Ensaio Geral

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Mensal Nº 1 // Setembro 2013 // Fundador: Filipe Pardal

EG

«NINGUÉM DISSE QUE ISTO IA SER FÁCIL» PAULO FARINHA - DIRETOR EXECUTIVO DA NOTÍCIAS MAGAZINE, ESCRITOR E BLOGGER – em entrevista

Francisco Louçã em entrevista

«Há uma grande descrença e raiva contra o Governo, contra a precariedade e o desemprego» Falámos com Francisco Louçã sobre o ativismo político dos jovens, a atualidade política e, ainda, as eleições autárquicas.

JOANA MARQUES: O TRABALHO ENTRE ANTENA 3, CANALQ E, AINDA, A PAIXÃO PELO FC PORTO | FESTIVAL DO CRATO: FOTOS DO DIA DE GNR E DA JOVEM CANTORA AUREA | ATUALIDADE: REFORMA DO ESTADO E ECONOMIA EM DESTAQUE

Verónica Conte é arquiteta paisagista e aliou um novo conceito de design à cultura tradicional da aldeia de São Cristóvão, no concelho de Montemor-o-Novo. Frases mediáticas de significados para quem lá vive, juntamente com desenhos a condizer, são os ingredientes das fachadas das casas de pessoas abertas a novas ideias e a partilhar histórias de vida.


Editorial

Correio do leitor

ENSAIO GERAL… PORQUÊ? Os motivos da criação da revista, o panorama do jornalismo nacional e, os desafios para as próximas edições.

Filipe Pardal Estava na hora de criar um palco de ensaio… Primeiro, porque ninguém atua nos palcos principais sem trabalho, dedicação e determinação. Segundo, porque o jornalismo nacional também precisa desse ensaio fora das luzes da ribalta e dos interesses económicos que tanto podem servir de distorção da realidade. A alternativa surge, tantas vezes, mais leal a quem a consome que talvez a comunicação também passe por esse fenómeno. Pelo menos vale a pena tentar, vale a pena escrever de forma divergente à informação que vem

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até nós. Este Ensaio não pretende esbarrar nos vossos monitores por acaso, quase sem permissão, este é um ensaio que tem de ser procurado, que não dá nas vistas mas pretende criar impacto, seja ele de que dimensão for. Neste palco secundário vão atuar jovens jornalistas que devem ter lugar no mercado de trabalho, vão existir reportagens com conteúdo, entrevistas com personalidades que efetivamente têm algo a dizer. A entrada é livre, esta publicação online é apenas o que antecede o espetáculo, mas o profissionalismo não vai faltar… as únicas diferenças serão a falta de rótulo administrativo, a falta de escândalo para aliciar leitores e a existência de riqueza de conteúdos dinamismo, seriedade e independência.

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Estatuto Editorial 

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Ensaio Geral (EG) é uma revista online de periodicidade mensal totalmente independente e não pertence a qualquer grupo económico. EG é produzida por jornalistas e pessoas que se comprometem a respeitar os direitos e deveres previstos na Constituição da República Portuguesa, na Lei de Imprensa e, no Código Deontológico dos Jornalistas, apesar de ser equiparada a um blog. A revista promove o rigor informativo e distingue claramente os artigos de opinião dos artigos informativos. A EG recusa o sensacionalismo, orientando-se sempre com um critério de rigor. A EG é concebida utilizando o novo acordo ortográfico.

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Contribuíram para esta edição: Aurea; Beatriz Santos; Fábio Gonçalves; Filipe Pardal; Francisco Louçã; Joana Marques; João Bugalho; Paulo Farinha; Pedro Pardal; Rodrigo Barros; Rui Reininho


Índice

P. 7

Entrevista a Francisco Louçã

O perfil profissional de Joana Marques Música

Opinião e atualidade 

P.4

Notícias

Gonzando com isto P.10

No topo da cereja

P. 10

P. 11

Os últimos álbuns de Black Sabbath e Avenged Sevenfold

Entretenimento

P. 20 

P. 24

Festival do Crato em fotografia

P.22

Livros atuais que valem a pena

Cartoon do mês

P. 25

P. 14 Grande Reportagem

P. 16 Entrevista a Paulo Farinha

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Notícias

O que aconteceu em agosto…

Criado o primeiro hambúrguer de laboratório O primeiro hambúrguer cozinhado “in vitro” custou 250 mil euros mas pode significar o inicio de uma mudança drástica na alimentação humana. Mas calma, esta provável realidade ainda está longe de chegar às cozinhas familiares ou mesmo aos restaurantes. Os 140 gramas de proteínas produzidos por uma equipa de cientistas holandeses levam como ingredientes: açafrão; pão ralado; caramelo e sumo de beterraba. Para a degustação estiveram especialistas de alimentação como Hanní Rutzler que realça: «Esperava que a textura fosse mais macia. A dentada é parecida com a carne, mas não é tão suculenta».

Funcionários Públicos calculam em simulador online quanto recebem em caso de rescisão O Governo desenhou, criou e colocou em prática um simulador online – no site da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP) para que seja possível, em caso de rescisão, o trabalhador tomar conhecimento oficial de qual a compensação a que tem direito. A simulação tem apenas vertente informativa, não sendo vinculativa em nenhuma ocasião.

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Tribunal Constitucional chumba lei da requalificação da Função Pública A lei viola a garantia de segurança do emprego, bem como o princípio da proporcionalidade e o princípio da tutela da confiança, quem o afirma são os próprios juízes do Tribunal Constitucional que rejeitam assim os planos – considerados fundamentais por Pedro Passos Coelho - do executivo. A votação que levou ao chumbo desta proposta foi feita por sete juízes e não pelos treze que seriam supostos. Joaquim Sousa Ribeiro – Presidente do Tribunal Constitucional – justificou o número reduzido com o período de férias. O novo regime permitia, pela primeira vez, o despedimento de trabalhadores do Estado numa tentativa de cortar despesa tendo em vista o equilíbrio das contas públicas. O Governo ambicionava aplicar o regime de requalificação, no qual os funcionários públicos ficariam à espera de colocação durante um período máximo de doze meses. Posteriormente, os trabalhadores optavam por ficar em lista de espera para uma possível colocação - sem receber qualquer rendimento – ou, em alternativa, cessavam o contrato de trabalho sendo que, neste caso, com direito a subsídio de desemprego. Esta medida, que agora caí por terra, foi muito defendida pelo Governo para a chamada reforma do Estado. Resta aguardar por novos desenvolvimentos que já só devem chegar em setembro.


