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ERA UMA VEZ FOTÓGRAFO DAVY ALEXANDRISKY
Era uma vez...
Fotógrafo Davy Alexandrisky
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“Uma vez escolhido o caminho a seguir, uma história começa a ser contada, que pode ser longa ou curta, verdadeira ou fantasiosa. Bem-vindo ao mundo encantado da escrita. ” Martha Medeiros (o Globo 24/7/22)
Em “Sobre coisas que acontecem”, a cronista Martha Medeiros, da revista Ela, encartada aos domingos no jornal O Globo, deu uma preciosa aula, brevíssima, sucinta, de como escrever uma história. Duas “coisas” me chamaram a atenção na sua crônica: Primeiro, a originalidade para tratar de um tema recorrente em colunas de jornal e/ou revista, quando um autor se vê sem assunto. Normalmente os autores tratam da questão falando sempre do desafio diante de uma página/tela em branco. Seja pela falta, ou pelo excesso de assuntos. Enquanto, nesse caso, a Martha vai além, contando/ensinando como supera esse tipo de situação. Conta ela, que pensa, aleatoriamente, numa frase e daí desenvolve o texto: “Quando abri os olhos pela manhã, não podia imaginar que seria o dia que mudaria a minha vida. Que seria o dia que conheceria o homem que me faria cometer um crime. O dia que eu me enxergaria noespelho pela última vez. Odia que descobriria que estava grávida. O dia que encontraria um envelope lacrado, com uma carta remetida a mim 20 anos antes. (Que dia foi esse* Quem eståfalando?) É apenas um exercício de criação. Iniciei a crônica com uma frase fictícia e demonstrei os desdobramentos que ela poderia ter”, escreveu Martha. Segundo, me dei conta de que a aula, brevíssima e sucinta, de como escrever uma história, valia tanto para um texto escrito com palavras quanto para um texto imagético –escrito com imagens, ou, sendo mais preciso: um ensaio fotográfico, “...que pode ser longo ou curto, verdadeiro ou fantasioso”. Na Internet a gente tem grupos de fotógrafos de portas e janelas; de nuvens; de reflexos; de flores; de animais... Se você gosta de fotografar um determinado tema/assunto, aí pode estar a sua “frase fictícia” para começar uma crônica imagética. Mas, também, se você não tiver uma predileção especial por algum tema, nada impede que você crie a sua “frase fictícia” e passe a buscar/explorar, fotograficamente, um determinado tema/assunto.
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Porém, não basta sair por aí fotografando cachorros e imaginar que essas fotos contarão uma história. O pensamento holístico nos ensina que um ensaio fotográfico é mais do que a soma das suas fotos. Ele precisa ter uma intenção e de que esta intenção esteja subordinada a uma gramática visual, com regras semelhantes às regras gramaticais de toda redação literária, inclusive com a licença poética. Muitas vezes, nem é preciso ter fotos produzidas com a intenção de fazer um ensaio fotográfico. Eu mesmo, já criei um projeto que recebeu o título “Vermelho”, que era um ensaio com fotos antigas que eu tinha feito no Brasil, Argentina, Chile, Cuba, Costa Rica e França. Fotografadas em intervalos de tempo irregulares, com assuntos absolutamente distintos, mas que dialogavam entre si, por causa da coloração avermelhada das imagens. O que foi, nessa oportunidade, a minha “frase fictícia” para iniciar uma crônica imagética. Agora, em 2022, muitos anos após o “Vermelho”, eu fiz um outro ensaio que também recebeu como título o nome de uma cor – “Azul” – que apesar das fotos terem sido feitas, todas, para um mesmo trabalho com outro objetivo, foram retrabalhadas no fotochopi, para contar uma outra “história abstrata”, privilegiando uma palheta de cor azul. Os dois projetos, que têm títulos comuns (nome de cor), não guardam qualquer relação/semelhança entre si, justamente porque a intenção das narrativas conta “histórias” distintas. “Histórias”, entre aspas, porque são “hitórias abstratas” ou, se cabe a expressão, “histórias plásticas/visuais”.
Ou seja, sem enredo, começo, meio e fim. Ou qualquer outra forma de narrativa não linear. São simplesmente fotos que se examinadas individualmente provocam uma emoção diferente do que se vistas no seu conjunto narrativo. Tenho outros ensaios abstratos feitos para exposições, em que a intenção é emocionar apenas pela forma, textura e cor. “Fragmentos” e “Geométricos”, por exemplo. Outra possibilidade são os “ensaios de comportamento”, com caráter social, de denúncia ou de valorização de populações invisibilisadas, como os que fiz em projetos de residências artísticas com índios Guarani e Pataxó, com os quilombolas do Quilombo São José da Serra, ou com os pretos albinos em território africano. Ensaios que, normalmente (mas não necessariamente), exigem um tempo maior de elaboração, mas que, sobretudo, muito provavelmente os desdobramentos da nossa “frase fictícia” para iniciar a crônica não dará conta das nuances vivenciadas durante a Residência. Ainda que ela continue sendo importante para dar a partida em nossa “crônica imagética”. Agora mesmo, nesse meu projeto mais recente (nunca me refiro aos projetos que estou executando com a expressão “no meu último projeto”, por razões óbvias), para contar com imagens fotográficas o poder da cura através das plantas e da fé, nem mesmo o título inicial do projeto conseguiu resistir à experiência de campo, que acabou se impondo à minha “frase fictícia” para começar a crônica/ensaio sobre os erveiros e rezadeiras do interior das Minas Gerais. Por aquelas bandas do Brasil os erveiros são conhecidos como raizeiros e as rezadeiras como benzedeiras. Qualquer hora dessas trago aqui para as
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páginas da INFOTO, depoimentos sobre os desdobramentos de cada um desses ensaios.
Projeto - VERMELHO
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Projeto - AZUL
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