Uma marca do Grupo Daimler.
CAC 0800 970 9090
www.mercedes-benz.com.br
Saída Sul (61) 3301 9900 - www.brasiliamotors.com.br Preço válido para o modelo CLC, ano/modelo 09/09, para pagamento à vista. Oferta válida até 30/04/09 ou enquanto durarem nossos estoques. Frete e pintura metálica não inclusos.
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C A RTA S
A Formato quer falar com você redacaoformato@gmail.com
Fecury
Endosso a homenagem que vocês zeram ao Fecury (Formato nº. 4) e estou comunicando aos companheiros de internet. Ele nos brindava com sua cultura e inteligência. Quanto à revista, gostei muito. Não conhecia. Tem presença, personalidade e está com uma pauta de alto nível. Alexandre Garcia
Sucesso Cada vez melhor. É assim que posso denir o trabalho que vocês realizam na Formato. Brasília, sem dúvida, merece uma revista como esta. Valdir Machado
Prossionalismo André Giordano Nosso amigo, diagramador, programador visual. Colaborador de primeira hora da Formato. Inesquecível em sua gentileza, alegria, disponibilidade. Esses e outros tantos atributos, Andrezinho levou com ele em sua viagem eterna. Para nós cou, além da saudade innda, o exemplo de amizade e carinho que sempre acalentarão a sua ausência. Obrigado, querido parceiro. Os amigos da Formato
Quero manifestar minha satisfação em ler uma publicação com o incomparável nível de qualidade da revista brasiliense Formato. Em apenas 50 anos, Brasília tem que se orgulhar de seus prossionais e de sua mídia impressa, principalmente, dessa revista que retrata a história, personalidades, modo de vida, cultura e arte da capital da república. A qualidade gráca, a programação, textos e fotograas deixam transparecer o esmero de prossionais competentes comprometidos com a vida da capital federal. Parabéns a Brasília, parabéns à equipe editorial. Aeldo Luna (Pial)
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formato
Admiração
Matérias
É com muita alegria que vejo a revista Formato se rmar a cada dia como uma publicação que desperta o interesse e a admiração de seus leitores. Continuem assim.
Li com interesse a revista Formato, que nos proporciona excelentes matérias.
Luciano Padrão
Tereza Machado
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S U M Á R IO
E DI T OR I A L E X PE DI E N T E
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ENTREVISTA
AUTOR NA INTIMIDADE
Ziraldo revela seus segredos, projetos e mágoas em entrevista exclusiva
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Mudanças à vista
PERFIL
O MAGO DO VERDE Brasília vai recuperar a obra de Burle Marx, maior paisagista brasileiro
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IMAGEM
SEGREDOS DA LUZ
Desvendamos os caminhos de Rui Faquini, um dos maiores fotógrafos brasilienses
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QUÊNIA
AS ORIGENS DE OBAMA Lendas revelam a alma africana do novo presidente norte-americano
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VIAGEM
ÍNDIA MÍSTICA Terra indecifrável. Plena de mistérios, tradições e divindades
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DIRETOR DE REDAÇÃO
Cícero Venâncio DIRETOR COMERCIAL
Geraldo Magela
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EDITOR
Pedro Paulo Rezende
ormato entra em uma nova fase, mas sem perder o forte
viés cultural ligado a Brasília, que marcou nossas edições an-
SUB-EDITOR
José Humberto Fagundes
teriores. No entanto, ampliamos nossos horizontes.
COLABORADORES
-Também vamos investir em temas e personalidades nacionais e internacionais. Neste número trazemos uma entrevista com Ziraldo, um de nossos maiores escritores infantis. Para realizá-la, participamos, durante cinco horas, do cotidiano do estúdio de criação que mantém na rua Baronesa de Poconé, uma tranquila ladeira na Lagoa, um dos bairros mais aristocráticos do Rio de Janeiro. Dentro desta proposta, analisamos as raízes quenianas de Barack Obama, o primeiro presidente multicultural dos Estados Unidos, e convidamos os leitores a percorrer a Índia por meio dos olhos de Viviane Pretti. O diretor do Jardim Botânico de Brasília, Jeanitto Gentilini, levantou a presença de Burle Marx, o maior paisagista brasileiro, na construção da nova capital do país. Ele conviveu com o mestre durante sua passagem no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) na década de 80. Se estivesse vivo, Burle Marx completaria 100 anos em agosto. Destacamos também o trabalho do fotógrafo Rui Faquini, e, por último, traçamos um panorama da arquitetura feita na cidade, cheia de luz e espaços amplos.
Cláudia Mohn e Reynaldo Jardim FOTOGRAFIA
Gilberto Soares, Clausem Bonifácio, Luiz Clementino e Roberto Castello REVISOR
Edvaldo Almeida da Silva CONSELHO EDITORIAL
João Mendonça, José Reinaldo, Paulo Mota, Reynaldo Jardim DIAGRAMAÇÃO E PROJETO GRÁFICO
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Rafael Francisco Pereira e Laerty F. Silva
ARQUITETURA
CASAS E INTERIORES Integração entre áreas internas e externas e variedade no uso de materiais caracterizam Brasília
JURÍDICO
Mendonça e Amorim Associados
Pedro Paulo Rezende
Cícero Venâncio
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Starprint Gráfica e Editora LTDA CNPJ: 26.996.926/0001-72 CF/DF: 07.333.372/001-15 SIG/SUL Quadra 08, lote 2.325 (61) 3344-0555 e-9333-3334
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E N T R E V I S TA Z I R A L D O
UM DOS MAIORES AUTORES INFANTIS BRASILEIROS, COM MAIS DE 50 OBRAS PUBLICADAS, MANTÉM UMA ROTINA PESADA DE TRABALHO AOS 77 ANOS
A
máquina de escrever Olivetti Lettera 88 ocupa lugar de destaque no estúdio de
Ziraldo. O autor, um dos maiores escritores para crianças do Brasil, não se rendeu à internet e à cibernética. Para tarefas simples, como ler e responder e-mails, depende de “anjos da guarda”, como chama a pequena troupe que circula ao seu redor, entre milhares de livros organizados em rígida estrutura bibliográca. — O computador falseia o processo criativo — justi-
O operário das artes
ca-se. — Gosto de manipular o papel e revisar continuamente todas as ver-
sões de meus livros, rabiscá-
las mesmo quando voo.
Guardada as devidas pro-
porções, sou como João Ca-
bral de Melo Neto. Ele dizia que era preciso muito esforço
{ Pedro Paulo Rezende }
para que o texto parecesse espontâneo
(pega
um
enorme envelope, gordo e quase desconjuntado). Isso aqui é o meu mais novo livro, O menino da Terra, que será lançado neste ano. Aprontei antes O menino de Mercúrio (pega um caderno menor, já ilustrado e digitado), todo em versos alexandrinos (de 12 sílabas), mas, por uma questão de mercado, terá de esperar. São fruto de uma aposta que z com a morte aos 75 anos, de só ir embora depois de produzir uma obra para cada planeta. Como são dez planetas, ganhei dez anos. Yvonne Prieto, sua assessora, que digita e ordena essas imensas confusões criativas, intervém:
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CAMPANHA PARA A PF Em poucos minutos surge uma nova campanha contra criminosos internacionais que buscam refúgio no Brasil
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— Eu recebo o equivalente em papel a um roteiro de cinema — testemunha. — O texto chega todo rabiscado... Sentado em uma velha cadeira de bar da Brahma, uma de duas peças que sobraram de uma fotonovela feita para o Pasquim, Ziraldo retoma: — O processo criativo é doloroso e o papel guarda essas marcas. No computador, elas se vão. Posso retomar um trecho que descartei anteriormente e manter um registro de tudo que z. Além disso, datilografo com a velocidade de um escrivão, fui formado em Caratinga (dá uma pausa e chama a assessora). Yvonne, por favor, traz a foto da minha formatura!
ZIRALDO Jurou usar a datilografia para o bem da humanidade. A formatura teve missa, baile e paraninfo
A imagem em preto-e-branco chega bem-conservada, colada em grosso papelão cinza. — Eu sou este (mostra um vulto magricela no alto da foto) e aqui é meu irmão Ziralzi. A formatura teve paraninfo, missa, baile e juramento. Prometi usar a datilograa para o bem da humanidade, mas posso ter de me modicar. O técnico
que dá manutenção à minha máquina quer se aposentar e não tem herdeiros. Para editar e digitalizar suas imagens, o escritor e artista multimídia depende de Luis Saguar, a quem chama de “meu mouseman”. Depois de produzir um esboço no papel e colori-lo com ecoline (um tipo de tinta acrílica), Ziraldo encaminha o trabalho para o assistente, que dá o acabamento nal, com a supervisão do autor. — É um cara extremamente criativo e competente — elogia. — Um artista gráco completo e ágil. Ele e Rose Araújo são os responsáveis por minha biograa, O almanaque do Ziraldo, lançado pela Melhoramentos em 2006.
Regina Martins, prima do artista e mãe da cantora Paula Morelembaum, responde pela parte administrativa. Nilton Sampaio, o faz tudo do estúdio, completa a trupe. Outra importante função de Yvonne é ajudar o autor nas pesquisas: — Recorro muito a enciclopédias, mas a Yvonne, com seu domínio da Internet, é que é completa. Sabe tudo! — reconhece. — Você me dá licença, mas tenho de trabalhar — interrompe. — Ninguém na minha idade tem meu ritmo de trabalho. Tenho 77 anos, na verdade 76 completos, mas conto o tempo como os japoneses, que contam, como sua idade, o ano que você está vivendo. Minha aposentadoria é de R$ 1.300 e ainda bem que não faltam encomendas.
JORNADA PESADA Ele chega todos os dias por volta de 11h e sai do estúdio às 2h. Nas décadas de 70 e 80 a jornada acabava no meio da madrugada do dia seguinte. Na época, ele vivia no apartamento térreo com a primeira mulher, Vilma, falecida em 2000. O cartunista e artista plástico Caulos morava na área hoje ocupada pelo estúdio. Os dois juntavam esforços criativos noite adentro. — Minha casa não tinha sala de estar, daquelas com mesa de centro e com livros bonitos — lembra. — Era meu lugar de trabalho. Criava em meio a meus lhos brincando, com a televisão ligada, numa confusão danada. Eu e o Caulos só
A memória é uma coisa espantosa. Moro nesta rua há trinta anos e não conheço um só de seus moradores. Vivi oito anos de minha infância em Caratinga e sou capaz, até hoje, de desenhar cada casa de sua rua principal e contar quem morava nelas.
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parávamos quando os remadores do Vasco tiravam os barcos para treinar. De vez em quando, chegava alguém. O portão de serviço, que dá para o pátio, vivia aberto e os amigos subiam sem avisar. Só dava conta quando apareciam na janela, já no jardim, dizendo que iam entrar para tomar um café ou um uísque. Funcionou assim até a década de 80, quando tive de expulsar um vagabundo da cozinha. Aí, mandei fechar o portão. Hoje, o apartamento, na rua Baronesa de Poconé, uma tranquila ladeira na Lagoa, integra um complexo de três andares, misto de local de trabalho e hospedaria para os lhos e netos que vivem em São Paulo
e para os amigos e parentes. — Aqui terminei de criar meus três lhos, Daniela, Fabrizia e Antônio — conta. Antes, vivia na Praça do Lido, num pequeno apartamento, onde tinha a vista do mar como compensação. Até que achei esse apartamento de quatro quartos. Eu tinha juntado 60 mil cruzeiros da época e não dava para comprar nada. O apartamento mais barato em Ipanema, de dois quartos, valia 120 mil. Aí, encontrei esse lugar por 80 mil. Havia uma favela lá para cima. De manhã e por volta das 19h era como se fosse uma procissão morena subindo e descendo a ladeira. Dei a entrada e nanciei o resto. Duas semanas depois que mudei, o governo do estado da Guanabara transferiu os favelados e o valor do imóvel duplicou.