Notícias

Incêndios matam 4 bombeiros e deixam 24 pessoas feridas em todo o mês de agosto

Economia portuguesa cresce 1,1% no segundo trimestre e supera toda a União Europeia As previsões foram superadas e a economia portuguesa teve o primeiro sinal positivo desde o final de 2010. O investimento permanece reduzido, mas de forma menos acentuada, e o ritmo das exportações aumentou significativamente: os dois fatores conjugados permitiram que a economia nacional fosse líder em toda a zona euro. O Produto Interno Bruto (PIB) português assinalou uma expansão de 1,1% entre os meses de abril e junho deste ano, quando comparados os resultados obtidos nos três meses anteriores. As previsões eram de crescimento mas menos animadoras. Vários bancos apontavam para um subtil crescimento entre 0,3% e 0,6%. Também a agência Lusa tinha agrupado várias estimativas existentes, onde se integrava a previsão de crescimento de 0,6% por parte da Universidade Católica e até a previsão de um recuo na economia, previsto pelo Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (BBVA). Base negativa, resultados surpreendentes. Com a expansão de 0,7% da economia alemã, finlandesa e checa, estes países foram os que mais cresceram, logo após Portugal. Com o fim técnico da recessão em Portugal, aspira-se agora á recuperação económica de forma gradual. Vários especialistas, como Rui Bernardes Serra do Montepio e Teresa Gil Pinheiro do BPI, antecipam uma recuperação lenta e de vários riscos. Ainda é cedo para se retirar mais conclusões destes bons indicadores, por agora ficam os números estimulantes.

O mês foi fatídico em termos de incêndios no nosso país, deixando por onde passam grandes rastos de destruição e, pior que isso, vítimas e feridos. Os bombeiros Bernardo Figueiredo, Pedro Miguel Jesus Rodrigues, António Ferreira e Rita Pereira morreram a tentar combater o flagelo. Desde o ano de 1980, morreram 106 bombeiros portugueses devido a incêndios negligentes, acidentais ou de mão criminosa.

Angela Merkel diz que Grécia não deveria ter sido admitida na zona euro A chanceler alemã afirmou, numa ação de campanha eleitoral para as próximas legislativas alemãs, que a Grécia nunca deveria ter entrado na zona euro e acaba por responsabilizar o seu antecessor por esse “erro”. «A crise surgiu ao longo de vários anos, devido a erros na fundação do Euro - por exemplo, a Grécia nunca deveria ter sido admitida na zona euro», declarou Merkel.

FMI insiste em mais cortes salariais, incluindo salário mínimo O Fundo Monetário Internacional continua irredutível em relação à necessidade de reduzir os encargos com os trabalhadores do setor privado e uma das medidas é mesmo a redução do ordenado mínimo nacional. O Jornal de Negócios adiantou que os dados fornecidos pelo Governo ao FMI sobre os cortes salariais haviam sido deturpados, para sustentar a urgência de novas reduções. Ensaio Geral // 5


Notícias

O que vai acontecer em setembro…

Municípios e freguesias de Portugal vão a votos no dia 29 de setembro Está a chegar mais um ato eleitoral, um evento importante de agenda política que abrange muito mais do que “apenas” o poder local. Há quem diga – em análises ou em tom de desabafo – que é a primeira sondagem do que pode acontecer nas legislativas de 2014 mas, na verdade e em termos concretos, estas eleições já estão a ter repercussões que há muito não se presenciavam. Ainda faltam alguns dias para chegarmos ao dia 29, mas já passámos por leis de limitação de mandatos, impugnações, recordes de candidatos – exemplo de Sinta que conta com onze -, acusações de jogos políticos que ultrapassam em larga escala os interesses das populações locais. É com grande expetativa que a Ensaio Geral antevê estas Autárquicas 2013, pelo que representam e pelo que os agentes envolvidos querem que represente. António José Seguro aclama que estão para chegar “cortes feitos às escondidas depois das eleições autárquicas”; Marco António Costa – coordenador e porta-voz da direção nacional do PSD – responde: “isso é uma completa falsidade” e, acrescenta ainda que “não existe nenhum truque na manga”. Com truques, ou sem eles, há alguma incerteza quanto ao partido que irá conquistar mais municípios e apenas no fim do mês vamos ter as certezas em relação às possibilidades que agora se falam. Dia 22 de setembro vai ser mais uma data a ter em conta durante o mês. As eleições alemãs prometem centrar não só a atenção dos germânicos mas, também, de todos os europeus. Algumas sondagens fazem prever que a atual chanceler não vai conseguir a maioria absoluta. No entanto, a forte campanha de Merkel: “O futuro da Alemanha está em boas mãos” pode mudar a alegada tendência.

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A Troika vai estar em Portugal no dia 16 para a oitava e nona avaliação do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro.

As reuniões já começaram a ser preparadas através de deslocações de membros do Governo a Bruxelas.


«O PSD quis culpar o Governo anterior [dos contratos Swap] e criar uma cortina de fumo para acertar com os bancos um pagamento escandaloso e excessivo»

«Os cortes de despesa sugeridos ameaçam criar mais recessão»


Entrevista

Francisco Louçã Com uma atualidade política e social das mais agitadas na história da democracia portuguesa, a Ensaio Geral falou com o ex-coordenador do Bloco de Esquerda para tentar perceber a sua visão sobre várias temáticas que preocupam os portugueses. Por: Filipe Pardal Vamos começar esta entrevista por falar no assunto, provavelmente, mais recorrente da vida política nos últimos tempos. Os contratos Swap. Este problema estrutural da governação do anterior e do atual governo está agora a ter grande visibilidade mediática, ao mesmo tempo em que se conhecem os verdadeiros motivos da realização destes contratos e da sua vinda a público. Acha que o PSD tentou fazer disto um caso político e que agora o feitiço se virou contra o feiticeiro? Sim. O PSD quis culpar o governo anterior e criar uma cortina de fumo para acertar com os bancos um pagamento escandaloso e excessivo. Agora, a ministra dedica-se a uma ocultação sistemática do que fez na Refer e da natureza destes contratos Acha que a tentativa de mascarar contas do défice, ou seja, a contração de dívidas nacionais "fora da balança" é um impedimento para sairmos da recessão? Isso era uma prática comum e ainda é. Mas não é por se esconder contas que a economia passa a ir pior ou melhor. O que responde à recessão é o investimento e o emprego, e isso deve ser feito, claramente, em contas claras. O que tem a dizer sobre o facto dos intervenientes do processo terem - atualmente ou anteriormente funções governamentais ou de consultoria? Essa proximidade entre os negócios privados e os cargos governamentais tornou-se uma constante nos últimos 35 anos. O Bloco de Esquerda exigiu uma avaliação do Tribunal de Contas para que seja feito um novo relatório sobre os swaps das empresas públicas. Porque? Qual a utilidade que isso pode vir a ter? Pode ter várias utilidades. É útil ter um estudo autorizado e de uma entidade insuspeita que avalie os contratos e os seus custos - os contribuintes têm direito a saber. O próximo ato eleitoral está quase à porta – eleições autárquicas – e existem alguns temas centralizantes das problemáticas que daí advém… Iniciando o tema com a impugnação de algumas candidaturas, por parte do BE, dos chamados “dinossauros” autárquicos, Acha que é uma questão de ser a lei a falhar ou há quem a saiba contornar? 8 // Ensaio Geral

