Applause Ano 01 Edição 01 Fevereiro/2016
Para Tudo! Entrevista com Lorelay Fox Mercado em TRANs formação A filosofia da Igreja Tenrikyo Relacionamento sem sexo?
Madonna e o legado do pop
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Abrem-se as cortinas, abrem-se os olhos
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uando falamos em comunidade LGBT, isolamos um grupo de pessoas: lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. Traçamos uma linha, delimitando o espaço onde deveriam estar: atrás das cortinas de abertura do grande show. Fechamo-as em um casulo à parte do mundo, afinal, como lidar com aqueles que escolhem caminhos diferentes dos nossos? Chega de backstage! As divas do pop subiram ao palco para dar voz a essa comunidade, transformaram músicas do gênero em hino e performances em protesto social. É hora de abrir as cortinas e mostrar quem são, de fato, essas pessoas estereotipadas e sem nome. O show, ao contrário do que se pensa, não será de glamour, purpurina, roupas provocantes ou ataques histéricos. Sobre o palco, os focos de luz serão posicionados de forma a expor as marcas, cicatrizes, imperfeições e, acima de tudo, pessoas de carne e osso. Emoções e situações reais, que transbordam aquela linha horizontal que nos separa em universos distintos. O show é a vida real e o palco, a Applause. Depois de muito refletir sobre o posicionamento da comunidade LBGT e outras orientações de gênero e sexualidade marginalizadas na mídia atual, criamos esse palco de realidade. Cultura, religião, comportamento, saúde e, principalmente, inclusão. Um espelho para que essas pessoas sem nome sejam identificadas da maneira como sempre desejaram. Na Applause, o universo é um só, independentemente de sua sexualidade. Uma tentativa de expor a singularidade humana presente em cada componente dessa comunidade tão bem definida por aqueles que estão fora dela. Definida e descrita por alguém que tem medo de mergulhar no oceano do outro e, de repente, afogar-se em seus próprios preconceitos. Lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, assexuais, pansexuais e muitos outros são apenas classificações. Estamos prontos para te surpreender, leitor, com a imensidão de humanidade que existe em cada um, quando representados sem as amarras da intolerância e concepções antecipadas. Boa leitura, Equipe Applause
Expediente Idealizacao: Jorge Salhani, Lia Vasconcelos, Marcos Cardinalli, Paula Nishi, Tamiris Volcean Reportagem: Ana Raquel Mangili, Jorge Salhani, Lia Vasconcelos, Marcos Cardinalli, Marina Fornasier, Paula Nishi, Pedro Salgado, Tamiris Volcean Revisao: Ana Raquel Mangili, Jorge Salhani, Paula Nishi Diagramacao: Lia Vasconcelos, Marcos Cardinalli Comunicacao: Paula Nishi, Tamiris Volcean Divulgacao: Ana Raquel Mangili, Jorge Salhani, Lia Vasconcelos, Marcos Cardinalli, Paula Nishi, Tamiris Volcean, Pedro Salgado Ensaio
fotografico:
Tertulia Fotografia
Colunista Convidado: Felipe Andre Arte
da
Capa: Wanderson Petrova Cavalcante
Orientacao: Liliane Ito, Mauro Pedro Santoro Zambon
de
Souza Ventura,
Produto das disciplinas de Planejamento Grafico III e Jornalismo Impresso III
/revistaapplause
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indice
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Política
A falta de leis que defendem os homossexuais na legislação brasileira A política é o caminho para mudanças e conquista de direitos dos LGBTs na sociedade
Sociedade
Ideias opostas sobre a legitimidade da Parada como ato político chamam à reflexão A contribuição do anonimato para agressões contra grupos minoritários A vivência do duplo preconceito na vida da pessoa com deficiência Coletivo Diversidade estimula discussões entre estudantes de Itajubá, MG
História
As consequências ao Império Romano quando liderado por uma travesti
Educação
Como a temática LGBT é abordada em escolas de ensino especial
Entrevista
Lorelay Fox: sua trajetória profissional e o mundo Drag Queen
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Sexualidade
A Assexualidade e suas diferentes formas de manifestação
Saúde
Os casais homoafetivos femininos não ganham tanta atenção quando o assunto é DSTs
Ensaio
O universo mora em nós!
Opinião
Segura essa marimba! Um depoimento destruidor
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Mercado de Trabalho
A complexidade na inclusão de pessoas transexuais no mercado de trabalho
Mercado Publicitário
Sob uma nova perspectiva, o público LGBT está na mira do marketing de grandes empresas
Tecnologia
Aplicativo para celular promete aproximar público LGBT
Crônica
Relato real sobre o preconceito dentro da comunidade gay
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Música
Express yourself! A
relevância Madonna e outras divas pop
de
Astrologia
As principais características da rainha do pop de acordo com o seu mapa astral
Internet
A força da mídia alternativa contribui para a visibilidade do mundo LGBT
Lazer
e baladas destinados ao público 66 Bares LGBT que ganharam admiradores de todos os estilos
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Moda
A indústria têxtil está investindo cada vez mais e um novo publico consumidor
Resenha
do filme XXY e como é 70 Análise abordada a intersexualidade
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Religião
A visão da religião oriental Tenrikyo sobre a homossexualidade
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BORN THIS WAY
entrevista
Lorelay Fox e suas 14 faces Lia Vasconcelos
O
nome forte é porta de entrada à bagagem artística de Lorelay Fox. Nascido em Sorocaba, interior de São Paulo, o publicitário e aquariano Danilo veste a personagem com propriedade para discutir as temáticas LGBT combinando humor, profissionalismo e um arsenal de quatorze perucas. O seu canal no YouTube, “Para Tudo”, já possui mais de 93 mil inscritos e foi um dos motivos para a participação de Lorelay no programa “Amor e Sexo”, da TV Globo. Sua profissão como drag queen foi inspiração para o canal ou o contrário? O Canal é algo muito recente, minha história como drag queen começa há mais de 10 anos. Durante muito tempo, ser drag foi uma plataforma artística apenas. Com a criação do canal eu acreditava que seria apenas mais um local para eu mostrar essa arte, mas isso foi um engano. O YouTube se tornou uma plataforma de debate e engajamento dentro dos temas LGBT. Sem dúvida, foi a drag que inspirou o canal, mas o canal trouxe voz para a drag. Como seus familiares lidam com seu trabalho? A repercussão do trabalho tem sido cada vez maior. Todos estão me apoiando muito. Até meus vizinhos correm aqui em casa para trazer jornais onde eu acabo aparecendo, e meus parentes (até os evangélicos) assistem minhas participações na Rede Globo e vêm elogiar. Meus amigos são meus maiores fãs, me acompanham em tudo o que podem e discutem muito comigo a respeito de cada detalhe, me ajudam a ter ideias, desde roupas para usar até temas para os vídeos. Tudo dá 06
muito trabalho e sem o apoio das pessoas que você ama seria impossível levar adiante. Você sofre preconceito, tanto por sua orientação sexual, quanto pela arte de fazer drag? Costumo dizer que eu seja alvo de preconceito, mas não sofra com ele. Acredito que eu já esteja muito blindado para lidar com isso. Sei que muitos se sentem ofendidos pela arte da drag e muitos se sentem no direito de julgar minha vida particular, mesmo ela não afetando em absolutamente nada a vida de terceiros, mas esse tipo de comportamento só mostra uma sociedade fraca, com valores antiquados que, ao perceber que vem perdendo seu poder de opressão, tenta atingir e sufocar pessoas como eu, que não se preocupam em corresponder aos padrões.
“Críticas e agressões só mostram o quanto alguém que se aceita e se assume sendo quem é consegue incomodar um mundo de falsidades e felicidades de fachada” Você teria algum conselho para aqueles que são alvo de preconceito? Meu conselho para quem sofre qualquer tipo de preconceito, seja ele LGBT, negro, mulher, portadores de deficiência, é
Foto: Arquivo pessoal
acreditar na sua verdade e vivê-la. É importante tentar se distanciar da situação e enxergar os agressores como as pessoas sempre mais prejudicadas. Eles são fruto de um mundo machista, que tirou deles a capacidade de empatia. Não se colocam em nosso lugar e isso é digno de pena. Seja quem você é e se orgulhe disso. Autenticidade é algo raro e muito valioso, se apegue a quem você ama e te ama de verdade e busque pessoas que já passaram pelos mesmos problemas que você enfrenta. Busque conselhos e conheça histórias de superação para que você saiba onde quer chegar e consiga se tornar você mesmo inspiração para os outros. Críticas e agressões só mostram o quanto alguém que se aceita e se assume sendo quem é consegue incomodar um mundo de falsidades e felicidades de fachada. E o que você gostaria de falar para as pessoas sobre drag? É preciso esclarecer que a drag queen é um personagem, alguém que usa roupas e tinta para se transformar e interpretar. A ideia de que drag queens querem ser mulheres é
muito errada. A drag é como um palhaço, que quando se veste para entrar no picadeiro toma outra personalidade, roupas e maquiagem para criar encantamento. Mas quando esse trabalho termina e a maquiagem sai, é alguém comum e não faz palhaçada no cotidiano. E agora com esse sucesso; quais são os próximos passos da sua carreira? Além de estar lançando um livro pela Editora Planeta, pretendo me dedicar mais ao canal, criando novas parcerias com youtubers amigos e expandir as redes sociais, abraçando mais pessoas. Espero que em 2016 faça mais palestras e shows conhecendo meus fãs pelo Brasil todo! A arte dos tempos de Shakespeare conhecida como “dress as a girl” (em português: vestir-se como uma garota”) tornou-se instrumento não só da arte, mas da expressão corporal como ativismo e militância. O reconhecimento de artistas como RuPaul, Silvetty Montilla, Nani People, e muitas outras, é sinônimo do crescente sucesso pela busca do direito de ser quem queremos ser.
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política
As leis não são para todos Para minorias, a legislação não funciona e os fatos são julgados isoladamente Marina Fornasier
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odos os dias, os noticiários reportam agressões de inúmeras formas contra homossexuais, e não é à toa. A intolerância atrelada ao aumento de pessoas que assumiram sua sexualidade fez com que a taxa de violência tomasse grandes proporções. Porém, ainda há outra causa crucial e ainda mais grave para esse aumento: a falta de leis. Não há códigos penais que garantam a punição em caso de agressão. Não há leis que formalizem a união homoafetiva ou que assegurem qualquer direito igualitário. “Na verdade, há decisões judiciais, resoluções, porém não há leis específicas que garantam os direitos aos casais homossexuais, por exemplo. Não há lei que diga expressamente que casais homoafetivos possam casar, apenas há uma resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Com essa ausência de legislação específica que garanta casamento igualitário, esses casais ficam em desvantagem quanto a vários direitos sucessórios, daí cada caso deverá ser analisado de forma individual, e não abrangerá todos os casos similares”, explica a advogada Cristiane Sales. Ainda que muito lenta e ineficaz, pode-se registrar uma pequena melhora em relação aos direitos de casais homossexuais como, por exemplo, em caso de adoção. “Ela tem sido admitida. É feito estudo psicossocial, para que se confirme o melhor interesse do adotando, uma vez que a adoção é um ato muito sério e não pode decorrer somente de um impulso ou fantasia (de se ter uma família, por exemplo). Não há proibição para casais homossexuais, nem tratamento 08
específico para o tema, devendo ser observado e seguido todo o processo de adoção, conforme prescrevem as leis que regulamentam a adoção, independente de quem queira adotar. Então, se não há previsão legal de impedimentos à adoção por casais homossexuais, no Brasil é permitido sim”, completa Cristiane. O Brasil possui um número elevado de leis, porém, algumas existem apenas no papel. Sua elaboração e aplicabilidade devem ser acompanhadas da conscientização e reflexão da população. A questão da comunidade LGBT precisa ser legalmente regulamentada, para garantir a esse segmento direitos que lhe são inerentes. A criação de uma legislação específica não é suficiente para assegurar o seu bem-estar e inclusão social. É necessária, sobretudo, uma mudança de comportamento da sociedade.
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NEM TUDO ESTÁ PERDIDO! O casamento entre pessoas do mesmo sexo é permitido no Brasil desde 2013, segundo a Resolução 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça. “O texto proíbe as autoridades competentes de se recusarem a habilitar ou celebrar casamento civil, ou até mesmo, de converter união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo, decisão tomada ante a existência do pluralismo familiar existente, que impede afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado”, explica a advogada Cristiane Sales.
Também tem que vir de cima Comunidade LGBT brasileira caminha aos poucos em direção aos direitos humanos Pedro Salgado
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té meados de 1990, a homossexualidade integrava a Classificação Internacional de Doenças (CID), lista realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e dividia posições com a cólera, peste bubônica, hanseníase e mais uma centena de verdadeiras doenças. A luta pelos direitos humanos foi reconhecida tardiamente. Os movimentos surgiam aos poucos na década de 1970, principalmente nos EUA, onde homossexuais e simpatizantes começavam a marchar contra o preconceito e a favor dos direitos humanos. O marco da luta foi o que ficou conhecido como Revolta de Stonewall Inn. Na década de 1960, a homossexualidade era considerada crime. Lugares conhecidos por serem frequentados por LGBTs sofriam constantemente batidas policiais. Em uma dessas investidas, os frequentadores do bar Stonewall Inn, em Nova Iorque, se revoltaram e marcharam em uma batalha de seis dias contra a polícia. Iniciou-se a luta pelos direitos LGBTs. Na mesma época, surgia um dos expoentes da causa, Harvey Milk, primeiro homossexual a ocupar um cargo político. Apesar do pouco tempo que esteve perto do poder, Harvey derrubou um projeto de lei estadual que previa a demissão de professores assumidamente homossexuais. Porém, não teve muito tempo para lutar, pois onze meses depois de assumir o cargo, foi assassinado por um adversário político, um reflexo da maior arma do preconceito: a violência.
No Brasil não era diferente, como conta Denilson Pimenta, membro da Executiva nacional LGBT do PCdoB. “Nas décadas de 1970/80, batidas policiais também eram frequentes, com gays e lésbicas sendo presos só por serem homossexuais. Dois protestos contra esse cenário de marginalização também marcaram o início do movimento LGBT brasileiro: a passeata contra o delegado Richetti [famoso ‘caçador’ de homossexuais durante a ditadura militar] em 13 de junho de 1980, e a invasão do Ferro’s Bar, em 19 de agosto de 1983, que também ficou conhecido, em referência à revolta de Stonewall Inn, como dia do orgulho lésbico brasileiro”. Os reflexos da luta no Brasil, entretanto, só começam a florescer décadas depois. Em 2014, o Supremo Tribunal aprovou o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo. Um ano depois, transexuais obtiveram o direito de serem chamados pelo nome social em espaços como escolas e hospitais. Avanços que, para o vereador Markinho da Diversidade, da cidade de Bauru, fazem parte de uma luta secular. Entre as conquistas do vereador, estão a integração da Semana de Combate ao Preconceito e à Discriminação ao calendário das atividades do aniversário do município, a criação do Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual, e o anúncio de Bauru ser a primeira cidade do Brasil a ter duas rainhas do carnaval municipal, uma applause - fev 2016
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política
delas transexual. “O preconceito nunca vai acabar, mas pelo menos tentamos minimizá-lo. Com essas políticas, buscamos inserir a comunidade LBGT na sociedade”, destaca. Na opinião do vereador, para fomentar mais políticas voltadas para a comunidade LGBT, tem que existir um movimento de cima para baixo: “Precisaríamos ter leis, principalmente a nível federal, mas temos dificuldades porque a bancada conservadora
A passos pequenos e com muitas dificuldades, a comunidade LGBT vai conquistando seu espaço e seus direitos na política brasileira. Na imagem, a bandeira da luta LGBT, representada pelo arco-íris, símbolo da diversidade, é estendida, em 2009, no Congresso Nacional. Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil.
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tem potencial de voto muito grande e acaba barrando os projetos, por exemplo, como o que ocorreu com o kit anti-homofobia. O maior avanço seria quando a homofobia for igualada ao crime de racismo, porque a impunidade faz com que o ódio seja incentivado”. A luta LGBT está longe de acabar, e o preconceito também. Por isso é necessário que tenhamos mais representantes da causa na política brasileira.
