Espaço
aberto
A Formato quer falar com você
redacaoformato@gmail.com
José Humberto Fagundes
Salto quântico
Consistência A Formato mostra consistência. É uma revista bem cuidada, linda. Feita com muito capricho. Abraço,
Ziraldo, escritor, artista
Caminho certo Gostaria de deixar aqui meus parabéns à equipe da revista Formato. Vocês acertaram. É de uma revista assim que Brasília precisa. As fotografias e a diagramação resumem o caminho certo no qual a Formato segue. Boa sorte a todos vocês.
Roger Mac, artista gráfico
Devo dizer que fiquei absolutamente surpreso com a Formato. Do número 4 para o número 5, aconteceu um salto quântico. Há uma unidade visual muito forte em toda a revista. A unidade editorial acompanhou a unidade visual. Gostei dos textos que li. Mesmo sendo fã do Ziraldo, e sabendo muita coisa sobre ele, fui surpreendido com informações absolutamente desconhecidas da minha parte. A "exposição" do Faquini é deslumbrante. Parabéns, Formato. Vocês são uma revista que veio para ficar. Grande abraço,
Patativa Um encontro emocionante em prosa e versos. Assim que Patativa soube que a família de Heleno e Lindalva Venâncio, seus amigos de infância, estava em sua casa, em Assaré, para visitá-lo, a recepção não poderia ter sido mais calorosa. “Como esses meninos cresceram”, dizia emendando um repente. Os meninos, no caso, eram Francisco e Cícero Venâncio (dir.)
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Thiago Castro Alves
Thiago de Castro, cineasta
Nota da Redação Obrigado, Thiago, pelas observações. O caminho de nossa evolução passa, certamente, pelo cuidado que prestamos nas sugestões de leitores atentos como você.
Espaço A diversificada Formato soube preencher com competência o seu espaço.
Mardônio Azevedo, poeta
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Informações pelo SAC: 0800 648 6161 Ouvidoria do BRB: 0800 642 1105 SAC BRB PNE: 0800 648 6162.
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Mais Você.
E d i t o r i a l
Superação,
B
emoção
endito feijão nosso de cada dia. No caso do mestre Patativa do Assaré, ele próprio plantava e colhia na roça o feijão de corda que alimentava a família. Enquanto isso, seguia fazendo versos e repentes. A vasta obra que consagrou o poeta remete à sua origem humilde e às agruras da seca que o obrigaram a ser mais um retirante nordestino em busca de vida melhor. Iluminado, Patativa cantou o sertão e sempre defendeu os pobres. Feliz do país que tem histórias de superação para contar, como é o caso da matéria de capa desta edição da Formato. Superação também é a marca de outro poeta, o jornalista Marcílio Farias. Com passagem marcante pelo Jornal de Brasília e Correio Braziliense, hoje é professor de Literatura Comparada em importante universidade norte-americana. E nada melhor do que um poema inédito de Marcílio, para inaugurar nosso Caderno Palavra, de literatura e poesia. E, por falar em sensibilidade, o ensaio fotográfico Flor (es) de Concreto revela a alma feminina de Brasília, na visão singular de Luiz Clementino. Trabalhar com a emoção também faz parte do universo da artista plástica Naura Timm. “Minha arte é visceral e espontânea”, afirma. Obras inéditas da artista, com a vida inteira de dedicação a seu ofício, certamente, enriquecerão o cotidiano de nossos leitores. Se o vanguardismo de Reynaldo Jardim surpreende, mais uma vez, com a criação de Futura, cidade utopia, em Pirenópolis (GO), o Caderno Arquitetura e Interiores vive tempos de sustentabilidade, pois o que importa mesmo é o respeito à natureza. Aliás, natureza é o limite de nosso universo na narrativa de viagem ao paraíso atlântico da Ilha do Cardoso, no litoral sul de São Paulo. Haja aventura.
Cícero Venâncio 4
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José Humberto Fagundes
Diretor Presidente Cícero Venâncio cicerovenancio@gmail.com Diretor Comercial Geraldo Magela geraldomagela32@gmail.com Editor José Humberto Fagundes Reg. Prof. 484/DF zehumb@gmail.com Diagramação Henrique Bodê Reg. Prof. 3816/DF Colaboradores Cláudia Mohn, Clausem Bonifácio, Eduardo Badfinger, Henrique Satriani, Juliana Neiva, Maria Júlia Amorim, Mauro Barbosa, Orlando Brito, Pedro Paulo Rezende, Reynaldo Jardim, Wilson Ibiapina Fotografia Gilberto Soares, Luiz Clementino Revisão Edvaldo Almeida da Silva redacaoformato@gmail.com Conselho Editorial Abel Eustáquio de Faria, Edvaldo Almeida da Silva, João Mendonça de Amorim, José Humberto Fagundes, Reynaldo Jardim Departamento Jurídico Mendonça & Amorim Associados
Orlando Brito
S u m á r i o
Patativa do Assaré
Centenário do poeta, do Ceará a Paris
Naura Timm
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Arte visceral e espontânea. Pura emoção
Luiz Clementino
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Flor(es) de concreto, alma feminina de Brasília Luiz Clementino
Arquitetura e Interiores
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Tempos de sustentabilidade. A natureza agradece
Viagem
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Ilha do Cardoso. Aventura no paraíso atlântico José Humberto Fagundes
Saúde
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Cuidados com a pele e o hidratante adequado
Reynaldo Jardim
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Futura. A cidade utopia em Pirenópolis (GO) Gabriel Daher
Palavra
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Marcílio Farias. Poema inédito em novo Caderno
Crônica
Espelho. Reflexões maduras aos 13 anos
Patativa do AssarĂŠ O poeta que cantou o sertĂŁo e defendeu os pobres
{ Texto Wilson Ibiapina Fotos Orlando Brito } Especial para a Formato
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Especial
Patativa do AssarĂŠ
Especial
C
Patativa do Assaré
onheci Patativa do Assaré debaixo de um pé de jacarandá, bebendo vinho Velho Capitão (o nome era uma homenagem ao fundador dos Diários Associados, Assis Chateaubriand). Naquele começo de noite de um ano da década de 60, em pleno regime militar, estava com o jornalista Narcélio Limaverde. Éramos convidados do jornalista Teixeira Cruz, para o sarau no quintal da casa do professor Filgueiras Sampaio, dono do Instituto Waldemar Falcão e presidente da Associação Cearense de Folclore. Depois da exibição de alguns repentistas, o professor Filgueiras vai lá dentro de casa e volta com um homem de uns 50 anos de idade, franzino, óculos com uma lente clara e outra escura, chapéu de palha na cabeça. Foi aí que tive o privilégio de conhecer o poeta que o sertão cearense já consagrava, mas que o Brasil ainda não sabia quem era. O padre Antônio Vieira, que foi deputado federal e escreveu muitos livros defendendo o “jumento nosso irmão”, disse um dia que a poesia do Patativa é “como as veredas e picadas do sertão. Tem rastro de gente, de gado, de bode, de preá, de tatu, só não tem pegadas de caipora, duendes, almas penadas, coisas do outro mundo. Sua poesia é de um realismo cruciante. Não tem metáfora, erudição livresca. Suas imagens são naturais, colhidas da terra como o milho, o feijão e batata por ele plantada em seus roçados”.