A lei não é suficientemente explícita, mas a Constituição é, no artigo 118. O problema é que o PSD achou que podia violar a lei, por conveniência dos seus dinossauros, e outros partidos foram à boleia. Quais são as suas perspetivas para os resultados das autárquicas 2013? No geral e as suas implicações para o Governo. Penso que as Autárquicas nunca são o melhor termómetro eleitoral geral, dados os particularismos existentes. Que opinião tem sobre os orçamentos avultados para campanhas? Como são exemplo disso, o orçamento de Menezes que atinge os 350 mil euros e o de António Costa que apresentou um orçamento de 376 mil euros... São orçamentos gigantescos, mas nem são totalmente transparentes, porque ambos beneficiam da sua função atual para a campanha.

«O PSD achou que podia violar a lei, por conveniência dos seus dinossauros, e outros partidos foram á boleia» E o futuro do país... começa a ser anunciada, por alguns meios, a tão desejada luz ao fundo do túnel... A economia já bateu no fundo? Nunca se sabe. Cerca de 25% de desemprego é um nível inimaginável e já lá estamos. Mesmo que haja recuperação conjuntural da procura externa e interna, é natural que o desemprego se estabilize ou até aumente neste nível. A retoma da economia portuguesa - a acontecer em breve - consegue sobreviver aos cortes na despesa prometidos à troika? Os cortes ameaçam criar mais recessão.


Entrevista

OCDE, FMI e Comissão Europeia falam efetivamente em recuperação para Portugal... Os números confirmam isso? Houve efetivamente no último trimestre um ligeiro aumento em relação ao anterior - que representava uma queda sistemática de dois anos e meio, fazendo a economia recuar para níveis de 2000, mas com um desemprego nunca registado. Continuando na ótica de futuro, vamos falar dos jovens na política… Cada vez são menos aqueles que se filiam em partidos políticos? O que falta… será descrença no poder governativo ou inacessibilidade para quem tem ideias novas? Não podemos esquecer que foram os jovens que organizaram as grandes manifestações de 2012 e 2013. Naturalmente, há uma grande descrença e raiva contra o governo, contra a precariedade e o desemprego. E têm razão. Na sua experiência como professor universitário quais são as principais preocupações, em termos económicos, que ouve dos seus alunos? Nas aulas aprendem-se as várias abordagens da economia, tanto na teoria como nos instrumentos práticos. As motivações são por isso muito variadas e as questões também. Os seus livros de economia - por exemplo, «A Dividadura» ou «Isto é um assalto» - servem para mostrar aos portugueses os problemas que o país atravessa e também têm um caráter didático. O que o motiva para os continuar a escrever? O gosto de pensar e de discutir, de aprender com as opiniões dos outros, de motivar a opinião pública. E sobretudo o empenho em combater a selvajaria financeira.

«Não podemos esquecer que foram os jovens que organizaram as grandes manifestações de 2012 e 2013»

«Empenho-me em combater a selvajaria financeira»

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Opinião/Crónica

GONZANDO COM ISTO… Por: Filipe Pardal “O País pergunta” é o nome do novo espaço programático da RTP, onde Pedro Passos Coelho será o protagonista. Tomo a liberdade de formular a primeira questão: Porquê? Tempo de antena antes das eleições autárquicas? Parece-me a mim que todos os portugueses têm muitas coisas para perguntar, mas certamente que nenhuma das contendas mais fulcrais - que passam na cabeça de qualquer pessoa neste momento - serão questionadas. Tenho de gabar no entanto o processo de triagem que os produtores vão ter de executar. Tarefa árdua, quase heróica, tudo para eleger as 20 piores perguntas – essas serão, certamente as selecionadas. O nosso Primeiro-Ministro chega então ao posto de protagonista na próxima novela da televisão portuguesa. Como é óbvio já temos candidatos para contracenar, sendo o principal António José Seguro. O líder do Partido Socialista já defendeu que todos os líderes partidários deveriam ter um espaço idêntico. No fundo são dramas e preocupações idênticos aos de Rita Pereira que protagoniza o programa do horário nobre na TVI. A minha única dúvida é se Seguro e/ou Coelho também vão agradecer a sua forma física e intelectual ao personal trainer… era o mínimo que podiam fazer.

NO TOPO DA CEREJA… Por: Rodrigo Barros Não falo contigo todos os dias… acho que isso ainda nos faz permanecer saudáveis, não tenho pressa de saber como vai ser quando formos a primeira opção um do outro, ainda estamos longe, ainda temos que se entregar a mais uma ilusão de pura atracção e de uma felicidade tão relativa que ainda ninguém a viu ou ninguém a explicou. Espera! Eu não te conheço. Se não te conhecesse como poderia eu escrever sobre ti? Sigo esse teu cheiro da tua ausência, é suficiente. Cheiras a cereja, sim… a cereja! Já me disseste que lhe querias achar o topo, até sugeriste que o querias achar junto a mim. Vamos? Acabaste por me dar a cereja que tinhas na mão, vermelha e perfeita. Nesse momento fiquei a saber que gostavas de mim, não seria a qualquer um que tu davas essa cereja tão desejável. Há histórias que começam com um olhar, outras com vida, algumas com morte, muitas com um beijo, milhares com um acaso, ainda mais com amor. Mas essas, essas são histórias humanas, eu já disse o que acho delas e por isso não as invejo nem um pouco, nada. Sei que tu também não as cobiças, sabes que existe algo mais harmonioso e mais autêntico. Se um dia alguém perguntar, vais ter orgulho em dizer com um sorriso nos teus lábios suculentos que esta história que nem o é, começou com… …a cereja que me deste.

