1ª EDIÇÃO
VIDEOARTE DEZ 2015
Expediente Revista Artefato Editor e diretor responsável: Lucas Lira Redatora-chefe: Bruna Pimentel Editoras-assistentes: Aline Lorenzini e Laís Menezes Revisão: Aline Lorenzini e Lucas Monteiro Editor de arte: Lucas Lira Assistentes de arte: Bruna Pimentel e Laís Menezes Diretor financeiro: Lucas Monteiro Gerente administrativa: Lucas Monteiro Colunistas: Aline Lorenzini, Bruna Pimentel, Laís Menezes, Lucas Lira e Lucas Monteiro. REVISTA ARTEFATO é uma publicação digital gratuita sobre arte, realizada por estudantes de Teoria, Crítica e História da Arte da Universidade de Brasília. ARTEFATO ONLINE www.issuu.com.br/revistaartefato www.twitter.com/revistaartefato www.facebook.com/revistaartefato Edição Nº 1 - DEZ/2015 - ANO 1
EDITORIAL
A revista Artefato nasceu do desejo de levar ao público trabalhos e artigos acadêmicos dos estudantes do curso Teoria, Crítica e História da Arte. Com conteúdo bastante diversificado oferecemos um espaço para a divulgação da produção acadêmica em História da Arte, visando contribuir para a ampliação do repertório cultural do leitor. Nesta edição você poderá viajar em assuntos que vão desde a Idade Média até a Arte contemporânea, com resenhas de textos como ‘Os feudais’, de Georges Duby; artigos como ‘A palavra inscrita na obra’; ensaios variados e críticas de exposições, entre outros trabalhos. Com especial destaque à matéria referenciada na capa, abordaremos a Videoarte, uma manifestação artística da Arte Contemporânea, que poucos sabem a respeito. Com esta publicação você descobrirá que ela surgiu nos anos 1960, com o artista coreano Nam June Paik, e propôs criar um diálogo crítico contrário aos meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, denunciando o domínio exercido sobre seus telespectadores e a influencia que esta gerava sobre a sociedade. Nossa intenção aqui foi reunir conteúdos vastos e inteligentes em um formato moderno, com design arrojado, que refletisse melhor a essência da revista: arte. Esperamos que você, nosso leitor, aprecie o material que produzimos com tanto empenho para as próximas páginas. Aproveite!
Sumário
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ARTIGO_
A Vanguarda e Duchamp, segundo a teoria de Bürger
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RESENHA_
Michelangelo, por Anthony Blunt
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CRÍTICA/EXPOSIÇÃO_
“Rembrandt e a Figura Bíblica”
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ARTIGO_
O inferno são os outros, a construção da dimensão moral do protagonista da novela “Nada me faltará”
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RESENHA_
O Tempo das Catedrais, “Os feudais” de Georges Duby
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ENSAIO_
Arte e Literatura, no Século das Luzes
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RESENHA_
Panofsky, Iconografia e Iconologia
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CRÍTICA/EXPOSIÇÃO
Ciclo: Criar com o que Temos
39_
ARTIGO
A palavra inscrita na obra, Intertextualidade nas artes plásticas a partir do séc. XX
46_
Linha do Tempo
Linha do tempo sobre Arte e literatura
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ENSAIO
Questão Colocada, Didi-Huberman
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ANÁLISE
Mulheres de Argel, Eugène Delacroix
58_
RESENHA
Leonardo e os filósofos, ‘Introdução ao método de Leonardo da Vinci’ Paul Valéry
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CAPA
Videoarte e sociedade
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REF. BIBLIOGRÁFICAS
Carta ao leitor
Sem precipitações
E
m contraposição às nuances que a academia tanto produz sobre os assuntos, que geram epifanias sobre como não se quer gastar a vida daquela forma, é possível identificar também uma apatia considerável nos ouvintes de aulas que engolem diariamente lições e afirmações extremamente infundadas, e que não esboçam nenhuma disposição para questionar e explorar qualquer casualidade entre os fatos. Repetidas vezes encontramos, durante nossa educação, pessoas que te dão fatos mastigados no nível mais básico, e talvez por um adestramento internalizado desde o primeiro ano do ensino fundamental, essas afirmações passam direto entre um ouvido e outro, sem estabelecer qualquer raiz em nossas consciências. Mas isto caracteriza um prejuízo imensurá- vel para uma formação produtiva, indiferente do fato de ser dedicada à academia ou não. E devido à ignorância de deixar esses fatos de lado, torna-se mais popular o mau uso de “desconstrução”, “reflexo” ou mesmo “enquanto”. Deixamos que os erros se perpetuem, ensinamos, graças a uma convicção inabalável, coisas erradas do jeito mais natural. Autores se chocalham em
seus túmulos, as notícias se pervertem com mais facilidade, a sociedade se enfraquece, e o conhecimento se fortalece como rara commodity. Ouvir em toda aula que questionar é um dever não acontece por acaso. Existe uma tradição que deve parar de escravizar as pessoas que apenas acei-tam, e que são elas que detém o poder para realizar isso. E esse trabalho não é apenas um programa de esclarecimento para os outros, pois a ação interna é essencial: ao assumir que não sabemos algo e ao desenvolver o interesse de procurar mais informações. Largar o apud e citar da primeira fonte, ir além da página três do Google, autenticamente procurar. Normalmente, os instrumentos para isto estão abertos ao público, porém definham em completo abandono. É importante esclarecer que existe muita gente disposta a ajudar nesse exercício, e que isso deve ser reprodu- zido. Atribuições precipitadas, estabelecer paralelos sem devida investigação das coisas é bastante problemático, e, se não notada, fragilizará cada dia mais a educação, que pelo menos no Brasil já é bastante precária. Lucas Monteiro Colunista
ARTIGO
por
Lucas Lira
PETER BÜRGER | A TEORIA DA VANGUARDA
A Vanguarda e Duchamp
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Peter Bürger, em “Teoria da Vanguarda”, inaugura um programa teórico referencial que tem por objeto os movimentos históricos de vanguarda. Através de um diálogo estabelecido com teorias estéticas de importantes filósofos, são definidos critérios e conceitos para uma nova compreensão da vanguarda num sentido histórico de seu desenvolvimento.
A
teoria acerca dos movimentos históricos de vanguarda formulada pelo professor de literatura, crítico literário e teórico da arte alemão Peter Bürger está centrada na investigação teórica e científica do projeto vanguardista de um retorno da arte à práxis vital através da destruição da instituição arte, na qualidade de aparelho de produção e distribuição da arte substancialmente dissociado da práxis de vida. Por intermédio desta teoria, Bürger tenciona facultar às análises e estudos relacionados aos movimentos de vanguarda um marco categorial alicerçado no desenvolvimento histórico da arte na sociedade burguesa. Ao colocar em evidência pela primeira vez o status da obra de arte na sociedade burguesa do capitalismo avançado, a vanguarda rejeita inteiramente o conceito de autonomia da arte, ou seja, a arte como produto de
uma individualidade autônoma e separada do meio social (conceito tratado por Bürger em dois níveis: o conceito de l’art pour l’art e o conceito de uma sociologia positivista). Apesar de falhar com sua intenção fundamental (a destruição da instituição arte), a vanguarda não foi uma revolução frustrada, uma vez que suas consequências mudaram radicalmente o curso da história da arte, através da dissolução do conceito tradicional de obra artística, e impossibilitaram, dali em diante, o estabelecimento de um programa estético com pretensões de validade geral. O conceito de práxis vital, em Bürger, é tratado como a racionalidade dos fins da vida prática burguesa (BÜRGER, 2008, p. 97). Ou seja, uma racionalidade instrumental, fundamentalmente pragmática, que se dirige ao arranjo dos meios para consecução dos fins e compreende todos os aspectos da vida cotidiana da sociedade burguesa. Esta
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práxis vital burguesa é totalmente rejeitada pelos movimentos históricos de vanguarda, que a consideravam como uma limitação estrutural a um novo tipo de arte de natureza social proposto por eles (diferente da arte esteticista, fechada em si), por esse motivo, uma das intenções primordiais da vanguarda era a organização de uma nova práxis vital, ordenada a partir da arte. Somente através disto a sociedade estaria preparada para compreender e dialogar com as novas produções da arte moderna, que romperam de maneira radical com os princípios e regras da instituição arte. A teoria da vanguarda é abordada a dois níveis em Bürger, o primeiro se refere à intenção dos movimentos históricos da vanguarda e o segundo ocupa-se da descrição das obras de vanguarda (BÜRGER, 2008, p. 149). A intenção do projeto vanguardista pode ser entendida como a destruição da instituição arte enquanto esfera desprendida da vida prática burguesa e a obra vanguardista é caracterizada como criação inorgânica, destituída de uma visão totalizante (as partes são independentes do todo) e resistente a interpretações de sentido. Em oposição à obra de vanguarda, a obra de arte tradicional (ou orgânica) possui uma estrutura sintagmática, ou seja, a ideia de totalidade domina as partes, que por sua vez é subordinada pela unidade. Nela, a parte e todo estão unidos sem mediações e são interpretados através do círculo hermenêutico (o todo só é compreendido pelas partes e estas pela totalidade da obra). A condição fragmentária das criações vanguardistas, onde as partes não estão sub-
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metidas a uma intenção de obra, revela uma negação de sentido intimamente ligada ao principal recurso provocativo utilizado pela vanguarda em relação ao público, o choque. Enquanto consequência direta pretendida pelo artista na criação da obra inorgânica, o choque pode ser entendido como estímulo promotor de transformação da práxis vital do receptor. Ao deparar-se com a falta de sentido e unidade da obra de vanguarda, espera-se criar no receptor um questionamento a respeito de suas concepções estéticas e, com isso, provocar uma mudança de atitude com relação a sua vida cotidiana e a maneira como pensa arte. MARCEL DUCHAMP E A VANGUARDA
Tendo em consideração a figura proeminente de Duchamp em relação aos movimentos históricos de vanguarda, em especial ao dadaísmo, é importante ressaltar que sua importância, numa perspectiva “burgüeana” de vanguarda, reside no fato de ter sido um precursor ousado no processo de destruição das concepções tradicionais de arte com o estabelecimento de uma obra inorgânica como modelo ideal para a sociedade burguesa do século XX e, sobretudo, no seu compromisso vanguardista de reaproximar a arte da práxis vital. Nesta perspectiva, a análise a cerca das obras vanguardistas de Duchamp realizada pela teórica, crítica de arte e professora americana, Rosalind Krauss, em seu livro “Caminho da escultura moderna”, contribui significativamente para a consolidação do artista francês como o mais notável iconoclasta
A natureza ir么nica e questionadora dos seus ready-mades 茅 evidenciada como incisiva no processo de desnudamento do sistema da arte em todo seu funcionamento institucional e ideol贸gico.
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da arte moderna e na definição de seu procedimento conceitual de arte como traço incontornável do movimento vanguardista. De todos os movimentos históricos de vanguarda, o mais radical e inovador foi o dadaísmo. Justamente por não criticar tendências artísticas precedentes, mas por determinar como alvo de suas críticas todo o aparelho de submissão da arte, definido pela instituição arte. Duchamp, enquanto dadaísta, foi precursor na geração de uma exigência que só poderia ser satisfeita mediante a criação de novos meios técnicos. Através de suas manifestações extremas, ele não só rejeita um processo artístico específico, mas toda a arte produzida em seu tempo, promovendo assim, uma ruptura profunda com a tradição. Também é possível notar certa generalização no modo de recepção na intenção dadaísta de chocar o público com suas manifestações artísticas, que tem por característica principal a negação da recepção individual da arte. OS READY-MADES
A criação individual de obras únicas, que é o pressuposto de uma arte legítima desde o Renascimento, é posta em cheque por Duchamp de maneira provocativa. Por não ser resultado de uma produção individual, o ready-made nega-se como obra para se estabelecer como o próprio ato de provocação. A assinatura, enquanto registro que determina a individualidade da obra, é desprezada por Duchamp por representar para a instituição arte uma espécie de complemento ao valor intrínseco da obra, isto é, a assinatura vale tanto mais que a qualidade do objeto artístico. “O porta-garrafas assinado, seu primeiro ready-made, foi transplantado do mundo dos objetos ordinários para o domínio da arte pelo simples fato de ter sido assinado pelo artista” (KRAUSS, 2007, p.88). Com isso, Duchamp não só desvaloriza o mercado de arte por ser uma organização de princípios questionáveis, mas contesta severamente o status de autonomia da arte na sociedade burguesa do capitalismo avançado (status que é a condição de possibilidade da arte nessa sociedade, princípio fundador da instituição arte segundo o qual a arte só pode ser entendida como tal estando descolada da práxis vital).
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É necessário sublinhar que uma leitura do sentido das provocações artísticas de Duchamp não pode ser realizada pela totalidade de forma e conteúdo do objeto, mas somente mediante a oposição entre o ready-made (objeto industrializado) e os aspectos legitimadores da arte na sociedade burguesa (a assinatura e as exposições de arte). Sendo o trabalho de Duchamp comprometido com a recusa de uma análise puramente formal, comprova-se o fato, de acordo com Krauss, de que sua produção artística não se destina ao exame formalista, mas à investigação pormenorizada do “próprio ato da transformação estética” (KRAUSS, 2007, p.98). Rosalind Krauss expõe os ready-mades como “parte do projeto de Duchamp para fazer determinados tipos de movimentos estratégicos que iriam levantar questões sobre a natureza exata do trabalho na expressão ‘trabalho de arte’” (KRAUSS, 2007, p.91). Por conseguinte, o ready-made, na qualidade de achado aleatório que tornava concreto o intento vanguardista de ligação entre arte e práxis vital, representa a principal contribuição de Duchamp à arte dos movimentos históricos de vanguarda, mais especificamente, ao dadaísmo. Sendo uma prática artística totalmente incomum e revolucionária, onde se fazia uso de produtos industriais de finalidade estritamente prática e de uma estética neutra (beleza da indiferença), o ready-made deriva sua identidade como arte do deslocamento de sentido operado pelo artista na sua composição e na escolha de seu nome.