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"Não nego meu sangue, Não nego meu nome Olho para a fome, pergunto o que há? Eu sou brasileiro, filho do Nordeste, sou cabra da peste, sou do Ceará”. Eu e o Narcélio estávamos com um gravador tamanho gigante que pertencia à Ceará Rádio Clube, emissora em que trabalhávamos. Precisava de duas pessoas para carregá-lo. Era o que existia na época. Depois de puxar fio praqui, pracolá, conseguimos ligar a possante máquina. Patativa, tirou o cigarro de palha da boca, deu um gole no copo de vinho, servido na temperatura ambiente, quer dizer super quente, pegou o microfone e mandou: “Gravador que estás gravando/Aqui neste ambiente/Tu gravas a minha voz/O meu verso, o meu repente,/Mas gravador, tu não gravas/A dor que meu peito sente”. Tenho a impressão que o verso era antigo e ele aproveitou a ocasião para declamá-lo. Mas muitos dos que estavam presentes ainda hoje acreditam que ele improvisou.
A vida de Antônio Gonçalves da Silva não difere muito de outros meninos pobres do sertão. Nasceu no dia 5 de março de 1909 em Assaré, no cariri cearense. Ainda menino, começou a trabalhar na roça com o pai e os irmãos. Em 1913, perdeu um olho por causa de uma inflamação. O escritor e cineasta Rosemberg Cariry lembra que, anos depois, ele foi chamado de “O Camões do Sertão” por causa da tragédia que lhe marcou pelo resto da vida. Razão dos óculos com lentes clara e escura.
Família de
retirantes saindo de Assaré. Parece cena de história de Graciliano Ramos em "Vidas Secas". Fica o registro de Patativa em seus poemas.
Especial
Patativa do Assaré
O pequeno Antônio Gonçalves não ficou nem seis meses na escola. Com a morte do pai, que também era poeta, piorou a situação de pobreza da família. Era de pouco estudo, mas de muita leitura. Sua inteligência privilegiada o levou a conhecer autores clássicos como Camões, Bocage, Gonçalves Dias, Olavo Bilac, Castro Alves, Casimiro de Abreu, Antero de Quental e Guerra Junqueira. Sempre se considerando um poeta da roça: “Sou fio das mata, cantô
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da mão grossa/ Trabáio na roça, de inverno e de estio? A minha chupana é tapada de barro/ Só fumo cigarro de páia de mio/ Sou poeta das brenhas, não faço o papé/ De argum menestré, ou errante cantô/ Que veve vagando, com sua viola/ Cantando, pachola, à percura de amô/ Não tenho sabença, pois nunca estudei/ Apenas eu sei meu nome assiná/ Meu pai, coitadinho, vivia sem cobre/ E o fio do pobre não pôde estudá.” Em 1928, escapulindo
O boi (fubá),
personagem símbolo cantado em versos, aguarda a água que as mulheres buscam longe. E carregam na cabeça para matar a sede de todos.
da miséria provocada pela seca, seguiu o exemplo dos cearenses daquele tempo. Foi se alistar no “exército da borracha”, em plena selva amazônica. Como seus conterrâneos retirantes, sem destino, entrou na mata, subiu rios e foi bater no Pará. Foi em Belém que, depois de ouvi-lo, o escritor Carvalho de Brito, resolveu batizá-lo de Patativa. Como no Nordeste todo bom cantador ou repentista é chamado de Patativa, Antônio acrescentou o nome de sua terra Assaré, para diferenciá-lo dos outros. Nos anos 30, já de volta ao Ceará, acompanhou com interesse toda a movimentação social que promoveu
mudanças políticas no país. Segundo Rosemberg Cariry, foi quando ele adquiriu consciência política e começou a ser influenciado pelas ideias sociais. É dessa época a “Triste Partida”. Na seca de 1932, viu muitas famílias partindo para São Paulo, fugindo da fome, das doenças e da morte. O poema de 19 estrofes e 114 versos heptassílabos, que ele musicou, narra a saga de uma família de nordestinos, rumo a São Paulo, deixando tudo para trás, mas levando a esperança de um dia voltar. A “Triste Partida” foi gravada pelo próprio Patativa e também por Luiz Gonzaga, Fagner e outros artistas que a imortalizaram.
Cotidiano que inspirou o poeta a fazer poemas
como “Nordestino sim, nordestinado não”. História reunida hoje em mais de dez livros.
O centenário
do poeta Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, foi lembrado no Senado Federal no dia 3 de junho de 2009. O cantor e compositor Raimundo Fagner estava entre os convidados. No lugar do discurso, cantou Boi Fubá: “Seu doutô, me dê licença/Pra minha história contar/Hoje estou em terra estranha/E é bem triste o meu penar/Eu já fui muito feliz/Vivendo no meu lugar/ Eu tinha cavalo bom/ Gostava de campear/ Todo dia eu aboiava/ Na porteira do currar/E vaca Estrela/O Ôoooo, boi fubá”. Geraldo Gonçalves de Castro, um dos 14 filhos do Patativa, presenciou o Brasil reverenciar o pai. Homem que se manteve humilde, singelo até a morte, fez da terra natal a fonte de inspiração para a sua obra. Em comemoração ao centenário de Patativa do Assaré, o professor Tadeu Feitosa lançou um livro com os poemas do repentista cea rense e diz que a sabedoria dos poemas de Patativa é grande, muito mais do que erudita e popular. É um saber outro que não se rende aos paradigmas e cânones hegemônicos. Que não se curva aos modelos da literatura ou da poesia dos grandes.
