Revista FIPECAFI 4a. Edição

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4a Edição SETEMBRO/2015 revista.fipecafi.org

Prof. Sérgio de Iudícibus Entrevista

O Avesso do Valor Presente Parte 2

Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos Aspectos Societários e Tributários

Características da Aplicação Prática de True and Fair Override


Conselho Supervisor

Alexsandro Broedel Lopes Ariovaldo dos Santos Edilson Paulo Ernesto Rubens Gelbcke Gerlando A. F. S. de Lima Iran Siqueira Lima Luiz Nelson de Carvalho Natan Szuster Roberto Quiroga Mosquera Sergio de Iudícibus Tadeu Cendon Welington Rocha

Editor Chefe

Eliseu Martins

Editor Executivo

Eric Aversari Martins

Revisão Gramatical

Fabíola D’Agostini Peleias

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4a Edição - Ano 2 - Setembro/2015 A Revista FIPECAFI é uma publicação trimestral, exclusivamente digital, da FIPECAFI | Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras Rua Maestro Cardim, 1170 - Bela Vista - São Paulo/SP (55) 11 2184-2000 revista@fipecafi.org


Conteúdo

Editorial

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Entrevista com Prof. Sérgio de Iudícibus

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O Avesso do Valor Presente Parte 2

Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos Aspectos Societários e Tributários

Características da Aplicação Prática de True and Fair Override

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Editorial

Nesta quarta edição apresentamos entrevista com o Professor Sérgio de Iudícibus. Um dos maiores professores de Contabilidade no Brasil, grande estudioso de

Teoria da Contabilidade e autor de inúmeros livros e artigos, nos brinda com um pouco de sua história e opiniões.

O Professor Jorge Vieira da Costa Júnior traz um artigo discutindo diversos aspectos societários e tributários envolvidos no tratamento dos instrumentos fincanceiros

híbridos e compostos. O autor aponta a adequada mensuração, registro contábil,

apuração de resultados e tributação desses complexos instrumentos financeiros. Ainda, traz fluxogramas para a adequada classificação contábil, bem como um glossário para facilitar o entendimento dos conceitos discutidos.

Os Professores Samantha V. Telles, Eduardo Flores, Bruno M. Salotti e L. Nelson Carvalho analisam quatro estudos de caso reais sobre a aplicação do conceito de True and Fair Override. Tal mecanismo permite que os elaboradores de demonstrações contábeis deixem de adotar alguma norma do IFRS por entenderem que esta irá distorcer a realidade econômica apresentada, permitindo a utilização de política contábil alternativa.

Apresentamos, também, a segunda e última parte de um artigo discutindo o conceito de Valor Presente aplicado a diversas situações. Nessa parte são discutidos diversos aspectos conceituais e normativos referentes à técnica em questão, tais como financiamento de estoques por fornecedores e por terceiros, entre outros.

Desejamos a todos uma ótima leitura. E pedimos comentários e sugestões de todos para o aperfeiçoamento da Revista.

Eliseu Martins Editor-Chefe

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Entrevista

Sérgio de Iudícibus

Prof. Sérgio de Iudícibus O Prof. Sérgio de Iudícibus, na década de 60, pegou a bandeira recém iniciada da conversão da contabilidade brasileira ao seus usuário (interno - o gestor, e externos - os demais) e transformou-se no grande líder desse movimento. Retirou a contabilidade, pelo menos no mundo acadêmico, da categoria de braço fiscal pago pelo empresário a serviço do governo arrecadador e deu-lhe outro status: a de instrumento de gestão e de prestação de contas a proprietários, credores, empregados etc. (incluindo o próprio governo, é lógico). Formou toda uma geração de profissionais e professores com essa filosofia que não era comum entre nós. Assim, com a chegada da Lei das S/A em 1976, tinha ele já preparado um campo fértil para a implementação dessa que foi a primeira grande revolução contábil no Brasil, e não foi por acaso que a recém criada CVM contratou a Fipecafi para, sob sua liderança, escrever o Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações. E sem essa Lei, que nos nivelou ao que havia de melhor no mundo, não teríamos tido a facilidade que tivemos para a implantação da segunda revolução, mais recente, a das normas internacionais de contabilidade. (Facilidade quando comparamos com tantos outros países, inclusive os desenvolvidos como Alemanha, França, Itália, Espanha etc.) O Prof. Sérgio foi o grande consolidador do Mestrado da FEA/USP, o mentor da criação do seu Doutorado, por tantos e tantos anos os únicos cursos nesse nível no nosso país. E continua ativo, ativíssimo, estudando, pesquisando, lecionando, orientando. Guru de tantos e tantos de nós, continua nossa fonte de inspiração

O Sr. fez parte da implantação da Lei 6.404 no ano de 1976, tanto que foi procurado pela CVM para elaborar o Manual de Contabilidade das Sociedades por Ações. Como o Sr. compara a implantação da Lei das S/A em 1976 com o processo de harmonização das normas contábeis brasileiras com as do IASB, iniciado em 2008? Não fui tão importante no processo todo a ponto de ter sido convidado diretamente para escrever o Manual das Sociedades Por Ações. Mas, é claro que tive participação nas discussões e em toda a evolução posterior. Foi um trabalho de grande intensidade e dificuldade. Entretanto, acho que a dificuldade da implantação das normas do IASB no Brasil tem sido de uma dimensão REVISTA

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Entrevista bem maior, pois nós contadores (a não ser os pioneiros da internacionalização) estávamos mais preparados para a primeira grande batalha do que para a segunda. Essa última tem sido mais complexa pois significou mudança total de mentalidade e hábitos não apenas dos contadores, mas de todos os segmentos das empresas. Felizmente, como fomos melhorando e nos afinando cada vez mais, com as sucessivas lides, o Brasil tem sido pioneiro entre vários países e hoje o processo de harmonização das normas brasileiras com as do IASB tem sido um retumbante sucesso. O Sr. participou da abertura do primeiro mestrado em Contabilidade no Brasil, em 1970 e da abertura do primeiro doutorado em 1978. Até o ano de 1998 somente esses e os mestrados da PUC/SP e UFRJ foram os únicos cursos de pós-graduação no Brasil. A virada do século XX observou um crescimento enorme dos cursos de pós-graduação no Brasil, sendo, atualmente, por volta de 25 mestrados e 6 doutorados. Como o Sr. vê esse aumento ocorrido nos últimos 15 anos? Mais quantidade tem sido sinônimo de maior qualidade? Não necessariamente, se analisarmos os cursos individualmente e os compararmos, em qualidade, a alguns mais antigos, que servem de referência. De fato, os conceitos atribuídos pela CAPES variam bastante e, também, a meu ver, não indicam, sempre, os melhores. Mas, na atualidade, “rankings”, embora discutíveis as vezes, estão consolidados no mercado. Creio que a abertura de mestrados e doutorados em estados

Sérgio de Iudícibus considerados carentes, se não igualam totalmente em qualidade os cursos referenciais, pelo menos dão oportunidades a alunos individualmente bem dotados de cursar um mestrado ou doutorado, pois nem todos poderiam caber nos cursos absolutamente de ponta. Numa análise global, pode-se dizer que estamos indo razoavelmente bem, no que se refere à Pós Graduação em Contabilidade, no Brasil.

Temos um problema: para começar, poucos são os professores que conhecem suficientemente IFRS e que possam ensinar esse vasto assunto; depois, temos alunos totalmente despreparados, para início de conversa, no hábito de ler e de estudar. Salvo raras exceções, muitos cursos de graduação em contabilidade precisam ser totalmente reformulados. Perde-se muito tempo com matérias contábeis, ensinadas sem criatividade e que levam, quando muito, a forUm crescimento também muimar pessoas codificadas, nunca os to grande ocorreu nos cursos contadores, os novos contadores, de graduação: atualmente são capazes de utilizar o subjetivismo mais de 1.000. Na sua opinião, os “O Brasil tem sido pioneiro contadores que estão sendo forentre vários e vários mados atualmente estão preparapaíses e hoje o processo dos para a “nova” Contabilidade? de harmonização das O que é necessário para se formar normas brasileiras com contadores preparados para o novo as do IASB tem sido um pensamento contábil? Quantidade retumbante sucesso.” não significa qualidade. De longo tempo, boa parte dos cursos de responsável. Temos que melhorar, graduação em contabilidade tem demais, o ensino de graduação. tido problemas sérios de quali- Uma verdadeira “revolução” é nedade. Não apenas para formar cessária e todos os órgãos govercontadores na nova mentalidade, namentais e privados envolvidos mas muito mais do que isso, to- precisam sentar-se à mesa e moltalmente despreparados, no que dar um novo modelo. se refere aos requisitos básicos de conhecimento de disciplinas A grande maioria dos profissiode cultura geral, da área de sis- nais contábeis no Brasil são funtemas e métodos quantitativos, damentalmente voltados para para o novo cenário. É claro que a escrituração fiscal, apuração a universidade não forma o pro- de impostos e cumprimento de fissional pronto e embalado, mas burocracias. O que é necessário precisa formar o homem/mu- para que a profissão deixe de lher preparado intelectualmente. ser tão mecanicista e fiscalista e

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Entrevista

Sérgio de Iudícibus

Considerando a grande quantidade de burocracias exigidas no Brasil e a complexidade das normas tributárias, que acaba por gerar enormes equipes de contadores nas empresas (e escritórios) quase que exclusivamente a serviço das receitas federal, estaduais e municipais, é possível que, no nosso país, ocorra essa mudança de paradigma da profissão contábil de forma ampla e não somente nas grandes empresas? Como vimos na resposta anterior, principalmente nas pequenas e médias empresas, não vai ser fácil que a situação traçada mude rapidamente. Em parte, pela própria propensão dos contadores de se desincumbirem dos problemas tributários, pois a formação deles assim os direcionou, e pela relação custo/benefício, mais favorável ao contador ou contabilista. Somente a profunda alteração dos currículos de formação em ciências contábeis, já em curso, mas ainda não consolidada, é que poderá formar novas levas de contadores com atitude mais gerencial do que tributária.

sendo somente os investidores e credores. Na sua opinião, iniciativas tais como as do IIRC no sentido de criação de um relato integrado ampliariam as funções de stewardship e accountability? É possível a integração de informações financeiras feitas com base nas normas do IASB com aquelas de caráter não financeira relacionadas aos aspectos de sustentabilidade socioambiental, ou dois relatórios separados parece ser uma melhor ideia? Se se fala de Relato Integrado, em princípio, as várias partes integrantes deveriam ser interligadas, é claro, obtendo-se as informações de várias fontes. Talvez, as criadas pelo sistema e filosofia IASB não sejam suficientes para esse Relato Integrado, tendo em vista a centralização de tais normas no atendimento informativo preferencialmente dos provedores de recursos. Entretanto, acredito que a pressão da sociedade sobre as agências reguladoras terá, a médio prazo, um impacto que não poderá passar inobservado, pois sustentabilidade e todas suas facetas contábeis e outros aspectos sociais, gerenciais e ambientais, serão, cada vez mais, discutidos por grupos sociais e de pressão fazendo com que o IASB e toda sua estrutura regulatória, embora por opção filosófica tipicamente anglo-saxônica, continue a preferenciar os provedores de recursos, de forma alguma poderá deixar de atender, no aspecto informacional, aos outros stakeholders.

O Sr. escreveu um artigo publicado na Revista FIPECAFI sobre Stewardship e Accountability, criticando a definição, por parte do IASB, dos usuários como

O Sr. é reconhecido como um dos maiores pensadores de Teoria da Contabilidade no Brasil, sendo autor do mais bem sucedido livro brasileiro sobre

Somente a profunda alteração dos currículos de formação em ciências contábeis, já em curso, mas ainda não consolidada, é que poderá formar novas levas de contadores com atitude mais gerencial do que tributária. passe a ser vista como como uma provedora de informação relevante para a tomada de decisão, como parte ativa da administração das sociedades e não somente como um mal necessário, principalmente nas pequenas e médias empresas? Sem dúvida, esta ligação fiscal x contábil tem sido um problema muito sério para o desenvolvimento da contabilidade como principal apoio à gerência das empresas, principalmente de médio e pequeno porte. Em parte, é determinada por circunstâncias históricas, pois um contador para tratar de assuntos tributários é mais barato do que um advogado e, muitas vezes, o contador é mais prático e atuante. Creio que com a mais recente legislação, no que se refere às maiores empresas, contabilidade e o aspecto fiscal e tributário estarão cada vez mais inteligentemente interligados pelo próprio reconhecimento por parte do Fisco de que a origem da imposição fiscal deve se basear nos valores contábeis. Lentamente, mas seguramente, desde a Lei das S/A de 76, os contadores estão tendo mais condições de dedicarem mais tempo aos aspectos puramente inerentes da profissão contábil, incrementando, portanto, sua utilidade para as empresas. REVISTA

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Entrevista

Sérgio de Iudícibus

o tema. Recentemente, o Sr. pu- normatizadoras precisam da ins- fiquei, por assim dizer, na penumblicou o artigo “Estudando e piração e da visão arejada dos teó- bra no que se refere ao reconhePesquisando Teoria: o futuro ricos e pesquisadores. O ambiente cimento por parte da Profissão. chegou?” na Revista Universo para a colaboração nunca foi tão Repentinamente, isso tem mudanContábil (vol. 11, n. 1, 2015) no propício! do nos últimos anos e, diga-se de qual são feitas diversas passagem, não foi certacríticas ao atual estágio mente por eu ter particidas pesquisas em Teoria pado mais intensamente da Contabilidade. Na da vivência profissional, sua opinião, o que é nemas por uma reação tocessário por parte dos talmente espontânea e professores e pesquisainesperada de entidades dores para que pesquicomo Apimec, Anefac, sas e discussões teóriCRCSP, CFC e outras cas que sirvam para um que tenham notado a efetivo embasamento importância de alguda prática, raras nos ma contribuição minha dias de hoje, possam para a Contabilidade! voltar a ser realizadas Agradeço, de todo corana academia e consição!! deradas como parte da “pesquisa contábil”? O Sr. além de contador Contabilidade responé um apaixonado pela de ao desenvolvimento música e talentoso piadas instituições sociais Prof. Sergio, em frente ao seu piano de armário alemão nista. Como se dá essa e econômicas. De uns Bechstein de 1923. Em sua casa de campo, também possui sua forte relação com a quarenta anos para cá, a um 2/3 de cauda da mesma marca, fabricação 1920! música? Os estudos muglobalização e a necessidade das O Sr. é considerado um Guru sicais de alguma forma contriempresas multinacionais terem por uma grande quantidade de buem para seus estudos na área um sistema contábil harmoniza- acadêmicos no Brasil, e isso até contábil? Eu demorei um bocado do, em nível mundial, deveria ter hoje! Muitas entidades profissiopara perceber que, uma coisa é sido o principal movente para a nais o homenageiam, e também ter bom ouvido e até, quem sabe, pesquisa contábil. Muitos pesqui- até hoje! Como se sente com essa certo talento para a composição sadores e teóricos ficaram encas- admiração toda? e regência, outra é ter os requisitelados em suas torres de marfim, nas universidades, e não se deram Sempre atuei mais no ambiente tos para ser um concertista! Para conta desse fenômeno invasivo puramente acadêmico do que no isso, é necessário ter, também, os e global e continuaram, a fim de profissional. Às vezes, é menos mecanismos físicos adequados, não perderem seus empregos, es- perigoso e punitivo cometer erros como habilidade igual nas duas crevendo artigos positivistas tão na academia do que na prática. mãos etc. De qualquer forma, fiabstratos quão irrelevantes, ob- Por isso, é mais fácil, em termos quei com a música, e com a paiviamente com honrosas exceções, conceituais, desde que não se co- xão por ela! Eu acho que os estudesligando-se do mundo real. metam erros monumentais, ser dos musicais, de alguma forma, Entretanto, eles não são incapa- preditivo e liderar ideias e ten- contribuíram, sim, para meus eszes e, se há algo que mexe com os dências, no ambiente universitá- tudos na área contábil! Só não sei brios e a autoestima de pesquisa- rio. Nesse ambiente rarefeito nun- explicar muito bem como; talvez dores, é o de serem desconside- ca me faltaram reconhecimento e a disciplina e a persistência sejam rados pela sociedade. Por outro prêmios, embora nunca os tivesse elementos comuns aos dois camlado, as agências reguladoras e perseguido. Por um longo tempo, pos de estudos. REVISTA

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True and Fair Override

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O Avesso do Valor Presente

O Avesso do Valor Presente

* (Parte 2)

Na primeira parte apresentamos os efeitos da não utilização do ajuste a valor presente em situações de adiantamentos. Passaremos, na segunda parte, a efetuar algumas discussões conceituais e normativas adicionais

Encargos de Empréstimos e Regime de Competência Como regra geral, todos os gastos para colocação de um ativo em condições de uso ou venda (conforme a razão que tenha levado à sua aquisição) devem ser a ele agregados. Quando adquirido pronto, isso implica a adição de poucos custos, como os com transporte, tributos não recuperáveis etc. No caso de manufatura, são agregados todos os custos de matérias-primas, materiais outros, mão-de-obra e seus encargos, depreciação, energia, aluguel etc. E, também como regra geral, e como já citado parcialmente, os encargos financeiros embutidos nos prazos dados pelos fornecedores são comumente incluídos no custo dos materiais e serviços adquiridos, se for aceitável a não aplicação do ajuste a valor presente. Ou, se aplicada a técnica do ajuste a valor presente, os encargos financeiros de empréstimos tomados para esse processo são todos descarregados como despesas do exercício e ponto final. Todavia, as próprias normas contábeis dizem que, em certas situações especiais, quando, por exemplo, um imobilizado, um intangível ou um estoque (item 5 do Pronunciamento Técnico CPC 20 – Custos de Empréstimos, Deliberação CVM 672/11, Resolução CFC 1.359/11 e IAS 23) “demanda um período de tempo substancial para ficar pronto para seu uso ou venda pretendidos”, os custos de seu financiamento precisam ser adicionados como parte do seu custo de obtenção (item 8). Aí está a volta ao conceito puro comentado, quando o tempo de obtenção pode vir a trazer distorções no resultado e no balanço, caso utilize o procedimento simplificado tradicional para estoques de curto prazo de obtenção. Ou seja, o estoque em processamento recebe o encargo do passivo que o financia, para que a Competência seja mais bem atendida, com os encargos financeiros baixados dentro do custo dos produtos vendidos quando obtida a receita de venda. Sabe-se que isso ocorre também com os imobilizados e os intangíveis em processo de construção, pelas mesmíssimas razões. Não faria sentido descarregar os encargos financeiros para o resultado, quando estão a produzir ativo ainda não pronto, que gerará benefícios econômicos no futuro. O importante é extrair o princípio básico: quando o tempo para a obtenção de um estoque é substancial, adicionam-se a esses estoques os custos do seu financiamento. * Elaborado pela Editoria (Texto original: Prof. Eliseu Martins). REVISTA

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O Avesso do Valor Presente Encargos de Fornecedores

O custo de oportunidade

No caso mais comum, na prática, grande parte dos estoques é financiada com recursos dos próprios fornecedores. O tratamento mais puro deveria ser, sempre, como já falado, trazer o estoque e a conta de dívida com o fornecedor a valor presente, para, depois, apropriar-se da mesma forma que já visto: reconhecimento do encargo financeiro e sua alocação ao estoque, se ainda não vendido. Todavia, a prática e a relação custo/benefício provocaram o que se faz hoje para prazos curtos, e com efeitos não muito relevantes: o encargo financeiro fica embutido no estoque, já que registrado nominalmente pelo valor a ser pago em breve futuro.

do capital próprio é totalmente ignorado contabilmente, o que provoca, genuinamente, deformações na apuração dos resultados contábeis. conta de estoques financiados com capital próprio. Entretanto, isso é pela falha (lamentável, aliás), até hoje, que consiste no não registro do custo do capital próprio pela Contabilidade.