Os Estados Unidos demoraram mais de 200 anos para eleger um presidente negro e ele assume o país em uma das piores crises da história americana. Acho impressionante que ninguém tenha feito uma charge com ele olhando para os céus e dizendo: Tinha de ser na minha hora, senhor?
CASAMENTOS A decoração do apartamento, com peças mineiras, artesanatos e móveis de madeira escura, remete os visitantes aos tempos da contracultura. Uma colcha de retalhos colorida marca o quarto do casal. Os dos lhos continuam intactos, como foram deixados ao saírem de casa. — Quando a Vilma morreu, mantive tudo como era — revela. — Casei de novo em 2002 com Márcia, uma prima, 17 anos mais nova que eu. Ela nasceu no mesmo dia da derrota brasileira para o Uruguai, na Copa de 1950. Acompanhei meu tio que foi buscar mãe e lha na maternidade. Ao chegar em casa, chorou o tempo todo. Ninguém conseguiu dormir. Como a presença da ex-mulher era muito forte, Márcia pediu um novo local para morar. “Um pedido justo”, ressalta o autor. Encontraram
escritores brasileiros a ter sua obra completa no mercado. Não tenho nem um título que tenha cado na primeira edição.
PRÊMIOS
uma cobertura duplex em frente ao estúdio, com vista para o Cristo Redentor e parte da Lagoa. O apartamento é claro, no ambiente predomina o branco que se espalha por móveis e paredes. — O dono era um cara solteiro, que trabalhava no mercado nanceiro e transformou isso aqui no maior quarto e sala do mundo — brinca. — A Márcia decorou tudo sozinha. Para adquirir o imóvel, Ziraldo fez um acordo com a Editora Melhoramentos, que detém a distribuição de toda a obra do escritor. — Meus lhos assinaram um contrato mantendo minhas obras com eles depois de minha morte. Em compensação, recebi dinheiro suciente para adquirir o apartamento. Tenho uma relação ótima com a Melhoramentos. Hoje, sou um dos poucos
PESQUISA Antes de escrever, Ziraldo pesquisa o tema em enciclopédias. Yvonne, seu braço direito, enfrenta o Google
O AUTOR COM MÁRCIA A mulher nasceu no dia da derrota brasileira para o Uruguai na Copa de 1950
Em dezembro, o autor recebeu o Prêmio Quevedos, da Universidade de Salamanca (Espanha), o maior concedido a cartunistas de imprensa de língua hispânica. Foram 30 mil euros. Apesar disso, a repercussão nos jornais brasileiros foi mínima. — O Globo apenas traduziu uma nota da agência de notícias espanhola EFE, como se eu não tivesse história no Brasil. Fui tratado como um estrangeiro — reclama. — O prêmio, que me deixou muitíssimo feliz, chegou meio tarde. Hoje sou mais autor do que chargista ou cartunista. E não se pode minimizar a importância de Ziraldo para o cartunismo, as artes grácas e as histórias em quadrinho brasileiras. Ele criou Pererê, um marco nas tiras infantis, em 1960. A revista circulou até 1964. Para trabalhar seus personagens, pegou o que havia de melhor nos amigos. A coragem de Galileu, a abnegação de Moacir, a esperteza moleque do irmão Geraldo, a agilidade de raciocínio de Alan Viggiano, a generosidade de Pedro Vieira e o amor innito de Pimentel pela mulher, Quiquica. Galileu virou onça; Moacir, um jaboti; Geraldinho um travesso coelho vermelho; Alan, um macaco, e Pedro Vieira, um tatu. Todos estão vivos, com a exceção de Pimentel. Faltava um personagem que reunisse todos os aspectos positivos dos amigos e o autor se lembrou de um indiozinho, Tininim,
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CENAS DO PASSADO Ziraldo com a mãe, dona Zizinha (E). Ao lado de Vilma, descobre um personagem ao conhecer o índio Tininin. Ainda menino, com o irmão Geraldo e o pai.
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primo do cacique Txucarramãe Raoni. Eles se conheceram em 1959. — A revista O Cruzeiro promoveu um grande evento. Trouxe representantes de inúmeras nações indígenas para mostrar sua cultura no Estádio do Fluminense. O Raoni e o Tininim se hospedaram em minha casa e eu e a Vilma nos encantamos pelo menino — conta Ziraldo. Na época, um gerente dos Diários Associados resolveu bancar uma aposta de risco: ele acreditava que a esquerda tomaria o poder e que os quadrinhos norte-americanos, principalmente os de Walt Disney, seriam proibidos no país. — Ele tinha uma grande visão. Dizia para todos que estava aprendendo russo, mas que na verdade deveria estudar mandarim, porque os chineses iriam passar a
perna nos soviéticos, exatamente como aconteceu — reete o autor. Com o golpe de 1964, os Diários Associados se desinteressaram pelo projeto. O escritor participou de outras experiências marcantes, como O Pasquim, jornal que revolucionou a imprensa brasileira na década de 1970. Foi preso duas vezes pelos militares e quase expulso do país. Preso no Forte de Copacabana, desenhava mulheres inspirado pela sombra de uma gueira que se ltrava pelas grades. — Não participei da fundação do Pasquim desde o início. Agregueime ao projeto depois. Jaguar escolheu esse nome porque sabia que os militares iam acabar chamando o semanário de pasquim, mesmo. Com o m da ditadura, o jornal perdeu sua razão de ser e minguou. Ziraldo já deixara o projeto. Tentou
PANELAS NA CABEÇA Quando brincava de soldado nos tempos de Caratinga, o escritor usava uma panela em lugar de chapéu de papel
relançá-lo, sem sucesso, na década de 1990. Em 2000, promove um trabalho revolucionário na revista Palavra, de caráter cultural. A publicação não conseguiu se manter economicamente e deixou de circular um ano depois. Quatro anos depois, lançou Bundas, uma resposta bem humorada a Caras. Segundo o humorista, “quem mostrava a bunda em Caras não mostraria a cara em Bundas.” Os anunciantes não gostaram da brincadeira e a publicação fechou. — Nem o Banco Itaú, que topou fazer o seguro da bunda da Carla Peres, quis anunciar — reclama. Como resultado, Ziraldo acumulou uma dívida com a Previdência de R$ 1,2 milhão. — Pretendo pagar com a indenização que o governo vai me conceder. Já z consultas
jurídicas e descobri que isso é possível. A concessão da indenização atraiu críticas dos conservadores. — É uma clara implicância. O pior de tudo é que nós não entramos com nenhuma ação, nem eu nem o Jaguar. Quem decidiu abrir o processo foi o Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro. Nós apenas subscrevemos. Um jornal, quando a comissão nos deu ganho de causa, chegou a publicar o seguinte texto: “O governo decidiu pagar indenização a Ziraldo e, merecidamente, a Jaguar. Por que eu sou um imerecedor?
COBRANÇA A vitória sobre a morte na idéia de fazer um livro por ano sobre os meninos dos planetas, deixou Ziraldo
numa saia justa. Durante o lançamento de O menino da Lua, uma menina perguntou-lhe porquê só existia menino nos seus planetas. Ziraldo cou em saber o que responder. Mas a sabidinha da menina explicou: “É que os meninos são do planeta e as meninas são das estrelas!” — Escrevi um novo livro com o título: Menina das estrelas. Garotas realmente gostam mais de ler do que os meninos. Para atendê-las, criou novos álbuns de histórias em quadrinhos pela Editora Globo. — São histórias com personagens bem femininas, meninas com seus problemas, suas descobertas da adolescência. Que namoram, festejam o primeiro sutiã e a primeira tatuagem. Acho que junto com minha equipe – história em quadrinhos é
igual cinema – a gente conseguiu bons resultados. Os álbuns de quadrinhos dirigidos às meninas estão fazendo o maior sucesso.
UM PEPINO Yvonne interrompe a entrevista para avisar que uma rede de hortifrutigranjeiros se apropriou da imagem de O menino maluquinho, um dos maiores sucessos de Ziraldo, no cinema, vídeo e literatura. — Imagina — conta — puseram uma panela em um pepino e ainda zeram um slogan: “O mais levado da rede”. Ziraldo coça a cabeça e responde: — Sei que é uma homenagem, mas não me consultaram. Por favor, liga para a agência de publicidade.
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No telefone, é incisivo: — Vocês precisam respeitar o direito autoral. Deviam ter consultado antes. Agora está fora da minha alçada. Tenho um agente e, se não pedem licença de publicação, também afetam o bolso dele. E ressalta, enquanto envia um olhar bem moleque para Yvonne: — Essa homenagem pode custar muito caro para vocês. Depois, desabafa: — É incrível como, em pleno século 21, uma agência de publicidade age com total desconhecimento dos direitos do autor.
MINEIRICE Apesar de passar a maior parte da vida no Rio de Janeiro, Ziraldo é uma expressão de Minas Gerais. Pa-
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lavra dedicava-se a acompanhar a vida cultural de seus conterrâneos em terras cariocas. Para seu projeto mais recente, que guarda em segredo, mas mostrou para Formato, ele importou Paulo Vieira, um jovem pintor de Caratinga, terra natal do escritor. — Ele fez carreira no circuito de Vitória, mas aposto tudo em seu talento. Além de colaborar comigo, fará uma exposição solo muito brevemente — arma. O autor sobe para o terceiro andar, onde se concentra a produção dos quadros do novo projeto. Enquanto discutem detalhes na tela, com mais de dois metros de altura, Ziraldo conta como uma amiga sua, Doralice, que mora em Patos de Minas, descobriu que ele tinha “alguma importância”. — Ela me ligou perguntando se eu podia ir ao lançamento do mais re-
cente livro do poeta Altino Caixeta, em Patos de Minas. Caixeta era o gênio da palavra. Argumentei que só iria se fosse de avião, porque era muito longe do Rio. Eu pegaria o avião em Belo Horizonte. A Doralice respondeu na hora (imita a amiga, com um sotaque mineiro bem arrastado): “Ziraldo, eu num vou incomodar o prefeito com isso, não, sô. Ce tá doido”. Apesar de duvidar muito, ela resolveu consultar as autoridades locais e cou perplexa quando aceitaram a exigência. Ligou em seguida dizendo: “Nossa Senhora, eu num sabia que cê era tão importante”. Nessa viagem, o autor cou diante da morte. — Em Patos, havia uma revoada de ultraleves e eu morria de vontade de voar numa coisa daquelas. Perguntei se um piloto topava me levar. Lá no alto, a
sensação é maravilhosa. A gente vira pássaro. Perguntei se dava para desligar o motor. Começamos a planar até que pegamos uma corrente descendente e mergulhamos rumo ao solo. Ele conseguiu ligar a hélice muito perto do chão. A Vilma cou com o coração na boca.
