Revista Ameríndia Volume 1

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ÍNDICE

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APRESENTAÇÃO Neste primeiro volume de AMERÍNDIA, estamos publicando artigos dos alunos que cursaram História da América I e II, por mim ministrada, no curso de História da Universidade Federal do Ceará, UFC, no primeiro semestre de 2006. Os trabalhos foram apresentados, primeiramente, na categoria de ensaios na referida Disciplina, depois em qualidade de comunicações no Primeiro Seminário da Graduação sobre História da América Latina, realizado entre os dias 03 e 04 de julho de 2006; convertidos finalmente em artigos para serem publicados nesta revista. Três artigos versam sobre História da América Colonial: Papel das idéias cristãseuropéias e atitudes múltiplas dos indígenas frente à conquista da América Central: 1493 - 1522, de autoria de Dêniel Quezado de F. Sobral; A mudança do discurso eclesiástico frente às novas sociabilidades americanas de Francisca Rafaela Parga & Janaina Muniz Cavalcanti e Indígenas e criollos nos processos de Independência na América Hispânica: interesses e conflitos, por Bruno Cordeiro Nojosa de Freitas, Dhenis Silva Maciel & Gleilson José Mota Andrade. No primeiro tenta-se estabelecer um diálogo entre a filosofia política que veiculou a conquista da América e os sentires dos indígenas da América Central frente a esse discurso, ou frente à conquista do território; o segundo artigo, de forma semelhante, tenta analisar o discurso eclesiástico à época da conquista e colonização e a forma como vai se transformando no território ocupado, obedecendo aos novos delitos/pecados. O terceiro artigo versa sobre discussão estabelecida por vários autores como Maria Ligia Prado, William Taylor e HansJoachín Konig, dentre outros, em torno do papel dos índios, criollos e mestiços na Independência da América espanhola. Um segundo grupo de trabalhos focaliza as lutas pela Independência das colônias hispânicas e francesas, o caso haitiano, e a construção dos estados nacionais no México e na Argentina. O artigo de Ana Loryn Soares & Elton Batista da Silva, A Revolução do Haiti: um estudo de caso (1791-1804), tenta resgatar o papel desta efeméride no contexto das lutas revolucionárias já que, segundo os autores, tem sido apagada da historiografia como uma das principais revoluções, dando mais atenção às revoluções Francesa e estadunidense. O processo de construção do Estado Nacional Mexicano (1821 – 1910), de autoria de Maria de Fátima Andrade & Renata Felipe Monteiro, estuda duas épocas importantes no processo da nacionalidade mexicana: das guerras pela Independência até 1776, período no qual o país passa por inúmeros conflitos, incluindo várias guerras civis, não permitindo o deslanche do projeto de construção do Estado nacional mexicano; no segundo momento, as autoras apontam para o Porfiriato e participação do capital estrangeiro mas sem inclusão popular até 1910, época quando a Revolução Mexicana obriga a optar por novos mecanismos na construção do Estado Nacional. Processo similar mostrado para o caso argentino em A formação do Estado-nacional argentino e a construção da identidade nacional, de Camila Imaculada S. Lima & Gabriel Parente Nogueira; os autores especificam o papel de Juan Manuel Rosas na configuração do caudilhismo, fator que mais identifica a área platina, junto com a luta entre nacionalistas e federalistas, processo esgotado apenas na década de 1860 em que começa verdadeiramente a construção de uma nova identidade, no caminho de construção do Estado Nacional argentino, que se prolonga até 1910, quando o país comemora cem anos

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de Independência. Um grande bloco está dedicado ao estudo do populismo na Argentina e na Venezuela de Hugo Chávez: O governo populista de Perón e seus mecanismos de controle social, Lucila Maria Borges de Mello & Norma Sueli Semião Freitas; A utilização da imagem de Simon Bolívar por Hugo Chávez na construção de uma identidade nacional para Venezuela, Maria Socorro Nogueira & Jeisy Maria Ricarte Canuto; A imagem de Simón Bolívar na construção do Estado Nacional venezuelano e na integração latinoamericana, Deise Mary & Márcia Freitas; Hugo Chavéz está praticando uma nova forma de populismo?, Márcio R. de Freitas Fagundes & Ítalo Rodrigues; Hugo Chávez através da revista Veja. A construção de um vilão, Cristiane Marques de Lima & Marconi Torres Junior; Populismo: resistência ao imperialismo ou demagogia? o exemplo venezuelano, Sarah Braga Brigido Bezerra & Monalisa Freitas Viana. Todos estes trabalhos tentam se concentrar nos mecanismos de cooptação popular; para o caso argentino as autoras detiveram-se na propaganda, muito baseadas nos estudos que mostram as formas como Juan Domingo Perón usou dos métodos empregados na Itália e na Alemanha à época da Segunda Guerra Mundial. Para o caso venezuelano os diferentes colaboradores se interessaram pelos símbolos e imagens, onde a figura de Simon Bolívar fica evidente, na tentativa de Chávez de integrar América Latina com base na herança bolivariana. Outros autores discutiram Chávez na perspectiva teórica do populismo, para verificar até onde este fenômeno poderia se encaixar na categoria de um neo-populismo; Sara e Monalisa, inclusive, buscaram na Ásia, em Gandhi, as fontes do populismo para tentar compreender melhor o fenômeno na América Latina. Já Cristiane e Marconi se interessaram pelo tratamento que revistas como Veja estão elaborando do líder. Finalmente, no artigo A atuação feminina frente à politica econômica na America Latina últimas décadas do século XX, Augusto Alves de Oliveira Neto & Keile Socorro Leite Felix tentam mostrar as diferentes mobilizações das mulheres da América Latina frente aos processos neo-liberais e a forma como estas políticas econômicas atingem este setor que, frente a essa opressão, colocam em andamento diferentes estratégias para confrontar o novo inimigo; mostram a participação das mulheres mexicanas, equatorianas, argentinas e brasileiras e sua ativa participação nos diferentes Congressos e Fóruns internacionais nas últimas décadas. Gerson G. Ledezma Meneses Editor

Fortaleza, setembro de 2006

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A UTILIZAÇÃO DA IMAGEM DE SÍMON BOLÍVAR POR HUGO CHÁVEZ NACONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE NACIONAL PARA A VENEZUELA Maria Socorro Rodrigues Nogueira Jeisy Maria Ricarte Canuto RESUMO Pensando os conceitos de Tradições Inventadas, Comunidades Imaginas e Identidades Nacionais, buscaremos analisar a forma como Hugo Chávez se utiliza da figura de Símón Bolívar no sentido de criar uma nova Identidade Nacional para a Venezuela e também promover sua própria imagem. Dessa forma, Chávez vai buscar, no passado histórico do país, elementos que justifiquem sua luta pela integração das nações latino-americanas, e não apenas exaltar a figura do caudilho como fizeram outros presidentes da Venezuela. Palavras-chave: Venezuela, Identidade Nacional, Hugo Chávez, Simón Bolívar. INTRODUÇÃO Este trabalho pretende fazer uma reflexão sobre Hugo Chávez e a forma como ele se apropriou da figura de Simón Bolívar como elemento da construção da Identidade Nacional do povo venezuelano. Durante dez anos, Símón Bolívar conduziu as lutas latino-americanas contra a dominação da Espanha, a favor da independência. Após sua morte, diferentes estadistas não deram visibilidade a sua imagem, posteriormente, alguns presidentes passaram a exaltá-lo como símbolo de libertação da Venezuela. Hugo Chávez eleva a figura de Bolívar, como o libertador, e vai buscar em seu passado histórico, elementos para a construção de uma nova identidade para Venezuela. O artigo está dividido em três partes. Inicialmente, abordamos as Comunidades Simbólicas e as Identidades Nacionais; na segunda, apresentamos a trajetória de Simón Bolívar e Hugo Chávez Frias; na terceira, os mecanismos usados por Chávez para veicular à imagem de Simón Bolívar na construção da Identidade Nacional. AS COMUNIDADES SIMBÓLICAS E AS IDENTIDADES NACIONAIS As culturas nacionais são compostas não apenas por instituições, mas também de representações simbólicas. Uma cultura nacional pode ser um discurso – um modo de construir tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. “No mundo moderno, as culturas nacionais em que nascemos se constituem em uma das principais fontes de identidade cultural”.1 Elas podem produzir sentidos – com os quais podemos nos identificar – contidos nas estórias contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente. A construção de uma identidade nacional, a partir das representações, cria comunidades simbólicas, gerando na população sentimentos de identidade e

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lealdade. Não podemos esquecer que essas representações, muitas vezes, são postas pelas classes dominantes para as dominadas, e são utilizadas como forma de legitimar determinados governos. Hugo Chávez se apropria de imagens e características de Simón Bolívar para a criação de uma identidade cultural na Venezuela, buscando apoio não apenas entre os militares – setor no qual obteve sua formação política – mas também no povo, o que serve como fator legitimador para seu governo. A construção das comunidades imaginadas2, geralmente, acontece através da valorização do passado, seja ele, real ou irreal. As identidades existentes nos países da América Latina não são originais e homogêneas, pois foram construídas, também, através da dominação das metrópoles sobre as colônias – impondo línguas, costumes, leis, tradições – e após as independências, por disputas pela formação das fronteiras; portanto, devemos refletir sobre qual prisma foram construídas essas identidades. Outro elemento da não homogeneização das identidades pode ser visto através das diferenças sociais existentes nas sociedades. As identidades nacionais não subordinam as outras formas de diferenças e não estão livres dos jogos de poder, das divisões e contradições internas. Assim, quando vamos discutir a forma como essas identidades estão sendo deslocadas, devemos pensar como as culturas nacionais contribuem para costurar as diferenças numa única identidade. Discutir a construção de uma identidade venezuelana, tendo como um dos eixos principais a figura de Simón Bolívar, veiculada pelo presidente venezuelano, trás ao cenário uma gama de reflexões, como representações simbólicas, tradições inventadas3, construção dos Estados Nacionais em pleno século XXI, enfim uma problematização bastante instigadora. SIMON BOLÍVAR E HUGO CHÁVEZ Simón Bolívar conduziu as rebeliões latino-americanas contra a dominação espanhola, lutou durante dez anos – no início do século XIX – pelo processo de independência, não apenas da Venezuela, mas também, da Colômbia, Equador, Peru e Alto Peru (Bolívia). Defendeu, ainda, a libertação dos escravos, persuadido pelo governo haitiano, abolindo a escravidão em suas propriedades, bem antes desta acontecer na Venezuela. Durante suas lutas, Bolívar idealizou a unificação política da América Espanhola, portanto, não foi possível, devido às divergências políticas e ideológicas e os diversos interesses que dividiam a América. Diante da impossibilidade de unificação política, Símon Bolívar concluiu que a América Latina era um espaço ingovernável. “Chávez procura, agora, fazer algo semelhante. Seu propósito é reacender o sonho bolivariano, buscando a unificação política da América Latina em novas bases: a integração interna de cada país”.4 Não podemos reduzir a figura do “libertador” à mera inspiração de Chávez, devemos levar em consideração a sua contribuição no processo histórico de libertação da América Espanhola. Só que, a partir da construção da imagem que nesses países tem-se feito do Caudilho, através dos 200 anos de Independência, Hugo Chávez atribui uma carga de re-significados históricos à imagem de Simon Bolívar, exaltando-o ideologicamente como “O Libertador”, e inspirando-se nas tradições, ou nas tradições inventadas da nação para traçar um modelo de futuro. Foi nesse contexto que em 1999

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rebatizou o país como República Bolivariana da Venezuela. O presidente Hugo Chávez teve sua formação na área militar, classe social que tem uma contraditória valorização na América Espanhola. As elites governantes sempre mantiveram posições ambíguas em relação às suas forças armadas. Por um lado, os militares são lembrados como baluartes essenciais e históricos contra indígenas rebeldes, cujas terras foram confiscadas por colonos através dos séculos. Do outro lado, embora os militares sejam úteis ou até indispensáveis para as elites governantes, também são considerados, como pertencentes a uma classe social inferior, pela qual se tem pouca consideração.5