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manifestações
Durante a 19ª Parada do Orgulho LGBT (2015), na Avenida Paulista em São Paulo, Viviany Beleboni representou Jesus crucificado, em um ato político que expõe a violência sofrida diariamente pela população LGBT. Apesar da polêmica criada com grupos religiosos, que chamaram a performance de blasfêmia e a consideraram um crime, o ato utiliza do conceito bíblico e cristão de que Jesus é a imagem e semelhança de todas as pessoas, e que foi crucificado por amor a todos, principalmente àqueles que sofrem. Foto: Reuters/Joao Castellano
O orgulho gay resiste?
Ideias opostas sobre a legitimidade do evento como ato político chamam à reflexão sobre a necessidade de se lutar pelos direitos LGBT Marcos Cardinalli
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ilhares de pessoas se reúnem em torno de trios elétricos, fechando as principais avenidas das cidades, em clima de animação e festa, para comemorar as diferentes realidades de gênero e de sexualidade. É a Parada da Diversidade, ou Parada Gay, como foi inicialmente chamada. Entretanto, este caráter de festividade é criticado por alguns militantes da causa LGBT. Junior Aloísio é militante. Ajudou na organização das duas últimas edições da Parada da Diversidade em Bauru, no interior de São Paulo. É uma das maiores Paradas do Brasil. Para ele, o evento perdeu totalmente o foco inicial e, por 12
isso, acabou se afastando de sua organização. Aloísio afirma que o evento está com enfoque partidário, a fim de promover políticos que defendem a causa, mas que não têm um trabalho efetivo para a comunidade. “Não existem trabalhos reais durante o ano. Aí chega agosto (mês que costuma acontecer a Parada de Bauru) e a prefeitura gasta com o evento, mas o resto fica largado. Morrem travestis em Bauru e não temos nenhuma ONG ativa. Apenas militantes que, com as próprias mãos, tentam fazer alguma coisa. Não temos nenhuma representatividade na câmara, nenhum trabalho real”, desabafa.
Para Aloísio, esses eventos, do modo como estão sendo conduzidos, não ajudam na luta LGBT e, portanto, não são mais tão importantes. Segundo ele, “a visibilidade pode vir de outras maneiras, como uma marcha séria, com manifestos”. Já para o professor João Winck, presidente do Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual (CADS), também de Bauru, a Parada continua cumprindo o seu papel. “Inventamos uma forma radical de protesto: expressar publicamente a orgulhosa alegria de ser e viver como somos. E somos muito diferentes, inclusive entre nós mesmos! Criar visibilidade sempre foi o principal foco internacional da nossa luta. Sem ela não haveria mobilização, menos ainda aceitação pública e cidadã”, explica o professor. Márcio Henrique fez parte da organização da Parada do Orgulho em Campinas, entre os anos 2007 e 2012. Para ele, a importância do evento deve ser analisada com base em seu contexto histórico, desde seu surgimento, em Nova Yorque, como um ato de resistência. “A Parada, em sua trajetória, traz em suas ações públicas o ‘orgulho’: uma manifestação social festiva, alegre, que permite se vivenciar, em um único dia do ano, a oportunidade de extravasar e tornar público quem se é e seus desejos, pois neste dia são permitidas as demonstrações públicas de carinho sem retaliações sociais”, diz.
Segundo Winck, o evento em Bauru reúne entre 40 e 60 mil munícipes da região para protestar por igualdade. Afirma ainda que um fenômeno social como esse não pode ser simplesmente ignorado: “Estamos muito bem articulados, e nossa visibilidade só nos empodera. Conquistamos voz e respeito a cada dia que passa. E isso é fato político relevante. Exigimos uma pauta de políticas públicas capaz de dar conta e garantir as nossas diferenças”. Para Márcio, muitas Paradas que acontecem pelo Brasil acabam se assemelhando mais a micaretas que a uma manifestação, mas devido aos organizadores e participantes não terem a preocupação em articular, ao evento, as políticas públicas municipais. Conclui ainda que “existe hoje outras ferramenta das quais os movimentos sociais têm que se apropriar e a comunidade em geral também. Um exemplo é fazer uma escolha acertada para seus representantes (em todas as esferas políticas). Mas a Parada deve permanecer como uma forma de dar visibilidade àquelas pessoas que vivem diariamente oprimidas pelas convenções sociais”. De fato, as Paradas da Diversidade que acontecem mundo afora têm contribuído muito para a visibilidade LGBT, pautando os assuntos que tangem a diversidade sexual. Entretanto, deve coexistir com outro manifesto: a luta diária e constante pela igualdade de direitos, na política, na mídia e em todas as esferas sociais.
As 4 maiores Paradas do Brasil
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4ª - Brasília, DF: No último ano, fez história ao ser aberta com um casamento LGBT coletivo. A 19ª edição está confirmada para o dia 26 de junho. 3ª - Salvador, Bahia: É uma das Paradas mais procuradas do Brasil, e o número de participantes aumenta a cada ano. Data programada: 11 de setembro. 2ª - Copacabana, no Rio de Janeiro: A Parada do Rio também reúne milhares de pessoas e, nesse ano, estará em sua 21ª edição. 1ª - Av. Paulista, em São Paulo: É a maior do Brasil e uma das maiores do mundo! Em 2016, vai para a sua 20ª edição. Data programada: 29 de maio.
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história
Transgressão romana
No berço do cristianismo, o imperador romano Heliogábalo quebrou tabus e ousou com a sua transexualidade Pedro Salgado
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raças ao parentesco distante com o imperador Caracala (211 d.C. – 217 d.C.), que acabara de ser assassinado e só tinha um jovem de 14 anos como sucessor, Varius Avitus Bassianus era abraçado pela nação romana que o saudava como novo imperador, depois de uma batalha entre o algoz do moribundo parente e tropas a favor de um herdeiro legítimo. O jovem nascido na Síria, que na época pertencia ao Império Romano, era filho de sacerdotes de um templo para o deus Heliogábalo ou Elagabal, uma das diversas leituras do deus Sol Invictus, na crença de que há um único ser-supremo. O período histórico onde viveu Avitus foi importantíssimo para o futuro do império romano. Uma vez que no período Severiano – dinastia romana que durou de 193 d.C. a 235 d.C. - houve maior interação entre práticas culturais ocidentais e orientais, como conta a professora Margarida Maria de Carvalho, coordenadora do Grupo Laboratório de Estudos sobre o Império Romano da Unesp: “Houve uma forte confluência de elementos culturais entre o ocidente e o oriente; confluência essa muito mais forte do que nos períodos anteriores. Quero dizer com isso que houve espaço para o desenvolvimento de novas práticas religiosas e/ou culturais que serão coadunadas às já existentes”. Avitus, já imperador, adotou o nome Marcus Aurelius Antoninus, e logo no começo de seu império estabeleceu um sincretismo re14
ligioso à sociedade romana, fundindo a crença ao deus Heliogábalo (que aprendeu no templo controlado por sua família) com as práticas religiosas romanas. Aos poucos, ia “apagando” as crenças do império. Ao invés do politeísmo, apenas um deus poderia ser cultuado. Para os Patrícios – donos das riquezas – a crença ao Sol Invictus era nociva, uma vez que se acreditava, para justificar os privilégios de classes, que todos eles poderiam ter esse contato com divindades, por meio de rituais.
“Tal Imperador está na chamada lista dos imperadores malditos, como, por exemplo, Calígula, Nero e Domiciano. Foram imperadores que, provavelmente, tiveram problemas com o Senado. Desse modo, Heliogábalo foi criticado de forma extremamente exagerada por seus costumes e práticas sexuais.” Margarida de Carvalho, professora
da forma e conteúdo romano não agradou aos senadores e algumas tropas do império conspiraram contra a vida do governante. Posteriormente, Marcus ficou conhecido como Imperador Heliogábalo devido a sua devoção e aos seus transes durante os rituais, como se ele próprio fosse o deus que venerava. Assim que morreu, logo tentaram apagá-lo da história do Império Romano. O esquecimento nas salas de aula revela o peso que Heliogábalo tem na história da humanidade, como conta a professora Margarida. “Tal Imperador está na chamada lista dos imperadores malditos, como, por exemplo, Calígula, Nero e Domiciano. Foram imperadores que, provavelmente, tiveram problemas com o Senado. Desse modo, Heliogábalo foi criticado de forma extremamente exagerada por seus costumes e práticas sexuais.” Assim, a história do imperador romano é mais um exemplo de que transgressões na sociedade raramente são bem-vindas e, para aqueles que continuam impondo o engessamento da evolução social, devem ser esquecidas.
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As rosas de Heliogábalo (1888), por Lawrence Alma-Tadema
Dados os avanços na fusão entre culturas que se expandia pelo império, o contato com cultos orientais não era tanta novidade para a população, mas para classe senatorial era um escândalo. O pesadelo dos políticos romanos se transformou em cotidiano. Todas as manhãs, o imperador, com vestimentas e joias sírias, praticava publicamente sua adoração a Heliogábalo. Acompanhado de música e dança, os rituais começavam o dia lembrando Roma de sua nova devoção, mas eram as atitudes de Marcus Antoninus que o fizeram inesquecível aos romanos que vivenciaram seu império. Para demonstrar que não existiam limites na vida sexual, o imperador saía publicamente vestido de mulher e mantinha relações com homens e mulheres. Há rumores de que ele tenha se castrado e procurava médicos para trocar de sexo. Enquanto isso, mulheres começavam a frequentar o senado, tendo mesmo peso político. Todas essas mudanças que Marcus impunha aos romanos de alguma maneira quebrava a hegemonia dos já estabelecidos. Por sinal, a transgressão
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sociedade
Criminosos Anônimos A tentativa de espantar o diferente do espaço público Pedro Salgado
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reconceito é o que indicam as mensagens em pichações machistas, racistas e homofóbicas, inscritas em um dos banheiros no câmpus de Bauru da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Primeiro apareceram rabiscos direcionados a alunos e ao coordenador do Núcleo Negro de Pesquisa e Extensão (NUPE): “Unesp cheia de macacos”, “Negras fedem” e mais algumas remetidas ao único professor negro do Departamento de Comunicação Social, Juarez Xavier. Meses depois, a Unesp apresentava o resultado das investigações sobre as agressões racistas: ninguém foi identificado, mas a universidade se desculpou publicamente e fez algumas poucas recomendações. Logo após esse episódio, outros alunos que também movimentam a inclusão de minorias sociais (mulheres e LGBTs) na agenda e no espaço acadêmico foram listados nome por nome com agressões do mesmo feitio, um exemplo de como a sensação de impunidade permaneceu no local. As agressões aparecem justamente no cenário onde negros, pardos e indígenas estão aumentando aos poucos sua presença: nas universidades. A Unesp aderiu à reserva de vagas para cotistas e, com isso, as cotas raciais trouxeram mais debate sobre o tema. No câmpus de Bauru, coletivos e grupos de pesquisa voltados para questões raciais e de gênero estão sendo fomentados. Esses fatores acabam fazendo barulho em eventos e reuniões. O jornalista egresso da Unesp, Olavo Barros, sempre ouvia piadas, risadas e provocações sobre sua sexualidade, talvez porque estivesse fora dos padrões. “Pessoas consideradas ‘normais’, que 16
“A grande verdade é que nenhum espaço é completamente democrático para qualquer minoria social. Se entramos num espaço acadêmico, não é certo que de lá vamos sair intactos: seja por falta de dinheiro pra xerox ou livros, seja por ameaças constantes de violência ou pela violência que se concretiza. Se você não é homem, branco, cis, classe média e dentro dos padrões esteticamente aceitos, sempre haverá alguém para dizer que aquele espaço – seja ele qual for – não é seu” Blogueiras Negras
sempre tiveram seus privilégios resguardados pelas normas sociais, veem-se em conflito na disputa de espaço com esses grupos minoritários”, conta. Nesses casos, apesar das agressões não serem anônimas, são “sutis” e escondem os verdadeiros anseios dos privilegiados ofendidos, como expressaram, em conjunto, as dez coordenadoras do Blogueiras Negras, uma união de mais de 200 mulheres negras que espalham textos contra o racismo, principalmente o velado. “Essas atitudes são incentivadas muito mais pela impunidade do que pelo preconceito em si. Porque o preconceito já existe, as pessoas que picharam já são preconceituosas, elas já têm e já alimentam dentro de si o ódio por pessoas negras, por mulheres, por homossexuais, por pessoas trans”. Olavo complementa: “são atitudes criminosas e covardes de pessoas que estão perdendo seus privilégios em nome de uma universidade mais aberta, plural e democrática, graças à atuação de coletivos e de professores como Dr. Juarez Xavier”. “A grande verdade é que nenhum espaço é completamente democrático para qualquer minoria social. Se entramos num espaço acadêmico, não é certo que de lá vamos sair intactos: seja por falta de dinheiro pra xerox ou livros, seja por ameaças constantes de violência ou pela violência que se concretiza. Se você não é homem, branco, cis, classe média e dentro dos padrões esteticamente aceitos, sempre haverá alguém para dizer que aquele espaço – seja ele qual for – não é seu”, disseram as blogueiras. De fato, o que o anonimato revela é o quanto o preconceito e a impunidade estão enraizados em nossa história.
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Pichações encontradas no banheiro do câmpus da UNESP, em Bauru, indicam o preconceito velado e anônimo. As mensagens são machistas, homofóbicas e racistas. Imagens: Reprodução applause - fev 2016
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sociedade
Os dissabores do duplo preconceito Pessoas com deficiência que se assumem LGBT enfrentam dificuldades dobradas Ana Raquel Mangili
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uem não se encantou com as descobertas sentimentais dos adolescentes Leonardo (Guilherme Lobo) e Gabriel (Fábio Audi) no filme brasileiro “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” (2014)? O longa levantou a questão da homossexualidade da pessoa com deficiência, através do personagem Leo, que é cego. A superproteção dos pais, dúvidas e situações de preconceitos são retratadas na obra como alguns dos obstáculos que esse segmento da população pode enfrentar diariamente. A esses fatores é acrescentada a descoberta da sexualidade na adolescência que, dependendo do meio social no qual a pessoa vive, pode-se transformar num desafio a mais se o indivíduo busca se libertar da heteronormatividade vigente. Quando dois ou mais tipos de sistemas de opressão atuam sobre um mesmo indivíduo tem-se o que a Sociologia chama de interseccionalidade, como explica Chinaira Raiazac, mestranda em Psicologia Social na PUCSP. “A temática da interseccionalidade entendida como um conceito sociológico que estuda as interações implicadas no cotidiano das chamadas minorias, entre diversas estruturas de poder, pode ser compreendida como a consequência de diferentes formas de dominação ou de discriminação, tratando das intersecções entre estes diversos fenômenos. Isso significa dizer que os fatores não devem ser analisados isoladamente, mas interligados de maneira a serem considerados em suas dimensões subjetivas e intersubjetivas. Neste caso, a discussão vai além do desrespeito 18
aos direitos das pessoas com deficiências ou das múltiplas formas de opressões vividas, muitas vezes, dentre os próprios grupos”, revela Chinaira. A sexualidade do indivíduo com deficiência A sociedade ainda mantém estereótipos relacionados à pessoa com deficiência, entre eles, os relacionados à sua sexualidade. “Frequentemente, no cenário social, a pessoa com deficiência perde suas identidades como sujeito e sujeita autônomos para incorporar o estereótipo ‘pessoa com deficiência’, aniquilando suas outras identidades, como por exemplo, a de gênero ou orientação afetivossexual, já que, uma vez enquadrada na caixinha ‘deficiente’, a pessoa em questão passa a ser vista como ‘assexuada’. Isto reflete uma das questões a ser considerada no bojo desta discussão sobre tal população que é tida como portadora de uma sinergia das vulnerabilidades sociais e que, como outras, expressa o tabu de se falar em sexualidade ainda no século XXI”, explica a psicóloga. Porém, ao contrário do que pregam algumas dessas ideias pré-estabelecidas, a sexualidade do indivíduo com deficiência pode ser tão variada quanto a do restante da população, pois a deficiência, por si só, não é um fator limitador para o desenvolvimento afetivo. Podem existir barreiras, sobretudo as atitudinais e de opressão social, mas é possível vencê-las para exercer livremente a sua sexualidade. Assim, entre essas pessoas há uma grande diversidade de orientações sexuais, e uma das quais é a homossexualidade.