ÁGUAS CORRENTES Aos 77 anos, Ziraldo está prestes a realizar um sonho de infância: morar perto de uma cachoeira. Conta a novidade, pelo telefone, para o lho, que está na
Nova Zelândia, fazendo a música para um novo lme. Em seguida, conta como tudo surgiu: — Minha mãe nos levava para a fazenda de um amigo em Caratinga, que tinha uma queda d’água linda perto de um casarão fantástico do século 19. Eu sempre lhe disse que, um dia, compraria a propriedade só para car perto da cachoeira. Num dia, contei isso para um dos herdeiros da propriedade, hoje decadente e meio abandonada, que na mesma hora a colocou à minha disposição. O problema é que era longe demais, oito horas daqui. Agra-
deci e não aceitei o presente. Nas férias do ano passado, a Márcia alugou uma casa num condomínio em Petrópolis e encontrei a obra de um restaurante embargada por motivos ambientais. Imagine que dá para ver a Baía de Guanabra inteira, tudo, o Rio inteiro lá embaixo. Eu me encantei pelo lugar que fica ao lado de uma cachoeira alta, com mais de 700 metros, descendo pela serra. Imagina, será igual a morar em Falling Water (casa desenhada por Frank Lloyd Wright, na Califórnia), só que ao lado de um precipício...
Uma das coisas mais sensuais que já passou na televisão era aquela bispa da Igreja Renascer (Sônia Ernandes). Em suas pregações usava um vestido vermelho extremamente decotado e parecia que estava tendo um orgasmo. Ela trepava com Deus ao vivo e a cores.
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PAI CORUJA Ziraldo se casou com Vilma em 1957, depois de sete anos de namoro. Conheceu-a em Belo Horizonte. — Foi uma longa espera. Esperei me formar. Sou bacharel em direito, apesar de não praticar a profissão. Ele não esconde o orgulho pelo trabalho de Daniela, Fabrizia e Antônio, que constam do primeiro time das artes brasileiras. Daniela, que já foi casada com o diretor de teatro Gerald Thomas, deixou sua marca
como cenógrafa nas produções históricas do marido. Depois, ganhou prêmios no palco e em produções para a telona, como Terra estrangeira e Linha de passe, co-dirigidos com Walter Salles, entre outras inúmeras produções. Fabrizia, a filha do meio, fez carreira como mímica, trabalhando ao redor do mundo com Bob Wilson, antes de se lançar na publicidade e no cinema. Além de dirigir O menino maluquinho 2, ao lado de Fernando Meirelles, com roteiro da irmã e do pai, realizou episódios
CARTAZES PARA A POLÍCIA Um turista abandonou uma pele de jacaré no banheiro do Aeroporto do Galeão depois que viu um cartaz feito, a pedido da Interpol e da Polícia Federal, por Ziraldo para a campanha contra o tráco de animais silvestres. Na parte de cima, um homem de camisa orida leva um tucano numa coleira, na inferior, um policial leva o turista numa gaiola. Os próximos combaterão os foragidos internacionais que buscam abrigo no Brasil e a pedolia. O autor já fez mais f de 400 cartazes e pretende reunir os melhores em um livro.
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para as minisséries Antônia, Som e fúria e Filhos do carnaval. Segundo o pai, “ela é a maior especialista brasileira em cenas de multidão.” Antônio, o mais jovem, é um especialista em trilhas sonoras para o cinema. Dois dos filmes em que participou, Central do Brasil e Cidade de Deus, concorreram ao Oscar. — Um vizinho de meu pai dizia sempre: “Pôxa, nenhum dos filhos do Ziraldo faz algo produtivo. É tudo artista” — lembra irônico, mas com grande prazer.
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AS INTERVENÇÕES DO MESTRE MARCARAM A PERSONALIDADE DA NOVA CAPITAL BRASILEIRA, CONSTRUÍDA PARA SINALIZAR A MODERNIZAÇÃO DO PAÍS
O alquimista em Brasília { Jeanitto Gentilini } Especial para a Formato
A
mundo, uma expressão de amor que transcende o olhar Marx, um dos maiores paisagistas da meramente curioso e discihistória, traz em sua obra a possibili- plinado do artista. Carisma e personalidade lhe confedade de transmutar a nossa condição rem o que é peculiar aos gêhumana a um estado de contemplação. nios. Temperamento regido pelo sol, sua presença fazia Captar seu universo criativo nos com que pessoas gravitassem ao seu leva a entender que reside no processo redor e que sua obra irradiasse paide observar, conhecer e interpretar o xão e liberdade.
lquimista do seu tempo, Burle
Fotos: Giba
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Na década de 60, Burle Marx dedicou-se aos jardins de Brasília. Fiel ao sentido de observação e coerência com o meio ambiente, ele penetrou no macrocosmo do cerrado, a savana brasileira, cenário natural da região Central do Brasil, escolhida por Juscelino Kubistchek para implantar a nova capital federal. Um estudo preciso da ora local possibilitou a introdução de espécies nativas nos jardins que implantaria.
CANTEIROS CIRCULARES Microssistemas ecológicos surgem em ilhas artificiais no lago do Itamaraty
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Foto: G
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A convite do embaixador Wladimir Murtinho, Burle Marx inicia sua obra em Brasília pelo Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores. O ambiente natural, aparentemente árido, inspirou-o a criar generosos espelhos d’água para compensar o clima seco da região e valorizar as linhas arquitetônicas do edifício, desenhado por Oscar Niemeyer, projetando-as na água. A escultura Meteoro, de Bruno Giorgio, parece utuar sobre a lâmina do lago. Reexos do céu formam desenhos em movimento. Canteiros projetados a partir da concordância de retas e curvas, estrategicamente colocados nas laterais e próximos à borda da calçada, não interferem no plano de projeções dos reexos criado pela lâmina d’água e criam uma pintura quase abstrata, colorida pela vegetação. Tapeçarias e jardins interiores, no térreo e no terraço, complementam o trabalho do paisagista em um de seus momentos de maior inspiração.
Foto: Luiz Clementino
PRAÇA DO SMU Prismas de concreto estabelecem um diálogo com a vegetação nativa do cerrado
PRISMAS DE CONCRETO
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O diálogo permanente na construção da obra de Burle Marx, entre o reino mineral e vegetal, entre plantas nativas e exóticas se reete na concepção dos jardins do Ministério do Exército. As esculturas implantadas no lago, criadas a partir das estruturas geométricas especícas dos cristais, emergem da água. A composição foi realizada a partir da distribuição de cinco grupos irregulares de esculturas, emolduradas pelo monumento de forma curva ao fundo que, diante do prédio, parece xar o olhar do observador. Na marcação
Não tenho medo de errar. Erro a gente pode corrigir. Tenho medo é da fórmula.
dos canteiros e na progressão do calçamento em mosaico foram acentuadas as formas retilíneas com ângulos marcantes que se desenvolvem no espaço e formam a praça triangular. No Tribunal de Contas, o jardim planejado por Burle Marx funde-se na fachada do edifício projetado pelo arquiteto César Alvarenga. O pátio quadrado que dá acesso à corte é composto por canteiros profundos e curvos. Largos canteiros de plumbago, logo ao fundo, complementam o conjunto. Margeando a avenida na lateral do prédio, uma grande lâmina de água sustenta uma extensa ilha de vegetação. Burle Marx explora nesse trabalho a água em movimento com o uso de cascatas, as elevações construídas e as concordâncias lúdicas dos canteiros.
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Fotos: Giba
OÁSIS DE SOMBRA As bacias de concreto projetadas na fachada do prédio do Ministério da Justiça, idealizado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, de onde a água cai em cascata até o espelho
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Foto: Luiz Clementino
ITAMARATY A escultura de Bruno Giorgio parece flutuar, ilusão criada pelo espelho d`água. O movimento das nuvens se integra ao jardim
d’água, sombreiam as composições realizadas por Burle Marx com altas colunas de xaxim cobertas por vegetação de sombra. O contraste com a intensa luminosidade de Brasília, aqui acentuada pela Praça dos Três Poderes, torna os jardins do ministério quase um oásis para o visitante. O projeto do Parque da Cidade, concebido por ele em 1974, participaria da Bienal de Veneza em
1978. A obra nunca chegou a ser completada e sofreu mudanças ao longo dos anos, mas a Praça das Fontes dá provas de sua genialidade. A presença do paisagista ainda pode ser percebida na estrutura das superquadras 308 e 114 Sul, feitas por encomenda do Banco do Brasil, e na embaixada da Bélgica. Além de trabalhar no projeto e implantação de projetos paisagísticos, Burle Marx participou do Conselho Arquitetura, Urbanismo e Meio Ambiente (Cauma) do Distrito Federal durante o governo de José Aparecido. Na época, vistoriava seus trabalhos e chegava a recolocar nos locais projetados as pedras deslocadas por mendigos que faziam do Teatro Nacional local de dormitório.
MANUTENÇÃO DO ACERVO A importância plástica e histórica do conjunto de Lucio Costa, na concepção urbanística; Oscar Niemeyer, na arquitetura, e Roberto Burle Marx, no paisagismo, levou Brasília, a ser o primeiro núcleo urbano contemporâneo inscrito pelo Comitê do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural da Unesco na lista dos bens de valor universal. Em 1990 a capital federal, torna-se Patrimônio Mundial da Humanidade equiparada a outros sítios urbanos notáveis, como Florença, Veneza e Havana. Esse conjunto valioso merece uma atenção especial. Neste ano, o Brasil comemora o centenário de Roberto
Burle Marx. Em 2010, Brasília completará 50 anos. Esforços devem ser direcionados para a recuperação e manutenção dos jardins em sua forma original. Todo registro e memória construtiva desse acervo, felizmente, permanecem vivos na pessoa do arquiteto Haruyoshi Ono, que, desde 1968, desenvolveu com Roberto os projetos do escritório. O Jardim Botânico de Brasília, vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, compõe a comissão de governo que, num esforço conjunto, reuniu órgãos da área federal e distrital para recuperar esses jardins. A visita técnica do arquiteto Haruyoshi a Brasília iniciará esse processo.
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Fotos: Giba
UM HOMEM UNIVERSAL Em 1928, uma estufa de plantas tropicais brasileiras, no Jardim Botânico de Dahlen, em Berlim, revelou toda a força da natureza tropical a um jovem estudante de artes plásticas de 20 anos: Roberto Burle Marx. Na incursão pelo universo da cor e da forma, pintura e paisagismo se amalgamavam sem, no entanto, perder sua autonomia distinta. Artista de dimensões continentais, trilhou o universo das formas, traduzindo-as nas mais diversas técnicas: cenários, esculturas, desenhos, gravuras, painéis, tapeçarias, joias,
arranjos orais, construtor de jardins, defensor da natureza, cultivador de amigos. Sua criação plástica traz para a realidade brasileira uma proposta ecológica de grande importância, tão atual que atingiu esfera planetária.Indicado, em 1934, para ser diretor de Parques e Jardins do Recife, Burle Marx amplia seus conhecimentos em botânica e realiza suas primeiras expedições de coletas em áreas de caatinga, introduzindo as espécies nos primeiros projetos de paisagismo, rompendo com o modelo europeu. Essa nova concepção inuenciou de forma inquestionável o conceito dos jardins modernos.
308 SUL Aparelhos urbanos e vegetação delimitam os espaços de uso
IMPACTO DOS MESTRES
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Ao retornar de Recife, seu primeiro projeto importante, realizado em 1938, foram os jardins do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, atual palácio da Cultura, fazendo parte da equipe que trabalhava no desenvolvimento do esboço feito por Le Corbusier, ao lado de Lucio Costa, junto com Oscar Niemeyer, Affonso Eduardo Reidy, Jorge Machado Moreira, Carlos Leão e Ernani Vasconcelos.