Hugo Chávez é um tenente-coronel vindo da esquerda que traçou o seu percurso político voltado para as classes populares, luta contra a política dos países imperialistas, principalmente dos Estados Unidos, e busca através de manobras internacionais formar uma aliança entre os países da América Latina, da mesma forma como procurou fazer Simón Bolívar; daí a importância do Libertador na sua formação ideológica e política. Os pressupostos que levaram Hugo Chávez à presidência, vieram sendo gestados desde quando ele fazia parte das Forças Armadas Venezuelanas, onde observou claramente as grandes diferenças sociais, o alto grau de exploração das massas trabalhadoras e o enriquecimento ilícito dos que detinham o poder político. Juntando esses elementos, às suas convicções ideológicas, foi somente uma questão de tempo, para ele entrar no cenário político. Tudo isso explica porque Hugo Chávez Frias – cuja figura emerge como uma alternativa à crise – ganhou com uma grande margem as eleições presidenciais de 06 de dezembro de 1998, com 56% dos votos no primeiro turno. O povo, cansado da corrupção e cada vez mais cético com relação à maneira tradicional de fazer política, apostou em um candidato diferente.6

Hugo Chávez apostou na desilusão popular, para ganhar o apoio das massas e desenvolver, com suas convicções e idéias, uma nova sociedade venezuelana, onde o povo iria participar dessa construção e da nova identidade, pois tinha consciência de sua exploração. Em vários momentos do governo, Chávez foi posto a prova pelas classes dominantes da Venezuela, inicialmente com o Golpe de Estado de 11 de abril de 2002, organizado e liderado por setores das Forças Armadas e a oposição; posteriormente através do Referendo que revogou seu mandato em 15 de agosto de 2004. Os dois episódios o legitimaram no poder, onde se mantém até hoje sob o apoio do povo. A oposição feita a Hugo Chávez é bastante rígida e organizada; forte economicamente, posto que o grupo opositor é formado por oligarcas que detêm o controle econômico do país, possuindo ainda, o controle da mídia, de parte do judiciário e executivo, das altas patentes do Exército e da Igreja. Hugo Chávez teve que iniciar seu governo aliado majoritariamente com as massas, pois os partidos de esquerda estavam desmobilizados, restando as Forças Armadas, outro ator principal na construção das suas a alianças. A referida oposição não dá trégua, pois utiliza os recursos mais desonestos a fim de tirá-lo do poder. Portanto, a cada golpe dado pela oposição, cresce o apoio popular ao Presidente, as classes

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populares organizam-se e tomam consciência de seu papel dentro da sociedade venezuelana. O presidente demonstra acreditar na transformação do país, mas tem consciência de que isso é questão de tempo, e que primeiro deve haver uma mudança na mentalidade da população. Essa mudança pode ser feita através da construção de uma nova identidade, gerando uma coesão em torno da imagem do Libertador. A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE NACIONAL NA VENEZUELA ATRAVÉS DA IMAGEM DO LIBERTADOR O uso dos símbolos personificados na figura dos heróis, bem como a invenção das tradições é algo recente na Historia – ou melhor, que surgiu após a Revolução Francesa. Nesse contexto, é possível um presidente desconstruir uma República oligárquica para construir uma nova. Chávez recorre aos heróis do século XIX – Bolívar, Rodriguez, Zamora, entre outros –, que lutaram em prol das independências latino-americanas e após estas, contra latifundiários, a favor das causas do povo, o que demonstra sua identidade com esses caudilhos, gerando uma aproximação identitária do povo para com Chávez. A forma como ele usa e recorre à figura destes heróis, principalmente à do Libertador, pode ser vista também no documentário A Revolução não será televisionada. Neste, sempre que o Presidente se apresenta publicamente coloca-se à frente de imagens de Bolívar: pinturas, esculturas, dentre outras, remetendo-se, em seus discursos, à sua figura, não apenas para exaltá-lo, mas para absorver seu aspecto histórico; construindo assim a idéia de liberdade da Pátria. Richard Gott, afirma que: O próprio Chávez aderiu a essa revisão da história, introduzindo, em suas aulas na academia, o debate sobre o papel de Bolívar, num esforço por recuperar algumas das características do libertador que poderiam ter valor político no presente. Seu objetivo era se inspirar nas tradições históricas da nação, para traçar um modelo de futuro.7

Mesmo antes de ingressar na política, Chávez traçou o caminho a ser seguido, resgatando a imagem do Libertador como fonte de inspiração e ligação entre ele e o povo. Recorre ao passado histórico da Venezuela, evocando elementos embutidos na figura do caudilho, retomando, ou até mesmo, inventando tradições. Isto porque Chávez reacomoda, para Venezuela e América Latina do século XXI, um Simón Bolívar carente de erros, como se fosse o mito fundador de uma nova era para o continente, descartando qualquer possibilidade de evocar a figura de um ser humano, porém, de um herói, cheio de qualidades. Desse modo, podemos identificar nas ações do Presidente, uma relação com o conceito de Tradições Inventadas, quando ele busca no passado histórico, um Simón Bolívar que se encaixe nos seus interesses de construção de uma nova identidade para a Venezuela. É perceptível a identificação de Chávez com Bolívar, quando os dois objetivam a união das nações latino-americanas, visando libertá-las da exploração dos países imperialistas, ontem Inglaterra, hoje os Estados Unidos. As circunstâncias e o contexto histórico mudaram, porém as relações de poder

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continuam latentes entre América latina e os países que se consideram de Primeiro Mundo. Lembremos as palavras de Bolívar, em sua famosa Carta de Jamaica: “yo deseo más que otro alguno ver formar en América la más grande nación del mundo, menos por su extensión y riquezas que por su libertad y gloria”8. Assim, o que está presente nos discursos de Bolívar e Chaves, é a idéia de possuir liberdade e dignidade, até mesmo, como algo maior que as riquezas que uma determinada sociedade pode possuir. Bolívar deixou expresso o projeto de unificação nessa Carta, onde relatou sua luta pela independência, porém, a concluiu pouco entusiasmado, quando destacou a impossibilidade da unificação da América espanhola, restando apenas um sonho, que jamais seria alcançado. No culto a Bolívar, Chávez exalta não apenas a figura do Libertador, mas também a sua própria imagem, através dos meios de comunicação, destacando-se como um verdadeiro Olimpiano9. Portanto, essa exaltação através da mídia torna-se difícil, pelo fato da maioria dos meios de comunicações da Venezuela pertencerem aos detentores do poder econômico, ou melhor, à oposição, restando ao Presidente a TV Estatal, Canal 8. Mesmo assim, criou o programa Alô, Presidente!, no qual, o povo pode falar diretamente com ele. A imagem de Símon Bolívar é cultuada em todos os países da América Latina em que ele conduziu o processo de independência; na Venezuela não ocorreu diferente. Hugo Chávez apropriou-se dessa figura para traçar um novo caminho para o povo venezuelano, indo buscar no passado elementos para a construção do futuro com uma nova identidade nacional: liberdade e dignidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Procuramos fazer uma reflexão de como Hugo Chávez utiliza a imagem de Símon Bolívar no sentido de construir uma identidade para o povo venezuelano através da figura do Libertador. Ele vai buscar na História do País, pressupostos que legitimem seu trabalho, bem como a luta em busca da liberdade e da dignidade do povo. Antes mesmo de ser presidente, Hugo Chávez admirava, analisava e divulgava em suas aulas de História, como professor da Academia Militar, a figura do Libertador, pensando um novo caminho a ser seguido pelo povo venezuelano. Alguns presidentes também exaltaram a imagem de Bolívar, a diferença é que Chávez se apropria de suas características mais marcantes, como forma de criar uma nova identidade para Venezuela. O projeto do Presidente, mesmo que em contextos históricos diferentes, se assemelha um pouco ao do Caudilho, posto que, como o Libertador, Chávez visa uma união da América Latina contra os países imperialistas. NOTAS 1HALL, STUART. Identidades culturais na pós-modernidade, Rio de Janeiro: DP & A Editora, 1997, pp 51. 2 Conceito tomado de Benedict Anderson, Comunidades imaginadas. Relexiones sobre el origen y la difusión del

nacionalismo, México: Fondo de Cultura Económica, 1983. 3 Categoria usada por Eric Hobsbawn, A invensão das tradições, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. 4

GOTT, Richard. A sombra do libertador. Hugo Chávez Frias e a transformação da Venezuela, São Paulo:

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Expressão Popular, 2004, pp 137. 5 GOTT, Richard. Op.cit. 125. 6 HARNECKER, Marta. Um homem, um povo, São Paulo: Expressão Popular, 2004, pp.232. 7 GOTT, Richard. Op.cit. p.136. 8 BOLÍVAR, Simon. Carta de Jamaica Disponível em: http://es.wikisource.org/wiki/, Acesso em 26 jun. 2006. 9 Conceito tomado de Edgar Morin, Cultura de Massas no Século XX: neurose, tradução: Maura Ribeiro Sardinha, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. Sardinha, 9ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.

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POPULISMO: RESISTÊNCIA AO IMPERIALISMO OU DEMAGOGIA? O EXEMPLO VENEZUELANO Sarah Braga Brigido Bezerra Monalisa Freitas Viana RESUMO Ao tomar o governo Hugo Chávez Frías como exemplo de populismo com suas práticas de nacionalização em oposição às pressões do imperialismo norte-americano, é possível discutir o próprio conceito de populismo. Para tanto, cabe contrastar o conceito originário, cujas bases estão firmadas na 3ª via proposta por Gandhi, como alternativa contrária ao capitalismo e ao socialismo; e o conceito apresentado pela mídia comercial em confluência com os interesses econômicos, políticos e sociais estadunidenses, como demagogia e manipulação de massas. Palavras-chave: Populismo, Gandhi, Hugo Chávez, América Latina. APRESENTAÇÃO Ao tomar o governo Hugo Chávez Frías como exemplo de populismo com suas práticas de nacionalização em oposição às pressões do imperialismo norte-americano, é possível discutir o próprio conceito de populismo. Para tanto, cabe contrastar o conceito originário, cujas bases estão firmadas na 3ª via proposta por Gandhi, como alternativa contrária ao capitalismo e ao socialismo; e o conceito apresentado pela mídia comercial em confluência com os interesses econômicos, políticos e sociais estadunidenses, como demagogia e manipulação de massas. Nosso objetivo é o de analisar como o conceito originário foi distorcido pela ideologia capitalista e de como essa falsa idéia adquiriu força e cristalizou-se no senso comum. Muitas vezes a imprensa serviu como um catalisador para a sua assimilação, uma vez que, defendendo os interesses do imperialismo americano, procura mascarar o real objetivo estadunidense: a exploração da América Latina, e para isso, utiliza-se de um discurso repleto de elementos democráticos, mas na prática a democracia é pensada somente segundo a concretização de seus interesses. Analisaremos, a partir da 3ª via proposta por Gandhi, como Hugo Chávez Frías, presidente venezuelano, apesar de ser acusado de ditador, procura uma alternativa pacífica e democrática para a implantação de um modelo econômico, político e principalmente social, promovido a partir da união do povo venezuelano, contrário ao modelo neoliberal que há pouco tempo era apresentado como único. A partir do embate dos conceitos propostos acerca do populismo, esclareceremos o que viria a ser sua idéia original e qual o objetivo para que haja a sua manipulação. O POPULISMO E SUA ESSÊNCIA

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O conceito Populismo começou a ser trabalhado pelos historiadores a partir dos anos 1960 e 1970. Pode-se dizer que a essência desse termo, o qual se refere a uma forma de organização política, social e econômica diversa do capitalismo, está nas ações praticadas por Gandhi, em fins do século XIX na África, a favor dos indianos que viviam naquele continente. Durante esse período, a África do Sul foi palco de discriminações e de exploração trabalhista sofridas por essa comunidade indiana frente à hegemonia do poder inglês colonizador. Diante disso, Gandhi tentou mobilizar forças para transformar a indignação em poder de luta, mas não uma luta armada, e sim por um caminho pacífico. De acordo com a revista Grandes Líderes da História1, como meio pacífico foi utilizado o princípio da nãocooperação, propondo a não submissão a normas que violentassem os valores dos povos indianos. Si la legislatura demuestra ser incapaz de salvaguardar los intereses de los “kisans” siempre contarán, por supuesto, con el remedio soberano de la desobediencia civil y la no cooperación. Pero... últimamente no es la legislación papelera, como tampoco las palabras fuertes o los discursos encendidos, sino el poder de la organización no violenta, la disciplina y el sacrifício lo que habrán de constituir el verdadero baluarte del pueblo contra la injusticia o la opresión.2