Especial
Patativa do Assaré
Vida política A preocupação de Patativa com o social e a política está presente em seus versos, onde defende o mais pobre e fala pelo sertanejo sofrido: “O que mais dói não é sofrer saudade/ Do amor querido que se encontre ausente/Nem a lembrança que o coração sente/Dos belos sonhos da primeira idade/ Não é também a dura crueldade/ Do falso amigo, quando engana a gente/ Nem os martírios de uma dor latente/Quando a moléstia o nosso corpo invade/ O que mais dói e o peito nos oprime/E nos revolta mais que o próprio crime/Não é perder da posição um grau/ É ver votos de um país inteiro/Desde o praciano ao camponês roceiro/Pra eleger um presidente mau” Em 1943, Patativa fez uns versos criticando o prefeito da terra dele. O poema “Prefeitura sem Prefeito” irritou profundamente o administrador da cidade, que mandou prendê-lo. Na cadeia, viu uma gaiola com uma Patativa presa, mas cantando. E ele fez o verso na hora: “Linda avezinha pequena/ Temos o mesmo desgosto/ Sofremos a mesma pena/ Embora em sentido oposto/ Meu sofrer e teu penar/ Clamam a Divina lei/ Tu presa para cantar/ E eu preso porque cantei.” A poesia de Patativa brotava feito água limpa de fonte: “Meus versos é como semente/ Que nasce arriba do chão/ Não estudo nem arte/ A minha rima faz parte/ Das obras da criação.”
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Reconhecimento
O poeta Antônio Gonçalves começou a ser conhecido como Patativa do Assaré no ano de 1954. O primeiro livro dele foi editado em 1956. Luiz Gonzaga gravou Triste Partida, pela primeira vez, em 1964. A gravação tem 8 minutos e 54 segundos. A obra de Patativa foi
levada para Paris, em 1977, por Raymond Cantel para ser estudada na cadeira de cultura popular da Universidade da Sorbonne. Em 1970, saiu o livro “Cante lá que eu canto cá”, título também de um de seus famosos poemas: “Poeta, cantô de rua/ Que na cidade nasceu/ Cante a
A triste partida,
que Patavia cantou em versos, acontecia na rodoviária de Assaré. Ônibus, caminhões, passageiros. Muitas vezes, um bilhete só de ida. Sem volta.
cidade que é sua/Que canto o sertão que é meu”. Depois de estabelecer as diferenças culturais e de vida entre os poetas da cidade e o matuto, ele encerra assim: “Sua vida é divirtida/ E a minha é grande pená/ Só numa parte da vida/ Nóis dois samo bem iguá:/ É no direito sagrado/ Por Jesus abençoado/ Pra conso-
lá nosso pranto/ Conheço e não me confundo/ Da coisa mió do mundo/ Nóis goza do mesmo tanto/ Eu não posso lhe invejá/ Nem você invejá eu/ O que Deus lhe deu por lá/ Aqui Deus também me deu/ Pois minha boa muié/ Me estima com muita fé/ Me abraça, beija e qué bem/ E ninguém pode negá/ Que das
coisa naturá/ Tem ela o que a sua tem.” Em1979, Fagner produziu o primeiro long play com Patativa recitando seus poemas. Em 1985, o poema Seca D'água é musicado por Chico Buarque e cantado por vários artistas. A renda do disco vai para os flagelados da seca no Nordeste. Centenas de livros, filmes, documentários e folhetos de cordel continuam sendo produzidos e espalhando por aí a vida e a obra desse poeta que chegou a ser chamado de Victor Hugo do Nordeste popular. Poucas vezes a frase do escritor russo Tolstoi – “Se queres ser universal, fala da tua aldeia” – foi tão bem representada e mais que isto, tão esplendidamente vivida quanto em Patativa do Assaré. Esse belo e bruto diamante da poesia nordestina, como o chamou o cantor e compositor Zé Ramalho, morreu em 2002 de pneumonia dupla e falência múltipla dos órgãos. Foi na manhã do dia 8 de julho. Há sete anos: “Conheço que estou no fim/ Sei que a terra me come/ Mas fica vivo o meu nome/ Para os que gostam de mim.”
Artes plásticas
Naura Timm
Luzes douradas O uso de materiais inusitados e do carvão sobre o óleo serve, há 40 anos, como condutor da emoção da artista plástica
{ Texto Pedro Paulo Rezende
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ma das obras de Naura Timm trouxe grandes dores de cabeça para a Alfândega da República Francesa. Ela acionou os alarmes antimetálicos e os agentes aduaneiros não conseguiam identificar a fonte do problema. — Não era para menos — conta com ar maroto. — Apliquei folhas de ouro, desenhei a carvão e ainda colei pedras sobre o óleo. É óbvio que o alarme contra bombas seria acionado. Gaúcha de São Pedro do Sul, a artista identificou-se completamente com Brasília. Em seu apartamentoateliê na 116 Norte, cada sala tem uma utilidade. Numa, pinta. Noutra, desenha. Começou seus estudos em 1970, no Centro de Artes da Universidade Federal de Santa Maria (RS). Cursou litografia no Instituto Brasileiro de Artes antes de se formar pela Escola Nacional de Belas
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Fotos Luiz Clementino
}
Artes, ambos no Rio de Janeiro. De lá para cá, recebeu prêmios nacionais e internacionais, que lhe garantiram a participação em mostras coletivas de vulto, como os salões de Arte Moderna do Rio, de Arte de Belo Horizonte e de Arte Contemporânea de São Paulo. — Tenho quase 40 anos de atuação artística. Pinto, desenho, faço gravuras e, nas horas vagas, trabalho poesia — conta. Como escritora, produziu um único livro sobre as lâminas do Tarô, subproduto de sua exposição sobre o tema, na década de 80. — Talvez republique esse trabalho. Até hoje mantenho as lâminas que preparei. Não tive coragem de vendê-las. Ao contrário da maioria dos artistas plásticos, que aderiu à praticidade e à facilidade da tinta acrílica, Naura ainda se mantém fiel ao óleo nas telas que pinta.
Artes plรกsticas
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Naura Timm
Artes plรกsticas
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Naura Timm
Trabalhos inéditos da artista na Formato — Eu trabalho com a emoção. Minha arte é visceral e espontânea e o óleo ainda é o meio mais adequado para expressá-la, mas não me restrinjo ao uso exclusivo da técnica. Como contei antes, aplico folhas metálicas, desenho sobre a tela pronta e, às vezes, colo uma ou outra pedra que me deram sobre a pintura — ressalta. Em agosto do ano passado, uma obra da artista, composta por duas telas e uma pedra com a imagem de Buda, foi vandalizada durante a mostra Tibete — Pela liberdade de uma causa, em exposição na Biblioteca Nacional de Brasília. No mesmo dia, o livro de visitas foi rabiscado com as mensagens: “O sangue de Jesus tem poder” e “Rogério, Jesus te ama. Não se iluda, leia a Bíblia”. A última se referia nominalmente ao curador da exposição, Rogério Quintão. — Essa violência, provavelmente cometida por um evangélico, deixou clara a precariedade dos espaços da cidade. É bem verdade que obras de arte foram atacadas em outros estados brasileiros por fanáticos religiosos. Ela agora trabalha em nova série, ainda não batizada, e parte dela, inédita, está em nossas páginas.