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Entrevista

«É um prazer fazer parte da equipa das “Manhãs da 3”, ainda para mais sabendo que estamos a acompanhar as pessoas nesse momento tão penoso que é a ida para o trabalho!» Com participações na TV e na rádio, a Joana Marques começa a ser um rosto e, principalmente, uma voz conhecida de todos os portugueses… A Ensaio Geral foi conhecer melhor o trabalho e o perfil da Joana. Por: Filipe Pardal Qual é a sensação de apresentar um programa como as “Manhãs da 3” que tanta projeção tem no que diz respeito ao público que, todos os dias, ouve rádio antes de ir para o trabalho ou por qualquer outro motivo? É um prazer fazer parte da equipa das “Manhãs da 3”, ainda para mais sabendo que estamos a acompanhar as pessoas nesse momento tão penoso que é a ida para o trabalho! A rádio é um meio muito interativo e que cria uma ideia de proximidade. As pessoas interagem muito connosco, o que é muito gratificante. Qual é o ambiente que se vive na produção desse programa para a Antena 3? Apesar de, no ar, estarmos sempre a ofender-nos uns aos outros, de forma grosseira, o ambiente que se vive nas “Manhãs da 3” é óptimo. Doutra forma não me convenciam a levantar-me da cama às cinco e meia da manhã. Trabalhar ao lado de Diogo Beja e de Luís FrancoBastos é saudável ou traz riscos para a saúde? Trabalhar ao lado do Diogo é muito saudável, até porque ele só come barritas de cereais e coisas semelhantes. Já trabalhar com o Luís Franco-Bastos traz riscos para a saúde. Dele. Nunca se sabe quando vamos ser obrigados a calá-lo de forma mais violenta.

A Joana é uma comunicadora muito dinâmica, sempre no seu registo mas adaptando-se às situações de forma exímia. Como se descreve enquanto profissional: comediante, locutora ou apresentadora? Sempre fui guionista e acho que é isso que continuo a ser, essencialmente. O resto é bónus. A principal diferença é que agora dou a voz/cara por dois projetos, mas acho que a mais valia não é nenhuma dessas coisas, são sempre os textos e as ideias. O que lhe dá mais satisfação em termos profissionais e, também, pessoais. Trabalhar para a Antena 3 ou para o Canal Q? Não consigo escolher. É como perguntar aos miúdos se gostam mais do pai ou da mãe. O Canal Q é um projeto onde estou desde o dia zero, e vibro com todas as suas conquistas, a Antena 3 é uma instituição histórica e também é uma honra fazer parte dela. A pergunta inevitável… Televisão ou rádio? A rádio tem a enorme vantagem de não precisar de maquilhagem, cabeleireiro, roupas especiais… dá para fazer até de pijama, coisa que eu muito prezo. Agora, como consumidora, sou absolutamente viciada em televisão. Se pudesse, andava com uma TV acoplada à cabeça. ►

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Entrevista

Quais as principais diferenças que, diretamente no seu trabalho, tem de ter em conta para se adaptar ao estilo televisivo/radiofónico? Na rádio interessa apenas aquilo que dizemos, as palavras são tudo, porque é através delas que as pessoas imaginam tudo o resto. Já na televisão, além de nos preocuparmos com o que dizemos, temos também a dimensão física e, no caso do “Altos & Baixos”, a interação, já que somos uma dupla.

Programa Altos & Baixos no Canal Q O que ainda podemos esperar da Joana Marques, que projetos futuros podem acontecer ou tem perspetivas de realizar? O meu projeto é sempre continuar a escrever. Nos últimos tempos escrevi programas como o “Estado de Graça” ou a “Mulher do Senhor Ministro”, na RTP, agora não sei o que o futuro me reserva. Se pudesse escolher uma personalidade para entrevistar quem seria?... Lorenzo Carvalho?... Preferia entrevistar alguém que tivesse capacidade de, como direi… responder! O Lorenzo só era bom entrevistado se eu estivesse a precisar de dinheiro emprestado. Preferia entrevistar o Manuel Luís Goucha, um verdadeiro guro do audiovisual. A rádio é um meio que já provou a sua subsistência credível no meio da era tecnológica… Como define o trabalho numa rádio, como define o meio e a sua importância na sociedade atual? Ao contrário do que muitos preconizaram, a rádio não só não morreu com a chegada da televisão, como acho que está cada vez mais viva. E tem uma vantagem face à TV: ainda consegue juntar muita gente a ouvir em simultâneo, criando pequenos acontecimentos, mais difíceis na televisão, em que o público se dispersa mais. Já sentiu obrigação de fazer “serviço público”? Se entendermos como “serviço público” alertar as pessoas para o que de mais ridículo e risível há à nossa volta, então quero acreditar que faço serviço público todos os dias. Quanto a “serviço público” no seu sentido estrito, acho que há gente suficiente

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para o fazer, não tenho essa pretensão. Temos de deixar algum trabalho para o José Rodrigues dos Santos. Sempre quis seguir uma carreira neste meio ou foi algo que aconteceu de forma natural? Sempre fiz do humor uma forma de estar. A única diferença é que antigamente não me pagavam. Sempre tive como sonho (secreto) fazer um programa da manhã na rádio, mas nem nunca ousei verbalizar isso. Felizmente acabou por acontecer, quase por acaso (ou não, caso sejam como a Margarida Rebelo Pinto e não acreditem em coincidência). Nunca me imaginei a fazer outra coisa que não isto, até porque não tenho jeito para mais nada. A Joana também é conhecida pela sua paixão pelo FC Porto… o que é que o Porto tem que os outros clubes não têm? Há tanta coisa que o Porto tem que os outros clubes não têm…! Para começar, tem o melhor presidente do mundo. Depois, tem uma coisa que os bons pais e educadores também têm: regras. No Porto não há cá jogadores que fazem o que lhes dá na gana (os que fazem, acabam, precisamente, exilados no Gana ou coisa que o valha). O Porto tem a famosa mística e tem toda a gente contra si, o que dá ainda mais gozo. Decorrência de tudo isto, uma coisa que o Porto tem e os outros não: títulos e sucesso! Como nem tudo pode ser bom, temos também o Fucile. E o emplastro. Se fosse contratada para jogar no Porto e declarasse “sou do Porto desde pequenina” era verdade? Era absolutamente verdade. Aliás, eu ainda sou pequenina. Tão pequena que é má ideia o Porto contratar-me. Prefiro que o Rui Barros se mantenha como o craque mais baixo de sempre. Era capaz de manter a imparcialidade caso tivesse de fazer um relato de um Porto-Benfica ou Sporting? Nunca aceitaria fazer uma coisa dessas. Já foi experimentado na Benfica TV e o resultado está à vista. Um muito obrigado pela disponibilidade. Para terminar gostava de deixar uma mensagem aos nossos leitores e criadores da nossa revista? Parabéns aos criadores da Ensaio Geral. É bom ver que, numa altura em que quase todos os jornais e revistas ditos convencionais, entram em lay off ou falência, há quem tenha coragem de se atirar para novos projetos. Quanto aos leitores, prometo que há entrevistas mais interessantes que a minha, noutras páginas!