Marcel Duchamp Porta-garrafas (ready-made). 1914 Galeria Schwarz, Milão
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RESENHA por
Aline Lorenzini
Michelangelo Anthony Blunt
Michelangelo Buonarroti David, 1501-1504 Academia de Belas Artes de Florença
A
nthony Blunt, professor de História da Arte na Universidade de Londres e um dos grandes historiadores da arte europeia, em seu estudo sobre a Teoria Artística na Itália aborda a vida e a arte de alguns artistas da Renascença. Esse trecho que escreveu está explícito no início do quarto parágrafo do capítulo cinco, que fala exclusivamente sobre Michelangelo Bounarroti, um dos principais pintores do período. Para discorrer sobre seus feitos e sua arte, Blunt, utiliza de fontes de artistas contemporâneos a este, como a biografia feita por Vasari e de diversos poemas que o próprio pintor escreveu. Além de Vasari, Blunt utiliza em seu
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estudo sobre Michelangelo informações e documentos deixados por Francisco de Hollanda, um pintor que fez parte do círculo de artistas ligados a Michelangelo, como disse o autor, e por Ascanio Condivi, discípulo do mestre, e que escreveu uma de suas biografias. Contudo, em seu trabalho, Anthony Blunt não abrange a total história de vida de Michelangelo, como seu nascimento, sua família e a educação que teve. Discorre em seu capítulo apenas a arte que o pintor renascentista praticava e o contexto político-social que vivia e que consequentemente interferia e influenciava a sua arte. Afinal como o próprio autor afirma, Bounarroti viveu muitos anos
e teve muitas fases, e são dessas fases que o Nessa época o cristianismo e o paganisautor se preocupa em dissertar. mo estavam entrelaçados em sua arte, pois A primeira fase, que o autor propõe Michelangelo utilizava as formas de deuses do artista, foi um período em que a Europa, pagãos para fazer as figuras da Capela Sistiprincipalmente a Itália, vivia o Alto Renasna, por exemplo, porque para ele os dois cimento e Roma, onde Michelangelo vivia, tipos de fé eram verdadeiras. prosperava cada vez mais e era importante Entretanto, o fim da primeira fase politicamente, isso vai até 1530. Durante se deu quando a Reforma que Martinho essa fase Michelangelo se dedicava inteiraLutero propunha dividiu a Igreja, e assim mente a beleza, e para o poder do Papa se alcançá-la dependia de enfraqueceu. Desse Em seus poemas conhecimento e estufato, surge a segunda Michelangelo reflete sobre dos detalhados da nafase de Michelangelo, o amor à beleza divina e tureza e da anatomia em que ele se firma sobre a contemplação humana. Contudo, fortemente em sua feita ao que é belo. não acreditava na imreligião, não de uma itação ou cópia fiel a forma fanática, mas essa natureza, o belo, segundo o artista, era comprometida. Ele desejava um catolicisretirado das melhores partes da natureza, mo novo e espiritualizado, que não extine não dela inteiramente. Ele selecionaria guissem os preceitos da Igreja Romana. as melhores partes para formar um todo Devido a essa nova perspectiva sua arte perfeito. E somente a imaginação era cafoi se modificando, ele começa a deixar paz de tornar a beleza natural ainda mais de prezar pelo mundo físico, valorizanbela, pois a mente aprimorava o que os do principalmente o interior, que seria a olhos enxergavam, e dessa maneira julgaalma e o espírito. Um exemplo claro que va que a beleza era o reflexo do divino no o autor aplica é o afresco do Juízo Final mundo material. Em sua concepção Deus e a Capela Sistina. No último exemplo as se revelaria para o homem por meio da befiguras bíblicas são belas e perfeitamente leza, então, só existiria beleza interior, da acabadas, proporcionais e detalhadas fisialma, se o exterior fosse igualmente belo. camente, são graciosas, enquanto que no
[Detalhe] Michelangelo Buonarroti Juízo Final, 1535-1541 Capela Sistina
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[...] sua arte não se torna mais imitação ou mimese da natureza, mas a imagem do que surge em sua mente, em seu interior. A ideia na mente do artista seria muito mais bela e graciosa do que na obra pronta.
primeiro caso o pintor não se preocupa tanto com o acabamento, as figuras são pesadas e desajeitadas, desproporcionais, negligenciando os princípios fundamentais do Renascimento, revelando uma arte com caráter expressivo e de profunda espiritualidade. Michelangelo passa a se importar em transmitir a ideia e não como será o resultado, rompendo com as práticas dos humanistas, muito frequentes em suas obras da primeira fase. De acordo com Michelangelo, o amor não é só dirigido às qualidades espirituais, mas também tem o efeito de elevar, por meio da beleza, a mente humana a uma contemplação da beleza divina, e logo à comunhão com o próprio Deus. Esse amor é provocado pala visão, considerado por ele e pelos neoplatônicos o mais nobre dos sentidos, e é somente pelo olho que o artista é estimulado a criação e o espectador à admiração da beleza divina. Portanto, nesse estágio de sua arte, Michelangelo considerava Deus como a origem do que é belo. Suas pinturas passam a ter uma
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função religiosa, são elaboradas com tanta graça e austeridade que é capaz de tocar o espírito até daquelas pessoas menos devotas. A partir disso sua arte não se torna mais imitação ou mimese da natureza, mas a imagem do que surge em sua mente, em seu interior. A ideia na mente do artista seria muito mais bela e graciosa do que na obra pronta, por isso muitas vezes Michelangelo ficava insatisfeito com o resultado final de suas obras. Essa ideia que viria na mente era a inspiração divina, segundo a crença de Bounarroti. Nos últimos 15 ou 20 anos de sua vida, comenta o autor, foi o último estágio na arte do artista. A Igreja estava mais firme na sua oposição ao Protestantismo e assim tomou medidas mais duras, e Michelangelo assume um misticismo com caráter mais introspectivo, como afirma Blunt. O exemplo que o autor emprega é a escultura de mármore Pietà de Rondanini, que não apresentava mais nenhuma qualidade corpórea, simbolizando uma ideia apenas visual que o artista queria passar.
Suas obras passam a retratar as características centrais da fé cristã, como a paixão de Cristo pelos homens. Afasta-se totalmente dos temas Clássicos, que ainda utilizava em sua primeira fase. O mesmo acontece em suas obras literárias, abordando temas cada vez mais espirituais, com um grande sentimentalismo cristão. Foi capaz de rejeitar qualquer amor mortal, não acreditando mais na beleza humana como representação do divino, começa a temê-la como uma tentação e distração mundana. Ou seja, acaba se voltando contra toda a arte que ele antes praticava. Fra Angelico era seu exemplo supremo de artista que pintava com o coração puro, capaz de expressar devoção e reverência, o que não acreditava fazer o mesmo, pois achava que seu coração não ser bem-intencionado. Michelangelo por fim, queria desejava abandonar o mundo todo e se apegar somente a Deus, desacreditando em qualquer tipo de amor mortal. Trata-se de um texto bem trabalhado por Blunt, muito útil para conhecer mais as características artísticas de Bounarroti. Não é um texto que fala sobre como são feitas as obras, os materiais utilizados e o modo de produção, versa principalmente sobre o campo teórico da idealização e pensamentos que o artista tinha para executar seus trabalhos.
Michelangelo Buonarroti Pietà Rondanini, 1552-1564 Castello Sforzesco, Milão
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CRÍTICA
EXPOSIÇÃO
“Rembrandt e a Figura Bíblica”
por
Bruna Pimentel
Exposição gratuita reúne 78 obras do pintor holandês Rembrandt no Museu dos Correios.
R
embrandt sobrepõe uma interpretação própria à narrativa tradicional da obra. Influenciado por Caravaggio, Rembrandt busca tornar o religioso mais próximo do mundo, retratando cenas religiosas de forma mais mundana, além de atribuir à verdade e à franqueza um valor muito mais alto que à harmonia e à beleza, algo que chocava as pessoas habituadas às belas figuras da arte italiana. Esse fato pode ser observado, por exemplo, através das figuras dos cambistas, na obra Cristo
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Rembrandt van Rijn Cristo Pregando ou A Gravura dos Cem Florins, 1648
Expulsando os Cambistas do Templo, que são retratadas por Rembrandt como figuras de aspecto pobre, triste, e apresentando uma certa fealdade. O próprio Cristo é retratado por Rembrandt portando vestes humildes, acentuando o caráter do sagrado como algo ligado ao mundano. Na realidade, o fato de o artista, em uma cena religiosa, estar mais preocupado em retratar a verdade, mesmo que ela seja feia, ao invés de se consumar na beleza, mostra como ele trata o religioso como algo mundano, relacionado aos humildes, às
verdadeiras pessoas que Cristo pregara. Outro fato que contribui para sobrepor a interpretação do artista em relação às narrativas tradicionais é o fato de Rembrandt ser capaz de penetrar no fundo da alma de todos os tipos de homens, de saber como se comportariam em qualquer situação prevista. Como protestante convicto, Rembrandt provavelmente leu a bíblia inúmeras vezes, sendo assim, ao retratar a cena presente nessa obra religiosa na qual Jesus expulsa os cambistas do Templo, ele retratou sua interpretação individual do ocorrido, penetrando verdadeiramente no espírito de tal episódio, arquitetando e visualizando exatamente como teria sido a situação, para, desse modo, conferir tal emoção à cena. CRÍTICA DE OBRAS
A obra ‘Cristo Crucificado Entre Dois Ladrões: As Três Cruzes’, de 1653, apresenta grande dramaticidade. O maior efeito com sentido dramático empregado pelo artista é, talvez, a forma como ele usa a técnica do chiaroscuro para dar ainda mais poder ao tema religioso, fazendo com que o fruidor seja ainda mais comovido. O fato de, nesta cena bíblica tão imponente do maior sacrifício, a luz vir diretamente do céu faz com que a cena retratada ganhe um poder dramático ainda maior, sobrenatural e espiritualizado. Essa luz de caráter transcendente que emana do céu destaca Cristo, colocando-o como o centro da obra, além de determinar uma espécie de linha divisória entre os discípulos de Cristo – o lado do bem, da luz, da redenção e do espírito –,
A seleção de 78 obras está dividida em dois módulos: cronologia da vida e obra do artista; e seus trabalhos dedicados aos temas bíblicos.
que aparecem iluminados, e os incrédulos – o lado do mal, das trevas –, que aparecem cobertos pelas sombras. A dramaticidade da obra também pode ser evocada pela ênfase de Rembrandt na expressão e nos gestos das figuras, ambos apelando à emoção, principalmente na expressão corporal da figura de Cristo e da figura do ladrão crucificado à esquerda. Outro efeito de dramaticidade também pode ser visto no fato de o artista raspar algumas imagens e construir outras por cima, deixando o vestígio das gravações anteriores. Na obra Cristo Expulsando os Cambistas do Templo, de 1635, a dramaticidade também pode ser vista pela técnica do chiaroscuro. A partir dessa técnica, Rembrandt ilumina a figura de Cristo, de maneira a destacá-la e colocá-la como centro do equilíbrio da obra. Porém, o maior efeito dramático da composição talvez seja
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a forma como o artista integra as figuras tempo aterrorizadas das outras figuras da entre si. A partir da grande quantidade de cena, enfatizando, assim, a emoção que a diagonais, Rembrandt faz com que a obra obra provoca no fruidor. Um outro efeiapresente grande movimento, no qual a to de cunho dramático presente na obra é fluidez se dá pela forma pela qual as figuras a questão de existir, misturando-se com a se comunicam, tanto entre si como com o paisagem, uma espécie de cortina, no lado espaço, formando uma espécie de “onda”. esquerdo da parte de cima da composição, Essa fluidez do movimento das figuras gaconferindo-lhe um caráter teatral, já que se rante a unidade da obra, além de provocar assemelha a um cenário de teatro. certa tensão, causada por essa ideia de caos. A ideia mais forte transmitida pela A grande quantidade de figuras e de plaimpressão de conjunto da imagem na obra nos presentes na composição também conCristo Expulsando os Cambistas do Temtribuem para essa ideia plo, de Rembrandt, é de confusão e de caos, a do caos. Rembrandt É importante ressaltar o enfatizando o seu efeiapresenta, em sua grafato de que, em todas as to dramático. A obra vura, uma quantidade obras citadas, os efeitos também apresenta um muito grande de figde sentido dramático drama emocional, cauuras, dividindo-as em sado pelos gestos e pela três planos distintos. utilizados por Rembrandt expressão das figuras, A ideia de caos enfatizam a carga narrativa observados, por exempresente na obra é e, principalmente, a carga plo, na gestualidade de ainda ressaltada pelo verdadeiramente humana. Cristo e na expressão fato de ela apresentar de medo e sofrimento uma mistura de anido senhor abaixado que o olha à sua esquerda. mais, objetos e figuras humanas, além de A técnica do chiaroscuro presente na grande quantidade de diagonais, que conobra A Ressurreição de Lázaro: Placa Grande, ferem grande fluidez e movimento à comde 1632, apresenta grande efeito dramático. posição, formando uma espécie de “onda” Ao incidir na direção de Lázaro, a luz dá desesperadora e confusa, principalmente à sagrada cena uma certa espiritualidade, ao se observar o primeiro plano. Porém, além de destacar o milagre feito por Jesus. talvez esses sejam todos artifícios usados pelo Ainda que esteja levemente de costas, a artista para enfatizar o maior motivo causaposição da figura de Jesus possui grande dor da impressão de caos da obra. A ideia de imponência e majestade, e o gesto de sua confusão caótica reside exatamente na ira da mão confere-lhe uma sensação de poder ainfigura de Jesus, que, com um chicote feito de da maior. Rembrandt também deu grande duas cordas, expulsa aqueles que tornaram importância para as expressões – tanto faciais um local sagrado em uma cova de ladrões, quanto gestuais – espantadas e ao mesmo através de suas atividades comerciais.
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Rembrandt van Rijn Cristo Crucificado Entre Dois Ladrões: As Três 19 Cruzes, 1653
por
Lucas Monteiro e Roberto Lima
ARTIGO
O inferno são os outros
A construção da dimensão moral do protagonista por meio de diálogos na novela “Nada me faltará”
E
m um tour-de-force de desconfiança, Lourenço Muttarelli trás em sua obra a discussão de um paradoxo da literatura contemporânea: em quem acreditar. Paulo, protagonista da história, é o principal suspeito de assassinar sua esposa e filha em uma viagem. Pelo menos é isso que todas as conversas entre mãe, amigos, policial e até mesmo o psicólogo o qual tentou fazer uma análise sugerem. No entanto, nas pou-
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cas vezes que a personagem se expressa, há apenas vazio, alívio e nada mais. Há um trabalho de correlação e causa-e-efeito pelo enredo que aponta claramente a postura dos personagens pela obra, mas que não coloca em evidência o real acontecimento. A obra suscita a dúvida no leitor, mas mais que isso, apresenta de maneira bem fiel o funcionamento de uma sociedade que julga rapidamente sem evidências.