Artes plรกsticas
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Naura Timm
Ensaio
Luiz Clementino
Flor(es) de concreto A alma feminina de Brasília se revela por inteiro. Um universo de cores na visão singular de Luiz Clementino
{ Textos José Humberto Fagundes }
A
matemática do con creto, o olhar (in) certo desmonta. Ous adia, criatividade. O que vem primeiro não importa. Origem baiana – a mãe é de lá, o pai do Ceará –, infância e adolescência na mineiridade de Patos de Minas. Lembranças de boas traquinagens. E bom humor. Um dom sem igual. Brasília nos anos 60. Menino pioneiro, adulto por inteiro. UnB, engenharia civil. Emprego estatal. Garantia de trabalho e renda. Exemplo do pai, para lá de bom. Mas o coração fala mais alto. E bota alto-falante para o que diz a emoção. Que fala pelos cotovelos, no olhar Clementino. Tantas vezes, inclemente. Mostra e sente. O que se vê nem sempre é o que se percebe, o que se consente. Na lente, o foco desperta cada um de nós. Assim como luz. Ou como Luiz. O artista no engenho do ser. Se a engenharia perdeu, ganhou a fotografia.
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Em suas constantes andanças pelos mais perdidos recantos deste nosso País, Luiz Clementino sempre soube captar não só a realidade, mas principalmente o lirismo presente nas agruras dos despossuídos. Como ele próprio diz, parafraseando o dito popular, “até onde vida existe, a esperança persiste”. Neste ensaio fotográfico especial para a Formato, Clementino revela a alma feminina de Brasília. Seu coração candango explode em luz e cor. E nada, nada mais concreto nesta cidade do que seu universo em flor.
Cícero Venâncio
Ensaio
Luiz Clementino
Benditos postes e palåcios que convivem com a natureza em sua exuberância sazonal. Bendita cidade que se renova em cores a cada ano.
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Ensaio
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Luiz Clementino
A fĂŠ se veste
de branco. A natureza tambĂŠm. Na mais pura harmonia, a convivĂŞncia entre o eterno e o efĂŞmero.
Ensaio
O recorte
cor-de-rosa no azul infinito. No chão, verdadeiro tapete de cores. No olhar, o privilégio de quem vê e sente Brasília florida.
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Luiz Clementino
Ensaio
Luiz Clementino
Saúde
Cuidados com a pele
HIDRATAÇÃO é sempre fundamental Hidratar não é só estética. É cuidar da saúde do maior órgão do corpo humano
{ Texto Danilo Almeida/redação
S
ecura. Até parece clima de deserto. Todos os anos, os moradores do Distrito Federal enfrentam a baixa umidade do ar no inverno. Nessa época, entre junho e setembro, a população sofre com a falta de umidade característica da região. Bem distante do mar, a altitude média de 1.100 metros do DF e a ausência de chuvas – em 2008, por exemplo, foram mais de 120 dias sem chover – são fatores determinantes para a predominância do clima seco. E a preocupação dos habitantes do Planalto Central não deve se restringir aos problemas respiratórios, tão comuns nessa época do ano. É preciso cuidado e atenção redobrada com a pele. Pós-graduada pela New York University, com título de especialista da Sociedade Brasileira de Dermatologia e também da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica, a médica dermatologista Cleire Paniago
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alerta que “a pele é o maior e o mais importante órgão do corpo humano. Mas as pessoas, às vezes, não se dão conta disso”. Ela ressalta que a pele possui uma função não muito conhecida pela população. Como órgão que protege o organismo todo, “é uma es-
“A pele possui células que desenvolvem a imunidade contra fatores externos” pécie de invólucro em relação ao meio ambiente. Além disso, possui células que desenvolvem a imunidade da pessoa contra fatores externos”. A dermatologista assegura que manter a pele íntegra é importante para o organismo. E, no inverno, deve-se ter cuidado especial com sua hidratação. Do con-
Fotos Luiz Clementino
}
trário, uma simples coceira pode se transformar em algo mais grave. — Se a pele não estiver hidratada, em especial no clima seco de Brasília, podem surgir desconfortos, como coceira e dermatites, que podem se complicar e causar infecção. Com o risco de se espalhar para o resto do corpo —, adverte. Um hábito comum, na época do ano quando o tempo esfria e seca, é o de se tomar banhos quentes e mais demorados. A Dra. Cleire afirma que isso é prejudicial à pele, por razões simples. — A pele possui uma camada muito leve de gordura, chamada manto protetor. Em algumas pessoas é mais resistente. Em outras, mais frágil. Nesse caso, quem toma banho quente, com uso de sabonete, é claro, e depois não utiliza hidratante, a pele sofrerá maior desidratação, que pode se traduzir em descamação e coceira, e desencadear outros problemas —, garante a especialista.
Saúde
Cuidados com a pele
Hidratação A hidratação, afirma, deve ser feita sempre. O melhor horário seria logo após o banho. Sobre os hidratantes, comprados em supermercados ou farmácias, por exemplo, a informação é fundamental. A dermatologista explica que é preciso saber se eles são indicados para a pele de quem vai usá-lo. “É importante conhecer o tipo de pele antes de usar o produto, que pode causar efeito negativo”. Quem tem pele oleosa e compra um hidratante para pele ressecada poderá ter problemas com acne. Entre as pessoas que redobram os cuidados com a hidratação da pele está a funcionária pública Elnides Mendes. “Procuro proteger e hidratar, principalmente, as partes do corpo mais expostas ao sol e ao vento. Nos braços e pernas, utilizo óleo de amêndoa. No rosto, passo protetor solar com efeito hidratante”. A farmacêutica Aline Soares Gregório compartilha as opiniões da Dra. Cleire Paniago. E acrescenta: “Quanto mais cedo a pessoa se preocupar com a hidratação de sua pele, melhor. Pequenos sinais ou perda de elasticidade devem ser levados em conta. Quem observar algo de errado deve procurar o dermatologista”. Se há dúvida na hora de escolher o hidratante para a pele, a recomendação da farmacêutica é clara. Pessoas com pele oleo sa não podem usar cremes, que são à base de óleo. As de pele ressecada, devem evitar o uso de gel. O creme é orientado para pessoas com pele ressecada, enquanto o gel é indicado para peles oleosas, explica Aline. Há bons produtos disponíveis no mercado, entre eles, o hidratante RLMT2. “Esse hidratante tem boa estabilidade e permanece por até 24 horas. Além de hidratar, forma uma película protetora que evita a desidratação da pele”.
É preciso conhecer o tipo de pele antes de usar o hidratante, afirma a Dra. Cleire Paniago
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Saúde
Cuidados com a pele
Pessoas com pele
oleosa não devem usar cremes, que são à base de óleo. As de pele ressecada, devem evitar o uso de gel, orienta a farmacêutica Aline Gregório.
Cuidados básicos.
