Câncer de mama: A arte de viver bem

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Saúde da Mulher Texto: celso arnaldo fotos: divulgação

Hotência

Ronaldinho Gaucho

Emerson Fitttipaldi

Vitor Belfort

22 | Revista ABCFARMA | NOVEMBRO / 2011

Câncer d

A a rte de viver bem A

promotora de eventos e assessora de imprensa Valéria Baraccat vivia num mundo de luzes e festas – quando esse mundo desmoronou. Aos 40 anos, recebeu um diagnóstico de câncer de mama – a exemplo de cerca de 50 mil brasileiras, todo ano. Superada a fase inicial de medo e desesperança, Valéria foi à luta, não só para se curar, como para ajudar outras mulheres a lidar com esse drama. O instituto que ela preside – o Arte de Viver Bem – é um dos mais ativos do país na divulgação da importância da detecção precoce e de mudanças no estilo de vida para combater a doença, inclusive com a publicação de fascículos de conscientização, em parceria com a Secretaria da Saúde de São Paulo, e na adesão de celebridades. Nesta entrevista, Valéria nos dá uma grande lição de vida

É possível resumir o modo como você lidou com seu câncer, a partir do diagnóstico?

O diagnóstico nem foi a pior época da minha vida. Quando o médico comunica, surge uma força interior, que sei que é de Deus. Nestas horas, a gente se apega a Ele, que nos ajuda a suportar o longo tratamento de cinco anos. A pior época foi a discriminação no mercado de trabalho. Após um ano sob tratamento, bati em duas empresas e fui barrada no exame médico. Daí sim veio o desespero. Como sustentar um tratamento, que é de alto custo, se a gente não pode trabalhar para pagá-lo? Nessa época, passei a ganhar cinco vezes menos e gastar na proporção inversa. Foi muito difícil! O meu caso se tornou público e por isso muita gente deixou de me contratar para fazer eventos com medo de que eu não conseguisse cumprir a tarefa. Sem dúvida, o pior câncer foi a discriminação no mercado de trabalho.

Psicologicamente, de que maneira o câncer a afetou?

Como com toda mulher, mexeu com a minha autoestima - que fui tentar resgatar na academia para ficar bem, não engodar, já que a obesidade é um dos fatores de risco. Na realidade, o tratamento muda a nossa rotina. Temos de fazer um processo de adaptação à nova


de mama

César Cielo

Marta

Valéria Baraccat - promotora de eventos e assessora de imprensa, combateu a doença e o preconceito e agora ajuda milhares de mulheres

vida, com muitos médicos, hospitais, laboratórios. Passei por sete cirurgias e ainda falta uma. Mas sempre saio do hospital diretamente para o computador. Amarro um cinto levemente para segurar os braços, para evitar movimentos bruscos, e trabalho feito uma louca. Sempre foi assim! É claro que fiquei desesperada várias vezes, mas nada que eu não soubesse como controlar. Fui estudar

muito. Entrei nos maiores centros acadêmicos do mundo para ver a relação da atividade física com a recuperação de mulheres em tratamento. Para minha grata surpresa, achei mais de 200 pesquisas científicas comprovando que a mulher se recupera mais rapidamente quando faz, pelo menos, uma caminhada diariamente – com o aval do médico, é claro.

Tony Kanaan

Você foi buscar terapias alternativas?

Dividi o meu tratamento em cinco pilares de sustentação: 1. A fé de que estava curada desde a primeira cirurgia. 2. A fé em Deus, nos médicos e na medicina avançada. Acredito que os

médicos são as mãos de Deus aqui na Terra. 3. A família e os amigos. A gente tem de sair, passear, não alimentar o problema o tempo todo. 4. O trabalho, que não deixa a gente ficar enfiada somente nos problemas e nos ajuda a mudar o foco. 5. Qualidade de vida: não queria perder aquilo que a gente demora muito para conquistar. Eu sempre gostei de fazer atividade física e de ter uma alimentação saudável.