Na interação entre obra e leitor, o um psicólogo que tenta realizar regressão protagonista Paulo é formado mais pela para buscar fatos ocorridos em seu sumiço opinião alheia do que pelos próprios atos e e de um investigador que suspeita que ele expressões. Ele é, até certo ponto, construído tenha cometido homicídios. pelos outros, assim como o homem ideObviamente, o personagem é reinserial do filme “para não falar de todas estas do na sociedade, ainda que forçadamente, e mulheres”, de Ingmar Bergman. unindo sua amnésia lacunar ao seu desconforto originado da falta de compreensão das Esta novela consegue reproduzir com bastante acurácia uma sensação comum pessoas que mantém contato sobre seu estatransmitida pelos meios de comunicação do, muito sofrimento surge nas tentativas de atuais: que certas informações são mais reinserção e das especulações a seu respeito. reais que outras, No entanto, ele principalmente não explica muiA novela corpus deste artigo é “Nada quando bem to sobre si, e boa Me Faltará” (2010) do autor brasileiro manipuladas. Diparte de que se Lourenço Mutarelli. Seu enredo consiste versas influências pode conhecer de no retorno, após um ano completo de socioculturais esPaulo advém das desaparecimento, do protagonista Paulo, tão inseridas nesalteridades presa ideia. Então, sentes ao decorà sua cidade natal. ao discutir sobre rer do texto. É a partir deste ponto que será feita a referida Nada Me Faltará, é possível discutir sobre as dimensões sociais, econômicas e culturais análise. O método consiste em uma análise do Brasil contemporâneo à obra. qualitativa do enredo, lido cuidadosamente O episódio que antecede o incidente a fim de capturar indícios em diálogos que seria uma viagem com a esposa e a filha para visam explicar a postura de Paulo sobre o o interior. Os fatos intrigantes emergem por fatídico episódio, seu retorno e sua nova Paulo ter retornado sozinho, precisamente vida ainda em adaptação. um ano depois, e sem a memória desta fase. O livro conta apenas com diálogos diretos, REVISÃO DE LITERATURA estruturados em parágrafos que só permitem a compreensão das conversas dado seu enA ficção de Mutarelli discutida neste cadeamento lógico. Os secundários que artigo apresenta esse enredo sem um narconheciam Paulo passam a conversar entre rador preciso, mas de fácil reconhecimento si, e com o próprio protagonista, sobre as do protagonista. Ainda que curto e bastante possíveis situações que ocorreram envolvenpreciso, a personagem principal é complexa, do seus sentimentos, suas ações e seu futuro. dotada de várias características. As que serão O reaparecimento de Paulo é acompanhado discutidas são suas características morais, não só pela mãe e amigos, mas também de que “implicam em julgamento, isto é, em
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dizer se o personagem é bom ou mau, se é honesto ou desonesto, se é moral ou imoral, de acordo com um determinado ponto de vista” (GANCHO, 2002, p.18). Assim como Culler (1997) sugere que o leitor se forma graças às alteridades presentes no texto, a compreensão e construção da identidade, nesta obra, dependem bastante do contexto em que está inserida – discussão esta que permeia teorias literárias há bastante tempo. Lyotard (1979), por exemplo, argumenta que os critérios que regulamentam as afirmações sobre o conhecimento derivam de discretos “jogos de linguagem” dependentes de um contexto, e não de regras ou normas absolutas. Essa dependência do contexto se manifesta principalmente nas ideias dos personagens secundários sobre os ocorridos, muitas delas se focando principalmente na violência. Pellegrini (2004) afirma que: “É inegável que a violência, por qualquer ângulo que se olhe, surge como constitutiva da cultura brasileira, como um elemento fundante a partir do qual se organiza a própria ordem social e, como conseqüência, a experiência criativa e a expressão simbólica, aliás, como acontece com a maior parte das culturas de extração colonial. Nesse sentido, a história brasileira, transposta em temas literários, comporta uma violência de múltiplos matizes, tons e semitons, que pode ser encontrada assim desde as origens.”
Este enredo é bastante realista, de acordo com a concepção de Pellegrini, ao retratar ideologias, contexto histórico, mentalidades e mesmo ações realizadas pelos próprios per-
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sonagens ao decorrer da narrativa que são próprias ao seu tempo. Porém, a obra não deixa evidências reais do que aconteceu, e muito do que será compreendido depende apenas da relação entre o leitor e a obra. Essa falta de correspondência, como trabalhada por Iser (1999), mostra que o texto não tem todo o poder de entregar um fato já engessado, e aqui se estrutura o suspense e os conflitos nesta ficção. Fugindo de um padrão como observado por Miranda em seu artigo “A amnésia no campo minado” (2011), a amnésia desta personagem não é colocada como pretexto para o resgate de lembranças e reconstrução de memórias. O que ocorre em Nada Me Faltará é uma sobreposição de sugestões, projeções de dramas, assim como faz a mídia em busca de demonizações e inserção de ideias em seus espectadores (ECO, 1984). Passagens em que o protagonista expressa sua sinceridade são comumente confundidos com frieza, agressividade e outras características geralmente relacionadas a personalidades violentas. Essa previsibilidade preconceituosa é peculiar do novo realismo brasileiro, de um processo de interpretação do real que privilegie e legitime os códigos de violência (MENDES, 2014). O início do livro se dá com dois amigos de Paulo, o protagonista da obra, conversando sobre a súbita volta deste para o que era seu antigo apartamento na época do incidente, agora alugado para outra família, além disso, a polícia está investigando, e ele foi enviado para o hospital para fazer alguns exames.
Lourenço Mutarelli Ilustração de “Quando meu pai se encontrou com o ET fazia um dia quente”
NADA FALTARÁ PARA QUEM?
O que emerge de toda esta exposição de um indivíduo neste romance é que, por fim, sua leitura permite a identificação mais de uma dimensão moral, mas não só isso. Paulo é um protagonista que é multiplicado praticamente em todos os aspectos intangíveis de um personagem, e que desta forma esta obra consegue discutir de maneira sutil, mas bem trabalhada, as diferenças de realidade entre os indivíduos. Fica aberta a interpretação de uma doença mental, de uma real psicose agressiva, uma conspiração ou mesmo, ainda que de dificílima compreensão, que nada tenha acontecido – e em cada uma dessas, o protagonista é lido de uma maneira diferente. Tudo isto é bastante dependente da ótica de leitura escolhida para obra, ou do próprio contexto em que se insere o leitor, que acaba sendo moldado a encontrar padrões de significados que vão de encontro com tudo aquilo que aprendeu e conviveu. O leitor é o novo juiz de Paulo ao escolher quem vai “ouvir”, e que Paulo está sendo julgado.
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RESENHA por
Bruna Pimentel
Georges Duby | Os feudais
O Tempo das Catedrais A arte e a sociedade
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N
distribuía alimento para os camponeses e, este capítulo, Georges Duby, em troca, esses camponeses obedeciam ao influente historiador francês especializado na história social e chefe. Porém, Duby aponta para a existência econômica da Idade Média, aborda o període uma outra classe social, extremamente do do feudalismo, explicando-o desde as suas importante nessa época, verdadeiramente origens. O autor explora, principalmente, a livre da exploração e opressões senhoriais. questão da cavalaria e a influência e relação Essa classe se remetia aos cavaleiros, rapazes desta com a Igreja, além do impacto destas da região que se serviam bem das armas e para o nascimento e o florescimento da arte eram extremamente fiéis ao seu senhor. É românica nesse período. importante ressaltar o fato de, na maioria Duby inicia seu texto falando de das vezes, os senhores feudais também serem uma Europa que possuía ainda um poder cavaleiros. centralizado, onde os reis e imperadores O fato de, diferentemente dos reis, os eram donos de todo o poder. Porém, apesenhores feudais não serem sagrados, leva sar de ser uma sociedade na qual as estruo autor para uma outra grande alteração turas sociais eram imutáveis, a mudança imposta pelo feudalismo: a reivindicação começava a se revelar no reino da França, dos prelados em relação ao poder sagramais especificamente do, à missão, anno reino Carolíngio. tes monárquica, de A primeira mudança a ser Essa mudança, que manter a paz. Isso analisada pelo autor é o fato causa alterações em faz com que exista de, na sociedade feudal, a todos os aspectos o rompimento do figura do rei ser trocada pela da civilização, prinpoder na ordem figura de um senhor feudal. cipalmente na madas coisas profanas, neira como o poder reservado ao senhor, e a riqueza eram repartidos, na relação entre e das coisas sagradas, reservado aos chefes o homem e Deus e na criação artística, é eclesiásticos. o tema do capítulo a ser tratado: o feuInfluenciada por essa sociedade de dalismo. cavaleiros, a Igreja ganha um ar heroico. Nessa época de guerras e invasões Para que os guerreiros entendessem e se bárbaras, as cortes reais começaram a se identificassem com o Evangelho, os padres despovoar, e o Estado foi, aos poucos, se dedescreviam a Igreja como uma milícia que compondo. Como o poder se torna descenJesus levava ao combate, além de contar sotralizado, cada senhor feudal era responsável bre a vida dos santos militares. Sendo assim, por manter a paz e a segurança apenas no seu guerra e justiça se tornam as duas imagens, as duas concepções de Deus. Era como se feudo. As relações pessoais entre o senhor e os camponeses que viviam no seu feudo era Deus estivesse recrutando seus fiéis para um de vassalagem: o senhor provia segurança e exército que luta contra o pecado e contra
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os infiéis, além de proteger os fracos. Contudo, é importante ressaltar o fato de a Igreja condenar qualquer guerra que não fosse santa. Ela pregava que nenhum cristão podia matar outro cristão. Isso fazia com que a Igreja fosse contra a conduta violenta dos cavaleiros, classe responsável pelo estado de agressão permanente. A força do Evangelho era como um ato de justiça. Quem pecasse, receberia o castigo de Deus, sofrendo na sua cólera e sendo entregue aos demônios. Esse lado de Deus castigador fazia com que os feudais o temessem. Todavia, acreditava-se que os santos eram capazes de controlar a ira de Deus no Juízo Final, o que fazia que as pessoas fossem benevolentes em relação a eles. Então, levados pelo medo e pelo sentimento de culpa por sua violência instintiva, os cavaleiros davam doações piedosas à Igreja e oferendas aos santos, na busca de se colocarem em melhor posição em relação à corte de Deus. Essas doações eram as grandes
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responsáveis pelas conquistas artísticas desse período. É importante ressaltar o fato de a peregrinação ser uma outra maneira de conseguir a amizade de Deus. O autor enfatiza o fato de, por não serem letrados – já que para os cavaleiros somente virtudes em relação ao corpo e ao coração são importantes, fazendo com que o estudo estragasse sua alma –, os chefes de cavalaria não governarem diretamente o ato de criação artística. Com isso, essa tarefa, antes atribuída aos reis, se torna da Igreja, fazendo com que a arte ganhe caráter predominantemente eclesiástico, mas, ainda, influenciada pelo espírito cavaleiresco da época. A arquitetura, a escultura e a pintura eram as três grandes artes. Como os homens de guerra enfeitavam seu corpo com jóias e adornos, e não tinham nenhum uso para a obra de arte, esta se tornara a Igreja. A arte era sagrada. Apesar disso, a cultura dos cavaleiros se infiltrava, cada vez mais, nesse
domínio. Um exemplo tratado no texto a respeito dessa brutalidade dos guerreiros nas artes é o fato de o clero deixar de lado o classicismo. As representações do inferno nas obras, que contribuíam para aumentar o medo dos feudais de irem para esse terrível lugar ao morrerem, além de representações de Cristos ferozes e lutadores, também podem ser vistas como influências do espírito da cavalaria. A escultura sacra acolhe os atributos da força divina, as cotas, as lorigas, os elmos, os escudos e todo o exército de lanças apontadas contra as forças demoníacas. Porém, a influência mais enfatizada pelo autor é o fato de a Igreja do século XI absorver o gosto dos príncipes feudais pelo adorno, pelo ouro, por pedras preciosas. Isso faz com que a arte sacra, com que a Igreja, se cubra de ouro e pedras preciosas, para manifestar a vontade de Deus como posição máxima na hierarquia dos poderes, assim como fazem os senhores em seus feudos. Deus deveria possuir tesouros mais resplandecentes que os de qualquer poderoso da Terra. O final do texto aborda mais enfaticamente a questão da proximidade da Igreja com as tópicas do feudalismo e, é claro, da cavalaria. A imagem de Deus é associada à imagem de autoridade feudal. O cristão quer ser fiel ao seu Deus, confirmando-o extrema lealdade, assim como são os cavaleiros em relação ao seu príncipe feudal. E como no contrato vassálico, onde o senhor feudal é obrigado a ajudar seus homens guerreiros que cumprem bem seus deveres e a prover Irmãos Limbourg Les Très Riches Heures du duc de Berry (Livro de horas), Ilustração do mês de maio, Séc. XV
alimentos aos seus rendeiros camponeses, o cristão se torna uma espécie de vassalo de Deus, esperando dele a proteção contra todos os perigos do mundo em troca de sua lealdade.
A submissão dos homens para com o Senhor Deus se baseia nos mesmos princípios das relações terrestres na vida cotidiana entre o senhor feudal e seus súditos. O texto de Georges Duby é escrito de maneira muito clara, e a sua preocupação com a ordem cronológica dos fatos só confirma esse aspecto. Sua linguagem acessível e o fato de ser bem explicativo, não exigindo muito conhecimento prévio no assunto. Contudo, o texto não me parece ser tão esclarecedor em relação à arte românica. A criação artística do período do feudalismo é, com certeza, um assunto abordado, porém, nem um pouco detalhado. Sendo assim, aos estudantes e amantes de arte interessados em conhecer detalhadamente todos os aspectos da arte românica, eu não indico este texto. Mas aos amantes da cavalaria e desse período tão intrigante da Idade Média, a leitura não poderia ser mais encantadora.