O custo de oportunidade do capital próprio é totalmente ignorado contabilmente, o que provoca, genuinamente, deformações na apuração dos resultados contábeis. O EVA – economic value added, de tão grande sucesso, tem esse sucesso derivado do fato de alocar o custo do capital total ao resultado, e não apenas o custo do capital de terceiros, como E quando a aquisição é de uma mercadoria com pra- faz a Contabilidade. E é interessante notar que, com zo anormalmente longo? Ambos os valores são obri- a adoção da contabilização das stock options (Delib. gados a ser ajustados logo no início, e os encargos CVM 650/10, Res. CFC 1.314/10, IFRS 2), pela prifinanceiros do passivo gerarão despesas financeiras meira vez, as normas internacionais reconhecem ao longo do período. Só que, nesse caso, já se ad- custo de oportunidade na Contabilidade. quiriu um ativo pronto para venda. A não venda Nesse caso, mesmo a produção de um estoque de realmente, como regra, não agrega valor ao bem, e longa maturação (ou de imobilizado de longo prazo acaba existindo apenas a parte da despesa pelo ende construção) não fará reconhecer no valor contácargo financeiro do financiamento do fornecedor. bil desse ativo o custo do encargo do financiamento Todavia, se for adquirida , a prazo grande, matéria- dessa produção. -prima para a produção de estoque de tempo longo de maturação, o encargo financeiro vai sendo apropriado ao longo do tempo, mas não na forma de O Inverso: O Financiador e despesa, e sim como parte do custo do estoque em a Receita do Empréstimo formação. Contudo, é importante notar que, nesse caso, há, genuinamente, confrontação razoavelmente adequada: o encargo financeiro está, desde o início (de forma teoricamente não adequada), incorporado ao estoque, e é jogado contra a receita de venda quando de sua transferência a terceiros.

Encargos de Capital Próprio A exceção à obediência da confrontação entre receitas e despesas que se relacionam entre si fica por

Quando o financiador entrega dinheiro, obriga-se a reconhecer a receita financeira pela competência, e em contrapartida, vai ter que reconhecer, por confrontação, as despesas que se relacionam com tal receita, com exceção, como visto, de quando a origem desses recursos é o capital próprio.

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O Avesso do Valor Presente mesmo valor nominal, no custo do estoque quando esse é recebido, e no custo do produto vendido quando transferido para terceiros. Na vendedora Quando o financiador é o fornecedor do estoque, financiada, ela registra o passivo pelo pré-pagamenem situações normais, ele, pela mesma praticidade to recebido e o apropria nominalmente como receie relação custo/benefício, não apropria receita finan- ta quando transfere o produto para a compradora. ceira, embutindo-a no preço da mercadoria. Assim, Porém, isso em operações de prazos usualmente superavalia seu recebível. Não há o genuíno casa- curtos. mento, mas, da mesma forma como já discutido no Só que o que interessa neste trabalho é a discussão de item anterior, desde que não existam variações sig- quando o prazo entre o pré-pagamento e sua transnificativas nas operações de compra e venda, com- formação em estoque na adquirente, e em receita na pensam-se os efeitos razoavelmente em curto perío- vendedora, é significativo, é relevante, a ponto de do de tempo; com isso, em cada período, o resultado trazer consequências de alto impacto nas demonsnão se distancia de forma muito significativa do que trações financeiras. Passa-se então a analisar: seria o procedimento “puro”. O Financiador na forma de Fornecedor Comum

Este seria, é claro, o fornecedor trazer a valor presente seu recebível e ir reconhecendo a receita financeira pela fluência do tempo. E contra essa receita financeira, iriam sendo contrapostos os encargos dos recursos que financiam sua operação de crédito com o cliente. Com isso, a receita de venda, também a valor presente, seria confrontada com o custo da mercadoria vendida, supostamente também com seus componentes a valor presente, quando da transferência da mercadoria ao cliente; e a receita financeira teria outra forma de confrontação, observando-se mais corretamente o Regime de Competência para as duas operações: mercantil e financeira.

E o Financiador de Mercadoria Futura? Quando o comprador financia o vendedor para fornecimento de mercadoria futura mediante um pré-pagamento, ocorre comumente, na prática, o mesmo tipo de simplificação vista para as transações a curto prazo. É lógico que o desembolso para recebimento futuro de qualquer bem ou serviço não é o mesmo que o que seria pago só na sua transferência. No entanto, no caso dos pré-pagamentos para recebimento a prazo não significativo, a praticidade leva a ignorar quaisquer discussões sobre esse ponto.

No caso dos prépagamentos para recebimento a prazo não significativo, a praticidade leva a ignorar quaisquer discussões sobre ajuste a valor presente. Pré-pagamento efetuado com recursos de terceiros Admita-se, primeiramente, que o pré-pagamento tenha sido efetuado com base em financiamento tomado na adquirente financiadora do pré-pagamento.

Para o financiador (comprador), há um pré-pagamento que, quando vira estoque, está subavaliado, já que está a valor presente da data do pré-pagamento, não da data da efetiva entrada do bem em processo de aquisição. E, como seu adiantamento funciona como uma espécie de ativo em processo de formação, a forma lógica, econômica e contábil, é a agregação a esse pré-pagamento do custo do financiamento tomado. E para isso, há todo o suporte Ou seja, costumeiramente, trabalha-se com valores do Pronunciamento Técnico CPC 20 – Custos de nominais: o valor desembolsado fica como pré-paga- Empréstimos (IAS 23). Ou seja, o encargo financeimento no ativo da adquirente, e se transforma, pelo ro do recurso tomado de terceiros para financiar o REVISTA

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O Avesso do Valor Presente pré-pagamento deveria ir se agregando ao ativo; eis que uma espécie de estoque em processo de aquisição. Não há a mínima lógica em o comprador reconhecer, durante o período do pré-pagamento, despesas financeiras relativas ao capital tomado emprestado no resultado, ou seja, prejuízo, para depois reconhecer um lucro superavaliado, por apresentar custo do produto vendido submensurado.

líquido e patrimônio líquido (veja, por exemplo, o Pronunciamento Técnico CPC 43 – Adoção Inicial dos Pronunciamentos Técnicos CPC 15 a 41 e a Interpretação Técnica CPC 09 - Demonstrações Contábeis Individuais, Demonstrações Separadas, Demonstrações Consolidadas e Aplicação do Método de Equivalência Patrimonial).

Assim, a entidade individual financiadora pode estar trabalhando com capital próprio, mas pertencer a um gruPara o vendedor e receptor po econômico que, para Justificar a do pré-pagamento, não capitalizar essa entidade, faz também qualquer tomou recursos de ternão atualização do ativo sentido reconhecer no ceiros. Não faria sentido resultado as receitas dena forma de pré-pagamento no balanço consolidado rivadas da utilização do o procedimento ser um devido ao não registro contábil recurso recebido aplie no individual outro, cada em suas atividades com produção de lucros do custo do recurso utilizado ou no mercado finanlíquidos e patrimônios ceiro, mantendo o paspara o pré-pagamento é líquidos que não consivo pelo pré-pagamento vergissem entre si. Dessa corrigir um erro com outro. intacto. Isso faria com que forma, tanto no consolireconhecesse, agora, o ludado quanto no individual, cro da aplicação do dinheiro a entidade deve atualizar o prérecebido em pré-pagamento, com -pagamento, com a apropriação dos superavaliação do resultado, para compensar com encargos do financiamento tomados no grupo. baixa Receita de venda a apropriar no futuro quando entregar o produto negociado. E o Regime de Porém, pode ocorrer, ainda, de os recursos do pré-pagamento serem originados de capitais próprios Competência, como fica? do grupo econômico. Nesse caso, os efeitos do ajuste a valor presente deveriam ser tratados como ajuste do pré-pagamento na financiadora e como ajuste da Pré-pagamento efetuado receita na vendedora, mesmo que isso provocasse com recursos próprios lucro na compradora durante o pré-pagamento. Isso porque essa é a situação contábil normal de qualquer No caso de o financiador efetuar o pré-pagamento entidade que aplique, por exemplo, no mercado ficom recursos próprios, fica de fato em uma situação nanceiro ou em atividades mercantis, recursos oridiferente: o Pronunciamento Técnico CPC 20 não ginados em capital próprio: o lucro contábil fica sem reconhece a possibilidade de ativação do custo do o registro do custo de oportunidade do capital prócapital próprio. Nessa hipótese, não se pode mesmo prio, por isso, fica majorado contabilmente; mesmo efetuar a apropriação de encargo financeiro ao pré- não representando o lucro econômico, assim permanece pela estrutura normativa de hoje. -pagamento, que é uma espécie de pré-estoque. Antes de mais nada, é preciso verificar que o modelo contábil brasileiro, fundamentado no do IASB, praticamente igual a ele, exige que sejam tomadas todas as providências contábeis possíveis para que as demonstrações individuais e consolidadas produzam os mesmos lucro

Querer justificar a não atualização do ativo na forma de pré-pagamento devido ao não registro contábil do custo do recurso utilizado nesse pré-pagamento é corrigir um erro com outro. É preciso lembrar que não se trata de um estoque comprado à vista com recurso próprio, vendido apenas após muito tempo.

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O Avesso do Valor Presente Nesse caso, de fato, é impedida contabilmente a aplicação de qualquer encargo financeiro a esse ativo. Ele já estava adquirido, pronto para venda, e após esse momento, nada deve mesmo ser-lhe acrescido de custo contábil (Pronunciamento Técnico CPC 20 mencionado e Pronunciamento Técnico CPC 16 – Estoques, correspondente ao IAS 2).

em 2012, recomendou ao Board do IASB exatamente a emissão de documento que, explícita e expressamente, requer essa atualização dos pré-pagamentos, na medida em que essas transações contenham um elemento financeiro (ainda que esses pré-pagamentos não sejam transações financeiras na sua formalidade).

A grande diferença, no pré-pagamento, é que ele é previamente registrado a valor presente da data do pré-pagamento. E isso nada tem a ver com o seu valor efetivo na data da transformação em estoque. Um estoque ou imobilizado prontos são, econômica e contabilmente, completamente diferentes de ativos pré-operacionais na forma de estoque ou imobilizado em processo de produção, construção ou obtenção.

Mais especificamente, o IFRIC Update de janeiro de 2012 (documento de atualização das atividades desenvolvidas pelo Comitê), em seu item denominado IAS 2 Inventories – Long-term prepayments for inventory supply contracts, escreve que:

Um ativo adquirido e registrado a valor presente está, como regra geral, com seu valor presente representando o valor justo nessa data da aquisição. Entretanto, quando se trata de pré-pagamento, ele está registrado pelo seu valor justo na data da aquisição, deduzido de encargos relativos ao período a ser incorrido até seu efetivo recebimento. Em princípio, o valor justo do produto, quando recebido lá na frente, estará muito mais próximo do valor originalmente registrado (valor presente na aquisição), acrescido dos encargos originariamente retirados dele, do que o valor nominal do registro original; se mantido o ativo sem atualização, esse valor nominal, que nem na sua formação era valor justo, transforma-se no custo do estoque. Isso não faz sentido econômica e contabilmente. Reconhece-se que, para esses casos, deve-se aplicar toda essa lógica econômica e contábil, e a analogia toda explorada, porque as normas contábeis brasileiras e as internacionais não possuem tratamento contábil especificamente direcionado para essa situação.

Ah! o IASB tem, sim, algo a dizer! É preciso aqui registrar que, exatamente em razão dessa problemática em que há pré-pagamentos e taxas de juros no seu processo de formação, o IFRS Interpretations Committee (IFRIC), ainda

“IAS 2 Inventories—Long-term prepayments for inventory supply contracts The Interpretations Committee received a request seeking clarification on the accounting for longterm supply contracts of raw materials when the purchaser of the raw materials agrees to make prepayments to the supplier for the raw materials. The question is whether the purchaser/supplier should accrete interest on long-term prepayments by recognising interest income/expense, resulting in an increase of the cost of inventories/revenue. The Committee observed that there is mixed practice on the issue submitted, and that current IFRSs do not provide clear guidance on this issue. However, the Committee noted that the exposure draft Revenue from Contracts with Customers published in November 2011 states that: in determining the transaction price, an entity should adjust the promised amount of consideration to reflect the time value of money if the contract has a financing component that is significant to the contract; and that the objective is to recognise revenue at an amount that reflects what the cash selling price would have been if the customer had paid cash for the promised goods or services at the point that they are transferred to the customer. Provided that the requirements on the time value of money are not changed in the final standard on revenue, this would apply in the seller’s financial statements when prepayments are made. The Committee observed that considerations regarding accounting for the time value of money in the seller’s financial statements are similar to those in the purchaser’s financial statements. The Committee decided to ask the Board whether

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O Avesso do Valor Presente it agrees with the Committee’s observation, and, if so, whether there should be amendments made in the IFRS literature in order to align the purchaser’s accounting with the seller’s accounting. Provided that the Board agrees that the purchaser and the seller should address the time value of money in such contracts similarly and that the Committee should deal with this matter, the Committee would direct the staff to further analyse which standards should be amended if guidance were to be provided. The Committee would also direct the staff to prepare additional illustrative examples on the impact of accretion of interest on long term prepayments, both in the purchaser’s financial statements and in the seller’s financial statements, in situations that are more complex than those that were presented at the January meeting.” (realces

suggested that the interpretation could refer to the requirements in IAS 18 (on the measurement of revenue at the fair value of consideration received), in IAS 16 (on the measurement of cost as the cash price equivalent at the recognition date) and in IAS 23 (on capitalisation of borrowing costs that are attributable to the acquisition of a qualifying asset). All Board members voted in favour of this decision.” (realces adicionados)

Essas atualizações, segundo esse Comitê, são para serem efetuadas tanto na financiadora quanto na vendedora. Isso atualizará o ativo da adquirente até que seu pré-pagamento se transforme em estoque adicionados) efetivo e, consequentemente, custo do produto vendido logo a seguir, sem deformação dos resultados Essa proposta do IFRIC foi para o Board do IASB e dos balanços desse momento e até esse momenque, em fevereiro de 2012, via seu relatório IASB to (vejam o que ocorreu nos cenários contemplados Update, deliberou que: nos exemplos 2 e 3 discutidos); “IAS 2 Inventories—Long-term prepayments for inventory supply contracts The IFRS Interpretations Committee received a request seeking clarification ………….financial statements. The Committee decided to ask the Board whether it agrees with the Committee’s observation, and, if so, whether there should be amendments made in the IFRS literature in order to align the purchaser’s accounting with the seller’s accounting. At the February Board meeting, the Board agreed that a financing component contained in a purchase transaction should be identified and recognised separately. As a result, interest would be accreted on long-term prepayments made in a financing transaction. However, the Board noted that payments made when entering into a long-term supply contract might include premiums paid for securing supply or for fixing prices. In that case, the Board noted that it is not appropriate to accrete interest on these payments. Consequently, the Board tentatively decided that it should be made clear that the clarifications proposed should only apply to financing transactions, ie transactions in which prepayments are made for assets to be received in the future. The Board asked the Committee to consider addressing the diversity in accounting, not by amending the current literature as part of a separate Board project, but by clarifying the purchaser’s accounting through an interpretation. The Board

Na vendedora e receptora do pré-pagamento, o passivo será também atualizado, o que, compulsoriamente, atualizará suas receitas, de forma a também não deformar seus resultados e seus balanços até esse momento e nesse momento (vejam também os exemplos 2 e 3). A não atualização provoca deformações no ativo da financiadora, com sua subavaliação, levando, posteriormente, ao subdimensionamento do custo do

A não atualização provoca deformações no ativo da financiadora, com sua

subavaliação, levando, posteriormente, ao

subdimensionamento do

custo do produto vendido. No

passivo da vendedora, provoca subavaliação, que redundará em subdimensionamento das receitas de vendas.

