7 minute read
Inclusão LGBTI
Inclusão, formação e dignidade
Programa do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará realiza ações para a formação e empregabilidade LGBTI+.
Advertisement
Estima-se que apenas 0,02% da população transgênero está na universidade, enquanto 72% não possuem o ensino médio e 56% sequer têm o ensino fundamental. Segundo dados da Associação Brasileira de Travestis e Transexuais (Antra), apenas 4% das pessoas desses grupos têm emprego formal. Foi pensando nessa situação que o Instituto de Ciências Jurídicas, da Universidade Federal do Pará, implementou o programa Empregabilidade e formação LGBTI+.
O Brasil tem uma história de violência e negação de direitos a pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Intersexuais (LGBTI+), motivo pelo qual o programa visa contribuir na reparação dessa situação, além de promover ações no ICJ para inserir a população LGBTI+ em diversas esferas. “O projeto tem várias frentes. Agora, lançamos um diagnóstico sobre a situação de emprego e renda da população trans no estado do Pará, um programa de residência, que vai funcionar quase como um laboratório de soluções, com palestras, projetos de lei e projetos dentro da universidade, para aumentar o acesso dessa população. No caso da residência, foi feito um edital para a participação de pessoas trans. A equipe é formada por pessoas trans”, pontua Luanna Tomaz, coordenadora do programa.
Dentre os objetivos do programa estão o fortalecimento da empregabilidade e a capacitação para a população LGBTI+; promoção do aperfeiçoamento profissional dessa população; ampliação do debate público sobre sexualidade, direitos LGBTI+ e acesso ao emprego e educação, além do fomento à produção científico-profissional dessas pessoas. “A população LGBT tem muita vulnerabilidade em relação ao acesso ao mercado de trabalho e, em particular, a população trans. A ideia do projeto é desenvolver um conjunto de ações para oferecer alternativas de formação de inserção profissional”, destaca a coordenadora.
As ações previstas abrangem os projetos de residência clínica, vaga para pós-doutorado, seleção para professor visitante, curso de empreendedorismo voltado à população LGBTI+, ação afirmativa na pós-graduação, além do diagnóstico sobre empregabilidade trans, uma especialização, um livro e seminário nacional. Atualmente, estão em andamento os editais de doutorado, de mestrado e de mestrado profissional (Veja todas as atividades no box).
Para o desenvolvimento de todas as atividades, o programa conta com o apoio da Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa. “A FADESP tem um papel muito importante. Desde o início, nos reunimos com a equipe, que nos orientou no sentido de como operacionalizar tudo isso, o que foi fundamental para a estruturação”, ressalta a professora.
Considerado, por muito tempo, um ambiente elitizado, o ICJ vem mudando por receber um público cada vez mais diverso, e esse programa repercute positivamente. “Acho que isso acontece por várias questões, até pelo próprio tensionamento da sociedade sobre essa estrutura do Direito. Temos cotas para pessoas negras, para pessoas PcDs, para refugiados, indígenas, quilombolas, o que promoveu mudanças. Quando eu estudei, na minha turma só havia pessoas com sobrenomes famosos e eu me sentia uma das mais
Davi Almeida
desconhecidas. Hoje, como professora, tenho uma turma muito mais diversa e isso traz uma grande riqueza para a sala de aula”, analisa Tomaz.
Olhando as vivências das pessoas trans
Uma prova de como o corpo de discentes tem mudado é que a professora nunca estudou, na época de sua graduação, com pessoas transexuais ou travestis, mas foi orientadora de dois egressos da Faculdade de Direito e um do programa de pós-graduação. Davi Almeida, professor universitário, era um deles. Assim como Luanna, ele também não estudou com pessoas trans. “Não conheci quem já vivesse sua identidade. Nenhuma pessoa já assumida ou realizando a transição. O que foi muito comum comigo e outros colegas é que muitos transicionamos ao final de um ciclo. Foi o que aconteceu comigo. Só assumi seis meses após o mestrado. Tenho colegas que passaram por isso após a graduação”, explica.
Ele comenta que o processo de transição veio acompanhado de muito medo. Assim que terminou o mestrado, em agosto de 2020, soube de uma vaga em uma universidade, no campus de Abaetetuba e foi contratado antes da transição. “Não havia me assumido como homem trans e não havia realizado nenhum ato de transição. Fui empregado como uma mulher lésbica não-feminilizada. Passei um ano trabalhando lá como uma mulher lésbica. Eu tinha muito medo de que os alunos percebessem algo, que me julgassem ou que eu sofresse qualquer tipo de discriminação. Somente em janeiro deste ano me assumi para meus alunos mais velhos, que me conheciam antes e também para os demais funcionários da universidade”, relata.
