pois planejavam emboscar os meliantes. Logo que adentraram o sítio de Gomes foram avistados pelo homem do grupo. Ao perceber a ação, Altair correu para dentro da casa para pegar a arma calibre 38 que estava no quarto. Da janela do cômodo ele atirou nos policiais, atingindo sua própria companheira, Maria Paula, na nuca. Ela se encontrava embaixo de uma mangueira com a esposa de Seu João. Posteriormente o rapaz, trocou tiros com os po-
Fotos por Fernando Padovez e Leonardo Cangussu/Cosmopolita
liciais que quase foram atingidos. Ao ver que o procurado não mostrava qualquer sinal de que se renderia, um policial usou a tática conhecida como flanquear o seu inimigo. Ele veio se arrastando até próximo da casa e teve um ângulo de visão do seu alvo que atirava impetuosamente contra seu companheiro. Ao perceber essa movimentação, o moço fechou a porta para se proteger, porém o policial efetuou alguns disparos contra a porta e acertou fatalmente o jovem guerrilheiro. Com a chegada de reforço policial no local, Maria Paula teve acesso aos primeiros socorros que foram oferecidos pelos próprios militares. Baleada pelo seu próprio camarada, ela foi levada ao hospital, porém não resistiu ao ferimento e veio a óbito. Os dois corpos foram levados ao necrotério do hospital de Palmeira d’Oeste para serem analisados por médicos legistas. Um grande número de pessoas começou a se aglomerar em frente do hospital. A população palmeirense desejava saber o que havia ocorrido de tão importante em sua cidade. No entanto o medo se instaurou nos moradores, quando vários aviões do Exército chegaram ao local e começaram a dar rasantes por cima da localidade. Atualmente, sabe-se que Altair foi enterrado no cemitério local, onde permanece até hoje. Já Maria Paula teve um fim diferente, pois sua família descobriu o que havia ocorrido com ela e conseguiu buscar seu corpo para levá-la a sua terra natal, onde recebeu um velório e pôde ser enterrada em um sepulcro digno. O motivo da vinda desse trio a Palmeira d’Oeste ainda permanece desconhecido, apesar das várias teorias que tentam desvendá-lo. Essa dúvida é fortalecida pelo fato dos jovens não terem, em nenhum momento, manifestado-se a respeito dos fatos que aconteceram na capital e que
tar essa história graças aos moradores locais, os quais presenciaram desde a chegada dos jovens até o desfecho trágico. Dentre eles está Antônio Prina, 75, aposentado que reside no sítio vizinho ao de João Gomes e Dona Ana, prima de Maria Luiza e filha de Gomes. No entanto esses fatos estão se calando aos poucos por responsabilidade do próprio tempo. ¶
Seu Prina por Fernando Padovez. João Pedro Garcia Leonardo Cangussu/Cosmopolita
fizeram com que se deslocassem para um município tão longe. De acordo com relatos de testemunhas locais, o grupo também não mencionou os motivos de não terem se rendido aos policiais. Com o passar do tempo, as pessoas que presenciaram esses acontecimentos foram perdendo o receio de contá-los, possibilitando, dessa forma, que eles chegassem ao conhecimento dos jornalistas da Cosmopolita, que conseguiu remon-
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EXCLUSIVO
Foto concedida por Ramon Bidinotto
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amon Bidinotto nos mostra seu acervo particular com mais de quinze fotos que retratam o dia a dia vivido pelo seu pai durante o perĂodo em que serviu ao ExĂŠrcito no Regime Militar.
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FILHOS DA DITADURA
Foto concedida por Ramon Bidinotto 55 Cosmopolita 10 de Dezembro de 2013
O Ã I N OPI
Camarada É o
Inferno Leonardo Cangussu
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Brasil viveu entre 1964 e 1988 uma ditadura militar a qual muitos julgam ter sido a pior parte deste país, usando como argumentos as torturas, as perseguições e os outros meios que os militares realizavam contra os opositores. No entanto, eles estão equivocados em alguns pontos. Durante o governo Médici, que foi o período em que a ditadura agiu mais agressivamente, a oposição alegou que vários deles foram mortos por um sistema cruel que não disponibilizava a participação popular e matava os opositores, porém este mesmo pessoal defendia o comunismo ou a ditadura do proletariado. Para se ter ideia do que é isso, há neste mundo contemporâneo dois exemplos: Cuba e Coreia do Norte. Se o comunismo é o paraíso dos sistemas políticos, por que, então, nesses países é proibido sair, há um atraso tecnológico e pena de morte (que é banida em grande parte do resto do mundo)?