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ENSAIO
Arte e Literatura
no SĂŠculo das Luzes
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por
Aline Lorenzinii
Jean-Baptiste Chardin Retrato de Auguste Gabriel Godefroy, 1741
O
fim do Barroco, em meados do século XVIII, gerou o Rococó, por volta de 1715. Nasceu na França e se caracterizou pelas curvas e cores suaves, e também pelo conteúdo das obras, que agora reproduziam imagens de festas nobres, a retratação da vida de deleites dos nobres, além de retratar uma sociedade que aspirava a felicidade, alegria e prazeres que a vida oferecia. Foi um desdobramento do Barroco, porém com caráter mais intimista. Na França, foi chamado de estilo Luís XV e Luís XVI. As particularidades do rococó são de texturas sempre suaves e cores claras. Os tons de dourados e a cor pastel, nas pinturas e decorações de interiores e objetos como: mesas, cadeiras, camas, entre outros. Diferentemente das construções barrocas, as do rococó possuíam maior leveza.
(Detalhe) Jacques-Louis David A Coroação de Napoleão, 1805-1807 Louvre, Paris
Contudo a elite ainda se permitia ficar distante da situação e dos problemas enfrentados pelo povo comum, e se via perto da ameaça da ascensão da classe média, a qual estudava e começava a dominar a economia e até mesmo setores do mercado de arte e da cultura em geral. Com isso, houve a motivação da emergência paralela de uma corrente estilística bem mais realista e austera, cuja temática era toda burguesa e popular, exemplificada pelos artistas Jean-Baptiste Greuze e Jean-Baptiste Chardin. Porém, foi extremamente ignorada pelo universo rococó, mas que por fim acabaria sendo uma das forças para a sua ruína no fim do século XVIII. Foi uma arte forte até a reação Neoclássica, sendo importante principalmente na área Católica da Alemanha, da Prússia e de Portugal.
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A Revolução Industrial vivida nos a igualdade a todos; Montesquieu queria a grandes centros da Europa geravam um divisão do poder político em três áreas: o êxodo rural e, como consequência, um legislativo, o executivo e o judiciário; Locke crescimento urbano nas principais cidades. acreditava no empirismo, onde somente Assim a aristocracia perdia cada vez mais as experiências produziam ideias e conheforças e poder de influência, cedendo o lugar cimento no ser humano; Lessing, filósofo à burguesia que detinha poderes econômialemão, defendia a liberdade de pensamento cos, por meio dos comércios que sustentae a tolerância religiosa, foi considerado fundador da literatura alemã moderna; vam o Estado e seus monarcas. Ao mesmo tempo o Iluminismo se diKant, filósofo prussiano, teve seus maiores fundia, tendo seu berço na França, com o obpensamentos nas áreas da epistemologia, jetivo de expandir o conhecimento da razão e matemática e metafisica. da ciência, querendo levar a população uma Com isso, as artes visuais se tornaram nova visão e compreensão do mundo em mais voltada para o cotidiano, retratando a que viviam, tentava explicar os fenômenos vida dos homens comuns da época, a socienaturais e sociais sob uma perspectiva terdade a qual estavam cercados. Ao contrário rena, humana, e não mais religiosa. Eles do Barroco que valorizava os temas bíblicos acreditavam na importância da ciência e mitológicos. Alguns de seus artistas exprescomo forma de desenvolvimento e progressavam em seus quadros a crítica da burgueso humano. As obras sia aos privilégios e literárias de seus abusos da nobreza e Essa nova arte foi chamada de do clero, enquanto a principais filósofos Neoclassicismo, por ser inspirada continham os seus população sofria com na Antiguidade Clássica e no ideais, tudo aquilo a fome e a miséria. Renascimento. Esse estilo defendia que eles defendiam Pode-se ressaltar o e seus fins. No caso pintor Jacques-Louuma arte racional e didática, os Diderot juntamente is David como seu contornos eram exatos, as técnicas com d’Alembert maior representante. apuradas, e havia sobriedade nos escreveram a EnciEnquanto a ornamentos e nas cores. clopédia, que comnobreza e o clero gapreendeu 35 volumes, desempenhando um papel importante no exercício intelectual Iluminista. Falava sobre a história, filosofia, poesia, matemática, ciência, artes e desafiava os preceitos da Igreja Católica Romana. Voltaire defendia a liberdade de pensamento; Rousseau falava sobre o Estado ser democrático, garantindo
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rantiam sua situação política, social e econômica, o povo vivia na miséria e dependia do apoio e da caridade de outros. Assim o artista combinava temas da Antiguidade e modelos visuais para atacar a Monarquia e o Absolutismo. É o caso do general Belisário, popularizado pelos textos de Montesquieu, um de seus
temas, com ênfase na arte militar; com base na Antiguidade o tema fazia a população pensar no presente e em sua realidade. Dessa maneira, o Neoclassicismo teve uma experiência revolucionária. David se inspirava também em obras como o Contrato Social, de Rousseau, e tentava representar o fundo moral, como os temas de virtude cívica, a seriedade espartana, devoção à República. Fazia a pintura se relacionar com a literatura e a filosofia da época, pretendendo ocupar um papel igualado. O quadro Os lictores trazem a Brutus os corpos de seus filhos, ganhou tanta repercussão política que no ano seguinte à apresentação do quadro, Voltaire que tinha escrito a peça Brutus em 1930, a apresentou novamente. Tornou-se logo o artista oficial da Revolução que estava ocorrendo, juntando-se ao grupo mais radical do período, os Jacobinos ao lado de Robespierre, uma das figuras mais importantes da Revolução. Em 1789, com a tomada e a queda da Bastilha, ocorreu a Revolução Francesa, com o lema Liberdade, Igualdade e Fraternidade, inspirado nos preceitos do Iluminismo e alimentado pelas críticas e julgamentos dos artistas e pela situação miserável que a França estava passando. Esta reuniu as várias classes sociais em prol da substituição da Monarquia Absolutista e do seu líder Luís XVI e de sua esposa Maria Antonieta, por fim eles foram mortos numa guilhotina. Nesse período, foi aprovada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, feita na Assembleia Constituinte, garantido a liberdade e a igualdade entre todos os homens. (Detalhe) Jacques-Louis David Os lictores trazem a Brutus os corpos de seus filhos, 1789
A arte e a literatura, do século 18, Neoclássico, das Luzes, Racionalista, trabalharam juntas e influenciaram toda a sociedade europeia da época.
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RESENHA por
Lucas Lira
Erwin Pan Iconografia E Iconologia Uma introdução ao estudo da arte da Renascença
O
crítico e historiador da arte alemão Erwin Panofsky, no capítulo “Iconografia e Iconologia: Uma Introdução ao Estudo da Arte da Renascença”, de seu livro ‘Significado nas Artes Visuais’, propõe uma metodologia sistemática de interpretação dos objetos artísticos, mais especificamente os do período renascentista,
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que se apoia num processo de decomposição analítica das imagens e na estruturação formal dos seus significados intrínsecos. Considerando isso, ele abre o texto definindo iconografia como o campo da história da arte que estuda a oposição entre tema e forma nas obras artísticas. E para validar essa proposição, o autor vai buscar estabelecer,
Descobrir e interpretar
nofsky de modo metódico, as distinções entre o tema e a forma na pintura. Um exemplo da vida cotidiana é utilizado por Panofsky para introduzir o leitor ao assunto. De uma simples saudação, na qual o conhecido tira o chapéu em um gesto de cumprimento, o autor identifica duas categorias de significado: os primários (ou naturais) e os secundários (ou convencionais). Dentro da categoria dos primários, é possível diferenciar dois tipos básicos: o significado fatual (que é apreendido pela simples identificação das formas puras) e o
significado expresos valores ‘simbólicos’ sional (percebido (manifestados pelos através da empa‘sintomas’) de uma obra tia). Para caracconstituem a função terizar a categoria principal da iconologia dos significados secundários, o autor argumenta que esse grupo é notamente de caráter inteligível e conscientemente relacionado à ação prática. Desloca-se, então, essas definições ao mundo das obras de arte. Nessa perspectiva, os temas primários assumem a posição de motivos artísticos. Para Panofsky, a enumeração desses motivos constituiria uma descrição pré-iconográfica de uma obra. Os temas secundários são relacionados por ele ao mundo dos assuntos específicos ou conceitos manifestados (as imagens). A identificação dessas imagens (como também das combinações de imagens: estórias e alegorias) é o objeto de estudo da ‘iconografia’. Ainda um terceiro nível de significado é destacado pelo autor. O significado intrínseco é ligado a um sintoma de ‘algo mais’ que se expressa numa multiplicidade vasta de outros sintomas em uma obra de arte. A composição iconográfica desta é a evidência distinta desse ‘algo mais’, segundo Panofsky. Portanto, descobrir e interpretar esses valores ‘simbólicos’ (manifestados por esses ‘sintomas’) de uma obra constituem a função principal da iconologia. Um paralelo é traçado pelo autor entre iconografia e iconologia. Enquanto a iconografia é tida como a descrição e a classificação das imagens, a iconologia procede como uma iconografia interpretativa. Pois
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a precisa análise iconográfica (de imagens, estórias e alegorias) é indispensável para uma interpretação iconológica correta. A partir deste ponto, Panofsky se empenha na distinção entre os três níveis de interpretação: a descrição pré-iconográfica, a análise iconográfica e a interpretação iconológica. Se valendo de exemplos representativos na pintura renascentista para ilustrar as questões suscitadas pelos três níveis, o autor faz análises comparativas de diversos pontos característicos dessas questões e as interligam para reforçar suas hipóteses. Primeiramente, para demonstrar a importância da esfera da experiência na descrição pré-iconográfica, Panofsky cita a obra de Roger van der Weyden, Os Três Magos, onde se nota claramente uma aparição de uma criança pairando no céu. A mesma é entendida como aparição, pelo autor, por justamente estar pairando no ar. A experiência prática legitima esse argumento pelo fato dessa criança estar configurada no espaço celeste, sem qualquer apoio visível. Além disso, Panofsky expõe que o princípio corretivo de interpretação conhecido como ‘história do estilo’ é uma peça fundamental para auxiliar a experiência prática na identificação rigorosa dos objetos e fatos expressos pelas formas, de acordo com as condições históricas. A familiaridade com temas específicos ou conceitos, pressuposto da análise iconográfica, é posta em questão através do exemplo da pintura ‘Judite’ de Francesco Maffei, que representa uma jovem com espada e uma cabeça de um homem degolado sobre uma travessa nas mãos. As
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interpretações equivocadas que fizeram da obra (tendo a moça por Salomé, e a cabeça de São João Batista) puderam ser corrigidas graças ao princípio, também corretivo, da ‘história dos tipos’. Ou seja, segundo o autor, esse princípio serve para aperfeiçoar nosso conhecimento das fontes literárias, porque investiga o modo pelo qual, em diferentes épocas, temas específicos e con(Detalhe) Rogier van der Weyden Os Três Magos, 1450
ceitos eram expressos por objetos e fatos. religiosas. O valor da tradição textual, Por último, o autor explicita o terceiprincipalmente o conhecimento dos temas clássicos e das mitologias clássicas, que foi ro princípio corretivo de interpretação, a ‘história dos sintomas culturais ou símbotransmitido à Idade Média, é reconhecido los’. Nesse caso, a nossa intuição sintética pelo autor como de máxima importância (faculdade mental comparável à de um clínipara a compreensão não só da arte medieval, co nos seus diagnósticos) deve ser corrigimas também de toda a iconografia do Reda por uma compreensão da maneira pela nascimento. Durante o período medieval, a qual, sob diferentes condições históricas, influência cristã foi tão ampla e dominante as tendências geque as figuras da rais e essenciais da antiga mitologia O grande desafio do Renascimento mente humana fonão eram apenas seria o de tentar estabelecer uma nova ram expressas por interpretadas de forma de expressão que não negasse a temas específicos uma forma morae conceitos. As- influência clássica e a medieval, mas que lista, mas eram sim sendo, Panofrelacionadas dese renovasse criativa e originalmente na sky conclui que a finitivamente à instituição de uma nova mentalidade compreensão dos fé cristã. Além para época correspondente. processos históridisso, a arte da cos que produzem a tradição deve suplementar e corrigir nossa subjetividade para análises e interpretações mais corretas e precisas. Panofsky, dessa parte em diante, dirige o foco de sua atenção aos problemas da iconografia e iconologia do período renascentista. A referência inicial que o autor faz aos primeiros historiadores da arte italianos serve para esclarecer dois pontos: que não houve, de fato, uma quebra de tradição durante a Idade Média e que o movimento renascentista transformou completamente a atitude geral em relação à Antiguidade. Um fato significativo utilizado por ele, para exemplificar o primeiro ponto, são os empréstimos diretos e deliberados dos motivos clássicos que eram adaptados pelos cristãos na Idade Média, segundo suas intenções
Alta Idade Média é problematizada por Panofsky através do contraste entre a tradição representacional e textual, que revelam uma incomum dicotomia dos motivos e temas clássicos nesse período. A reintegração dos temas com os motivos clássicos realizada pela arte renascentista é enxergada pelo autor como um privilégio que esta teve. Após um longo intervalo, a Renascença seria a grande responsável por transpor os limites que existiam entre as civilizações pagã e cristã, instaurando um sentimento histórico que inexistia na Idade Média e amenizando a disparidade emocional entre as esferas do cristianismo e do paganismo, presente no período medieval. Entretanto, essa reintegração não poderia se dar, segundo Panofsky, numa simples regressão ao passado.