Texto: Filipe Pardal Imagens captadas da filmagem de: Jo達o Bugalho


Reportagem

Uma aldeia com cor… São Cristovão, no concelho de Montemor-o-Novo, é uma típica aldeia alentejana e, ao mesmo tempo, uma aldeia completamente diferente das outras. Verónica Conte – arquiteta paisagista – conseguiu aliar um conceito de design inovador em terras nacionais à cultura da região e, o resultado está à vista…

Quando se chega a São Cristovão o ar é diferente, os cheiros são diferentes, existe aquela brisa tão desejável e cada vez mais rara no ar. Vamos avançando e começam-se a vislumbrar as primeiras fachadas pintadas com frases características e de significados óbvios ou obscuros, com desenhos que acompanham cada letra como se de uma dança sincronizada se tratasse. É quase impossível passar indiferente, mesmo que não conheça ou que não saiba que foi uma arquiteta paisagista de Lisboa que implantou este projeto inovador em Portugal nesta terra alentejana.

a trabalhar», diz uma das moradoras que aceitou pintar a fachada da sua casa com uma emblemática e simples frase “se gostas sorri”. Mas as opiniões favoráveis não se ficam por aqui, alguns moradores identificam-se com este projeto por terem acompanhado os trabalhados de forma participativa, «Isto é uma coisa alentejana e fica bem. Uns gostam, outros não gostam, é normal não se pode agradar a todos. Eu gosto, acho que ficou muito giro, muito engraçado e a Verónica tornou-se quase um membro da família», sublinha Joaquim, morador da aldeia de São Cristovão.

Verónica Conte desenvolveu este projeto para a sua tese de doutoramento e o resultado não poderia ter sido melhor apesar das dificuldades de aceitação inicial. «Era expectável que houvesse dificuldade, ela já estava presente no trabalho de campo. Acho que acabou é por ser muito fácil relativamente àquilo que eu esperava, mas obviamente que sim, foi difícil porque as pessoas não estavam a contar e todo o processo de trabalho demorou muito mais devido a isso», salienta Verónica.

A iniciativa não passa apenas por riqueza estética, há um claro dinamismo da localidade inerente, até porque o turismo aumentou exponencialmente com a divulgação desta ação. Um novo conceito de design aliado às características únicas das fachadas regionais, parecem ser os dois ingredientes secretos para o sucesso de Verónica Conte em terras alentejanas.

São dezenas de frases, com muito para contar, que encantam quem visita e quem vive em São Cristovão. A aceitação da população pode ter demorado mas quem aderiu não se arrependeu: «Estou muito contente, eu assisti aqui a tudo, isto deu muito trabalho… foram horas e horas que via a Verónica

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«Há uma ligação enorme entre as frases e as pessoas, há um afeto enorme entre quem vê e há, ainda, uma identificação até das pessoas que não têm as casas pintadas que acham que aquilo lhes pertence e é delas também. No fundo, acolheram o projeto mesmo que não o quisessem aplicar na sua fachada e há uma enorme quantidade de laços e de ternura que se desenvolve e que se sente», atesta Verónica.


Reportagem A aplicação deste projeto foi possível após um concurso, acolhido pelas residências artísticas “Novas Formas e Técnicas na Transição” 2011, produzidas pelas Oficinas do Convento, uma organização não governamental sediada em Montemor-oNovo. No fundo, estamos perante valores do design social e sustentável, suavizando-se as fronteiras entre a arte e a vida, procurando – simultaneamente – o desenvolvimento integral do indivíduo na sociedade. Mais que paisagens rurais e urbanas bonitas, procura-se colocar a população a pensar, tal como Manuel Vieira, padre da aldeia de São Cristóvão explica: «As pessoas começam a pensar o que podem colocar na fachada, o que vale a pena lá colocar. O que é que eu tenho para dizer, o que colocando lá, vai dizer de mim. Tudo isso é muito engraçado».

Com o sucesso e a conquista de Verónica Conte, o desejo que fica é a possibilidade da existência de uma segunda fase do projeto, onde mais fachadas possam ser personalizadas. Por agora ficam os sonhos, comandados por quem lá vive e faz de São Cristovão uma aldeia a visitar.

Pode ver esta reportagem em formato televisivo no seguinte link: http://videos.sapo.pt/dDO8jyeZSQiazP dZRyws Ensaio Geral // 15


Entrevista

Paulo Farinha A Ensaio Geral procurou saber mais sobre o homem que se divide entre revistas, livros e blogs. Editor-executivo da Notícias Magazine; autor do livro “Ningúem disse que isto ia ser fácil” e criador do blog Farmácia de Serviço, Paulo Farinha surge como um nome de referência no jornalismo e, também, na escrita sobre relacionamentos. Por: Filipe Pardal Vamos começar por uma das perguntas capitais do livro... As relações são mesmo complicadas ou somos nós que complicamos? Eu acho que somos nós que complicamos. Quer dizer, há uma componente natural, humana, nas relações, que as torna dinâmicas, sensíveis a vontades, humores, desejos, estados de espírito, etc. E por isso tudo, as relações entre duas pessoas (ou relações de amizade, ou de trabalho, ou entre pais e filhos, ou outras) não são estanques, com comportamentos padronizados. Mas além disso, nós próprios trazemos muita complicação, muita dúvida para as relações. Mais do que as que elas já têm naturalmente. Este livro acaba por não ser estático já que existe uma continuidade nas crónicas semanais na Notícias Magazine. Há mais volumes em perspetiva? Há. Por enquanto está adiado, porque fui pai há pouco tempo e serei novamente em breve, o que obriga a uma redefinição de prioridades (a gestão 16 // Ensaio Geral

de tempo é uma coisa tramada, sobretudo com filhos), mas há um novo desafio por parte da editora, para escrever outro livro sobre comportamentos e relações, mas não será uma espécie de volume 2 do “Ninguém disse que isto ia ser fácil”. Terá outra dinâmica, outro fio condutor, outros temas, até. «Ninguém Disse que Isto ia ser Fácil» fala de muitos aspetos de uma relação a dois. Houve uma preocupação em juntar a realidade ao sentido de humor ou é a realidade que acarreta esse humor? Acho que é mais a realidade que traz algum humor. Há coisas sérias, claro. Daquelas que nos atiram abaixo, nos consomem, nos tiram o sono e a vontade de comer e de trabalhar. Isto também podia ser a paixão, que tem mais ou menos os mesmos sintomas, mas nesse caso andamos alegres, e no caso das coisas tristes ou sérias, andamos em baixo. Nesses momentos é difícil pensar em humor. Ou pensar com humor. Mas é (quase) sempre possível dar um toque de ironia ao que nos acontece. Dessa forma, nós conseguimos rir da situação e de nós próprios. E, muito importante quando se escreve um livro ou crónicas, ajuda a informação a chegar de forma mais clara ao leitor. A brincar, a brincar…