Os esquerdistas queriam tomar o poder e entregá-lo na mão de tiranos, como os líderes da extinta URSS – local em que massacres mais cruéis do que os promovidos por Hitler foram protagonizados durante a ditadura de um de seus líderes. Sim, no regime militar, havia perseguições e assassinatos, mas isso não muda o fato de que os mortos eram quem queriam arrastar o Brasil para este mundo “vermelho”, pegando em armas como as guerrilhas de Lamarca e Marighella, os quais protagonizavam o terror em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, sequestrando políticos como o embaixador Charles Elbrick dos EUA e o embaixador alemão ou pessoas que enganavam o povo com promessas de um mundo melhor no lado socialista. Uma recente reportagem da Revista VEJA trata da vida atual em Cuba e nela há um episódio muito interessante sobre uma acusação de Fidel Castro a seu antecessor, Fulgêncio Batista. Castro acusa Batista de ser o responsável por levar a prostituição a mais de 100 mil cubanas, porém, com certeza, o regime de Fidel já passou esse nú-
mero, já que a prostituição é uma das maneiras de se ganhar a vida em Cuba. Essa ilha se tornou medíocre sobre o socialismo, e a grande culpa é de quem? A resposta está na irresponsabilidade de seus líderes que não sabem administrar um país, assim como todos os socialistas, que culpam o embargo comercial americano, já que a grande jogada cubana é tirar a responsabilidade de sua liderança. A Coreia do Norte é mais um país governado por um ditador que escraviza e manipula sua própria população sob a tirania de Kin Jong Un, filho do terrível Kim Jong Il e neto do maior ditador: Kin Il Sung – figura que foi transformada pelo governo ditatorial em pai da nação. Esse regime promove a fome de seu país, promove o atraso mental e tecnológico de sua população e usa táticas para aterrorizar, até mesmo, a vizinha Coréia do
Sul, apontando mísseis nucleares para a capital Seul. Um estudo atual mostra que os norte-coreanos que conseguem escapar das garras dos “Kin” sofrem no seu país irmão, pois a diferença tecnológica é tão absurda que os refugiados não sabem o que é uma escada rolante. A alucinação chega a tal ponto que o recente líder declarou que na Coreia do Norte existem unicórnios – sim, o animal mitológico. Tudo isso para alienar mais ainda uma população que já sofre desde 1945. O comunismo leva ao país atraso, pobreza, tirania e morte. Desse modo fica claro que excessos foram cometidos e mortes, como a de Herzog, poderiam ser evitadas e foram condenadas por militares do alto escalão que não havia emitido nenhuma ordem para a execução dele. Mas não há como um general ter controle sobre toda a sua tropa, assim como um presidente não tem controle total sobre todas as pessoas de seu país. ¶
Vladimir Herzog (dudelamonica.blogspot.com.br201101grandes-escandalos-da-historia-morte-de.html)
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A Opção
João Pedro Barbieri
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ntigamente, os governos brasileiros buscavam desenvolver uma infraestrutura social, política e econômica, mesmo que de forma diferente. Isso é possível perceber desde a década 30 com Getulio Vargas e sua teoria desenvolvimentista e Juscelino Kubitschek com o Plano de Metas “50 anos em 5”. Vargas era protecionista e acreditava que empresas estrangeiras sugariam o capital nacional, enquanto JK abria portas às multinacionais e buscava, no capital estrangeiro, reerguer a indústria brasileira. Ação que gerou déficit na balança comercial brasileira devido aos sucessivos em-
(www.scielo.br/img/revistas/qn/v20nspe/4976g1.gif)
préstimos realizados e a dívida externa chegou dobrar. Para mim, fica claro que o Brasil seguia, no governo de Vargas, o caminho certo ao tentar desenvolver uma indústria nacional. Entretanto, quando JK subiu ao poder e trouxe as multinacionais, a base que Getulio havia construído não importava mais, já que agora as principais indústrias em solo brasileiro eram estrangeiras. Nos anos seguintes, o país passou por uma forte crise econômica e política. O sucessor de Juscelino, Jânio Quadros, renunciou em 1961. Logo em seguida, veio João Goulart cujo governo, assim como o de JK, foi caracterizado pela entrada massiva de multinacionais. Em 1964, a desconfiança e clima de tensão no Brasil atingiram o ápice e isso possibilitou aos militares a tomada do poder, depondo Goulart e, posteriormente, colocando Marechal Castello Branco no posto de Presidente do Brasil. Diante da crise e da alta taxa de desemprego, os militares não enxergavam outra opção a não ser injetar capital, no caso estrangeiro. Isso fica claro com o desenvolvimento do Programa