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CRÍTICA
EXPOSIÇÃO
CICLO por
Bruna Pimentel
A
exposição “Ciclo” acata a proposta contemporânea de fazer obras de arte utilizando os mais comuns e inusitados materiais. Ao se apropriarem de objetos do cotidiano, como por exemplo, copos de plástico, pneus, lâminas de barbear, palitos de dentes, doces, armas e até mesmo lixo, esses artistas buscam reinventar tais materiais, dando-lhes vida e emoção próprias. Isso mostra a preocupação do artista contemporâneo em proporcionar ao fruidor uma nova maneira de ver e sentir as coisas que o cercam no dia-dia, fazendo com que esses objetos ganhem um novo significado. Vamos Dar um Tempo, de Tayeba Begum Lipi, é uma das obras presentes na exposição. A partir de lâminas de barbear de aço inoxidável, chapa de aço inoxidável e água, Tayeba, dominada por seu desejo de relaxar, compõe uma banheira bela e reluzente. Porém, a sua escolha de materiais para essa obra faz com que ela apresente uma grande dubiedade. Ao
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Julia Castagno Modelo para la Supervivencia
Petah Coyne Sem tĂtulo #720 (Fantasma de Eguchi)
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olhar de longe, o fruidor é encantado pela beleza e pelo brilho da banheira; contudo, ao olhar de perto, as lâminas revelam o caráter de tristeza e de perigo presentes na obra. É como se a obra apresentasse uma beleza mortal. Essa ambiguidade contrastante revela a intenção da artista em sugerir o sofrimento da mulher, que utiliza a banheira como local no qual se depila para ter com o seu marido – é importante ressaltar que em Bangladesh, local de origem da artista, a mulher é muitas vezes obrigada a se casar contra a sua vontade – , além de sugerir a dor do parto caseiro – muitas vezes realizado em uma banheira. A dubiedade entre a aparente forma inofensiva da banheira e a ação cortante da lâmina também contribui na sugestão de que a obra seja uma espécie de armadura para o universo feminino. A obra Sem título #720 ( Fantasma de Eguchi), de Petah Coyne, aborda uma outra característica da exposição. Feita a partir de fio de aço inoxidável, fio de latão, fio de fósforo, aço, arame, arame de cerca de galinha,
cabo, porcas de cabo, canos de PVC, plástico, papel toalha, chifon, linha, Velcro, rosca infinita, ganchos e corrente de aço, a obra visa abordar a questão do processo de reciclagem dos materiais. O interesse da artista em trabalhar com a reciclagem reside no fato de ela ser capaz de sugerir, através desse processo, algo grandioso que existiu mas que não está mais presente. Sendo assim, Petah busca dar um significado poético aos fios metálicos de sua obra, provenientes de um trailer – que representa o nomadismo dos hippies americanos –, ao desafiá-los à espessura de fios de cabelo, que mais se assemelham a tufos de cabelo grisalhos. A partir desse emaranhado metálico, Coyne cria o fantasma de Eguchi, personagem de um livro japonês que vivia entre o sonho e a vigília. É importante ressaltar a intenção da artista de sugerir a criação de um outro estágio de existência ao combinar o material reciclado com a forma fantasmagórica escolhida, que não possui um contorno definido, nem lugar.
SAIBA MAIS
Tayeba Begum Lipi Vamos Dar um Tempo
Ciclo proporciona um novo olhar sobre objetos comuns e a maneira como são utilizados pelos artistas contemporâneos, modificando a experiência do cotidiano. Integram a exposição trabalhos de Daniel Canogar, Daniel Rozin, Daniel Senise, Douglas Coupland, Joana Vasconcelos, Julia Castanho, Lorenzo Durantini, Michael Sailstorfer, Pedro Reyes, Petah Coyne, Ryan Gander, Song Dong, Tara Donovan e Tayeba Begum Lipi. Curadoria: Marcello Dantas.
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Lucas Monteiro
ARTIGO
por
A PALAVRA INSCRITA NA OBRA INTERTEXTUALIDADE NAS ARTES PLÁSTICAS A PARTIR DO SÉCULO XX
I
nicialmente, é necessário esclarecer o que é a intertextualidade, que é definida por Cavalcante (2009) como um fenômeno que se manifesta “quando, no processo de produção e compreensão de um texto alvo, os seres humanos identificam características de um texto fonte ou de uma rede de significados reconhecida, ou seja, previamente estabelecida e compartilhada. Esse é um fenômeno identificado em diferentes formas de expressão da linguagem verbal e não verbal.” Estudiosos como Olmi (2003) apontam a citação, ou de maneira mais fraca, a alusão ou um enunciado como manifestações da intertextualidade. Este fenômeno não está preso necessariamente à produção textual, mas se envolve com praticamente todas as formas de expressão e linguagem, como no cinema, na música ou na pintura.
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A presença da palavra nas obras, a partir do século XX, constitui uma revolução na expressão artística
A linguagem e as imagens têm em comum a forma lógica de reprodução pictórica e ambas necessitam de estar numa determinada relação com a realidade de forma a poderem ser verdadeiras. Wittgenstein (apud. Hagberg, 1995) afirma que é também enquanto imagem que as palavras alcançam seu poder de projeção. Ao construírem uma imagem do mundo, as palavras podem ser comparadas com a realidade, para então se tornarem uma verdade. Mas não necessariamente, enquanto modelo construído, elas concordam com a realidade, pois abrangem uma imensidão de funções e possibilidades. A relação entre as duas é fortíssima, e no século XX já supera aquele afastamento tão sugerido no passado. O que se segue a partir de 1900 são diversas mudanças de paradigmas no mundo das artes. Este subsistema atinge, com as vanguardas europeias, o estádio da autocrítica, como afirma Burguer (1993), atacando o conceito de arte como instituição e as próprias ideias que a circunda. Os manifestos nas artes tomaram forma com preocupações voltadas para definições de estilo e introduziram novidades nos meios de expressão. O surrealismo, por exemplo, encantado pelas produções de Freud sobre o inconsciente, contava com entusiastas que agiam sob a perspectiva de que a arte não
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deveria só pintar o que era demandado, e que também não deveria ser resultado apenas da razão, por mais que essa não fosse a ideia mais fresca deste meio. Outro ponto importante deste contexto é o fato dos artistas assumirem e consentirem que a beleza precisa, rica em técnica, não era mais a verdade absoluta. Essa revolta com a solenidade de maneira geral permitiu que a arte expandisse sua forma de apresentação, a exemplo dos trabalhos alguns dadaístas que se utilizavam apenas de colagens de materiais do dia-a-dia para formar seus quadros. É possível até aponta-los como os iniciantes de um exercício de ruptura com a mimesis, ao deixar de representar algo da realidade por meio da pintura para utilizar as próprias coisas reais e palpáveis para construir suas novas composições. Por fim, representações são figuras que funcionam praticamente da mesma maneira que descrições verbais. Para uma figura representar um objeto, é necessário que exista um símbolo que faça referência a isto de alguma maneira; mas a semelhança do objeto não é fator suficiente para que seja estabelecida uma relação ou referência. Na verdade, a representação é completamente independente da ideia de semelhança, dado que uma coisa possa significar qualquer outra coisa para um indivíduo.
O USO DA PALAVRA NAS PRODUÇÕES PLÁSTICAS
Magritte, por exemplo, consegue com diversos quadros minar a indagação sobre a utilização sob tão enraizadas convenções das palavras, e através de imagens paradoxais viabiliza a crítica dos hábitos da linguagem que determinam e categorizam tudo no mundo. De acordo com Gablik (1970), por meio de suas obras, Magritte questionava as maneiras que a linguagem cotidiana disfarçava o pensamento, pois, por mais que as coisas pudessem ser referidas através a palavra ou da imagem, o estabelecimento de relação
entre ambos não passavam de uma arbitrariedade, exercício notável, por exemplo, na sequência de obras La clef des songes, em que o pintor apresenta de maneira bastante elementar 4 figuras em cada plano, que contam, cada uma delas, com uma palavra que parece nomeá-las. No entanto surgem, entre elas, uma folha e um cavalo que tem, respectivamente, os termos “a mesa” e “a porta”. Em uma de suas obras mais famosas, L’usage de la parole I, o signo verbal que diz que “isto não é um cachimbo” exige que o espectador reveja a obra e note que aquilo presente no quadro não é real, por mais que sua semelhança de um cachimbo
René Magritte A Traição das Imagens, 1929
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real seja inegável. Porém fica aberta a análise para maiores possibilidades e instiga o olhar crítico para a realidade no espaço das artes. Em Isto Não É Um Cachimbo, Foucault cita o próprio Magritte e trabalha a relação entre a imagem e a palavra nas artes: ““Às vezes o nome de um objeto substitui uma imagem. Uma palavra pode tomar o lugar de um objeto na realidade. Uma imagem pode tomar o lugar de uma palavra numa proposição”, E a frase, que não comporta contradição, mas se refere ao mesmo tempo à rede inextricável das imagens e das palavras, e à ausência de lugar-comum que possa mantê-las: “Num quadro, as palavras são da mesma substância que as imagens. Vê-se de outro modo as imagens e as palavras num quadro””.
O pintor, nas obras Le Sens Proper IV e Le Corps Bleu, por exemplo, busca do espectador a lembrança de uma mulher triste, ou da disposição de objetos em um determinado cenário – por mais que as palavras estejam encaixadas em formatos que não remetam tão diretamente o espaço cabível para aqueles elementos. Mas nem sempre esse tipo de discussão é levantada pela presença da grafia na obra. Colagens do cubismo analítico envolviam letras em composições que desencavaram a superfície pictórica (O’DOHERTY, 2007), distanciando a realidade. Além disso, oferecer uma ótica debochada, voltada ao popular, escancarada e de suposto mal gosto é uma meta observada por Krauss (2002) ao comentar o transgressor trabalho de Duchamp ao adicionar um bigode e as letras L.H.O.O.Q. em uma cópia da Monalisa.
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A apropriação das artes plásticas da palavra, e vice-versa, viabiliza uma discussão mais rica da relação desses dois elementos, que por sua vez eleva as projeções sobre sua autonomia. Joseph Kosuth, artista conceitual e teórico americano, coloca a arte no plano da ideia, elevando-a para além da mera produção material. As implicações que exposições como “arte como ideia como ideia” levantam passariam, sob sua concepção, a ser o real foco da produção de maneira geral, e a execução de tudo aquilo que viria a ser exposto é apenas o exercício rotineiro que visa atender a meta anterior. Essa série de sua autoria consiste na exposição de impressões de definições de palavras comumente utilizadas nas produções textuais das artes – tais como “nada”, “pintura” e “significado” – de acordo com dicionários, e algumas definições depois da tradução para outras línguas, que acabavam por apresentar uma filosofia diferente. A palavra foi o veículo imagético para alcançar esse sentido.
Joseph Kosuth One and Three Chairs, 1965
Na série ‘One and three’, Kosuth põe em dúvida o que é transmitido pela palavra/objeto alvo (cadeira, mesa, cactos, etc.). Foram dispostos na galeria um objeto ao lado de uma fotografia deste mesmo objeto além de uma definição de dicionário da palavra usada para descrever, genericamente, esse objeto.
Uma segunda afirmação popular de Kosuth é que toda a arte é tautológica. A tautologia é um texto ou termo que expressa a mesma ideia de formas diferentes, sem necessariamente ser redundante. Em seu texto “Arte depois da Filosofia” (1975), Joseph Kosuth diz que obras de arte são proposições artísticas, e que, de dentro do seu contexto, não fornecem dados sobre nenhuma questão em particular, mas sim das intenções do artista. Nas suas famosas obras conceituais, o espectador é convidado a refletir sobre quão precisa é a definição transmitida por cada coisa que compõe a tríade. A impressão da definição do dicionário é mais certeira ao descrever genericamente o objeto, enquanto a fotografia é mais precisa ao descrever um objeto específico. No entanto, o objeto como elemento isolado na galeria se torna apenas um signo, um exemplo qualquer do
que seria o objeto de que fala a definição do dicionário. Os três elementos se mostram bastante insatisfatórios ao tentar cumprir o papel da transmissão da ideia do que seria o objeto em discurso. Expondo as coisas reais e se utilizando desses artifícios, Kosuth problematiza a linguagem das artes visuais ao transmitir o significado dessas próprias coisas tão próximas e concretas, mas também incita para pensar o trabalho de transmitir ideias mais abstratas – discurso que acaba alcançando sua própria produção que repetitivamente expõe palavras e expressões como objeto artístico que vá exprimir ideias do próprio artista. Do questionamento sobre o poder de transmissão de significado da palavra na obra de arte para a compreensão que é estabelecida no receptor, é possível citar John Baldessari, que aposta nos diferentes backgrounds que os indivíduos trazem de
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John Baldessari I Will Not Make Any More Boring Art, 1971 MoMA
suas vidas e como isso influenciará a leitura de suas obras, pois tal como um texto, uma obra como uma pintura também é objeto de interpretação. Uma de suas fases artísticas comumente traz a palavra, as vezes como polímero sintético pintado em um quadro, ou escrito com canetas em uma parede, discutindo a arte como produção ou mesmo colocando-a em uma posição para ironiza-la. Ao produzir a obra I Will Not Make Any More Boring Art, que consiste na repetição deste termo do título em uma superfície pautada, Baldessari relembra as punições que eram aplicadas nos estudantes “desviantes”, mas também se torna auto-punitiva ao mostrar
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um texto que claramente exibe a primeira pessoa como sujeito e com uma mensagem bem forte. Essa produção foi realizada para galerias, diretamente em quadros – fato que a promove como arte – e na verdade foi feita por pintores de placas contratados por Baldessari, que praticamente seguiam as instruções. Essa obra está bastante ligada a uma realizada anteriormente por ele mesmo, que consistiu em queimar algumas de suas pinturas de anos passados, coletar as cinzas e armazená-las em uma urna que seria exposta juntamente a uma placa de bronze que tinha uma datação do que seria uma fase sua, do nascimento até a morte. Ou seja, a mesma obra, graças ao exercício da
CONSIDERAÇÕES FINAIS
utilização de palavras, consegue mexer com atribuições que serão inevitavelmente dadas por seu espectador, mas também reconstrói toda uma narrativa autobiográfica enquanto artista e critica a própria definição de arte por ela mesma. Seguindo a mesma ideia, este artista conceitual apresenta diversos quadros em que apenas estão presentes frases, que variam de três orações até mesmo uma linha, sobre arte e seus debates recorrentes; todos eles apresentam um caráter instrutivo, como What this painting aim to do, faceta que reforça sua identidade como professor que produz artes e a temática do contexto escolar, característico dessa fase.
