Medicina Texto: celso arnaldo fotos: divulgação
O novo espião do M
Fígado
aior órgão interno do corpo humano, o fígado é uma espécie de superlaboratório metabólico, com dezenas de funções. Alguns especialistas o chamam de “o gigante incansável”. Mas, apesar de ultrarresistente, o fígado tem dois inimigos mortais – a hepatite (do tipo B e sobretudo C) e a cirrose, que pode ser consequência daquela. Pessoas com diagnóstico ou suspeita de lesões de fígado por cirrose ou acúmulo de gordura precisam ser acompanhadas de perto – para evitar um comprometimento ainda maior do órgão. Entre as tecnologias de acompanhamento está agora o FibroScan, um ultrassom ultraespecial que analisa a saúde do fígado – como explicam especialistas do Hospital Sírio-Libanês
São tantas as missões delegadas ao fígado que é difícil enumerá-las. Os hepatologistas estimam que sejam 220. Mas, entre as principais – cada uma delas vital para nossa saúde – estão: o controle do metabolismo de gorduras e proteínas, estoque e liberação de glicose, síntese da maioria das proteínas do plasma sanguineo, bem
como a regulagem do volume sanguineo, processamento de drogas e hormônios, armazenamento de vitaminas e minerais, destruição de células desgastadas do sangue, produção de ureia. Ou seja: o fígado é uma verdadeira usina de processamento. Podese imaginar as consequências de um fígado doente.
Como explica o hepatologista Mário Guimarães Pessoa, do Núcleo Avançado de Fígado do SírioLibanês, quando o fígado “endurece” pelo efeito da cirrose, a fibrose resultante passa a produzir efeitos cada vez mais graves. A formação de uma barreira natural à passagem do sangue que vem do baço e dos intestinos represa o fluxo e o sangue, que procura outros caminhos, vai “retornando” e produzindo a chamada hipertensão portal. Os vasos em torno do esôfago, por exemplo, se dilatam, formando varizes. Hemorragias não são incomuns – foi o que aconteceu com o ex-craque Sócrates, motivo de duas internações recentes. Mais: a amônia não se transforma em ureia para ser eliminada pelos rins – e com isso o cérebro pode ser “intoxicado” pela substância. Enfim, a barriga se enche de água – é a ascite.
Hepatite:
um drama nacional
Dr. Mario Guimarães Pessoa e Dr. Antônio Sérgio Marcelino,
do Sírio-Libanês
18 | Revista ABCFARMA | JANEIRO / 2012
Estima-se que haja cerca de dois milhões de brasileiros acometidos pela hepatite B e cerca de três milhões pelo tipo C da doença. A grande maioria, porém, não sabe que está infectada, pois nada sente. Explica o Dr. Mário: “O fígado não tem nervos. Por isso, a doença crônica evolui silenciosamente– seja de origem viral, medicamentosa, gordurosa – por 20 ou 30 anos,
até a descoberta de uma cirrose, o aspecto mais avançado da hepatite crônica”. Há pacientes que, ignorando completamente a existência da doença hepática, fazem um ultrassom e descobrem uma cirrose, mesmo sem sintomas. Numa fase mais avançada, sim, ocorrem os sintomas – como a barriga d´água e as varizes do
esôfago. E o vilão nem sempre é o vírus da hepatite. Outra fonte de sofrimento para o fígado é a chamada esteatose hepática, uma espécie de cirrose gordurosa – também insidiosa e gradativa, pelo acúmulo de gorduras no órgão. Finalmente, há outra forma de cirrose – a alcoólica, bastante frequente no Brasil.
E por que o fígado chega a esse
estágio de destruição?
Do fígado normal ao cirrótico, uma evolução silenciosa
FibroScan o novo aliado
Um fígado doente precisa ser “vigiado” para que não entre em falência. E a vigilância pode ser feita por vários agentes – como o velho e bom ultrassom, ainda muito eficiente, e a biópsia hepática, uma técnica invasiva e mais agressiva. Agora surge outro – o FibroScan, nome da nova tecnologia, recém-chegada ao Brasil, é uma ultrassonografia que avalia o grau de elasticidade das células hepáticas, através da detecção de fibroses – cicatrizes decorrentes das agressões do fígado pelas doenças crônicas. Quanto mais endurecido está o fígado, mais veloz é a propagação da onda. O resultado sai em cinco minutos. Como explica o Dr. Antônio Sérgio Zafred Marcelino, médico radiologista e especialista em ultrassonografia do Hospital Sírio-Libanês, o FibroScan permite aos especialistas não só medir a progressão da doença como a resposta aos tratamentos – num primeiro momento, medicamentos e rigorosas dietas. A biópsia ainda é o exame padrão-ouro para o diagnóstico diferencial da cirrose. Mas o FibroScan, indolor e não-invasivo, pode ser o exame inicial se o paciente não quiser fazer a biópsia – técnica que exige hospitalização – e é muito eficiente 20 | Revista ABCFARMA | JANEIRO/2012
no acompanhamento do paciente. Avaliar o grau de fibrose é crucial no tratamento de doenças do fígado. É isso o que vai determinar uso de um ou outro medicamento. Como explica o Dr. Mário, o comprometimento inicial das funções hepáticas ainda pode ser manejado clinicamente. “A partir do momento em que a sobrevida do paciente sem o transplante se torna menor do que com o transplante, esse indivíduo passa a ter indicação de cirurgia.” Um drama que pode ser evitado, prevenindo-se as doenças que destroem o fígado. Para a hepatite B já existe vacina e vigora também a mesma recomendação válida para a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, já que uma das formas mais comuns de
contágio do vírus B é por relação sexual. Já na hepatite C, que se transmite por contato percutâneo, como instrumentos perfurantes compartilhados (agulhas de tatuadores, instrumental de manicure), a prevenção exige medidas de assepsia rigorosas. E todas as demais causas de doença hepática podem ser prevenidas. Não abusar do álcool é uma medida vital e óbvia para o fígado. Excessos alimentares e sedentarismo estão na raiz das hepatites gordurosas. Dietas balanceadas e rotina de exercícios físicos são essenciais para o organismo como um todo – e para o fígado, em particular. Check-ups regulares, finalmente, podem surpreender uma hepatite bem no seu início. n