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HÁ NO NOSSO OLHAR ANÁLOGICO UM OLHAR SURPREENDENTE FOTÓGRAFO FERNANDO TALASK

Há no nosso olhar analógico algo surpreendente

Fotógrafo Fernando Talask

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É de se admirar o número de aparelhos eletrônicos que desapareceram da nossa vida depois da popularização dos smartphones. Rádios, gravadores, câmeras, filmadoras, tradutores, aparelho de pressão, calculadoras, afinadores de instrumentos musicais,fotômetros, termômetros, cronômetros, enfim, a lista se estende infinitamente. Podemos afirmar que a casa ficou vazia se incluirmos ainda os álbuns de fotos.

E o mais interessante dessa listagem é que cada item formava uma cultura e um mercado, como por exemplo, os relógios, que eram incluídos como herança, como objeto de ostentação e até de coleção. Pensei no vazio que alguns desses objetos criaram e o valor que implica em ser conhecedor profundo de alguns deles, no caso a máquina fotográfica. A câmera sempre me fascinou de uma tal forma que dediquei um museu itinerante para viajar com elas, o Kombinação. Transportei pelas estradas 200 câmeras que ajudavam a entender as mudanças que elas provocaram na humanidade, tudo em uma Kombi. O leitor deve se perguntar o que um monte de parafusos, metais e lentes pode provocar de tão revolucionário no mundo? A resposta é rápida: a capacidade de se enxergar a realidade de uma forma contemplativa, congelando o tempo na fração de segundo do disparo do obturador. À medida que essas máquinas foram evoluindo, foram ficando menores e mais precisas. Com elas imagens incômodas foram produzidas ajudando a provocar mudanças sociais importantes.

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Dorothea Lange e sua foto da mãe imigrante, Nickut e a menina queimada por Napalm no Vietnã, Eugene Smith e o envenenamento por mercúrio em Ninamata, são exemplos do que as máquinas são capazes nas mãos desses incríveis talentos.

Confesso que vivo cercado desses mecanismos. Hoje por falta absoluta de mecânicos, me dedico a consertá-las. A cada dia que abro e exponho as entranhas dessas entidades me surpreendo com o que ainda temos que aprender, não somente para nossa formação como profissionais da fotografia, mas para nos tornarmos um diferencial nesse mundo tão líquido e passageiro. Acompanhar o caminho da luz atravessando as lentes, passando pela íris até chegar no obturador, nos mostra que aquele aparato mecânico é a extensão do nosso olhar e da nossa própria consciência. O software é você mesmo e com ele somos capazes de dar personalidade a essas imagens. A prova desse olhar único que se forma é a possibilidade de analisar uma foto e dizer que é do Bresson ou do Sebastião Salgado. No início dos anos 2000 assisti a um debate em Las Vegas com o presidente da área de fotografia da Kodak e o CEO da HP do mesmo segmento. O representante da Kodak fazia da tradição dos 100 anos da companhia sua autoridade suprema. O seu rival da HP, no entanto, achava graça dizendo que a imagem digital estava só começando, por isso iria muito mais longe. Parece que depois daquele encontro, os caminhos se dividiram, a fotografia mudou, ficou congelada no tempo analógico e o digital continua seu caminho evoluindo para algo que não conseguimos imaginar o que será. Vemos que para o gosto dos consumidores que não querem sair feios na foto, são criados softwares para trazer alegria para aqueles que vivem nessa ilusão. Nada contra se for para lá que a maioria for para ser feliz. Porém, por via das dúvidas, conservo minha câmera, cheia de botões e problemas bem na minha frente, sem a menor garantia de uma foto perfeita, mas com a certeza que vai fotografar exatamente o que eu sinto, numa personalização que a Apple jamais vai ser capaz de industrializar.

U t c k " N i " g n C o h y n H u o f r a g ó t o F

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