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JUDY CHICAGO

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On Fire at 80. © Judy Chicago

POR DRIKA DE OLIVEIRA

Devido à atual pandemia de Covid-19, o De Young Museum (São Francisco –Califórnia) adiou o evento , ainda sem nova data. A exposição, organizada por Claudia Schmuckli, celebra a primeira retrospectiva da artista norte-americana Judy Chicago, trazendo ao público obras produzidas desde o início de sua carreira, nos anos 1960, até seu trabalho mais recente. Considerada uma artista feminista pioneira, Chicago teria sua obra apresentada em conjunto com o 100º aniversário do direito de voto das mulheres nos Estados Unidos. A exposição trará cerca de 150 pinturas, além de esculturas, performances, gravuras, entre outros. também vai expor materiais de arquivo, sinalizando o papel de Chicago não só como artista, mas também como educadora. Para a abertura da retrospectiva, Judy Chicago pretende criar uma performance com fumaça colorida, técnica que já usou em mais de 40 projetos, desde 1968. O primeiro deles é a série (1968-1974),

trabalho colaborativo de performances em protesto à cena artística daquele momento, quase inteiramente dominada por homens. Com a fumaça, Judy Chicago faz uma espécie de intervenção fluida no espaço, abraçando-o com uma densidade colorida que, no entanto, é leve como o ar. Ela retoma a atenção às cores das obras minimalistas que produziu em 1965, na importante exposição , no Jewish Museum (Nova York). Na ocasião, contudo, das 51 obras expostas, apenas três eram de artistas mulheres. Assim, na contramão desse sistema, a fumaça de Judy Chicago implode as formas fixas, como em um impulso dinâmico de libertação da própria arte. Chicago publicou 14 livros, a maioria sobre suas próprias obras. Como educadora, criou o primeiro programa feminista de educação e arte na CalArts (California Institute of the Arts), nos anos 1970. Pouco depois, cofundou o Feminist Studio Workshop e o Woman’s Building. Em constante movimento, Judy sempre buscou sua própria autonomia, dentro e fora da arte. Nascida Judith Sylvia Cohen, em 1939, em Chicago, a artista de origem judaica decidiu mudar seu sobrenome aos 31 anos. Ela abdicou dos nomes do pai e do marido e passou a se chamar Judy Chicago. Em referência à mudança, publicou uma foto usando luvas de boxe: mudar o nome é também mudar a própria história. É a partir de 1973 que Judy Chicago começou a compor obras mais explicitamente feministas, muito embora a própria existência de seu trabalho na história da arte já represente, em si, um ato feminista. (1972-73) e

À esquerda: Smoke Bodies, 1972. Abaixo: Peeling Back, 1974. © Judy Chicago

À esquerda: Entryway Banner #2. Abaixo: Boadaceia plate from The Dinner Party, 1974-79. © Judy Chicago

(1973) são as suas primeiras obras a abordar a sexualidade e o corpo femininos. Alguns anos depois, a artista fez a instalação (1979), hoje uma de suas obras mais celebradas, mas que, à época, segundo a própria artista, foi bastante criticada por ser acessível a um público mais amplo. No entanto, Judy estava à frente das críticas. é composta por diferentes camadas: 1) os , com desenhos que lembram o interior do corpo humano e mencionam frases como , anunciando o recorte feminista; 2) a imensa , em forma de triângulo equilátero, na qual Judy dedica 39 lugares a mulheres importantes na história; 3) o , mosaico de mais de dois mil azulejos feitos à mão, citando os nomes de 999 mulheres, entre artistas, ativistas e escritoras; 4) os , que elucidam quem são essas mulheres; e 5) os , onde são citados colaboradores da obra. é uma instalação-monumento: ela resgata e celebra a memória coletiva das mulheres. Na mesa triangular, cada um dos 39 lugares tem um prato, um cálice (ambos de cerâmica) e um guardanapo bordado com fios de ouro. A maioria desses pratos tem vulvas pintadas com cores e formatos que se relacionam à obra de cada artista homenageada. Ao usar bordado e cerâmica, Judy opta por técnicas de artesanato, historicamente lidas como “menores” perante a arte, além de estarem associadas a tradições femininas. A obra foi vista por mais de um milhão de pessoas, em seis países, e hoje está em exposição permanente no Elizabeth A. Sackler Center for Feminist Art, do Brooklyn Museum. A obra recebeu um apoio expressivo do público e assim Judy fundou a Through the Flower (1977), organização sem fins lucrativos voltada para a educação de mulheres. Das deusas da pré-história à era das revoluções, a instalação é considerada a primeira grande obra feminista épica. Segundo a artista, ela contaria uma história simbólica da mulher no Ocidente.