Entrevista O livro mostra uma ligação forte ao mundo virtual, à Internet e às novas tecnologias, estas vieram reformular os conceitos básicos das relações? As redes sociais (e antes disso os e-mails e o instant messaging, antes disso os telemóveis, antes disso as viagens de avião, antes disso o próprio telefone, etc) vieram mudar o nosso comportamento, porque são novas ferramentas. É um processo natural. Dentro de uns anos talvez o Facebook e o Twitter sejam obsoletos e se invente outra coisa qualquer que irá revolucionar a forma como nos relacionamos.

«(…)nós próprios trazemos muita complicação, muita dúvida para as relações. Mais do que elas já têm naturalmente» Onde é que erramos, de forma mais frequente, nas relações? E esses erros diferem entre homem e mulher? Acho que homens e mulheres não são assim tão diferentes quanto se apregoa, em termos de relações. Sobretudo quando se trata de perder o norte, perder o tino ou mesmo perder a razão. Quando ficamos palermas – e é muito fácil ficar (mais) palerma por causa de uma relação – não distinguimos com facilidade os comportamentos de homem ou de mulher. Somos diferentes do ponto de vista biológico, e isso provoca diferenças brutais entre os dois géneros (malditas hormonas e diferenças de humor), mas para além disso acho que não há assim tantas diferenças. Muito menos nos erros que se cometem – e na frequência com que se cometem. Passamos a vida a errar. E num modelo de tentativa-erro. Até acertarmos em algumas coisas. A ideia que temos depois de ler o livro é que não pretende ser mais uma daquelas obras de autoajuda emocional. Qual é o seu principal objetivo com o livro? Não, não é, de todo, um livro de auto-ajuda, embora tivesse sido arrumado em algumas livrarias nessa secção. Noutras foi para as prateleiras de “Livro Prático”. Ou “Psicologia”. Ou “Comportamento”. O principal objetivo é fazer as pessoas reverem-se naquelas palavras. O que pretendo, mais do que outra coisa qualquer, quer com os textos do livro, quer com as crónicas ou os posts para o blogue “A Farmácia de Serviço”, é levar as pessoas a pensar que já viveram aquilo. Ou pensaram que conhecem alguém que conhece alguém que já passou por aquela exata situação que eu descrevo.

"Qualquer semelhança com a realidade não é coincidência coisíssima nenhuma"... No que te inspiraste para escrever este livro? Na minha experiência, nas minhas histórias, em histórias que amigos me contam ou que eu os ouvi contar. Num caso ou outro também me inspiro em conversas que ouço nos transportes públicos, ou no trabalho, ou mesmo em séries de televisão, mas a esmagadora maioria das ideias vem da minha vivência e do que os meus amigos me contam. Acha que são as diferenças estruturais entre os dois sexos o principal obstáculo que acaba realmente por impedir que alguém diga "isto vai ser fácil"? Mais do que as diferenças entre os dois sexos, acho que é a própria condição humana que dita isso. Iniciou recentemente um novo projeto, o blog Farmácia de Serviço... Explique-nos o conceito desta farmácia tão particular. Trata-se de um blogue com “receitas e diagnósticos para relações complicadas”. É recente, está online desde o final de Junho, mas até agora está a correr muito bem, com boa aceitação e bons números de visitantes e visualizações. A Farmácia de Serviço (http://afarmaciadeservico.clix.pt/) tem, além de textos meus sobre relações (uns inéditos, outros adaptados a partir das crónicas da Notícias Magazine), uma série de convidados de várias áreas, que escrevem sobre o desafio da vida a dois. Como foi o processo de selecionar convidados, foi fácil construir a equipa para passar estas receitas amorosas? Foi muito mais fácil do que pensei. Por uma razão simples: nunca pensei que tanta gente dissesse que sim. Convidei apenas pessoas que conheço, que escrevem bem (condição essencial) ► Ensaio Geral // 17


Entrevista e com opiniões diferentes e bem fundamentadas sobre a vida a dois e a aventura que isso acarreta. O amor é uma doença que exige farmácias abertas 24h? Existe, sobretudo, reflexão. Isso é o mais importante. Nem que seja para nos rirmos e repensarmos. O Paulo é editor executivo da Notícias Magazine e, por isso, tem uma visão privilegiada do meio jornalístico, sobretudo dos meios escritos… Que futuro vê para os mais jovens que acabam agora a licenciatura em Jornalismo; Ciências da Comunicação; etc? A profissão está a passar por muitos desafios, muito fortes e num curto espaço de tempo. E isso obrigou a repensar uma série de coisas no exercício do jornalismo. Continua a ser necessário contar boas histórias, denunciar, vigiar os poderes, informar a população, e continua a haver quem queira ler, ver e ouvir. O que mudou são as ferramentas ao nosso dispor e a forma como chegamos às notícias – agora são elas que vêm ter connosco, a qualquer hora, com a ajuda de equipamentos móveis. E ainda podemos seleccionar o que queremos ver/ler/ouvir. Este é apenas um exemplo do que mudou e como. Para enfrentar estes novos desafios, é urgente dar aos estudantes de jornalismo novas formas de abordagem. E encorajá-los a isso, porque estamos desejosos de ideias “frescas”. Um exemplo: na Notícias Magazine, suplemento do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias, gostamos - e queremos receber propostas de jovens saídos das faculdades. E encorajamos a isso. Muitas vezes as ideias são verdes, pouco originais ou difíceis de executar (pelos meios que envolvem). É normal, ninguém nasce ensinado. Mas noutros casos, há ideias muito boas, com bons exemplos de multi-plataforma, e, sobretudo, reflectindo preocupações comuns a uma camada grande da população. O nosso trabalho - o trabalho de qualquer jornalista com mais experiência - é canalizar essas ideias e dar condições para que se tornem exequíveis. Se há sugestão que posso fazer é exactamente essa: proponham, enviem sugestões, lancem desafios. Não se acanhem. As redacções tanto recebem ideias de jornalistas freelancers que estão no mercado há mais de vinte anos como de jovens licenciados. O que precisamos são ideias.