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O Avesso do Valor Presente produto vendido. No passivo da vendedora, provoca A mensuração da Receita subavaliação, que redundará em subdimensionamento das receitas de vendas. É necessário reportar-nos a um dos aspectos Na evolução temporal, existirão, obviamente, com- importantes no que diz respeito à mensuração das Receitas. Como já visto, o dimensionamento da pensações dessas deformações. Assim, com dereceita de vendas na vendedora financiada preciformações, corrigem-se os efeitos de outras deforsa obedecer ao que determina o CPC 30 – Receitas mações (sic). Parece não ser uma prática contábil (IAS 18). enobrecedora.... É obrigatório, do ponto de vista dessa norma, que a E isso foge, completamente, do objetivo das demons- receita seja mensurada com base no valor justo do trações contábeis, conforme tão fortemente exigido ativo recebido ou a receber (parágrafo 9). E, é claro, nas normas brasileiras e nas do IASB, como se vê tão valor justo na data da Receita. expressa, clara e explicitamente em seus documenQual o valor justo de venda de um produto sentos: do entregue agora, cujo recebimento se deu há §§ Pronunciamento Conceitual Básico do CPC - Estrutura muitos anos, descontado a valor presente lá atrás? Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório Obviamente, não é aquele valor nominal de anos Contábil-Financeiro, correspondente ao The Conceptual atrás. Nesse sentido, poderia se supor que isso afronFramework for Financial Reporting; e ta, completamente, qualquer lógica econômica e §§ Pronunciamento Técnico CPC 26 - Apresentação das contábil. E também normativa, conforme já exposto Demonstrações Contábeis, correspondente ao IAS 1 do . IASB.

Verifica-se, nesse caso de pré-pagamento sem atualização, que são enormes os riscos de total desatendimento ao exigido pelas normas contábeis brasileiras e internacionais: atendimento à substância econômica, para que se tenha relevância e representação fidedigna na apresentação das demonstrações contábeis. Esses objetivos e requisitos são absolutas bandeiras que não podem ser desatendidas. Por isso, a deliberação do Board do IASB, para que o IFRIC emita minuta de Interpretação no sentido exatamente das atualizações dos pré-pagamentos, o que tornará esse procedimento obrigatório para todos.

Como já dito, o valor recebido em pré-pagamento, sequer na data do seu recebimento, está a valor justo. Partiu desse para dele ser retirado o encargo financeiro. Se não estava a valor justo nem quando do recebimento em caixa lá atrás, quanto mais depois, após passados anos e anos?

O Conservadorismo Outro ponto relevante a levantar é que não se pode mais utilizar a bandeira do Conservadorismo para justificar qualquer tentativa de não atualização, ou seja, não se pode usar esse conceito como escudo para manutenção de puros valores históricos. No entanto, mesmo então, não podia ser utilizado para, de certa forma, deformar demonstrações contábeis.

(O Board fez a ressalva de que a deliberação não acompanha os pagamentos por meio de prêmios, si- O Conservadorismo foi, de fato, conceito admituação que não alcança o que aqui estamos discu- tido pelos princípios de contabilidade geralmente aceitos, mas não faz mais parte da Estrutura tindo.) Conceitual da Contabilidade. O Pronunciamento Com isso, vê-se o total reconhecimento do Board Conceitual Básico do CPC - Estrutura Conceitual do IASB para a atualização (reconhecimento de para Elaboração e Divulgação de Relatório juros sobre o saldo de pré-pagamento) aqui dis- Contábil-Financeiro corresponde ao The Conceptual Framework for Financial Reporting, e ele aboliu o cutida. REVISTA

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O Avesso do Valor Presente conceito de Conservadorismo, acusando-o de ser contrário à representação fidedigna.

Os estoques são denominados de itens não monetários por-

que não estão sendo ativados

A Taxa de Juros Normalmente, quando se efetua pré-pagamento, há um acordo com relação à taxa de desconto. Se essa não estiver explicitada, deve-se procurar pelo seu valor mais justo possível. Não é o foco aqui entrar nesse importantíssimo ponto, mas cabe relembrar do Pronunciamento Técnico CPC 12 – Ajuste a Valor Presente, que traz luzes sobre a matéria.

na compradora para serem

realizados por transformação direta em dinheiro, e nem na

vendedora para serem liquidados em dinheiro. No entanto, mesmo sendo itens não mo-

Da possível caracterização do prépagamento como sinônimo de estoque Pode-se imaginar que, se alguém interpretar que o pré-pagamento já é um estoque pronto para venda, normalmente, não existiria a atualização comentada. Acontece que o pré-pagamento não é estoque; fica até classificado entre eles se é pré-pagamento de estoques em processo de aquisição, como fica classificado no imobilizado se for pré-pagamento de imobilizado em processo de aquisição ou construção. Contudo, pré-pagamento é pré-pagamento, e não estoque ou imobilizado; são itens intrinsicamente diferentes. Entretanto, é importante lembrar que mesmo os estoques de longa maturação recebem a incidência de encargos financeiros durante seu processamento (Pronunciamento Técnico CPC 20 – Custos de Empréstimos).

netários, estão entre os que podem e devem ser ajustados em função de juros, já que ju-

ros terão sido considerados na fixação do seu valor original. Todavia, o pré-pagamento é um passo anterior, não é ainda algo pronto ou já sob o controle da empresa na forma de ativos físicos prontos ou sendo preparados para venda, para a produção de bens e serviços ou para o consumo.

Os estoques são denominados de itens não monetários porque não estão sendo ativados na compradora para serem realizados por transformação direta em dinheiro, e nem na vendedora para serem liquidados em dinheiro. No entanto, mesmo sendo itens O estoque já é uma mercadoria pronta ou sendo não monetários, estão entre os que podem e devem preparada para venda; ou matéria-prima ou outros ser ajustados em função de juros, já que juros terão materiais já sob o controle da entidade, sendo cosido considerados na fixação do seu valor original. locados para utilização no processo de produção de Aproximam-se, e fortemente, ou talvez devam até produtos destinados à venda; ou materiais já prontos ser igualados conceitualmente aos estoques de lonou sendo colocados em condição de serem utilizaga maturação, para estar em sua condição de pronto dos no processo de prestação de serviços; ou mate- uso ou venda. riais já prontos ou sendo colocados em condição de serem consumidos pela administração, por marke- Note-se que estoques de longa maturação e imobiting ou outros setores da entidade que não a linha de lizados em construção são itens que ninguém disprodução de bens ou serviços. Ou seja, diz respeito a cute que sejam itens não monetários, mas estão ativos físicos como regra geral, o que os transforma totalmente sujeitos a receber encargos financeiros em determinadas circunstâncias. em itens não monetários. REVISTA

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O Avesso do Valor Presente Ou seja, um item, ativo não monetário ou passivo não monetário, não implica, obrigatoriamente, ter seu valor absolutamente imutável quando não sujeito à avaliação automática pelo valor justo. É, de fato, verdade que a grande maioria dos itens não monetários não recebe alocação de ajustes por juros, mas isso não é verdade sempre, como já visto.

Da possível caracterização como instrumento de hedge Outro ponto a ser analisado é se uma operação dessas de pré-pagamento não significa a utilização de uma política de hedge.

Ora, o Pronunciamento Técnico CPC 38 Só para repetir: estoques de longa maturação, imobi- Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e lizados e intangíveis em fase de produção por prazo Mensuração, reproduzindo o IAS 39, logo de início, razoável (normalmente a partir de um ano) recebem coloca que: atualizações por juros, e não deixam de ser itens mo73 Para finalidade de contabilidade de hedge, netários. E o próprio IASB está a mencionar expresapenas os instrumentos que envolvam parte externa sa e explicitamente que os pré-pagamentos de longo à entidade que relata (i.e., externa ao grupo, prazo para a obtenção de estoques também devem segmento ou entidade individual sobre quem se relata) podem ser designados como instrumentos receber essas atualizações. E, como já afirmado, a prática normalmente seguida de não atualização dos estoques é porque costuma ser irrelevante e imaterial o montante relativo aos efeitos do tempo, quando de pré-pagamentos em situações normais, dada a rapidez com que se transformam em estoques. Agora, imaginar que isso seja um procedimento lógico, do ponto de vista de atendimento à representação fidedigna, quando de pré-pagamentos de longo prazo, não faz qualquer sentido. Também se poderia utilizar o argumento de que, se alguém comprar um estoque à vista e ficar muito tempo para vendê-lo ou utilizá-lo, não poderá atualizá-lo. E isso é verdade. O que não faz sentido é utilizar esse argumento para o caso, porque, primeiramente, não é pagamento à vista de estoque, e sim, um pré-pagamento de um estoque a ser obtido no futuro; em segundo lugar, em função do relevantíssimo efeito do tempo, o valor desembolsado não traduziu o valor justo no momento do pagamento, eis que descontados os juros do valor justo; finalmente, pagar e ficar com algo por tempo absurdamente grande sem que agregue valor é mesmo um erro administrativo, enquanto o pré-pagamento com a consideração dos juros é um processo administrativo regular, que só ocorre porque se espera que o valor justo se aproxime, o máximo possível, em cada momento futuro, do valor original atualizado pelos juros.

de hedge. Embora as entidades individuais dentro de grupo consolidado ou as divisões dentro da entidade possam entrar em transações de hedge com outras entidades dentro do grupo ou outras divisões dentro da entidade, quaisquer dessas transações intragrupo são eliminadas na consolidação. Portanto, tais transações de hedge não se qualificam para contabilidade de hedge nas demonstrações contábeis consolidadas do grupo. Contudo, podem qualificar-se para contabilidade de hedge nas demonstrações contábeis individuais ou separadas de entidades individuais dentro do grupo ou no relato por segmentos, desde que sejam externas à entidade ou segmento individual sobre o qual se relata.

Contudo, estendendo a análise, valem algumas observações sobre o conceito de hedge. Segundo JOHN HULL, os operadores com instrumentos financeiros derivativos podem ser categorizados em três tipos: hedgers, especuladores e arbitradores. Segundo esse autor: “Hedgers Os hedgers têm interesse pela redução do risco com o qual já se defrontam. (...) Especuladores Enquanto os hedgers desejam eliminar sua exposição a movimentos no preço de um ativo, os especuladores querem assumir posições no mercado, apostando seja na alta seja na queda de preços. (...)

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O Avesso do Valor Presente Arbitradores Os arbitradores formam o terceiro grupo importante de participantes do mercado de derivativos. A arbitragem envolve travar um lucro sem risco realizando transações simultâneas em dois ou mais mercados.”

ou daquele derivativo. Qualquer derivativo pode ser usado para hedge, especulação ou arbitragem. A classificação de hedge, portanto, refere-se à finalidade, intenção, relacionada com a realização de uma determinada operação com derivativos.

Assim, vê-se claramente que a definição de hedge envolve, necessariamente, a transferência de riscos Ou seja, segundo a definição do renomado autor, as para terceiros. Com isso, não se pode imaginar que operações com finalidade de hedge têm o intuito de entidades relacionadas como nos exemplos citados reduzir o risco das operações contratadas pela empossam celebrar entre si contratos de hedge. presa. A definição anterior mostra que a classificação entre hedge, especulação e arbitragem refere-se Não cabem, também, quaisquer tentativas de caracà intenção do realizador da operação em sua feitura. terização do pré-pagamento como estoque na adOu seja, não é uma característica intrínseca desse quirente ou como uma relação de hedge.

Conclusões Os pré-pagamentos com efeitos a longo prazo embutem, sem dúvida nenhuma, no processo de sua negociação, ajustes a valor presente. Tais pré-pagamentos funcionam como ativos em pré-operação, sujeitos à apropriação dos encargos que o financiam. A situação de existência de financiamentos com capitais de terceiros deve ser olhada a partir das demonstrações consolidadas. No caso de financiamento com capital próprio, a mesma lógica de atualização deve ser observada, já que sua não utilização provoca distorções nos resultados e balanços até o final do prazo acordado. A ausência de norma específica brasileira e internacional, a esse respeito, não deve ser tomada como impeditiva da aplicação das necessárias lógicas econômica e contábil, a não ser que seja desconsiderado o objetivo fixado para a adequada representação da substância econômica nas demonstrações financeiras, tão bem expressas nas normas internacionais e brasileiras. Tanto isso é verdadeiro que o IASB determinou ao seu próprio Comitê de Interpretações (IFRIC) a elaboração de minuta para emissão de documento que formalize exatamente essa disposição. Entende-se aqui que a não utilização desses procedimentos fere o objetivo das demonstrações contábeis estabelecido nas normas brasileiras e nas do IASB, de que elas representem a posição patrimonial e seu desempenho com relevância e representação fidedigna. REVISTA

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Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos

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Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos

Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos Aspectos societários e tributários

Prof. Jorge Vieira da Costa Junior

Professor Adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Contextualização Instrumentos financeiros compostos1 e/ou híbridos2 têm gerado muita controvérsia em matéria de reconhecimento contábil. No Brasil, firmas com registro na CVM que utilizaram esses instrumentos, classificando-os no patrimônio líquido, tiveram suas ITRs e/ou DFs reapresentadas e/ou republicadas por determinação do Regulador. O ponto crítico de toda a discussão, no caso de IF compostos, reside na distinção entre um item de passivo e um de patrimônio líquido. A literatura contábil positiva3 (que busca explicar escolhas contábeis com base em incentivos econômicos) apresenta uma hipótese que ajuda a compreender o porquê de algumas companhias recorrerem aos ditos instrumentos para captar recursos: nível de endividamento. Ao compulsar a norma internacional IAS n. 32, que espelha no Brasil o Pronunciamento Técnico CPC n. 39, mais especificamente em seus itens 11, 16A, 16B, 16C e 16D, constata-se a tarefa árdua e cansativa que envolve a compreensão de um IF composto (um verdadeiro teste conceitual de fogo), para fins de seu enquadramento no conceito de passivo ou de patrimônio líquido4. A rigor, um IF composto para fins contábeis deve ser bifurcado e seus itens devem ser contabilizados separadamente, conforme seu enquadramento, ou no conceito de passivo ou no de patrimônio líquido. A esse respeito, apresentam-se os fluxogramas decisórios para a identificação de um Ativo Financeiro, um Passivo Financeiro e um item de PL, que compõem os Anexos 1 a 4 deste artigo. 1. Instrumento Composto (IAS 32, §§28-32, AG30-AG35): Um instrumento composto é um instrumento financeiro não derivativo que contém elementos de passivo (“liability”) e de patrimônio líquido (“equity”). 2. Instrumento Híbrido (IAS 39, §§10-13, AG27-AG33B): Um instrumento híbrido é todo aquele instrumento financeiro que contém um derivativo embutido (“embbeded derivative”) abrigado em um instrumento principal (“host contract”). 3. WATTS, Ross L.; Zimmerman, Jerold L. Positive accounting theory. New Jersey: Prentice-Hall, Englewood Cliffs, 1986. 4. Não por acaso está em curso no IASB projeto de reforma da Estrutura Conceitual. É apresentado como modelo para distinção entre um item de passivo e um de PL, o “Strict Obligation Approach” – SOA. Objetivamente, deve-se fazer a bifurcação pela caracterização do item do passivo. Tudo o mais que não se enquadrar como um item de passivo, por complemento, será item de PL. E só são consideradas como item de passivo as obrigações para entrega futura de recursos econômicos. Há também esforços locais para elucidação do tema, como o grupo de trabalho criado no âmbito da ANBIMA/IBRACON. REVISTA

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Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos A mensuração separada do instrumento se dá via precificação ao valor justo do componente de passivo e, residualmente, por diferença, chega-se ao componente de patrimônio líquido (se tal componente passar no teste de enquadramento). Com relação aos IFs híbridos, seus comandos normativos residem nos itens 10 a 13, AG27 a AG33B e Apêndice B do Pronunciamento Técnico CPC n. 38, espelhado na IAS n. 39. Para separar um derivativo embutido do contrato principal, deve-se averiguar se, exaustivamente, são observadas as seguintes condições (PT CPC n. 38, item 11): (i) as características econômicas e os riscos do derivativo embutido não estão intimamente relacionados às características econômicas e aos riscos do contrato principal; (ii) um IF separado com as mesmas características do derivativo embutido satisfaz a definição de derivativo e (iii) o IF híbrido não é mensurado por valor justo com alterações no resultado - DRE. A mensuração separada do IF híbrido, se for o caso de separação, se dá via precificação ao valor justo do derivativo embutido e, residualmente, por diferença, chega-se ao valor do contrato principal. É um procedimento diverso da mensuração do IF composto. Recentemente, com a edição da Lei n. 12.973/2014 e da sua regulamentação, em especial a Instrução Normativa da RFB n. 1.515/2014, as IFRSs internalizadas no ambiente doméstico de regulação tiveram os seus efeitos fiscais disciplinados. Assim também foi com relação ao tratamento contábil dispensado aos IFs Compostos e Híbridos. Nesse particular, ao esmiuçar as disposições da Lei n. 12.973/2014, depara-se com o seu art. 2º, que emenda o DL n. 1.598/77, com a inserção do seguinte artigo 38-B: “Art. 38-B. A remuneração, os encargos, as despesas e demais custos, ainda que contabilizados no patrimônio líquido, referentes a instrumentos de capital ou de dívida subordinada, emitidos pela pessoa jurídica, exceto na forma de ações, poderão

ser excluídos na determinação do lucro real e da base de cálculo de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido quando incorridos.” (grifei)