de Ação Econômica do Governo (PAEG). Essa medida visava não só combater a inflação, mas também realizar reformas estruturais e, com isso, gerar estabilidade econômica e empregos. Desse momento em diante, o governo militar, rapidamente, trouxe de volta a estabilidade ao Brasil, e, juntamente com ela, vieram os investimentos estrangeiros. E isso solucionava o problema na época. A quantidade de capital estrangeiro era tão alta que a economia conseguiu se estabilizar. Em 1967, passou-se a investir em indústrias estatais, o que gerou muito emprego, e consequentemente, lucro. A industrialização do país ganhou força e, em 1969, quando Médici assumiu o poder, o milagre econômico já estava acontecendo a todo vapor. Para a população era ótimo, já que havia energia elétrica no interior, pavimentação, empréstimos a taxas mínimas de juros e valorização da colheita nos campos. Não é a toa que essa época ficou conhecida como Milagre Econômico. O único problema foi não ter desenvolvido uma política que fosse capaz de frear a dívida externa, pois ela gerou inflação que, inclusive nos dias atuais, assombra nosso país. ¶
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O único problema foi não ter desenvolvido uma política que fosse capaz de frear a dívida externa
Foto: http://paposchatos.blogspot.com.br/2008_09_01_archive.html
O Ã I N OPI Monica Souza
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oje muito se fala sobre a ditadura militar e suas consequências catastróficas como as torturas, a repressão contra a liberdade de expressão e a censura dos meios de comunicação. Não podemos negar e nem virar as costas para o que aconteceu, porém todos têm direito de resposta e de mostrar o outro lado da história. O regime civil-militar começou com um golpe em 1964 e isso aconteceu, pois, segundo os militares, as atitudes de Jango eram suspeitas, ou seja, eram atitudes a favor do socialismo, como, por exemplo, a criação das reformas de base, típicas ações socialistas. Por isso, havia medo de que o socialismo fosse instalado no Brasil, assim como disse o ex-ministro Jarbas Passarinho: “as atuais autoridades militares preferem manter o passado em silêncio, como se dele fossem réus e não patriotas forçados a cumprir com o risco da própria vida o juramento de defender as instituições, contra a expansão do marxismo-leninismo’’. Com a fala do ex-ministro, podemos entender melhor o porquê dos militares terem tomado o poder. Eles só queriam o bem do país e julgavam que o socialismo seria prejudicial ao Brasil. Além disso, obtiveram o apoio da população. Um exemplo disso foi a marcha da Família Com Deus Pela Liberdade. Em parte, tinham razão, pois nenhum país está preparado para viver um comunismo segundo Marx, que é a passagem de vários estágios, desde a tomada do poder pelo proletariado até a passagem para a mão do estado e, enfim, a não intervenção deste. Por outro lado, nós não fomos construídos para dividir o que é nosso com alguém que não se esforce para merecer, temos um censo de justiça empreguinado em nosso ser que nos faz lutar
pelo justo e não conseguimos trabalhar de forma igualitária, pois somos diferentes. Além disso, os militares tinham consciência do fracasso de Lênin, um seguidor de Max, que tentou implantar o modelo do mestre na Rússia. Segundo eles, repressão e falta de liberdade eram medidas necessárias para nós, pois quem era contra a ditadura era contra o Brasil. Mas não podemos generalizar sobre a questão da tortura, porque nem todos os militares eram a favor dela. Marco Pollo Giordani era um exemplo disso. Ele possuía vários anos de DOI-CODI e se dizia “radicalmente contra torturas”.
(the-rioblog.blogspot.com.br/2012/03/historia-da-transamazonica-o-sonho.html)
Os militares, apesar de possuírem ideais nacionalistas que enalteceram o país, tentaram sair da alta inflação com empréstimos dos Estados Unidos, com aumento dos impostos e com arrocho salarial. Tiveram sucesso contra a inflação, porém a dívida externa aumentou. Outra fase relevante foi o milagre econômico, em que o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu. Houve investimentos em infraestrutura, o surgimento de novas empresas estatais, como a hidrelétrica de Itaipu, e o início da construção da Transamazônica, que tinha como objetivo interligar a região Norte ao restante do país. Vale
ressaltar que, atualmente, ela ainda não está terminada devido à falta de investimento dos governantes pós- ditadura militar. Não defendo, aqui, as mortes e torturas provocadas pelo Regime Militar. Porém não podemos negar os seus pontos positivos, porque, se não houvesse ocorrido o golpe, seríamos um país socialista como Cuba em que as pessoas vivem em uma sociedade pobre e retrógrada. Os militares estavam enfrentando uma “GUERRA REVOLUCIONÁRIA’’ e, assim, salvaram-nos de enfrentar um regime que traria menos investimentos para o país e um padrão de vida menor. ¶
Copa do Mundo de 1970 Pelé levanta a Taça Jules Rimet conquistada no México, ao lado do presidente Médici. (educacao.uol.com.bralbumditadura-45-anos_album.htm#f)
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Tempos
D O U R A D O S Fernando Padovez