A intertextualidade acaba se mostrando como um instrumento indissociável na apresentação das ideias do artista ara o público, dada sua riqueza de entendimentos e capacidade de ampliar as similitudes daquela imagem. Integrada à palavra propriamente dita, a obra tem acrescentado no seu significado o potencial crítico, graças sua posição como arte, e com uma linguagem característica e que rompe tradições. O exercício do reconhecimento deste fenômeno nas obras de arte permite notar um encadeamento entre discursos estéticos e a metalinguagem das produções, que sublinham o contexto em que estão inseridas e mostram seu esforço em se manterem vivas no tempo. Notar um texto em outro, que não necessariamente sejam apenas gráficos, não é um sinal de empobrecimento da arte. Pelo contrário, isso acaba perpetuando a contribuição de outras narrativas e debates que os “segundos” textos levantam. Os casos estudados pontuam possibilidades que foram executadas por meio da união entre a imagem e o texto, e como isso gradativamente mudou o paradigma da produção que era apenas demandada para uma produção que questiona e estimula o senso crítico. Uma nova ótica é lançada sobre a noção de realidade nas artes, além de questionar convenções sociais e tradições do meio artístico. O simples fato da palavra estar inserida no contexto artístico já a faz explodir de significados e alusões, renovando os horizontes das artes.
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LINHA DO TEMPO por
Lucas Lira
Linhad Arte e
ANTIGUIDADE CLÁSSICA Período Homérico
ANTIGUIDADE CLÁSSICA Período Arcaico
ANTIGUIDADE CLÁSSICA Período Clássico
ANTIGUIDADE CLÁSSICA Período Clássico
HOMERO (928 a.C. - 898 a.C.) Poeta épico da Grécia Antiga. Conceito de Ekphasis ‘descrição’: O locus classicus na literatura épica é a descrição do escudo deAquiles feita por Homero (Ilíada, 18, 483-608).
SIMÔNIDES DE CÉOS (556 a.C. - 468 a.C.) Poeta grego, maior autor de epigramas do período arcaico.
PLATÃO (428/427 a.C. - 348/347 a.C.) Filósofo e matemático da Grécia Antiga.
A ele é atribuída a frase famosa: “A Pintura é uma poesia silenciosa e a Poesia é uma pintura que fala”.
Condena a obra de arte à falsidade e ao imaginário nocivo.
ARISTÓTELES (384 a.C. - 322 a.C.) Filósofo grego, aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande.
Enargeia (claridade, autoevidência) é a vivacidade retórica que as poéticas verbais possuem para se despertar sensações.
Mundo sensível - Não verdade.
Viés distinto do pensamento de Platão, retoma o conceito de Mímese. A analogia entre as artes se dá através do conceito de imitação. Aristóteles baseou a sua Poética no princípio da imitação, a mímese. Mímesis - Idéia de imitação.
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doTempo literatura
ANTIGUIDADE CLÁSSICA Roma Antiga
HORÁCIO (65 a.C. - 8 a.C.) Poeta lírico e satírico romano. Horácio tece considerações circunscritas ao paralelo entre poesia e pintura sob o prisma da teoria da imitação. Preocupação em torno da organização coerente de um texto poético e visual. Retoma o conceito de imitação (Mímesis) formulado por Aristóteles.
IDADE MÉDIA Alta e Baixa Idade Média
IDADE MODERNA Renascimento
UT PICTURA POESIS NA IDADE MÉDIA
UT PICTURA POESIS NO RENASCIMENTO
Na Idade Média, a pintura (imagem) procurou se emancipar do patamar de sujeição à literatura (palavra), no âmbito da prevalência de uma cultura religiosa.
No Renascimento, com uma grande volta ao classicismo grego-latino, o preceito de Horácio retomou sua importância, que continuou a ter uma grande divulgação entre os humanistas e contribuiu para igualar as duas artes, pintura e poesia.
Iconoclasmo/iluminuras/ Carlos Magno e a utilização estratégica das imagens.
IDADE MODERNA Renascimento
LEONARDO DA VINCI (1452 - 1519) Polimata italiano, uma das figuras mais importantes do Alto Renascimento. ‘Tratado sobre a Pintura’ (considera a pintura como a mais nobre e elevada das belas artes).
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LINHA DO TEMPO por
Lucas Lira
Linhad Arte e
IDADE MODERNA Renascimento
PARAGONE Termo italiano que denominou uma polêmica a respeito e qual das artes seria a superior. Teve ponto alto no Renascimento. Originalmente a disputa confrontava as artes visuais, consideradas simples técnicas mecânicas, e as artes intelectuais, como a poesia e a música, que se associavam ao mundo da razão e na prestigiada tradição grega eram contempladas com musas protetoras.
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IDADE MODERNA Iluminismo
DENIS DIDEROT (1713 - 1784) Filósofo e escritor francês. Os textos de Diderot vêm fazer a ligação entre a demanda da função de crítico e a proposta iluminista de disseminação do conhecimento. Frequenta os artistas e frequenta os Salões. Argumenta contra os principais métodos de ensino nas academias.
IDADE MODERNA Iluminismo
J. J. WINCKELMANN (1717 - 1768) Historiador de arte e arqueólogo alemão. Pensava que o objetivo da arte é a beleza e que o verdadeiro artista, ao selecionar da natureza o seu tema, modifica-o e combina-o com a sua imaginação criativa para criar o padrão ideal, caracterizado por uma “simplicidade nobre e grandeza serena”. Paradoxo entre imitação e cópia, a partir da ideia do espírito grego.
IDADE MODERNA Iluminismo
G. E. LESSING (1729 - 1781) Poeta, dramaturgo, filósofo e crítico de arte alemão. Preocupação com campos da poesia e pintura. Estética normativa. Investigação sobre o teor da tragédia. Compara à literatura idílica e opõe-se a descrição na poesia. Na sua obra ‘Laocoonte, ou Sobre as Fronteiras da Pintura e da Poesia’ (1766), Lessing define os limites da poesia e das artes plásticas.
doTempo literatura
IDADE CONTEMPORÂNEA Século XIX
HONORÉ DE BALZAC (1799 - 1850) Escritor francês, considerado o fundador do Realismo na literatura moderna. Em sua obra ‘A Obra-Prima Ignorada’, ele oferece uma das representações centrais do drama de nascimento da arte moderna. O conto serve como pretexto para Balzac discutir as questões da arte e mostrar como a paixão pelo belo ideal leva um pintor à autodestruição.
IDADE CONTEMPORÂNEA Século XIX
CHARLES BAUDELAIRE (1821 - 1867) Poeta francês e teórico da arte. Baudelaire, em ‘O Pintor da Vida Moderna’, explana que a arte seria uma constante busca do novo em todas as esferas da vida. A beleza particular das obras do pintor ideal escondese na fecundidade moral subjacente a seu trabalho. Sua teoria configura a obra de arte com forma e conteúdo, enquanto a primeira representa o corpo, o segundo remete à alma da obra. Nova idéia de modernidade na arte.
IDADE CONTEMPORÂNEA Século XX
ERICH AUERBACH (1892 - 1957) Filólogo alemão, estudioso de literatura comparada e crítico de literatura. No primeiro capítulo de sua obra mais conhecida, Mímesis, Auerbach abre com uma comparação entre a forma como o mundo é representado na Odisseia de Homero e da maneira que aparece na Bíblia. Constrói a base para uma teoria unificada da representação que se estende por toda a literatura ocidental.
IDADE CONTEMPORÂNEA Século XX
MICHEL FOUCAULT (1926 - 1984) Em ‘As Palavras e as Coisas’, Foucault expõe que o quadro de Velásquez (Las Meninas) expressa um movimento de reflexão crítica. Verifica no quadro a representação clássica representando-se a si mesma em todos os seus elementos. Apresentando duas dimensões, a transitiva e a reflexiva, o pintor se envolve na entrada de duas visibilidades.
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ENSAIO
Didi-Huberman por
Laís Menezes
Questão Colocada
N
o texto Questão Colocada, de DidiHuberman, é proposta a princípio a ideia de olhar para uma obra. Seja “pousando o olhar” ou até mesmo analisando, por exemplo, iconográficamente ou iconológicamente (métodos panofskianos). Dando continuidade ao exposto, o
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autor nos apresenta a sensação do paradoxo como sendo um mecanismo habitual, um resultado proveniente de um olhar crítico que pode acontecer com qualquer pessoa, mesmo sendo um leigo. Por exemplo, numa exposição artística com um público que por algum motivo teve pouco contato com
essa área, pode ter sim uma visão crítica a cerca de determinado tema, utilizando dessa ferramenta para expor o seu ponto de vista. A ciência de olhar uma obra de arte advém primeiramente do físico; a partir do momento em que fixamos o nosso olhar com o objetivo de analisar uma produção artística tanto positivamente quanto negativamente - ou seja, aprovar ou não a sua funcionalidade ou significado, há uma certa definição da preferência por determinada vertente artística. Pode-se dizer que as preferências são frutos do aprimoramento dos gostos individuais. Essa nova realidade de gostos individuais se dão por meio de determinados aspectos, incluindo a subjetividade e a objetividade do espectador/analisador. O que pode ser observado é que a preferência artística é proveniente de uma reflexão de qualquer objeto, sendo ele abstrato ou concreto. A reflexão, contudo, é sempre informe e de constate modificação. Didi-Huberman utiliza dessa analogia em outro caso, mas que pode se inserir nesse momento: “[…] uma nuvem sem contornos que passa acima dele mudando constantemente de forma.”. A nuvem seria a reflexão e o “dele” em sua frase é o sujeito, a pessoa, o espectador. Não esquecendo que a reflexão é a personalidade, a qual é capaz de juntar as preferências artísticas. A forma, que está sempre sujeita a modificação, forma a personalidade; tendo seus instantes e situações em que dão direito a pessoa sentir mais afinidade em uma coisa ou outra. Esses momentos se encaixam na realidade onde o espectador que analisa algum tipo de obra de arte se
encontra. Como já falado, esses fatores são de suma importância para a construção de qualquer tipo de ideia que venha a se formar sobre uma obra. Os fatores dissertados são capazes de desenhar um esboço de como uma ideia crítica pode ser formada, que no caso, são objetos artísticos. Entretanto, uma obra de arte pode nos levar a um fenômeno chamado paradoxo, o qual será abordado ainda neste ensaio. Continuando sobre os aspectos individuais, há ainda a objetividade dentro da análise de uma obra, mesmo sendo de um leigo. A objetividade trabalha com a realidade, o racional. Tendo em vista esse lado racional, o espectador procura numa obra acontecimentos, matéria e motivos que acontecem na vida real. Esse lado se empenha a ser analítico e metodológico e, nesse estado, se o espectador encontra algo que é mais subjetivo e que não bate com a realidade, acontece também a manifestação paradoxal. A questão colocada sobre o paradoxo, em sua essência, é bem simples. É de se entender que o paradoxo se dá por duas mãos: o “deixar se levar” e o “questionamento racional”. A análise de enA subjetividade, por outras tender tudo palavras, a capacidade que está ali cognitiva como característica apresentado da espécie humana, está numa obra intimamente ligada ao e ao mesmo vínculo entre a predileção tempo não por linhas artísticas e a compreender o que ela quer personalidade e a realidade transmitir; de a qual a pessoa se insere.
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ver o que seria algo universal/geral e ao mesmo Sobre transformar essas inquietações tempo tão singular; ter inúmeras ideias e não causadas por esse fenômeno e utilizando dele conseguir pensar em nada. Tudo isso nos leva para tornar algo muito mais além, como basicamente a um vazio, que nada mais é a fazer história e também disciplina universioposição de elementos em um só lugar, em tária, o autor Didi-Huberman tem em seu texto (Questão Colocada) um breve trecho um só pensamento, sentimento e percepção. que explica bem a disposição dos dois casos: Esse tipo de paradoxo que nos leva a “A história da arte se apresenta, em realinos sentirmos cativos por tantas oposições e contradições é geralmente o que mais dade, como um empreendimento sempre acontece, é o mais comum. Se nos virmos mais conquistador. Ela atende a demandas, nesse estado, é puramente natural se deixar torna-se indispensável. Enquanto disciplina levar por essas sensações que podem ser nouniversitária, não cessa de refinar-se e de vas ou apenas uma transmissão de ideias e produzir novas informações […]”. sentimentos já sentidos. É algo que talvez se Em virtude dos aspectos mencionatorne necessário pasdos, desenvolve-se a capacidade de ensar, como se a mente Os sentidos podem ser tivesse que se alimentender que olhar uma considerados impressões tar desses momentos obra de arte não se que são as formas que acontecem com a trata unicamente da vivência do paradoxo. ação física, ou seja, mais vivas e fortes de O inevitável não limita-se ao senpercepções (como por processo do paratido da visão, e é um exemplo, ao ouvir, ver, doxo nessa primeira exemplo claro do que condição abordada se chama sinestesia. sentir, querer, etc.) é uma luta que nem “Pousar o olhar” sempre perdemos. Quando há esforço numa obra de arte é um instrumento que para combater essa ação involuntária, é é tocado para que se alcance o som da signifiimprescindível pensarmos em tornar toda cação, que é preenchida de uma quantidade essa “confusão” de ideias em algo mais raimensurável de sentidos. cional. É neste momento em que começa a Esse excerto, proveniente da filosofia de David Hume, filósofo, historiador e enhistória, no caso, da arte. Sentir-se permitido de duvidar, de questionar e aceitar tudo saísta britânico, associado à construção do que vem à mente, resultando então, dessa conhecimento nos ajuda a compreender forma, na construção de um questionamenas características de como as análises são to racional. Tornar como uma disciplina a feitas envolvendo sentidos tanto subjetivo ser estudada, propor um “conhecimento quanto objetivo e, que por sua vez, também específico” de alguma causa - esse processo nos levam ao fenômeno da coexistência de é dado como a própria história da arte. opostos, o paradoxo.