A IN 1.515/2014, em seu art. 78, assim regulamenta a matéria: “Art. 78. A remuneração, os encargos, as despesas e demais custos, contabilizados no patrimônio líquido, referentes a instrumentos de capital ou de dívida subordinada, emitidos pela pessoa jurídica, exceto na forma de ações, poderão ser excluídos na determinação do lucro real quando incorridos. §1º O disposto neste artigo não se aplica aos instrumentos previstos no art. 15 da Lei nº 6.404, de 1976. §2º Na hipótese de estorno por qualquer razão, em contrapartida de conta de patrimônio líquido, os valores mencionados no caput e anteriormente deduzidos deverão ser adicionados nas respectivas bases de cálculo.” (grifei)

De início, percebe-se uma heterogeneidade taxonômica, que pode gerar conflito entre norma societária e tributária. Onde está definido nas IFRSs o que vem a ser instrumento de capital? E na legislação tributária, o que é instrumento de capital? Ao prosseguir com a análise dos dispositivos, verifica-se que o legislador fiscal se restringe a tratar o tema no tocante à dedutibilidade dos encargos, das despesas e demais custos reconhecidos no PL. E quanto aos demais aspectos? E quando a despesa financeira contábil divergir do cupom pago pelo IF composto? E quando a receita financeira do híbrido exceder o cupom pago? Segue um exemplo numérico:

Uma Simulação: Cia “ABC” e Cia “XYZ” Seja admitida a seguinte configuração patrimonial inicial, em que a companhia “ABC” controla a companhia “XYZ”, com 60% do seu capital:

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Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos Caixa Estoques Inv. “XYZ” TOTAL PL Capital Part. Não Cont. TOTAL

Cia “ABC” 220 350 216 786

Cia “XYZ” 120 240

Débito

786

360

360

786

360

360

Crédito 216

360

144 360

Consolidado 340 590 0 930 0 786 144 930

Seja admitido que a companhia “ABC”, posteriormente, tenha adquirido $80 em debêntures de emissão da companhia “XYZ”, as quais são conversíveis em 20 ações de própria emissão de “XYZ”, por ocasião de seu vencimento, em cinco anos, pelo preço de exercício fixo de $4,00. As debêntures pagam um cupom anual (juros) de $6 ao seu titular. Os custos de colocação montam em $10. Por hipótese, o risco de crédito5 de “XYZ” e a taxa de juros livre de risco na data da colocação do papel são, respectivamente, 4% a.a. e 6% a.a. (uma taxa de desconto do passivo de 10% a.a.). Por hipótese, também, as debêntures são qualificadas como um IF composto, exigindo, por consequência, sua bifurcação contábil6 na controlada “XYZ”, e como híbrido, deve ser bifurcado na controladora “ABC”. A precificação dos componentes do IF composto/híbrido é evidenciada no quadro a seguir7: Parte Passiva - Juros Parte Passiva - Principal Total Parte Passiva

22,74 49,67 72,42

Parte PL (regra do “fixed-for-fixed”)

7,58

Exemplo desenvolvido com base na orientação do IE no 9 da IAS 32 (§IE 34 - §IE36)

Assim, a parte passiva seria reconhecida e mensurada no BP por $72,42, ao passo que a parte de PL, por $7,58. Ao considerar que o passivo vai ser mensurado posteriormente ao custo amortizado, pelo método da taxa de juros efetiva (IAS 39 BV Blue Book, §47), tomando por base sua taxa de desconto de 10% a.a., e ignorando os custos de colocação para fins de cômputo da taxa efetiva, chega-se ao seguinte quadro de movimentação do passivo: Curva

Custo Amortizado da Parte Passiva

Juros

A

B=A*10%

C=A+B

D

E=C-D

19,27%

Sdo Inicial

Juros

Sdo Atualizado

Amortização

Sdo Final

19,60%

1

72,42

7,24

79,66

6,00

73,66

19,96%

2

73,66

7,37

81,03

6,00

75,03

20,36%

3

75,03

7,50

82,53

6,00

76,53

20,80%

4

76,53

7,65

84,18

6,00

78,18

100,00%

5

78,18

7,82

86,00

6,00

80,00

5. A mensuração do risco de crédito é um desafio para os profissionais de contabilidade. É, por natureza, uma variável não observável no mercado, fato que conduz a mensuração ao valor justo para o nível hierárquico 3 (“input” não observável a ser construído). Modelos econométricos são recomendados. Os derivativos de crédito utilizados para mitigar risco de “default” da contraparte (“credit default swap”, “total rate return on asset”, “credit linked-notes”) podem servir como medida “proxy” para sua mensuração. Entretanto, no Brasil, muito embora haja regulamentação para esse tipo de instrumento (Resolução CMN n. 2.933/2002 e Circular Bacen n. 3.106/2002), o mercado não se desenvolveu. A esse respeito, vale ler os trabalhos de BADER (2002), ISHIKAWA et al (2006) e FARHI (2009). 6 Nos termos da IAS n. 32, §§28-32, o item de passivo deve ser mensurado ao valor justo no reconhecimento inicial, sendo o de PL mensurado por diferença – residualmente – do valor justo do IF composto como um todo. Nenhum ganho ou perda surge do reconhecimento inicial em separado dos itens que compõem o IF composto. Nos termos da IFRS n. 13, §42, o valor justo do passivo deve considerar o risco de não performance. O risco de crédito da entidade pode ser tomado como proxy para tal. 7 O componente dos juros ($22,74) decorre do desconto a valor presente dos fluxos anuais (5 anos) de cupom de $6, à taxa de 10% a.a. . O componente do principal ($49,67) decorre do desconto a valor presente do valor de face da debênture de $80, à taxa de 10% a.a., considerando o seu resgate no 5º ano . O componente do PL ($7,58) que, por hipótese, enquadra-se na regra da IAS 32 do “fixed-for-fixed”, é precificado residualmente; por diferença ($80,00-$22,74-$49,67). REVISTA

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Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos Para fins deste exemplo, a forma pela qual o capital da companhia “XYZ” está distribuído no mercado e sua potencial diluição, representada pela conversão do IF composto, são evidenciados na tabela adiante: Na precificação do IF híbrido na controladora “ABC”, utilizou-se como premissa a simetria de mensuTotal 84 56 140

Ações de titularidade de “ABC” Ações de titularidade da minoria (Preço de subscrição $2,5714)

Conversão 20 -

Diluição Futura Total % 104 65,00% 56 35,00% 160

ração, o que, na prática, não é verdade. A rigor, para fins de IF híbrido, o derivativo embutido deve ser primeiramente mensurado ao valor justo, e o contrato principal é mensurado residualmente, por diferença do valor total do IF híbrido. Ou seja, é um procedimento inverso ao do IF Composto. Segue o que orienta o PT CPC n. 38, em seu item AG28: “(...) O derivativo baseado em opção incorporada (tal como uma opção de compra, cap, floor ou swap incorporada) é separado do seu contrato principal de acordo com os termos expressos na característica da opção. A quantia escriturada inicial do instrumento principal é a quantia residual depois de separar o derivativo embutido.” (grifei)

Esse foi um expediente didático, utilizado para facilitar a compreensão do exemplo. Entretanto, vale ressaltar, enfaticamente, que a tendência é ocorrer uma assimetria de mensuração entre o derivativo do IF composto e sua contrapartida, que é o derivativo do IF híbrido. Pela IAS 32, o derivativo é mensurado residualmente. Pela IAS 39, é o contrato principal (“host contract“) que é mensurado residualmente quando a opção embutida precisa ser separada. Dessa feita, com a colocação do IF composto/híbrido8, chega-se a uma nova configuração patrimonial, a seguir evidenciada: Caixa Estoques Debêntures “XYZ” Opção Embutida “XYZ” Inv. “XYZ” TOTAL Debêntures “XYZ” - Passivo Custos de Transação - CT PL Capital Debêntures “XYZ” Lucros Acumulados Part. Não Cont. TOTAL

Cia “ABC” 140,00 350,00 72,42 7,58 216,00 786,00

786,00 0,00 786,00

Cia “XYZ” 190,00 240,00

Débito

Crédito 72,42 7,58 216,00

430,00

Consolidado 330,00 590,00 0,00 0,00 0,00 920,00

72,42 (10,00)

72,42

0,00 (10,00)

360,00 7,58

360,00 7,58

430,00

440,00

786,00 0,00 0,00 144,00 920,00

144,00 440,00

Os custos de transação – CT incorridos, no montante total de $10, são alocados conforme orientação do PT CPC n. 08, em seu item 18A, que requer que o “driver” de alocação dos Custos Transação a ser utilizado tome como base a proporção dos rendimentos distribuídos por cada componente do IF composto. No caso concreto do exemplo, a opção de conversão “fixed-for-fixed” reconhecida no PL de “XYZ” não distribui qualquer rendimento. O rendimento do IF composto se limita ao cupom anual de $6, que é imputado totalmente à parte passiva. Logo, 100% dos Custos de Transação são alocados à parte passiva. E isso tem todo sentido, pois a lógica que suporta esse procedimento é reconhecer contabilmente a curva efetiva de juros 8 O IF híbrido deve ser separado, por atender exaustivamente as condições impostas pelo PT CPC n. 38, em seu item 11. Ademais, enquadra-se no exemplo de separação previsto no item AG30 “f ” ou “g” do PT CPC n. 38 – Apêndice A: Guia de Aplicação. REVISTA

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Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos observada no IF passivo. Para o cálculo do valor de equivalência, procede-se a um ajuste no PL final de “XYZ”, conforme demonstrado a seguir: Equivalência Patrimonial PL final “XYZ” 367,58 (7,58) IF Composto - PL Base 360,00 60,00% % part. Sdo Final Inv. “XYZ” 216,00 (216,00) Sdo Inicial Inv. “XYZ” Res. Equival. 0,00

Exclui-se da base de cálculo do MEP a parte do IF composto reconhecida no PL de “XYZ”, para evitar cômputo em duplicidade de ativos de “ABC”. Esse pedaço está espelhado no derivativo embutido de “XYZ” mantido na carteira de ativos de “ABC”, no montante de $7,58. E o que ocorre de fato com “XYZ” é uma redução de riqueza no montante de $10, que são os Custos de Transação - CT liquidados com terceiros (por hipótese, honorários de advogados, intermediários e demais profissionais que assistiram a companhia na colocação do papel). Entretanto, contabilmente, todos os custos de $10 são diferidos no Passivo de “XYZ”, fato que, por equivalência, não produz qualquer mutação no patrimônio de “ABC”. Situação esdrúxula acontece com o passivo consolidado, que apresenta os Custos de Transação Diferidos. Enquadra-se no conceito de passivo? É uma obrigação presente, decorrente de transações ou outros eventos passados, de entregar no futuro recursos incorporados de benefícios econômicos? (EC, §§4.15-4.19). Os Custos de Transação já foram liquidados financeiramente; já transitaram pelo caixa... Parece que a escolha do IASB de privilegiar a DRE com o “matching” apropriado acabou por colocar em cheque a qualidade do BP. É um conflito constante em matéria de regulação contábil: DRE x BP. De volta à simulação, para avaliar os desdobramentos societários e tributários, seja admitido que ocorra, ao longo dos próximos três exercícios sociais (três anos), tão somente a apropriação de despesa de juros e a amortização dos CT por parte da controlada “XYZ”, o cômputo do MEP, apropriação de receita de juros e a marcação a mercado de derivativos embutidos por parte da controladora “ABC”. Assim, o BP e a DRE da controlada “XYZ” são dados a seguir:

ATIVO Caixa Estoques IR e CS Diferidos - Ativo TOTAL ATIVO

BALANÇO PATRIMONIAL Ano 1

PASSIVO IR e CS Diferidos - Passivo Debêntures “XYZ” - Passivo Custos de Transação - CT Amortização Ac. CT PL Capital Debêntures “XYZ” - “fixed-for-fixed” Lucros Acumulados TOTAL P + PL

Ano 2

Ano 3

184,00 240,00 1,90 425,90

178,00 240,00 3,81 421,81

172,00 240,00 5,73 417,73

1,52 73,66 (10,00) 1,93

1,19 75,03 (10,00) 3,89

0,83 76,53 (10,00) 5,88

360,00 7,58 (8,79) 425,90

360,00 7,58 (15,88) 421,81

360,00 7,58 (23,09) 417,73

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Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos DRE Despesa Financeira: Juros CT Amortizados LAIR IR e CS Diferidos IR e CS Correntes Lucro Líquido

Ano 1 (9,17) (7,24) (1,93) (9,17) 2,20 (6,97)

Ano 2 (9,33) (7,37) (1,96) (9,33) 2,24 (7,09)

Ano 3 (9,50) (7,50) (2,00) (9,50 2,28 (7,22)

24,00%

24,00%

24,00%

Os juros são apropriados em resultado, conforme plano de amortização do passivo já definido em quadro anterior. Neste ponto, cabe a seguinte questão: Será que o procedimento contábil de reconhecer uma despesa financeira acima do montante do cupom implica algum risco em matéria de autuação fiscal? O bom senso diz que não, pois o contribuinte, no caso, estaria observando a legislação societária (que abarca os PTs do CPC), que baliza a determinação do lucro societário. Entretanto, dada a atuação legalista e formal por parte do fisco, essa é uma pergunta cuja resposta só virá com o tempo. Quanto à amortização dos Custos de Transação, seu percentual é definido segundo a apropriação dos juros, em linha com a orientação do PT CPC n. 08, em seus anexos. Demonstra-se a seguir a forma pela qual são amortizados os CTs: Ano 1 2 3 4 5

Juros 7,24 7,37 7,50 7,65 7,82

Driver 19,27% 19,60% 19,96% 20,36% 20,80% 100,00%

Para cômputo do IRPJ (15%) e da CSLL (9%), procede-se à escrituração do LALUR, demonstrada adiante: LALUR Parte A Lucro Societário Juros Debêntures (IN 1.515/2014, art. 78) Lucro Real/Prej Fiscal e Base CSLL IRPJ (15%) CSLL (9%) Parte B Prejuízo Fiscal

Ano 1

Ano 2

Ano 3

(9,17) 1,24 (7,93) 0,00 0,00

(9,33) 1,37 (7,96) 0,00 0,00

(9,50) 1,50 (8,00) 0,00 0,00

7,93

15,89

23,88

Eis que surge mais uma controvérsia: parte da despesa financeira é estornada, de modo que, fiscalmente, o efeito líquido seja reconhecer só o cupom de $6. A disciplina tributária prevê ajuste no LALUR para os efeitos reconhecidos no PL. Não há previsão legal (Lei 12.973/2014), tampouco regulamentar (IN 1.515/2014), para esse tipo de ajuste no LALUR. Aqui, no caso, o fisco foi beneficiado. E se tivesse ocorrido o inverso? Cabe lembrar que o fisco e seus agentes trabalham com a bandeira da estrita legalidade... Alguns podem advogar: e quanto à neutralidade fiscal? Ora, esse instituto vigorou quando da vigência do RTT, e e ainda vigora para aquelas normas contábeis que forem emitidas após a lei e não tiverem uma disciplina legal tributária

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Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos (o denominado “RTTzinho”). Entretanto, o tema IFs híbridos/compostos já recebeu um tratamento pela legislação tributária. E quanto aos Custos de Transação pagos? São dedutíveis de acordo com a apropriação pro-rata, ou de imediato, conforme sejam liquidados? A leitura da DL 1.598/77, em particular de seu art. 17, conduz ao entendimento de que sua dedutibilidade deve se dar em uma base “pro-rata tempore”, ao enquadrá-los como juros pagos antecipadamente: “Art. 17. Os juros, o desconto, a correção monetária prefixada, o lucro na operação de reporte e o prêmio de resgate de títulos ou debêntures, ganhos pelo contribuinte, serão incluídos no lucro operacional e, quando derivados de operações ou títulos com vencimento posterior ao encerramento do exercício social, poderão ser rateados pelos períodos a que competirem. § 1º Sem prejuízo do disposto no art. 13 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, os juros pagos ou incorridos pelo contribuinte são dedutíveis como custo ou despesa operacional, observadas as seguintes normas: a) os juros pagos antecipadamente, os descontos de títulos de crédito, a correção monetária prefixada e o deságio concedido na colocação de debêntures ou títulos de crédito deverão ser apropriados, pro rata tempore, nos exercícios sociais a que competirem, e (...)” (grifei)

E os Custos de Transação - CT são considerados, fiscalmente, também, como parte do custo dos juros, segundo o entendimento da redação do §2º do mesmo art. 17: “§ 2º Considera-se como encargo associado a empréstimo aquele em que o tomador deve necessariamente incorrer para fins de obtenção dos recursos.” (grifei)

Na DRE de “XYZ”, há ainda os efeitos fiscais advindos de diferenças temporárias, reconhecidos na forma de IRPJ e CSLL Diferidos. O reconhecimento dos efeitos ajusta a alíquota consolidada dos tributos sobre o Lucro, exatamente em 24%. A nota de conciliação a seguir, nos termos do PT CPC n. 32, evidencia os números dos tributos diferidos: CONCILIAÇÃO DESPESA COM IR E CS Ano 1 Ano 2 LAIR (9,17) (9,33) Alíquota IR e CS 0,24 0,24 Receita hipotética IR e CS 2,20 2,24 Receita com IR e CS 2,20 2,24 IR e CS Correntes IR e CS Diferidos 2,20 2,24

Ano 3 (9,50) 0,24 2,28 2,28 2,28

Os efeitos fiscais diferidos encontram origem na diferença temporária entre a base fiscal do passivo e o seu valor contábil, e no reconhecimento de Ativo Fiscal Diferido - AFD sobre estoque de prejuízos fiscais, conforme o quadro a seguir: MOVIMENTAÇÃO IR E CS DIFERIDOS Base Fiscal Passivo 80,00 80,00 72,42 73,66 Valor Contábil Passivo Diferença Temporária (7,58) (6,34) Consituição/Reversão 1,24 IR e CS Diferidos Passivo (1,82) 0,30