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o Brasil, em 1964, começava o período no qual o país conseguiu se estabilizar em meio a uma turbulenta crise vermelha que ameaçava quase todo o mundo, principalmente, a América Latina. Esse período ficou conhecido como a Ditadura Militar. Esse tipo de governo foi decretado com a ajuda de nossos amigos americanos, pois, caso não o fizessem, os camaradas de esquerda dominariam nosso país e o transformariam em um grande polo da União Soviética. Algo que não seria muito bom para nós, muito menos para os americanos. Em 1969, com o AI-5 decretado, as mudanças da maneira de governar foram imensas, visto que esse decreto colocou todo o poder na mão dos militares e isso fez a repressão contra o povo aumentar muito, o que causou vários tumultos, como, por exemplo, as manifestações e, posteriormente, a criação de guerrilhas que objetivavam derrubar os generais e instalar o modo Stalinista de governar. Porém, os governantes do país, para se protegerem, usaram todas suas forças com o intuito de cessar estes guerrilheiros esquerdistas. Isto incluía pena de morte e tortura aos traidores da pátria.Tais medidas ainda causam discussões até hoje, pois as táticas usadas por ambos os lados ferem totalmente os direitos humanos, mas ninguém cita no que o Brasil poderia ter se transformado nas mãos de Stalinistas e adoradores de Mao. Além disso, a ditadura ajudou o cidadão de bem, porque conseguiu realizar um dos maiores planos para a população, prin-
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cipalmente agricultores, por oferecerem subsídios ao trabalhador rural com pequenos juros. Estereótipos sobre o governo militar vêm sendo empregados até hoje, mas seria totalmente verdade o que falam sobre a falta de liberdade das pessoas? Acredito que não. Essa falta de liberdade citada acontecia apenas com os radicais contrários ao governo. Já quem vivia sua vida sem se opor radicalmente, não era caçado, censurado e, muito menos, torturado. Acredito que a Ditadura veio como meio natural para conter o avanço comunista em nossa terra, e que os governantes agiram corretamente contra os filhos deserdados da pátria, além de haver um grande crescimento social e econômico na época, que impulsionou e possibilitou a chegada do Brasil em sua gigantesca esfera de influência atual. ¶
A Ditadura veio como meio natural para conter o avanço comunista
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O País do FUTURO
O Jéssica Sversut
Brasil já foi considerado o ”país do futuro” para alguns economistas. Desde 1930, o Brasil começou a avançar economicamente com a política desenvolvimentista de Getúlio Vargas graças ao investimento maciço em infraestrutura, frisado pelo crescimento das indústrias de base. Já nos anos que sucederam à Ditadura Militar, houve uma grande estabilização na economia brasileira, fruto de novas medidas governamentais adotadas para conter a forte inflação, fato que levou a desvalorização da moeda nacional mensalmente. Em 1971, o governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974) anunciou o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), cuja função era promover o desenvolvimento econômico do país. Um exemplo de realização de seu objetivo foi a construção de grandes obras, como a Usina Hidrelétrica de Itaipu, a Transamazônica e a inauguração da Ponte Rio - Niterói. É preciso ressaltar que o Brasil contou com o apoio financeiro estrangeiro, principalmente dos Estados Unidos. Esse crescimento foi alavancado pelo PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo) implantado em 1964, durante o governo de Castelo Branco, que atribuía a inflação as seguintes causas: déficit do setor público, excesso de crédito para o setor privado e excessivos aumentos salariais desnecessários. Como resultado, nos anos seguintes, a classe média teve aumentos consideráveis em sua renda, enquanto aumentava o abismo social no país, que segregava ainda mais a população. Esse período foi marcado por muita euforia
nacional, mas, ao mesmo tempo, mostrou o maior índice de torturas, execuções em prisões e violação dos direitos humanos e políticos. O Brasil, nos anos de 1950, foi apoiado pela expansão econômica internacional quando Europa e Estados Unidos se recuperavam dos danos da Segunda Guerra Mundial, o que gerou o aumento das taxas de crescimento industrial, principalmente, no setor automobilístico e no consumo de petróleo, os quais permitiram uma maior ascensão econômica. O crescimento econômico brasileiro começou a diminuir a partir de 1974 com uma crise mundial provocada pelo “choque do petróleo”. O aumento do petróleo no mercado mundial afetou diretamente a economia brasileira. Os combustíveis derivados do petróleo se elevaram muito, subindo ainda mais a inflação. Fato que contribuiu para um alto déficit na balança comercial financeira devido à importação de petróleo a preços exorbitantes. Uma outra questão relevante diz respeito aos determinantes da desaceleração do crescimento econômico no Brasil entre 1964-1973 e 19741983. O modelo de regressões de crescimento com dados de painel de dez anos explica, em grande medida, a desaceleração de crescimento verificada entre esses dois períodos. A renda inicial, as variáveis de política econômica e o ambiente externo contribuíram, cada um, com cerca de 25% para a redução da taxa de crescimento em 1974-1983. Finalmente, os choques externos também tiveram uma contribuição importante para a queda na taxa de crescimento.¶
A ditadura Imp
Beatriz Dombrovski e Sérgio Maschio
Jornais começam a se posicionar contra o Regime
Um clima de tensão cerceava o Brasil já no inicio de 1964, devido as Reformas de Base propostas por Jango
pressa
Como resposta à Passeata dos 100 mil, às greves e às manifestações artísticas, os militares decretam o AI-5.