Foto: Arquivo pessoal O jornalista Lucas de Abreu Maia e suas amorosas cães-guias Annie e Jackie
Para Lucas de Abreu Maia, jornalista doutorando em Ciência Política que se identifica como gay com tendências bissexuais e é cego de nascença, falta visibilidade para as questões representativas desse segmento da população. “Infelizmente, como somos pouquíssimos LGBT com deficiência, somos quase invisíveis. A maior parte das pessoas encara a pessoa com deficiência como um assexuado. Na mídia, a pessoa com deficiência é claramente subrepresentada. Cerca de 10% da população tem alguma deficiência física; cerca de 5% da população é LGBT. Quase toda novela atualmente tem um personagem gay, mas quantas novelas têm um personagem com deficiência?”, questiona. Ele conta que, no início, tentava reprimir sua própria sexualidade, até que se viu apaixonado por um rapaz. “Acho que desde a infância tinha mais curiosidade pelo corpo dos meninos do que o das meninas, mas nunca havia pensado em mim como gay. Aos 13 anos, quando chegou a puberdade e eu comecei a ter sonhos eróticos com homens, tentava racionalizar o desejo afir-
mando para mim mesmo que era só curiosidade. Com 16 anos eu tinha uma namorada, e sentia desejo por ela. Mas, nesse mesmo período, minha família recebeu um intercambista dinamarquês lá em casa. Depois de terminar o namoro de um ano com essa menina, me dei conta de que estava perdidamente apaixonado pelo dinamarquês. Foi assim: uma luz se acendeu e eu me dei conta de que o amava. Daí, não tive conflito. Simplesmente sabia que o amava e pronto”. Lucas assumiu sua homossexualidade aos 18 anos de idade (hoje tem 30), e encontrou resistências por parte da pessoa que ele menos esperava: sua mãe. “Meus amigos sempre agiram com total naturalidade. Minha mãe, surpreendentemente, demorou uns dois anos para aceitar. Isso foi muito difícil para mim – eu esperava que ela fosse me apoiar de cara. De início, ela se recusava a achar que eu fosse gay. Acreditava que fosse uma fase. Obviamente, não era. Com o tempo, contudo, ela passou a aceitar, tentou se aproximar dos meus namorados e, mais importante, uns dois meses antes de morrer, me disse: applause - fev 2016
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sociedade
‘Aprendi que meu filho é honesto, inteligente, trabalhador e gay, e eu tenho orgulho de todas essas características nele’”. Sobre a questão dos preconceitos e dificuldades devido à condição de ter uma deficiência e ser gay, Lucas comenta que nunca passou por algo grave relacionado a esse assunto. “Acho que o mais perto que já senti de discriminação se refere ao quão visual costuma ser o mundo gay. Em baladas, era muito difícil para eu flertar, porque o olhar é essencial. Mas, normalmente, acontece um troço engraçado: quando os caras descobrem que sou cego, ficam encantados e passam a me idealizar”. Opressões e preconceitos Já para Rose (nome fictício a pedido da entrevistada), que cursa Tecnologia em Sistemas para Internet e se identifica como lésbica, tem deficiência auditiva de grau severo a profundo de nascença, lidar com situações de discriminação não é algo assim tão raro. “Muitos associam deficiência auditiva com problemas mentais. Mas eu sou daquelas bem zoadas e faço piada da situação. Às vezes, acontece de eu sair com lésbica que se choca por eu ter deficiência auditiva, aí tem umas que nem falam mais comigo depois disso, e eu acabo rindo”, relata. Rose conta que levou um bom tempo para se assumir, devido ao ambiente conservador em que foi criada: “tecnicamente, faz um ano que me assumi, com 24. Demorei muito para sair do armário: pais muito rigorosos, família religiosa demais e um baita medo de não ser aceita, porque meu primo é gay e passou desaforo, mas isso acho que é porque ele leva tudo na ofensa. Eu não, levo na boa. Quando contei para meus familiares, eles não aceitaram muito bem, mas eu passei a ignorar os comentários, comecei a seguir com a minha vida, e eles viram que eu estava dez vezes mais feliz e começaram a parar”. Mas, para outras pessoas, às vezes pode ser preciso romper com algumas relações para se libertar da opressão e viver de acordo com a 20
“[Algumas meninas] se chocam por eu ter deficiência auditiva, nem falam mais comigo depois” Rose, estudante sua personalidade. Marcos Becker, 23 anos, estudante de Engenharia Química e que também tem deficiência auditiva de grau profundo desde o nascimento, teve a chance de se assumir homossexual quando seu pai saiu de casa. “Quando eu tinha 20 anos, depois que meu pai se separou da minha mãe, me libertei. Foi um alívio para mim, pois eu já sabia que tinha atração por homens desde sempre. E não suportava ouvir cada comentário em casa falado por ele, que eram homofóbicos, do tipo ‘gays são homens que querem ser mulheres’, que ‘era um grande pecado’. E também das perguntas que ele fazia a mim sobre as mulheres, do plano do futuro de eu casar e ter filhos. Isso me fazia me sentir tão culpado, de eu não sentir atração pelo sexo oposto. E, em partes, ele também não aceitava o fato de eu ser deficiente auditivo, dizia que eu era ouvinte com aparelhos”. Flávia (nome fictício a pedido da entrevistada), que faz Ciências da Computação e é lésbica, tem uma síndrome rara que degenera os nervos do corpo, ocasionando dificuldades de locomoção e deficiência auditiva. Ela também já vivenciou algumas situações de preconceito. Uma das mais marcantes aconteceu na adolescência, quando morava nos Estados Unidos, na mesma época que começou a ensurdecer e se assumiu homossexual, aos 14 anos. “Nos EUA, um dia perdi o ônibus para ir pra casa e estava sem dinheiro para pegar táxi. Como meu amigo morava perto da escola, perguntei se podia ficar na casa dele até minha mãe chegar. Aí ele disse que não, porque o pai dele não me queria lá. Aí perguntei para outra amiga que era vizinha dele, e ela disse que o pai dele tinha contado para a mãe dela que eu era lésbica, e que ela também não me queria lá. Fiquei 40 minutos na neve e no vento por causa disso, até minha mãe chegar”, conclui.
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educação
Formar para a conscientização? A educação básica especial como preparo para uma sociedade mais consciente Paula Nishi
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ssim como a família, a educação básica parece ter se tornado uma das instituições mais importantes não só na formação acadêmica, mas também social, de toda criança. Entretanto, os papéis desempenhados por essas duas instituições ganham ainda mais notoriedade quando falamos em educação básica para crianças especiais. Quando levantamos assuntos que vão além das disciplinas acadêmicas tradicionais, e pousamos na chamada definição de valores e princípios, qual o verdadeiro papel da escola na formação de uma sociedade mais justa e livre de preconceitos? Gênero, sexualidade e diversidade são assuntos que, felizmente, estão sendo cada vez mais abordados pela mídia, permitindo que seja discutido o preconceito sofrido pela comunidade LGBT. Mas como o tema é abordado na formação crítica das crianças? Como esses preceitos devem ou poderiam ser passados para seres que, segundo o dicionário, são pessoas de ‘’pouco juízo’’ e, ainda, como tratar essas questões diante de crianças com a chamada deficiência intelectual? A APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) trabalha há 62 anos como uma organização filantrópica, cujo objetivo é atender, de forma integral, pessoas com deficiência, seja ela intelectual ou múltipla. Há dois anos na instituição, Bruna Ribeiro hoje é professora na educação infantil, atendendo crianças que apresentam baixa compreensão cognitiva. Para ela, o conteúdo passado em sala de aula 22
deve ser adaptado para que o entendimento seja facilitado e as crianças possam, de fato, desenvolver seus conhecimentos, ainda que de forma um pouco limitada. Existe, dentro dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a abordagem do tema Gênero, Sexualidade e Diversidade, que deveria ser aplicado em todas as escolas. Entretanto, o sistema adotado em cada cidade pode determinar que esse currículo seja obrigatoriamente cumprido ou não. De acordo com Bruna, a APAE trabalha esse currículo de forma adaptada às necessidades de seus alunos.
‘’A princípio, é abordado o conhecimento do todo o corpo, as diferenças biológicas do corpo feminino e masculino, etc. e depois falamos sobre a constituição das famílias. Aí entram as diferenças: famílias de casais homogêneos ou heterogêneos’’ Bruna Ribeiro, professora Para Odete Tinti, funcionária pública da Secretaria Municipal de Educação e coordenadora da educação especial nas escolas municipais de Catanduva, o tema deveria ser abordado com naturalidade: ‘’Tudo que você passa para a criança de forma natural, sem alvoroço, ela entende. Por isso insisto em dizer
O QUE DIZ OS PCNs?
que é a maneira como o tema é abordado que gera tanta polêmica’’.
O tema Gênero, Sexualidade e Diversidade é abordado sob o título de ‘’Pluralidade Cultural e Orientação Sexual’’. Dessa forma, os Parâmetros Curriculares Nacionais prevêem que, ao fim do ensino fundamental, as crianças sejam capazes de:
‘’A responsabilidade não é do professor em pensar na melhor estratégia, mas sim em adequá-la à melhor maneira de oportunizar ao seu aluno uma melhor aprendizagem em qualquer que seja o assunto, não só no referido’’
● respeitar a diversidade de valores, crenças e comportamentos existentes e relativos à sexualidade, desde que seja garantida a dignidade do ser humano;
Odete Tinti, coordenadora de educação especial Se a escola tem seu papel na construção do caráter do futuro cidadão, a sociedade também tem. Ao ser questionada sobre qual seria a raíz do preconceito adquirido pelas crianças, a também pedagoga ainda indica a influência da família, com pais machistas e mal informados. A escola, segundo ela, já está preparada para lidar com o tema, ainda que haja professores resistentes à inclusão da temática LGBT no ensino. A criança, segundo ela, lida muito bem com a sexualidade e até com situações de inclusão de outras crianças com necessidades especiais. O preconceito, portanto, ainda pulsa no adulto machista e em educadores despreparados. A problemática resiste, por fim, não na culpabilização de uma instituição ou outra, mas na compreensão de que ambas são igualmente responsáveis pela formação de cidadãos críticos e humanos. Para Bruna, ‘’as crianças têm o direito de saber que existe essa diferença de gênero e sexualidade e que é importante sempre respeitar essas diferenças, afinal, cada um tem sua orientação e não devemos ser recriminados por isso’’. Mas se falamos na construção do caráter da futura sociedade que nos espera, talvez devêssemos, de fato, entender o que Odete nos explica quando diz que não dependemos apenas de capacitações e ensinamentos mecânicos sobre uma sociedade mais justa e igualitária, mas precisamos, sim, de humanização.
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●
compreender a busca de prazer como uma dimensão saudável da sexualidade humana;
● conhecer seu corpo, valorizar e cuidar de sua saúde como condição necessária para usufruir de prazer sexual; ● reconhecer como determinações culturais as características socialmente atribuídas ao masculino e ao feminino, posicionando-se contra discriminações a eles associadas;
●
identificar e expressar seus sentimentos e desejos, respeitando os sentimentos e desejos do outro; ●
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proteger-se de relacionamentos sexuais coercitivos ou exploradores;
reconhecer o consentimento mútuo como necessário para usufruir de prazer numa relação a dois;
● agir de modo solidário em relação aos portadores do HIV e de modo propositivo na implementação de políticas públicas voltadas para prevenção e tratamento das doenças sexualmente transmissíveis/aids; ●
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●
conhecer e adotar práticas de sexo protegido, ao iniciar relacionamento sexual;
evitar contrair ou transmitir doenças sexualmente transmissíveis, inclusive o vírus da aids; desenvolver consciência crítica e tomar decisões responsáveis a respeito de sua sexualidade; ●
procurar orientação para a adoção de métodos contraceptivos.
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sociedade
Diversidade na coletividade Universitários de Itajubá pela diversidade: coletivo LGBT vem redefinindo conceitos Jorge Salhani
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ara Nathalia Cristina, a participação em um coletivo é uma cadeia: “se cada uma das pessoas se dispõe a debater e a lutar, cada vez mais teremos menos injustiças, machismo, padrões de beleza opressivos, imposição de classes, etc”. A estudante de Engenharia Hídrica participa do coletivo Diversidade desde que entrou na Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), em 2015, a fim de buscar saber de que maneiras poderia agir perante preconceitos e discriminações. A partir dos debates do coletivo, Nathalia se interessou por temas como feminismo e sororidade, racismo e construções sociais, alguns deles pouco familiares previamente. O interesse atingiu, também, Fran Vieira. Apesar de não ser estudante da UNIFEI, ela participa do coletivo desde abril de 2015. Para ela, o papel das universidades vai muito além de somente ceder a formação acadêmica: elas formam cidadãos com a carga social necessária para viverem em sociedade. Fran conta que o coletivo colabora para o seu amadurecimento e para a construção das ideologias que segue: “me senti mais forte para me afirmar politicamente, seja no âmbito virtual, seja entre meus familiares e amigos”. No ambiente em que vive, a cidade de Itajubá, localizada ao sul de Minas Gerais, Fran comenta que preconceitos e discursos de ódio são comumente proferidos, sendo difícil manter uma conversa saudável sobre opressão e diversidade. O estudante de Tornearia Mecânica, Andrei Carvalho, foi motivado a participar das reuniões do coletivo Diversidade exatamente por esses motivos. Para ele, coletivos são importantes para, 24
além de auxiliar na desconstrução de preconceitos, incentivar discussões e reflexões sobre novos conceitos e ampliar as concepções que temos sobre diversos assuntos. Raul Chaves, estudante de Engenharia Civil, colaborou na fundação do coletivo Diversidade, em 2013. De acordo com ele, o grupo surgiu com premissas de fomentar debates, organizar palestras, oficinas e rodas de conversa sobre questões de gênero e diversidade sexual. Apesar de ter estes como objetivos principais, o coletivo aborda temáticas variadas como racismo, gordofobia e meritocracia, buscando, inclusive, “assistir os estudantes que são oprimidos de alguma forma”. O Diversidade conta com 12 membros atualmente. Acolhimento, inclusão social, aquisição de novos conceitos e fomento de debates são alguns dos motivos pelos quais as pessoas se interessam a integrar o coletivo, de acordo com Chaves. O impacto social que o grupo causou é visível: depois da criação do Diversidade, surgiram outros coletivos: um sobre feminismo e outro em uma escola de Itajubá. “A gente conseguiu impactar as pessoas, possibilitando a elas acreditar que dá pra discutir, se unir, falar sobre sororidade”, conclui Raul. Para Fran Vieira, isso evidencia que a luta pela diversidade ainda não está perdida. “Vejo o coletivo como um regador de jardim”, ela compara. “Existem pessoas, sim, interessadas em discutir, entender e opinar; essas seriam as sementes. É papel do coletivo regar essas sementes para que elas cresçam e floresçam”.
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Foto: Immanuel Brändemo
Relacionamento sem sexo?