80,00 75,03 (4,97) 1,37 0,33

80,00 76,53 (3,47) 1,50 0,36

Prejuízo fiscal Constituição/Reversão IR e CS Diferidos Ativo

15,89 7,96 1,91

23,88 8,00 1,92

7,93 1,90

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Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos Quanto ao BP e à DRE da controladora “ABC”, esses são apresentados adiante: BALANÇO PATRIMONIAL Ano 1

Ano 2

Ano 3

Caixa

144,56

149,12

153,68

Estoques

350,00

350,00

350,00

Debêntures “XYZ”

73,66

75,03

76,53

Opção Embutida “XYZ”

7,58

7,58

7,58

Ganho AVJ - subconta Lei 12.973/14 (art. 42, §1º)

0,47

0,52

0,47

ATIVO

IR e CS Diferidos - Ativo

1,52

1,19

0,83

Investimento “XYZ”

210,73

206,47

202,14

TOTAL ATIVO

788,52

789,91

791,24

0,11

0,12

0,11

786,00

786,00

786,00

PASSIVO IR e CS Diferidos - Passivo PL Capital Lucros Acumulados TOTAL P + PL

2,41

3,79

5,12

788,52

789,91

791,24

Ano 1

Ano 2

Ano 3

DRE Receita Financeira

7,24

7,37

7,50

Ganho AVJ - TVM Lei 12.973/14 (art. 42, §1º)

0,47

0,05

(0,05)

(5,27)

(4,25)

(4,33)

Resultado de Equivalência

2,44

3,16

3,12

IR e CS Diferidos

LAIR

(0,41)

(0,34)

(0,35)

IR e CS Correntes

(1,44)

(1,44)

(1,44)

Lucro Líquido

0,59

1,38

1,33

75,92%

56,26%

57,31%

Os efeitos em resultado de “ABC” são: (1) o reconhecimento da receita financeira acima do cupom periódico de $6, tomando por base o plano de amortização construído por meio da taxa efetiva; (2) ganho de AVJ (segregado em subconta de Ativo, que controla os efeitos acumulados) decorrente da avaliação ao valor justo do derivativo embutido ($8,05 no ano 1; $8,10 no ano 2 e $8,05 no ano 3) e (3) resultado negativo de equivalência patrimonial de “XYZ”. Observa-se que as alíquotas consolidadas dos tributos ficam totalmente desalinhadas. Isso tem uma explicação: a diferença não temporária com o resultado de equivalência, o que será visto mais à frente. As memórias de cálculo do MEP, para cada um dos três anos, são evidenciadas a seguir: PL final “XYZ” IF Composto Base % part. Sdo Final Inv. “XYZ” Sdo Inicial Inv. “XYZ” Res. Equival.

CÁLCULO DO MEP Ano 1 358,79 (7,58) 351,21 60% 210,73 (216,00) (5,27)

Ano 2 351,71 (7,58) 344,12 60% 206,47 (210,73) (4,25)

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Ano 3 344,49 (7,58) 336,91 60% 202,14 (206,47) (4,33) 28


Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos Ao proceder ao cálculo dos tributos a serem recolhidos, chega-se ao LALUR: LALUR Parte A Lucro Societário Ganho AVJ - TVM Lei 12.973/14 (art. 42, §2º) Juros Debêntures (IN 1.515/2014, art. 78) Resultado Equivalência (IN 1.515/2014, art. 95) Lucro Real/Prej Fiscal e Base CSLL IRPJ (15%) CSLL (9%)

Ano 1

Ano 2

Ano 3

2,44 (0,47) (1,24) 5,27 6,00 0,90 0,54

3,16 (0,05) (1,37) 4,25 6,00 0,90 0,54

3,12 0,05 (1,50) 4,33 6,00 0,90 0,54

Parte B

Como se verifica, o resultado de equivalência patrimonial é expurgado (IN 1.515/2014, art. 98, parágrafo único). Para fins de tributação, os investimentos em participações societárias são tributados somente quando da alienação ou liquidação da participação societária, nas condições previstas em lei. Essa é a razão pela qual a diferença observada entre a base fiscal do ativo investimento e seu valor contábil resulta em uma diferença não temporária. Essa diferença não se reverte, pois, quando da tributação do investimento; seu valor contábil para fins fiscais não será o valor de custo, mas o valor com MEP (IN 1.515/2014, art. 98). O ganho AVJ auferido com a opção embutida é eliminado, nos termos na Legislação vigente (Lei 12.973/2014 e IN 1.515/2014). Contudo, o diferencial de receita financeira do híbrido pela curva efetiva em relação ao cupom pago não tem previsão legal para sua não tributação. Inclusive, atualmente, para fins de PIS e COFINS, no regime de não cumulatividade, sobre as receitas financeiras (Decreto n. 8.426/2015, de 01.04.2015). E aí, conflito societário-tributário? Há conforto e amparo legal para essa eliminação? São perguntas que só juristas tributaristas podem responder e que o tempo dirá. Para dar prosseguimento, apresenta-se a seguir nota de conciliação do IRPJ e CSLL, nos termos do PT CPC n. 32, e a movimentação dos tributos diferidos: CONCILIAÇÃO DESPESA COM IR E CS LAIR 2,44 3,16 Alíquota IR e CS 24,00% 24,00% Despesa hipotética IR e CS 0,59 0,76 Diferença não Temporária 1,27 1,02 Despesa com IR e CS 1,85 1,78 IR e CS Correntes (1,44) (1,44) IR e CS Diferidos (0,41) (0,34)

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3,12 24,00% 0,75 1,04 1,79 (1,44) (0,35)

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Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos MOVIMENTAÇÃO IR E CS DIFERIDOS Base Fiscal Ativo - Investimentos 210,73 206,47 Valor Contábil Ativo - Investimentos 210,73 206,47 0,00 0,00 Diferença Não Temporária 5,27 4,25 Efeito Fiscal 1,27 1,02

202,14 202,14 0,00 4,33 1,04

Base Fiscal Ativo - Deb. “XYZ” Valor Contábil Ativo - Deb. “XYZ” Diferença Temporária Consituição/Reversão IR e CS Diferidos Ativo Base Fiscal Ativo - Opção “XYZ” Valor Contábil Ativo - Opção “XYZ” Diferença Temporária Consituição/Reversão IR e CS Diferidos Passivo

80,00 72,42 7,58 1,82

80,00 73,66 6,34 (1,24) (0,30)

80,00 75,03 4,97 (1,37) (0,33)

80,00 76,53 3,47 (1,50) (0,36)

7,58 8,05 (0,47)

7,58 8,10 (0,52) (0,05) (0,01)

7,58 8,05 (0,47) 0,05 0,01

(0,11)

Conclusão A matéria “IF compostos e/ou híbridos” ainda é muito recente nos ambientes de regulação e acadêmico brasileiros. Há uma carência muito grande de literatura a respeito e de casos concretos submetidos ao julgamento do Regulador do mercado que possam balizar as práticas. Verdade é que a complexidade das normas deriva da própria complexidade dos instrumentos. E muita controvérsia advém de sua aplicação. E não bastassem as controvérsias advindas da interpretação das normas contábeis societárias, ao que tudo indica, a disciplina fiscal contribuirá para gerar mais algumas controvérsias. De todo modo, espera-se que este artigo contribua para o debate acerca do tema, que está no holofote do mercado no momento, e concorra para o desenvolvimento de uma literatura ainda pouco explorada.

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Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos Referências Bibliográficas BADER, F.L.C. Notas Técnicas do BACEN: Derivativos de Crédito – Uma Introdução. Abril de 2002. BANCO CENTRAL DO BRASIL. Circular BACEN n. 3.106: Dispõe sobre a realização de operações de derivativos de crédito de que trata a Resolução 2.933, de 28 de fevereiro de 2002, de 10.04.2002. COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS. Pronunciamento Técnico CPC n. 00 – Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil-Financeiro, de 02.12.2011. ______. Pronunciamento Técnico CPC n. 8 – Custos de Transação e Prêmios na Emissão de Títulos e Valores Mobiliários, de 03.12.2010. ______. Pronunciamento Técnico CPC n. 32 – Tributos sobre o Lucro, de 17.07.2009. ______. Pronunciamento Técnico CPC n. 38 – Instrumentos Financeiros: Reconhecimento e Mensuração, de 02.10.2009. ______. Pronunciamento Técnico CPC n. 39 – Instrumentos Financeiros: Apresentação, de 02.10.2009. CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. Resolução CMN n. 2.933: Autoriza a realização de operações de derivativos de crédito por parte das instituições que especifica, de 28.02.2002. FARHI, M. Projeto de Estudos sobre as Perspectivas da Indústria Financeira Brasileira e o Papel dos Bancos Públicos: Subprojeto Derivativos de Crédito. Universidade Estadual de Campinas. Novembro de 2009 ISHIKAWA, S. et al. Construindo um Mercado de Derivativos de Crédito no Brasil. Encontro de Administração Pública e Governança – ENAPG/ANPAD. Anais. 2006. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto-Lei 1.598/77: Altera Legislação do Imposto de Renda, de 26 dez. 1977. DOU, Brasília, 27.12.1977. ______. Lei n. 12.973: Altera a legislação tributária federal relativa ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas - IRPJ, à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, à Contribuição para o PIS/Pasep e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS e dá outras providências, de 13 maio 2014. DOU, Brasília, 14.05.2014. RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Instrução Normativa n. 1.515, 24 nov. 2014. DOU, Brasília, 26.11.2014. WATTS, Ross L.; Zimmerman, Jerold L. Positive accounting theory. New Jersey: Prentice-Hall, Englewood Cliffs, 1986

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Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos Anexo 1: FLUXOGRAMA DECISÓRIO PARA CLASSIFICAÇÃO DE UM ATIVO FINANCEIRO Início

Q1 É um ativo que seja caixa ou um instrumento patrimonial de emissão de outra entidade?

Sim

É um Ativo Financeiro

Sim

É um Ativo Financeiro

Sim

É um Ativo Financeiro

Não

Q2

É um direito contratual para receber caixa ou outro ativo financeiro de outra entidade? Não

Q3

É um direito contratual para permutar ativos financeiros ou passivos financeiros com outra entidade, em condições que são potencialmente favoráveis para entidade? Não

Q5

Q4 É um contrato que será ou poderá ser liquidado por meio de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade?

Sim

Esse contrato é um instrumento não derivativo por meio do qual a entidade é ou pode ser obrigada a receber um número variável de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade?

É um Ativo Financeiro

Sim

É um Ativo Financeiro

Não

Não Não é um Ativo Financeiro

Sim

Q6 Esse contrato é um instrumento derivativo* que será ou poderá ser liquidado de uma forma tal que não seja pela troca de um montante fixo de caixa ou de outro ativo financeiro, por um número fixo de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade? Não Averiguar se é item PL e como tal deve ser tratado (atentar para disposições acerca de transações com ações de própria emissão).

* Para o propósito dessa condição, instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade não contemplam IFs “puttable”, classificados como PL, pelas regras de exceção 16A e 16B; IFs que impõem a uma entidade a obrigação de entregar a outra parte, numa base pro rata, ativos líquidos da entidade, somente na ocorrência de sua liquidação, classificados como PL, pelas regras de exceção 16C e 16D, ou IFs que são contratos para entrega ou recebimento futuro de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade.

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Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos Anexo 2: FLUXOGRAMA DECISÓRIO PARA CLASSIFICAÇÃO DE UM PASSIVO FINANCEIRO

Início

Q1

É uma obrigação contratual para entregar caixa ou outro ativo financeiro para outra entidade?

Sim

É um Passivo Financeiro

Sim

É um Passivo Financeiro

Não

Q2

É uma obrigação contratual para permutar ativos financeiros ou passivos financeiros com outra entidade, em condições que são potencialmente desfavoráveis para entidade? Não

Q3

É um contrato que será ou poderá ser liquidado por meio de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade?

Q4 Sim

Esse contrato é um instrumento não derivativo por meio do qual a entidade é ou pode ser obrigada a receber um número variável de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade?

Sim

É um Passivo Financeiro

Sim

É um Passivo Financeiro

Não Não

Q5 É um contrato que será ou poderá ser liquidado por meio de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade?

Sim

Esse contrato é um instrumento derivativo* que será ou poderá ser liquidado de uma forma tal que não seja pela troca de um montante fixo de caixa ou de outro ativo financeiro, por um número fixo de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade?

Não Não Não é um Ativo Financeiro

Averiguar se é item de PL ou se é Passivo Financeiro que se enquadra nas exceções 16A e 16B ou 16C e 16D e deve ser classificado como PL.(**)

* Para o propósito dessa condição, direitos, opções ou warrants, para adquirir um número fixo de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade por um montante fixo de qualquer moeda, são instrumentos patrimoniais SE a entidade oferecer direitos, opções ou warrants numa base pro rata a todos os titulares atuais de uma mesma classe de instrumentos patrimoniais não derivativos de própria emissão da entidade. Também para o propósito dessa condição, instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade não contemplam IFs “puttable”, classificados como PL, pelas regras de exceção 16A e 16B; IFs que impõem a uma entidade a obrigação de entregar a outra parte, numa base pro rata, ativos líquidos da entidade, somente na ocorrência de sua liquidação, classificados como PL, pelas regras de exceção 16C e 16D, ou IFs que são contratos para entrega ou recebimento futuro de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade. ** Itens 16A e 16B: IF “puttable” inclui a obrigação contratual de o emissor recomprar ou resgatar o instrumento por meio de caixa ou de outro ativo financeiro, no exercício da put (opção de venda). Itens 16C e 16D: IF ou componentes do IF que impõe a entidade a obrigação de entregar a outra parte ativos líquidos da entidade numa base pro rata, somente na ocorrência de sua liquidação.

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Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos Anexo 3: FLUXOGRAMA DECISÓRIO PARA CLASSIFICAÇÃO DE UM ITEM DE PL

Início

Q1

Não é uma obrigação contratual para entregar caixa ou outro ativo financeiro para outra entidade?

Sim

Pode ser item de PL. Checar quesito 3.

Sim

Pode ser item de PL. Checar quesito 3.

Não

Q2

Não é uma obrigação contratual para permutar ativos financeiros ou passivos financeiros com outra entidade, em condições que são potencialmente desfavoráveis para entidade? Não

Q4

Q3

O contrato será ou poderá ser liquidado por meio de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade?

Sim

Esse contrato é um instrumento não derivativo por meio do qual a entidade não vai ou não pode ser obrigada a entregar um número variável de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade?

Sim

É um item de PL

Sim

É um item de PL

Não Não

Q5 É um contrato que será ou poderá ser liquidado por meio de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade?

Sim

Esse contrato é um instrumento derivativo(*) que somente será liquidado por meio da troca de um montante fixo de caixa ou de outro ativo financeiro, por um número fixo de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade?

Não Não Não é um Ativo Financeiro

Averiguar se é item de PL ou se é Passivo Financeiro que se enquadra nas exceções 16A e 16B ou 16C e 16D e deve ser classificado como PL.(**)

* Para o propósito dessa condição, direitos, opções ou warrants, para adquirir um número fixo de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade por um montante fixo de qualquer moeda, são instrumentos patrimoniais SE a entidade oferecer direitos, opções ou warrants numa base pro rata a todos os titulares atuais de uma mesma classe de instrumentos patrimoniais não derivativos de própria emissão da entidade. Também para o propósito dessa condição, instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade não contemplam IFs “puttable”, classificados como PL, pelas regras de exceção 16A e 16B; IFs que impõem a uma entidade a obrigação de entregar a outra parte, numa base pro rata, ativos líquidos da entidade, somente na ocorrência de sua liquidação, classificados como PL, pelas regras de exceção 16C e 16D, ou IFs que são contratos para entrega ou recebimento futuro de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade. ** itens 16A e 16B: IF “puttable” inclui a obrigação contratual de o emissor recomprar ou resgatar o instrumento por meio de caixa ou de outro ativo financeiro, no exercício da put (opção de venda). Itens 16C e 16D: IF ou componentes do IF que impõe a entidade a obrigação de entregar a outra parte ativos líquidos da entidade numa base pro rata, somente na ocorrência de sua liquidação.