Surgem as Guerrilhas Implantação da Lei da Anistia
Eleições Diretas
Tancredo Neves é eleito o primeiro Presidente Civil da República Os Militares chegam ao poder 65 Cosmopolita 10 de Dezembro de 2013
Ponto Final C O D N E D APREN
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ebater os fatos ocorridos durante o “longo” período em que o Brasil foi governado pelos militares desperta as mais ardentes paixões. De um lado, estão os que apoiam o Golpe de 1964, argumentando que tal medida evitou a implantação de uma ditadura socialista, nos moldes cubano ou soviético. Do outro, estão os que condenam o governo militar, ponderando que, além do brutal desrespeito aos mais elementares dos direitos humanos, os militares provocaram retrocesso econômico, político e social sem precedentes na história brasileira. Do ponto de vista histórico, tem-se uma certeza: feliz do povo que aprende com os erros do passado. É nesse sentido que devemos refletir sobre os chamados “anos de chumbo”. O sistema ético Aristotélico, desenvolvido por Aristóteles quase um milênio antes de Cristo, ensina-nos que a virtude se encontra no equilíbrio, no meio termo, e que os vícios são fartamente encontrados nos extremismos. Parece-nos que tal sistema se encaixa como uma luva ao analisarmos o que aconteceu com o Brasil durante os vinte e um anos em que os militares estiveram no centro do poder decisório. Se a virtude está no equilíbrio e não nos extremos, concluímos que nem os militares e muito menos os chamados guerrilheiros tinham razão. Os primeiros por implantarem um governo que foi um fracasso em praticamente todos os sen-
tidos. Fracasso esse que levará anos para que o Brasil se recupere. Os segundos, por mais bem intencionados que estivessem, por defenderem a implantação de outra ditadura, a socialista, após a possível deposição dos militares, o que também não nos parece o modelo mais adequado. A justificativa, usada pelos membros das Forças Armadas para o golpe de 1964, seria que essa era a única e necessária forma de combater a “ameaça comunista”. Não nos parece plausível tal tese, pois, apesar dos inegáveis equívocos do Presidente João Goulart, o próprio sistema democrático, através da legitimidade das eleições, encarregar-se-ia de devolver o Poder Executivo a quem realmente tivesse condições de exercê-lo. É inegável que o próprio Goulart contribuiu para engendrar a justificativa para o golpe dos militares ao agir de forma contrária a que se espera de um estadista democrata, atropelando a democracia, como, por exemplo, seu inflamado discurso no Comício da Central do Brasil, quando afirmou que as suas propostas de mudanças, denominadas de Reformas de Base, seriam realizadas por “bem ou na marra”. Posição essa que não pode ser entendida de outra forma senão uma flagrante afronta ao Poder Legislativo. Porém, fica a lição de que os meios democráticos são sempre os mais indicados para evitar e combater desmandos e autoritarismo dos governantes. Por outro lado, por mais justas que fossem as reivindicações, por mais plausíveis que fossem as intenções dos movimentos de guerrilha, é ine-
Sérgio Maschio S O R R E S O OM gável que a ação de seus membros, muitas vezes, extrapolou o que seria aceitável. Vidas de inocentes foram ceifadas simplesmente para garantir o sucesso de suas ações, além do desejo da maioria daqueles que integravam tais movimentos de substituir a ditadura militar de direita por uma ditadura de esquerda.
(ercilioandrade.blogspot.com.br)
Outro ponto que merece uma reflexão é a presença da sociedade civil na articulação, no apoio ao golpe e, até mesmo, na efetiva participação 67 Cosmopolita 10 de Dezembro de 2013
junto ao governo dos militares. Sabemos que a “mão” que deu o golpe foi os militares, porém a “cabeça” foram os empresários, os latifundiários, as multinacionais, os políticos conservadores – principalmente os da UDN e os grandes órgãos de imprensa. É bem verdade que muitos daqueles que apoiaram o golpe logo se decepcionaram com os rumos tomados pelas Forças Armadas e não foram poucas as ocasiões em que sentiram sua força opressora. É o caso dos meios de comunicação que, principalmente após a edição do AI-5, passaram a sofrer uma brutal censura e que, além de negar a verdadeira informação à sociedade brasileira, engendrou um aniquilamento da produção cultural nacional, o que sempre é prejudicial para o desenvolvimento de uma nação. Por outro lado muitos empresários se beneficiaram com as benesses dos militares. A farta entrada de capital internacional através do endividamento do país e a construção de obras faraônicas, muitas de viabilidade duvidosa, como a TRANSAMAZÔNICA, tornaram empresários parceiros do militares muito mais ricos do que já eram. A cultura da corrupção tão presente na sociedade brasileira foi extremamente dinamizada no espaço temporal em que os homens de caserna estiveram à frente do Poder Executivo Federal. A corrupção já existente se tornou muito mais latente na cultura brasileira. Quando questionamos a herança negativa imposta pelos militares ao povo brasileiro, merece destaque os malefícios causados à educação
Transamazônica (brunoeefgustavobarroso.blogspot.com.br)
sejam a nível fundamental, médio ou superior. Apesar de novas vagas serem abertas em todos os níveis, a qualidade sofreu retrocessos que nos impôs deficiências difíceis de serem superadas. Como, por exemplo a aposentadoria compulsória de professores – caso do Professor Fernando Henrique Cardoso, da USP, aposentado compulsoriamente logo após a edição do AI-5 – a transformação das disciplinas de História e Geografia em Estudos Sociais e a instituição da famigerada Educação Moral e Cívica que praticamente proibia o desenvolvimento do espírito critico dos alunos. Priorizou-se, portanto, uma escola burocrática, onde o importante passou a ser decorar aquilo que os professores diziam em detrimento do desenvolvimento da capacidade de pensar e propor solução para os problemas da nossa sociedade. Ao longo um espaço temporal considerável após o final do regime militar, algumas lições ficam claras: 1- O radicalismo e o extremismo não são e nunca foram o melhor caminho para uma nação. Encontrar um meio termo neste espectro, um ponto de equilíbrio, que conjugue e harmonize bem - a maior parte pelo menos -, de todas a tendências da sociedade ainda é o meio para garantir o desenvolvimento de um país conjugado com as garantias dos direitos fundamentais dos cidadãos; 2- Os militares não são preparados para governar. Nesse sentido, são extremamente fartos os exemplos de fracassos, sejam em qualquer tem-