A Assexualidade existe! Mas muitas vezes é ignorada Por Ana Raquel MAngili
relacionamento
“A
lguns amigos sabem e dão risada. A primeira coisa que me perguntam é se eu já fui ao médico ver isso”. Essa é a reação que Jaqueline Costa, paulistana de 33 anos, costuma encontrar quando revela sua orientação sexual. Ela se considera assexual homorromântica, isso é, busca relacionamentos afetivos com meninas, mas com uma particularidade: não deseja ter uma vida sexual ativa com a parceira. “Eu gosto da pegação (beijos, abraços, carinhos), não do ato sexual. A pegação me dá prazer, mas o ato, não”. Jaqueline faz parte da comunidade assexual, um grupo que não sente atração física. Isso não quer dizer que todos eles não tenham libido: é possível obter prazer, mas o desejo não está relacionado ao corpo de outra pessoa, se resumindo a uma simples resposta fisiológica ao autoestímulo. Para uma parte desse grupo, denominados românticos, mesmo que não haja atração sexual, a atração romântica existe, ou seja, eles querem formar laços de afeto com um parceiro. À definição de assexual se acrescenta a indicação do gênero de interesse da pessoa: hétero, homo, bi ou panromântico. Já para os arromânticos, não há interesse em ter relacionamentos amorosos-sexuais. Assexualidade não é transtorno! Estima-se que aproximadamente 1% da população mundial seja assexual, e a luta dessas pessoas é por ganhar visibilidade e aceitação social. O discurso médico atual ainda patologiza a assexualidade, assim como fazia com a homossexualidade e a transexualidade tempos atrás. “Embora a palavra assexualidade não apareça no DSM (sigla em inglês para Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), a descrição do Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo descreve a assexualidade. Por esse motivo, as comunidades assexuais americanas buscam diálogo com a Associação 26
Americana de Psiquiatria para que seja alterada a descrição do Desejo Sexual Hipoativo no DSM. A assexualidade não é um transtorno, é uma forma de viver e ver o mundo”, afirma a doutora em sociologia da educação Elisabete Regina de Oliveira, considerada a principal pesquisadora sobre a assexualidade no Brasil. Sua tese de doutorado, intitulada “Minha vida de ameba”, envolveu o registro de relatos de 40 brasileiros assexuais. “Muitas pessoas que eu entrevistei na minha pesquisa fizeram exames, e não foi constatada nenhuma deficiência hormonal. Mas, mesmo que seja, se a pessoa já nasceu e cresceu com alguma deficiência hormonal e por isso não sente atração sexual, nunca vai sentir falta, isso não será um problema para ela. Portanto, cabe somente a tal pessoa a interpretação desse desinteresse por sexo e de que modo isso será parte de sua construção identitária. Se ela interpretar como problema, Imagem: Rita Salomé Esteves
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vai buscar ajuda; se para ela está bem assim, não há porque ser infeliz por causa disso. Não faz sentido buscar causas biológicas das sexualidades, senão teríamos que buscar também as causas da heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade, transexualidade”, afirma. De fato, o DSM só classifica a falta de atração sexual como disfunção quando ela causa incômodo e angústia na pessoa. As pressões sociais para se fazer sexo A busca da sociedade pela padronização do comportamento de seus membros está presente em todas as esferas sociais, e a atividade sexual não escapa a essa lógica, mas possui as suas particularidades, como explica Chinaira Raiazac, psicóloga e mestranda em Psicologia Social na PUCSP. “Muitas sociedades têm padrões sociais pré-estabelecidos, como por exemplo, etnia, credo, tipo físico, entre outros. No caso
Os tipos de atrações Atração sexual: desejo manifestado sobre o corpo de outra pessoa, impulso de se envolver em relações carnais. Atração sensual: desejo de ter contato físico com alguém, sem envolver o ato sexual. Atração estética: apreciação dos atributos físicos de uma pessoa, sem conotações sexuais. Atração romântica: intenção de se envolver em relacionamento romântico com alguém. Obs.: os assexuais podem experimentar os três últimos tipos de atração acima, e também ter libido, isso é, responder fisicamente a estímulos corporais, mas sem ter o desejo de obtê-los.
da sexualidade, trata-se de um paradoxo, visto que uma sociedade a qual por vezes reprime expressões sexuais numa configuração puritana e conservadora, como às vezes é o caso da brasileira, é a mesma sociedade sexonormativa que hipersexualiza as relações e que negligencia a assexualidade, por exemplo. Por um lado, sexo é tabu, por outro, é lei!”. Com o não reconhecimento da assexualidade no meio social, os preconceitos e as pressões para se ter uma vida sexualmente ativa, pode ser difícil para o indivíduo se afirmar e não se sentir abalado pelos estereótipos que rodeiam essa orientação sexual. Um dos mais comuns é aquele que descreve o assexual como uma pessoa mal resolvida consigo mesma e antissocial. Rodolfo Alves, estudante de 18 anos e assexual birromântico, conta que costuma ouvir das pessoas que ele é “só um gay que não quer se assumir”, e alguns amigos acham que sua assexualidade é prejudicial e tentam fazê-lo mudar de orientação. “Geralmente, ouço isso da própria comunidade LGBT. Os garotos demoram mais para aceitar. É mais complicado fazê-los entender minha assexualidade”, relata Rodolfo. A pesquisadora Elisabete ressalta que, independentemente da orientação romântica da pessoa assexual, ela pode sofrer pressões, pois a sociedade espera que todos estejam envolvidos em relacionamentos afetivos e sexuais. “De qualquer modo, homens assexuais sentem pressão para engajar-se em relacionamentos sexuais e mulheres assexuais sentem pressão para estar em relacionamentos amorosos. Muitos assexuais são percebidos socialmente como gays e lésbicas; portanto, se estiverem em relacionamento com pessoas do mesmo sexo, podem experimentar as mesmas discriminações. Para aqueles que estão em relacionamento com pessoas do sexo oposto, podem passar socialmente despercebidos”. As mulheres assexuais enfrentam pressões e discriminação social por não manifestarem interesse em sexo ou até em relacionamenapplause - fev 2016
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relacionamento
tos. Luciana do Rocio Mallon, curitibana de 41 anos e assexual heterorromântica, relembra alguns episódios marcantes de sua vida. “Eu sentia pressão social mais na adolescência, pois minhas amigas gostavam de ficar com os meninos sem compromisso, e eu não. Tanto que, na escola, me apelidavam de Sapatão. Até cantavam aquela música do Chacrinha quando eu passava: ‘Maria Sapatão, sapatão, sapatão...’. Uma vez, na brincadeira do amigo secreto, me deram uma cueca de presente, com a palavra sapatão escrita com esmalte vermelho”. Isso sem contar quando as mulheres assexuais se encontram em um relacionamento com parceiros que não as compreendem. O ex-namorado da jovem Alexa (nome trocado para preservar a identidade da entrevistada) a pressionou para ter a sua primeira vez com ele aos 15 anos, e após ela ceder e ter a certeza que é, de fato, assexual, ele não aceitou o fato e terminou com Alexa. “Quando eu disse que era assexual, ele achou que eu era doente, falou várias coisas e usou isso para terminar o relacionamento. Tive que suportar o término difícil dessa relação e, sempre que eu contava a alguém não assexual, a razão sempre ia para meu ex, como se a errada fosse eu”, conta. Os rapazes assexuais também chegam a enfrentar situações parecidas. Para Marcos Navas, profissional autônomo de 33 anos e demissexual heterorromântico (adiante, mais detalhes sobre essa orientação), é sempre esperada dos homens a atividade sexual, principalmente em encontros amorosos. “Conheci uma moça, e conversamos por uns dois meses pela internet. Quando nos encontramos, nos beijamos, conversamos bastante numa praça, como um casalzinho mesmo. Fomos a uma lanchonete, e depois, como eu estava de carro, ela ia falando ‘vira aqui, entra ali’, foi indicando o caminho, e quando vi, estávamos na frente de um motel. Ela viu que minha cara não foi de animação (como outro cara faria), e não rolou, ficou um clima bem chato. Ela pediu para ser levada embora e não falou mais comigo. Antes disso, ela dizia que me amava. Isso doeu muito. A pessoa diz que te ama, mas se você não puder dar o 28
que ela quer, de nada serve”, comenta. Marcos também organiza encontros regularmente entre amigos assexuais do estado de São Paulo, com o objetivo de apoio mútuo e troca de experiências entre essas pessoas. Os tons da assexualidade Além das definições de assexual romântico e arromântico, existem outras variações de orientação no espectro da assexualidade. Para Chinaira, as experiências intersubjetivas dos indivíduos têm que ser levadas em conta ao se proporem definições. “A assexualidade não deve ser reduzida ao desinteresse sexual simplesmente e enquadrada numa caixinha inexorável, como é o caso de muitas classificações direcionadas às ‘minorias’. Isto é, os comportamentos anteriormente definidos têm variações dentro da assexualidade, as subjetividades estão em constante construção e não devem ser compreendidas como um processo mecânico ou estático. Justamente por esse motivo temos as variações assexuais”, ilustra a psicóloga. Considera-se que, entre a ausência total de atração e a plena sexualidade, existam diferentes graus (ou tons) da manifestação do interesse amoroso e sexual. São chamados de gray-a (ou assexuais cinza) pessoas que podem sentir atração sexual em algumas situações, geralmente raras. Já os demissexuais são indivíduos que conseguem desenvolver a atração após estabelecer um vínculo afetivo profundo com o parceiro, o que também pode não acontecer com frequência. Há ainda os lithromânticos, pessoas que se sentem atraídas romanticamente por personagens fictícios/celebridades, ou que desejam que seus sentimentos sejam apenas platônicos. Além disso, há diversas outras denominações que são pouco conhecidas, e muitas vezes nem possuem seus termos traduzidos para o português. Algumas dessas nomenclaturas surgiram na internet, porque a própria comunidade assexual teve a sua formação e consolidação no meio on-line, a partir dos anos 2000. As pessoas assexuais sempre existiram, mas o que prevalecia era o
percebeu que 1% de seus entrevistados relatou não sentir atração sexual, mas achou que essas pessoas tinham algum distúrbio. Apenas posteriormente é que a assexualidade foi incluída nessa escala do comportamento sexual humano. As lutas políticas pelos direitos das minorias sexuais, como o movimento LGBT, foi um dos fatores que contribuíram para a mobilização e tomada de consciência da comunidade assexual, sobretudo nos Estados Unidos. Já no Brasil, o movimento ainda é recente e não tão unificado. No dia 23 de outubro de 2015, ocorreu em São Paulo o primeiro ato de visibilidade assexual no Brasil (1ª Parada Assexual). Outros destaques no país são o Blog Sobre o Cinza, da estudante de biologia Nathália Caldeira, e o fórum Comunidade Assexual A2, ambos com conteúdos em português acerca da assexualidade e seus diferentes tons.
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Foto: Alan Victor Souza/IG
isolamento e o apagamento social. Com o advento da internet, começaram a surgir os primeiros relatos e trocas de experiências públicas sobre as identidades assexuais em 1997, até que em 2001 o norte-americano David Jay criou a AVEN – Asexual Visibility and Education Network (Rede de Educação e Visibilidade Assexual), um marco na luta das pessoas assexuais e hoje o principal fórum e acervo virtual sobre o tema, com mais de 80 mil usuários registrados. A AVEN também apoia os pesquisadores que decidem investigar a assexualidade, pois o conhecimento científico sobre essa área ainda é escasso. Estudos sobre a sexualidade humana inicialmente tentaram ignorar a assexualidade, como foi o caso da pesquisa do biólogo Alfred Kinsey, realizada na década de 40. Na época, ao investigar as orientações sexuais humanas para elaborar a Escala de Kinsey, o pesquisador
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relacionamento
Glossário da Assexualidade Arromântico
Quem não sente atração romântica
Romântico
Quem sente atração romântica
Heterorromântico Homorromântico Quem sente atração romântica por pessoas do gênero oposto
Quem sente atração romântica por pessoas do mesmo gênero
Birromântico
Lithromântico
Demissexuais
Panromântico
Quem sente atração romântica por pessoas por dois gêneros
Pessoas que sentem atração sexual apenas com quem criam um laço emocional muito forte. Essas ligações não acontecem frequentemente
Grey-A ou Assexual cinzento
Acredita-se que entre a sexualidade e a assexualidade exista uma zona cinzenta na qual o indivíduo raramenta sinta desejos, mas não necessariamente consuma a relação
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Quem sente atração romântica, mas não necessariamente deseja que seja algo correspondido
Quem sente atração romântica independente do gênero
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saúde
Atenção especial
Apesar de pouco falado, o sexo entre casais homoafetivos femininos também pode ser causador de DSTs Marina Fornasier
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egundo pesquisa feita pelo Centro de Referência e Treinamento DST/aids, da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, com 145 lésbicas entre 18 e 61 anos de idade, apenas 2% delas se previnem durante o sexo para evitar doenças sexualmente transmissíveis (DST), como o vírus da aids. Isso acontece devido ao fato de que as mulheres que mantêm relações com suas parceiras desconhecem que podem pegar as mesmas doenças que as heterossexuais. Principais fatores A pesquisa mostra que entre as lésbicas entrevistadas, 33,8% tinham um desequilíbrio da flora vaginal, conhecido como vaginose bacteriana, que causa corrimento, e os exames de fungos mostraram um crescimento de 25,6% das 121 amostras recolhidas. Das mulheres que fizeram o exame Papanicolaou, 7,7% tiveram um resultado anormal, sendo detectada HPV (papiloma vírus humano) em 6,3% deste grupo. Para o médico coordenador e autor do estudo, Valdir Monteiro, as mulheres justificam que mantêm relações sem proteção porque não têm noção do risco, confiam nas parceiras e desconhecem métodos de prevenção do sexo oral feminino. A pesquisa mostra ainda que 33,1% das lésbicas disseram que usam acessórios na hora do sexo. Destas, 70,8% utilizam pênis de borracha e 45,8% os compartilham. Apenas 54,5% trocam a camisinha ao dividir os objetos com outra pessoa. 32
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PREVENÇÃO!
No caso da prevenção de doenças sexualmente transmissíveis pelo sexo oral, é indicado o uso da camisinha convencional cortada verticalmente, outra opção é uma proteção de látex que é vendida em casas de material odontológico ou até mesmo um protetor de língua. Para quem gosta de acessórios como vibradores, pênis de borracha e brinquedos sexuais, o uso do preservativo comum é fundamental, principalmente se os objetos forem compartilhados.
Apenas 2% dos casais lésbicos se previnem durante o sexo. Isso acontece devido ao fato de que as mulheres que mantêm relações sexuais com suas parceiras desconhecem que podem pegar as mesmas doenças que as heterossexuais. Foto: Thamires Motta
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Flawless
ensaio
O universo mora em nós Nosso corpo é morada de nossos desejos, singularidades e também de nosso universo individual. Em parceria com o Tertúlia, despimos os modelos Marcelo Benites e Heloísa Kennerly. Sob a camada de pele opaca e padrão, desenhada pelas normas sociais, esconde-se um mundo de cores e texturas - desenhos únicos. Nesse cosmo escondido por camadas do real, estamos todos juntos, independentemente dos caminhos de nossa sexualidade. Se em todo corpo cabe um universo, aproveite a viagem e, ao final, permitase enxergar e mostrar o seu.