A pele agradece • Não esfregue a toalha pelo corpo para se secar depois do banho, ou de lavar as mãos e o rosto. A pele requer cuidados especiais. • Não use sabonete em excesso durante o banho. A pele perde oleosidade e facilita o surgimento de descamações e dermatites. • Não se exponha ao sol sem utilizar protetor solar, importante para prevenir o envelhecimento precoce da pele. • Passe sempre hidratante no corpo depois do banho. • Leve em consideração o seu tipo de pele antes de comprar um hidratante. • Mantenha uma alimentação equilibrada. • Tome sempre banho morno e rápido. • A ingestão de água não auxilia na hidratação da pele. • A fumaça do cigarro libera radicais livres, que aceleram o envelhecimento das células da pele.
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Arquitetura
Urbanismo
Futura,
cidade utopia
Projeto do multiartista Reynaldo Jardim em Piren贸polis, GO { Texto Reynaldo Jardim Maquete eletr么nica Gabriel Daher }
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ma cidade, dimensionada com o espírito comunitário de um vilarejo, será, certamente, um lugar para viver as emoções da fraternidade, principalmente se habitada por criadores, não de gado, mas de arte. E, além de tudo, pode ser conceituada como Spa, não o Spa convencional, onde você passa dez dias encarcerado, se desintoxica
e perde sete quilos. Uma semana depois, mergulhado na poluição urbana e empanturrado pelo fast-food, volta a ter o organismo intoxicado. Futura será uma pequena cidade/Spa/cooperativa/ autossustentável dos artis tas. Cooperativa não sendo uma instituição moldada pelo consumismo capitalista, nem pelo socialismo do Estado, mas um sistema
bem-visto e aceito por ambas as formas de convívio social. Cooperativa é um sistema de organização coletiva no qual desaparecem as figuras do patrão e do empregado. Cada cooperado usufruirá o lucro de sua criatividade produtiva. Cidade Spa? Isso mesmo. É uma ampliação do conceito tradicional onde você fica aprisionado, se alimentando corretamente, às
Arquitetura
vezes passando fome, para perder toxinas e gorduras. Numa cidade convertida em Spa você recebe todos os estímulos para conquistar uma vida saudável. Como no âmbito da cidade Futura não circulam automóveis movidos a combustíveis poluentes, o ar é limpo. Os visitantes deixam os carros do lado de fora e um veículo movido à energia gerada por bateria vai conduzi-lo até o ponto desejado. Eletricidade? Energia solar. Lixo? Reciclagem total. Alimentação? Tudo orgânico sem agrotóxicos. Naturopatia. Cigarro, álcool? Fora. Vinho pode. Óleo de cozinha? Nem de soja, nem girassol. Só azeite de oliva e óleo de linhaça, ricos em ômega 3.
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Urbanismo
Leitura obrigatória: o livro do Shreiber. O título engana a gente: “Anticâncer”. É um tratado sobre alimentação correta. Se você quiser ser um morador da cidade Futura tem que ler. É fascinante. Alvenaria não entra, que a cidade não produzirá entulho. Tudo montado com peças pré-fabricadas e materiais da região: pedras, terra, madeira. Concreto armado fica lá em Brasília, por conta do grande mestre Oscar Niemeyer. Poderia ainda falar dos ateliês-estúdios, moradias para os artistas. Da área residencial para as famílias. Das ruas (veredas) sem asfalto. Das oficinas. Da casa das crianças. Da casa dos idosos. Mas fico por aqui. Se estiver interessado em mais detalhes, entre em contato,
por e-mail. Ia me esquecendo da localização: bem próxima de Pirenópolis. Em poucos minutos, você fará um viagem histórica do passado para o futuro, digo, para a FUTURA. reynaldojardim@gmail.com
Maquete
do Centro Cultural da cidade FUTURA, que abrigará teatro, cinema, galerias de arte e restaurantes
Arquitetura
Interiores
Tempos de sustentabilidade Profissionais ensinam maneiras de usar materiais sem abusar da natureza
{ Texto Cláudia Mohn
S
ustentabilidade não é um modismo como algumas pessoas podem pensar. Na verdade, é uma maneira consciente de se ver as coisas que estão ao nosso redor. Aos poucos foi deixando os meios acadêmicos e, hoje, faz parte do nosso cotidiano. É difícil conhecer alguém que nunca ouviu falar desse assunto e até pessoas com pouca escolaridade já sabem da importância de alguns processos de preservação, como a reciclagem de lixo e outras iniciativas ensinadas em comunidades carentes. A ideia de arquitetura sustentável começou a ser difundida a partir do crescimento da consciência a respeito do esgotamento dos recursos naturais do planeta. Um dos divulgadores do conceito de sustentabilidade foi Lester Brown, fundador do Worldwatch Institute, sediado em Washington, que, no início da década de 80, definiu comunidade sustentável como a que é
Fotos Clausem Bonifácio
}
capaz de satisfazer as próprias necessidades sem reduzir as oportunidades das gerações futuras. A prática da arquitetura, segundo esses princípios, é denominada Arquitetura Sustentável ou Ecossustentável, da qual se destacam a eficiência energética, a correta especificação dos materiais, a proteção da paisagem natural, aliada ao planejamento territorial, e o reaproveitamento das edificações existentes. Sustentabilidade é, sem dúvida, a palavra-chave hoje no conceito de desenvolvimento. Na decoração, também vem ganhando força ao longo dos anos. Muitos arquitetos e designers de interiores sabem que é possível construir ou mesmo ambientar um espaço preservando-se a biodiversidade e o ecossistema local. Para a realização desse trabalho, existe uma série de materiais que não agridem a natureza e estão disponíveis para substituir outros reconhecidamente poluentes. Móveis, cortinas,
Jogo americano
e cuba (no detalhe), produzidos com material reciclado, seguem a linha da sustentabilidade 44
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Arquitetura
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Interiores
adornos e telhas, por exemplo, oriundos de reciclagens de pneus, garrafas pets, embalagem de leite longa vida e até tubos de pasta de dente são alguns exemplos do que está disponível no comércio. A mostra de decoração Morar Mais, que acontece em diversas capitais brasileiras, foi a primeira a trazer o tema sustentabilidade para ser pensado por profissionais, empresas e visitantes. Na sua terceira edição, em Brasília, a exposição apresentou diversas iniciativas ecologicamente corretas que podem ser utilizadas em qualquer ambiente. Uma das ideias que chamou a atenção do público foi um pequeno lavatório construído na sala de jantar decorada pelas designers Aline Silva, Dila Ruas e Dinair Vaz. As profissionais lançaram mão de uma ideia simples, mas muito criativa. A partir de uma cuba elaborada com folhas de bananeira prensadas e base de eucalipto preso por aros reciclados de bicicleta foi possível criar elementos decorativos e duráveis sem a aparência de algo primitivo. “Nossa meta era criar algo original que fosse, ao mesmo tempo,
útil e de fácil aceitação pelo público visitante. Foi inspirado nos lavatórios que existiam nas salas de antigamente”, explica Aline. As profissionais foram além. Para compor o espaço próximo ao lavatório, criaram nichos para abrigar galhos secos e permitir uma inspiração rústica ao ambiente. Na mesa, jogos americanos feitos com papel reciclado podem ser personalizados de acordo com o evento. “As pessoas devem ter a consciência de que pequenos gestos podem mudar muitas coisas. Neste projeto, abraçamos a causa da preservação, porque acreditamos que seja possível colaborar com essas mudanças”, comentam Dila Ruas e Dinair Vaz. Preocupada com o meio ambiente, algumas empresas também estão fazendo a sua parte. E fabricam seus produtos com materiais que não agridem a natureza. A madeira utilizada para a confecção de persianas, por exemplo, possui certificado de origem. Além disso, os componentes de produção são biodegradáveis e recicláveis e as sobras vão para o mostruário utilizado pelos distribuidores.