po e espaço, dos mais variados governos militares; 3- A proposta dos chamados movimentos guerrilheiros também não era a melhor opção. Para chegarmos a essa conclusão, basta uma rápida observação na atual situação das nações que optaram pelo modelo socialista. Atualmente, a discussão sobre a polêmica Lei da Anistia está presente nos meios políticos e intelectuais. De um lado, estão aqueles que contestam a referida lei, argumentando que não há prescrição para os crimes de tortura praticados por agentes do Estado durante a ditadura militar. Constitucionalistas de muito prestígio, como Celso Antonio Bandeira de Mello, Fábio Konder Comparato, José Afonso da Silva e Paulo Bonavides argumentam que a tortura não é crime político e sim um dos crimes mais hediondos que fere os direitos naturais da pessoa humana, e que não há prescrição para crimes de lesa-humanidade. Além do mais, segundo eles, o que foi praticado na verdade seria uma autoanistia do poder público, que resolveu conferir a anistia aos seus próprios agentes que cometeram tais crimes, ou seja, os próprios agentes do Estado se autoperdoaram, o que seria inconcebível. Para esses juristas, é necessário responsabilizar duramente as pessoas que torturaram e mataram, porque só assim a sociedade brasileira vai se convencer de que atos dessa indignidade não podem ser reproduzidos nunca mais. Para os contrários à revisão da Lei da Anistia, a mesma teve o propósito da pacificação social, da segurança jurídica e da justiça e que sua revisão seria abrir uma brecha muito perigosa ao considerar que qualquer lei que descriminalize uma conduta qualquer possa ser revogada a qualquer tempo. Para o ex-procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a anistia, no Brasil, “foi resultado de um longo debate nacional, com a participação de diversos setores da sociedade civil, inclusive da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que viabilizou a transição entre o regime autoritário militar e o regime democrático atual de forma
pacífica e harmônica, evitando maiores conflitos”. Segundo o penalista Rogério Greco, ao citar Giuseppe Maggioore, a Lei da Anistia “atua como um ótimo meio de pacificação social, depois de períodos turbulentos que transtornam a vida nacional e são ocasião inevitável de delitos”. Diante da polêmica, talvez o melhor caminho a seguir fosse o do respeito ao que foi definido pela Lei da Anistia, reconhecendo, porém, o direito à verdade exigida pelas vitimas e seus familiares, pois, ao buscar uma punição aos agentes - que em nome do Estado cometeram os inaceitáveis crimes de tortura - pode-se despertar o revanchismo, o que não colaboraria para a construção do processo democrático brasileiro. Sobre a necessária reflexão sobre o regime militar, continua verdadeiro o pensamento do filósofo George Santayana ao afirmar, que “quem não aprende com os erros do passado, está condenado a repeti-los”. Portanto, fica a lição para a sociedade civil, para as Forças Armadas e para os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de que o radicalismo deve ser evitado e que a democracia, com todos seu possíveis vícios, ainda é o melhor modelo político e todos devem buscar sua consolidação. ¶ Campanha pela Anistia (http://ccccquatro.blogspot.com.br/2010/05/adpf-da-lei-de-anistia.html)
A democracia, com todos seu possíveis vícios, ainda é o melhor modelo político
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LMANAQUE
COSMOPOLIT
A
MATÉRIA EXTRA
a t s i v e r t
M Á RCIO A RC A S
En “O fim da Ditadura foi a economia”
Monica Souza e Milena Montoro
O Professor de História e Chefe da Damásio de Jesus em Santa Fé do Sul, São Paulo, acredita que o Regime Militar no Brasil foi um movimento cultural e ideológico causado por motivos econômicos.
M
árcio Arcas, 29, faz uma análise profunda dos fatos ocorridos durante o período ditatorial brasileiro e comenta sobre sua relação com o avô que foi Militar e atuou durante o Regime. Segundo Márcio, a Ditadura no Brasil teve seu ápice e sua queda causados pela mesma razão: a economia. Ocasionando, dessa forma, um impacto enorme sobre todos os outros aspectos da vida dos brasileiros. Gostaria de saber qual sua opinião em relação à Ditadura Militar. A Ditadura Militar, assim como qualquer forma de repressão, é um modelo que nós devemos ficar cada vez mais distantes. Eu não vou fazer uma apologia cega à democracia, mas acredito que o Brasil, hoje, tem muito mais liberdade que no período da Ditadura, já que, atualmente, vivemos num modelo de livre acesso ao conhecimento, de liberdade de expressão e de respeito ao próximo. Coisas que não existiam naquela época. A Ditadura foi implantada pelo medo do comunismo se instalar no país, desencadeada, principalmente, por políticos de São Paulo e do Rio de Janeiro. Para entender a ditadura, é importante entender um pouco da história dos Militares no Brasil. Os Militares começaram a se fortalecer com a Guerra do Paraguai, a República foi um Golpe Militar e os primeiros presidentes do Brasil foram marechais. Na República Velha, tínhamos os militares sempre presentes atuando na política e nas decisões e o Coronelismo estava em todo território nacional, o que de certa forma já condicionava as pessoas a viverem em um regime fechado. Alguns presidentes realizaram uma abertura ao comunismo como, por exemplo, J.K e Jango (que teve relações mais
Márcio Arcas em sua sala de aula onde nos recebeu..