Mercado em Transformação Configura-se na sociedade uma nova perspectiva de inclusão de pessoas trans Por Marcos Cardinalli
Em janeiro de 2016, o programa Transcidadania completou um ano de existência, formando os seus primeiros estudantes. O Programa oferece, por meio de bolsas de estudos, condições de ascensão social a transexuais e travestis em situação de vulnerabilidade. A bolsa permite que os atendidos pelo programa se dediquem exclusivamente aos estudos, durante o período de dois anos. Foto: Lilian Borges
Money, Money, Money
O
mercado de trabalho
mercado de trabalho está cada vez mais competitivo, exigindo muito de quem procura um emprego. Para travestis e transexuais, a dificuldade em conseguir um emprego é muito maior pois, além de tudo, existe o preconceito. A sociedade ainda não é capaz de lidar naturalmente com a diversidade sexual e de gênero, apesar de o mercado aparentar estar um pouco mais inclusivo. Victória Domingues, secretária executiva de um escritório de advocacia e modelo, é transexual. Para ela, que é membro da Comissão da Diversidade Sexual da OAB e do Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual de Bauru, o mercado de trabalho está mais aberto, pois as novas gerações de empreendedores parecem visar a capacitação e o conhecimento, e não a aparência física ou gênero. Entretanto, afirma que ainda precisa ser melhorado: “claro que ainda há muito preconceito e muitas portas fechadas apenas por sermos trans”. Modelo e vendedora na loja de roupas de sua família, e também transexual, Angélica Maldonato diz que já teve outros empregos, apesar do preconceito que ainda existe contra as pessoas trans. Para ela, isso acontece principalmente entre os colegas de trabalho, por falta de informação: “Depois mudaram de opinião sobre mim, pois como viam várias trans na rua, se prostituindo, dando escândalos e sendo depravadas, pensavam que todas seriam assim”. “Pretendo cursar a faculdade e ser alguém na vida”, diz Angélica, que começará o curso de Psicologia esse ano. “Quero conquistar o meu espaço!”, conclui. Essa, porém, é uma realidade distante para muitas pessoas transexuais. Márcia Rocha é empresária, advogada e corretora. É também fundadora e diretora da Associação Brasileira de Transgêneros (ABRAT) e uma das idealizadoras do site Transempregos. Márcia conta sobre sua carreira bem sucedida: “Meu sucesso ocorreu antes de minha transição. Se eu já fosse assumida, dificilmente conseguiria sequer um emprego 46
na época em que comecei a trabalhar. É muito triste saber que a quase totalidade das pessoas trans bem sucedidas só o conseguem se mantiverem sua expressão de gênero condizente com o sexo de nascimento”. Psicóloga especializada em questões que tangem a transexualidade, Chinaira Raiazac explica ser necessário analisar o contexto social para compreender o preconceito que as pessoas trans sofrem ao procurar um emprego. “A população transgênero sofre diversas formas de preconceitos, exclusões e negligências ao ser encaixada em estereótipos que estão à margem dos padrões cultuados socialmente. Frequentemente carregam em seu bojo uma sinergia de vulnerabilidades sociais, à medida que personificam os tabus sociais e suscitam o choque: padrão versus diversidade. O mercado de trabalho é apenas um dos recortes dessas negligências”. Fernanda Vasconcelos tem 21 anos, e se descobriu transexual há uns dois anos. Para ela, falta muita informação e discussão sobre a transexualidade, e essa carência fortalece o preconceito. “A pessoa percebe que tem alguma coisa diferente com ela. Percebe que vem acontecendo alguma coisa que não acontece com o irmão ou com a irmã, que não aconteceu com o pai e a mãe, que não aconteceu com o tio, com a avó… A pessoa tem que se descobrir e se aceitar primeiro. E isso é muito difícil. Muitas vezes, a gente acaba achando que nasceu com defeito, pois não há informações na televisão, nas rádios, nas escolas... Não há informação do que é ser trans! Eu fui descobrir o que é ser trans quase agora”, relata Fernanda. Vasconcelos cursou Administração por três anos e chegou a fazer estágio, mas pediu demissão por não aguentar mais as agressões que sofria. Sua chefa se recusava a lhe chamar pelo nome social e chegou a dizer para Fernanda que ela nunca se tornaria uma mulher, além de provocar conflitos entre a equipe.
Foto: Pétala Lopes / Folhapress
O projeto Transempregos foi criado pela ABRAT – Associação Brasileira de Transgêneros. É um site com o objetivo de ajudar pessoas transgêneras a se inserirem no mercado de trabalho, reduzindo a exclusão dessas pessoas em razão do preconceito. Auxilia também as empresas por orientá-las na promoção da diversidade social no seu quadro de funcionários. Segundo Márcia Rocha, no ano de 2015 foi possível mediar a contratação de dezenas de pessoas trans por todo o Brasil, além de contar com o apoio de 26 multinacionais que estão se comprometendo a não discriminação por identidade de gênero. Acesse: www.transempregos.com.br Márcia Rocha, idealizadora do site Transempregos
A complexidade da prostituição Frequentemente, a transexualidade é associada à prostituição, o que gera ainda mais preconceito e violência. Victória acredita que isso se dá devido à marginalidade na qual essas pessoas foram colocadas por muito tempo, tornando-se, na maioria das vezes, única alternativa para sobrevivência. “Acho que ainda vai demorar muito para tirar essa ligação automática de trans como objeto sexual e prostituição”, diz. De acordo com Chinaira, existem muitos processos de violência anteriores que levam à prostituição, como as interações familiares complicadas, bullying escolar e formas públicas de humilhações gratuitas. “Diversas formas de violências são tidas como agentes produtores da evasão escolar e o abandono familiar, por exemplo; daí o ingresso num cenário de miséria social, geralmente associado à
prostituição, que por vezes, se apresenta como único meio de manutenção financeira. As formas de prostituição por si próprias, como fenômenos sociais, carregam fantasias e tabus em múltiplas configurações. Quando associadas às pessoas transgênero, são potencializadas e corroboram em formas de naturalização. Como se fosse lei imaginar travestis, transexuais e outras identidades trans numa pista de prostituição”, explica a psicóloga. Vasconcelos desabafa: “A família não aceita. Você está na escola e a escola te discrimina. A escola te repudia de todas as formas, seja com agressões verbais ou com agressões físicas… Ou seja, com sua família você não pode contar. Escola você não está tendo direito, por que ali ninguém te respeita. Família não te respeita, escola não te respeita. Você sai da escola, applause - fev 2016
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mercado de trabalho
a família te expulsa… Como uma pessoa vai se virar assim?”. De acordo com ela, a prostituição acaba sendo um ato de sobrevivência para muitas trans. “Se você não tem estudo, você não pode entrar no mercado de trabalho. Se a família te expulsa, você vai parar na rua. Como você vai arrumar um emprego se você não tem estudo? A pessoa trans na rua acaba vendo uma única saída, que é se prostituir, infelizmente. Então as pessoas dizem que aquilo ali é safadeza, que estão ali por que querem… Só que não é assim”, questiona Fernanda. Segundo Raiazac, quando travestis e transexuais não se encontram nos espaços de prostituição, estão inseridos na área de estética ou em empresas de telemarketing, onde não “dão as caras”, camuflando-se numa identidade heteronormativa e nos padrões hegemônicos.
Trabalho de formiguinha Apesar do preconceito e violência que a população transgênera sofre, políticas públicas voltadas para a inclusão social vêm ganhando destaque, uma vez que integra quem está à margem da sociedade e possibilita uma reflexão crítica dos cidadãos em geral, ainda que seus efeitos não sejam percebidos a um curto prazo. Em janeiro de 2016, o programa Transcidadania, da cidade de São Paulo, completou um ano de existência, com a formação dos seus primeiros estudantes. O Programa consiste na promoção dos direitos humanos, oferecendo, por meio de bolsas de estudos, condições para oportunidades de ascensão social a transexuais e travestis em situação de vulnerabilidade. A bolsa permite que os atendidos pelo programa se dediquem
“É difícil para uma pessoa trans conseguir um emprego. Não adianta você ter um currículo impecável. Não adianta você ter uma graduação, uma pós-graduação. Não adianta você ser uma boa pessoa. As empresas não querem! Muitas empresas ainda não estão preparadas para esse público. A sociedade não está preparada para esse público. A gente tem avançado lentamente, mas ainda é difícil.”
Fernanda Vasconcelos, 21 anos
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exclusivamente aos estudos, durante o período de dois anos. Fernanda vê o projeto como ótimo, porém acredita que é muito pouco, pois abrange apenas 100 pessoas do centro de São Paulo, e deveria abranger um número muito maior e muitos outros municípios. “Ainda que sejam muito poucos os avanços e conquistas, já é de grande valia. Tenho acompanhado as políticas públicas que estão sendo disponibilizadas para as trans em São Paulo e acredito que muitas já tiveram melhorias em suas vidas, apoiadas por esses programas. Mas é só o começo e um trabalho de formiguinha!”, completa Victória, para quem a iniciativa é como um pequeno, mas importante passo. Segundo Victória, o Transcidadania é um exemplo de programa público a ser seguido por outras cidades. Enquanto para Chinaira, o
êxito da fase experimental do projeto inspira até mesmo governos estrangeiros. Para Chinaira, os projetos públicos possuem uma importância fundamental para a inclusão da população trans. “Essas políticas servem de instrumentos para o empoderamento à consciência social que possibilita a aquisição da emancipação e confere a esse processo a possibilidade de democratizar as relações sociais, culturais, econômicas e de poder”, afirma. “Ainda há um longo caminho a ser percorrido. Mas a ciência e a lógica estão ao nosso lado. É um absurdo que a pessoa não seja reconhecida por sua competência em razão da roupa que usa e a forma como se expressa. Somos absolutamente capazes de exercer qualquer função e de contribuir para a sociedade tão bem quanto qualquer outro ser humano”, conclui Márcia.
“Eu, por muita sorte, nunca precisei me sujeitar a isso. Respeito quem é garota de programa, quem se prostitui… Mas vou tentar fazer de tudo pra não ter que entrar nessa vida. Eu espero que a sociedade me ajude para que eu não precise entrar nesse meio, para que eu não precise desse meio pra sobreviver.”
“Nas empresas, além do problema com o nome social, ainda tem o do uso do banheiro. Se uma mulher trans não tiver aquele estereótipo de mulher, padrão que a sociedade impõe, ao ir ao banheiro feminino, não são aceitas pelas outras mulheres. Se for ao banheiro masculino, estará se sujeitando à humilhação e até corre o risco de sofrer um estupro. Já ouvi mulheres trans relatarem que, por não as aceitarem no banheiro feminino, sofreram, no masculino, estupro coletivo. Isso é muito triste, pois pode acontecer comigo.”
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Representatividade ou lucro?
Sob uma nova ótica de marketing, grandes empresas vêm apostando suas fichas em um novo nicho consumidor Paula Nishi
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Um exemplo disso foi o polêmico comercial da marca O Boticário, lançado especialmente para o Dia dos Namorados, em 2015. A propaganda, que mostrava casais heterossexuais e homossexuais trocando presentes, foi veiculada na TV aberta e também disponibilizada em seu canal no YouTube, tendo um alcance de mais de 2 milhões de visualizações. Deste número, cerca de 300 mil internautas aprovaram o comercial, contra 193 mil reprovas. Foto: Reprodução
om o aumento da competitividade no mercado publicitário, e até mesmo com a saturação de produtos e serviços, muitas empresas partiram em busca de novas estratégias em suas vendas, a fim de sobreviver numa era capitalista. Já comum em outros países, o mercado brasileiro só agora vem demonstrando suas apostas em um novo público-alvo: a comunidade LGBT. De olho no seu potencial econômico, o setor está na mira do marketing de grandes empresas.
No comercial da Boticário (2015), casal troca presentes no Dia dos Namorados
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mercado publicitário
E a representatividade? De acordo com pesquisa realizada pela inSearch Tendências e Estudos de Mercado, o público LGBT gasta até 30% a mais em bens de consumo do que o público heterossexual, e 78% deles possuem cartão de crédito. Segundo a Associação Brasileira de Turismo para Gays, Lésbicas e Simpatizantes (Abrat - GLS), o público LGBT movimenta cerca de R$ 150 bilhões por ano no Brasil. Dessa forma, para o mercado publicitário, o público LGBT passou a representar um grande potencial consumidor, e investir na conquista desse nicho mostrou ser uma ótima saída para a competitividade do mercado publicitário. Apesar dessa nova posição adotada por algumas empresas, a de incluir a temática da diversidade em suas campanhas, quando se abre espaço para que o assunto seja discutido, a mídia ainda deve prestar contas por outras responsabilidades. Em um artigo publicado em 2013, pela doutoranda em Comunicação e Semiótica, Adriana Tulio Baggio, ‘’o discurso Foto: Reprodução
As reclamações em torno da campanha questionavam a moralidade do anúncio, fazendo com que a Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), órgão responsável por normatizar e monitorar a publicidade brasileira, decidisse avaliar se O Boticário teria realmente desrespeitado suas regras. Na época, a Boticário orientou a empresa produtora da campanha, a Paranoid Br, a não comentar o caso com a imprensa, e preferiu manisfestar-se apenas através de uma nota, na qual diz que procurou “abordar com respeito a ressonância atual sobre as mais diferentes formas de amor” , ressaltando ainda que “valoriza a tolerância e respeita a diversidade”. A empresa Mondelez, em abril de 2015, também pegou carona nessa nova aposta de marketing. Na campanha de um de seus produtos, o bombom Sonho de Valsa, vários casais apareciam se beijando, dentro eles um casal de lésbicas. Em nota, a empresa afirma que o engajamento do público nas redes sociais aumentou consideravelmente, tendo cerca de 90% de interações positivas desde que o comercial foi ao ar.
Casal se beija em campanha do bombom Sonho de Valsa, da empresa Mondelez (2015)
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publicitário, por meio de suas especificidades, é um dos produtos mais representativos de determinada cultura. Todos os recursos utilizados na sua elaboração contribuem para a realização do principal objetivo da publicidade: a venda do produto, serviço ou ideia anunciada’’. Adriana, que também é publicitária, ainda afirma que ‘’este processo acontece, em parte, pela identificação entre o público e a mensagem do anúncio. Assim, é fundamental que o discurso publicitário seja aprovado pela sociedade que o produz e para a qual se dirige’’. Ainda sob o risco de receber críticas negativas e desagradar o público generalizado, essas empresas parecem ter conseguido unir o útil ao necessário: obtenção de lucro e ceder às pressões atuais sobre se tornarem empresas mais cidadãs, entendendo que elas podem, e devem, relacionar suas marcas às causas sociais. Para Débora Nisenbaum, formada em Publicidade e Propaganda pela ESPM, militante feminista e LGBT, nenhuma estratégia capitalista é 100% positiva. Segundo ela, ‘’já que o consumo é inevitável, antes consumir de empresas que te enxergam como cidadã, a consumir de quem nem faz questão de te considerar público alvo’’. Sua maior crítica, entretanto, consiste no fato de que essas empresas não adotam políticas inclusivas em seus quadros de funcionários. Se é legítima a busca insaciável pelo lucro, na qual novas estratégias de marketing possam incluir a temática LGBT sob um olhar mais humano, ainda não se sabe. Parafraseando Débora, o que podemos afirmar é que já passou da hora das empresas se assumirem enquanto organizações com posicionamentos políticos. No Brasil, esse processo de admitir que empresas são feitas de pessoas e que suas ações são políticas demorou muito para alavancar. Agora, é torcer para que o mercado publicitário finalmente solte suas amarras de uma visão tradicional da sociedade, e perceba que o público LGBT é muito mais do que um novo nicho de clientes, mas seres humanos que merecem respeito e o seu espaço.
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Mercado em números Como não existem pesquisas efetivas sobre a quantidade exata de pessoas LGBTs no Brasil - e por nem todas se assumirem os números apresentados são estimativas dos especialistas de mercado. Fontes: Abrat-GLS, IBGE, inSearch Tendências e Estudos de Mercado, Out Leadership.
20 milhões
36% pertencem à Classe A
A média salarial é de
de LGBTs no Brasil
47% pertencem à Classe B
R$ 3.274
R$ 150 bilhões é o valor que os turistas LGBTs movimentam no Brasil por ano!
Já o potencial financeiro do segmento LGBT é
R$ 418,9 bilhões applause - fev 2016
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Encontre-se! Conhecer pessoas e ler notícias com temáticas LGBT são funções do GPS GAY Marcos Cardinalli
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Foto: Marcos Cardinalli
comunidade LGBT é um público consumidor em potencial para a economia mundial, e os aplicativos para celular não ficam de fora da gama de produtos que podem ser desenvolvidos especificamente para essas pessoas. Idealizado pela designer gráfico uruguaia Magdalena Rodríguez, o aplicativo GPS GAY funciona como uma rede social com diversas funções. Rodríguez explica o que a motivou a desenvolvê-lo: “Nós, como parte da comunidade LGBT, notamos que havia uma carência muito grande de informação e serviços para atender a nossa comunidade na América Latina. Isto nos motivou a criar esse aplicativo”. Segundo ela, são mais de 350 mil usuários, sendo a sua maioria do Brasil, Colômbia e México. Possui um alto nível de engajamento, pois, de acordo com o Google Analytics, 76,1% dos usuários são recorrentes. “Notamos que o aplicativo teve um forte impacto na América Central, sobretudo em países onde há muito machismo e discriminação”, completa Magdalena Rodriguez.