Encontros com esses homens notáveis transformam-se em aprendizado para Burle Marx, como quando escuta atentamente as impressões do mestre Le Corbusier, nas visitas ao atelier de Portinari, ou conversa sobre losoa, literatura e música com Mario de Andrade, autor do revolucionário romance Macunaíma — seu professor de historia e losoa da arte na Universidade do Distrito Federal. Em 1942, Roberto planeja os jardins da Pampulha, a convite do
EM FAMÍLIA No sítio, Roberto retrata o irmão Walter, pianista, maestro e compositor erudito
arquiteto Oscar Niemeyer, autor do projeto. Data dessa época sua amizade com o botânico Henrique Lahmeyer de Mello Barreto. Essa associação fraterna origina expedições e pesquisas que deram a Roberto a compreensão denitiva do complexo associativismo das plantas e nortearam futuros projetos, como o Parque de Araxá, síntese de criação artística e conhecimento cientíco. Cada togeograa de Minas Gerais é reproduzida nas 15 seções do parque.
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PROJEÇÃO INTERNACIONAL
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Na década de 50, sua arte ganha projeção internacional na Bienal de Veneza e na União Panamericana, em Washington, com a mostra Arquitetura paisagística no Brasil: Roberto Burle Marx. Em Londres, expõe pinturas e projetos na Contemporary Arts Gallery. Em Zurique, mostra seus projetos de jardins no Kunstgewerbemuseum. A exposição segue para Amsterdã, Bruxelas, Roma e Nápoles. O Rio de Janeiro abrigou os projetos mais especiais para Burle Marx: o calçadão de Copacabana, o Parque do Flamengo e os jardins do Museu de Arte Moderna. Na paisagem carioca gura, de forma magistral, o Sítio Santo Antônio da Bica, em Guaratiba, adquirido em 1949, com área de 800 mil m². Lá, Burle Marx pode organizar uma respeitável coleção botânica de plantas tropicais e subtropicais, com certeza uma das maiores do planeta, fruto de coletas, permutas com os jardins botânicos e com os produtores comerciais brasileiros e de várias partes do mundo. Num processo laborioso as plantas são identicadas, adaptadas e harmoniosamente agrupadas, materializando as composições criadas por ele e emoldurando a capela e a sede da fazenda antiga, que passou a ser a sua morada. Local de encontro dos amigos, de personalidades estrangeiras e brasileiras das áreas das artes, ciências e políticas, o sítio promoveu o intercâmbio entre o Brasil e outros países, além de divulgar a nossa cultura. Com seu primoroso acervo de arte popular, de imagens sacras barrocas, esculturas, pinturas e uma innidade de objetos. Roberto recebia com a sabe-
doria de um oriental, que reconhece em cada visitante uma presença divina. A cozinha do sítio, sob o comando do amigo e mestrecuca Cleofas César da Silva, promoveu o deleite dos que gozaram da hospitalidade do carismático antrião. Foram tantas e tão variadas as descobertas gastronômicas que, recentemente, foi lançado no Rio de Janeiro em comemoração ao seu centenário o livro À mesa com Burle Marx.
Mas o universo burlemarxiano, transpassa a elite intelectual e abraça a comunidade local, que passa a frequentar o sítio para assistir às missas dominicais na capela de Santo Antônio da Bica e usufruir o contato com os jardins e com a vegetação luxuriante. Começa um processo de mudança da condição social dos moradores, que aprenderam com as plantas uma nova forma de sobrevivência e inclusão social, Roberto
O SÍTIO A capela de Santo Antônio atraia a comunidade para a residência de Burle Marx, misto de centro de pesquisa e local de lazer
SOBRE O AUTOR Em 1989, Jeanitto Gentilini desenvolveu o projeto de reforma de uma residência para abrigar a galeria Práxis, inaugurada com uma mostra comemorativa dos 80 anos de Roberto Burle Marx. O autor deste texto, diretor do Jardim Botânico de Brasília, montou a exposição e teve oportunidade de retomar contato com o maior paisagista brasileiro, com quem conviveu durante sua passagem pelo Cauma.
formou uma geração de jardineiros e viveiristas. Na década de 80 a coleção atinge proporção institucional que exige um esforço na sua manutenção e preservação. Preocupado em garantir esse acervo de valor inestimável, Burle Marx doa ao povo brasileiro sua obra ainda em vida, incorporando-a ao governo federal. f
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Uma cidade com a cara do Brasil MODERNIDADE E ESTILO REFINADO FAZEM DE BRASÍLIA A CAPITAL DO BEM VIVER
{ Claudia Mohn }
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0Fotos: Clausem Bonifacio
Especial para a Formato
O
que é viver e morar em Brasília?
nais como uma forma de permitir que a sua residência esQue tipo de projeto agrada aos mora- teja sempre pronta para dores da nossa cidade? A pergunta feita acolher. Os nossos habitantes demonstram também que a arquitetos e designers de interiores estão preocupados com a preinspirou uma série de respostas que de- servação do planeta e sempre que possível escolhem produtos nem o perl brasiliense de ser. ecologicamente sustentáveis. Segundo a arquiteta Fazendo uma compilação, descoSilvana Andrade, existe uma tendênbriu-se que os moradores da Capital Fecia à valorização da área social da deral têm em comum o desejo de receber casa. “Os ambientes devem ser limpos bem e, por isso, desejam obter outras e práticos, permitindo maior conforto funcionalidades aos ambientes tradiciona hora de receber”, comenta. A arquiteta explica ainda que para aumentar esse conforto, os prossionais têm lançado mão da integração de ambientes. Nesse apartamento situado na Asa Norte, Silvana Andrade integrou o home theater com a sala de estar por meio de uma porta de correr. A idéia é aumentar a funcionalidade do espaço. É um recurso que pode ser utilizado mesmo em metragens reduzidas.
INTEGRAÇÃO Projeto da aquiteta Silvana Andrade
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Multifuncionalidade é a tônica do século 21 e essa tendência aparece com muita propriedade na residência brasiliense. A arquiteta Maria do Carmo Araujorge reforça que as pessoas querem ampliar a função original dos espaços disponíveis. “De um tempo para cá, o maior desejo dos moradores é trazer a parte externa da casa para o seu interior, ou mesmo o contrário. Mais do que uma piscina, símbolo das casas de Brasília, eles querem um SPA para receber os amigos em um ambiente líquido e cheio de calor. Querem uma lareira a gás para poder receber nas grandes áreas avarandadas em noites frias de inverno e uma área de lazer integrada à cozinha gourmet”, explica a prossional. No projeto da arquiteta Ângela Borsoi, a área externa da casa transformou-se em um eciente espaço de convivência familiar. “Retiramos a antiga churrasqueira, substituindo-a por um anexo, que foi construído em estrutura metálica revestida por placas cimentícias. Atrelada a essa estrutura, uma Cozinha Gourmet foi estrategicamente projetada para permitir maior conforto aos moradores. Criou-se ainda um deck molhado junto ao deck seco de madeira iluminado por leads azuis. Também foi realizado um novo paisagismo, abrigado por uma Baywindow de vidro e estrutura metálica para proteger a cozinha do vento. A iluminação indireta tornou ambiente clean e, ao mesmo tempo, convidativo e despojado”.
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TENDÊNCIA Maria do Carmo Araujorge amplia a função original dos espaços
BARREIRAS ROMPIDAS Ângela Borsoi eliminou as barreiras entre a área de estar, o espaço gourmet e a piscina
MULTIFUNCIONALIDADE Maria do Carmo Araujorge busca espaços que tenham múltipla função. O objetivo é ampliar a área social
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Pequenos espaços também podem ser valorizados com uma decoração de traços modernistas. Esse apartamento localizado no Sudoeste pertence a um jovem casal. No projeto de Maria do Carmo Araujorge, foram utilizados todos os espaços disponíveis. Na sala em
L, o destaque cou por conta do quadro da artista plástica brasiliense Mônica Menkes. “A reforma foi sendo feita aos poucos. Isso permitiu que o casal conseguisse terminar a obra e a decoração no momento certo e sem estresse”, comenta a arquiteta.
ESPAÇOS DISPONÍVEIS A reforma permitiu o aproveitamento de todos os espaços
ÊNFASE NAS PEÇAS Gislaine Garonce e Marcelo Martiniano (acima) valorizam o design em seus projetos
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Arquitetos e decoradores ressaltam que a arquitetura moderna de Brasília inspira os projetos dos interiores e por sua vez a vida dos seus habitantes. Linhas retas e móveis práticos e funcionais são tendências que foram incorporadas à decoração da casa brasiliense. A arquiteta Gislaine Garonce acredita que as pessoas têm preferido um estilo atemporal de decoração e isso é a “cara” da cidade. “O designer de qualidade tem sido muito valorizado. Eles preferem esperar e pagar por uma peça diferenciada do que comprar uma que não tenha estilo denido”. No projeto acima, a prossional, em parceria com o arquiteto Marcelo Martiniano, ilustra bem o estilo do brasiliense.
Os clientes, cada vez mais, preferem esperar por uma peça diferenciada e valorizam o design de qualidade
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0Fotos: Frank Carvalho
Pequenos espaços são valorizados na arquitetura de traços modernistas e podem assumir funções variadas
Os arquitetos João Rafael de Paula e Valéria Motta ressaltam que espaços reduzidos permitem também algumas variações. “Os que moram em apartamentos têm menos opções do que aqueles que habitam em grandes espaços. Porém, um pequeno quarto pode ser transformado em um agradável home theater e até a varanda em um espaço gourmet, que, por sua vez, recebe uma pequena bancada com pia, churrasqueira, fogão barbecue e sofás de bra e mesinhas para dar charme e conforto”, explicam.
SOLUÇÕES DIVERSAS João Rafael de Paula procura criar opções de multiuso (EE). Mini spa projetado dor André Martins (D)
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Novos bairros surgiram e com eles outras formas de morar. As grandes construtoras mostraram à classe média brasiliense possibilidades que antes eram restritas apenas aos mais ricos. Termos como home theater, espaço gourmet, spa, espaço tness e home ofce passaram a fazer parte do sonho de consumo das pessoas. Poucos são os projetos que não contemplam um desses prazeres.
SUSTENTABILIDADE Na questão da sustentabilidade, o arquiteto André Martins recebe muitos pedidos para a utilização de materiais rústicos e ecologicamente corretos. “As pessoas
procuram o aconchego e uma forma de promover isso é utilizar bras, adornos e artesanato de qualidade”, aposta o prossional.
É na arte que capto através das antenas que disponho — meu corpo — que exprimo minha sensibilidade possível como ser
SUSTENTABILIDADE André Martins valoriza texturas naturais e objetos que fazem parte da história da família
Porém, não é fácil encontrar na cidade peças diferenciadas. Valorizar o que as pessoas têm em suas residências também é a tônica da maioria dos projetos. Aquela “cara” de loja está fora de moda. André Martins explica que gosta de elaborar uma arquitetura básica utilizando cores neutras em seus projetos. “Gosto de ousar com adornos exóticos e diferenciados que podem ser trocados depois. Assim ca mais fácil renovar a decoração do local”.