Gandhi, nesse período, pensava os ingleses como bons em sua natureza. Nesse contexto, “...Gandhi era extremamente leal à Constituição Britânica. Reconhecia os prejuízos da colonização inglesa, mas acreditava que, no fim das contas era benéfica para a Índia. Para ele o preconceito que dominava entre os europeus na África do Sul não condizia com as tradições britânicas. Ora, ele estava lutando para que os indianos tivessem os mesmos direitos dos britânicos...”3 Porém, a comunidade indiana não alcançou sua inclusão legal no sistema britânico e passou, então, a fazer uso do princípio da desobediência, mobilizando-se por meio de greves, através do não pagamento de taxas obrigatórias, assim, negando-se a aceitar a segregação. Era a convergência para uma luta pacífica, mas não passiva. Sob essa ética é que a independência da Índia seria conquistada. Recusando os produtos britânicos, os indianos negavam também o Ocidente, dessa forma, Gandhi propunha um sistema de comunidades independentes as quais produziriam seus próprios alimentos, teceriam suas roupas, buscando além disso estender o respeito às mulheres, crianças e anciãos, além da tolerância religiosa. Com isso, pretendia-se barrar o imperialismo inglês, através de uma nacionalização que se oporia ao sistema liberal que colocava as colônias em condição de exploradas, e para tanto, favoreciam um Estado fragilizado. Em sentido inverso, uma outra alternativa surgia em proteção do Estado indiano frente ao poder exploratório capitalista que ultrapassava o campo econômico alcançando o ideológico e o social. Era uma terceira via para a organização político-social e econômica, ao passo que se opunha também ao socialismo, o qual para se estabelecer, por muitas vezes, passava por cima do ser humano, no sentido de sobrepor o todo à individualidade. Isso pode ser observado em uma passagem do livro Mi Socialismo, na qual Gandhi afirma : Aun cuando siento la mayor admiración por la autonegación y el espíritu de sacrificio de nuestros amigos socialistas, jamás he ocultado la aguda diferencia entre el método de ellos y el mío. Ellos creen

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VOLUME 1 - SETEMBRO 2006 francamente em la violencia y todo eso está em su seno. Yo creo em la absoluta no violencia.4

Gandhi ainda contava com a imprensa internacional como grande aliada, e muitas vezes a mesma era responsável pela divulgação das idéias e práticas desenvolvidas pelo líder. No contexto atual, atual, um outro tipo de imperialismo exerce suas ações, mascarado pelo discurso da globalização capaz de homogeneizar o mercado mundial, e dar capacidade de desenvolvimento aos países subdesenvolvidos. Todavia, o que ocorre é uma maior interligação entre os países, mas de maneira hierarquizada: a relação explorador-explorado continua, porém não mais sob o conceito de colonização, mas sob uma lógica tão cruel quanto a anterior: a concorrência, a competição. Os Estados Unidos constituem dentro desse imperialismo, o principal agente manipulador, procurando introduzir ideologicamente, os princípios de uma falsa democracia baseada apenas no aspecto econômico favorável a seus interesses. Diante disso, o governo Hugo Chávez, na Venezuela, aparece como uma força de resistência encaixando-se na forma populista, na qual se pode identificar elementos característicos da 3ª via proposta por Gandhi. O populismo é, então, uma “alternativa ao modelo neoliberal, voraz e predatório. Um modelo de desenvolvimento endógeno e de economia social”5. Como na 3ª via de Gandhi, no populismo as pessoas diante das dificuldades, unem-se em torno de um representante, com o qual se identificam, de forma a tornarem-se capazes de buscar soluções para para superar suas dificuldades. Para tanto, precisam estar cientes de seus direitos, algo facilitado na Venezuela através da popularização da Nova Constituição (1999), elaborada por Hugo Chávez, em que todos os venezuelanos têm acesso, inclusive as camadas mais pobres, e a partir desse conhecimento, tornam-se sujeitos ativos de suas histórias, sentindo-se cidadãos com pleno poder para cobrar seus direitos. A partir das características populistas baseadas na 3ª via proposta por Gandhi, Hugo Chávez cria diversos programas que beneficiam principalmente o povo, contribuindo para uma maior aproximação do mesmo com a população, que se vê representada na figura de um líder, não só pelo seu discurso, mas por suas práticas e por sua presença. É importante ressaltar que o processo revolucionário proposto por Chávez se dá a partir do interesse e da luta do povo, sua figura não seria suficiente para a realização de tal projeto. Gérson Ledezma em seu texto: Imaginario y Fiesta Populista em América Latina, diz “En el populismo se da uma reciprocidad de intereses”.6 HUGO CHÁVEZ E O POPULISMO Em um novo contexto, o atual, o fenômeno populista aparece com novos elementos incorporados, tendo a industrialização adquirido uma enorme importância. É principalmente nesse meio industrial que o populismo realiza-se, sobretudo na América Latina, como uma alternativa ao sistema neoliberal excludente e liderado pelos Estados Unidos. Uma das principais realizações de Hugo Chávez na Venezuela, foi a criação dos chamados Círculos Bolivarianos, batizado assim em homenagem a Simón Bolívar no qual procura espelhar-se, no sentido da luta pela liberdade. Richard Gott em sua obra entitulada: À Sombra do Libertdor, especifica

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bem o significado de Bolívar para Chávez: “Seu propósito não é simplesmente o de venerar uma figura a quem a maioria de seus predecessores não fez mais do que dedicar elogios, sem resgatar o caráter histórico e as proezas do Libertador dos exageros do mito e da fábula.”7. Esses Círculos conclamam a população a se organizar em grupos de sete a onze pessoas, que trabalham na difusão da Constituição e na realização de tarefas concretas, procurando atender as necessidades do bairro que residem, formam cooperativas, reivindicam seus direitos. Apesar das constantes acusações a Hugo Chávez por parte da imprensa internacional e nacional (controlada pela elite capitalista que apoia o neoliberalismo), mesmo tendo sido eleito pelo povo, pelo fato de ser um tenente-coronel, é disseminado pelos meios de comunicação, que o mesmo irá futuramente adotar a postura de um ditador, já que nos anos de 1970 e 1980 militares governaram cometendo excessos. “Quando membros da velha elite política da Venezuela reúnem-se para debater o fenômeno Chávez, gostam de analisar exemplos de países onde o domínio militar foi imposto à sociedade civil por oficiais nacionalistas de esquerda...”8. Esse argumento fortifica-se e ganha mais adeptos, principalmente da classe média alta e das camadas mais ricas da Venezuela. Hugo Chávez procura diminuir as diferenças sociais e a exclusão sofrida pela grande maioria das pessoas, no que diz respeito à participação nas riquezas, característico de governos populistas, e para isso, ele investe na educação, criando escolas e universidades, ou seja, garantindo o direito ao ensino à todos os cidadãos, melhorando a alimentação, muitas vezes baixando os preços dos alimentos básicos e disponibilizando melhor acesso a saúde, através da criação de hospitais. Um dos principais elementos a destacar no governo de Chávez é a questão da nacionalização, obtida através da estatização de empresas, principalmente petrolíferas, opondo-se aos Estados Unidos, que era o principal representante de multinacionais no país, e despertando a insatisfação da minoria rica, que possuía grande participação nos lucros dessas empresas. Promoveu uma Reforma Agrária, distribuindo lotes de terra para aqueles que não a possuíam. Hugo Chávez em seu projeto revolucionário optou por um caminho que surpreendeu, assim como Gandhi, optou por um caminho pacífico, sem armas, vencendo pela união do povo em prol de seus direitos, lutando pela “independência” em relação ao modelo econômico neoliberal, por uma América Latina mais justa e por querer apaziguar a discriminação e a exclusão sofrida pelos países latinos e por optar por uma 3ª via, ele se encaixa no modelo populista. O POPULISMO E A MANIPULAÇÃO DE SEU CONCEITO O populismo, muitas vezes, é utilizado como um termo pejorativo para denominar governos que possuem um imenso apoio popular e atuam com medidas que vão de encontro ao propósito imperialista norte americano. Nesse contexto, o governo Hugo Chávez tem sido alvo de fortes críticas e ironias. A figura de Hugo Chávez é constantemente ridicularizada em meios de comunicação convergentes com os interesses estadunidenses, para os quais Chávez representa perigo a “democracia”, a falsa democracia cujo pilar está na liberdade para exploração de países subdesenvolvidos.

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Destacando-se como grande produtor de petróleo, a Venezuela é foco de atenção de grande capitalistas mundiais, que encontram na elite venezuelana grandes aliados para a implantação de um projeto neoliberal no país. Essa coligação tornou-se mais evidente e concreta com o golpe, em 2002, ao Governo chavista. O que os golpistas pretendiam, grupo no qual estavam inclusos grande empresários da comunicação, a Sedecâmaras (Federação Patronal da Venezuela), a alta hierarquia da Igreja Católica, dentre outros, era o derramamento de sangue durante o conflito entre as forças golpistas e a população civil chavista, com que apontava Chávez como um genocida. No entanto, com a derrota do golpe, Hugo Chávez retorna ao poder pelas mãos do povo sem adotar represálias aos seus opositores golpistas: apenas Pedro Carmona foi preso. É importante ressaltar que durante o golpe ficou clara a manipulação dos meios de comunicação pela elite venezuelana e pela elite internacional, contrárias a política de nacionalização e maior controle estatal sob a produção petrolífera. Com relação a isso, de acordo com a Revista Veja: ...as empresas americanas na Venezuela passaram a ser tratadas a pão e água. Sem maiores explicações, o governo de Caracas suspendeu um contrato que permitia a Conophillips, a terceira maior companhia petroleira americana, explorar um campo petrolífero no país.9

Nesse contexto, o governo anti-imperialista de Chávez é taxado de totalitário, cuja pretensão é controlar países mais pobres, pela dependência que estes têm do petróleo Venezuelano. Assim, a proposta de um bloco formado por países latino-americanos, o qual faça resistência à Alca, apresentada por Chávez (Alba) é fortemente rebatida, bem como qualquer tentativa de promover a integração dos povos sul-americanos. A hegemonia estadunidense nas Américas, deve ser mantida, e qualquer obstáculo aos planos imperialistas e neoliberais precisa ser pulverizada. Desse modo, na figura de Hugo Chávez, o conceito de populismo é distorcido e passa a ser sinônimo de aliciamento de massas, pura demagogia, perdendo a sua qualidade de uma alternativa possível diante da dominação disfarçada na “fraternidade” da globalização econômica. NOTAS Revista Grandes Líderes da História. Arte Antiga Editora, ano 2, nº13 2 GANDHI, Mahatma.. Mi socialismo. Buenos Aires: La Pleyade. 3 Revista Grandes Líderes da História. Arte Antiga Editora, ano 2, nº13. 4 GANDHI, Mahatma. Mi socialismo, op. cit. 5 HARNECKER, Marta. Um Homem, Um Povo. São Paulo: Expressão Popular, 2004. 6 MENESES, Gerson G. Ledezma. Imaginario y Fiesta Populista en América Latina. In: Revista Problemas Políticos Latinoamericanos, Popayán, 1997. 7 GOTT, Richard. À Sombra do Libertador: Hugo Chávez Frías e a transformação da Venezuela. São Paulo: Expressão Popular, 2004. 1

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Ibid. 9 Quem precisa de um novo Fidel?. In: Revista Veja, 4 de maio de 2005. Abril, edição 1903, ano 38, nº18. 8

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O GOVERNO POPULISTA DE PERÓN E SEUS MECANISMOS DE CONTROLE SOCIAL Lucila Maria Borges de Mello Norma Sueli Semião Freitas RESUMO O presente ensaio tem por objetivo analisar o governo populista de Juan Domingo Perón na Argentina enfocando o papel desempenhado pela propaganda política para a sustentação do líder no poder. Nesse sentido, foi fundamental a criação de elementos emocionais pela propaganda para conquistar o apoio da população através da propagação de símbolos e imagens que despertassem o lado emocional e o imaginário do povo. Através da propaganda utilizou-se fortemente os principais meios de comunicação como a imprensa (jornal), o rádio e a educação. A figura de Evita foi de extrema relevância para a conquista dos trabalhadores para o peronismo tanto no campo político como social. Dessa maneira, buscar-se-á compreender até onde o caráter autoritário da propaganda contribuiu decisivamente para a cooptação e manipulação das massas. Palavras-chave: Peronismo, Controle Social, Propaganda. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem por objetivo analisar alguns elementos que se fizeram fundamentais para o peronismo. Assim, buscar-se-á compreender como a propaganda política, veiculada através dos meios de comunicação, com a difusão de símbolos e imagens no imaginário da população, funcionou para cooptar as massas; entender como a figura de Eva Perón, através de sua atuação política e social, tornou-se fundamental para conquistar o apoio do povo e enfocar o contexto do populismo na América latina e Argentina, especialmente. Para essa análise, utilizaremos como fontes o livro da autora Maria Helena Capelato Multidões em cena: Propaganda Política no Varguismo e no Peronismo, para analisar a propaganda política passada através dos meios de comunicação como a imprensa e o rádio, e através da educação. O texto de Gerson G. Ledezma Meneses “Imaginário e fiesta populista en América Latina” nos fez compreender a influência de Evita na construção do imaginário coletivo no peronismo. Serão trabalhados também os artigos de Myrian Stanley “El populismo en América Latina” e de Gilberto Maringoni “Populista um novo xingamento” para entender o contexto da formação do populismo latino-americano. O texto de Aquino “A Argentina e o peronismo” analisa o contexto e ascensão de Perón ao poder e sua política trabalhista e nacionalista; Nos livros Mi Mensaje e La Razón de Mi Vida, de Eva Perón, observamos o seu discurso que foi fundamental para conquistar o apoio das massas, as reflexões que ela faz sobre nacionalismo, imperialismo e exploração, nos ajudou a entender melhor o seu posicionamento como mulher política e não apenas como a “santa” Evita.