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Priscila Xavier, do Rio de Janeiro, utiliza o aplicativo há três meses e acredita ter uma capacidade muito grande de aproximar o público LGBT, mas precisa ser mais divulgado. “Na localidade em que resido, encontrei dificuldades para achar pessoas próximas a mim, mas na Zona Sul e na Baixada conheci muitas pessoas através do aplicativo”, informa. Ela ainda explica o motivo de utilizar a rede: “Eu prefiro estar em grupos onde eu sou bem-vinda, e creio que ninguém irá me julgar pela minha orientação. Esses grupos ajudam socialmente as pessoas que têm dificuldades com amizades, e é bom estar em um lugar onde todos compartilham da mesma orientação que você”. O GPS GAY disponibiliza artigos e notícias do mundo LGBT, publicados constantemente. Permite também colaboração no mapeamento de locais gay friendly, com descrição e comentários feitos pelos membros da rede, indicando, inclusive, as ONGs e entidades de direitos humanos mais próximas. Usuários apontam que o aplicativo ainda precisa melhorar algumas funções, mas já pode ser considerado um grande avanço para a comunidade. Rodríguez afirma que há projetos para continuar melhorando-o, e que pensa em incorporar uma ferramenta de denúncia contra a discriminação. Além disso, os desenvolvedores estão trabalhando junto à ONU para ajudar os usuários com questões como sexualidade e HIV. GPS GAY é gratuito e está disponível tanto para Android quanto para iOS.
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Arte: Wanderson Petrova Cavalcante
O pop é pop para quem? A relação entre a música pop e a comunidade LGBT vai muito além do gosto pOR Jorge Salhani
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o vermos Madonna cantando Holy Water na Rebel Heart Tour (2015), dependurada em uma cruz, onde realiza movimentos de pole dance com os pés sobre uma freira seminua deitada, logo percebemos que a ousadia que a lançou no cenário musical no início dos anos 1980 ainda é elemento marcante em sua carreira. Ousadia que lhe conferiu o status de trendsetter. Madonna, criada em ambiente católico, emerge da cena artística underground de Nova Yorque sem receios de cantar sobre liberdade sexual, de provocar a religião ou de criar uma legião de seguidoras com joias de crucifixo, múltiplos braceletes, luvas e meia arrastão como uniforme. Por sua autenticidade e por desconstruir o que, à época, era tabu, Madonna conquista seu espaço na música pop mainstream e, consequentemente, o apreço de uma comunidade marginalizada, que se via representada por esta estrela pop. O público LGBT abraçou Madonna como musa inspiradora e ícone da liber56
dade, enquanto a cantora defendeu as causas dessa comunidade batendo de frente com a crítica e conservadores. De acordo com o jornalista e doutor em comunicação e culturas contemporâneas Rodrigo Ribeiro Barreto, “Madonna cercou-se de colaboradores com orientações e identidades sexuais [LGBT], fomentou boatos a respeito de sua própria sexualidade e defendeu uma liberdade sem precedentes neste quesito”. Logo na década de 1980, Madonna mostrou ao mundo que a homofobia e o preconceito existiam. No encarte de Like a Prayer (1989), a cantora incluiu informações sobre o combate à aids e o estigma que ligava essa doença aos homossexuais. Da mesma forma, durante um concerto da turnê Who’s That Girl (1987), foram distribuídas ao público cartilhas informativas, e todos os seus lucros foram repassados à amfAR, fundação americana de pesquisas sobre a AIDS. Segundo Barreto, Madonna reafirmou o sexo como algo vital e necessário, e alertou para a responsabilidade que deve ser assumida em prol
da vida. “Além disso, insistia que tal cuidado não se restringia aos homens gays ou bissexuais, mas que se estendia para todos e todas”, diz Barreto. Justify My Love exaltou o sexo e o romance e teve o vídeo censurado por diversos canais de televisão. Isso serviu apenas como aperitivo para os mais conservadores, que não estavam preparados para uma “apologia” tão clara ao bissexualismo e à liberdade sexual. Em 1992, com o lançamento de Erotica e do best-seller Sex, Madonna tirou as amarras do corpo feminino e ergueu, ainda mais alto, a bandeira da liberdade sexual. Em Vogue, Madonna chama a todos, sem distinções, de superstars, e convida-nos a acompanhá-la na pista de dança. Em Human Nature, ela incentiva que nos expressemos e não nos reprimamos – como já fizera em Express Yourself – e ainda questiona os que a criticavam por falar abertamente sobre sexo e liberdade: “eu falei algo de errado?/Ops, não sabia que eu não podia falar sobre sexo/Não sabia que eu não podia expor minhas ideias”. Em quatro décadas de carreira, Ma-
donna continua lutando pelas causas LGBT. Em 2009, a popstar condenou o governo do Malaui por sentenciar dois homens a 14 anos de prisão por “praticarem atos homossexuais”. “Eu acredito em direitos iguais para todas as pessoas, sem distinção de gênero, raça, cor ou orientação sexual. Devemos apoiar nosso direito humano básico de amar e sermos amados”, declarou em nota oficial. Da mesma maneira, entrou em embate com autoridades da cidade de São Petersburgo, na Rússia, recebendo, inclusive, ameaças de morte por promover o direito dos homossexuais neste país, onde há um alto nível de violência contra LGBTs. Para o especialista em marketing musical Júnior Waldorf, muitos artistas, anteriores a Madonna, conquistaram o público LGBT, mas nenhum deles colocou tantos assuntos na pauta mainstream, incluindo sexismo, machismo, misoginia, homofobia, racismo, a luta contra a resistência religiosa e, atualmente, combate o etarismo que sofre. applause - fev 2016
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De acordo com Adam Salandra, apresentador e escritor, Madonna não teve medo de ultrapassar os limites antes que isso se tornasse norma para outros popstars. Para ele, “artistas podem, hoje, celebrar seus fãs gays porque isso não é mais tabu, mas Madonna o fazia bem antes de isso ser aceito”. Representatividade pela música
“A partir do reconhecimento de seu ‘fora de lugar’, Madonna descobriu uma comunidade de acolhimento em sua própria vida” Rodrigo Barreto, jornalista A afinidade que as comunidades LGBTs têm com a música pop se dá justamente por essa lhes incluir socialmente. Madonna, por exemplo, em diversos casos, introduz aspectos em sua obra que confundem as expressões de gênero. Podemos ver isso na apresentação de Vogue no MTV Video Music Awards de 1990 ou, mais recentemente, no clipe de Girl Gone Wild. Tais representações destacam a diversidade, normalizando o que se tem como errado ou diferente. Foto: Ryan J. Reilly
“A influência de Madonna é imensa e espraiada por toda a cultura pop contemporânea: música, moda, audiovisual, feminismo, comportamento, liberação sexual, cultura LGBT, ativismo”, e em outros âmbitos, de acordo com Rodrigo Barreto. A música pop, não só com Madonna, colabora para a representatividade da comunidade LGBT na sociedade. Esse público encara uma disparidade em relação a seus direitos e, muitas vezes, não tem aceitação social. Portanto, encontram obstáculos maiores para alcança-
rem espaços de poder ou serem representados na mídia. Em muitos casos ainda, uma imagem estereotipada ou caricata é relacionada a eles.
A cantora e ativista Lady Gaga se pronuncia na Marcha Nacional pela Igualdade, em 2009, a favor dos direitos da comunidade LGBT. Estima-se que o evento, realizado em Washington, D.C., nos Estados Unidos, tenha atraído 200 mil pessoas.
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A música pop, para Barreto, deu espaço às minorias: “embora as divisões entre gêneros musicais possam se basear em rotulações bastante arbitrárias, negros, latinos, mulheres e indivíduos LGBT tiveram uma acolhida bastante positiva no universo convencionalizado como pop, o qual, criativamente, sempre esteve aberto inclusive às interseções identitárias de tais pessoas”. Júnior Waldorf complementa que não só a música, mas a arte em si colabora para os avanços da sociedade. Para ele, ainda há artistas que se preocupam em serem a vanguarda, defendendo causas das minorias, mesmo em um mercado cada vez mais comercial. Desta maneira, a rebeldia do artista que leva os assuntos das minorias para as grandes massas se torna um escape para o público. Essa é, propriamente, uma das funções da música para artistas-ativistas. À medida em que uma expressão artística se torna mainstream, ela atinge um imensurável número de pessoas. Assim, se essa arte estiver voltada para a inclusão social e a defesa de direitos, mais pessoas se familiarizarão com isso e poderão repensar seus conceitos. A cultura pop é, de acordo com Adam Salandra, uma ferramenta poderosa para mudanças sociais, já que ela atinge uma ampla audiência. Ele comenta que enquanto muitas pessoas podem não se interessar por política, elas estão cientes de quem são as grandes celebridades do momento. Desta maneira, se essas celebridades usarem suas vozes para ativar mudanças, suas audiências, incluindo aquelas que não têm muito conhecimento sobre as causas LGBT ou outras causas sociais, ouvirão opiniões positivas acerca desses temas. Outros expoentes Diversas outras artistas incentivaram a mídia a abordar pautas relacionadas à comunidade LGBT. Cher inegavelmente é uma delas. Com quase seis décadas de carreira, a cantora, além de ter inspirado diversas mudanças em es-
Inspire-se Videoclipes e apresentações musicais atingem um elevado número de pessoas ao mesmo tempo, portanto são ótimos meios de disseminar ideias. Selecionamos, abaixo, alguns deles que celebram a diversidade e as pessoas LGBT.
Hozier – Take Me to Church (Hozier, 2014) A letra desta música explora a intolerância por parte da religião. O clipe explicita atos de homofobia, como a violência contra um casal de homens.
Macklemore & Ryan Lewis, Mary Lambert, Madonna e Queen Latifah – Same Love e Open Your Heart (Cerimônia do Grammy Awards, 2014) Os cantores se uniram para defender o casamento de pessoas do mesmo sexo nos Estados Unidos. Resultado: trinta e três casais, hétero e homossexuais, casaram-se no palco da premiação.
Lady Gaga – Born This Way (Born This Way, 2011) A cantora aborda temas como a diversidade sexual, racial e cultural na canção, consideradas uma das mais marcantes da década para a população LGBT.
Kylie Minogue – All The Lovers (Aphrodite, 2010) No vídeo, várias pessoas, em meio aos prédios de Los Angeles, compõem uma pirâmide humana para celebrar o amor e a diversidade sexual.
Christina Aguilera – Beautiful (Stripped, 2002) Rendeu à cantora um prêmio do GLAAD Media Awards pela colaboração na representatividade dos homossexuais e transexuais. O vídeo critica a imposição de padrões de beleza.
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tilo e comportamento, defendeu os direitos da comunidade LGBT, que inclui seu filho, Chaz Bono, que expôs sua transexualidade em 2009. Cher lutou no combate e prevenção à aids, sendo condecorada com o Award of Inspiration da amfAR em 2015. A extravagância de Cher em suas roupas e apresentações serviu de inspiração para o trabalho de diversas drag queens, muitas delas parte da comunidade LGBT. Contemporânea de Cher, Diana Ross e seu single I’m Coming Out não são menos icônicos. Ross tem uma das carreiras mais bem-sucedidas da música e inspirou diversos outros artistas, como Michael Jackson, Mariah Carey e Beyoncé. O especialista em marketing musical Júnior Waldorf comenta que, durante o mesmo período, a partir da década de 1960, homens influentes para o movimento, como Freddie Mercury, David Bowie e Elton John, também iniciaram suas carreiras. No Brasil, ele cita expoentes como Renato Russo e Cazuza. Anteriormente a essa época, Judy Garland, de acordo com Waldorf, torna-se o primeiro grande ícone gay, principalmente por sua complexidade e incompreensão. É o mesmo caso de Marilyn Monroe. Durante os anos 1980, surgem outras cantoras pop que vêm a se tornar ícones para a comunidade LGBT. Janet Jackson discutiu abertamente temas como homofobia, transfobia e liberdade sexual, e sempre esteve ligada a movimentos sociais. Kylie Minogue também defende as causas LGBT, e suas apresentações bem produzidas – muitas no estilo showgirl – são fonte de inspiração para a comunidade gay. No início dos anos 2000, algumas cantoras pop consideradas ícones são Britney Spears, Christina Aguilera e Beyoncé. No final da década, é importante destacar o ativismo da cantora Lady Gaga. A cantora já discursou diversas vezes defendendo os direitos da comunidade LGBT, inclusive condenando a política “Don’t Ask, Don’t Tell” das Forças Armadas americanas, que impedia o alistamento de pessoas abertamente homossexuais, bissexuais ou transexuais. 60
“Artistas são rebeldes, explícitos. Para o público, é um escape. Juntar isso a grandes estrelas que colocam em pauta assuntos como o movimento LGBT, batem no peito, assumem riscos e levam o tema para o debate na grande massa, é extremamente importante e de muita relevância” Júnior Waldorf, especialista em marketing musical
Seu single Born This Way pregou o amor e a igualdade e deu grande representatividade à comunidade LGBT, afinal uma canção com os versos “Não importa, gay, hétero ou bi/Lésbica ou transgênero/Eu estou no caminho certo, eu nasci para sobreviver” tinha estreado em primeiro lugar na parada principal de singles da Billboard com recorde de vendas. Há diversas outras que podem ser consideradas influências para essa comunidade, como Katy Perry (Firework é tida por muitos como uma canção que celebra a diversidade) e Miley Cyrus, que se declarou publicamente pansexual em 2015 e tem debatido temas ligados à sexualidade, gênero e direitos LGBT. Gosto não define sexualidade A música pop foi e é importante para a inclusão social da comunidade LGBT e para sua representatividade. Apesar disso, a música pop não deixa de ser um estilo musical e gostar ou não dele não define, de maneira alguma, a sexualidade de uma pessoa. Como comenta o jornalista Rodrigo Barreto, “quando alguém afirma que um tipo de música está voltada apenas para um grupo de pessoas, o que está querendo (mesmo inconscientemente) é diminuir tanto o produto artístico, quanto o grupo em questão”.
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ADRIANO SANTOS, 25 anos, jornalista e social media Foi ouvindo as músicas do Confessions on a Dance Floor (Madonna, 2005) que descobri que poderia me libertar de um monte de sentimentos ruins que me prendiam e me impediam de ser quem eu realmente era. Hung up foi tema de várias decepções de adolescente. E por mais irônico que pareça, Sorry foi a música que tocou quando dei meu primeiro beijo, na Parada da Diversidade em 2006. Madonna foi muito importante na minha adolescência, principalmente por me auxiliar na época que me descobri gay. Acompanho sempre os novos projetos dela e ainda vibro com cada novidade que a Material Girl prepara para seu público.
Fernando Teixeira, 23 anos, estudante de design Quando eu realmente comecei a conhecer o trabalho da Madonna, começaram os “estalos” na minha cabeça que eu tanto amo ter. Esses estalos são aqueles momentos que você percebe algo incrível e isso te acrescenta, muda a maneira que você vê e encara as coisas. A espiritualidade foi um desses estalos, foi a primeira vez que me interessei pelo assunto, a primeira vez que comecei a filosofar sobre minha existência e meu papel no mundo, primeira vez que comprei um livro de poesia. Uma pequena porta na minha mente se abriu, e minha autoconsciência floresceu.
MAYARA RAUEN, 25 anos, estudante de jornalismo As cantoras pop têm uma grande visibilidade, não só no meio LGBT, e essa é a importância delas para o movimento. Elas discutem e tratam de pautas relevantes e importantes para a conscientização de heterossexuais acerca de problemas que homossexuais passam todos os dias. Um bom exemplo é a cantora Miley Cyrus, que sempre aborda temas considerados polêmicos. Em uma de suas últimas apresentações, chamou várias participantes do programa RuPaul’s Drag Race para compor o palco com ela, dando visibilidade a drag queens, muitas vezes marginalizadas pela sociedade. Lady Gaga é um grande ícone, e ajuda os homossexuais em relação à auto-aceitação.
Tatiana Rodrigues, 41 anos, empresaria Madonna me fez enxergar algumas coisas no mundo de forma diferente, sim. Sempre que ela defendia alguma coisa eu procurava entender melhor do que se tratava. Sua atitude, comportamento, a forma como se veste, a forma como domina sua carreira, tudo isso me impressiona muito e é o que me faz admirá-la sempre. Ela tem feito as pessoas se acostumarem a ver uma mulher de (quase) 60 anos curtindo a vida, usando saia curta, cabelos longos e lindíssima. Eu ainda levarei uns 20 anos para ter a idade que ela tem hoje, mas já agradeço tudo que ela tem feito, pois com certeza eu serei uma dessas sessentonas que só vestirá saia curtinha e que se divertirá muito na “terceira idade”. God save the Queen!