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Brasília não funciona como foi planejada, mas sim como planejaram todos aqueles que aqui vieram morar. Viver em Brasília é trazer um pouco da maneira de morar de outros estados brasileiros. O mineiro nunca dispensará um telhado. O carioca sempre vai querer despojamento. O paulista não abre mão de uma banheira para descansar. O nordestino procura logo um lugar para uma rede. O goiano adora um forno à lenha e o gaúcho vai sempre querer uma bela churrasqueira. Este morar daqui é uma mistura de urbanidade. É um morar múltiplo onde todos se encontram e trocam receitas de viver. É, na realidade, a cara do Brasil. Vários brasis em um só.
CLÁUDIA MOHN É JORNALISTA
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Sonhos de uma artista
D
oris Venâncio viu sua
vida mudar completamente logo após um sonho que teve com o seu padrinho, o pioneiro Antônio Venâncio da Silva, um dia depois de sua morte. No sonho, Novo sonho. Dessa vez o tio aparecia em uma praça no centro de Paris cercado de belos pombos brancos, como São Francisco de Assis. No dia seguinte, um artesão apareceu em sua loja vendendo o mesmo santo em sua forma bruta. A artista resolveu pintar alguns exemplares e estes foram imediatamente vendidos.
ele a alertava sobre a necessidade de se aproveitar as oportunida-
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Segundo ele, somente assim seria possível ganhar dinheiro. Na época, Dorys possuía um pequeno quiosque no Gilberto Salomão para revender artigos para presente e assim garantir seu sustento. O que a comerciante não sabia era que o destino lhe reservava uma surpresa. No dia seguinte, parte do teto do shopping desabou em cima do seu quiosque. Com o incidente, Dorys teve oportunidade de reabrir seu negócio em uma loja maior. Com o intuito de obter mais mercadorias para a revenda, convidou uma amiga que trabalhava com antiguidades para expor seus produtos no local e, frente ao sucesso, começou a comercializar molduras, espelhos, quadros e alguns objetos de decoração.
Fotos: Giba
des oferecidas pela vida.
Em 1999, descobriu que tinha câncer no ovário. Para amenizar o problema, buscou na arte da restauração uma forma de terapia. Assim restaurou quadros e objetos de antiguidade, empregando técnicas que havia aprendido. Isso a acalmava. Interessou-se tanto pelo trabalho que passou a pesquisar tudo sobre o assunto. Tornou-se apta a fazer belíssimas restaurações. Logo após restaurar dois quadros de pintores famosos, a pedido de uma amiga, Dorys viu sua fama aumentar. Hoje, a restauradora é reconhecida pela grande capacidade que adquiriu ao longo dos anos. Já restaurou obras de artistas brasileiros e estrangeiros. Atua também com a restauração de arte sacra. É responsável pela conservação de todo o acervo de obras do Templo da Boa Vontade (LBV), incluindo o anjo da entrada da galeria. Fechou sua loja, expandiu os negócios e hoje
Fotos: Giba
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trabalha em seu atelier para atender o público em geral, companhias de seguro e diplomatas que a procuram com o intuito de restaurar suas obras avariadas nas constantes viagens que fazem. Dorys participa de todas as feiras de antiguidades que acontecem na cidade. Com uma técnica diferenciada, prepara pessoalmente todo o material de que precisa para fazer as restaurações. Passou também a trabalhar com a repaginação de móveis seguindo técnicas como a pátina, policromia e outras. E ainda encontra tempo para pintar quadros. Recentemente, a restauração e confecção de lustres antigos tem des-
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pertado a paixão de Dorys Venâncio. — Utilizo o material de outros lustres para compor peças contemporâneas, barrocas e no estilo francês — diz. Para o futuro, Dorys pensa em voltar a desenhar jóias — sua paixão. Com certeza será um sucesso. Quem duvida? f
SERVIÇO Ateliê Dorys Venâncio QI 05, conjunto 1, casa 1 Tel.: 8157-9590 E-mail: dorysvenancio@gmail.com
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SOLUÇÕES DIVERSAS Concreto no projeto de Ângela Borsoi (à direita)
Surpresas cotidianas DIFERENTES MATERIAIS E FORMAS, MAS SEM PERDER A LINHA
{ Humberto Macêdo } Especial para a Formato
A
pesar da presença dominante de estruturas em concreto, a arquitetura de Brasília reserva surpresas que fazem parte do nosso cotidiano. São obras onde foram utilizados tijolos, madeira, argamassa-armada e aço. A cidade, nascida de um sonho, tomou vida, amadureceu e vem incorporando experiências muito ricas realizadas pelos prossionais que aqui estão. Plenos de informações culturais, esses arquitetos e urbanistas carregam em seu estilo a relação
com o lugar onde nasceram, a origem da sua família e seus arquétipos. A relação desses prossionais com os diversos tipos de material representa não somente um meio para alcançar uma solução, mas um princípio, uma paixão pelas possibilidades que podem brotar dali. Essa paixão, transformada em obra de arte, faz surgir um envolvente jogo equilibrado de estruturas, onde a busca pela superfície transcende cada material.
ESTILO DIFERENCIADO Projeto de Gilson Paranhos
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De acordo com sua percepção estética, cada profissional está em busca do resultado mais primoroso de sua obra
CONCRETO E MADEIRA Projeto da Domo (acima) e de Lecomte (abaixo)
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Brasília, surgida do concreto, apresenta inusitadas formas estruturais. Mas, a exemplo de outras cidades em desenvolvimento, vem adaptando-se também aos novos materiais. Madeira, aço e alumínio interagem para dar ritmo e contraste à luminosidade do cerrado. A cidade se transforma na imaginação criadora de seus arquitetos. De acordo com sua percepção estética, cada um desses prossionais está em busca do resultado mais primoroso e “belo” de sua obra, sem abrir mão da funcionalidade. Muitas vezes, inuenciados pelas imposições do mercado, procuram soluções novas e variadas, concebendo uma arquitetura que esteja de acordo com a contemporaneidade e até permitindo-se criar uma arquitetura atemporal. Sem temer as “tendências”, mas, administrando, muitas vezes,
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contradições, buscam soluções belas, inesperadas e harmoniosas, traduzindo poesia e imaginação. Nem sempre o “cliente” sabe o que quer como resultado estético e acaba escolhendo o prossional em consideração às obras por ele já edicadas. Assim, quanto mais vasto o currículo de um arquiteto, melhor a sua trajetória de estilo será traduzida. Verica-se na cidade a presença de alguns prossionais com carreiras bastante consolidadas, que podem mostrar uma evolução estética já bem amadurecida. A proposta dessa editoria de arquitetura é apresentálos a cada número, mostrando seu perl e a arquitetura que se identica com a nossa cidade.
DOMO ARQUITETURA Nesta edição serão apresentados os projetos dos arquitetos Ângela Borsoi, Daniel Mangabeira, Henrique Coutinho, Matheus Seco, Roberto Lecomte e Gilson Paranhos
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HUMBERTO MACÊDO É ARQUITETO E URBANISTA
INTEGRAÇÃO O projeto de Ângela Borsoi integra o interior com o entorno da residência
Inovação Projeto dos arquitetos Daniel Mangabeira, Henrique Coutinho e Matheus Seco, a residência localizada na QI 28 no Lago Sul de Brasília é composta por um pavilhão dividido entre o espaço interno em dois níveis e o espaço de varanda em pé-direito duplo, articulados por um bloco mais baixo com terraço e equipamentos de lazer. As fachadas laterais que são mais expostas ao sol funcionam como uma "pele" dupla formada por uma camada externa em forma de pérgola vertical de madeira e uma camada interior em vidro, entremeadas por uma camada de vegetação que cará voltada para o interior dos
quartos. A escada principal é composta por lâminas de concreto revestidas em madeira, xadas lateralmente à parede. Esta escada conecta o hall de pé-direito duplo no térreo à sala íntima no pavimento superior. A sala íntima tem suas laterais abertas para a vista principal ao mesmo tempo em que vislumbra a entrada da casa. A piscina é o ponto central da composição do projeto, para onde se abrem seus ambientes de convivência. A piscina se encontra no platô de implantação, que será erguido no ponto médio do terreno de modo a obter uma vista aberta para o Lago Paranoá.
Sobre os arquitetos: Daniel Mangabeira da Vinha é Arquiteto e Urbanista formado pela Universidade de Brasília (1999). Atualmente é membro do Conselho Superior do IAB-DF. Henrique Eduardo Caldas Coutinho é Arquiteto e Urbanista formado pela Universidade de Brasília (1997). Matheus Conque Seco Ferreira é Arquiteto e Urbanista formado pela Universidade de Brasília (1999). Possui Mestrado em Architectural Design pela Bartlett School of Architecture, University of London (2004)
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ROBERTO LECOMTE
Solução Ambiental A losoa de uso intensivo de madeira e de estruturas de madeira em nossos projetos foi fundamentada na experiência com o movimento ambientalista e com a busca de alternativas às soluções arquitetônicas ditas “globalizadas”. Ou seja, que se manifestam em várias partes do mundo independentemente de condicionantes bioclimáticos e socioculturais locais. O desenvolvimento tecnológico é imprescindível, mas a arquitetura deve sempre que possível levar em consideração o ambiente onde será realizada, e os novos tempos onde a busca de soluções ditas “sustentáveis” está se tornando regra e apontam para a necessidade de se avaliar criteriosamente o custo das decisões arquitetônicas.
Por ser renovável, a madeira é o material do futuro. Consome menos energia e produz menos resíduos e poluição em seu beneficiamento 50 51
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Cite-se como exemplo que, em algumas propostas de edifícios com “caixas de vidro” em regiões de clima quente, o custo de climatização torna-se equivalente ao custo da obra em poucos anos. Estudos recentes indicam que uma obra de um edifício representa cerca de 20% do seu custo, enquanto que os 80% restantes representam o custo de manutenção ao longo de sua vida útil. Ou seja, o grande impacto decorre de como esse edifício foi concebido e de como as soluções tecnológicas ali empregadas são ambientalmente adequadas ou não. Soma-se a isto o fato de que a construção civil é responsável pelo consumo de cerca de 40% dos materiais e energia produzidos pelo mundo. Nesse contexto, nenhum outro material de construção possui o desempenho ambiental da madeira, sendo considerada por estudiosos da sustentabilidade na construção civil como o “material do futuro”. Trata-se do único material renovável da construção civil, além de consumir menos energia e produzir menos resíduos e poluição em seu beneciamento, bem como ser um estoque de carbono de longa duração. De acordo com o conceito de “edifícios verdes” difundido nos países da Europa e América do Norte, e monitorado em programas de avaliação do desempenho dos materiais como o LCA (Life Cycle Assesment or Analysis ou Análise do Ciclo de Vida)
ESTRUTURAS A madeira é destaque nos projetos de Roberto Lemconte
e LEED (Leadership in Energy and Environmental Design ou Liderança em Energia e Desenho Ambiental), a madeira é considerada o material ambientalmente mais correto. A pouca difusão do seu uso estrutural e construtivo no Brasil está relacionada a diversos fatores, como a tradição construtiva em pedra herdada da colonização portuguesa, o
grande desenvolvimento experimentado pelas indústrias do cimento e do aço e a ilegalidade presente na atividade madeireira que faz com que seja rejeitada pelo consumidor preocupado com a questão ambiental. A conjuntura da ilegalidade de grande parte da atividade madeireira no Brasil não é exclusiva do material: ainda hoje, por exemplo, a atividade siderúrgica em Minas Gerais é alimentada pelo carvão nativo que é extraído ilegalmente nas regiões de cerrado e da caatinga. Este mesmo carvão também alimenta uma innidade de olarias que produzem o tijolo e a telha de barro que consumimos em nossas obras.