Anderson Varejáo

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A primeira palavra-chave para o câncer de mama é detecção precoce – já que é quase impossível tomar medidas para evitá-lo. Como tem sido seu esforço nessa direção? Luto muito para esclarecer as mulheres sobre prevenção. É fundamental fazer o diagnóstico precoce, para que as chances de vida longa possam ser até de 95%. O fator hereditário é alto – está na casa de 10%. Por isso, a mulher que tiver outros casos de câncer na família, como irmã, tia, avó e mãe, tem de ficar muito mais atenta. Há outros fatores de risco bastante fortes, como não amamentar precocemente, obesidade, sedentarismo, má alimentação, excesso de bebida alcoólica, fumo. Imagine juntar todos esses fatores. A mulher moderna procura se estabelecer profissionalmente, como foi meu caso, para depois pensar em filhos. Fuma, bebe muito, se alimenta mal. Por isso, pertencer às camadas sociais mais altas passou a ser fator de risco para o câncer de mama. Um diagnóstico precoce, descobrindo o tumor em seu início, permite um tratamento ameno, sem quimioterapia. Em termos de prevenção, eu diria que mais qualidade de vida pode, sim, evitar o câncer de mama.

A detecção precoce faz toda a diferença em termos de prognóstico de sobrevida e qualidade de vida pós-câncer. Mas num país com tantas desigualdades, e onde o serviço público de saúde é uma lástima, a detecção precoce não está limitada a um pequeno número de mulheres?

É verdade que ainda estamos longe de ter o melhor tratamento nos hospitais públicos, sobretudo fora dos grandes centros. Temos a melhor medicina do mundo – mas ao mesmo tempo uma das piores, já que poucos têm acesso aos bons hospitais e médicos. A presidente Dilma lançou em abril o que me parece ser o melhor programa de prevenção de câncer de mama e de colo de útero da história do Brasil. Será também o maior investimento, mas ainda faltam alguns detalhes para complementar esse programa. Sem capacitação de profissionais, como técnicos 26 | Revista ABCFARMA | NOVEMBRO/2011

Valéria Baraccat entrega à primeira-dama de São Paulo, Lu Alckmin, a cartilha sobre câncer de mama produzida por seu instituto em radiologia e físicos, o programa está fadado a naufragar, pelo menos no quesito câncer de mama.

Dizem que o Brasil tem um número de mamógrafos ativos infinitamente desproporcional à necessidade nacional. Não fica difícil aumentar o acesso à detecção precoce do câncer?

A presidente Dilma mandou verificar onde e como estavam os mamógrafos. Não há falta de mamógrafos no Brasil, mas má distribuição. Faltam equipamentos nos grotões. A região Norte, por exemplo, é a mais prejudicada em todos os sentidos – faltam mamógrafos e especialistas. Os profissionais não querem trabalhar em loca-

Temos a melhor medicina do mundo – mas ao mesmo tempo uma das piores, já que poucos têm acesso aos bons hospitais e médicos

lidades distantes. Isto acontece até em São Paulo. O governo deveria incluir no programa alguma compensação para os profissionais que fossem trabalhar no Norte, por exemplo. Utopia? Pode ser, mas temos de pensar em alternativas, já que o programa é ótimo.

Muitos especialistas contestam a eficiência do autodiagnóstico. Você não acha que houve uma supervalorização da importância da autopalpação dos seios pela mulher? Houve sim uma supervalorização da eficiência do autoexame. Quando a mulher sente o nódulo na apalpação é porque ele já está muito grande, com risco até de metástase. Mas continuamos incentivando a mulher a fazer o autoexame para conhecer o próprio corpo, que é muito importante. A eficiência da detecção está na mamografia. Você teve seu câncer na faixa dos 40 anos. A cada dia, se reduz a faixa de risco para o câncer de mama. A que você atribui essa antecipação? A mudança de hábitos de vida da mulher moderna faz com que ela tenha câncer de mama cada vez mais cedo. Acho importante a mulher sem histó-


rico familiar fazer a primeira mamografia aos 35 anos. Se estiver tudo ok, a próxima aos 38 e, depois, aos 40 anos. Daí pra frente, anualmente. Não dá pra fingir que está tudo bem até os 50 anos. O grande problema é que o governo não tem condições de fazer rastreamento anual a partir dos 40 anos.