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Instrumentos Financeiros Compostos e Híbridos Anexo 4: Definições de Conceitos “warrant”: é um instrumento financeiro que, no Brasil, pode ser qualificado como um título de garantia, emitido por empresa encarregada da guarda e da conservação de mercadorias, as quais poderão ser vendidas ou negociadas, e que atesta ao seu portador a propriedade do objeto em custódia. É também considerado um título de crédito, que permite ao depositante contrair empréstimo por meio de caução ou desconto. É ainda qualificado como um valor mobiliário, nos termos da Instrução CVM n. 223/94, com alterações impostas pela Instrução CVM n. 328/00. Nos termos do artigo 1º de referida instrução, “warrant” é uma opção não padronizada de compra ou de venda dos seguintes valores mobiliários: (i) ações de emissão de companhia aberta; (ii) carteira teórica referenciada em ações, negociadas em mercado de bolsa ou de balcão organizado, que integrem ou tenham integrado, por período não inferior ao prazo de exercício das opções, índice de mercado regularmente calculado, de ampla divulgação e aceitação; (iii) debêntures simples ou conversíveis em ações de emissão de companhias abertas, e oriundas de distribuições publicadas registradas na CVM e (iv) notas promissórias registradas para distribuição pública. Os warrants podem ser emitidos nas modalidades “coberta” ou “descoberta”. IF “puttable”: é um instrumento financeiro que dá ao seu detentor o direito de devolvê-lo ao emissor (por meio de obrigação de recompra ou de resgate pelo emissor), em troca de caixa ou de outro ativo financeiro, ou automaticamente é devolvido ao emissor na ocorrência de eventos futuros incertos ou no caso de morte ou de aposentadoria do detentor do IF. Instrumento patrimonial: é qualquer contrato que evidencie um interesse residual nos ativos líquidos de uma entidade. Uma obrigação contratual, incluindo qualquer uma originada de um instrumento derivativo, que resultar ou poderá resultar no recebimento ou na entrega de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade que não se enquadrar nas condições impostas para classificação de um item de PL, não será tratada como um item de PL. Instrumentos “puttable” classificados no PL (itens 16A e 16B): ITEM 16A: (i) dão ao seu titular o direito sobre os ativos líquidos da entidade, numa base pro rata (considerando a participação conferida ao titular sobre o capital da entidade), na ocorrência de sua liquidação; (ii) são de uma classe de instrumentos que é subordinada a todas as demais classes, na ocorrência da liquidação da entidade (isto é, não têm prioridade sobre outras reivindicações sobre ativos líquidos e prescindem da sua conversão em outros instrumentos para serem julgados como de classe mais subordinada); (iii) integram uma classe mais subordinada de instrumentos, em que todos os instrumentos subordinados têm características idênticas (ex. todos são “puttables” e a fórmula para definição do preço de resgate ou de recompra é a mesma para todos os instrumentos dessa classe); (iv) não contêm, além da obrigação contratual de o emissor recomprar ou resgatar o instrumento por meio de caixa ou de outro ativo financeiro, qualquer obrigação contratual de entregar caixa ou outro ativo financeiro para outra entidade ou de permutar ativos ou passivo financeiros com outra entidade em condições que sejam potencialmente desfavoráveis para entidade, tampouco qualificam-se como um contrato que será ou poderá ser liquidado por meio de instrumentos patrimoniais de própria emissão da entidade, nas condições estabelecidas para qualificação de um passivo financeiro E (v) a eles é atribuído um fluxo de caixa total esperado, ao longo de sua vida, que está baseado substancialmente nos lucros ou nos prejuízos da entidade emissora, ou na alteração dos ativos líquidos reconhecidos pela entidade emissora ou na mudança de valor justo dos ativos líquidos reconhecidos e não reconhecidos pela entidade emissora ao longo da vida do instrumento (excluindo quaisquer efeitos do instrumento). ITEM 16B: Adicionalmente aos requisitos impostos pelo item 16A, para o instrumento “puttable” ser classificado como um item de PL, o emissor não pode ter outro instrumento financeiro ou contrato (i) cujo total de fluxos de caixa seja baseado substancialmente nos lucros ou nos prejuízos da entidade emissora, ou na alteração dos ativos líquidos reconhecidos pela entidade emissora ou na mudança de valor justo dos ativos líquidos reconhecidos e não reconhecidos pela entidade emissora ao longo da vida do instrumento (excluindo quaisquer efeitos do instrumento) e (ii) que tenha o efeito de substancialmente restringir ou fixar o retorno residual dos detentores do instrumento financeiro “puttable”.

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True and Fair Override

True and Fair Override

Características da sua adoção prática Prof. Samantha Valentim Telles

Doutoranda da FEA/USP

Prof. Eduardo Flores Professor da FECAP

Prof. Bruno Meirelles Salotti, Professor da FEA/USP

Prof. L. Nelson Carvalho

Professor da FEA/USP

CONTEXTUALIZAÇÃO Em 2000, um Projeto de Lei que propunha modernizações para a Lei n. 6.404/76 foi apresentado para a Câmara dos Deputados. Esse projeto veio a se tornar a Lei n. 11.638/07, que tinha como principal objetivo eliminar as barreiras que impediam a convergência das normas contábeis brasileiras rumo às internacionais - IFRS (Iudícibus, 2009). A adoção dessas normas no Brasil foi feita em duas fases: em 2008 e 2009, com a aplicação progressiva de algumas normas; e a partir de 2010, com a adoção total do padrão internacional. Desde a sua criação e até novembro de 2014, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), cujo objetivo é estudar, preparar e emitir os pronunciamentos contábeis brasileiros alinhados às IFRS (International Financial Reporting Standards), produziu 65 documentos: uma estrutura conceitual, 43 pronunciamentos técnicos, 16 interpretações técnicas e cinco orientações técnicas (Site do CPC, s.d.), além de diversas revisões desses documentos. Na Europa, em julho de 2002, a União Europeia havia determinado que, a partir de 1º de janeiro de

2005, as companhias listadas nos países membros deveriam aplicar as normas do IASB (International Accounting Standards Board) para suas demonstrações financeiras consolidadas, dando permissão para que cada estado membro decidisse se elas seriam autorizadas ou requeridas nas demonstrações individuais das entidades listadas, e nas demonstrações consolidadas e individuais das entidades não listadas (Regulamento Comissão Europeia [CE] n. 1.606/02). Nos Estados Unidos, as normas do IASB não foram adotadas, muito embora esse órgão venha desenvolvendo trabalhos conjuntos com o FASB (Financial Accounting Standards Board) para a emissão de certas normas. Ademais, desde 2007, a SEC (U.S. Securities and Exchange Commission) aceita que empresas estrangeiras listadas na bolsa de valores de Nova York apresentem e arquivem suas demonstrações contábeis no padrão IFRS, sem reconciliação com os conhecidos U.S. GAAP (Costa, Theóphilo, & Yamamoto, 2012, p. 111; Fundação IFRS, 2014). Em 2003, Austrália, Hong Kong, Nova Zelândia e

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True and Fair Override África do Sul concordaram em adotar as normas internacionais a partir de 2005. O Japão concordou em convergir em 2004 e permitiu a adoção voluntária em 2009. O Canadá passou a adotar as normas do IASB em 2011 e, no ano seguinte, Argentina, México e Rússia iniciaram a adoção (Fundação IFRS, 2014).

possibilidade de as empresas adotarem um mecanismo de exceção, permitindo o registro de tais ativos e passivos. Por outro lado, os auditores entendem que se tal opção for feita, deverão ressalvar suas opiniões sobre tais balanços (Portal CFC, 2014).

O mecanismo de exceção que autorizaria tal recoO mote central da convergência era: uma melhora nhecimento é o true and fair view override ou true na qualidade das normas, na comparabilidade e na and fair override (TFO). O TFO vem da noção de facilidade de operações internacionais; um aumento que o true and fair view (TFV) vai além do GAAP na atração de investimentos para o Brasil e na fa- (Generally Accepted Accounting Principles), forcilidade de entendimento dos investidores interna- necendo, assim, a opção de se distanciar das norcionais; outrossim, a produção de uma redução de mas, sob certas circunstâncias de exceção (Livne & custos, em razão da utilização de um padrão único McNichols, 2009, p. 1-2). (Iudícibus, 2007). Todavia, a pesquisa de Livne e McNichols (2009, p. Em janeiro de 2014, porém, todos os envolvidos na 1-2) destaca que, após a adoção das IFRS, a utiliza“cadeia produtiva” do preparo, asseguração e análise ção desse dispositivo diminuiu consideravelmente de relatórios contábil-financeiros foram surpreendi- no Reino Unido. Dessa forma, e considerando a imdos pela emissão da IFRS 14. Essa permite que as en- portância dada ao TFO, o objetivo desta pesquisa é tidades que estejam adotando as IFRS pela primeira verificar, por meio de exemplos reais, aquilo que leva vez continuem a contabilizar, se essa for sua prática as empresas que adotaram as IFRS a se valerem deslocal, consideradas certas limitações, ativos regulató- se expediente em suas demonstrações financeiras. rios diferidos, na adoção inicial e nas demonstrações Assim, pretende-se esclarecer a seguinte questão de financeiras subsequentes. Contudo, empresas que pesquisa: Em âmbito internacional, quais as caracjá adotavam os IFRS desde antes da emissão dessa terísticas da aplicação do True and Fair Override IFRS 14 não podem utilizar essa alternativa, e devem pelas empresas de países que adotaram as IFRS? manter ativos e passivos regulatórios fora de suas demonstrações financeiras. O argumento do IASB para A relevância do assunto é obtida além do cenário a aplicação exclusiva das empresas em processo de atual (e.g.Singleton-Green,2012; e Okamoto,2011). convergência é o objetivo de aumentar a comparabi- Segundo Singleton-Green (2012, p. 16), há uma lalidade das demonstrações e reduzir as barreiras para cuna entre aquilo que os normatizadores conseguem adoção das suas normas, por empresas reguladas em alcançar e aquilo que se espera que eles alcancem. certas jurisdições. Segundo o board, sua intenção é Isso está relacionado com a ideia de que as normas limitar o efeito da norma até que outros assuntos irão afetar somente quem estiver disposto a seguimais importantes estejam resolvidos no projeto mais -las. Não seria, assim, realista, esperar que seja posabrangente, por exemplo, a qualificação como ativo sível que alguém crie um sistema melhor, mas a ideia ou passivo dessas contas, considerando a Estrutura de true and fair override poderia ajudar a melhorar o relatório financeiro (Singleton-Green, 2012, p. 15Conceitual (IFRS, 2014). 16). Essa norma, porém, foi extremamente contestada e mal recebida no Brasil, particularmente, mas não De forma semelhante, Okamoto (2011, p. 240) enapenas por empresas distribuidoras de energia elé- tende que seria de grande importância haver alguma trica. Isso porque ela não pode ser aplicada, pos- forma de estabelecer uma estrutura conceitual instito que a convergência brasileira se deu em 2010, e tucional, ou um espaço em que as pessoas envolvidas naquela ocasião, os ativos e passivos regulatórios nas instituições contábeis possam deliberar sobre o que constavam dos balanços das empresas regula- gerenciamento agressivo de resultado e sua aceitadas tiveram que ser baixados, com fortes impactos bilidade. Isso seria possível de alcançar por meio de nas demonstrações financeiras. A CVM (Comissão normas baseadas em princípios que venham acomde Valores Mobiliários) declarou que não se opõe à panhadas de cláusulas relacionadas ao TFO. REVISTA

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True and Fair Override Assim, com esta pesquisa, procura-se oferecer contribuições práticas aos profissionais que lidam com Contabilidade, a partir do levantamento, do estudo, da análise e da interpretação de casos reais de aplicação do TFO. O presente trabalho está organizado da seguinte forma: esta primeira seção apresentaa contextualização do problema de pesquisa; a segunda, plataforma teórica que baseou o estudo e pesquisas anteriores sobre o tema; a terceira, uma breve descrição da metodologia utilizada; a quarta, a análise dos casos de estudo selecionados; e a quinta, as conclusões obtidas dos dados estudados.

Hamilton e hÓgartaigh (2009) trazem uma análise mais crítica sobre o TFV, ao afirmarem que “... é um dos símbolos das alegações dos contadores britânicos para a manutenção da linguagem legítima [a linguagem dos reguladores britânicos]” (p. 916).

Alexander e Eberhartinger (2009) veem o TFV relacionado com o objetivo dos relatórios financeiros, e o resumem da seguinte forma: “[...] o propósito central e mínimo do relato financeiro (e assim, do true and fair view, apresentação fidedigna, e similares) é de fornecer uma fotografia válida da entidade que não seja enganosa” (p. 575)1. No entanto, como destacam Hudack e Orsini (1993), a relevância dos relatórios financeiros é essencial para que se tenha um TFV. Ressalta-se que esse pode ser um ponto crítico, dado que, segundo esses autores, na França, verificou-se que os conflitos entre e dentro das instituições autoritárias limitaram o fluxo de informações relevantes, ou seja, que comunicassem o desempenho financeiro real.

qualidade e ao significado das demonstrações financeiras. A pesquisa de Kirk (2006) verificou que a separação dos termos “verdadeiro” e justo” pode afetar a percepção dos participantes dos fatores necessários para um relato de qualidade.

Para Kirk (2006, p. 212), a diferença principal entre TFV e representação fidedigna é o uso do termo “verdadeira”. Dessa forma , a preferência pela utilização ou não pelo TFV provavelmente irá refletir o desejo pela verdade na contabilidade. Entretanto, em uma comparação com a “apresentação fidedigna, em todos os aspectos relevantes, da posição financeira da companhia [...] em conformidade com os princípios contábeis geralmente aceitos (GAAP)” (p. 427), dos Estados Unidos, McEnroe e Martens (2004) PLATAFORMA TEÓRICA concluíram que não há grande diferença entre os conceitos americano e britânico, apenas a menção True and Fair View explícita do GAAP pelo primeiro. Isso é semelhante ao que Kirk (2006, p. 211) verifica, que “true and fair Para McEnroe e Martens (2004), o TFV deveria ser view”, “reflete de forma verdadeira” e “representação interpretado de forma em que todas as transações fidedigna” eram, para as normas contábeis da Nova materiais sejam registradas de maneira que sua forma Zelândia, termos intercambiáveis. seja igual à sua substância. A pesquisa de Hamilton Contudo, como destaca Kirk (2006, p. 207), se tere hÓgartaigh (2009) indicou que, sob uma definição mos como esse tiverem diferentes significados para mais estreita, o TFV significa o cumprimento estrito diferentes participantes da contabilidade, pode apado GAAP; por outro lado, uma definição mais am- recer uma lacuna de expectativa, ou seja, uma dipla eleva o conceito de TFV, colocando-o como um ferença de percepções e expectativas dos usuários, objetivo que vai além do GAAP. preparadores e auditores em relação ao objetivo, à

Cabe ressaltar que os conceitos de “verdadeiro” e de “justo” podem não ser tão claros quando se trata de Contabilidade. Hamilton e hÓgartaigh (2009) destacam os diferentes significados dados ao TFV: autorregulação, autonomia, julgamento e independência profissional. Bayou, Reinstein e Williams (2011) veem uma relação íntima entre a verdade na contabilidade e a dimensão ética. Para os autores, “falso implica em não falso; enganoso implica em não enganoso; e fraudulento implica em não fraudulento” (p. 111), e quando todos esses aparecem juntos, se 1 “… the central and minimal purpose of financial reporting tem algo, de alguma maneira, verdadeiro. A pesquisa (and therefore of a true and fair view, fair presentation, similar) is to give a valid picture of an entity which is not misleading” desses autores mostra que não há um consenso entre os pesquisadores da área: alguns acreditam que o (p. 575).

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True and Fair Override problema da “verdade” nos relatórios financeiros é sinceridade, a boa-fé da administração no preparo complexo, porém resolúvel, enquanto outros enten- das Demonstrações Financeiras (Hudack & Orsini, dem que não há mecanismos que possam resolver 1993, p. 210). esse problema. Alexander e Eberhartinger (2009, p. 576-577) coAdemais, Hamilton e hÓgartaigh (2009) ressaltam mentam a teoria da desconexão, que traz a ideia de que pesquisas anteriores sobre o assunto, ao tenta- que o TFV não influencia o reconhecimento e a menrem ver o TFV de forma objetiva, acabam por ig- suração, apenas a divulgação em Notas Explicativas norar outros fatores (cultural, social, histórico e e a apresentação das informações. No entanto, explipolítico) que formam o papel e a função do TFV. cam que essa teoria seria aplicada ao TFV alemão da Assim, o TFV pode ser entendido como um produto época, e não seria possível aplicá-la ao TFV austríada relação entre o hábito linguístico do contador e co. Ou seja, tal teoria depende das especificidades de o campo da contabilidade. Isso está relacionado ao cada TFV. entendimento de Kirk (2006, p. 210). Para esse autor, o verdadeiro e a justiça podem variar, conforme o tempo e a localização dos quais tratam e podem True and Fair Override depender do framework ao qual residem; ou seja, entendem que são as circunstâncias que irão deter- Segundo Alexander e Archer (2003, p. 3), uma meminar seu significado e aplicação, e não a definição ta-rule (“meta-regra”) é um princípio a ser seguido que lhe foi dada. no enquadramento e na aplicação dos padrões contábeis (regras inferiores). Para esses autores, porém, Exemplos disso aparecem nas pesquisas de Hudack ela pode ser utilizada também como um motivo e Orsini (1993) e Alexander e Eberhatinger (2009). para a não aplicação de algumas dessas regras em Quando da adoção do TFV pela França, pela Quarta circunstâncias excepcionais: o override. Diretiva, percebeu-se que foram feitas modificações na visão original. Isso acabou por preservar a pers- Essa alternativa de tratamento contábil consta da pectiva francesa anterior, de regularidade e sinceri- norma internacional IAS 1, trazida para o ordedade, enfatizadas pelo TFV, que via na regularidade namento contábil nacional a partir da emissão do uma conformidade restrita às regras contábeis e na Pronunciamento CPC 26 (R1), que dispõe: “Considerações gerais Apresentação apropriada e conformidade com as práticas contábeis brasileiras As demonstrações contábeis devem representar apropriadamente a posição financeira e patrimonial, o desempenho e os fluxos de caixa da entidade. Para apresentação adequada, é necessária a representação fidedigna dos efeitos das transações, outros eventos e condições de acordo com as definições e critérios de reconhecimento para ativos, passivos, receitas e despesas como estabelecidos na Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil Financeiro. Presume-se que a aplicação dos Pronunciamentos Técnicos, Interpretações e Orientações do CPC, com divulgação adicional quando necessária, resulta em demonstrações contábeis que se enquadram como representação apropriada. A entidade cujas demonstrações contábeis estão em conformidade com os Pronunciamentos Técnicos, Interpretações e Orientações do CPC deve declarar de forma explícita e sem reservas essa conformidade nas notas explicativas. A entidade não deve afirmar que suas demonstrações contábeis estão de acordo com esses Pronunciamentos Técnicos, Interpretações e Orientações a menos que cumpra todos os seus requisitos. (...) Em circunstâncias extremamente raras, nas quais a administração vier a concluir que a conformidade com um requisito de Pronunciamento Técnico, Interpretação ou Orientação do CPC conduziria a uma apresentação tão enganosa que entraria em conflito com o objetivo das demonstrações contábeis estabelecido na Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil-Financeiro, a entidade não aplicará esse requisito e seguirá o disposto no item 20, a não ser que esse procedimento seja terminantemente vedado do ponto de vista legal e regulatório. REVISTA

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True and Fair Override Quando a entidade não aplicar um requisito de um Pronunciamento Técnico, Interpretação ou Orientação do CPC ou de acordo com o item 19, deve divulgar: (a) que a administração concluiu que as demonstrações contábeis apresentam de forma apropriada a posição financeira e patrimonial, o desempenho e os fluxos de caixa da entidade; (b) que aplicou os Pronunciamentos Técnicos, Interpretações e Orientações do CPC aplicáveis, exceto pela não aplicação de um requisito específico com o propósito de obter representação apropriada; (c) o título do Pronunciamento Técnico, Interpretação ou Orientação do CPC que a entidade não aplicou, a natureza dessa exceção, incluindo o tratamento que o Pronunciamento Técnico, Interpretação ou Orientação do CPC exigiria, a razão pela qual esse tratamento seria tão enganoso e entraria em conflito com o objetivo das demonstrações contábeis, estabelecido na Estrutura Conceitual para Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil-Financeiro e o tratamento efetivamente adotado; e (d) para cada período apresentado, o impacto financeiro da não aplicação do Pronunciamento Técnico, Interpretação ou Orientação do CPC vigente em cada item nas demonstrações contábeis que teria sido informado caso tivesse sido cumprido o requisito não aplicado.” (GRIFOS NOSSOS)

A União Europeia, na sua Quarta Diretiva de 1978, sobre as contas anuais das companhias de responsabilidade limitada, trazia a ideia da aplicação do true and fair view, no seu parágrafo 2: “As contas anuais devem fornecer uma visão justa e verdadeira aos ativos, passivos, posição financeira e lucros ou prejuízos da companhia”2 (artigo 2, parágrafo 3). No entanto, nos seus parágrafos 4 e 5 desse mesmo artigo, permitia o distanciamento dessa Diretiva, caso fosse necessário para manter o TFV, contanto que fossem divulgadas as razões e os detalhes desse distanciamento. A incorporação desse dispositivo possibilitou o distanciamento da redação da lei, à luz dos objetivos dos relatórios financeiros (Alexander & Eberhartinger, 2009, p. 575).