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Na selva do pop, Madonna é a leoa Entenda como o mapa astral influencia a vida da rainha Paula Nishi
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eonina com ascendente em Aquário, Lua em Virgem e Vênus em Leão. Muito se fala em Mapa Astral, e mais ainda em Madonna, mas o que será que a junção das duas querem dizer? Se você sempre teve essa curiosidade de entender vários aspectos da vida da nossa diva, confira agora a análise astrológica que fizemos especialmente para essa edição.
Sol em Leão
O Sol, assim como na Via Láctea, representa o centro, ou seja, é a nossa essência. Em um quadro geral, uma pessoa com Sol em Leão terá as características mais marcantes desse signo. Não é de se espantar que a nossa diva é uma verdadeira leonina, não é mesmo? Poder, criatividade, liderança e alto astral são algumas das suas qualidades!
Ascendente em Aquário
Dizem por aí que, ao longo da vida, vamos adquirindo características do signo do nosso ascendente, mas isso é apenas uma consequência. O nosso ascendente está ligado à forma como nos expressamos, ou seja, a forma como as pessoas nos vêem. Com ascendente em Aquário, um signo relacionado à inovação, não é a toa que enxergamos em Madonna um verdadeiro ícone de uma nova era: a do pop! Diferente, mente aberta e às vezes até meio doidinha, Madonna sempre mostrou a que veio!
Lua em Virgem
O elemento mais sensível do nosso mapa astral, a Lua significa nosso eu interior, nossa parte mais íntima, aquela que só nós conhecemos. A Lua em Virgem pode nos indicar uma Madonna que, mesmo não demonstrando, é muito organizada e perfeccionista!
Mercúrio em Virgem
Mercúrio é o planeta da comunicação! É o astro que também nos mostra a forma como nós aprendemos as coisas. Novamente em Virgem, Mercúrio nos apresenta uma mulher que sabe muito bem o que falar e quando falar. Direta e objetiva, com muita praticidade e de forma racional, essa é a maneira como nossa leonina se comunica.
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Vênus em Leão
Ahhh, a Vênus! O planeta do amor e dos relacionamentos. Em Leão, esse planeta pode ser um pouquinho mais complicado. Uma pessoa com Vênus em Leão tende a prezar pela conquista, mas também adora uma bajulação! Uma dica: para conquistar o coração de Madonna, invista nos elogios, mas deixe-a se sentir no comando da relação!
Marte em Touro
É o planeta do caráter, da atitude! Marte em Touro traz a serenidade e a paz para o mapa da nossa diva. Constante e pé no chão, percebemos uma artista que adora fazer planos a longo prazo, passando muita confiança e tranquilidade para os seus projetos.
Júpiter em Libra
O signo da balança! Aliado à Júpiter - planeta do desenvolvimento pessoal e regente de Sagitário - permite que características como espírito de aventura, liberdade, curiosidade, otimismo, e generosidade estejam presentes na nossa leonina.
Saturno em Sagitário
Planeta das responsabilidades! Saturno nos mostra como lidamos com regras e padrões. Em Sagitário, logo percebemos que Madonna preza pela sua liberdade em todos os sentidos. Muitas vezes quebrou padrões e deu um basta aos estereótipos, digno de uma rainha do pop, não acha?
Urano em Leão
Em contrapartida, Urano se revela como o planeta da liberdade! Isso quer dizer que nossa Madonna age, neste quesito, com grandes influências leoninas. Gênio forte, autonomia, e sem medo de bater de frente com o mundo, a coragem é seu ponto chave!
Netuno em Escorpião
Planeta ligado ao idealismo, à compaixão e ao desenvolvimento espiritual. Em Escorpião, signo envolvente e que sabe muito bem o que quer, Madonna traz uma boa junção!
Plutão em Virgem
Finalmente, o último planeta! Representa o nosso inconsciente e o renascimento. Com Plutão em Virgem, Madonna não tem medo de recomeços. Se algo não está bom o suficiente, é preciso refazer até ficar perfeito. Talvez seja por isso que sua carreira, mesmo depois de tanto tempo, continua sólida e sempre trazendo novidades! O sucesso veio, afinal, depois de muito trabalho árduo!
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vogue
internet
Vozes online: vlogs e afins Como a mídia não-mainstream tem mudado os formatos de comunicação e militância Lia Vasconcelos
esde a Primavera Árabe, muito se fala sobre as redes sociais e seu poder de mobilização, mas o que de fato significa produzir conteúdo virtual? O ano de 2013 foi um marco para os críticos dessas mídias, considerando todos os acontecimentos em escala global envolvendo a militância online. Aqui no Brasil, os eventos de Facebook refletiram nas ruas a enorme quantidade de pessoas dispostas a lutar pelo “passe livre” e por outras causas sociais. A indústria dos blogs e vlogs tornou-se uma plataforma não só da metalinguagem, onde o principal assunto são temas relacionados à própria internet, mas de assuntos atuais e relevantes. Hoje em dia, o principal domínio na produção de vídeos é o YouTube, possuindo mais de um bilhão de usuários – quase um terço da população total da internet – e mais de um milhão de canais. Além da quantidade imensurável de informação produzida dessa forma, o formato mercadológico da informação não fica de fora no mundo online, como os chamados anúncios em TrueView, as propagandas de quinze segundos transmitidas antes de cada vídeo. Segundo o site oficial, “todas as cem maiores marcas globais têm executado anúncios TrueView desde o ano passado, e 95% dos anunciantes fizeram campanhas através das telas do site. Também estamos vendo forte crescimento nos novos anunciantes que adotaram a TrueView, já que o número de anunciantes que usam esse tipo de mershandising cresceu 45% 64
Foto: Arquivo Pessoal
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em 2014”. Apesar de ter origem nos Estados Unidos, o YouTube já possui sua versão em 76 línguas e 80% de seu conteúdo é produzido fora da América do Norte. O vloguer Gabriel Moraes, conhecido na internet como Gaybol, dos canais EagBrasil e GaybolTV, conta que “se você quiser estar lá por dinheiro, pode ser que dê certo. As empresas financiam o site para aparecer nos trueviews e o YouTube distribui esse investimento para os canais mais relevantes. Eles não tem muito controle de conteúdo. A não ser que você seja patrocinado dentro do seu programa, com produtos e etc.” Moraes também diz que “é um emprego que pode ser levado a sério, acontece que a grana não é nem um pouco estável. Tem mês que dá pra fazer três mil reais, mas tem mês que não dá nem um salário mínimo”.
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vogue
lazer
Arrase na pista! Lugares para curtir sem medo de ser feliz Foto: Divulgação
Marina Fornasier
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humanidade não vive só de estudo e trabalho. O lazer entra com o papel de balancear essa rotina turbulenta do século XXI. A comunidade LGBT, cada vez maior e com mais representatividade, vem conquistando todos os públicos com baladas e festas famosas pelas músicas de qualidade, ambiente com decoração fantástica e astral inigualável. As pessoas que as frequentam ressaltam que, dentro das festas, não costumam sofrer preconceito. A estudante de economia Nuria Silva conta que nunca passou por situações incômodas e que se sente muito à vontade, principalmente porque o público que frequenta tem os mesmos objetivos, que é se divertir independente de cor, gênero e orientação sexual. Confira algumas dicas de baladas e festas da estudante.
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ATENÇÃO! Apesar de menos frequente, o preconceito também existe dentro da comunidade LGBT. Festas e baladas exclusivas desse segmento não estão isentas de homofobia, lesbofobia e transfobia, entre outras formas de preconceitos que podem ser praticadas, inclusive, por este mesmo público. 66
ONDE IR? Club Yacht
Balada paulistana, é destaque pela decoração náutica que encanta desde a entrada do galpão. Às quartas, a música é focada no pop dos anos 80 até os dias atuais. O público hétero de estilo moderninho e fashionista toma conta do lugar para ouvir indie rock às sextas. Pop, house e outros gêneros eletrônicos embalam os sábados, no projeto Shout. Tudo isso faz o lugar ser o favorito da estudante Nuria, principalmente pela música de qualidade. O Club Yacht fica na rua Treze de Maio, 703 - Bela Vista, São Paulo, SP.
New York Lounge
A balada paranaense que marca presença nas cidades de Londrina, Maringá e Presidente Prudente (SP), é famosa por ser um lugar aconchegante. Com espaço mais reduzido, porém com pista de dança e bar para conversar, a NY Lounge possui uma decoração supermoderna e cheia de detalhes. Os atrativos são os ótimos DJs e as diversas promoções de bebidas que sempre acontecem. Em Londrina, se localiza na rua Rio Grande do Norte, 750, em Maringá na Avenida Rio Branco, 485 e em Presidente Prudente, na Avenida das Saudades, 1719.
Baile das Marinheiras- Club Yacht Uma das festas mais famosas da balada é o Baile das Marinheiras. Ele acontece uma vez por mês e sempre traz DJs de peso. A decoração da festa conta com bolas, âncoras e balões gigantes. As entradas variam de R$50 a R$100, com a possiblidade de nome na lista até às 20h do dia do evento.
Novo mercado consumidor
A moda gay vem com força não trazendo apenas roupas e acessórios, mas também contexto cultural e uma nova forma de se expressar
Um dos artistas musicais ícone do estilo andrógino é o cantor David Bowie. Conhecido como o camaleão do rock, misturava estilo feminino e masculino.
Foto: Gijsbert Hanekroot/Redferns
Marina Fornasier
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os últimos anos, um novo ramo do mercado da moda vem crescendo de maneira rápida e muito lucrativa: a moda voltada para o público gay. A indústria de confecção no Brasil tem aumentado, se espalhando por todo o país e desenvolvendo roupas e acessórios direcionados a um público-alvo específico, que resulta em um produto mais eficaz, aumentando o consumo. Segundo a estilista Claudia Mendes Galdino de Morais, a inserção na economia de um novo segmento que é o público diversificado está aumentando. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), este mercado é estimado em 1,8 bilhão de reais por ano, e este público gasta 30% a mais do que heterossexuais, devido grande parte não ter filhos e uma parcela de sua economia ser destinada à moda, viagens e cultura. Os homens gays dentro do universo da moda não possuem um segmento que produza roupas específicas que atendam ao seu gosto e necessidade. Não há muitas marcas que trabalhem com modelos andróginos com uma modelagem masculina que resulte em uma vestimenta confortável, ergonômica e esteticamente agradável. Apesar desse setor da economia ser lucrativo e estar em ascensão, as empresas de moda ainda necessitam de mais investimento, propaganda e desenvolvimento de produtos voltados para esse público. applause - fev 2016
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moda
Foto: Mike Ruiz
vogue
Setor em expansão
O estilo andrógino vai muito além das roupas, a maquiagem também é um ponto forte na hora de construir o visual. Foto: Astérisque / asterisquebysassi.com
Esse mercado alternativo vem mostrando um crescimento significativo na economia, pois são consumidores que estão rompendo tabus e têm grande poder de consumo. É interessante e necessário estudar o comportamento desse público diversificado, pois eles estão inseridos em determinados grupos sociais reservados, tendo a moda como fonte de expressão na sociedade. Para Claudia, isso acontece porque o público-alvo em questão trata-se de um consumidor muito exigente, instruído, com uma vida social ativa e, por esses motivos, tem uma relação de proximidade com a moda, que é utilizada para se expressar, se destacar e se posicionar socialmente. Para aumentar ainda mais o consumo desse mercado e para que ele consiga atingir as pessoas para quem são destinados os produtos, é necessária uma estratégia de marketing que analise seu estilo de vida, suas escolhas, gostos e afinidades, preferência de compras, lugares que gostam de frequentar e as marcas que consomem. Uma nova visão Várias empresas da indústria da moda e de outros produtos, como a Coca-Cola e O Boticário, já estão investindo em propagandas que englobam o público LGBT. A rede de mercados Wal-Mart também está apostando nesse perfil, lançando propaganda em que o personagem é um casal homossexual, além de oferecer benefícios requeridos para os funcionários e seus parceiros. Todas essas atitudes resultam em uma visão positiva sobre os consumidores LGBTs. Segundo dados do censo do IBGE de 2010, o público gay ultrapassa 18 milhões de consumidores. Os casais homoafetivos e seu círculo de amigos saem muito mais vezes que os casais heterossexuais, pois adoram provar novas comidas e aprender culturas diferentes. Além disso, por usarem muito a internet, uma ferramenta interessante para atingir esse público é o e-commerce. 68
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Misturar roupas de diversos estilos, tanto feminino quanto masculino é a marca registrada desse novo segmento da moda.
Os andróginos são pessoas que misturam características femininas e masculinas em um só visual, possuem personalidade e não se importam com a opinião da sociedade e assumem seu estilo sem medo. Coco Chanel é um exemplo. Nos anos 1920, com sua arte incomparável, causou polêmica ao entrar no universo masculino e trazer acessórios e elementos para o universo feminino. Ela trouxe a proposta de igualdade entre os sexos, onde as mulheres podiam se livrar do espartilho e ter um estilo mais livre, usando calças, silhuetas tubulares, cabelo curto, comparando-se aos homens da época. Já nos anos 1970, década em que a igualdade entre homens e mulheres era mais comum, as plataformas, as batas indianas e os cabelos longos, que antes era um estilo usado pelas mulheres, passou a ser usado por ambos. Hoje, esse estilo se tornou muito comum e é usado por todos.
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vogue
resenha
Quebrando a lógica binária
No filme XXY, protagonista intersexual vive os sabores e dissabores da adolescência com a descoberta de sua sexualidade Ana Raquel Mangili
o dissecar uma tartaruga marinha, o pai de Alex, personagem principal, exclama: “É fêmea!”. É com essa frase simbólica que começam os primeiros diálogos de XXY (2007), filme argentino que explora a temática do binarismo de gêneros. Alex (Inés Efron) é um(a) adolescente de quinze anos intersexual, ou seja, nasceu com uma condição biológica em que seu corpo possui os dois órgãos sexuais e demais características de ambos os sexos. Com o objetivo de dar a opção de escolha para o(a) filho(a) e evitar que este(a) sofresse julgamentos e preconceitos alheios, seus pais o(a) criaram em uma pequena e afastada vila de pescadores no Uruguai, onde viveriam até que Alex optasse por um dos gêneros e se submetesse à cirurgia “corretiva”. Porém, um dia, sua mãe decide acelerar tal processo, convidando um médico e sua família para passar um tempo em sua casa e avaliar o(a) adolescente. Entretanto, a aproximação entre Alex e o filho do casal visitante, Álvaro (Martín Piroyansky), proporciona novas experiências e modifica a vida de todos os envolvidos. O corpo de Alex é retratado no filme como um lugar de tensões, um alvo a ser normatizado pelas pessoas ao seu redor. Até mesmo seus pais, que não permitiram uma intervenção médica no momento de seu nascimento, lhe deram uma criação mais voltada ao gênero feminino e agora vivem angustiados pela suposta “demora” de Alex em se decidir pela cirurgia. A sociedade reluta em lidar com o inclassificável, o indefinido, pois considera ser mais fácil criar 70
compartimentos estanques e manejar os indivíduos segundo os comportamentos esperados de cada caixinha às quais pertencem. XXY acaba sendo um belo expoente representativo da luta das pessoas intersexuais. No Brasil, por exemplo, o tema esteve em pauta na ficção no longínquo ano de 1993, por meio da novela Renascer, escrita por Benedito Ruy Barbosa e veiculada pela Rede Globo. O tratamento que a grande mídia impressa deu na época à personagem Buba, intersexual interpretada por Maria Luíza Mendonça, foi humanamente inaceitável, chegando a usar termos como “aberração” e “hermafrodita” para se referir à personagem que se recusava a passar pela cirurgia de “adequação sexual”. Todos os indivíduos devem ter o direito a uma vida digna e de acordo com a identidade de gênero que melhor lhe convier, seja ela binária ou não. Pois, como diz Alex, “e se não houver nada para se escolher?”.