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«As redações tanto recebem ideias de jornalistas freelancers que estão no mercado há mais de vinte anos como de jovens licenciados. O que precisamos são ideias» No lançamento do livro “Ninguém disse que isto ia ser fácil” em Lisboa, com Marta Crawford

Que diferenças estruturais de mercado mais patentes consegue analisar entre a sua altura e a de agora? Muitas. Tantas. Já não somos nós que esperamos pela hora certa para ver as notícias. E já não somos nós que nos deslocamos ao quiosque para comprar o jornal. Graças à interatividade e às ferramentas que temos ao dispor, as notícias vêm ter connosco, a qualquer hora, em qualquer lugar. Há saídas para os meios escritos ou novas soluções? Quais? Creio que há novas soluções, embora algumas delas talvez estejam ainda por inventar. Acima de tudo, com o acesso web às notícias, é preciso reinventar o modelo de negócio, para que o jornalismo (e os meios escritos) continue a dar dinheiro a quem tem de pagar ordenados. A nossa profissão tem uma grande carga de nobreza e romantismo, pelo espírito de missão que lhe está inerente, mas não devemos esquecer que é um negócio. E que, para contarmos boas histórias, para informarmos, para darmos aos leitores bons conhecimentos que os ajudem a tomar decisões responsáveis, para fazermos um bom trabalho, é preciso tempo, seriedade, profissionalismo, experiência, etc. E tudo isso implica tempo e custa dinheiro. Por isso defendo mesmo a ideia de que o acesso via web a notícias, reportagens, opinião, etc, devia ser, em alguns casos, pago. Não em todos os casos, naturalmente. E não pode ser feito de um dia para o outro. São necessárias estratégias, tentativas, abordagens inovadoras, etc… Estas coisas sempre foram pagas, e os clientes sempre acharam que era um bom investimento o dinheiro que pagavam por um trabalho sério e bem fundamentado e pesquisado. E parece-me indiscutível que o futuro passará mesmo pelo online, por isso é preciso fazer, urgentemente, com que isso dê dinheiro. O acesso através de registo prévio já foi estudado, o pagamento de conteúdos premium, também. (…)


Entrevista Apresentação do livro “Ninguém disse que isto ia ser fácil” no Porto, com Júlio Machado Vaz

Mas nada disso, até agora, se revelou o ovo de Colombo. A não ser em alguns casos pontuais, perante os quais os leitores/web useres não se importam de pagar porque sabem que estão a comprar conteúdos muito, muito bons. Acima de tudo, o que defendo é que, em algumas situações, há conteúdos que deveriam ser vendidos. Quais, em concreto, é que é preciso estudar. E isso, na minha opinião, cruza-se também com os meios escritos. São plataformas diferentes, que podem conviver mais alguns anos. O afeto do papel, pelo menos para quem tem mais de 20 anos, ainda é muito forte. Para terminar, que conselhos daria a um jovem jornalista que não consiga exercer a profissão por falta de oportunidades? Em 1995, no primeiro estágio que tive de jornalismo, o diretor do jornal Gazeta dos Desportos, Galvão Correia, disse-me que, para ser jornalista em Portugal, eram necessárias três coisas: 1) Gostar do que se faz; 2) Saber ler e escrever português corretamente; 3) Ter paciência para ter experiência. Estas recomendações, palavras sábias, continuam a fazer sentido, mas eu acrescentaria uma quarta, que apesar de ser um cliché, é bem verdadeiro: 4) Pensar fora da caixa. Ou seja, num momento como o que estamos a viver, com os desafios e dificuldades que a profissão enfrenta, é preciso ter ideias diferentes, pensar noutras coisas, noutros modelos, noutras formas de chegar aos nossos leitores ou ouvintes ou telespetadores. Experimentar, inovar, tentar… E está toda a gente a pensar assim, porque o tempo é mesmo de desafios.

O novo dono do Washington Post, o Jeff Bezos, disse, numa entrevista ao jornal que comprou, que está cheio de vontade de começar a fazer perguntas e experiências, à procura de melhores tempos. Se até um homem que teve uma ideia brilhante ligada à internet e ganhou muito dinheiro com ela (Jeff Bezos é fundador da Amazon), dono de um dos três jornais mais importantes dos EUA (juntamente com o Wall Stree Journal e o The New York Times), acha que é preciso inventar alguma coisa nova, eu diria que, por cá, temos de tentar o mesmo.

«Acima de tudo, o que defendo é que, em algumas situações, há conteúdos [online] que deveriam ser vendidos»