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O tijolo de barro é considerado o nosso material de construção mais barato e acessível, mas o seu custo não é real: se as olarias fossem devidamente responsabilizadas pelo impacto que causa a extração de argila, como erosões irreversíveis, certamente o preço do tijolo seria outro. O mesmo se aplica aos demais materiais básicos da construção como areia, brita e cimento, em cujos custos não está “internalizado” o custo ambiental. Com relação à madeira, esta representa uma das grandes possibilidades de manutenção dos nossos recursos orestais, pois o setor madeireiro prescinde da oresta. As estatísticas do desmatamento na Amazônia conrmam isto: a atividade agropecuária é a grande responsável pelo ritmo vericado, pois exige a retirada da oresta para sua expansão. O uso da madeira na construção civil representa uma valorização
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do produto orestal, e quanto mais nobre for este uso, mais valorizado será o material. O seu emprego como principal elemento estrutural e construtivo em uma edicação signica promover a madeira ao mesmo patamar dos materiais considerados tradicionais, como o concreto, o aço e o alumínio, e signica também estar contribuindo para a sua valorização em um país onde metade do seu território ainda é uma oresta em pé. O baixo desenvolvimento tecnológico vericado nas obras em madeira em geral não expressa as suas inúmeras possibilidades de uso, que nos países do Hemisfério Norte já colocam o material como o mais versátil, permitindo-se conceber estruturas com vãos que chegam a quase 200m e casa que saem prontas de indústrias e são transportadas por helicóptero até os locais de implantação. Em nosso projetos procuramos experimentar novas soluções
tecnológicas em sistemas pré-fabricados com madeira roliça ou com vigas laminadas e coladas, sempre buscando a integração entre arquitetura e estrutura, criação e tecnologia. Invariavelmente, percebemos nas obras nalizadas que a estética está diretamente relacionada com a presença da madeira. Finalizando, acreditamos nas innitas possibilidades de uso da madeira como elemento estrutural e construtivo, sem mencionar as variadas opções de composição arquitetônica com as quais perseguimos o nosso objetivo nal, que é a obra bela, funcional e coerente com os novos tempos. Sim, pois para 10m3 de madeira empregado em uma edicação, temos, descontadas as emissões para se processar o material, aproximadamente 4 toneladas de carbono “estocadas” em pilares e vigas, como contribuição para uma atmosfera mais limpa para as próximas gerações.
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Sobre Roberto Lecomte: Arquiteto formado pela Universidade Católica de Goiás (1989), possui Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (2007). Atuou em projetos e obras com uso da madeira como principal elemento construtivo, tais como a Casa de Chá e Orquidário do Jardim Botânico de Brasília, Orquidário Nacional do IBAMA, restaurante Ipê em Caldas Novas (GO), centros de visitantes e estruturas de apoio para parques ecológicos no Distrito Federal, como na Estação Ecológica de Águas Emendadas, para parques estaduais como Terra Ronca e Pirineus (GO), em parques nacionais como Serra dos Órgãos (RJ) e Fernando de Noronha (PE), além de obras especiais em madeira como a Tribuna Coberta e Pavilhão do Parque de Exposições da Granja do Torto e Espaço de Eventos no Setor Gráfico, em Brasília (DF), bem como em obras residenciais em madeira. Ganhou duas
menções honrosas em duas edições da Bienal de Arquitetura de Brasília, com as obras do Restaurante Ipê, em Caldas Novas (GO), e do Espaço de Eventos no Setor Gráfico (em parceria com os arquitetos Regina e Sérgio Fitipaldi). Ganhou, com o projeto e obra do CENAFLOR (Centro Nacional de Apoio ao Manejo Florestal), o 1º lugar do Concurso de Arquitetura em Madeira, categoria Profissional, do EBRAMEM (Encontro Brasileiro em Madeiras e em Estruturas de Madeira), e a Medalha de Ouro na categoria Ambiente Construído do GREEN APPLE AWARDS, prêmio internacional concedido pela The Green Organization e Governo Britânico. Roberto Lecomte contou nos projetos apresentados com a valorosa contribuição do engenheiro Júlio Eustáquio de Melo, mestre em estruturas de madeira e calculista de todas as estruturas. No projeto Espaço de Eventos, assinam também os arquitetos Sérgio e Regina Fitipaldi.
SIMPLICIDADE A cobertura imprime autenticidade ao projeto
GILSON PARANHOS
Graça e identidade ECOLOGIA A estrutura em madeira traz uma grande economia na emissão de carbono. Ao lado, projeto para Marabá
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A solução despojada adotada por Gilson Paranhos ao desenhar uma residência conferiu autenticidade ao projeto, segundo Matheus Gorovitz, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU-UnB) e autor de A invenção da superquadra, obra lançada em abril deste ano. — A forma como o arquiteto concebeu a cobertura imprime graça e dispensa qualquer outro artifício ou ornamento. A identidade da casa á dada pela cobertura que se resume ao essencial — arma o professor. Segundo Gorovitz, essa des-
pretensão em fazer uma arquitetura singela é muito interessante. — A casa é aconchegante, com todos os seus espaços dimensionados para a função que foi concebida. O projeto possui tudo o que é necessário para uma vida confortável e sem ostentação — conclui.
Sobre Gilson Paranhos: Em 1980, graduou-se em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília. É sócio-fundador da GP Arquitetura e Engenharia e autor de 156 projetos (54 obras), entre eles: terminal III do aeroporto de São
Paulo (Guarulhos-SP), Condomínio Residencial – classificado em 1º lugar (edificações de pequeno porte) na Bienal de Brasília em 1998 (BrasíliaDF), Capela do Seminário Nossa Senhora de Fátima – classificada em 2º lugar (categoria Institucional) na Bienal de Brasília de 2003 (BrasíliaDF), Mercado de Sobral – classificado em 2º lugar no Concurso Nacional (Sobral-CE), Hospital de Oncologia (Natal-RN), reforma do Hospital de Base (Brasília-DF) e reforma da recepção dos Presidentes na Base Aérea (Brasília-DF). Entre outros cargos, foi Presidente do IAB DF e Coordenador Nacional de Concursos Públicos. f
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E M PR E E N DE D OR I S MO
FUSÃO AGRADA SEGMENTO DE ARQUITETURA E DECORAÇÃO
Soluções Inteligentes
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arcerias entre empresas do ramo de mate-
especializada em mármores e graniriais de construção são iniciativas que sempre tos nacionais e imagradaram consumidores e prossionais do portados e silestone e, a segunda, com ramo de arquitetura e decoração. atuação no segmento de armários Isso ocorre não somente pela planejados. A união das marcas gacomodidade na hora da escolha, mas nhou um moderno showroom e também pela possibilidade de que o novos clientes interessados nas inúprojeto saia exatamente como foi meras possibilidades disponíveis. planejado. Após 20 anos de experiência, De olho nesse mercado cada Adilson Magela constatou que o cliente dia mais exigente, os empresários busca comodidade e atendimento ráAdilson Magela e Célio Caixeta repido e eciente. “Unir os serviços de solveram unir as empresas Multipemarcenaria com as possibilidades de dra e Metro Quadrado. A primeira uma marmoraria permite que os pro-
jetos sejam executados sem risco de erro. Além disso, o contexto para sua execução é muito mais rápido e eciente”, comenta. As empresas atendem a qualquer tipo de projeto e possuem um completo mostruário de pedras decorativas e acabamentos em madeira e laminados. No salão de vendas, projetistas e vendedores estão à disposição dos clientes para auxiliá-los na escolha das melhores opções para um determinado projeto. O showroom está guarnecido também com todas as tendências lançadas recentemente no mercado nacional e internacional de arquitetura e decoração.
SERVIÇO Multipedra e Metro Quadrado SIA Trecho 4, lote 780 Tel.: 32345793 3361-4945 E-mail: metroquadrado@live.com multipedras@gmail.com
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Por ser renovável, a madeira é o material do futuro. Consome menos energia e produz menos resíduos e poluição em seu beneficiamento
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luz
No caminho da luz
R Foto: Roberto Castello
ui Faquini nasceu em Morrinhos, Goiás em 1943. Assistiu e participou da construção de Brasília. Morou no Irã, Japão, e a antiga Iugoslávia, aonde fez a primeira documentação fotográfica. Passou pela Suíça, Inglaterra e Itália realizando oficinas e estágios. Voltou ao Brasil em 1975 e hoje possui um acervo de mais de 20 mil imagens. Participou e editou nove livros. Suas origens demarcaram o caminho que seguiria profissionalmente. Goiás, nas décadas de 40 e 50, era um estado isolado, mas de rico artesanato e cultura. Essa influência é visível nas inúmeras exposições que montou ou participou. As duas mais recentes, Kalunga, que retrata o cotidiano dos quilombolas, e Estradas e margens, síntese de 30 anos de viagens pelo Brasil, principalmente nas regiões Norte e Centro-Oeste, permitem um mergulho profundo e autêntico em um país de grandes contrastes. Além do trabalho de documentar um país pouco conhecido, o fotógrafo trabalha, há 25 anos, para agências de publicidade de Brasília e outros estados. É membro fundador da União dos Fotógrafos de Brasília e associado à Abrafoto — Associação Brasileira de Fotografia Publicitária. Em sua próxima mostra, Menire (Mulher), disseca o universo feminino Kaiapo.
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“Eu sou um caçador de luz e de cores. Busco sempre os aspectos inusitados dos locais que visito. ”
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“Estradas e margens resume mais de 30 anos de trabalho pelo interior do Brasil.�
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“Não tenho saudades da fotografia em filme. Hoje, faço em seis dias o que levaria meses para preparar antes.”
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UMA VIAGEM À ÍNDIA É UMA EXPERIÊNCIA SINGULAR E INESQUECÍVEL. A RELIGIOSIDADE IMPRESSIONA E CONTAGIA. TERRA DO AMOR ONIPRESENTE
Um mergulho espiritual
espiritual { Viviane Pretti } Especial para a Formato
{ José Humberto Fagundes } Edição de texto
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adas (monges) e didis (monjas) vestidos com trajes alaranjados, dançam e cantam no Templo de Ananda Marga, uma das centenas de religiões e seitas indianas, em Calcutá. Giram em torno do altar, viram para a direita e para a esquerda e sempre batem a ponta dos pés no chão cantando de maneira incessante: Babanam Kevalam (Tudo que existe é amor, amor é tudo). Há milênios, os mantras são entoados nos templos indianos. Uma forma de ativar a terceira visão. São horas e horas de ritual que leva ao transe completo.