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Foto: Reprodução
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Homossexualidade e religião: o ensinamento Tenrikyo Como a preocupação com o próximo faz crescer a compreensão sobre a diversidade sexual e distancia a religião Tenrikyo do pensamento ocidental Por Tamiris Volcean
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LIKE A PRAYER
religião
A religião Tenrikyo foi fundada na cidade de Tenri, conhecida como terra parental, situada no Japão. Lá se reúnem todos aq
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ostuma-se dizer que o solo em que se instala o templo de uma Igreja Tenrikyo é sagrado e boas energias emanam constantemente daquela terra. Quando avistamos a construção imponente, sentimos uma mudança no ar, como se estivéssemos imergindo em uma cultura completamente diferente. A religião, para os orientais, é considerada parte fundamental de sua conduta, por isso, suas construções e elementos recebem atenção especial. O condutor Luiz Kenji Murakami, 66 anos, responsável pelos cultos, apresentou-nos o local e contou como a religião se instalou na cidade de Bauru. Luiz, que também é diretor da sede missionária (Dentotyo) da Tenrikyo, levou-nos até os altares e explicou pacientemente como a religião enxerga a homossexualidade nos dias atuais. 72
A Igreja Tenrikyo e seu funcionamento O principal ensinamento de Oyassama, mãe de toda a humanidade e sacrária de Deus, é que o objetivo de nossa existência é a vida plena de alegria. Todos os dias, Murakami conduz dois momentos de oração diante de três altares. Às 6h30 e às 19h, estão todos reunidos para limpar as impurezas do espírito. Por meio de orações cantadas e gesticuladas, Murakami agradece ao Deus-Parens, conhecido como Tenri-Ô-no-Mikoto, à mãe Oyassama e também aos nossos antepassados. É importante salientar que a religião Tenrikyo crê no conceito de reencarnação contínua, ou seja, seus seguidores baseiam suas vidas no fato de que nossa alma é imortal e, por isso, devemos seguir as dez providências divinas que vivificam e criam o homem.
Foto: Tenrikyo Resource
veis. Para os seguidores da mãe Oyassama, não são os grandes pecados aqueles a serem intensamente combatidos, mas as pequenas partículas que acumulamos ao longo do dia. Tais partículas são responsáveis pela sujeira de nosso espírito e, quando não promovemos a purificação espiritual, acumulamo-as e estamos sujeitos a conviver com elas nas próximas encarnações. Quando discutimos com alguém, por exemplo, não estamos cumprindo o nosso papel de ajuda ao próximo, ou seja, não estamos aliviando o peso da existência do outro e, consequentemente, sujamos o nosso espírito. A limpeza espiritual é, então, proporcionada pelos momentos de concentração conjunta, que nos aproxima dos nossos antepassados para adquirirmos conhecimento e paz. A concepção de família para a Tenrikyo
queles que desejam ser missionários ao redor do mundo
Durante as orações, três pilares sustentam os cânticos. Primeiro, entoam versos para agradecer e honrar os pais, em seguida, esforçam-se para ouvir os dizeres de Deus-Parens e, por fim, focam na ajuda ao próximo, para que todos sejam purificados e haja paz universal. O culto Tenrikyo aposta na utilização de 9 instrumentos, os quais representam nossos órgãos externos: olhos, ouvidos, nariz, boca, dois braços, duas pernas e, finalmente, o órgão reprodutor. As poeiras espirituais Questionado sobre o conceito de pecado na religião Tenrikyo, Luiz afirma que todos eles são metaforizados em poeiras espirituais. A poeira é, geralmente, composta de partículas minúsculas e, na maioria das vezes, imperceptí-
Os ensinamentos orientais baseiam suas explicações em elementos da natureza. Para os seguidores da religião, o casal é o conjunto do mundo em que vivemos – terra e céu. A mulher é considerada a terra, local de onde nascem todas as coisas; enquanto o homem, céu, refúgio e proteção de todos os seres viventes. É natural que encontremos elementos machistas na concepção de muitas religiões, principalmente orientais. Entretanto, Murakami afirma “A mulher é considerada mais importante na cultura Tenrikyo, pois é a base para sustentar os pilares. Nunca estimulamos o comportamento submisso da mulher, especialmente porque elegemos uma figura feminina como a portadora de todo conhecimento de Deus-Parens. Miki Nakayama deixou muitos ensinamentos e provou a força da mulher para todos nós”. Apesar da exaltação da mulher, diferente do que acontece em muitas religiões cristãs, a concepção de família ainda é fortemente baseada na junção marido e mulher. De acordo com os ensinamentos da religião, o casamento é uma união feita a partir da predestinação da alma e ocorre, necessariamente, entre um homem e uma mulher. applause - fev 2016
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religião
A visão sobre a homossexualidade Luiz diz não conhecer muitos casos de homossexuais assumidos dentre os frequentadores do templo. Chega a afirmar que, no momento, o número tende à nulidade. Desviando do assunto e mostrando certo incômodo, o condutor insiste nos ensinamentos contidos nos textos originais e diz “Deus atende não por solicitação, mas por merecimento. O que plantamos, colheremos na próxima encarnação. Quando não seguimos os cursos de Deus-Parens, estamos colhendo os frutos de nossas impurezas anteriores”. A homossexualidade é vista como um castigo para impurezas das vidas passadas. Uma forma de nossa alma, imortal que é, castigar-nos e privar-nos do encontro com alguém do sexo oposto. Pensamento comum em diversas outras religiões, a diversidade sexual ainda é vista como algo negativo. Entretanto, Luiz afirma que há uma grande distância entre o não concordar com tal prática e a intolerância exercida em alguns meios cristãos. Para o condutor, todos devemos nos preocupar com o próximo, seguindo o principal ensinamento da religião, independentemente de suas preferências sexuais. Durante os cultos, focam no desenvolvimento e crescimento espiritual, pouco interferindo nas escolhas pessoais de cada um. A visão de um seguidor Danilo Shimizu é um universitário de 19 anos e reside em Ribeirão Preto. Frequenta a Igreja Tenrikyo desde o nascimento e participa ativamente das atividades e cultos, que acontecem sempre no primeiro domingo do mês.
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De acordo com os textos originais da religião, existem oito poeiras espirituais: mesquinhez, cobiça, ódio, amor-próprio, rancor, raiva, avidez e soberba Para ele, a homossexualidade é vista com naturalidade e garante que o preconceito é algo inaceitável em seu círculo social. “Comecei a conviver com casais homossexuais depois que ingressei na universidade, até então era uma coisa distante de minha realidade. Entretanto, a religião nunca influenciou nas minhas conclusões sobre o assunto, pelo contrário, foram os ensinamentos ali aprendidos que me fizeram compreender a diversidade e respeitá-la”, conta Danilo. O jovem diz que a preocupação com o bem-estar do próximo é algo amplamente discutido nos grupos de estudo dos textos originais da religião. Apesar de os mais antigos ainda relutarem em aceitar a homossexualidade como uma escolha pessoal e natural, Danilo diz que nunca ouviu um comentário preconceituoso de nenhum condutor experiente. Diferentemente do que acompanha em outras religiões, na Igreja Tenrikyo não se condena a prática homoafetiva. “Em nenhum momento de minha formação ou durante os cursos religiosos, falou-se sobre a necessidade de não convivência ou não aceitação dos homossexuais.”, Danilo continua “entretanto, a visão negativa do distanciamento dos caminhos definidos pelo Deus-Parens ainda é constante. Não se fala em pecado, mas em
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Foto: Blog Tenrikyo Brasil Os jovens recebem educação religiosa e espiritual especial, aprendendo condutas e ensinamentos desde cedo
poeiras espirituais. Ser gay, para os mais antigos da religião, é ter o espírito cheio de impurezas”. Danilo finaliza dizendo que, apesar dessa visão negativa, há grande compreensão. Para os condutores, sua escolha é reflexo das vivências de sua alma imortal e, por isso, só diz respeito a você mesmo. O diferencial da Igreja Tenrikyo é, sem dúvida, seu distanciamento em relação a
escolhas e decisões pessoais de seus seguidores. Desde que você se preocupe em honrar as providências divinas, preocupar-se com o próximo e cultuar seus antepassados, não importa sua etnia, preferência sexual ou cultura de origem, todos são bem-vindos para adentrar no templo e aprender os ensinamentos oriundos da cidade de Tenri, a terra parental da religião.
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I WANT TO BREAK FREE
opinião
Segura essa marimba! Felipe Andre
*colunista convidado
Gay, geminiano, fazendo mestrado, aguardando a Lotus Tour
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inda me lembro, como se fosse ontem, quando minha mãe me deu meu primeiro DVD pirata da tour da Britney Spears de 2001. Pobre mãe, não sabia o que tinha feito com seu filho que se acabava dançando Ragatanga no quarto, escondido de todo mundo. A meu ver, tudo começou com a santíssima trindade do POP: Cyndi Lauper, Cher e Madonna. Cyndi sempre foi engajada na causa LGBT+ por conta de sua irmã, Ellen, que é lésbica, além de sempre ter procurado igualdade, afinal “don’t be afraid to let them show your true colors, true colors are beautiful like a rainbow”. “Do you believe in live after love?”. Cher, que tem um filho trans, sempre foi a favor da luta por direitos iguais da comunidade. Quando Chaz Bono se assumiu homosexual, Cher ficou meio confusa, mas mudou de opinião bem rápido sobre todos merecerem direitos iguais. E nem preciso falar
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da criadora dos gays, Madonna, né? Quem nunca tentou fazer a coreô de ‘Vogue’? Um dos maiores ícones gays de todos os tempos. Recentemente ela disse que nunca mais voltará a Rússia por causa das leis anti-gays instaladas pelo governo. Rainha, né mores? Anos 2000 e uma nova era de divas do POP representadas por Britney Spears, Christina Aguilera e Beyoncé, sendo que essa eu presenciei com meus próprios olhos. Britney, exemplo de boa moça (até 2007, mas a gente deixa isso pra outro dia), era nossa barbiezinha que nossas mães não se importavam em nos deixar ouvir. Aguilera, logo no início da carreira, já disse “you are beautiful no matter what they say, words can’t bring you down” com um clipe maravilhoso e super representativo. Ambas beijaram Madonna na TV aberta em uma das premiações mais vistas dos Estados Unidos. Um choque de monstro na família tradicional americana. Queen B sempre lutou pelos direitos iguais, feminista suprema. E duvido que alguém fica parado quando começa o instrumental de ‘Crazy in Love’. Tudo isso acontecendo e eu assimilando as informações na minha cabeça. Eu vivia no Brasil, um grande país onde o preconceito domina (principalmente em cidades de interior como a minha), então eu reprimia todos meus sentimentos, me trancava no quarto, onde podia ser eu mesmo escutando as músicas delas.
Quando eu me aceitei, estávamos na era da Lady Gaga, um marco na comunidade LBGT+. O que essa mulher fez por nós é de ficar chocado! Nos apoiou em tudo e foi comissão de frente na legalização do casamento homossexual nos Estados Unidos. Com o estouro de RuPaul’s Drag Race, ainda mais no Brasil, mais gente conseguiu ser representada e se achar nesse tal mundo opressor, além de mais barreiras preconceituosas que foram quebradas. O Brasil vivenciou uma temporada do programa “Amor & Sexo” que ficará marcada na história da representatividade brasileira. Com o que já vivi, posso dizer que, mesmo com os fanáticos religiosos que os EUA têm, sofri menos preconceito que no Brasil. Aqui, nos EUA, as pessoas cuidam do seu próprio mundo e é cada um por si, o que não ocorre muito no Brasil, onde as pessoas querem que você seja o padrão homem-hétero-cis-branco e, além de quererem, impõem. O que não vai acontecer, monamu! Temos que agradecer e muito que pessoas com poder de mudança tenham abraçado nossa causa e tenham a transformado em algo maior e importante, fazendo com que outras pessoas vissem que ‘gay is ok’. Se a nova geração de divas do POP vier com esse mesmo espírito de mudanças e engajamento social, conseguiremos ainda mais o que é nosso por direito. Because we were born this way, baby.
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I WANT TO BREAK FREE
crônica
Desculpa, cara, eu sou discreto Tamiris Volcean
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a mesa do bar, três copos de cerveja e apenas um de vodka. Quatro amigos conversavam sobre amenidades, planos futuros e assuntos do coração. Na mesa ao lado, como em um reflexo, outros quatro amigos curtiam uma noite regada a whisky. Todos com seus copos cheios de pedra de gelo e um pouco daquele líquido cor de âmbar que inebria os lábios de quem o sorve devagar. David Bowie era a estrela da noite. Todos entoavam suas melodias simultaneamente, abriam os pulmões e, enquanto recebiam aquela fumaça turva dos cigarros de outrem, liberavam gritos há muito ali instalados. Por um momento, o silêncio ecoou. O garçom pegou um microfone falho e anunciou que o toca fitas havia quebrado. Restava o som da rádio pop com seu chiado tradicional ao fundo. Quando Madonna subiu ao palco suspenso no ar, ouviu-se vaias brotando dos copos de cerveja e risos sarcásticos dos copos de whisky. Marcelo, o amante de vodka, vibrou. Madonna falou por ele em muitos momentos de sua vida. As letras de suas músicas foram hinos que o fortificaram quando decidiu, finalmente, assumir sua homossexualidade. Quando criança, gostava de imitar a coreografia das dançarinas de TV. Passava horas em frente ao aparelho de som, daqueles com
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duas caixas enormes, treinando os passos e sonhando em ser reconhecido pelo seu talento. Dançava sempre de portas fechadas, com medo da reação do irmão mais velho. “Seu filho já nasceu boiola”, repetia para o pai sempre que Marcelo gesticulava ao falar. Cansado de tanta repressão dentro de casa, Marcelo trilhou seu caminho na dança, mudou de cidade e sonhou com uma vida em que pudesse ser ele mesmo. Pouco a pouco, destrancou a fechadura e abriu as frestas para um novo mundo. Naquele espaço, podia dançar livremente, cruzas as pernas e transformar as mãos em asas. O garoto, que antes permanecia calado por sentir vergonha de sua voz aguda, notou que era hora de começar a falar e ocupar seu devido lugar no imaginário, no real e no discurso das outras pessoas. Fisicamente, Marcelo chamava a atenção. Era feito de extremos. Extremamente alto, extremamente magro e extremamente flexível. Imponente por fora e completamente frágil por dentro. Após muitas agressões verbais, chegou a hora que todo homossexual teme – sentir na pele a dor que sempre o acompanhou na alma. Na faculdade, um colega de turma agrediu-lhe fisicamente, pois Marcelo o abraçou quando o viu durante o almoço. “Tá me estranhando? O que você quer?”, disse ele. Socos e pontapés tornaram-se frequentes e Marcelo continuou feito de extremos. Extremamente pequeno, extremamente invisível e, mais uma vez, extremamente calado na socieda-
de. Sua única saída foi isolar-se nos limites apertados do universo homossexual. Nas aulas de dança, grande parte de seus companheiros diziam-se gays e, por isso, foi ali que encontrou refúgio. Inclusive, foi naquele espaço que fez amizade com os quatro que o acompanhavam no bar em que reverberava a voz de Madonna. Por um momento, imaginou-se seguro, afinal, compartilhavam das mesmas angústias e preconceitos relacionados à sexualidade. Desejou ser ele mesmo ali. Quebrar a redoma do medo. Escancarar as frestas de insegurança. Gargalhar sem se preocupar com os movimentos delicados do seu corpo. Fechou os olhos, abriu os braços em sinal de liberdade e acompanhou o refrão de “Miles Away”. Ainda com um resquício de sorriso nos lábios, encarou os três copos de cerveja vazios. Só restava aquela taça de vodka com suco de limão, tão azedo quanto a sensação de exclusão que provara em um gole só. Os outros três amigos, preparavam-se para ir embora. Culpavam Marcelo por ter despertado riso na mesa ao lado. Poderia ser quatro contra quatro, sarcasmo contra coragem e, até mesmo, preconceito contra aceitação. Entretanto, o placar não deu empate. Da boca de seus companheiros de mesa, Marcelo não escutou palavras de incentivo, apenas um “Desculpa, cara, eu sou discreto”. O jogo, mais uma vez, terminou em 7 a 1 e mostrou que o preconceito ainda mora em todos nós.
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Arte: Wanderson Petrova Cavalcante