Madeira de origem certificada
está sendo largamente utilizada por arquitetos e designers que abraçam a causa da sustentabilidade
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Ecoblock A designer Celina Magalhães também é adepta de produtos ecologicamente corretos. Em 2008, descobriu que poderia substituir a bancada de madeira utilizada em um lavabo por um material com a mesma durabilidade e aparência. O produto conhecido como ecoblock é fabricado por uma empresa de Minas Gerais. Utilizando tecnologia patenteada no Brasil e um complexo processo de industrialização, a empresa produz o material a partir de verdadeiros passivos ambientais gerados por indústrias de diversos setores, livrando o meio ambiente de 150 toneladas por mês de materiais poluentes. Segundo a profissional, a troca da madeira pelo material biossintético não ge-
rou nenhum problema de instalação ou acomodação. “Foi uma agradável surpresa descobrir que é possível encontrar soluções que não agridem a natureza e que possuem grande durabilidade. O resultado ficou lindo e ainda despertou a atenção de quem conheceu o trabalho”, ressalta Celina Magalhães. A aplicação do ecoblock é indicada para diversas soluções na arquitetura, decoração e paisagismo. Por sua vida útil infinitamente superior a qualquer outro material no mercado, impermeabilidade e possibilidade de exposição a diferentes condições climáticas sem alteração de características, o material é bem utilizado em decks de piscinas, piers e também em cachepôs, espreguiçadeiras, pisos e bancos.
Material biossintético
substitui a madeira sem provocar problema de instalação ou acomodação. O meio ambiente agradece 48
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VocĂŞ totalmente satisfeito.
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Adegas Um ambiente aconchegante, com misturas de referências tradicionais e traços de contemporaneidade. Assim foi desenvolvida a diferente adega proposta pelas designers Alessandra Carvalho, Cláudia de Paula e Érika Silva. Em apenas 7,80 m² de área, as profissionais integraram elementos rústicos à funcionalidade que o espaço precisa ter. No projeto, a tradicional forma de acomodação do vinho dá espaço às telhas de barro suspensas por cordas de sisal. “Partimos do conceito básico do barro para compor esse ambiente. Procuramos um grupo de artesãos que desenvolveu telhas de cerâmica para abrigar as garrafas de vinho”, explica Alessandra Carvalho. Outro ponto de destaque do ambiente foi a utilização de caixas de vinho para a composição de um bonito painel. Essa medida deu um ar intimista ao ambiente e valorizou ainda mais o projeto. As designers reaproveitaram o material que seria descartado por distribuidoras
Materiais reaproveitados utilizados na produção da adega que se integra ao ambiente
de bebidas e elaboraram o fundo da adega com madeira sobreposta. “A ideia foi criar um ambiente aconchegante e intimista com a utilização de materiais reaproveitados”, ressalta a designer. Os profissionais Flávio Werneck, Rogério Cavanellas e Venelouis Maia também optaram pela utilização de um elemento diferenciado para uma adega desenvolvida para a mostra Casa Pronta, realizada em 2008. O projeto chamou a atenção pela originalidade na utilização de telhas de amianto como prateleiras. Parafusadas, as telhas formaram nichos que acomodaram perfeitamente as garrafas de vinho. Segundo Flávio Werneck, o elemento foi utilizado por ser original e de baixo custo e também por não apresentar toxidade. “Para garantir a durabilidade das telhas, elas foram lixadas e receberam uma camada de verniz fosco, para que as garrafas não tivessem contato com o material sem tratamento”, disse.
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Casa Pronta Na casa situada na QI 28, no Lago Sul, a porta de entrada virou atração turística. Não há quem não pare para admirar os quase sete metros de estrutura pivotante com revestimento de madeira de demolição. Projetada pelos arquitetos Humberto Macedo e Jeanitto Gentilini, a casa, em estilo contemporâneo, teve a porta construída pela empresa brasiliense Talentus. Porém, não é somente a porta que torna essa casa tão especial. Ela foi erguida sob alguns dos pilares da sustentabilidade. Segundo Humberto Macedo, a residência, que já foi palco de uma mostra de decoração, a Casa Pronta, segue alguns princípios ecologicamente corretos. “Tudo foi planejado para incorporar alguns marcos sustentáveis, desde a concepção do projeto, a construção, até a escolha dos materiais de acabamento”, comenta Macedo. No projeto, foram utilizadas madeira de escoramento das estruturas com aproveitamento de obras anteriores; o máximo de aberturas possíveis para
uma excelente iluminação e ventilação naturais; o aproveitamento de águas servidas nos lavatórios e chuveiros, cujo teor de química é menor; a coleta de água do telhado em um reservatório de 30 mil litros para utilização nos serviços da casa; a utilização de energia solar para aquecimento da piscina, chuveiros e pia da cozinha; e a utilização de piso de madeira de reflorestamento nos quartos. A casa possui ainda 90% da área verde gramada, a fim de promover a completa absorção de água pelo solo, e 90% das esquadrias externas e internas feitas de PVC, substituindo as tradicionais esquadrias industrializadas de madeira. É importante que, desde a sua formação, os profissionais tenham em mente que é possível construir ou decorar com responsabilidade. Mas, cabe também à sociedade cobrar dos arquitetos e decoradores a elaboração de projetos que não causem danos ao ambiente. Soluções inteligentes e ecologicamente corretas serão cada vez mais valorizadas no futuro.