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Fra Angelico Anunciação, 1440-42 Convento di San Marco, Florence
“A história da arte se apresenta, em realidade, como um empreendimento sempre mais conquistador. Ela atende a demandas, torna-se indispensável. Enquanto disciplina universitária, não cessa de refinar-se e de produzir novas informações […]”. Didi-Huberman 53
ANÁLISE por
Bruna Pimentel
Mulheres de Argel Eugène Delacroix
T
omado por seus questionamentos guidas, parecem estar refletindo, absorvidas sobre o significado das artes visuais, em si mesmas, em seus pensamentos, e as Erwin Panofsky desenvolve, a partir duas sentadas no lado esquerdo da pintude seu ensaio “Iconografia e Iconologia: uma ra parecem interagir de alguma maneira. Introdução ao Estudo do Renascimento”, Todas possuem roupas com grandes varieum modo de realizar uma interpretação dades de cores, estampas e tecidos – alguns complexa e articulada sobre a obra de arte. assemelhando-se inclusive à seda – , apreSeu ensaio baseia-se em três diferentes etapas sentando a mulher negra ainda um turbante. – a pré-iconografia, a iconografia e a iconoloAlém de suas enfeitadas vestimentas, elas gia – , que englobam desde a ordenação dos portam lenços e grande quantidade de joias. A motivos artísticos até o cena está recheada de obsignificado profundo do A narrativa da obra, algo que jetos orientais, como vasos conteúdo de determinada de vidro, espelhos, o narjá é domínio da iconografia, obra. Sendo assim, este guilê ao centro, além de gira em torno do misterioso texto buscará analisar a diversos tapetes, móveis e mundo oriental. obra Mulheres de Argel almofadas, que possuem (1834), de Eugène Delapadrões e estampas oriencroix, com base nos métodos de Panofsky. tais. Há ainda, ao fundo da sala, um quadro Em relação à descrição pré-iconográficom escritos árabes pendurado sobre uma ca, a obra Mulheres de Argel é bastante rica. cortina semiaberta. É importante ressaltar o Ela retrata quatro mulheres, três sentadas contraste impactante criado por Delacroix, e uma em pé, em um apartamento. As a partir da luz, entre os objetos estampados mulheres da obra, que possuem formas lânmais opacos, como as almofadas e os tapetes,
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Eugène Delacroix Mulheres de Argel, 1834 Louvre, Paris
em relação aos objetos mais brilhosos, como os espelhos, o vidro, as joias e a seda. A luminosidade acolhedora conferida à obra, sua paleta de cores vibrantes e refinadas, e os olhares calmos das mulheres fazem com que a atmosfera da pintura ganhe um caráter de serenidade e de silêncio. Apesar de o nome original da pintura ser Femmes d’Alger dans leur appartement, ou seja, mulheres de Argel em seu apartamento, o lugar onde a cena retratada se encontra é, mais
especificamente, um harém. Sendo assim, as três mulheres orientais sentadas representam as figuras das amantes, das concubinas, enquanto a mulher negra que se encontra em pé é retratada como a serva, como a criada. Uma outra informação relevante é o fato de as amantes estarem fumando haxixe ou ópio, drogas comuns de serem fumadas em narguilês na Argélia. Em 1832, Delacroix acompanhou o conde de Mornay em uma missão diplomáti-
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ca ao Marrocos, onde se encontraram com o sultão Abderrahman, e, no caminho de volta para a França, fizeram escala no sul da Espanha e na Argélia. O artista ficou encantado com a atmosfera, com as cores, com as pessoas e com a arquitetura desse mundo exótico. E, como o grande colorista que era, Delacroix queria retratar os tons de peles mais escuros dos orientais que tanto o encantavam. Afinal, o ideal de beleza romântico abre portas para o novo, para o diferente, apresentando uma nova noção do belo que fazia com que os europeus se fascinassem pelo exótico, pelos diferentes tons de pele existentes ao redor do mundo. Porém, só foi possível que Delacroix retratasse as mulheres da obra Mulheres de Argel, pelo fato de o engenheiro chefe da náutica de Argel ter persuadido um dos oficiais do porto a deixar o artista entrar em seu próprio harém; afinal, os haréns mulçumanos eram de acesso restrito e as mulheres islãs eram proibidas de andarem sem portarem véus. Em relação ao método de O mistério reina sobre tal Panofsky, é impintura, que evoca tanto o portante ressensualismo, o erotismo, saltar o fato de quanto o orientalismo essas questões já se enquadrae o exotismo. rem no domí-
[Detalhe] Mulheres de Argel
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nio da análise iconológica da obra. Apesar de o semblante das mulheres retratadas conferirem à obra uma atmosfera calma e serena, quase melancólica, a pintura também possui certa agitação. A grande quantidade de objetos e de variadas estampas, combinadas com a tinta grossa e com as curtas pinceladas do artista, criam uma sensação claustrofóbica, de um ambiente fechado e sufocante. O fato de a figura da criada estar posicionada de modo a parecer que ela está abrindo a cortina contribui para a dramática narrativa do desvelamento do harém, local restrito ao homem mulçumano, mas que agora, através da pintura de Delacroix, é exposto ao mundo. Essa cortina é, na realidade, um dos elementos mais enigmáticos da obra, já que, ao mesmo tempo que ela é a responsável por desvelar o harém, está posicionada atrás das concubinas, fazendo com que mesmo que a criada a abrisse totalmente, a cortina só deixaria a parede preta à mostra. Sendo assim, é como se o artista só tivesse colocado o elemento da cortina na obra pelo mero propósito de ela ser algo comum da pintura oriental. Outro aspecto curioso da obra é o fato de ela estar pintada de uma maneira a fazer com que o fruidor não consiga penetrar e
Delacroix realizou a obra na França, dois anos após sua viagem à Argélia, contudo, enquanto estava no harém, o artista produziu inúmeros registros em aquarela em seu caderno de viagem.
observar totalmente o harém, mas somente uma parte dele. Além de as amantes estarem completamente vestidas e absorvidas em si mesmas, ao invés de serem retratadas de forma a evocar os fetiches sexuais do observador ou excitadas pela chegada de seu homem. Isso faz com que elas apresentem um certo caráter de dignidade e de lealdade em relação à sua família e entre si. Esses dois fatos aliados à questão da cortina desveladora que, na verdade, só deixaria a parede à mostra, apontam para o fato de Delacroix buscar preservar um pouco a questão islâmica de não mostrar essas mulheres e esse ambiente íntimo e reservado por completo; é como um sinal de respeito em relação à cultura islã. A obra Mulheres de Argel é uma mistura entre o real e o imaginário. Sendo assim, buscou retratar a cena da forma mais autêntica e verdadeira possível, ao utilizar como modelo uma mulher que era realmente do islã e ao não retratar as cores orientais que já eram conhecidas e familiarizadas pelos europeus, mas sim precisamente as cores que
utilizou em seus registros. Outro aspecto que contribui para o caráter autêntico da obra é o fato de Delacroix ter sido um dos poucos, ou até um dos únicos, europeus daquela época a ter acesso a um verdadeiro harém. A questão da imaginação e de fantasia da pintura reside na harmonia dos contrastes das cores empregadas em relação à luz, que conferem certo equilíbrio à obra. Por fim, é importante ressaltar o aspecto engajado do artista e da obra, que remete até a uma certa desolação. Delacroix, ao invés de exaltar o poder e a autoridade francesa em relação à Argélia, que era uma das colônias da França, busca mostrar o contraste da pureza e da inocência desse país, desse povo, em contraposição à corrupção da modernidade francesa. Com isso, é possível observar que Mulheres de Argel não é um tributo para a exitosa colonização da França, mas sim uma tentativa de mostrar a nobreza e a honra dos norte africanos – algo que pode ser observado através do caráter de dignidade e de respeito que exalam destas mulheres.
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RESENHA
por
Lucas Lira
Leonardo e os filósofos ‘Introdução ao método de Leonardo da Vinci’ Paul Valéry
C
om a intenção de preparar os espíritos para a dialética de Leo Ferrero, Paul Valéry escreve esta carta ao amigo em 1929, claramente inspirada pelos escritos de Ferrero sobre Leonardo da Vinci. Posteriormente, ela é incluída e publicada como capítulo final de sua obra ‘Introdução ao método de Leonardo da Vinci’, de 1894.
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apenas a palavras e discursos para exprimir Leo Ferrero foi um escritor e dramaturgo italiano. Formado em letras na Universisuas teorias. São necessários outros meios dade de Florença, sua tese de conclusão teve para expor este conhecimento, pois a forma como tema Leonardo da Vinci (1927). Em verbal é demasiado limitada para tal fim. E Paris, após se formar e já trabalhando como em razão dessa limitação, a filosofia achaescritor, conhece Valéry e se restrita numa ‘tentatitornam-se amigos. Tendo va de transmutação’, ou O poeta e escritor francês, conseguido uma bolsa de seja, numa tentativa de Paul Valéry, inicia sua estudos no Novo México, dar uma nova roupagem, argumentação definindo o muda-se para os Estados estruturada e lógica, ao filósofo como uma espécie Unidos pouco tempo deque já sabemos. pois. Ferrero faleceu pre- de ‘especialista do universal’. A necessidade de cocemente, aos 29 anos, ordem é uma das caracem um acidente de carro nos Estados Uniterísticas mais essenciais à filosofia, pois dos, em 1933. Apesar de não ter produzido no pensamento de um filósofo não podem muito, ele deixou uma obra literária sólida. existir ideias totalmente independentes e De acordo com Paul Valéry, o filósofo isoladas. Para o autor, numa mente filosófidispõe apenas da linguagem e do discurso ca tem de haver, impreterivelmente, uma como ferramentas para realizar a enorme ligação profunda e uma forte dependêntarefa de desvendar o universo utilizando a cia entre todas as ideias que possui e pode, futuramente, possuir. Ora, essa ligação e razão. Enquadra-se ele então entre os artisdependência exigem a ordem, pois sem a ortas, pois a origem de sua ocupação provém de um ideal ético e estético, que propõe uma dem não poderiam conduzir a uma questão organização coerente e verbal de todo o conprimordial, que é a do conhecimento. Porhecimento humano. Entretanto, a filosofia tanto, um pensamento que se desenvolve dentro de um sistema, como a filosofia tennão pode admitir entre suas doutrinas algo que não possua lógica nem ordem (caracciona, não pode admitir irregularidades e terísticas conflitantes para o fazer artístico) contradições em sua constituição, já que como bases para a sua fundamentação teórica. pretende alcançar, conforme Valéry, um O projeto grandioso da filosofia, para o ‘ideal uniforme de conceitos’. poeta, reside pura e simplesmente numa ‘tenA antiga disputa entre filósofos e artistativa de transmutação’ de tudo que o ser hutas é renovada pelo poeta, que se posiciona mano sabe naquilo que ele gostaria de saber. abertamente a favor dos artistas. Estes, em Obviamente, é notada aqui uma áspera críticontraposição aos filósofos, podem coexistir ca de Valéry aos métodos filosóficos. Visto harmonicamente num mesmo âmbito (o da que para ele, um sistema de pensamento que arte), pois os pintores e poetas só disputam se destina a uma enorme empreitada, como entre si a categoria (definida pelo estilo). Ena filosofia se propõe, não deve submeter-se quanto os pensadores rivalizam pela existên-
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A desesperança de Paul Valéry com a filosofia ganha força na medida em que ele percebe o crescente alarido produzido pela ruína do ‘Palácio do pensamento’.
cia, uma vez que suas doutrinas não possuem eco considerável nas obras de outros filósofos, sendo compreendidas fundamentalmente pelo crivo individualista de seu ator. Por exemplo, doutrinas distintas sobre a mesma questão (epistemologia, empiristas versus idealistas) não podem ser adotadas por um pensador simultaneamente e sem qualquer conflito. Uma deve sobrepujar, necessariamente, a outra. Caso contrário, as questões (epistemológicas, no caso) não poderão se desenvolver de maneira lógica e uniforme até que o conflito seja solucionado – uma posição deve ser tomada pelo filósofo. Consequentemente, a ‘existência’ do filósofo, como o poeta esclarece, está condicionada ao predomínio de suas ideias sobre determinada questão. A forte convicção nos valores conquistados pelo espírito decresce gradativamente em face de um novo tipo de conhecimento. Um conhecimento, que na consciência moderna, deve corresponder diretamente a um poder verificável. Tal nova forma de saber não se reduz apenas a um código verbal, ela não só se utiliza deste como se estende para outros tipos de manifestações (empírica e formal). Immanuel Kant é o filósofo que o poeta utiliza como exemplo maior para legitimar seus argumentos. Descrito como um pensador que baseou sua ética e sua estética num ‘mito de universalidade, na presença dum sentimento de universo infalível e unânime’,
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Leonardo da Vinci A Última Ceia, 1495–1498 Santa Maria delle Grazie
Kant é considerado por Valéry como um criador que almeja substituir ideias grosseiras ou superficiais por outras mais exatas e rigorosas. Ou seja, o filosófo é um inventor e, como inventor, inventa segundo suas inclinações pessoais e arbitrárias (somente assim puderam surgir a verdade, o bem e o belo, manifestadas através das três grandes críticas de Kant). Deslocando o eixo da argumentação para um sentido estético, Valéry assevera que, na modernidade, uma definição do belo só pode ser considerada como um documento da história ou filosofia. Tanto que o autor conceitua a beleza como ‘uma espécie de morte’. Concepção que diverge inteiramente da adotada por Kant, que vê no belo algo que ‘agrada universalmente, sem relação com qualquer conceito’. O juízo estético, para o filósofo, existe como resultado de uma
obras d’avant-garde do início do século XX tinham por função arrebatar o espectador do estado de contemplação. As vanguardas modernistas são, para o autor, influenciadas por modas efêmeras (da vida psíquica e sensitiva) e essencialmente vazias, posto que a sua preocupação é voltada apenas ao superficial e ligada à forma, e não lhe interessam pensar a arte em suas questões mais íntimas e essenciais. Retornando a uma perspectiva comparatista entre arte e filosofia, o escritor elucida que a estrutura de um sistema filosófico é concebível numa forma reduzida, visto que um resumo pode reter o essencial de uma doutrina. Todavia, o mesmo não pode suceder com uma obra de arte. Resumi-la seria perder a sua essência. O fator decisivo de uma medida comum oculta, entre elelivre associação entre a razão e a imaginação. mentos de naturezas muito diferentes, preEnquanto que, para o poeta, a compreensão sente no artista, contribui definitivamente de um objeto artístico está situada acima numa operação complexa de articulação das faculdades humanas, pois para julgá-la entre o inevitável é necessário transpor e o indivisível no os limites do belo e Constituída por um processo de criação. alcançar o sublime. sistema inextricável de Como também, a Quando Paul condições independentes, permanente coordeValéry focaliza a nação latente no faarte produzida em uma obra artística (por seu tempo, lança exemplo, um poema) não zer artístico ‘do arbitrário e do necessário, um olhar de desprepode ser resumida como do esperado e do zo ao gosto comum inesperado, do seu um universo. das ‘almas recentes’. corpo, dos seus maO antigo conceito teriais, dos seus desejos, até das suas faltas’. de belo, profundamente vinculado a uma Todos esses fatores interferem diretamente felicidade inerte, não atrai mais os olhares na criação de uma obra de arte, logo conscomo antes. Agora é a excitação da novidade tituem uma totalidade indissociável, onde e da estranheza (‘valores que chocam’) que todas as partes, mesmo que autônomas, dominam o cenário artístico, ou seja, as
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convergem-se para a formação de algo maior, de um arranjo único, produto de uma soma intrincada de elementos conflitantes e incongruentes. Dessa forma, uma proposta de ensino da filosofia deve abarcar e assimilar uma consciência artística e uma sensibilidade estética, pois negando a arte e a liberdade do espírito, tal ensino seria antifilosófico para o autor. Através de uma influência da arte, a filosofia se tornaria mais fecunda, humana e sedutora. Uma ‘volúpia do filosofar’ libertaria o pensamento abstrato de suas amarras que negam o corpo, os sentidos e as paixões, além de estabelecer limites à atitude autoritária e inflexível da filosofia. Por fim, Paul Valéry conclui seu pensamento colocando a figura de Leonardo da Vinci em questão. Sendo definido como uma existência genial à margem da filosofia, Da Vinci é um tipo supremo dos indivíduos que possuem a ‘ciência íntima das permutas contínuas entre o arbitrário e o necessário’. Apesar de ter deixado uma enorme quantidade de notas e escritos(acerca de suas ideias e projetos), os mesmos não possuem uma construção explícita de seus pensamentos, tão pouco uma formalidade de textos acabados e organizados. Por conseguinte, Leonardo é excluído do rol dos filósofos, justamente por seus trabalhos não manifestarem ordem e nem proporem a estruturação de um saber que possa ser plenamente expresso e transmitido através da linguagem.