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O trabalho está estruturado em quatro tópicos: populismo na América Latina, o contexto histórico do peronismo, a propaganda política desenvolvida por Perón e a influência de Evita no peronismo. Nesse sentido, a principal questão está centrada em compreender quais os principais mecanismos políticos, sociais e culturais de controle social utilizados por Perón para se manter no poder? Como Eva Duarte de Perón articulou sua figura carismática em torno do regime populista de Perón? Até onde o caráter autoritário da propaganda peronista influenciou na manipulação das massas? POPULISMO NA AMÉRICA LATINA Diante da trajetória do regime populista de Perón na Argentina, percebe-se que o termo populismo não é tão fácil de ser conceituado abrindo um grande parêntese para a colocação de discussões e problemáticas. Segundo Gilberto Maringoni1, o populismo deve ser entendido em contextos históricos específicos e não deve ter seu significado empobrecido, sendo visualizado apenas na figura carismática de um líder político que busca popularidade através dos baixos instintos dos eleitores. Gilberto Maringoni destaca ser necessário verificar que o populismo aconteceu prioritariamente em sociedades de capitalismo tardio, industrialização e urbanização aceleradas e deslocamentos de grandes contingentes populacionais do campo para a cidade em curtos períodos de tempo. Nesse contexto, ressalta que o populismo se desenvolveu em um cenário específico da crise de 1929, influenciado pela Segunda Guerra Mundial, o surgimento de novas classes sociais, a burguesia industrial e o proletariado, no qual o populismo permitiu a participação das massas no cenário político latino-americano. Conforme Miriam Stanley2 os movimentos, os partidos, os líderes e ideologias populistas representaram uma etapa fundamental na história da América Latina e na maioria das vezes estão relacionados a outros fenômenos fundamentais para a compreensão da realidade das sociedades latinoamericanas, como o nacionalismo econômico, o anti-imperialismo, o anticomunismo, a industrialização, a urbanização e as migrações internas. Dessa maneira, o populismo é caracterizado como um fenômeno que se apresenta como expressão da emergência das classes populares no cenário político. Emergência que é possível devido à crise do Estado oligárquico liberal, que ocorreu como consequência da grande crise de 1930 e aparece como responsável pela ruptura da hegemonia oligárquica liberal. Assim, o populismo é um fenômeno que ocorre com a transição de uma sociedade rural, pré-capitalista, para uma sociedade moderna, industrial e capitalista. Um movimento político que conta com o apoio das massas populares urbanas e rurais. Neste sentido, Mirian Stanley enfatiza que o ponto mais forte que caracteriza os movimentos populistas é o duro golpe sobre o estado oligárquico e que dá início a ditaduras e democracias populistas com a emergência de novas classes sociais: a burguesia industrial, o proletariado e os novos setores das classes médias que se uniram à política de massas. O populismo, neste sentido, é visto como um fenômeno de múltiplas facetas e de difícil conceituação, tendo suas especificidades no cenário da

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América Latina. CONTEXTO HISTÓRICO DO PERONISMO O objetivo deste tópico é mostrar como o governo populista de Juan Domingo Perón, juntamente com sua esposa Eva, utilizaram os mecanismos de cooptação popular para a sustentação do poder. O peronismo foi considerado uma das expressões mais típicas do populismo na América Latina, interpretado como um modelo econômico e político que tipifica uma etapa do capitalismo, no qual Maria Helena Capelato3 expõe que a adesão das classes trabalhadoras ao populismo não pode ser tomada apenas pela estrutura social, mas deve-se levar em conta também os elementos de ordem política e cultural. Assim, antes de dar início à explanação dos mecanismos de controle social utilizados por Perón, juntamente com Evita, faz-se necessário a exposição do contexto em que o peronismo surge na Argentina. Conforme a autora mencionada, em setembro de 1930, ocorreu um golpe desferido pelo general Uriburu com apoio de militares e civis influenciados pelas idéias fascistas que derrubou do poder o presidente Yrigoyen. Os golpistas permaneceram pouco tempo no poder, tendo sido derrotados pelas forças conservadoras que instauraram um regime liberal excludente, caracterizado pela fraude e pelo estreitamento das relações econômicas com o capital estrangeiro. Os capitalistas ingleses conseguiram maiores privilégios a partir do acordo Roca-Runciman, estabelecido entre a Grã-Bretanha, representada pelo ministro Walter Runciman, e a Argentina, representada pelo vice-presidente Julio A. Roca. O pacto firmado em maio de 1933 favorecia o mercado britânico, importador da carne Argentina. A designação Década Infame para caracterizar a década de 30, e a expressão “vende-pátria”, conferida às oligarquias ligadas ao imperialismo britânico, expõe bem o clima de insatisfação da época. Nesse contexto, Capelato assinala que se desenvolveram os grupos nacionalistas de direita e de esquerda, críticos da liberal-democracia e do imperialismo. Em 1943, ocorreu outro golpe no país, organizado pelo Grupo de Oficiais Unidos (GOU), do qual faziam parte o coronel Juan Domingo Perón. Esse grupo nacionalista, simpatizante do nazi-fascismo, anunciou sua vontade de realizar uma Revolução Nacional. Perón, durante esse governo, ocupou o cargo de Secretário do Trabalho e Previsão, no exercício do qual iniciou uma política trabalhista que, em pouco tempo, o transformou em líder dos trabalhadores. Foi preso em 1945, por pressão dos grupos conservadores e de adversários que adquiriu no interior de seu próprio grupo. Conforme Jose Oscar Aquino4, sua libertação ocorreu graças a uma enorme mobilização popular no dia 17 de outubro de 1945 na Praça de Maio, em Buenos Aires (momento que posteriormente ganhou conotação de data-símbolo do peronismo), onde milhares de trabalhadores exigiram o imediato retorno de seu líder juntamente com a efervescente atuação de Maria Eva Duarte, que desenvolveu uma política militante em favor de Perón. Maria Helena Capelato relata que com essa vitória política, Perón despontou como candidato natural à Presidência da República. Em 1946 venceu o candidato da União Democrática, e assumiu a Presidência da Argentina até 1951, quando foi reeleito para o cargo. Nessa primeira fase, Perón contou

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com o apoio primordial dos trabalhadores, mas também de grupos nacionalistas, setores das Forças Armadas e da Igreja. No segundo mandato, o descontentamento já era visível por parte de grupos nacionalistas e da Igreja, que acabou rompendo com o governo. Em 1955 foi derrubado do poder através de um golpe liderado por seus adversários políticos articulados com setores das Forças Armadas. Nos dois mandatos, Perón teve grande dificuldade para angariar adeptos entre os setores dominantes que viam com extrema desconfiança sua ligação com as massas. É relevante destacar que o Peronismo ou Justicialismo desenvolveu uma política populista de cunho nacionalista e com influência nas doutrinas fascistas propagadas após a Primeira Guerra Mundial. A Constituição Justicialista de 1949 não significou apenas a reformulação da Carta de 1853, mas a institucionalização do arbítrio, pois foi aprovada no Congresso sem a participação da bancada oposicionista que se retirou em sinal de protesto. No campo social Perón desenvolveu uma política trabalhista, voltada para o proletariado, onde procurou acentuar os elementos emocionais que o ligavam aos trabalhadores através de uma forte propaganda, discursos e favores pessoais, reorganizando a CGT nos moldes corporativistas, mantendo uma política de altos salários. Nesse sentido, segundo Jose Oscar Aquino, a política econômica baseada em nacionalizações, revestidas de enorme propaganda caracterizou os primeiros anos do governo peronista de 1946 a 1951. Em tal sistema houve a intervenção do Estado na economia com a nacionalização das jazidas de petróleo, os minerais, carvão e gás; e dos serviços públicos como meios de transporte, água, luz, telefone, que não obtiveram grande êxito devido à forma de atuação do governo que realizou uma propaganda governamental que não estava de acordo com as possibilidades, ficando assim muito aquém do previsto devido ao crescente endividamento e dependência do capital externo. O peronismo institucionalizou e controlou a classe trabalhadora através dos sindicatos que se tornaram agentes do Estado, mediando à relação entre capital e trabalho em nome da nação e do desenvolvimento econômico. A Argentina viveu nesse período uma época de prosperidade geral o que permitiu a manutenção de preços baixos e ao mesmo tempo os altos salários. Entretanto, segundo Aquino, os que menos usufruíram dessas riquezas foram os trabalhadores tendo condições precárias de vida. Segundo o autor anteriormente citado, alguns elementos se fizeram presentes na política populista de Perón: o culto à personalidade, a propaganda de massa, a política nacionalista, o paternalismo, o autoritarismo e o anticomunismo. Os valores humanos e morais compunham a definição do peronismo. Assim, Perón quando era indagado sobre o que era o peronismo, dizia: O peronismo é um humanismo em ação; o peronismo é uma nova concepção que descarta todos os males da antiga política; é uma concepção baseada no social que iguala um pouco os homens, que lhes outorga iguais possibilidades e lhes assegura um futuro para que nesta terra não haja ninguém que não tenha o necessário para viver (...) e o peronismo não se aprende, não se diz, se sente ou não se sente. O peronismo é uma questão mais de coração do que de cabeça.5

A PROPAGANDA POLÍTICA DESENVOLVIDA POR PERÓN

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A propaganda política construída e divulgada na política peronista (1945-55) inspirou-se nas experiências experiências europeias do nazismo e do fascismo sendo reproduzidas com sentido novo, ou seja, os organizadores da política peronista procuraram adotar os métodos de controle dos meios de comunicação e de persuasão usados na Alemanha e na Itália, adaptando-os à realidade Argentina. Assim, o caráter autoritário da propaganda veiculada através dos meios de comunicação, educação e produção cultural visou conquistar os “corações e mentes”. Conforme Capelato, em qualquer regime, a propaganda política é estratégia para o exercício do poder, mas nos de tendência totalitária ela adquire uma força muito maior porque o Estado, graças ao monopólio dos meios de comunicação, exerce censura rigorosa sobre o conjunto das informações e as manipula, onde o poder político, nestes casos, conjuga o monopólio da força física e simbólica. Desta maneira, no peronismo, os esforços de eliminação de vozes discordantes e de penetração ideológica em todos os setores realizaram-se, antes de tudo, no campo da imprensa periódica, seguida pelo rádio. A Constituição Argentina garantia a liberdade de imprensa, mas, para a realização do controle institucional dos meios de comunicação, foram criadas a Subsecretaría de Informaciones e a Secretaría de Prensa y Difusión, inspiradas na organização nazi-fascista para controle dos meios de comunicação. Entretanto, é relevante enfatizar que o peronismo não pode ser definido como um fenômeno nazi-fascista. Algumas similaridades estão presentes em ambos, especialmente no que se reporta à propaganda política pelos aspectos de comunicação de massas, através do controle sobre a imprensa e pela eliminação das publicações oponentes. Diante do exposto, o peronismo e o nazi-fascismo apresentam algumas identificações comuns, principalmente quanto à manipulação das massas destinadas a provocar emoção, como também nas formas de organização e planejamento da propaganda política, mas não se pode caracterizar o peronismo como um regime totalitário. Capelato discorre que os primeiros embates do governo peronista contra os jornais tiveram grande repercussão no exterior, devido à verdadeira guerra entre os poderosos diários de Buenos Aires e o governo de Perón, onde este imprimiu nova força à Subsecretaria de Informaciones, encarregada de controlar e distribuir o caudal crescente de notícias oficiais. A pressão através do fornecimento de papel foi muito grande. Os proprietários dos meios de comunicação que resistiram às investidas do poder ficaram sujeitos a todo tipo de interferência. Através de práticas de sabotagem, corte de subsídios, suspensão de direitos, processos por desacato à autoridade, o regime conseguiu amplo controle sobre os meios de comunicação. Em 1951, La Prensa foi expropriada, passando para o controle da CGT (Central Geral dos Trabalhadores). Cabe perguntar aqui os motivos que levaram à tomada dessas atitudes, cientes de que a imprensa burguesa sempre tem estado lutando a favor do interesse imperialista, e dos grupos elitistas que em nenhum momento iriam a permitir que o peronismo atingisse suas metas sociais em detrimento dos interesses particulares. A forma de agir do peronismo seria melhor entendida se pensássemos nos seus objetivos anti-imperialistas. De todas as maneiras, a historiografia recente afirma que se pode perceber que a relação de Perón com a classe trabalhadora não se limitava apenas no âmbito de troca de favores ou concessão de certos direitos e melhorias salariais, mas também em torno da articulação de elementos emocionais através de discursos demagógicos e um eficiente aparelho de propaganda que pregava a justiça social.