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Vinda de todos os cantos da Índia e do mundo, uma multidão estimada em 5 mil pessoas participava do Encontro Anual dos Monges de Ananda Marga. Eram homens, mulheres, crianças, idosos, doentes. O clima de tranquilidade e resignação impressionava. Debaixo de um grande galpão de lona, improvisado como proteção ao sol escaldante, as pessoas recebiam pratos, produzidos com folhas de árvore prensadas — ecologia viva. O panelão de arroz, a concha com a porção de cada um. Distribuição de comida em massa. As pessoas de cócoras no chão. A mão esquerda sustentava o prato. A direita, comia. Algo surreal. Havia uma cozinha especial para os estrangeiros. Fui visitar... Cada panelão... Limpeza de dar dó. Além do mais, a comida ainda ia demorar. A exaustão também acabou me fazendo desistir. A experiência da alimentação em Calcutá cou mesmo por conta de um caldo de cana, água de coco, uma goiaba e um saco de pipoca. Acondicio-
Fotos: Viviane Pretti
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nada em saco transparente, pipoca é comida de verdade por lá. Ainda estava fresca na memória a chegada pela manhã, na cidade. Choque com a pobreza, falta de condições de higiene. Trânsito inimaginável: gente, carro, cachorro, vaca, moto, ônibus. Bicicletas com dois passageiros, motonetas com três. Cenas inesquecíveis, no entanto, superadas pela harmonia e
A coloração dourada do prédio da estação ferroviária de Calculá impressiona tanto quanto a multidão que por lá lácircula
devoção. A Índia é um país peculiar. Terra de Ghandi. Difícil de denir e impossível de descrever. Seus mistérios, tradições, divindades... Um povo à or da pele. Caos urbano, miséria e beleza em um só lugar. Avanço tecnológico, crescimento econômico acelerado e religiosidade atemporal. Um povo sereno, sem medo da morte. BHODIGAYA A estação ferroviária de Calcutá é esplendorosa. Linda. Todo iluminado, o prédio resplandece uma coloração dourada. No interior, haja gente. Burburinho inndável de uma multidão inacreditável. Nosso destino, Bhodigaya. Lugar em que Sidarta Gautama iluminou-se, dando origem ao Budismo, uma das maiores religiões mundiais. Dezenas de templos de todas as linhagens e regiões da Ásia marcam a arquitetura. O formato das construções e as cores denunciam a origem dos monges. Templo em madeira, nas cores marrom, ocre, bege, sem muitos penduricalhos, é japonês. Com muito vermelho, todo colorido, é budista puro. Bhodigaya gira em torno do Mahabodhi Temple (Templo do Grande Despertar). A área equivale a pouco mais de um quarteirão. Nos jardins e pátios internos, os monges passam o dia fazendo reverências, orações. E lá está a árvore embaixo da qual Sidarta Gautama meditou e se iluminou. Os locais por onde o Buda andou, durante as semanas seguintes à sua iluminação, foram divididos em estações. Junto a pessoas de vários lugares e nacionalidades — e muitos monges com trajes laranja, bege, marrom, vermelho, que indicam linhagens e
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TRABALHO Carregar pedras é tarefa feminina nessa britadeira em Bhodigaya
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monastérios diferentes —, rodei sete vezes em volta do templo cumprindo ritual milenar. O objetivo budista é a liberação do sofrimento e da ignorância dos seres sencientes nos seis reinos da existência (Deva, o reino dos deuses; Asura, dos semideuses; dos seres humanos; dos animais; dos fantasmas famintos e dos infernos). Ao fazer suas meditações e orações, monges e praticantes estendem sua prática a todos os seres. É como se rezassem para aliviar nossas cargas e diculdades. Neste roteiro místico por Bhodigaya — naquele dia éramos os únicos brasileiros — a aventura cou por conta do trajeto a ser percorrido a pé, cerca de duas horas, para chegar à caverna do Buda. A
COTIDIANO O sorriso largo do camponês, no retorno para casa. Abaixo, Bikki (esq.) com um barbeiro de rua em Bhodigaya
alternativa do automóvel fora descartada. O caminho incluía a travessia de um rio lamacento, e de algumas aldeias. Oportunidade única de conhecer um pouco o interior indiano. Casas de barro e palha. Mulheres cuidando de afazeres domésticos. Meninos nus brincando na terra. Meninas com suas lousas rumo à escola. A maioria de pés descalços. Em volta das casas, o leite das crianças. Vacas compondo o cenário.
CASTAS Na Índia, há quatro castas ou divisões sociais. Cada um cumpre à risca o seu destino. É proibido casamento entre elas. A brâmane é a primeira. São os sacerdotes. Têm pele mais clara, frequentam uni-
versidades. Shastriye, a segunda, abriga prossões nobres, como comerciantes e soldados. A terceira, kaist, engloba os trabalhadores, mas nada se compara com a quarta casta: harjan. Aí estão os párias. Deserdados, favelados de toda sorte. Limpadores de latrinas, encarregados das tarefas desagradáveis. Dependem de banheiros coletivos em vilas e bairros com valas a céu aberto. Mulheres fortíssimas para sustentar o peso, o fardo, tarefa não afeita aos homens. Exemplo vivo nos cestos de pedras que carregavam para uma britadeira em Bhodigaya.
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Depois de todos aqueles impressionantes quadros, em que religiosidade se mescla com pobreza e beleza, a surpresa caria por conta de Abhishek Kumar Sinah, ou simplesmente Bikki, um kaist. Rapaz esperto, estudante de sociologia, tornou-se meu amigo de Bhodigaya. No pátio do templo budista do Sri Lanka, tentava conversar com os turistas em espanhol. Eu respondi Começou, então, um mergulho no universo de Bikki. Hábitos, família, castas. Ele nos seguia por todos os cantos. Era sair do monastério vietnamita e lá estava o garoto. No segundo dia, veio com uma caderneta. Pedia para formar frases em espanhol e o correlato em inglês. Aprendeu sozinho com um livro de castelhano e falava direitinho. Em 2009, vai realizar, nalmente, o sonho de estudar o idioma em uma escola de Bhodigaya. Sem computador em casa, aprender pela internet caria muito caro, impossível. Vida dura. Único lho homem. Pai adoentado e quatro irmãs (uma delas com deciência mental). Uma luta para ajudar a montar os dotes das três que se casaram. Entre novembro e fevereiro, Bikki para de estudar. Faz bicos com turistas para ganhar algum dinheiro. Agora, economiza para o parto da irmã recém-casada. Um péssimo casamento. O cunhado não tem recursos para manter a família. Bikki quer se formar. Fazer um curso de informática para trabalhar em um call center. Virar terceirizado das grandes corporações mundiais que dominam o setor. É onde se ganha muito bem, em comparação aos parcos salários indianos, no entendimento de nosso guia. Facilitador da entrada em qualquer lugar da cidade. Barreira entre os pedintes. Interlocutor atento.
ALIMENTAÇÃO RITUAL 74 75
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A Índia deixa marcas indeléveis. Paisagens, situações, contras-
tes de tirar o fôlego. Experiências que só mesmo uma cultura milenar pode proporcionar. A hospedagem no monastério budista vietnamita Trung Tam Vien Giac, em Bhodigaya, resume a sensação de que ali se alimenta não só o corpo, mas a alma. Nosso antrião é o monge Hanh Tue. Jovem, baixinho, mora na Alemanha. Retorna a Bhodigaya entre novembro e fevereiro, todos os anos. Para recepcionar visitantes de todo o mundo. E passar adiante visões de vida peculiar. O ritual da alimentação vai muito além dos conceitos ocidentais. Os monges tocam o sino. A hora é exata. A comida vegetariana. Sopas, legumes refogados, arroz frito. Vegetais e frutas. Três refeições diárias. Nem pão, nem derivados de leite. As orações ecoam pelo ambiente: “Zoro bodo boro go. Zoro bodo boro go.” Todos de mãos postas. O m da prece sinaliza: é hora de comer. Atenção plena. Silêncio. Respeito milenar. Não há como sair impune. Bendito seja o alimento da vida e do espírito. Na Índia, no Brasil, no mundo. Terra de todos nós.
O RIO SAGRADO O Ganges até poderia ser um rio qualquer, igual a qualquer outro. Mas não é. O fato de ser o único rio sagrado do mundo faz a diferença. Pelo menos para os indianos, é claro. Às suas margens, tudo acontece. De cerimônias hindus, com rituais e oferendas, a local de tomar banho, lavar roupa ou simplesmente ingerir goles da água sagrada. Milhares de pessoas ao mesmo tempo. Homens, mulheres, idosos, crianças. Tudo isso próximo ao lixo ou a um cachorro morto, que passa utuando. O rio nasce nas montanhas do Himalaia, corta Bangladesh e atravessa a Índia até desembocar na Baía de Ben-
gala, num percurso de 2.510 km. Ao longo desse trajeto, em território indiano, as cerimônias se sucedem. Parece que o tempo parou. E 5 mil anos de história se repetem a cada dia. Devoção tem explicação? Os indianos são um povo diferente. Entendem que corpo é matéria, e não espírito. Ao morrer, a matéria deve retornar não só aos elementos que, originalmente, a formaram, mas à natureza. A cremação funciona para dissolver o invólucro material e evitar que o espírito que apegado a Terra. É algo simples e sereno para eles. À noite, movimento intenso às margens do Ganges. Crepitar de fogueiras montadas no chão. Nada de palatas, como se vê no cinema. Quanto mais altas as chamas, mais rica a pessoa. Mais lenha comprada para alimentar o fogo. Processo mais demorado o dos pobres... Menos lenha. Os corpos chegam em padiolas, envoltos em uma capa prateada, que parece papel laminado. Para eles, nada relacionado
ALDEIAS No interior da Índia, os estrangeiros despertam a curiosidade popular
à morte é assustador. Antes, como em uma procissão, a padiola percorre as ruas da cidade. O corpo coberto com muitas ores. Familiares, amigos entoam cânticos. Depois de cremado, o ato derradeiro. Cinzas jogadas no Ganges. Exceções à cremação, só em casos especiais: grávidas, bebês, crianças e quem morreu por picadas de cobra, símbolo de Shiva, deusa da destruição e renovação. Uma honra. Nessas situações, os corpos são envolvidos em panos. Amarram-se a eles pedras pesadas. Destino certo, o fundo do Ganges. Alimento para os peixes. O corpo é mero receptáculo do espírito. O rio é sagrado.
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EFEITOS ESPECIAIS
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Ao amanhecer, as brumas de Varanasi dispensam efeitos especiais. imagens deslumbradas e deslumbrantes no nevoeiro do anoitecer. Cenário hollywoodiano. Sem pré-produção, natural (mereceria mais do que o Oscar que premiou a creatividade indiana em 2009). Mergulho profundo no hinduísmo puro. Borbulhante às margens do Ganges, sagrado rio. Em que outro lugar rio tem acesso por escadarias? Gente, motos, riquixás. Engarrafamentos a granel. No ordenamento do caos, tudo funciona, todavia. Varanasi é um torvelinho inacabado de energia. Diversidade cultural, agitação imensurável, choque de visão e audição. Sinfonia interminável de buzinas. Crianças a nos seguir, como se não fossemos deste mundo. Ganges acima, seguimos em aventura noturna. Incontáveis velas iluminavam o caminho do desembarque na margem escura do rio. Sacrifício e recompensa. Depois da subida na “escadinha” enorme, lá no alto, uma sala ampla. Colchonetes e tapetes no chão. Cítara, harmonium (teclado) e damru (tambor). Música exclusiva na sala de uma casa indiana que virara palco. Com pulseiras e chocalhos nos tornozelos, o jovem indiano dançava descalço e batia com os pés no chão. Integração perfeita. Música e ritmo. Aroma incensado no ar. Velas a nos iluminar. De volta ao barco, o jantar, preparado pelo barqueiro e sua esposa. Atividade familiar, para agregar valor. No cardápio, batatas, pimentas e doces, parecidos com nosso doce de leite. Menos açucarado, porém. Servidos em pratos feitos de folhas de árvore
prensadas. Maravilha ecológica, funcional. A gororoba cumpriu muito bem seu papel. Reetida no Ganges, a gastronomia do barqueiro vive da simplicidade, da religiosidade, do amor.