intensas com URSS e Cuba). Por isso, foram tomadas medidas para que Jango não governasse e, pelo mesmo motivo, os Militares não viram a Ditadura Militar como um golpe, mas sim como um movimento democrático. Como sentiam o “perigo do comunismo” no Brasil, atuaram para amenizar essa ameaça. Estávamos no período da Guerra Fria e tinha toda uma ‘neura’ do capitalismo contra o socialismo. No Brasil, o socialismo era muito camuflado, não havia uma definição correta do que era o comunismo. A política adotada pelo Regime Militar iria contribuir para a economia e, na década de 70, teve o Milagre Econômico, que foi o auge da Ditadura. As pessoas não viam o plano de fundo do desenvolvimento econômico que estava ocorrendo. Nessa época, a repressão também ficava cada vez mais forte. Leis foram usadas para dar legitimidade a essas ações. O Exército e a Polícia Militar ganharam direitos que, até então, não tinham e as pessoas consideradas comunistas não tinham direito a julgamento. Tudo partia da própria Polícia, que investigava, julgava e condenava. A violência aumentou tanto contra quem era contrário como contra quem era a favor. Movimentos de guerrilha tiveram um respaldo em ataques terroristas e assaltos a banco. Ações que, no período, ajudaram a denegrir ainda mais a imagem dos que eram contrários a Ditadura. A mídia mostrou-os como se fossem atos de puro vandalismo. Qual era a visão dos Militares em relação à Ditadura? Não podemos generalizar. Temos como um exemplo o Lamarca. A Ditadura era uma alienação. Existiam dois grupos entre os envolvidos: os formadores de opinião - que eram os comandantes e tudo mais - e havia os soldados de chumbo - que enxergavam o que estava acontecendo e se posicionavam de forma contrária. Dentre os policiais, havia aqueles que, de um lado, diziam que a época da Ditadura foi boa porque a economia cresceu e não havia tanta violência e, do outro, os que dizem que, hoje, é muito melhor em relação à liberdade. Como Lamarca aparece nesse contexto? Ele estava em uma situação cômoda, tinha um cargo alto para a sociedade da época e poderia muito bem ter se acomodado com essa situação. Ele não era um soldado de chumbo, era inteli-
gente e conseguiu ter uma leitura que os Militares da época não tiveram. Recebeu condecorações como militar, era um excelente atirador, passou por treinamentos de massa e era extremamente bem treinado para ficar ao lado dos Militares. Porém mudou de lado. Não adiantaria propor diálogo ou uma abertura democrática, pois iria sofrer retaliação. Ele era extremamente educado, tratava os subordinados da guerrilha muito bem. Comparando Lamarca com os presidentes da época, se ele tivesse sido presidente, seria um governo melhor pelas características que ele tinha. Guerrilheiros que estão na política atualmente. Os bons guerrilheiros morreram. O Mercadante, assim como alguns professores que lutaram contra a Ditadura, e por serem pessoas tão engajadas com o movimento político, passaram por torturas. No fim do Regime, acabaram, também, ingressando na política. Temos uma herança trágica das Guerrilhas na Ditadura que é o narcotráfico de hoje, pois os guerrilheiros eram colocados com presos comuns e ensinavam táticas de guerra, então, muito do que se tem hoje no crime organizado do Brasil, deve-se a esse contato que os guerrilheiros tiveram com os bandidos comuns da época. Religiões e o caso Herzog A Ditadura Militar foi um movimento cultural e ideológico. A Igreja Católica apoiava o Golpe e, após um pequeno período de tempo, alguns católicos tornaram-se contrários ao Regime. O movimento Espírita tinha alguns adeptos que eram líderes da Ditadura e outros eram contrários. Nos modelos em que o socialismo foi implantado, a religião é posta de lado. Por exemplo, na Rússia e em Cuba os protestantes sofreram perseguição. Tirando o catolicismo nenhuma outra religião apoiou ideologicamente o regime militar. No principio católico, a família não é só os membros, para eles aquilo que pertence à família também faz parte dela. Família sou eu, minha esposa, minha casa, meu carro, por exemplo. O socialismo não parte de Deus, porque você está tirando a família da pessoa. Herzog, assim como Lamarca, também era uma pessoa que tinha tudo para ficar acomodado com a situação. Era um dos diretores da TV Cultura. Ele foi preso, torturado e assassinado. Fizeram
um teatro para acreditarem que ele se suicidou. No judaísmo, o suicida não é enterrado no mesmo local que outros mortos, mas Herzog foi enterrado junto com os outros. Isso aconteceu porque a comunidade judaica não acreditou que ele tivesse se suicidado. A Igreja Católica concordou com a opinião da comunidade judaica. Foi realizado, então, um culto ecumênico na Igreja da Sé em São Paulo, que reuniu milhares pessoas de todos os credos para homenagear Vladmir Herzog e protestar contra os Militares. Esse culto se tornou um dos marcos contra o Regime.
acontecia, os operários não estavam atentos ao que estava acontecendo no âmbito político. A sociedade voltou-se para o plano político devido a uma insatisfação com o fim da estabilidade econômica. Nesse momento, Lula consegue criar um movimento sindical. Desse movimento, várias manifestações aconteceram e com o pluripartidarismo surgiu o PT. O desejo econômico foi o motivador do Golpe e foi o que acabou colocando um fim nele. Se a economia no Brasil continuasse crescendo, dificilmente, o Regime teria acabado. Mas, para mim, o fim da Ditadura aconteceu mesmo com o impeachment do Collor, pois, na Ditadura, a população não tinha direito de escolher e, com esse acontecimento, nós vimos a população tirando um presidente do poder. Em um momento, a população não tinha voz ativa e, em outro, colocou um político para baixo.