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Ficando no ar mais uma pergunta sobre esse processo: se o peronismo se limitava a discursar de forma demagógica, usando os meios de comunicação como forma de atingir o povo para inculcar falsas promessas, porque esses descamisados juravam, nas praças e ruas das diferentes cidades, amor e fidelidade por Perón, coisa que fizeram por vários anos6. No que se refere ao rádio, o controle político foi ainda mais dinâmico; sobre este teve início logo após o Golpe de 1943. Eva teve um papel preponderante no controle deste meio de comunicação. Sua vida profissional começara neste veículo e em 1944, foi criado um programa intitulado Para um futuro melhor, que fazia a propaganda da Revolução de 1943; Evita interpretava o papel de uma mulher do povo que conclamava os argentinos a apoiarem na revolução. De acordo com Capelato, o peronismo influiu até mesmo na mudança da programação: em lugar do tango impôs-se o folclore. Junto aos temas nacionais, urbanos, de família, foi sendo introduzida a problemática do trabalhador - sua vida na fábrica etc. Os temas sociopolíticos eram tratados nas radionovelas: Corazón chararero abordava a temática do “estatuto do peão”, criado pelo Secretário do Trabalho e Previsão Juan Domingo Perón em 1943. Nos programas de cinco minutos chamados “micros”, as conversas rápidas estabeleciam o contraste entre o ontem, cheio de defeitos e promessas não cumpridas, e o presente vibrante, cheio de realizações. A propagação de imagens e símbolos também foi bastante disseminada pela propaganda política. Na Argentina peronista, o distintivo mais difundido foi o “escudito” que identificava os leais ao peronismo. Inspirava-se no desenho do escudo nacional, cuja peculiaridade consistia nas mãos apertadas em sentido diagonal em vez do modelo original em que as mãos eram apertadas em sentido horizontal. Segundo Capelato, essa diferença sugere a relação de subordinação entre o povo unido/organizado e seu líder. A marcha Los muchachos peronistas constituiu outro símbolo carregado de conteúdo emocional, importante para o reforço da relação líder/partidários, onde a canção popular exaltava Perón, “grande condutor e primeiro trabalhador”. O símbolo da justiça também foi fartamente explorado pela propaganda política. Representando a doutrina justicialista, a imagem foi impressa em revistas, livros escolares, álbuns etc. Os símbolos católicos, igualmente abundantes, prestavam-se a sacralização do regime, onde no imaginário religioso eram manipulados o temor e a esperança, elementos centrais na dominação das bases populares. Os heróis da pátria, os grandes feitos nacionais completavam o quadro do universo simbólico peronista. Esta afirmativa da autora aqui citada contradiz o pensamento de Eva Perón quando, frente à Igreja Católica, manifestava o seguinte: Los políticos clericales de todos los tiempos y en todos los países quieren ejercer el dominio y aún la explotación del pueblo por medio de la Iglesia y la religión.Yo no creo, como Lénin, que la religión sea el ópio de los pueblos. La religión debe ser, en cambio, la liberación de los pueblos; porque cuando el hombre se encuentra con Dios alcanza las alturas de su extraordinaria dignidad. La religión no ha de ser jamás instrumento de opresión para los pueblos. Tiene que ser bandera de rebeldía. Yo me rebelo contra las religiones que hacen agachar la frente de los hombres y el alma de los pueblos.7

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Nesse sentido podemos perceber que Evita era contra um tipo de religião, que por muito tempo através dos políticos clericais se mostrava como pregadora da submissão e da exploração do povo. Dessa maneira, enfoca que a religião deve ser ressignifcada e reinterpretada pela população, pois somente assim a mesma poderia vir a representar as somente assim a mesma poderia vir a representar as noções de rebeldia, libertação e igualdade, e não mais ser um instrumento de opressão. Quanto à educação Argentina, o líder afirmava que deveria ser baseada nos princípios da doutrina justicialista: justiça, espírito social, altruísmo, verdade, conhecimento do país, cuidado com a saúde, estímulo a educação moral, científica, artística, prática e vocacional de acordo com a aptidão dos educandos e necessidades regionais1. Juan Domingo Perón entendia que educar era mais importante do que instruir, porque educar significava formar a alma e a inteligência. Nossa política social tende, antes de mais nada, a transformar a concepção materialista da vida numa exaltação dos valores espirituais. Por isso aspiramos a elevar a cultura oficial. O Estado argentino não deve poupar esforços nem sacrifícios de nenhuma espécie para estender a todos os âmbitos da Nação o ensino adequado para elevar a cultura dos habitantes.8

De acordo com Capelato, os livros de textos para escola primária, publicados de acordo com a regulamentação aprovada em 1951, mostram bem como era feita a difusão de idéias e valores. O Ministério da Educação lançou uma campanha da autobiografia de Eva Perón La razón de mi vida como texto de leitura obrigatória. Alguns textos escolares destinados aos alunos da escola primária apresentavam o paralelo entre o peronismo e personagens ou episódios da história pátria e a enumeração das conquistas do peronismo no poder em todos os terrenos da realidade. Neste sentido, os símbolos também tiveram grande influência na educação, pois eram difundidos nas escolas com a finalidade de constituir a consciência do pequeno cidadão. As fotos, os retratos, as esculturas de Perón e Eva, o escudo, as expressões como “peronismo”, “justicialismo”, as datas exaltadas pelo regime, as composições musicais, os fragmentos da obra La razón de mi vida, de Evita, discursos, tudo isso constituía conteúdo simbólico de grande força no que se refere à sedução das massas. A INFLUÊNCIA DE EVITA NO PERONISMO A figura de Eva Perón se constituiu como uma base fundamental para o peronismo, tanto através de sua atuação política e propagandística, como social. Evita teve grande influência na criação do Partido Peronista Feminino e na conquista do direito de voto das mulheres em 1947. Nesse sentido, conseguiu fortalecer o apoio das mulheres ao governo peronista. No âmbito social, seu trabalho se desenvolveu na Fundação Eva Perón onde prestava assistência distribuindo alimentos e roupas. Criou hospitais, lares para idosos, mães solteiras como também escolas. Um ponto fundamental de Evita era o seu carisma e popularidade com os trabalhadores os quais ela chamava de “descamisados” (mas não no sentido pejorativo). Sua atuação

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política foi fundamental na organização de manifestações e comícios populares favoráveis a Perón em especial durante a sua libertação e eleição efetiva em 1946. Desta forma, conquistou para o peronismo o apoio da população pobre. Segundo Gerson Meneses9 para falarmos sobre imaginários peronistas na Argentina é mais importante falar sobre Eva Duarte que do próprio Perón. Ressalta sua política junto aos “descamisados” onde em seus discursos pregava que estes onde em seus discursos pregava que estes poderiam lhe confiar suas esperanças, sonhos, tristezas e alegrias. Nesse contexto, o autor coloca que a imagem e o corpo de Evita possuíam todo um caráter simbólico e ritual. Segundo o autor, era o poder personificado em um corpo de uma bela mulher, que diante de seu corpo coberto de riqueza incentivava aos “descamisados” a seguir o regime peronista. Para Meneses, na figura de Eva Duarte de Perón confluíam e se articulavam muitas imagens que unidas representavam os ingredientes necessários para a construção de novos imaginários coletivos. Para o autor, Evita foi vista, através de suas obras de caridade e suas numerosas “dádivas”, como uma santa e Perón como um santo. Daí desenvolveu-se toda uma propaganda de culto à personalidade com cânticos e hinos nos sindicatos reverenciando o líder. O povo via em Evita a imagem de uma mulher piedosa, bondosa, e cheia de amor para com os “descamisados”, pois tinha um coração onde cabiam todos os explorados. A sua origem humilde e sua ascensão ao poder criavam perante o povo uma idéia de possibilidade de ascensão social. Sua visita a Roma para encontrar-se com o Papa foi decisiva para a construção da imagem de Santa Evita. Sua figura se converteu na máquina que movia o peronismo, tanto que depois de sua morte ocorreu toda uma comoção nacional onde os sindicalistas pediram ao Papa a sua canonização e Perón manteve-se por pouco tempo no poder. Para Gerson, Evita havia cumprido assim parte de seu plano, criando novos imaginários que fundados entre o povo argentino se tornaram realidade; e se posteriormente foram destruídos, teriam criado pelo menos a esperança, incentivando seus seguidores na busca de novos imaginários para tornálos realidade. Assim, a festa realizada em torno da Praça Primeiro de Maio e nas ruas de Buenos Aires e em regiões vizinhas, fizeram com que o povo argentino se sentisse pertencente a uma nação que deviam defender do imperialismo e das oligarquias. Em sua obra La Razón de Mi Vida que se divide em três partes, Evita em um primeiro momento fala sobre sua adesão a causa peronista, em um segundo instante observamos o âmbito social desenvolvido por Eva para o povo através de suas obras sociais e na terceira parte podemos notar sua política frente ao partido feminino peronista e sua atuação para conquistar o apoio das mulheres. Podemos observar que Evita encarava toda a sua fervorosa atuação política frente ao peronismo como uma missão, como algo que deveria cumprir para ajudar ao povo e muitas vezes se via dividida entre o próprio Perón e a causa peronista, mas afirmou que ambos estavam juntos: Por eso digo ahora: ¡ Sí, soy peronista, fanáticamente peronista pero no sabría decir qué amo más: si a Perón o a su causa; que para mi, todo es una sola cosa, todo es un solo amor; y cuando digo em mis discursos y en mis conversaciones que la causa de Perón es la causa del pueblo, y que Perón es la Patria y es el pueblo, no hago sino dar prueba de que todo, en mi vida, está sellado por um solo amor.10

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Na obra de Eva Perón, Mi Mensaje, escrita um pouco antes de sua morte, pode-se perceber o seu forte engajamento político através da militância, dos discursos e da forte ligação e identificação que demonstrava para com os trabalhadores e as massas. Evita passava sempre a idéia de que estava preocupada com o povo e que lutaria junto com Perón para conseguir melhorar suas vidas. Pregava um discurso antioligárquico, pois via as oligarquias como inimigas do regime e exploradora dos trabalhadores. Desenvolveu também um discurso de identificação com as massas, pois, por ter vindo de uma origem humilde pretendia entender as necessidades do povo e buscava dedicar sua vida ao peronismo e aos “descamisados”, conforme explicitava Evita. Passava a idéia de que os inimigos do povo eram os inimigos do governo peronista, enfatizando que apenas o povo unido e organizado seria capaz de destruir os inimigos como a oligarquia e o imperialismo. Evita frisava que a Pátria não era patrimônio de nenhuma força e sim do povo e que este deveria lutar pela sua liberdade e contra a injustiça. Também enfatizava que era lindo o contato com o povo, senti-lo por perto, sofrer com suas dores e usufruir a simples alegria do seu coração. Dessa maneira, procurava entender as suas angústias e necessidades e destacava que Perón, mesmo sendo um militar, sempre havia lutado pelos interesses do povo que o colocara no poder. Mostrava-se contra a igreja e os governos que explorassem a população, pois afirmava que Deus pregava a justiça entre os homens e que nenhum político pode governar sem o apoio das massas. Pregava a fidelidade de Perón aos trabalhadores e estes deviam ser fiéis a ele. Evita afirmava que dedicou sua vida a Perón e ao povo: Quiero Vivir eternamente con Perón y con mi Pueblo. Esta es mi voluntad absoluta y permanente y será también por lo tanto cuando llegue mi hora, la ultima voluntad de mi corazón. Donde este Perón y donde estén mis descamisados allí estará siempre mi corazón para quererlos con todas las fuerzas de mi vida y con todo el fanatismo de mi alma.11