À esquerda: Menstruation Bathroom e Cock and cunt play, 1972. À direita: Birth Tear, 1982 e Earth Bird, 1983. © Judy Chicago

Antes de , Chicago já havia participado daquela que foi considerada a primeira exposição feminista pública de arte nos EUA: (1972). Em uma mansão abandonada, um grupo de mulheres capitaneado por Judy Chicago e Miriam Schapiro se organizou para conceber um espaço artístico de troca entre mulheres. O caráter subversivo de fica evidente não só nas instalações e performances resultantes, mas desde o processo: mulheres que se organizam coletivamente para limpar, pintar, levantar paredes e fazer reparos. O espaço funcionou por apenas um mês e ainda assim recebeu cerca de dez mil visitantes. Constituída por espaços como (Judy Chicago), (Susan Frazier) e (Shawnee Wollen), a casa-instalação foi citada em 2019 pela revista como uma das 25 obras que definem a arte contemporânea. Entre as performances apresentadas em , está , de Judy Chicago. Trata-se do diálogo de dois personagens,

interpretados por atrizes vestidas com roupas pretas e exibindo grandes genitálias de tecido – um pênis e uma vagina. Em dado momento, o corpo com vagina questiona: “por que você não lava a louça?”, e o corpo com pênis responde: “porque eu tenho um pau!”. A “peça” lembra o que faz a personagem Pomme no filme , de Agnès Varda, também da década de 1970: apresentações feministas itinerantes que são, ao mesmo tempo, didáticas e sutis – como o trabalho de Chicago. No início da década de 1980, Judy Chicago abordou as múltiplas complexidades do nascimento em . Junto a mais de cem mulheres bordadeiras, compôs obras como (1983), tapeçaria de mais de três metros de comprimento que expressa, no corpo da mulher, a matéria viva do mundo. Do fundo escuro da obra, o corpo pulsa e faz nascer a luz. Mas essa imagem gloriosa se contrapõe a encontro entre a dor e a potência do corpo feminino, expressas no parir.

Acima: Logo from the Holocaust Project, 1992. © Judy Chicago and Donald Woodman. À direita: Crippled by the Need to Control/Blind Individuality, 1983 © Judy Chicago

A partir de 1985, Judy Chicago se voltou para o Holocausto. , criado junto com seu marido, Donald Woodman, indica a masculinidade tóxica como causa direta da destruição humana, ideia que a artista aborda mais explicitamente em (1982-1987). Perto de completar 81 anos, Judy mantém sua arte viva e atenta. são pinturas sobre o impacto humano no meio ambiente e, assim como no projeto sobre o Holocausto, Chicago sinaliza a destruição da natureza como a autodestruição humana. Em já era possível observar um ponto-chave para pensar o trabalho de Judy Chicago: a memória como salvação da arte produzida por mulheres. Pelo caminho do arquivo, do registro de contribuições feitas por mulheres na história da arte, a artista parece fixar no tempo sua própria obra. Na urgência de resgatar as

Purple Poem for Miami , 2019. Fireworks performance commissioned by ICA, Miami © Judy Chicago.

Smothered from The End: A Meditation on Death and Extinction, 2015. © Judy Chicago/Artists Rights Society (ARS), New York; Photo © Donald Woodman/ARS, NY.

histórias apagadas pela subvalorização das mulheres, a artista lançou, em outubro de 2019, um portal com a maior parte de sua obra digitalizada, que pode ser acessada em www.judychicago.com. Além disso, depositou obras e materiais de arquivo em quatro instituições diferentes, onde também estão acessíveis para pesquisa. Esta matéria não é uma tentativa de dar conta da vasta trajetória de Judy Chicago. É, na verdade, o esforço de indicar algumas obras para que, por meio dessa artista, olhemos também para as histórias de outras mulheres.

Drika de Oliveira atua como fotógrafa e preservadora audiovisual na Cinemateca do MAM-Rio. É graduada em Comunicação SocialCinema pela PUC-Rio. de cinema e audiovisual.

JUDY CHICAGO: A RETROSPECTIVE • DE YOUNG MUSEUM • SÃO FRANCISCO • EUA • EM BREVE

Acima: How Will I Die, #8 e # 9, from The End: A Meditation on Death and Extinction, 2015. © Judy Chicago/Artists Rights Society (ARS), New York; Photo © Donald Woodman/ARS, NY.

Black Mesa Landscape, New Mexico / Out Back of Marie's II, 1930. © 2016 Georgia O'Keeffe Museum/ DACS, London.

Condor and the Mole, 2011. Courtesy of Lynette Yiadom-Boakye.

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