A porta de quase 7m de altura
tem revestimento de madeira de demolição. A construção da casa seguiu princípios sustentáveis 54
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Ilha do Cardoso
Aventura à vista no paraíso atlântico Longe do mundo real, sem celular nem internet, a natureza prevalece
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ananéia foi um dos primeiros povoados do País. Há registros de que sua fundação teria ocorrido em 1502. A data oficial, porém, é 12 de agosto de 1531. De Brasília até lá, mais de
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{
Texto e fotos José Humberto Fagundes
1.200 km de estrada. A maioria dos 23 “brasilienses” da “turma do Cardoso” chegou antes das 12h. O restante, perto das 14h. No horário limite. Barco respeita o mar, ensina o timoneiro. Patrimônio Natural da
}
Humanidade, tombado pela Unesco, Cananeia foi o ponto de partida para a Ilha do Cardoso, no extremo sul do litoral de São Paulo. Quase duas horas de viagem. Na rota dos barcos pesqueiros. Aventura à vista.
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Ilha do Cardoso
Todos a bordo Afinal, em meio a panelas, mochilas, pranchas, maletas, barracas, sacos de batata, engradados de verduras, água, bebidas, cachorro intrigado, lá fomos nós. De mala e cuia. Imensidão oceânica. E o som, logo, corria solto. Escaleta, triângulo, percussão, voz. Quem com músico anda, com música andará. Barco cortando onda em mar de almirante. Assim, se chega lá. No Parque Estadual da Ilha do Cardoso. Área protegida, criada em julho de 1962. Ação humana em pouco mais de 5% da cobertura original. Prioritária é a preservação dos 15.100 ha de área da ilha. Um dos maiores criadouros de espécies marinhas do Atlântico Sul. Golfinhos, tubarões brancos, boto cinza. Em terra, tem até marco do Tratado de Tordesilhas. E sítios arqueológicos que indicam ocupação humana há mais de cinco mil anos.
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Ilha do Cardoso
A ilha
O pescador Atalino
e sua família foram os anfitriões da turma de Brasília. Peixe fresco todo dia e muita hospitalidade
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O Cardoso tem todos os tipos de Mata Atlântica costeira. Exuberante para ser redundante. Paraíso a cada pedaço. Manguezais, restingas, rios, cachoeiras e montanhas. Mosquitos, carrapatos, lagartos. Chuva intensa. Mas com rapidez de verão. Tempo mais do que generoso. Com exceção de um macaco aqui, outro ali, despercebidos passaram jacarés do papo amarelo, lontras, veados. E onças, parte das 43 espécies locais de mamíferos. Papagaios e algazarra definiam o universo singular de mais de 400 tipos de aves. Incontida profusão de pássaros em seu ritual diário. De vez em quando, uma cobra. Em meio à vegetação desconcertante. Plantas somam 1.200 espécies. Só de orquídeas, 118 tipos diferentes. Bromélias, 41. Enquanto praias e enseadas fazem a curva bem ali, atrás de enormes pedras. Umas se sucedem às outras. Seis comunidades de nativos, apenas. No total, 480 pessoas. Vivem da pesca, da agricultura de subsistência e do turismo. Na comunidade de Marujá, principalmente, que oferece estrutura rústica, com pequenas pousadas, áreas para acampamento, bares e restaurantes.
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Ilha do Cardoso
No sopé da montanha Enquanto o canoão encostava, com seu resfolegante motor a diesel de 64 hp, para levar até a praia primeiro as bagagens, depois a turma, um mergulho em uma enseada tão deserta quanto protegida. Nem mesmo o pequeno barco pesqueiro, que trouxe a turma de Cananéia para o Cardoso, podia chegar à praia. Só mesmo o canoão. Em terra firme, na praia de Foles, onde moram nossos anfitriões, duas casas, quase contíguas, dividiam espaço com muitas árvores. No fundo, um regato e uma pinguela para acesso à ou-
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tra casa, todas elas de madeira. Ambiente quase perdido no sopé de uma grande montanha coberta inteiramente por Mata Atlântica. Havia calor humano. Mas a parcimônia fazia parte da recepção que nos aguardava. Afinal, é incomum a família do pescador Atalino acolher tanta gente, tão diferente deles. Logo, as barracas começaram a ser montadas sobre aquela vegetação rasteira que servia de verdadeira ante-sala ao lado das duas casas de nossos anfitriões. Formada estava uma “nova família”. Cada um ex-
plorava o local como lhe parecia. Na hora que queria. A turma do surfe, de manhã cedo ou no fim de tarde, coletores de ostras, pescadores amadores, trilheiros, futeboleiros de praia. E música ao vivo, todo dia. Prevalecia o senso comunitário. Todos por cada um. Comida natural, divisão igual. Peixe cru, nem se fala. Recémpescado, com shoyo temperado. De lanternas e velas na mão, era hora de se virar quando seu AtaIino desligava o gerador. Funcionava a óleo diesel, do anoitecer às 22 horas. Por isso, o banho
no único chuveiro aquecido a gás tinha hora marcada. Fazia a delícia das meninas. De alguns marmanjos, também. E assim corriam os dias. Fogueira na praia, velas que teimavam em queimar protegidas pelos buracos improvisados na areia. E uma lua crescente que brilhava intermitente entre nuvens a saudar o sarau poético-musical madrugada adentro. O Cardoso deixa mesmo saudades...
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Ilha do Cardoso
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Amanhece o dia. Um vai e vem de gente. E vamos empurrar. Rolete de trás vai sempre para frente. Na repetição do movimento, o canoão alcança o mar. Ao flutuar, deixa o motor levar. E leva também poções e unguentos da curandeira Maria contra picada. A cobra, incidente do acaso. Final feliz do caso. Fica a reflexão. Pinguela no escuro, lanterna na mão.
Pablo Fagundes
Dona Maria se aventurou ao continente uma só vez na vida. Cananéia reservava para ela o primeiro e único contato que jamais teve com televisão, automóvel, motocicleta, telefone. De uma economia ensurdecedora nas palavras, com estranhos principalmente, esbanjava sabedoria caiçara. Curandeira, parteira, agricultora. Pés descalços, tão calejados quanto às mãos, nunca teve certidão de nascimento. Mas a idade calculada da matriarca da praia dos Foles ultrapassa bem mais de 80 anos. Se antes dos pássaros, todos os dias acorda, no mesmo horário deles, dona Maria também vai dormir. Com raras exceções. Uma delas, o início da noite em que uma cobra picou um dos integrantes da “turma do Cardoso”, que atravessava a pinguela do regato. Chamada para avaliar o pé inchando, vermelho, circulação prejudicada, diagnosticou: “foi jararaca”. E pouco veneno. Outro bicho foi picado antes. A sorte que nos trouxe ao Cardoso, mais uma vez compareceu. Dava para aguentar até o amanhecer. Nosso único meio de transporte até o continente era o canoão. Tecnicamente, sem condições de enfrentar duas horas de travessia marítima noturna, em busca de qualquer tipo de socorro. Não havia nenhuma forma de comunicação com o continente.