CONSIDERAÇÕES FINAIS A propaganda é uma arma poderosa, sobretudo quando se dispõe de todos os meios (...) O GOU é uma instituição eminentemente castrense que não vai entrar nunca na mente dos civis por mais propaganda que gastemos com ele. Temos que eleger um homem dos nossos e focalizar sobre ele os refletores. O trabalho seguinte consiste em torná-lo simpático. Isso é muito difícil, basta que apareça respaldando todas as disposições que repercutem favoravelmente na população.12

Diante da totalidade dos meios de comunicação à disposição do peronismo, Capelato enfoca que o próprio Perón em certo momento reconheceu que os meios não são todo-poderosos e comentou em 1955 que “tendo o controle dos meios de comunicação a meu favor, fui derrotado; em 1945 e 1973, antes das eleições, a imprensa toda se opôs a mim, não impedindo minha chegada à Casa do Governo”.13 Deste modo, a afirmação de Perón permite entendermos que as teses que insistem na onipotência dos meios de comunicação no que se refere ao controle das consciências podem ser contestadas, pois a propaganda política reforça tendências que já existem na sociedade, mesmo representando um dos

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pilares de sustentação do poder. Desta maneira, a propaganda política realizada durante o período peronista com a utilização de diversos mecanismos como o rádio, a imprensa, a escola, a figura de Eva Perón, como também a difusão de símbolos e imagens, tiveram grande importância para a propagação dos ideais do governo peronista, mas não podemos caracterizá-los como hegemônicos, ou seja, que apenas a propaganda política foi suficiente para a manutenção de Perón no poder, pois também outros fatores como, por exemplo, a identificação ideológica de parte da população para com os ideais peronistas foi fundamental. Sendo assim, pode-se perceber que a propaganda política foi fundamental para a propagação dos ideais peronistas no aspecto social e político, com a difusão de símbolos e imagens que mantiveram uma forte ligação emocional entre o peronismo e o povo. Assim como o papel fundamental desempenhado por Evita, que passou a ser vista como mãe e santa para um grande contingente das massas. Mas todo esse processo do simbólico articulado pela propaganda política não pode ser visto como um fator determinante do governo peronista. É importante que se perceba que o povo não pode ser visto como inerte ou passivo diante dos acontecimentos sociais, pois este absorve, interpreta e resignifica as informações que são transmitidas em meio ao seu convívio social. NOTAS MARINGONI, Gilberto, Populista um novo xingamento. Revista Traços de Realidade. Site:

1

http://cartamaior.uol.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3063 S TA N L E Y,

2

Myrian,

El

populismo

en

América

Latina..In:

Site:http://www.puentes.gov.ar/educar/servlet/Downloads/S_BD_ANUARIO05/UNR2305.PDF CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena. Propaganda política no varguismo e no

3

peronismo. Campinas: SP, Papirus, 1998. 4

AQUINO, José Oscar, A Argentina e o peronismo. In. História das sociedades americanas: Rio de Janeiro:

São Paulo: Record, 2004. 5

CAPELATO, Maria Helena, op. cit., p.172.

6 PERÓN, Eva, La Razón de mi Vida. In:

http://www.pjbonaerense.org.ar/peronismo/escritos_eva/razon_de_mi_vida/indice.htm 7

Eva Perón. El testamento silenciado de Evita: Mi Mensaje. Buenos Aires: Editora Futuro, 1994 pp. 50-51.

8

Discurso de Juan Domingo Perón de 1/5/1949, in Capelato, op. Cit., 1998, p.232.

9

MENESES, Gerson G. Ledezma, Imaginário e fiesta populista en América Latina. In: Revista Problemas

Politicos Latinoamericanos, Popayán.1997. 10

La Razón de Mi Vida – “Desmasiado peronista “– site:

http://www.pjbonaerense.org.ar/peronismo/escritos_eva/razon_de_mi_vida/indice.htm 11

Eva Perón. El testamento silenciado de Evita: Mi Mensaje, op. Cit, p. 58.

12

Juan José Sebreli, 1985, p.63. In: CAPELATO, Maria Helena, op.cit., p.71.

13

Pablo Sirvén, 1984, p. 141 in idem, ibidem, p 97.

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HUGO CHAVÉZ ESTÁ PRATICANDO UMA NOVA FORMA DE POPULISMO? Márcio R. de Freitas Fagundes Ítalo Rodrigues RESUMO Neste trabalho analisaremos se Hugo Chávez está revivendo um movimento político recorrente na história de meados do século XX na América Latina ou se se trata de uma variação do fenômeno adaptado para a contemporaneidade da Venezuela. Atentando para as diferentes formas de análise conceitual, estabeleceremos um paralelo, em linhas gerais, com as formas atuais do movimento, tomando como eixo principal a figura de Chávez. Analisaremos elementos da sua política, passando por seus projetos sociais; atentando para as questões das mudanças e permanências, e percebendo, sobretudo, uma diferenciação na proposta chavista já que, em comparação analítica com as categorias teóricas do populismo, o referido movimento ergueu-se sobre uma nova perspectiva que pode se chamar de novo populismo. Palavras-chave: Populismo, Imperialismo, Chavismo, Venezuela CONTEXTO HISTÓRICO. O conceito de Populismo, como é tratado por Gilberto Maringoni1, é bastante elástico ou controverso. De acordo com Norberto Borbbio2: O populismo não conta efetivamente com uma elaboração teórica orgânica e sistemática. (...) como denominação se amolda facilmente à doutrina e a fórmulas diversamente articuladas e aparentemente divergentes. (...) as dificuldades do populismo se ressentem da ambigüidade conceitual que o próprio termo envolve.

Diante disso podemos perceber que não existe uma fórmula pronta e acabada para definirmos tal fenômeno. Sendo o conceito amplamente alargado em sua base, Margarida Lopez Maya3, socióloga venezuelana, enfatiza que o populismo é “fundamentalmente um discurso que pode estar presente no interior de organizações, movimento ou regimes muito diferentes entre si”. Os casos brasileiro, argentino e mexicano são ilustradores do fato. Os sociólogos argentinos Gino Germani e Torquato di Tella, nos ampliam a possibilidade de análise, na medida em que seus estudos contribuem para desvendar a referida questão, sobretudo quando o definem como fenômeno que ocorre numa situação de transição social no século XX, onde as cidades estavam em rápido processo de urbanização, possibilitando a utilização das praticas populistas. Com o advento da industrialização, agindo, portanto, no seio da formação das sociedades de classe,

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como diz Octavio Ianni4 “se abrió uma brecha por donde pudieron colarse las masas como um nuevo constitutivo del Estado” . Antes de adentrarmos na análise do governo Chávez e nas questões inerentes na problemática proposta, é interessante pensarmos um pouco mais sobre a questão conceitual do populismo. Myrian Stanley percebe este movimento como peculiar ao continente Sul Americano, dentro do período compreendido entre os anos 1930 a 1960; Francisco Welffort5, por sua vez, verifica que “el populismo sería particular de América latina y se habría dado en el momento histórico determinado por las consecuencias inmediatas de la crisis de 1930 ...”. Nesse sentido podemos associar tal movimento a momentos conjunturais enfrentados pelas sociedades. Parecida situação encontramos na Venezuela dos anos 1980, onde se vive um período de crise econômica generalizada, momento de passagem, especialmente durante e depois do Caracazo, da Venezuela Saudita para a decadente, retomada por Hugo Chávez para ser transformada na nova República Bolivariana da Venezuela. Momentos de transição onde tanto as massas urbanas e os líderes se buscam mutuamente para colocar em andamento seus novos imaginários políticos e sociais. Época na qual, o povo e o líder buscam aliar-se a grupos que nesse momento, também, colocam-se contra a ordem estabelecida, cimentada por uma profunda insatisfação: no caso da Venezuela, seriam as Forças Armadas aonde Chávez iria procurar pelas alianças. Devemos ver com atenção para perceber a situação em que se encontrava a Venezuela antes do governo Chávez: de profunda crise no contexto sócio-político. É verdade que Chávez, através da utilização de símbolos, inclusive da figura de Simon Bolívar, líder da Independência de alguns dos países latino americanos, fazendo uso da chamada República Bolivariana, aliado a discursos inflamados para o povo, pode ser taxado, no contexto do jogo de interesses econômicos e políticos, como um mero líder populista, associado à figura do demagogo. Mas é inegável a distância que podemos estabelecer entre essas apreciações e a figura de Chávez, analisando um conjunto de fatos de forma mais objetiva. De acordo com Maringoni o presidente venezuelano está a quilômetros de distância da demagogia de setores conservadores que se valeram da prática populista como maneira de exercer o domínio burguês. O dirigente da Venezuela tem o discurso que não se identifica com o discurso oligárquico e imperialista e, na prática, demarcador de interesses de classe. Embora o termo seja controverso diante dos elementos abordados, e até mesmo polêmico, é verdade que poucos conceitos são sujeitos à análise política contemporânea, e pelo contrário, o populismo é definido com pouca precisão. Algo que é usado comumente, para designar um líder populista, sobretudo nos meios de comunicação de massa, são suas atitudes, vínculos e canais diretos estabelecidos com o povo. Além do componente centralizador que atrai para si a própria figura da encarnação do Estado. Mas será que basta essa característica para considerar Hugo Chávez como populista? Ou será que está criando uma nova fase do Movimento, utilizando-se de algumas de suas características? A FIGURA DE HUGO CHÁVEZ NO CONTEXTO POPULISTA.

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Fazendo uma verificação dos elementos que caracterizam o provável governo populista de Hugo Chávez na Venezuela, tentaremos fazer uma análise da figura populista, tendo como base a seguinte afirmação: Uma classificação geral do que seria um líder populista comumente aceita, dá conta de tratar-se do dirigente que estabelece vínculos diretos com o povo, sem a mediação de instituições entidades ou instâncias. O líder populista relaciona-se com as multidões acima dos partidos, parlamentos, sindicatos e etc. Há um componente centralizador na figura do chefe populista, em que, a falta de mediações, se torna a própria encarnação do Estado no imaginário das classes populares urbanas.

Com esses elementos se pode verificar que o líder populista na figura de Hugo Chávez possui elementos bem característicos do populismo. O líder apresenta uma relação próxima com as massas e com os diferentes setores sociais e populares; é exaltado como líder carismático. Pode-se observar, no caso da Venezuela, a figura de um homem providencial que resolverá os problemas do povo, faz bom uso da palavra, veículo importante do seu carisma, ele sente-se o representante que fala como o povo de modo constante, estimula suas paixões, apela, organiza, inflama as massas, que são elementos característicos do populismo, tudo isso podemos perceber através do documentário A revolução não será televisionada. Porém, não apenas o contato com o povo definiria o líder como populista, é o seu agir anti-imperialista que o leva a procurar outra saída para a crise social da Venezuela e da América Latina. É seu discurso contra as políticas neoliberais que o caracterizam como populista, na medida em que oferece uma alternativa, uma forma de resistência frente às imposições externas, vindas especialmente dos Estados Unidos. Neste sentido também são considerados os casos mexicano, argentino e brasileiro nas figuras de Lázaro Cárdenas, Juan Domingo Perón e Getúlio Vargas. Como também a luta antioligárquica enfrentada por todos eles no século XX. Marta Hanercker6, no que diz respeito às políticas de Chávez e para compreender melhor como se dão as intenções do presidente venezuelano: “a ideia mais importante do presidente: 'a pobreza não poderá ser eliminada se não entregar o poder ao povo' deveria se materializar em formas organizativas e participativas concretas, deveria se encarnar nas pessoas”. Dessa forma podemos refletir sobre a base do projeto político-social pensado por Chávez para a Venezuela, que inegavelmente está carregado de contornos populistas. O que se pode notar nesta questão, abordada pelos teóricos do populismo, é que não existe um populismo puro com características que sejam seguidas rigorosamente. No tipo de populismo que Hugo Chavéz pratica, por exemplo, podemos perceber que é uma prática adaptada para a realidade da Venezuela, pensada no contexto atual. Gilberto Maringoni1 relata que “Chávez é não só um líder, mas o principal e praticamente o único garantidor do processo político em curso em seu país. A principal porta voz do seu governo é ele mesmo, assim como é o principal intelectual, formulador estrategista das ações de governo”. Desta forma não é de se espantar que sua prática tenha de fato contornos populistas, como afirma o autor. Dentro da análise da figura de Chávez quando ocorreu o plebiscito, quando o imperialismo e os setores da burguesia nacional, tentaram tirar Chávez do poder, mas esses setores produziram uma farsa,

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com isso o povo venezuelano derrotou o imperialismo e a oligarquia no que diz respeito à luta de classes como não conseguiram, levaram para o setor da democracia burguesa, com isso se dão vários elementos contraditórios na figura de Chávez que se pode observar na afirmativa de Alejandro Iturbe7 no artigo da Revista Marxismo Vivo: Para convencer o povo venezuelano, que não tinha acordo com o referendo, Chávez argumentou que, nesse momento, as condições sócio econômicas e políticas estavam melhores, o ritmo do crescimento da economia havia chegado a 12% e os preços do barril do petróleo estavam altos. Os investimentos na área social cresceram, aumentaram os gastos estatais com programas de saúde, educação, construção de casas, microempresa, e reforma agrária. O impacto social era visível e favorecidas as camadas mais pobres da população. As organizações sociais responsáveis implantaram-se profundamente nos mais pobres. Com isso, afirmava que era impossível perder a eleição. Vale destacar que estes programas assistencialistas não melhoraram os salários nem criaram projetos de empregos em grande escala. O desemprego continua em cerca de 20% e os níveis de pobreza em torno de 50%.

