CRÔNICA POR ROGÉRIO NEWTON
Está esperando alguém que lhe prometeu serviço. É serralheiro. Chegou na cidade em 1967, ILUSTRAÇÕES SÓTER CARREIRO procedente de Sapé. Não tem futuro trabalhar para os outros, diz. Vem um homem pela calçada caminhando com dificuldade, apoiando-se no bastão. Uma mãe jovem passa logo depois com uma criança negra nos braços, o semblante carregado. Logo a seguir, um bordel e um depósito de produtos de limpeza, de onde exala um cheiro que, bem ou mal, renova a rua. Aí é preciso parar porque estamos diante do Beco dos Milagres. Na esquina, o pé de urucu, carreque tem essa rua para me atrair tanto? gado de frutos e flores, convida o olhar para se Enigmas e sordidez sob os escom- demorar no enigma ou na ironia daquele nome bros? Ou nada disso, apenas a busca e nas casas pobres encostadas umas às outras, por algum alento, quem sabe o desconhecido enquanto o vento rasteiro levanta pequena oculto nos casarões arruinados? nuvem de pó sob o sol ardente. De costas para o prédio amarelo da AssoNa rua deserta, um casal de pombos prociação Comercial, piso o calçamento de pedra cura o que comer. Numa casa decadente, entre onde responde minhas perguntas um flaneli- tantas que há ali, o aviso desbotado: proibida nha, com mais idade e gentileza que os que entrada de menores de 18 anos. E na placa habitualmente exercem essa profissão. Da tosca, no que outrora fora a porta de entrada frente de um sobrado corroído, no começo do casarão arruinado, Amor Ti Amo. Na da rua, vê-se a torre de São Bento acima dos Ladeira da Borborema, veem-se as torres da telhados. Há casas fechadas, lixo na calçada catedral, que assomam dos telhados e das árvoe matinho verde entre as rachaduras. A rua res, e, no sentido oposto, a da Igreja São Frei arranca sustos da alma. Depois da Boate Skala, a sombra da amendoeira convida para descansar um pouco e apreciar o cruzamento com a Rua Henrique Siqueira, o sobrado pintado de verde claro e branco e a oficina de estofados. Os carros passam apressados, deixando a mim e a rua entregues ao destino da tarde que mal se iniciara. Parece que estamos numa rua e numa cidade perdidas. De novo, só uns poucos casarões pintados e o uniforme da oficial da polícia, que cruza o estacionamento com o cabelo molhado. Sentado em frente a uma loja de material elétrico, única edificação não mergulhada em sombras naquele pedaço de via, um homem negro, pobremente vestido, espera. Os chinelos de borracha são gastos, as unhas sujas por cortar, e ele carrega no bolso da camisa pedaços de papéis, uma cadernetinha e uma caneta. Tão cheio está o bolso que parece um peso excessivo. Cabelos brancos vazam do boné.
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