Alexander e Archer (2003, p. 8) entendem que o conhecimento por trás da utilização do override para uma representação fidedigna não está simplesmente baseado em uma habilidade para enxergar [falta de] correspondências entre a representação e o seu objetivo, mas, sim, em uma capacidade de verificar a [falta de] coerência na forma com que se constrói e usa tal representação.

As opiniões a favor do TFO argumentam que ele pode melhorar o reporte financeiro, se a aplicação das regras existentes levar a relatórios financeiros enganosos (Livne & McNichols, 2009, p. 2). Conforme Okamoto (2011, p. 241), o TFO é necessário em um framework de normas baseadas em princípios, pois não se conhece a hierarquia de certos princípios, ou Conforme Kirk (2006, p. 209), o Companies Act bri- seja, não se sabe, por exemplo, se houver um conflito tânico de 1989 reconheceu os padrões contábeis e entre relevância e confiabilidade, qual dos dois devemanteve o TFV como uma forma de override, ao rá prevalecer. passo que permitiu aos reguladores, preparadores e auditores não seguirem requerimentos legais mais Contudo, verificam-se posicionamentos contrários restritos. Na Austrália, antes de 1991, era permitida à utilização desse dispositivo. O principal argumena utilização do override; nesse ano, porém, o dispo- to é que, ao aumentar a gama de opções possíveis, sitivo foi removido (Dunk & Kilgore, 2000, p. 214- reduz-se a comparabilidade e a qualidade dos re215). Essa eliminação do override resultou, segundo latórios financeiros (Dunk & Kilgore, 2000, p. 223; os autores, em disclosures adicionais nos relatórios Livne & McNichols, 2009, p. 2). O FASB, por meio financeiros. O que está relacionado àquilo que afir- do item A12 do SFAS 162, entende que não é possíma Kirk (2006, p. 209), ou seja, os Companies Acts vel uma empresa afirmar que está de acordo com o da Nova Zelândia e da Austrália o colocam apenas GAAP se ela dele se distanciar. Além desse órgão, a como informação adicional nas Notas Explicativas. SEC também é contra a utilização do override, pois acredita que ele pode reduzir a comparabilidade e transparência, além de poder ser utilizado para mas2 “The annual accounts shall give a true and fair view of the company’s assets, liabilities, financial position and profit or loss” carar desempenhos financeiros ruins ou deteriorar a (artigo 2, parágrafo 3).

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True and Fair Override qualidade dos ativos (Livne & McNichols, 2009, p. and fair override, mas não é o caso. As companhias que aplicam os CPCs não estão utilizando o TFO 2). em relação às normas do IASB. Costa, Theóphilo e Ademais, uma das preocupações citadas por Dunk Yamamoto (2012) citam diversas diferenças entre e Kilgore (2000, p. 223), com a reintrodução do esses dois conjuntos de normas, como o caso da TFO na Austrália, é que isso poderia permitir aos possibilidade de reavaliação. No entanto, é possível diretores das empresas agir de forma oportunista. perceber que todas as normas do CPC estão contiEntretanto, segundo Alexander e Archer (2003, p. das nas do IASB, não sendo, assim, um distancia9), a utilização de “meta-regras” como “representa- mento desse. Sobre isso, os autores apontam que “as ção fidedigna” e “substância sobre a forma” objetiva demonstrações contábeis pelo CPC podem ser dea restringir essa contabilidade criativa. claradas ‘de acordo com as IFRSs’ em função de que Mesmo antes da declaração do posicionamento do os procedimentos previstos nas normas internacioFASB e da SEC, é possível perceber que os Estados nais foram contemplados pelos CPCs” (p. 124), mas Unidos eram contra a utilização do override. Parker não se pode dizer o mesmo do contrário; ou seja, as (1994) destaca que os Estados Unidos não estabe- IFRSs não estão “de acordo” com os CPCs, já que leciam o requerimento do “overriding true and fair contemplam um número maior de opções. Assim, view”, e era requisitado aos auditores a declaração de essas diferenças não constituem o TFO, pois não esque as demonstrações financeiras estavam represen- tão divergentes às normas contábeis em vigor. tadas de forma fidedigna e em conformidade com o GAAP. Entretanto, McEnroe e Martens (2004, p. 429) destacam que o problema dessa menção à con- Estudos anteriores formidade ao GAAP é que pode dar à auditoria a possibilidade de focar apenas nisso, deixando de Dentre os estudos anteriores sobre o tema, enconlado a “representação fidedigna”. trou-se muitos em diversos países, por exemplo, Áustria, França, Reino Unido, Nova Zelândia e Enquanto os Estados Unidos buscam eliminar o Austrália. override, o IASB confirmou sua importância na IAS 1 (Alexander & Eberhartinger, 2009, p. 571-572). No Destacam-se, primeiramente, aqueles que trataentanto, vê-se que esse posicionamento do board é vam de TFV. Um exemplo é a pesquisa de Hudack mais recente. Isso porque as antigas IAS não se re- e Orsini (1993), que tinha como objetivo estudar feriam nem mesmo ao TFV ou à representação fi- a implementação do conceito de TFV na França. dedigna. Foi na edição de 1997 que a apresentação Verificaram que essa implementação não necessitou fidedigna foi requerida, de acordo com o GAAP de mudança nas ideias tradicionais de regularidade internacional;porém, o dispositivo do override apa- e sinceridade na apresentação das demonstrações fireceu somente na versão de 1998, mantendo-se na nanceiras. versão atual (Dunk & Kilgore, 2000, p. 221; Kirk, Na Nova Zelândia, Kirk (2006) realizou um survey 2006, p. 211). em 1998 focando na percepção de auditores, direA pesquisa de Livne e McNichols (2009, p. 571-572) tores financeiros e acionistas do significado de true mostra que, antes da adoção das normas do IASB em and fair view, e sua similaridade com outras frases 2005 pela Europa, o Reino Unido apresentou diver- utilizadas nos relatórios financeiros. Os autores ensos casos de utilização do True and Fair Override. A contraram que os grupos têm a mesma percepção Alemanha e a Áustria, ainda que tenham implemen- de significado para a frase “verdadeira e justa”, e que tado o TFV, não possuíam uma função de override essa visão e outros requerimentos estatutários (reantes da adoção das normas do IASB (Alexander & levância e utilidade, substância econômica e compreensibilidade) não aparentam estar relacionados Eberhartinger, 2009, p. 576-577). com o compliance ao GAAP. Ressalta-se que poderia haver confusões no entendimento de que certas diferenças existentes entre Outros estudos apresentaram o TFO, mas não como as normas do IASB e do CPC são exemplos de true foco principal, e sim como parte do todo que é o REVISTA

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True and Fair Override TFV. Por exemplo, o propósito da pesquisa de Dunk e Kilgore (2000) era realizar um estudo da literatura teórica e empírica, sobre os problemas relacionados ao uso do TFV e as implicações na Austrália da reintrodução do override, juntamente ao emprego dos padrões do IASC (International Accounting Standards Commmittee). Concluíram que a reintrodução do TFV pela Quarta Diretiva foi consistente com um princípio contábil fundamental.

e diferentemente das conclusões da pesquisa de Kirk (2006), o princípio do TFV é um método que dá prioridade ao objetivo e à utilidade da informação, prioridade essa que é aumentada pela existência de um override.

Uma pesquisa mais atual que tem como foco central o TFO é o de Livne e McNichols (2009), mas seus resultados são relacionados a overrides no Reino Unido, anteriores à adoção das IFRS. Os autores Alexander e Archer (2003) examinaram, de forma localizaram 707 casos de override de 1998 a 2002. crítica, o papel de uma “meta-regra”, como a “repre- Desses, 339 se referiam à [falta de] depreciação de sentação fidedigna” nos relatórios financeiros, veri- Propriedades para Investimento e 104 à [falta de] ficando também o uso do override pelos preparado- amortização de goodwill. Nessa pesquisa, concluíres para justificar a falta de compliance com alguma ram que os overrides mais custosos são menos frenorma contábil. Apresentaram argumentos contra e quentes, utilizados por empresas com desempenhos financeiros mais fracos, e empresas que utilizam o a favor de três posições referentes à compliance para override do GAAP fornecem demonstrações finanalcançar uma representação fidedigna. Na primeira, ceiras menos informativas. considera que seja algo suficiente para alcançar essa representação (não permite override); na segunda, algo necessário, mas não suficiente (também não permite override), e na última, algo nem suficiente, METODOLOGIA nem necessário (que permite override). E concluem que a posição intermediária é a que apresenta meno- Esta é uma pesquisa empírico-descritiva sobre os res objeções de natureza filosófica. casos de utilização do dispositivo do True and Fair Um estudo recente é o de Alexander e Eberhatinger Override, em países que adotaram as normas do IASB. (2009), que exploraram a incorporação do TFV e o princípio do override na legislação nacional de países Por meio de uma pesquisa em sites de busca, foi posda União Europeia (UE), utilizando a Áustria como sível encontrar cinco casos reais, nos quais se declaum estudo de caso detalhado. Esse estudo mostra rou a aplicação do TFO, pela análise de suas caracteque os países europeus ou têm um override, ou fa- rísticas (detalhamento do caso) e seus impactos nas lharam em honrar suas obrigações na UE, já que não demonstrações financeiras. Os casos selecionados o implementaram. Ressalta-se que, para os autores, podem ser encontrados no Quadro 1, adiante: Empresa Société Générale HSBC Deutsche Post AG National Express Go-Ahead Group PLC

País (Sede) França Reino Unido Alemanha Reino Unido Reino Unido

Exercício 2007 2009 2006 2005-2010 2005-2013

Norma IAS 10 e 39 IAS 32 IAS 32 e 39 IAS 19 IAS 19

Impacto Financeiro - 6,4 bilhões de euros - 4,7 bilhões de libras +239 milhões de euros Vide Tabela 3 Vide Tabela 3

Quadro 1 – Resumo dos casos analisados

Empresa de auditoria Ernst & Young LLP DFs não auditadas3 PricewaterhouseCoopers Ernst & Young LLP Ernst & Young LLP

Segundo documento da Fundação IFRS (2014), em torno de 120 países exigem/permitem a utilização das normas internacionais; no entanto, nesta pesquisa, encontrou-se poucos casos em que o override foi utilizado. No Reino Unido, por exemplo, Livne e McNichols (2009) mostraram um grande número de casos de override em quatro anos de pesquisa. Contudo, assim como afirmam os autores, após a adoção das IFRS, esse número caiu consideravelmente. 3 Ressalta-se que a demonstração que apresentou o override é uma demonstração intermediária e, por isso, não foi auditada. A demonstração financeira referente ao exercício completo foi auditada pela KPMG Audit Plc. REVISTA

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True and Fair Override Dos casos apresentados, percebe-se que todos são de empresas europeias, principalmente no começo da aplicação das IFRS, que, como dito anteriormente, foi adotada em 2005 pelos países da União Europeia. Três casos são relacionados a instrumentos financeiros e dois a benefícios de empregados, e os valores relativos à essa escolha de aplicação do override são bastante altos nas cinco entidades que o aplicaram.

39 pede que as entidades reconheçam seus ativos/ passivos financeiros quando se tornarem parte das disposições contratuais do instrumento.

Segundo a instituição, em sua Nota Explicativa 40, no exercício de 2007, a aplicação das normas citadas acima a essas atividades não autorizadas faria com que o ganho líquido de 1,471 bilhões de euros dos instrumentos financeiros a valor justo fosse reconheNos próximos tópicos, serão pormenorizados cada cido em 2007, enquanto as perdas de 6,382 bilhões um dos casos e analisadas as consequências da utili- fossem reconhecidas nas demonstrações financeiras zação do TFO. Dada a semelhança entre os casos, a de 2008. Ao considerar que isso iria contra o propóNational Express e a Go-Ahead serão apresentadas sito de apresentação fidedigna, a instituição utilizou em conjunto. o dispositivo do override e reconheceu a perda e o ganho no exercício de 2007 (Société Générale, 2007). Não há, porém, nos Relatórios Financeiros analisados, qualquer detalhamento do motivo pelo CASOS ESTUDADOS qual a empresa considerou as normas inadequadas para fornecer uma true and fair view para as Société Générale Demonstrações Financeiras. A falta de detalhamento das razões pode ter causado o debate sobre a possibiO Société Générale é uma Instituição Financeira lidade de utilização desse dispositivo nesse caso. Um francesa (Société Générale, s.d.). Em 19 e 20 de ja- membro do IASB chegou a declarar que não há nada neiro de 2008, descobriu operações especulativas e de verdadeiro em reportar uma perda em 2007 que não autorizadas que aconteceram durante 2007 e no aconteceu em 2008; para ele, o que distingue esse de começo de 2008. Um corretor foi responsável por outros casos de violação de sistemas e controles inuma perda de 4,9 bilhões de euros para a instituição ternos de empresas é a quantia envolvida. Contudo, entende que se toda vez que algo assim acontecer as (Société Générale, 2007). empresas puderem utilizar o dispositivo, elas teriam Contudo, o reconhecimento desse evento contou a liberdade de escolher quando seria feito o reconhecom o override de duas normas: a IAS 10 (Eventos cimento de ganhos e perdas (The New York Times, Subsequentes) e a IAS 39 (Instrumentos Financeiros: 2008; Financial Times, 2008). Reconhecimento e Mensuração). A IAS 10 exige que os eventos que aconteceram após o fechamento do A Tabela 1, a seguir, mostra como teriam sido as balanço, mas anteriores à autorização de publicação, contas do balanço, caso o override não tivesse sido não sejam ajustados no relatório financeiro. E a IAS utilizado: Tabela 1 – Comparação do impacto do override nas demonstrações financeiras da Société Générale (Milhões de Euros)

Resultado antes dos impostos (DRE) 2007 2008 Instrumento Financeiro (Ativo) 2007 2008 Patrimônio Líquido 2007 2008

Com Override

Reversão do Override

Sem Override

Impacto nas contas pela utilização do Override (em %)

1.886 4.008

+ 6.382 - 6.382

8.268 (2.374)

- 77,19% + 268,83%

489.959 488.415

- 6.382 + 6.382

483.577 494.797

+ 1,32% - 1,29%

31.275 40.887

+ 6.382 - 6.382

37.657 34.505

- 16,51% + 18,50%

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True and Fair Override Dessa feita, é possível verificar que, se as perdas fos- trocar ativos/passivos financeiros com outra entidasem contabilizadas em seus exercícios de origem, a de, sob condições potencialmente desfavoráveis ao empresa apresentaria um prejuízo de 2 bilhões de próprio emissor. euros em 2008. Em março de 2009, a empresa anunciou uma proConforme a última coluna, em termos percentuais, posta para aumentar seu capital em 12,5 bilhões de o impacto no Ativo não foi tão significante, devido libras, líquido de despesas, pela emissão de ações. Os aos valores altos desse. Por outro lado, o impacto po- acionistas teriam, então, a possibilidade de adquisitivo no Resultado e, por consequência, no PL de rir cinco novas ações ordinárias, a cada 12 possuí2008, foi maior do que o negativo de 2007 na utili- das, pelo preço de 254 pences por ação. Acionistas zação do override. O impacto positivo no Resultado de Hong Kong e da filial das Bermudas teriam essa de 2008, inclusive, foi muito superior ao negativo de oferta expressa em dólares de Hong Kong e america2007, o que ajuda a justificar o interesse da empresa nos, respectivamente. Essa proposta foi autorizada em reconhecer os valores nesse ano, pois já saberia em 19 de março daquele ano, começando o período que os ganhos de 2007 superariam essa perda. Os no dia seguinte (20 de março), e fechando em 3 de dados apontam, assim, um benefício para a Société abril. As negociações dessas novas ações iniciaram Générale no não reconhecimento em 2008. Ademais, em 6 de abril (HSBC Holdings plc, 2009a). a falta de maior disclosure sobre detalhes desse julDesse modo, ainda que a moeda funcional do HSBC gamento pode corroborar as acusações feitas a essa seja o dólar americano, a maior parte das ações emiempresa. Contudo, as duas empresas que auditaram tidas estava denominada em outras moedas, printais informações não encontraram problemas nas cipalmente em libras e em dólares de Hong Kong. políticas adotadas pelo Société Générale, tampouco Destarte, o HSBC não seria capaz de demonstrar o órgão regulador francês, que aprovou essa alteraque estava emitindo um número fixo de ações por ção (Société Générale, 2007; The New York Times, uma quantidade fixa de caixa, como exigido pela IAS 2008). 32, e não poderia contabilizar a oferta de ações no Não obstante o eventual exercício de um julgamento crítico, tem-se a impressão de que o uso deliberado do TFO por parte da Instituição tenha sido motivado por uma necessidade de compensação das perdas registradas em 2007. Logo, se essa percepção inata fosse materializada por meio de uma verificação empírica, o TFO teria sido utilizado, sobretudo, como um mecanismo de gerenciamento de resultados.