Com essa afirmativa que contém no artigo do autor Alejandro Iturbe7, possui elemento que diferenciam o populista de Chávez, que é uma política que tem um apelo para as camadas populares, falando que vai resolver os problemas da população melhorando suas condições, enchendo o povo de esperanças de um bom futuro, com isso obter apoio da população , com isso obter vantagens como, por exemplo, na época das eleições , e quando consegue o seu objetivo, suas promessas tem poucos resultados, para beneficiar esse povo que o colocou na presidência, nesse caso teria que ser uma mão de via dupla, onde ambos se beneficiariam. Fazendo uso da citação que a autora Marta Hanecker6 faz no livro um Homem um povo, e importante destacar, que logo depois do referendo que teve vitória de Chávez e relata que: Mas com o fracasso do golpe econômico e o inicio da recuperação econômica (inclusive a recuperação da produção petroleira), o governo começa a alterar a correlação interna de forças. Em Abril de 2003, Chávez anuncia que retornou a ofensiva. A partir desse momento começam a lançar várias campanhas em prol dos setores sociais mais carentes (chamadas missões): consultório de saúde nos bairros populares, campanha de alfabetização, de ensino médio superior, abertura da universidade Bolivariana aos estudantes que nunca tinham podido se matricular, venda de produtos alimentícios a preços mais baixos do que os habituais, todos esses programas foram calorosamente recebidos pela população e somaram novos adeptos ao processo.

Pode-se analisar um elemento importante dentro do contexto do populismo na figura de Hugo Chávez, ele faz medidas assistencialista para o povo, mas essas medidas não são suficientes para suprir as necessidades do povo. Continuando nessa mesma análise do populismo de Chávez, agora é importante destacar o que escreveu, Gilberto Maringoni1, onde ele destaca que é preciso analisar com atenção para um ponto que distingue a ação chavista em relação a outras lideranças do continente:

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VOLUME 1 - SETEMBRO 2006 Seu populismo radical tem características civilizatórias na realidade venezuelana. Ao liderar o processo constituinte e estabelecer novos parâmetros, Chávez tornou-se o fiador da legalidade e logrou empurrar os setores das classes dominantes que tentaram derrubá-lo para a periferia da atividade política. O presidente opera no sentido de alargar os direitos sociais, materializados numa constituição extremamente avançadas , e em ações emergenciais junto à população. Beneficiando pela alta estrutural dos preços do petróleo, o Estado Venezuelano tem como bancar diversas missões junto ás camadas pobres da população.

Essas atitudes do governo de Chávez também o fazem seguir um caminho diferente em relação ao populismo que foi praticado na América Latina, dentro do que se diz a respeito do que e populismo se pode observar a ampla mobilização das massas em torno de líderes carismáticos que, sem romper com o regime de exploração capitalista, sabiam como atender certas aspirações populares e, com isso, manipular a simpatia da população no caminho para conduzir para caminhos convenientes para seus próprios proveitos. Para analisarmos de forma mais clara a figura de Hugo Chávez no contexto populista, junto com o artigo de Gilberto Maringoni1: Ninguém é populista porque e quando quer. Isso corresponde a necessidades históricas objetivas; 2. O populismo permitiu a entrada das massas empobrecidas no cenário político latino-americano; 3. A acusação de “populista” feita pela direita na atualidade busca encobrir o debate sobre as alternativas ao pensamento único; 4. O populismo não é, em si, positivo ou negativo. O centro da questão é: a devastação neoliberal enfraqueceu parâmetros de convivência institucionais. Recuperá-los muitas vezes – como o caso venezuelano mostra – tem sido tarefa de dirigentes com capacidade de se relacionar em linha direta com a população.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Podemos observar características populistas em Hugo Chávez, mas no contexto geral é um populismo com características bem próprias, e quando na América Latina aparece uma figura como Chávez, dentro das suas políticas anti-imperialistas e anti-oligárquicas inicialmente o classificam como populista e nacionalista, ou uma combinação de ambas, para caracterizar Chávez como uma liderança populista, se pode associar imediatamente com características de dons carismáticos, como se fosse o salvador do povo, que estabelece o contato direto com as massas, prescindindo das mediações dos partidos, ou de outras organizações. Utiliza-se assim Chávez da acumulação de forças em torno do mito que expressa e das aspirações que só ele pode canalizar. Ou também o chavismo seria um novo tipo de populismo renovado ou mesmo podendo se chamar de neopopulismo que combina elementos de dominação e de manipulação das classes populares com experiências que incluem um alto conteúdo identificador, ou seria uma figura política que expressaria um nacionalismo intransigente e estadista que poderia condenar o país ao isolacionismo ao ir contra a corrente da globalização homogeneizadora.

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No caso de Chávez, existe uma identificação do povo com a liderança. Mas a dinâmica política que o leva ao poder e que o sustenta é muito mais complexa. Chávez não chega ao poder simplesmente por ser populista ou ser uma liderança carismática. Chega também porque foi o melhor intérprete do desejo de mudança popular. Pode se explicar então porque a base social do chavismo é bastante ampla. A sua política reivindicatória contra as figuras políticas tradicionais e a oligarquia dos partidos, ao analisar outra questão se pode verificar que se somam não só os setores mais populares, mas também a classe média afetada pela crise. A linguagem dura com que Chávez costuma dirigir-se a seus adversários nos seus longos discursos é, tudo aquilo que essa base social gostaria de ter expressado para as elites nestas duas últimas décadas. Mas se pode notar algo de incoerente que faz um discurso antiimperialista, sendo que, paga a dívida externa-imperialista, sendo que, paga a dívida externa rigorosamente em dia. Outra questão que se pode notar é que existem projetos políticos voltados para o bem estar da população, mas esses projetos refletem poucos resultados, do que o povo espera de Hugo Chávez. Pode-se verificar um meio que ele usa para chamar atenção das massas em torno de líderes carismáticos observados no presidente Venezuelano que, sem romper com o regime de exploração capitalista, sabia como atender certas aspirações populares, que no caso de Chávez havia projetos voltados para o povo, mas não eram suficientes e, com isso, usar meios para adquirir a simpatia da população na direção de seus próprios interesses. A população vê no líder populista como o pilar central que faz toda a ligação da sociedade. Chávez assume o poder com uma população que perdeu seus referenciais que servem como ponto de apoio no que diz respeito ao institucional. Ele tem que reunir essas partes despesas, mas, com esse incentivo à organização da população, ele, como todo populista, nega a si mesmo. Mas ele pode negar o populismo ao reconstruir a sociedade venezuelana. O sucesso de Chávez poderá levá-lo a negar ele próprio. NOTAS 1MARINGONI, Gilberto, O que há de populismo em Chávez. In:

voltairenet.org/article13881.html 2BOBBIO, N., MATTEUCCI, N. E. PASQUINO, G. Dicionário de política. Brasília: UnB &

LGE Editora, 2004. 3LOPÉZ MAYA, Margarida – Populismo e inclusión en el caso del proyecto bolivariano. 2004, inédito. 4IANNI, Octávio. O colapso do populismo no Brasil.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. 5WEFFORT, Francisco. Populismo na política brasileira.São Paulo: Paz e Terra, 1978. 6HARNECKER, Marta. Um homem um povo. São Paulo: Expressão popular, 2004 7ITURBE, Alejandro, Imperialismo, nacionalismo e revolução na Venezuela. In: Revista Marxismo Vivo –2004.

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A IMAGEM DE SIMÓN BOLÍVAR NA CONSTRUÇÃO DO ESTADO NACIONAL VENEZUELANO E NA INTEGRAÇÃO LATINO-AMERICANA Deise Mary Márcia Freitas RESUMO Este artigo propõe analisar como o presidente Hugo Chávez resgata a figura de Simón Bolívar na construção da República Bolivariana da Venezuela, revivendo o caráter histórico de Simón Bolívar na defesa da união e fortalecimento dos Estados da América Latina. As propostas de Hugo Chávez concentram-se em ações sociais e populares que estão voltadas para a contestação de um modelo de hegemonia Norte-americano, bem como na busca da soberania nacional e da integração com os vizinhos da América do Sul, tanto no âmbito político quanto econômico. Palavras-chave: Hugo Chávez, Simón Bolívar, Estado Nacional, América Latina. INTRODUÇÃO A Revolução Bolivariana na Venezuela, iniciada a partir da vitória eleitoral de Hugo Chávez em dezembro de 1998, apresenta inúmeros aspectos distintos. Dentre estes aspectos pode-se notar a construção de um modelo contra-hegêmonico, que aponta para mudanças estruturais neste país e inclusive contra a própria lógica do capitalismo, deflagrando assim a formação de uma alternativa ao neoliberalismo. Sua meta não é o conhecido socialismo marxista-leninista, mas a concentração em ações sociais e populares que estão voltadas para o fortalecimento da soberania nacional e a integração latino-americana. O projeto de Chávez é mais político do que econômico, referente tanto a políticas concretas quanto a seu estilo e retórica. Seu programa ganha cada vez mais nitidez com o crescente protagonismo das massas populares e a ampliação da democracia que utiliza de mecanismos de participação direta. A noção que o presidente Hugo Chávez traz de unir os países latino-americanos para enfrentar o poder imperial dos Estados Unidos não é original, pois a integração econômica sempre esteve em pauta no discurso oficial de quase todos os regimes, mas sem o enfoque político atual, no qual Hugo Chávez vem se esforçando para realizá-lo e espelhando-se principalmente na figura do libertador Simón Bolívar. Nesse sentido, Hugo Chávez traz a tona a figura de Simón Bolívar, não com o intuito de veneração ou simples elogio, como fizeram outros estadistas, mas revivendo o seu caráter histórico de defesa da união e fortalecimento dos Estados da América Latina, tanto no aspecto político quanto econômico com o fim de conquistar maior autonomia. Portanto, quando Hugo Chávez retorna aos ideais de Símon Bolívar para construir um novo quadro na América Latina, o presidente não utiliza somente do recurso de cultuar a figura de Símon

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Bolívar como herói, pois já é uma tradição na Venezuela devido possuir raízes históricas profundamente arraigadas na cultura local. Assim, “em 1872 o então presidente General Guzmán Blanco, decretou que todas as praças e ruas do período hispânico fossem rebatizadas com o nome de Simón Bolívar. O decreto ficou ultrapassado, mas o hábito sobreviveu”.1 Isto demonstra a freqüência de inúmeras praças, avenidas, centros comerciais, enfim vários monumentos dedicados à memória do libertador, inclusive o nome da moeda nacional é Bolívar, dentre outras referências. Mas Hugo Chávez não resgata o libertador somente nesse aspecto e sim o faz principalmente no que concerne à idéia de libertação da América Latina das amarras da globalização e do cenário de submissão, substancialmente no que diz respeito ao imperialismo norte-americano. Dessa forma, pretendemos com este trabalho analisar como o presidente Hugo Chávez resgata a figura de Simón Bolívar na construção da República Bolivariana da Venezuela e na integração Latinoamericana. Para tanto utilizaremos de diversas fontes como entrevistas e reportagens em revistas, além de livros que tratam da atuação de Hugo Chávez e de Simón Bolívar no cenário da América Latina. De acordo com Richard Gott observamos que: o exemplo de Bolívar foi particularmente útil para Chávez em sua avaliação do papel que a Venezuela poderia desempenhar nos assuntos do resto do continente. O seu propósito é reacender o sonho bolivariano, buscando a unificação política da América latina em novas bases: a integração interna de cada país.2