Você costuma comparar a luta de uma mulher portadora de câncer de mama com a trajetória de uma atleta numa competição. O que o atletismo e o esporte podem ensinar a essas mulheres?

O superatleta supera seus próprios limites para conquistar uma medalha de ouro. A mulher com câncer de mama também passa pelo mesmo processo ao longo dos cinco anos. Supera a dor, muitas vezes, da separação do marido, que não aguenta vê-la sem a mama. Supera depressão, falta de trabalho, a autoestima que vai lá para baixo quando se toca a mama afetada. Enfim, é uma vida cheia de superações, como a do atleta. Por isso os atletas entram no nosso projeto – eles entendem exatamente o que é transmitir superação. Outro fato importante: uma simples caminhada libera endorfina e seratonina, substâncias responsáveis pelo bem-estar e prazer. Se a mulher fizer uma caminhada diária vai, automaticamente, combater a depressão. Os atletas entendem o que é esse ciclo.

O que o Instituto da Arte de Viver Bem tem ensinado e pode ensinar às mulheres em tratamento? O aumento da autoestima é a meta principal? Acredito que nossa primeira missão deva ser mesmo a melhora da autoestima da mulher que, muitas vezes, é mutilada quando o diagnóstico vem tardiamente. As mamas são o eixo corporal da mulher. Tocá-las é o mesmo que mexer em algo sagrado pra ela. O câncer de mama leva à depressão não apenas pelo fator emocional, mas físico. A primeira coisa que o tratamento afeta é a produção de estrógeno, o hormônio que alimenta a célula maligna. Se a menopausa natural desequilibra a mulher, imagina o que não acontece quando ela é induzida? A atividade física e a medicina complementar, como acupuntura, tai chi chuan e yoga, ajudam a combater os efeitos colaterais, inclusive a depressão.

O engajamento de celebridades “vestindo a camisa” de diversas campanhas de conscientização realmente funciona? Pode ajudar, sim! Mas não acredito somente nisso. Seria bom destacar o comportamento dos artistas americanos, realmente engajados em causas sociais. A Elizabeth Taylor, por exemplo, doou três brilhante que ganhou do Richard Burton para as pesquisas da Aids, sem contar outros milhões de dó-

Se a mulher fizer uma caminhada diária vai, automaticamente, combater a depressão

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As mamas são o eixo corporal da mulher. Tocá-las é o mesmo que mexer em algo sagrado pra ela lares para a mesma causa. A gente tem artistas engajados, mas dá pra contar nos dedos. Não acho que significa muito se vestir de rosa no mês de outubro, sair todo mundo lindo nas fotos dos eventos e esquecer o restante do ano. O trabalho tem de ser o ano inteiro.

Com base em sua experiência pessoal e em tudo o que você aprendeu sobre a doença, é possível traçar um pequeno guia de atitudes que ajudam a mulher ao receber um diagnóstico de câncer de mama?

Não é simples, não! É uma bomba que cai no nosso colo. Em geral, estamos desinformadas. O primeiro passo é tentar digerir a notícia com a ajuda dos familiares e amigos, que muitas vezes se afastam porque também não sabem lidar com a situação. Muitos amigos se afastam porque “não querem incomodar”. Na verdade, comparando com o esporte, este é um jogo que se ganha em equipe. Acredito que os médicos fazem o papel da comissão técnica. A mulher é capitã do time. A família e os amigos são os titulares. Se todos colaborarem, o final é muito feliz, com vitória.

A possibilidade de tratar o câncer hoje sem precisar recorrer às técnicas mutiladoras, desde que o tumor seja diagnostico em seu início, tem ajudado a aumentar o empenho da mulher na detecção precoce?

Ainda não é o que acontece, infelizmente. Muitas mulheres, até da classe alta, deixam o pedido do médico na gaveta por uns dois anos. Quando vão fazer, já existe um nódulo grande. Muitas têm medo do diagnóstico, por isso não vão ao médico. Mas se o tumor for descoberto em seu início, com menos de um centímetro, o tratamento geralmente é muito mais leve e muito menos mutilante. n


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