Para os indianos, o corpo não passa de mero receptáculo do espírito e a cremação funciona para que ele não fique apegado à Terra. JOIA DE MÁRMORE “A lágrima que rola sobre o tempo”, na denição do poeta Rabindranath Tagore. Ou um verdadeiro monumento ao amor. Não importa a concepção. As fotos ou postais do Taj Mahal não fazem justiça à lenda, à poesia e ao romance que envolvem o mais famoso monumento da Índia, uma das maravilhas arquitetônicas do mundo. Tombado pela Unesco como patrimônio histórico da humanidade, é também o mais bem preservado e o mais belo mausoléu que existe. Estilos hindu e persa fundemse na harmonia de suas linhas arquitetônicas. Construído em 1631, às margens do rio Yamuna, reverencia Mumtaz Mahal, segunda esposa do imperador Shah Jahan. União marcada por amor e paixão. Mahal foi companheira inseparável durante 18 anos. Morreu assim que deu à luz o décimo quarto filho do casal, em meio a uma campanha militar na qual acompanhava o marido.
O monumento levou 22 anos para ser concluído. Empregou 20 mil artesãos. Pouco se sabe sobre o autor do projeto. As únicas assinaturas registradas são as do calígrafo Amanat Khan Shirazi. Responsável pela transcrição de versos do Corão, que adornam as fachadas, a precisão da escrita é inigualável. Obedece a proporção milimétrica. Da base ao topo, vai crescendo. Ao olho humano, ca a impressão de que os caracteres são todos do mesmo tamanho. Da província de Rajastão, Noroeste da Índia, veio o mármore de Makrana. Considerado o melhor e o mais rígido do mundo. Bem menos poroso do que o mármore italiano de Carrara. Séculos se passaram e passarão. E a construção intacta, elevada sobre uma rocha vermelha. Precisão e equilíbrio são marcas indeléveis do Taj Mahal. O edifício principal, e seu famoso domo, tem quatro minaretes estrategicamente inclinados para fora, nos ancos da estrutura. Zelo extremado. Se algum dia ruíssem, não atingiriam o monumento. Renada técnica de incrustação de pedras semipreciosas sobre o mármore reete a beleza dos adornos. Pedras cortadas milimetricamente. Depois, coladas sobre os desenhos. A cola usada é segredo passado de pai para lho, entre os poucos artesãos que até hoje trabalham essa técnica. O amor entre Shah Jahan e Mumtaz Mahal, na verdade, contaminou os indianos do século 15. Solidariedade com a dor da perda, carinho pela princesa. Influência exacerbada no esmero, na realização da obra grandiosa. Projeto desenhado por gigantes, terminado por joalheiros. Quem haverá, então, de questionar a sabedoria popular, milenar? Amor para semf pre, Taj Mahal.
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raízes OBAMA
AS DE O PRIMEIRO PRESIDENTE MULTICULTURAL DOS ESTADOS UNIDOS SOFREU INFLUÊNCIAS AFRICANAS, ISLÂMICAS, CATÓLICAS E PROTESTANTES
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ntes de mais nada, um alerta: não leia esta matéria de dia, quando os maus espíritos deixam as entranhas do Lago Vitória e fazem o gado desaparecer, trazendo consigo as raízes da desgraça e do infortúnio. Guarde-a para as horas da noite, benfazejas e serenas. Contar histórias é coisa séria no Quênia, país que ganhou um papel de destaque na mídia com a eleição para a Presidência dos Estados Unidos, a maior potência mundial, de Barack Hussein Obama Jr. O novo chefe de Estado norte-americano nasceu no Havaí, filho de queniano muçulmano com americana ateísta. Foi educado na Indonésia (em escolas islâmica e católica) e no Havaí, pela avó presbiteriana. Um homem multicultural, que recebeu um país doente das
mãos de George W. Bush, em meio a duas guerras e a maior depressão econômica desde 1929. A vila de Kogelo, povoada pela etnia Luo, onde nasceu o pai do atual presidente estadunidense, está às margens do Lago Vitória, o segundo maior de água doce existente. De lá nasce o Nilo, o maior rio do mundo em curso d’água. O local é famoso por seus magos e curandeiros, donos de vastos conhecimentos sobre medicina natural, capazes de proteger inocentes de feitiços e de curas milagrosas. Bem ou mal, bastante adequado para a situação atual dos Estados Unidos... Quanto a contar histórias, ainda hoje as aldeias se reunem à noite para ouvir velhos mestres em torno da fogueira.
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PA Í S Q U Ê N I A
mito KIKUYU O
DA CRIAÇÃO
O poder da vida e da morte está nas mãos de Ngai, que vive em Kirinyaga (Monte Kenya). No início dos tempos ele chamou Gikuyu, pai da tribo, a quem concedeu parte de seus domínios, com rios, vales e florestas, ricas em frutos e animais. Um dia, ele levou Gikuyu ao topo de Kirinyaga. No ponto mais alto da montanha, mostrou uma área no centro do descampado, onde despontavam figueiras selvagens. E Ngai disse ao homem: — Vá até o bosque e construa seu lar. Quando precisar de mim, sacrifique um bode e erga suas mãos em direção ao Kirinyaga e Ngai virá ao seu encontro. Gikuyu seguiu as instruções de Deus e, ao chegar, encontrou uma bela mulher a quem desposou. Chamou-a de Mumbi (a Criadora). Tiveram nove filhas. Sentindo que era a hora de arrumar marido para as meninas, Gikuyu visitou Ngai que lhe ordenou: — Pegue um cordeiro e sacrifique-o sob a grande figueira que está no seu quintal. Espalhe seu sangue e gordura pelas raízes. Depois, queime a árvore. Mande sua família para casa e retorne para o local do sacrifício. Lá encontrará nove homens dispostos a desposar suas filhas para povoar a Terra.
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Nyamgondho era um homem pobre, que vivia às margens do Lago Vitória. Cansado de sofrer, rezou para os deuses. Uma mulher estranha, caolha, emergiu das águas e desposou-o. Ela não tinha medo do trabalho e ajudou na transformação do camponês miserável em um homem extremamente rico, proprietário de um enorme rebanho. Com a riqueza, Nyamgondho mudou. Virou um homem orgulhoso e arrogante. Num dia, perdeu a cabeça, espancou a mulher e disse: — Não preciso mais de uma esposa tão feia, agora que sou um próspero fazendeiro. A mulher, sem dizer uma palavra, retornou para o lago. Todas as cabeças de gado a seguiram, deixando Nyamgondho na miséria.
UMA
lição luo
MORAL
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PA Í S Q U Ê N I A
A ORIGEM
morte
DA
Embu SEGUNDO OS
A hiena é um animal rancoroso, egoísta e ganancioso. Há muito, muito tempo, os seres começaram a envelhecer e resolveram perguntar a Mwene Njeru (Deus) o que seria deles. Em acordo, decidiram enviar a hiena e a toupeira, para que pelo menos um deles pudesse completer a jornada em segurança. Eles chegaram ao Kirinyaga. Mwene Njeru escutou e lhes disse: — A cada um confiarei uma mensagem. A que for ouvida primeiro determinará o destino de todos os seres. Para a hiena entregou a mensagem da morte. A toupeira recebeu a da vida. Viajaram juntas, mas, no final da jornada a toupeira correu para ser ouvida antes. Chegou cansada. Alongou-se para descansar os músculos e tentou se lembrar das palavras de Mwene Njeru, coçando a cabeça: — Ele me disse... Ele me disse… Ele me disse que… Nesse instante, a hiena chegou e falou decidida: — Mwene Njeru determinou que as pessoas morram para que me sirvam de alimento! Nesse instante, a toupeira lembrou-se da mensagem: — Ele me disse que as pessoas velhas devem ser carregadas para fora da aldeia para que renasçam! Mas já era tarde demais… 82 83
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casamento
O DO
sol E DA
, lua UMA LENDA
masai O sol e a lua se casaram no início dos tempos. Viajaram, o sol na frente, vigiando o caminho, seguido pela lua. Quando ela se cansava, o sol carregava-a nos ombros por três dias seguidos. É quando ela desaparece. Um dia, a lua cometeu um erro e apanhou do marido, mas, como tinha temperamento forte, revidou, e feriu o rosto do sol. Ele não deixou por menos e arranhou a face da esposa, arrancando-lhe um olho. Ao perceber que estava ferido, decidiu que ninguém mais lhe olharia o rosto. Passou a brilhar intensamente. A lua não ficou constrangida pelas cicatrizes da briga. Por isso, ao vê-la nas noites claras, percebemos as marcas deixadas pelo sol.
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Diversidade
cultural
E
religiosa
Famoso por seus fundistas e jogadores de futebol, o país se localiza na África Oriental, limitando-se com o Oceano Índico, a Somália e a Tanzânia. Possui grandes reservas para a vida selvagem, o que atrai um grande número de turistas, mas apenas 8,01% de seu solo, sujeito a secas prolongadas, é cultivável. O território abrange uma área de 582.650 km², quase igual ao estado de Minas Gerais. A população chega a 39 milhões, com uma expectativa de vida de 57,8 anos. A divisão tribal segue a seguinte proporção: Kikuyu 22%, Luhya 14%, Luo 13%, Kalenjin 12%, Kamba 11%, Kisii 6%, Meru 6%, Masai e outros grupos 15%, não-africanos (asiáticos, europeus e árabes) 1%. Em termos religiosos, a maioria é cristã, com 45% de protestantes, 33% de católicos e 10% de muçulf manos. Dez por cento seguem crenças tribais.
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Ziraldo
UMA GRIFE
U
ma boa parte de meus poemas foram publicados pelo Ziraldo, enquanto editor d’O Pasquim, O Pasquim 21, Revista Bundas, Caderno B do Jornal do Brasil. Toda vez que o Ziraldo comanda uma redação, me transformo em poeta profissional, devidamente remunerado. Esse fato torna minhas considerações suspeitas. Tentarei, no entanto, poupar adjetivos, o que é uma missão quase impossível. Ziraldo é o antípoda do Henfil. Este desenhava caligraficamente como se não pudesse conter seu ímpeto compulsivo. Aquele, aquele é o Ziraldo, é o mestre da paciência e do perfeccionismo. Seu traço é nítido, limpo, preciso nos detalhes e no acabamento. Este, este é o Henfil, tem no traço o prolongamento nêurico de sua, poderia dizer, neurastênica inquietação. São paralelas que não precisam do infinito para se encontrarem. A genialidade os irmana e cria em torno de ambos uma aura de encantamento que os tornam presas fáceis de mulheres fascinantes. Estrelas da televisão deixaram que Henfil usasse suas coxas como travesseiro. Ziraldo, com toda sua mineirice e recato, não se deixou levar. E aí está ele casado com a delicada sensualidade de Márcia. Não levasse eu tanto ao pé da letra a praga de que mulher de amigo é homem e me arriscaria a fazer uma serenata romântica a essa moça tão suave, tão brilhante, tão carinhosa. E se, de fato, mulher de amigo é homem, sou capaz até de me homossexualizar. Há dezenas de anos sentado à prancheta de desenho, durante pelo menos 16 horas por dia, Ziraldo só interrompe seu meticuloso trabalho de criador compulsivo para atender o telefone. Mas ele não para. Enquanto ouve o pedido de um novo cliente, sua mão se ocupa em preencher cada centímetro quadrado da enorme página de um bloco, com desenhos e rabiscos precisos, sem vacilações, sem titubeios. Ziraldo, nem conversando e divagando, distraído faz de cada traço uma autêntica obra de arte. REYNALDO JARDIM É JORNALISTA, POETA E ARTISTA GRÁFICO
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