O medo não é à toa e é confirmado pelos dados sobre a vulnerabilidade das pessoas LGBTI+. Davi conta que não vivia a sua sexualidade abertamente e que se forçava a se feminilizar por medo de ser rechaçado, de não ser recebido. “É um trabalho mental você tentar parecer quem não é”. Ele conta que criou redes sociais para que as pessoas vissem somente o trabalho - em que não postava fotos com namorada ou qualquer aspecto da vida pessoal, mesmo conteúdo político-identitário, por medo de ser demitido, ser perseguido ou de colocar sua segurança em risco.
“Eu tinha muito, muito medo. Quando me assumi, só falei para amigos e família. Só contei no trabalho porque a transição estava mais avançada. Quando estava com traços diferentes, já havia mudado os meus documentos, então precisei avisar meu empregador. Nas turmas mais velhas, que me conheceram antes da transição, fui bem acolhido. Nas turmas mais novas, em que não falo da minha identidade, eles me conhecem somente como professor Davi. Eu ainda tenho medo que vasculhem a internet. Eu vivo quase que uma vida dupla”, fala o professor.
Com curso superior, pós-graduação e emprego formal, Davi é exceção. Ele carrega o peso e a responsabilidade de ser o primeiro homem trans em vários espaços. “É um processo muito interno, porque nunca lidei de forma fácil nem com a minha sexualidade, quiçá com a minha identidade de gênero. Já me assumi como mulher lésbica já no final da minha graduação” desabafa.
Apesar do medo, Davi conta que sente existir uma responsabilidade maior, pois considera ter privilégios por, entre outras características, ser homem branco e heterossexual. “Eu preciso ocupar esses espaços e me afirmar como homem trans. Eu preciso ser visto e as pessoas precisam saber que nós estamos ali e, assim, tentar criar oportunidades para que outras manas os ocupem também – principalmente as que não têm os mesmos marcadores. Trazer outras pessoas para o mesmo círculo, para que eu não seja mais a exceção, o primeiro. Eu quero ser o comum, o usual, que isso seja mais aberto, publicizado socialmente e que a gente não demarque somente os primeiros”, afirma.
O professor faz parte da equipe que está atuando na realização do programa e descreve o diferencial das atividades. “Sempre se fala em mortes. O ponto principal para a nossa existência é olhar a nossa vivência, olhar antes das nossas mortes. É perceber quais os direitos que estão nos sendo negados. E um dos principais é o direito ao trabalho, que vai servir tanto para a nossa sobrevivência quanto ao nosso sustento”.
ATIVIDADES:
• Projeto Residência Clínica: O projeto abrirá bolsas para residência clínica na Clínica de Atenção à Violência do Instituto para profissionais do Direito e áreas afins que sejam pessoas trans. Os profissionais desenvolverão proposta de atuação estratégica na temática da empregabilidade LGBTI+, com a elaboração de projetos como cotas para empresas, cotas nas universidades e/ou incentivos fiscais e atendimento a casos de violência e discriminação. • Projeto de Pós-doutorado: Abrirá uma bolsa de doutorado para uma pessoa transexual no Programa de Pós-Graduação em Direito. • Projeto de professor visitante: Abrirá uma vaga para uma pessoa transexual atuar enquanto professor visitante no Programa de Pós-Graduação em Direito. • Projeto de curso de empreendedorismo voltado a população LGBTI+: Desenvolverá cursos para população trans, discutindo formas de fortalecimento de ações empreendedoras, como parcerias com entidades não governamentais. Cursos como: empreendedorismo, constituição jurídica de empresas e MEI, marketing pessoal, produção de mídia digital, cooperativismo, economia solidária, estética, gênero e sexualidade, direitos humanos e administração de negócios. • Diagnóstico sobre empregabilidade Trans: Desenvolverá diagnóstico sobre a empregabilidade trans no Estado do Pará. • Projeto de ação afirmativa no PPGD e PPGDDA: Ações afirmativas que garantam três bolsas de mestrado para pessoas transexuais ou LGBTIs. • Especialização: Especialização sobre Direito, Sexualidade e Gênero. • Livro: Desenvolverá livro sobre a empregabilidade LGBTI+ no Pará. • Seminário empregabilidade LGBTI+: Apresentará seus resultados em um seminário.