O seu avô era um militar nessa época. Culto Ecumênico em homenagem a Herzog (dudelamonica.blogspot.com.br) Você poderia dizer quais eram as características dele? Economia e fim do período ditatorial O meu avô chamava-se Antônio Arcas e comeO enfraquecimento da Ditadura Militar veio çou servir a PM na década de 50. Ele participou em decorrência da Lei da Anistia, que dizia que do Golpe, passou por vários setores da PM. Chedentro de determinado período todos os crimes gou a atuar como cabo em São Paulo e por dois tidos como políticos deveriam ser perdoados. anos no DoiCodi. Passou por uma transferência Para mim, isso é um fenômeno complicado, pois para o interior do estado na década de 70 e veio o Lamarca matou muitos pais de família. Alguns para a cidade de Urânia, onde também serviu diziam que, como a Lei da Anistia veio antes da como cabo. Depois atuou em Santa Fé do Sul. Constituição de 1988, não tinha como ela ser julMeu avô não comentava muito sobre a Ditadura gada; e outros diziam que tinha que ser revista, ou sobre o que presenciou, mas o que os meus porque os crimes foram contra os Direitos Hutios e meu pai falam sobre ele é que era tratamanos. Mas o motivo do fim da Ditadura foi a do como um policial diferenciado. Tanto é que, economia. Ela [a Ditadura] começou pelo moviquando foi para Urânia e Santa Fé do Sul, essas mento econômico, que era o burguês amedroncomunidades estavam passando por movimentado com a Reforma Agrária, e foi colocada em tos socialistas. Em Santa Fé, estava acontecendo cheque pelo fim do Milagre Econômico. o chamado retorno do movimento Arranca CaO lulismo foi outro marco que surgiu com o pim. Ele chegou a ser Sargento e faleceu como fim do Milagre Econômico. Enquanto o Milagre Segundo Tenente em 1996.
Como foi a ditadura na nossa região? Houve casos de perseguição na nossa região. Meu próprio avô tinha três homicídios, um deles em Urânia contra um rapaz hippie. Como era um processo de alienação, a população não tinha aula de História, Geografia, Sociologia e Filosofia, logo não tinha uma visão crítica da sociedade em que vivia. Antonio Regini é um outro exemplo. Ele foi um professor da cidade de Fernandópolis que não era militante de esquerda, mas, pelo fato de ter lido o “Manifesto Comunista” do Marx durante a faculdade, foi perseguido na cidade. Qual foi contexto dessas mortes? Um caso foi em um tiroteio de assaltantes de banco em São Paulo, outro em Araraquara. Meu avô falava que não conseguiu uma posição melhor na polícia por conta desse caso. Acontece que os policiais estavam brincando de tiro ao alvo e mataram um menino na rua de atrás e meu avô assumiu a morte desse menino, sujando seu histórico. O último caso foi o de Urânia. Uns dizem que meu avô arrastou a pessoa na rua e a matou e outros dizem que ele entrou com a pessoa no trem e, no meio do caminho, deu um tiro nela e a jogou para fora do vagão, mas não tem como saber ao certo o que aconteceu. Minha avó queimou os documentos que ele tinha e entregou as armas para a PM.
Qual era o sentimento do seu avô ao contribuir com a tortura e morte? Houve arrependimento? E qual é a visão da família sobre a atuação dele no Regime Militar? Nunca o vi com arrependimentos claros. Hoje, lembrando alguns fatos, percebo que ele tinha uma certa perturbação. Meu avô era espiritualista e sempre ia ao cemitério queimar alguma vela como algum tipo de oferenda, algo o incomodava. Quando morria algum policial da época dele, eu percebia que ficava agitado. Comigo ele nunca se abriu, porque eu era pequeno na época e ele teve três filhos e nenhum deles teve estudo. Dos netos dele tem um que é formado como Engenheiro Agrônomo, mas não atua, e tem outro que é formado em História. Minha família ainda o vê como o herói da família. Em Santa Fé do Sul, todos me conhecem por ser neto dele. A única pessoa que tinha mais notícias dele era minha avó que sofreu muito durante o casamento, porque meu avô era muito preconceituoso com ela e isso foi repassado para a filha, com quem não se relacionava. Ele teve três netas dela, mas não as aceitou como tais, diferente dos netos. Com 10 anos, ele me deu um revólver calibre 38 de presente. Já o meu primo, com 15 anos, ganhou uma moto dele. Todos os netos dele ganharam armas com exceção do meu irmão. Hoje, dois sobrinhos dele são PMs, mas com uma visão totalmente diferente da que ele tinha.
A Ditadura Militar foi um movimento cultural e ideológico