TRAJETÓRIA POLÍTICA DE HUGO CHÁVEZ Para compreender um pouco da trajetória política de Hugo Chávez e as suas propostas de governo é necessário observar a histórica de desigualdade social na Venezuela que apresenta uma oligarquia detentora de um padrão de vida muito alto, enquanto a maior parte da população está vivendo na pobreza. Em fevereiro de 1989, o presidente Carlos Andrés Pérez adotou um pacote de ajuste neoliberal que provocou uma enorme explosão popular. A crise econômica despontou uma crise política, a corrupção imperava, não se acreditava nos políticos e na política. Houve conflitos e repressão violenta por parte do governo que utilizou as forças armadas contra as ações da população. Na tentativa de dar respostas aos conflitos econômicos, sociais e políticos em que se encontrava a Venezuela, Hugo Chávez encabeçou uma tentativa de golpe militar em fevereiro de 1992, não teve êxito e foi preso, porém conseguiu ganhar prestígio entre os setores operários e populares, visto que, sua figura apareceu como oposição ao “sistema” que não mais correspondia aos anseios da grande parte da população. Em 1993, Carlos Andrés Peréz foi derrubado por mobilizações populares e acusações de corrupção. Depois de sua renúncia, as eleições foram ganhas por Rafael Caldera. Em 1994, por exigência popular Caldera libertou Chávez que foi eleito em 1998 e rebatizou o país na nova Constituição como República Bolivariana da Venezuela tendo entre os seus objetivos de governo a

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defesa da soberania nacional e da integração regional, ampliação da democracia e priorização dos interesses interesses dos trabalhadores e dos setores excluídos. Em abril de 2002 ocorreu uma revolução e uma contra-revolução no governo de Chávez, de um lado as forças do imperialismo que desejavam implantar um projeto neoliberal na Venezuela e do outro a disposição revolucionária das massas. Foi realizado um golpe em que alguns militares prenderem o presidente, anunciaram a sua renúncia e chamaram Pedro Carmona para ocupar o seu cargo. No entanto, não demorou muito para tal governo baseado em um golpe ser destituído. Os militares que não aderiram ao golpe e alguns segmentos da sociedade articularam-se e exigiram a volta do presidente ao poder para recompor o Estado. Em Caracas, milhares de pessoas tomaram as ruas, descendo novamente dos morros até os quartéis para pedir armas. Nas ruas montaram barricadas para enfrentar a polícia metropolitana. Houve tiroteios, panelaços, pedradas e disparos que vinham dos morros. Fecharam as avenidas com barricadas de madeira e pneus em chamas. Cercaram as redes de televisão e exigiram que se pusesse a verdade no ar.3

O golpe fracassou e Hugo Chávez foi restituído ao governo. No entanto, as tentativas para retirar o presidente do poder não cessaram e houve a organização de uma outra ofensiva. Um novo ataque que agora tinha como objetivo restringir a produção e a distribuição do petróleo e assim enfraquecer setores da economia e desestabilizar o governo, porém mais uma vez a tentativa de sabotar o governo de Hugo Chávez não deu resultados devido a ações ligadas a resistência de parcela da população que se organizou para manter em circulação gás, gasolina, e outros produtos de subsistência que tiveram sua comercialização comprometida. Houve acordos para cessar a situação e a partir de então, Hugo Chávez tomou medidas para garantir o controle sobre a indústria petrolífera. A terceira tentativa dos setores mais direitistas da burguesia nacional para tirar Chávez do poder foi o plebiscito revocatório de 2004 que tinha o intuito de realizar uma abordagem a respeito da continuação ou não do presidente no governo. Mesmo com o recolhimento de assinaturas de forma fraudulenta para solicitação do referendo, o presidente Hugo Chavez aceitou realizá-lo, mesmo sendo constatado as fraudes no seu processo de solicitação e conquistou a vitória mantendo-se no governo. O seu programa manteve-se em curso, assim como as ações para integrar a América Latina. Nesse contexto “o governo se fortaleceu, tanto nacional quanto internacionalmente. Ninguém mais pode negar o caráter democrático do processo bolivariano e o grande apoio popular a Chávez”.4 SIMÓN BOLÍVAR E HUGO CHÁVEZ NA INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA Para entender o que acontece na pátria de Simón Bolívar é preciso mergulhar pelo menos em um pouco da história desse líder tão presente nos discursos de Hugo Chávez. Simón Bolívar(1783-1830) é conhecido como “El libertador” por ser o principal agente da guerra de independência da Venezuela contra a monarquia espanhola, além de participar da libertação da Colômbia, do Equador, Peru e do alto

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Peru (Bolívia). Ele defendeu a idéia da república da Grande Colômbia, sendo esta pensada como uma federação que incluía todas as províncias espanholas da Venezuela, Nova Granada (Colômbia) e Quito (Equador), assegurando a união política da América Latina como garantia de desenvolvimento para os países latino-americanos conseguirem impor-se perante o poder da Europa e dos Estados Unidos. No entanto, o seu projeto de uma Grande Colômbia desintegrou-se por razões que vão desde a extensão territorial até a insolubilidade dos problemas políticos. “Houve discórdia no Peru, seguida de uma guerra entre a Colômbia e a Venezuela. Seus dois generais, Páez e Santander, brigaram e o ambicioso projeto de uma Grande Colômbia evaporou-se em 1828.”5 Diante desse quadro de instabilidade e da tentativa fracassada de união da América Latina, Bolívar considerou a América Latina ingovernável como um todo unificado. Bolívar tentou pela última vez assegurar a união política da América Latina em um congresso de países de língua espanhola, realizado no Panamá em 1826... A união política entrou na agenda, e os Estados presentes acertaram um plano para a força conjunta de mar e terra, mas todos os esquemas permaneceram em embrião. Tudo o que restou do Congresso do Panamá foi a visão do que deveria ser um dia.6

Hugo Chávez não compartilha dessa última idéia de Simón Bolívar, pois acredita na possibilidade de uma América Latina unida e está seguro que é possível colocar esta idéia em marcha. Assim, busca envolver na Venezuela as forças armadas em projetos de desenvolvimento, como na prestação de serviços sociais, na busca de soluções de problemas comunitários e na auto suficiência econômica apresentando uma nova organização social e política para os outros países vizinhos, sendo a Venezuela um “acelerador” no processo de integração da América Latina. Dentre as prerrogativas do presidente Hugo Chávez estão o apoio a iniciativas como o MERCOSUL, pois o considera como um passo na direção da união da América do Sul e um passo na direção da formação do que Bolívar chamava de um grande corpo político, para ter um equilíbrio com o norte, pois acredita ser necessário haver dois polos de força neste continente: norte e sul. Sugere a possibilidade de criação de uma moeda latinoamericana, bem como uma organização militar da América do Sul. Ainda nesta perspectiva, Hugo Chávez promove ações em conjunto com outros Estados Latino-americanos com o intuito de realizar integrações e fortalecer os Estados. Nesse contexto, as medidas tomadas por Chávez vem propondo projetos estruturantes de integração como a implantação da Telesul e de empresas como a Petrosul, que tem como objetivo realizar uma aliança energética e petroleira, com o grande gasoduto do sul. Ainda há propostas de outros projetos complementares de desenvolvimento nas áreas petroquímica e agroalimentares, projetos de habitação e projetos sociais. Além destas medidas, o presidente Hugo Chávez lançou por toda América Latina uma ofensiva diplomática, no sentido de intervenção para integração. Países como Cuba em que Chávez consolidou convênios de troca de barris de petróleo pela presença de médicos cubanos na Venezuela. Na República Dominicana firmou acordo para construir um aeroporto internacional, na área caribenha criou a Petrocaribe para ministrar barris de petróleo a vários países. Para o Brasil planeja construir a refinaria de Pernambuco com a Petrobras, além de construir um gasoduto entre os dois

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países. Quanto a Argentina também planeja a construção de um gasoduto e firmou um convênio de cooperação da indústria de navios. Sua ofensiva diplomática corre em paralelo com a sua influência em movimentos sociais e políticos do continente. Chávez há logrado llevar fuera de sus fronteiras sus ideas de un modelo alternativo de desarrollo basado en cooperativas, la distribución de tierras, un capitalismo con rostro humano en un marco normativo propio, um proyecto político original, no copiado de Europa. Chávez buscaba posicionarse como um líder del multipolarismo y del antineoliberalismo en el mundo, y lo ha conseguido.7

CONCLUSÃO Sua proposta de governo tem desencadeado, desde o principio, o descontentamento por parte da elite branca do país, de generais do exército e de homens de negócios conservadores, mas por outro lado Hugo Chávez tem o apoio da população, que vê a partir de programas sociais, conhecidos como missões, que alguém se preocupa com as suas necessidades referentes a habitação, escolas, hospitais, dentre outras. Percebe-se assim, que através destas medidas sociais o triunfo de Chávez foi possível sobre a oposição interna e externa. Dessa forma vem se mantendo no poder com o apoio do povo, que encontra uma identificação com Hugo Chávez a partir de suas reivindicações que estão sendo supridas agora melhor que antes, bem como uma identificação nacional que vai de encontro com a imagem de Simón Bolívar, utilizada pelo governo como exemplo em seus programas sociais, econômicos e políticos. Devemos considerar Chávez não como um ditador, mas um presidente eleito que vem implantando uma política diferenciada de seus antecessores, pois busca o apoio e a participação de setores antes excluídos da política e da sociedade para ajudar na organização do seu governo. Inclusive, uma das suas medidas é o incentivo à população para a familiarização da Constituição implantada em seu governo no sentido de ressaltar seus direitos e deveres na sociedade. Além disso, busca uma ligação sólida com os vizinhos da América do Sul no que remete aos pensamentos de Simón Bolívar colocados nos seus discursos e ações. Mesmo que Bolívar tenha morrido sem ter conseguido concretizar seu sonho, Hugo Chávez abre caminhos para que as sementes de mudança possam ser plantadas e colhidas pelas próximas gerações que agora podem ver a possibilidade da formação de uma outra América Latina. Segundo Cháves “estamos há 200 anos tentando mudar e recebendo agressões dos EUA. Agressão de diferentes maneiras, desde os tempos de Bolívar. Chamavam Bolívar de “o perigoso louco do sul”. Bolívar disse várias frases sobre os Estados Unidos, foi um dos precursores do antimperialismo na América Latina”. Certa vez ele escreveu: “cuidado, porque a cabeça deste continente há uma nação muito grande, muito forte, muito hostil e capaz de tudo”.8 Por fim, Hugo Chávez considera que a Venezuela até pouco tempo antes do seu governo era uma “colônia” dos Estados Unidos, sobretudo pela exploração do petróleo e das reservas energéticas, mas em seu governo há uma luta para modificar este quadro e a independência vem sendo reconhecida

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através de confrontos, agressões e violências que no entanto estão fortalecendo o país e mostrando aos outros países da América Latina que outros países da América Latina que uma nova ordem é possível. NOTAS UCHOA, Pablo. Venezuela: A encruzilhada de Hugo Chávez. São Paulo: Globo, 2003, p. 103. 2 GOTT, Richard. À Sombra do Libertador: Hugo Chávez Frias e a transformação da Venezuela. São Paulo: Expressão Popular, 2004, p. 137. 3 Quatro décadas de luta revolucionária in Marxismo Vivo, revista de Teoria Política Internacional, São Paulo, 2004, p.63. 4 HARNECKER, Marta. Um Homem, Um Povo. São Paulo: Expressão Popular, 2004, p.249. 5 GOTT, Richard. À Sombra do Libertador: Hugo Chávez Frias e a transformação da Venezuela. op. cit., p. 147. 6 Id. Ibidem. p.147. 7 “El hombre del anõ” in Semana. Bogotá: dezembro-janeiro, 2005/2006, p.32. 8 “Nada muda sem Choque” in Carta Capital, 1 de fevereiro de 2006, p.26-27. 1

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