Patrimônio Líquido, e sim, como passivos financeiros derivativos (HSBC Holdings plc, 2009a).

Como passivo, conforme a IAS 39, ele deveria ser mensurado a valor justo no início da oferta em março de 2009, e a entrada correspondente teria sido feita no PL. Após, o passivo seria remensurado a valor justo, com movimentações desse valor na DRE até o exercício das ações, que aconteceu no dia 3 de abril, criando um crédito no PL. Se esse tratamento contábil tivesse sido adotado, uma perda de 4,7 bilhões HSBC de dólares teria sido reconhecida na DRE, que seria relacionada ao aumento do preço das ações entre De origem em Hong Kong, e atualmente com sede no 20 de março e 3 de abril, não havendo impacto no Reino Unido, o HSBC é uma Instituição Financeira PL ou nas reservas passíveis de distribuição (HSBC que utilizou o dispositivo do override para não apli- Holdings plc, 2009a). car certos requerimentos da IAS 32 (Instrumentos Financeiros: Apresentação) (HSBC, s.d.; HSBC Na demonstração intermediária apresentada em junho de 2009, a empresa informou que estava no Holdings plc, 2009a). aguardo da publicação das emendas à IAS 32, perA IAS 32 exigia apenas que um emissor reconhe- mitindo, assim, que seus instrumentos fossem concesse um instrumento com conta do Patrimônio tabilizados como PL, em vez de passivo. A expectaLíquido, se o instrumento financeiro não possuís- tiva era de que essas emendas estivessem disponíveis se qualquer obrigação contratual de entregar caixa para os relatórios financeiros dos exercícios encerraou outro ativo financeiro para outra entidade e de dos em dezembro daquele mesmo ano. REVISTA

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True and Fair Override Os impactos nas contas das demonstrações financeiras são observáveis na Tabela 2, a seguir: Tabela 2 – Comparação do impacto do override nas demonstrações financeiras do HSBC (em milhões de libras) Com Override

Reversão do Override

Sem Override

Impacto nas contas pela utilização do Override (em %)

2.296.545

+ 4.747

2.301.292

- 0,21%

5.019

- 4.747

272

+ 1.745,22%

Passivo Total 2009 Resultado antes dos impostos (DRE) 2009

reforma administrativa do sistema de serviço postal germânico. A empresa faz parte do grupo Deutsche Post DHL, que é o único fornecedor de serviço postal na Alemanha (Deutsche Post, s.d.). No relatório financeiro do exercício de 2006, ela utilizou o disUma emenda a IAS 32 permitiu que fosse contabi- positivo do override sobre duas normas: a IAS 32 lizado como instrumento patrimonial o instrumen- (Instrumentos Financeiros: Apresentação) e a IAS to: que não inclui obrigação contratual de entregar 39 (Deutsche Post, 2006). Ou seja, além da forma caixa ou outro ativo financeiro à outra entidade, ou de reconhecimento, o override foi realizado também que troca ativos ou passivos financeiros com outra sobre a sua mensuração. entidade, sob condições potencialmente desfavoráveis ao emissor; e que será ou poderá ser liquidado A IAS 32 define que quando o instrumento finanpor instrumentos patrimoniais do próprio emissor. ceiro derivativo dá a uma das partes a escolha sobre Conforme essa última condição, o instrumento será: a forma ao qual será liquidado, é um ativo/passivo um não-derivativo, que não inclui obrigação contra- financeiro, a não ser que seja um instrumento patual de entrega de um número variável de seus pró- trimonial, o que é resultado de suas alternativas de prios instrumentos patrimoniais; ou um derivativo, liquidação. Isto é, tal norma traz o que deve ser concomo no caso do HSBC, que será liquidado somen- siderado como um passivo financeiro. te pelo emissor, por meio da troca de um montante Conforme a IAS 39, dado que se tenha esse tipo de fixo de caixa ou outro ativo financeiro por um nú- passivo, após o reconhecimento inicial, as empresas mero fixo de seus instrumentos patrimoniais (IAS deverão mensurá-lo pelo custo amortizado, usando 32; European Commission, 2009). o método dos juros efetivos, com exceção de passiO impacto no Passivo foi pequeno, em razão de suamagnitude. No entanto, o impacto no resultado foi grande e, em termos percentuais, é o maior dentre todos os casos analisados nesta pesquisa.

Essa emenda deveria ser aplicada a partir de 1º de fevereiro de 2010, mas a adoção antecipada era permitida. O HSBC optou pela adoção antecipada e a aplicou de forma retrospectiva, como exigido pelas normas internacionais (HSBC Holdings plc, 2009b). Assim, como esperado, no relatório financeiro referente ao final de 2009, o dispositivo de True and Fair Override não foi utilizado, devido à aplicação de emendas a IAS 32 (HSBC Holdings plc, 2009a; HSBC Holdings plc, 2009b). Deutsche Post AG

A Deutsche Post AG surgiu em 1995, após uma

vos financeiros mensurados a valor justo por meio do resultado. Tais passivos financeiros, incluindo derivativos que sejam passivos, devem ser medidos pelo valor justo. Contudo, deve ser mensurado pelo custo se o passivo derivativo estiver ligado a e for liquidado pela entrega de instrumento patrimonial não cotado, cujo valor justo não possa ser mensurado de forma confiável.

A empresa utilizou o dispositivo para não ter que registrar em 2005 um derivativo (passivo), que viria a ser exigível e despesa e revertido no resultado de 2006. Isso aumentaria o ganho líquido desse exercício em 239 milhões de euros (Deutsche Post, 2006). Os efeitos nas contas das demonstrações financeiras podem ser verificados na Tabela 2, a seguir:

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True and Fair Override Tabela 2 – Comparação do impacto do override nas demonstrações financeiras da Deutsche Post (em milhões de euros) Com Override

Reversão do Override

Sem Override

Impacto nas contas pela utilização do Override (em %)

2005

160.225

+ 239

160.464

- 0,15%

2006

203.746

- 239

203.507

+ 0,12%

2005

3.053

- 239

2.814

+ 8,49%

2006

2.842

+ 239

3.081

- 7,76%

Passivo Total

Resultado antes dos impostos (DRE)

O impacto nos valores do Passivo é menor do que 1% em ambos os anos, podendo ser considerado baixo. O impacto no Resultado, no entanto, passa dos 5%, podendo ser considerado significativo, ainda que não seja muito alto. Somente com esses dados, não é possível afirmar que a empresa se beneficiou pela utilização do override. Ademais, dado que não foi feita nenhuma ressalva sobre o assunto pela empresa de auditoria responsável por esses relatórios (Deutsche Post, 2006), os dados apontam que a utilização do dispositivo seja válida nesse caso. National Express e Go-Ahead Group PLC

A National Express e a Go-Ahead são empresas britânicas de transporte de passageiros e estão entre as quatro empresas abertas mais importantes do setor no Reino Unido (Go-Ahead Group PLC, s.d.; National Express, s.d).

pagamentos como resultado de eventos passados (IAS 19). As empresas utilizaram o override, pois contabilizaram suas obrigações não formalizadas, mas não legais, no Regime de Pensão das Ferrovias (Railways Pension Scheme) (National Express, s.d.; Go-Ahead Group PLC, s.d.). Em 2011, porém, a National Express mudou de posição, em razão de uma reavaliação da norma em questão. Segundo sua Nota Explicativa 34b dos Relatórios Financeiros de 2011, entrou em contato com seus pares na indústria de TOC (Train Operating Companies) e passou a entender que sua política estava, sim, de acordo com a IAS 19 (National Express, s.d.). Por outro lado, desde a adoção das IFRS e até os relatórios financeiros referentes a 2013, a Go-Ahead Group PLC vem apresentando esse entendimento (Go-Ahead Group PLC, s.d.), e não foi possível localizar qualquer tipo de retratação por parte dessa empresa, ou seja, ela ainda acredita que o não reconhecimento das obrigações legais seja um override.

O que se entende, do caso, é que deve ter acontecido uma interpretação errônea da norma por parte de ambas as empresas, o que as levou a acreditar que estavam utilizando o dispositivo TFO, quando estavam, na verdade, em compliance com as normas do IASB. Todavia, supondo-se como procedente as interpretações das companhias, é possível perceA norma citada exige que as empresas reconheçam ber impactos relevantes nas suas Demonstrações o custo esperado de pagamento de bônus e de par- Financeiras, pelo não reconhecimento dos valoticipação nos lucros, somente quando tiver uma res das obrigações legais, como mostra a Tabela 3, obrigação legal ou não formalizada de fazer tais adiante: De 2005 a 2010, a National Express informava que suas políticas contábeis se distanciavam da IAS 19 – Benefícios a Empregados (National Express, s.d.). De maneira semelhante, até 2013, o grupo GoAhead PLC destacava a utilização do mesmo formato de override (Go-Ahead Group PLC, s.d.).

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True and Fair Override Tabela 3 – Comparação do impacto do override nas demonstrações financeiras da National Express e da Go-Ahead (em milhões de libras) National Express Exercícios

Go-Ahead

Ajuste

Com override

Sem override

% do ajuste

Ajuste

Com override

Sem override

% do ajuste

2013

N/A

N/A

N/A

N/A

70,90

1.075,50

1.146,40

- 6,18%

2012

N/A

N/A

N/A

N/A

64,20

1.123,00

1.187,20

- 5,41%

2011

N/A

N/A

N/A

N/A

60,20

1.008,50

1.068,70

- 5,63%

2010

16,50

2.423,60

2.440,10

- 0,68%

106,90

1.010,80

1.117,70

- 9,56%

Ativo

2009

20,20

2.437,90

2.458,10

- 0,82%

77,90

979,50

1.057,40

- 7,37%

2008

8,90

2.876,50

2.885,40

- 0,31%

62,20

1.018,70

1.080,90

- 5,75%

2007

3,00

2.356,00

2.359,00

- 0,13%

-7,40

879,30

871,90

+ 0,85%

2006

16,90

1.722,70

1.739,60

- 0,97%

DFs não localizadas

2005

23,50

1.776,60

1.800,10

- 1,31%

DFs não localizadas

N/A

N/A

2

Resultado antes dos impostos 2013

N/A

N/A

-6,10

75,90

69,80

+ 8,74%

2012

N/A

N/A

N/A

N/A

-5,30

84,50

79,20

+ 6,69%

2011

N/A

N/A

N/A

N/A

-10,30

89,20

78,90

+ 13,05%

2010

-4,60

40,20

35,60

+ 12,92%

-6,80

38,40

31,60

+ 21,52%

2009

-2,20

-83,50

-85,70

+ 2,57%

-4,10

42,00

37,90

+ 10,82%

2008

-1,10

109,90

108,80

+ 1,01%

2,60

103,10

105,70

- 2,46%

2007

8,60

149,90

158,50

- 5,43%

2,20

94,80

97,00

- 2,27%

2006

13,90

104,10

118,00

- 11,78%

DFs não localizadas

2005

-2,20

89,30

87,10

+ 2,53%

DFs não localizadas

2013

N/A

N/A

N/A

N/A

289,00

1.025,40

1.314,40

- 21,99%

2012

N/A

N/A

N/A

N/A

237,30

1.070,00

1.307,30

- 18,15%

4

Passivo

2011

N/A

N/A

N/A

N/A

193,70

977,10

1.170,80

- 16,54%

2010

72,4

1.483,80

1.556,20

- 4,65%

337,50

1.052,10

1.389,60

- 24,29%

2009

81,7

1.595,60

1.677,30

- 4,87%

223,80

989,00

1.212,80

- 18,45%

2008

28,2

2.291,10

2.319,30

- 1,22%

156,80

951,20

1.108,00

- 14,15%

2007³

2,3

1.914,90

1.917,20

- 0,12%

6,00

747,70

753,70

- 0,80%

2006

44,4

1.377,20

1.421,60

- 3,12%

2005

71

1.464,30

1.535,30

- 4,62%

DFs não localizadas

DFs não localizadas

Destaca-se que nenhuma das Demonstrações citadas acima possuía ressalvas em seus pareceres relacionados ao assunto do potencial override.

4 As informações referentes a esse ano do grupo Go-Ahead foram obtidas das demonstrações relativas ao exercício de 2009.

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True and Fair Override CONSIDERAÇÕES FINAIS A adoção das normas do IASB trouxe a possibilidade de aplicação de um dispositivo que permite que as empresas, para manter um true and fair view nas suas demonstrações financeiras, distanciem-se da norma. O true and fair override, no entanto, não é consenso mundial. Os Estados Unidos são contra a sua aplicação, ainda que exijam uma apresentação fidedigna por parte das empresas.

destaca-se o fato de todas terem apresentado os impactos financeiros que esse dispositivo causou no balanço, permitindo que o usuário faça uma simulação, o que possibilita a comparação com outras empresas. Dessa forma, entende-se que, ainda que seja algo raro de acontecer, é importante que as empresas apresentem amplas e extensas informações relevantes quando utilizarem esse dispositivo, conforme requerido pelas IFRSs.

É de suma importância, contudo, ter cuidado ao avaliar se os casos em que as empresas dizem estar Esse assunto esteve em pauta no Brasil, dada a reutilizando o dispositivo do TFO é o que está sendo cente publicação da IFRS 14, que trata de ativos relatado. Isso porque, como mostrado nesta pesquiregulatórios, que não poderia ser aplicada em paísa, apareceram dois casos em que as empresas conses que, como o Brasil, já adotaram as IFRS. Dada sideraram que estavam se distanciando da norma, a possibilidade de utilização do TFO nesses casos, quando, aparentemente, não estavam. nesta pesquisa, verificou-se outros casos de utilização desse dispositivo no mundo, já que não foi iden- Uma limitação da pesquisa foi a forma de localização tificado nenhum caso de utilização do TFO no Brasil dos casos de utilização do TFO. Diversas palavrasaté o momento. Ademais, respondeu-se à a seguinte -chave relacionadas ao true and fair view ou ao overquestão: Em âmbito internacional, quais as caracte- ride para localizá-los foram aplicadas. Entretanto, é rísticas da aplicação do True and Fair Override pelas possível que outros casos de utilização desse dispositivo tenham sido excluídos, por utilizarem alguma empresas de países que adotaram as IFRS? denominação diferente daquela da presente análise. Buscaram-se casos internacionais da aplicação do Outra limitação relacionada à anterior é a barreira TFO em países que adotaram as normas internacio- da língua. Se as empresas utilizaram o dispositivo, nais. No entanto, percebeu-se que são raros os ca- mas não apresentaram suas demonstrações em insos de aplicação do override, principalmente após a glês ou português, não foi possível identificá-las. adoção dessas normas. Dos casos analisados nesta pesquisa, todos são de empresas europeias (França, À medida que aborda casos reais de True and Fair Alemanha e Reino Unido); três são relacionados às Override, essa pesquisa possibilita contribuições aos normas de Instrumentos Financeiros e dois à norma profissionais que lidam com Contabilidade. Para prede Benefícios a Empregados; e o impacto financeiro paradores, auditores e analistas de Demonstrações nas Demonstrações foram bastante relevantes, prin- Financeiras, o conhecimento dos casos práticos e cipalmente para as duas instituições financeiras ana- suas peculiaridades permite avaliar e julgar a possibilidade de aplicação em outras situações reais. Aos lisadas. órgãos reguladores, trata-se de um assunto muito Em todos os casos, todavia, houve poucos detalha- sensível e relevante. Para usuários de uma forma mentos nas Notas Explicativas sobre os motivos geral, é importante que saibam da possibilidade de pelos quais as empresas consideraram o override aplicação desse conceito e seus impactos na análise necessário. As cinco empresas apenas relataram a e interpretação da informação contábil. E, finalmennorma e o que deixaram de contabilizar, sem real- te, aos docentes e discentes de Contabilidade e áreas mente apresentar o motivo para essa escolha, o que afins, o estudo dos casos já ocorridos pode ser útil pode dificultar a avaliação do usuário. Ainda assim, para a fixação de conceitos fundamentais. REVISTA

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