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Leonardo da Vinci Dama com Arminho, 1489-1490 Castelo Real de Wawel, Museu Czartoryski
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Leonardo da Vinci, enquanto não-filósofo, rejeita a palavra e o discurso como instrumentos únicos de investigação e elaboração do conhecimento. Para ele, importa mais o poder. Como sua mente não dissocia a criação da compreensão, o artista deseja incessantemente subordinar o inteligível ao verificável. Portanto, seu saber não é filosófico, mas constitui um saber notavelmente científico. Saber este, que em nenhum momento se distancia dos atos nem dos instrumentos de execução e controle, uma vez que longe destes, perderia inteiramente seu sentido. As fórmulas de atos (‘façam isto, façam aquilo’), que transformam o exterior e criam uma relação imediata e simultânea com uma consciência interior, são o fundamento desta nova ciência que persegue sempre o poder, segundo Valéry. A pintura é a filosofia da vida de Da Vinci. Ele é, acima de tudo, um pintor. Erige tal arte à categoria de uma ‘ideia excessiva’, considerando-a como um desígnio final do empenho e dedicação de um espírito universal. O ato de pintar, nessa perspectiva, se torna uma operação ampla e complexa, que exige múltiplos conhecimentos de seu executor, por isso uma intensa curiosidade científica transpassa toda a obra pictórica do mestre italiano, revelando-nos um poder analítico minucioso e uma grande habilidade no domínio de diversas áreas do conhecimento humano, como a geometria, a dinâmica, a geologia, a física, a fisiologia e vão até a psicologia.
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CAPA por
Aline Lorenzini
VIDEO
Uma arte con
uma sociedade 64
OARTE
nceitual para
iedade inerte
Nam June Paik Electronic Superhighway: Continental U.S., Alaska, 65 Hawaii, 1995
CAPA
VIDEOARTE Uma arte conceitual para uma sociedade inerte
A
sociedade norte americana entre os anos 50 e 60 passava por um estado de bem estar social, em que os valores conservadores garantiam à parte da população um estilo de vida confortável e, logo, consumista. Adquiriam não apenas bens materiais, mas também ideologias de como deveria ser e o estilo de vida que poderiam se enquadrar para serem aceitos. Estes ideais eram disseminados pelos interesses dos economicamente mais fortes, isto é, os que detinham o poder do capital. Theodor Adorno e Max Horkheimer, filósofos e sociólogos alemães, fizeram diversas críticas contra essa sociedade, pois perceberam que as pessoas não exercitavam mais seu senso crítico, aceitavam o que era transmitido pelas mídias, sem resistências. De acordo com o pensamento destes estudiosos, “sob o poder do monopólio, toda cultura de massas é idêntica” (ADORNO, HORKHEIMER; 1985; p.114), a sociedade caminhava para uma padronização, pois
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todos consumiam os mesmos princípios e desenvolviam as mesmas necessidades, assim, consequentemente, obtinham os mesmo bens. Uma das formas mais populares, na época, de divulgação desses princípios era por meio do cinema, que abrangia uma quantidade de público maior, assim como a música e as revistas, estes foram caracterizados por Adorno e Horkheimer como Indústria Cultural, que tinha o objetivo de evitar impulsos que tornassem os homens pessoas de fato ativa, “seu controle sobre os consumidores é mediado pela diversão” (ADORNO, HORKHEIMER; 1985; p.128), logo, possuía apenas o dever de distrair e entreter. Desse modo, ocorria por meio desta indústria um controle da consciência individual, da ilusão da concorrência e da possibilidade de escolha por parte dos cidadãos. Nos anos 60, a televisão se tornou mais acessível para a maior parte da população, mais de 90% das casas americanas detinham
Nam June Paik Global Groove,1973
aparelho televisor, e passavam até sete horas por dia absorvendo as ideologias difundidas pelos comercias, fortalecendo o mercado de consumo. Os meios de comunicação de massa continuavam exercendo o papel de entreter as pessoas e distanciá-las da realidade. Arlindo Machado (1988; p.19) cita o comentário crítico de Jerry Mander, feito em seu livro Four Arguments for the Elimination of Television (1978), onde afirma: “a Tv inibe os processos cognitivos, induz no indivíduo estados de sonolência ou hipnose, produz a desorientação das noções de tempo e espaço, estimula comportamentos de passividade, gera a autocracia e os regimes autoritários”. A Reação
A arte contemporânea priorizava o conceito da obra mais do que a estética do objeto. Desse modo, os artistas puderam trabalhar com as situações que a sociedade vivia diariamente, gerando diversas produções que debatiam sobre a realidade dos americanos,
assim como a relação destes com os meios de comunicação e a tecnologia. Umas das formas desenvolvidas foi a Videoarte, devido a inserção no mercado comercial da filmadora portátil Portapak. Seus praticantes perceberam nesse meio um jeito de expor os defeitos da sociedade em que viviam. Michael Rush (2006) cita um comentário da curadora do Museu de Arte Moderna de São Francisco, Christine Hill em relação ao pensamento dos primeiros artistas de vídeo: “uma ideia fundamental defendida pela primeira geração de videoartistas era que para existir uma relação crítica com a sociedade televisual, era preciso primeiramente participar de forma televisual”. Rush (2006) aponta o nascimento da Videoarte no ano de 1965, em Nova York, com o artista, associado à performance e música, Nam June Paik, quando este filmou, utilizando uma Portapak, a comitiva do Papa Paulo VI que passava pela Quinta avenida no momento. Essa filmagem não tinha vínculo com noticiar a passagem do sumo pontífice, mas foi percebida como ex-
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“Uma atitude crítica em relação à televisão dominou a videoarte desde sua origem até meados dos anos 80.”
tensão de sua prática artística, pois, para Paik, tinha valor histórico Michael Rush (2006; p.80) e artístico. Naquele mesmo dia, apresentou o resultado para um grupo de artistas que frequentavam um ponto de encontro, “concretizando assim a primeira apresentação de Videoarte” (RUSH; 2006; p.76). O resultado não seria um produto para consumo de massa ou para venda, em virtude da intenção artística do artista. Uma das características que mais satisfez os praticantes, como Bruce Nauman, John Baldessari, Joan Jonas e Vito Aconcci, por exemplo, foi a instantaneidade da gravação, diferentemente dos filmes que poderiam ser processados e ter cenas cortadas, o vídeo não apresentava esta possibilidade, proporcionando filmagens espontâneas, que aproximava o espectador do momento gravado, gerando sensação de intimidade, não percebido nos filmes (RUSH; 2006). Philippe Dubois sobre o inicio da videoarte coloca que o objetivo era claro:
No entanto, mesmo antes da arte em vídeo, Nam June Paik já tinha envolvido o emprego da crítica a televisão em seus trabalhos, debatendo sobre novas possibilidades de uso dos meios tecnológicos e, especialmente, a reflexão sobre a cultura de massa e a possibilidade de uso mais elaborado e libertador desses veículos. Do mesmo modo Wolf Vostell, figura, assim como Paik, fundamental à videoarte, em 1963 fez uma instalação com televisores, 6 Tv Décollage, que provocava questionamentos sobre o seu uso e o controle exercido na sociedade.
“tratava-se então de uma arte quase virgem, em que tudo estava por inventar, e que era absolutamente minoritária, e, portanto, radical. Os videoartistas deviam lutar contra a Arte para nela introduzirem um novo suporte de criação, e os videastas deviam lutar contra a Televisão (contra seu peso, sua inércia, sua potência, sua uniformização, sua ‘mastigação’ de toda mensagem), para tentar criar nela novos modos do tempo e do espaço.” (2004; p.170).
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Wolf Vostell Television Décollage,1963
Uma das produções mais objetiva é a Television delivers people, de Richard Serra, em que o artista apresenta um texto depreciando a televisão como um entretenimento puramente comercial e os telespectadores que permanecem assistindo e consumindo, mostrando aos espectadores que a TV comercial define o mundo de uma maneira que não ameace o status quo. Outro exemplo é o Das Softiband (1980), do alemão Klaus vom Bruch, em que o artista mistura cenas de um comercial de lenços faciais com cenas de um filme de guerra, demonstrando “o poder da televisão e da publicidade para banalizar até mesmo os eventos mais pungentes” (RUSH; 2006; p.81). Já dentro de um olhar crítico à imagem feminina transmitida pelos meios de comunicação nota-se trabalho de Hannah Wilke, Gestures (1973), onde a artista parada em frente à câmera focaliza seu rosto e nele começa uma série de massagens, com movimentos que lembram o manuseio de cremes de beleza em um comercial, ironizando outros tipos comuns de gestos femininos muito usados pela mídia. Em Technology Transformation: Wonderwoman, Dara Birnbaum manipulou as imagens de um programa famoso nos anos 70, Mulher Maravilha, que produzia um mito em cima da imagem da mulher perfeita, fragmentos da série são colocados em repetição, corrompendo a lógica original do seriado e a imagem construída de uma “supermulher”. Além da preocupação com o conteúdo crítico nas produções, alguns videoartistas se apropriaram das tecnologias de vídeo e desenvolveram meios de expressão inovadores
Dara Birnbaum Technology Transformation: Wonderwoman,1978-1979
que eram tanto utilizados por outros artistas, quanto copiados pelos meios de comunicação convencional, como apontou Michael Rush (2006). O casal destaque foi Steina e Woody Vasulka que, diferentemente dos engenheiros elétricos, estavam interessados no funcionamento artístico dos mecanismos de vídeo, ou seja, no processamento digital e eletrônico das imagens, como visto em Golden Voyage, o que possibilitou o progresso das filmagens e o interesse de outros artistas na videoarte. Nam June Paik, além de produzir e ser o artista mais influente da videoarte, também contribuiu com inovações tecnológicas, seu sintetizador Paik/ Abe, manipulava as imagens e as coloria. Com o desenvolvimento das técnicas de vídeo e com a acessibilidade das câmeras a: “a videoarte progrediu do que tinha sido uma arte que reagia à televisão, ou que meramente traduzia tendências em arte visual, para o vídeo (conceitualismo, arte corporal, arte processual) e começou a assumir identidade própria. Surgiram artistas que eram ou vieram a ser, basicamente, videoartistas.” (RUSH; 2006; p.98).
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Considerações Finais
Como medida de conscientização, os primeiros videoartistas esforçavam-se em fazer uma arte mais conceitual que buscasse demonstrar o quanto a sociedade estava absorta nos meios de comunicação e o quanto se deixavam influenciar pelas mensagens que eram transmitidas. Todavia, de acordo com Philippe Dubois (2004; p.112) o objetivo da videoarte não era derrubar a televisão, mas “de refleti-la e encenar (em imagem e em dispositivo) a imagem e o dispositivo em que ela consiste.”. Sua ideia é de que o vídeo seria uma forma midiática que pensa, “o vídeo é o material formal e intelectual no qual se processa a reflexão sobre a, da ou com a televisão.” Dessa forma, como uma arte que “pensa”, a videoarte tornou-se uma maneira de expor à sociedade seus defeitos e suas fraquezas, sendo “a denúncia dos códigos, que combate os modos instituídos de representação, sobretudo televisiva” (DUBOIS; 2004; p.166). As mensagens das gravações em vídeo carregam um conteúdo que exigem ser vistos
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de forma crítica, em que o telespectador terá que pesquisar sobre o assunto tratado, fazendo dele uma pessoa ativa, questionadora e participativa, libertando-o das amarras dos sistemas e colocando-o com um ser autônomo. Dubois (2004) propõe que o vídeo não deve ser visto apenas como uma imagem, entretanto é preciso não apenas vê-lo, “mas concebê-lo, recebê-lo ou percebê-lo”. Conforme Arlindo Machado (1988), o vídeo é um instrumento que estimula todos os sentidos e tem como característica mais marcante a intensa mistura de linguagens, gêneros e possibilidades. Com o progresso da atividade, o vídeo nos anos 80 deixou de ser resistente, segundo Dubois (2004), passou a estar em todos os lugares e abordar outros gêneros. Rush (2006) coloca que os videoartistas dos anos 80 e 90 voltaram sua atenção para as narrativas pessoais, artistas como Bill Viola, Cheryl Donegan e Phyllis Baldino, encontraram nesse meio um modo de expressar seus anseios, a busca por sua identidade, sobretudo, cultura e sexual, autoconhecimento e liberdade política, desvinculando-se com o que fora em seu início, uma arte de resistência, crítica.
Richard Serra Television delivers people, 1973
Steina e Woody Vasulka Golden Voyage, 1973
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