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Música

13 [Black Sabbath] & Hail to the King [Avenged Sevenfold] em análise Por: Fábio Gonçalves 35 anos depois do último LP de Black Sabbath com Ozzy Osbourne ao microfone – Never Say Die – surge uma derradeira tentativa de dar a uma das bandas mais influentes da história da música pesada uma despedida digna do seu legado. E que melhor maneira de o fazer se não juntando o quarteto responsável por grande parte desse mesmo legado? Bem, seria isso que teria acontecido se o baterista Bill Ward não tivesse recusado juntar-se a Tony Iommi (guitarra), Geezer Butler (baixo) e ao supracitado Ozzy devido a disputas contratuais. Ward, que gravou com Black Sabbath os primeiros 9 álbuns da banda mais Born Again (1983), foi assim substituído por Brad Wilk, baterista que tem feito carreira em bandas como Rage Against The Machine e Audio Slave. 13 pretende sem qualquer dúvida revisitar o som clássico de Black Sabbath dos anos 70. É impossível ouvir os primeiros acordes da guitarra de Iommi em End of the Beginning e não ser transportado 40 anos no tempo. O tema de abertura é de resto um dos vários épicos que se podem encontrar em 13 - o álbum produzido por Rick Rubin possui cinco faixas acima dos sete minutos de duração. O segundo tema e primeiro single, God is Dead?, é um bom exemplo. Os primeiros minutos são percorridos a um ritmo lento e num ambiente tenebroso tão característico de Black Sabbath, dando depois lugar a um trabalho de guitarra e baixo que não deixa ninguém indiferente. No entanto, é talvez em God is Dead? que mais se sentem os anos que passaram pela voz de Ozzy. Depois de passarmos por Loner, uma faixa estruturada de forma mais simples mas nem por isso menos interessante, chegamos a um dos pontos altos de 13. Zeitgeist faz reviver o melhor rock psicadélico da década de 70 e parece completar Planet Caravan, do álbum Paranoid (1970). A letra, que tal como em todo o álbum é da autoria do baixista Geezer Butler, reflete sobre a identidade humana e o destino que o futuro lhe reserva. Diga-se, temas que são explorados um pouco ao longo de todo o álbum. É em Age of Reason, Live Forever e Damaged Soul que se começa a entender melhor o porquê da escolha do substituto de Bill Ward ter recaído sobre Brad Wilk. Aqui se encontra o seu melhor trabalho em 13 e demonstra estar em total sintonia com a guitarra de Iommi e o baixo de Butler, produzindo faixas dinâmicas e bem articuladas. Dear Father encerra o álbum numa toada forte, mas talvez o mais importante a reter sobre a mesma sejam os seus últimos 30 segundos: 13 termina precisamente da mesma maneira que começa o álbum de estreia da banda, lançado 43 anos antes, ou seja, ao som de uma copiosa chuva acompanhada de uma trovoada distante e do badalar de um sino sombrio. Tal cenário desperta em qualquer fã de Black Sabbath a vontade de voltar a ouvir um por um todos os discos da era de Ozzy, e é sem dúvida um pormenor que acrescenta grande valor a este LP. 13 é portanto um álbum que cumpre bem a sua função. É interessante, dinâmico, carregado de acordes de guitarra obscuros, mas que principalmente tem a capacidade de trazer à banda um sentimento de realização que tanto merecia mas que por vários motivos vinha sendo adiado há tanto tempo.

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Música Avenged Sevenfold está longe de ser das bandas mais consensuais dentro do universo metaleiro, e com o lançamento do seu mais recente álbum de originais, Hail To The King, esse estatuto promete perdurar. Neste trabalho, claramente influenciado pelo Metal clássico dos anos 80 e inícios dos anos 90, estão incluídos alguns dos melhores temas produzidos pela banda californiana até à data, mas está longe de ser consistente. As primeiras quatro faixas - onde se inclui o primeiro single (com o mesmo nome do álbum) - apesar de terem qualidade, agarram-se em demasia às influências supracitadas. Riffs de guitarra que mais parecem saídos de um disco de Iron Maiden, Metallica e similares são demasiado recorrentes e nem os solos de guitarra de um inspirado Synyster Gates fazem esconder a falta de dinâmica que tornam as ditas faixas por vezes até algo aborrecidas. No entanto, é a partir do quinto tema, Requiem, que as coisas começam a ficar mais interessantes. Aqui, o trabalho vocal de M Shadows começa a desprender-se das linhas de guitarra e de repente a banda começa a mostrar aquilo que melhor sabe fazer. Outro dos pontos altos é Heretic. A guitarra simples mas eficaz, a juntar ao refrão que fica no ouvido e ao final apoteótico da responsabilidade de Synyster Gates promete fazer desta faixa uma das favoritas dos dedicados fãs de Avenged Sevenfold. A qualidade do álbum parece transformar-se à medida que as faixas passam, culminando o crescendo com a fantástica Coming Home. Um ritmo frenético ao som da melhor prestação de M Shadows em Hail To The King e com um dos melhores solos da carreira de Synyster Gates (sim, é assim tão bom) coloca Coming Home num patamar próximo de alguns dos clássicos da banda, como Beast and The Harlot ou Bat Country. Hail To the King, que encerra com uma emocional balada – Acid Rain -, é sem dúvida um álbum de pontos altos e baixos. Tentativas falhadas no que à criação de músicas épicas diz respeito (como Shepherd of Fire ou Planets) e imitações de Iron Maiden e Metallica misturam-se com temas que acrescentam inegável qualidade à discografia de Avenged Sevenfold, formando um disco que deverá agradar aos fãs da banda mas que dificilmente fará mudar opiniões negativas sobre a mesma.

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Passámos por aqui…

Festival do Crato em fotografia…

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Passámos por aqui…

Ensaio Geral // 23


Livros&Leituras

Sugestões de leitura

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No princípio, há uma madrugada suja: uma noite de álcool de estudantes que acaba num pesadelo que vai perseguir os seus protagonistas durante anos. Depois, há uma aldeia do interior alentejano que se vai despovoando aos poucos, até restar apenas um avô e um neto. Filipe, o neto, parte para o mundo sem esquecer a sua aldeia e tudo o que lá aprendeu. As circunstâncias do seu trabalho levam-no a tropeçar num caso de corrupção política, que vai da base até ao topo. Ele enreda-se na trama, ao mesmo tempo que esta se confunde com o seu passado esquecido. Intercaladamente, e através de várias vozes narrativas, seguimos o destino dessa aldeia e em simultâneo o dos protagonistas daquela madrugada suja e daquela intriga política. Até que o final do dia e o raio verde venham pôr em ordem o caos aparente. Bruno Brian di Monreale, o Barão, como é conhecido, é o último descendente de uma antiga e nobre família siciliana. Bruno cresce na Califórnia, com um pai severo e distante e uma mãe dividida entre um casamento precipitado, onde não existe amor, e uma paixão deixada na sua Sicília longínqua. No entanto, são as raízes sicilianas que levam Bruno a regressar à sua ilha natal, ao seu avô, um velho aristocrata e a Calò, o padrinho sempre presente. Serão estas duas figuras que lhe irão transmitir o saber ancestral das velhas famílias e da sua ética e código de justiça. Em O Barão, um dos primeiros romances da autora, Sveva Casati Modignani revela-nos os meandros de uma sociedade disposta a tudo para manter os seus privilégios, criando um mosaico de personagens vibrantes. O livro que mostra aos portugueses que há soluções para sair da crise e o que devemos fazer para evitar a repetição dos erros do passado. “A minha vida pessoal e o meu percurso profissional deram-me a possibilidade de analisar a sociedade portuguesa, a economia, a governação e a realidade europeia e mundial com algum grau de pormenor, permitindo-me sistematizar um conjunto interpretações sobre a complexa situação a que chegámos e formular um conjunto de propostas para a alterar, que tenho transmitido frequentemente em intervenções públicas, em televisão, em conferências ou debates.”

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Cartoon do mĂŞs

Queimado Silva Por: Pedro Pardal


Nยบ 1 setembro, 2013

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