Pablo Fagundes
A curandeira
O mar do pesadelo Quando se fala em aventura, a melhor delas é sempre aquela em que se sobrevive para contá-la. Melhor seria ter passado sem esta. Céu claro, dia limpo, mar tranquilo. Pouco mais de meio-dia. Vamos conhecer Marujá. Apenas 45 minutos de barco de nossa “casa” na praia de Foles. Canoão ao mar. Onze passageiros adultos, uma criança, anseios e desejos de conhecer a “civilização” da ilha. O timoneiro João, seu pai Atalino. Em melhores mãos, não se poderia estar. Navegação costeira, brisa suave. O inexplorado visto do mar. Multiplicidade de praias e enseadas. Morros e montanhas no pano de fundo. Marujá à vista, hora de desembarcar. Uns dois quilômetros de caminhada até o centro do vilarejo. Só alegria. Comer mais peixe, camarão, beber cerveja e festejar. No lugar certo. Verdadeira praça natural. Um bar e uma grande varanda contemplam a beira do rio, acesso ao cais.
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Todos unidos
no agradecimento por dias de vida comunitária intensa e fraterna na ilha e na casa do pescador Atalino
Um trio de forró pé de serra, de Sorocaba (SP), animava a tarde que se desmanchava modorrenta. Não demorou muito para que nossos músicos brasilienses se incorporassem ao grupo. O som diferente logo atraiu uma pequena multidão. Bar lotado e muita animação das “meninas” na sinuca. Passava das duas da tarde quando indaguei ao timoneiro sobre a viagem de volta. — O ideal é retornar antes das quatro — alertou, enquanto aguçava o olhar em direção ao Norte. Perto do horário limite, o tempo começou a mudar.
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E o vento noroeste soprava cada vez mais forte. O timoneiro soou o alarme. “Precisamos ir embora, rápido”. Até reunir o pessoal, alguns dispersos pelo povoado, e chegar até a praia, passava de 16h30. Finalmente, com muita dificuldade, o canoão ao mar. Ondas cada vez maiores prenunciavam o início de um pesadelo. O tempo havia fechado de vez. O canoão subia e descia aquelas ondas assustadoras até sair da arrebentação. Sentados no fundo do barco e ensopados até a alma, tanto pela chuva fina quanto pelas rajadas de água que in-
vadiam a embarcação a cada onda que quebrava, ninguém ousava um comentário sequer. A preo cupação aumentou ainda mais quando o experiente Atalino substituiu seu filho ao timão. Sinal de que a coisa estava mesmo feia. Aliás, bastava olhar ao redor para perceber. O canoão navegava, ou melhor, chacoalhava, pelos canais formados entre uma onda e outra. Quando chegava na crista da onda que ia quebrar, Atalino cortava o motor. O barco subia e, literalmente, despencava no próximo canal que se formava entre aquela sucessão de ondas.
Tão fixo quanto impenetrável, o olhar de Atalino não se desviava da formação de nuvens carregadas que surgia do Noroeste e parecia vir em nossa direção. Mais tarde, explicaria que o maior problema não era o mar revolto, nem a chuva. A ameaça mais séria era o vento, que trazia aquelas nuvens. Se viesse em nossa direção, teria de embicar o canoão rumo à praia e tentar o desembarque a qualquer custo. Provavelmente, sacrificaria o barco. Mas o que importava mesmo era a sobrevivência, pois não havia um salva-vidas sequer. A não ser o que usava a criança de três anos. Aliás, nem ela nem a mãe nada viram. Fizeram todo o trajeto
As meninas
em Marujá, o jornalista da Formato e a turma retirando o canoão depois do sufoco no mar
com as cabeças encobertas por uma canga, enlaçadas pelos braços do pai. Depois de 45 minutos que pareciam uma eternidade, finalmente, Atalino conseguiu trazer de volta o barco em segurança. Com o sol prestes a se pôr, difícil descrever a emoção e a algazarra pelo simples fato de pisar em terra firme. Se nossa presença na ilha, por si só era motivo de comemoração, imagine naquele fim de tarde. Em pouco menos de uma hora, consumimos o uísque 12 anos que o amigo Dinho havia nos presenteado em Brasília. Guardado estava para uma ocasião especial. Mais do que aquela, impossível conceber. Assim seja, Cardoso... No limite, real.
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Ilha do Cardoso
Luzinha,
sĂmbolo da alegria no Cardoso
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Palavra
Marcílio Farias
Balarama dança para Khristos “Analysts, said police, were operating under secret new guidelines”
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(
om quem você quer falar? Com Peter Filho ou Pedro Pai? O avô do velho criou essa companhia do nada sabia? Do nada, há mais de duzentos anos, você imagina! Mais de duzentos anos atrás. Não é uma maravilha!?) E assim falou a freira apodrescente para sua irmã alucinada, as duas perdidas no poço das serpentes e jogadores de rúgbi. Foi quando eu vi que era um sonho e o telefone tocava, Shawn me acordando para mais uma jornada em pleno mundo dos vivos, em pleno Vale dos Vivos, terra prometida onde uma espécie rara de financismo e história espera por nós em cada esquina, mesmo durante belos crepúsculos. O abismo que é teu coração atrai meu sangue, minhas veias e todos os demais lugares desse corpo, além das arquibancadas, da cafeteria, do depósito de lixo. Abismo que engole o resto desse dia, jogando tudo no mar. No meio de uma floresta submersa, coalhada de destroços da Primeira e Segunda Guerra, carbonizados destroços de heroísmo, cheiro de carne queimada e chamas. Fé curiosa, essa, se espalhando pelos meus ossos como uma gargalhada feliz, como quando a gente subia no morro debaixo de chuva e cogumelos, recitando nomes engraçados e histórias difíceis, comendo pão ázimo e lembrando nomes que faziam parte da lenda de nossa própria desgraça.
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Antes de Marcílio Farias,
a crítica brasiliense era impressionista e muitas vezes maculada pelo compadrismo. Em 1973, sua chegada ao Jornal de Brasília, então comandado por Luiz Gutemberg, trouxe a análise científica de lançamentos literários, feita sob rígidos parâmetros lingüísticos e semiológicos, aos cadernos culturais da cidade. Esse rigor, depois, foi transferido ao semanário José, de saudosa memória, e ao Correio Braziliense, que estava sob a batuta de Oliveira Bastos. Hoje, o poeta mora nos Estados Unidos e leciona literatura comparada na Universidade de Phoenix, no Arizona. O poema, inédito, que inaugura o Caderno Palavra (literatura e poesia) da Formato, integra a obra “Rito para ressuscitar um elefante”, que se encontra no prelo e tem lançamento previsto para este ano.
{ Texto Pedro Paulo Rezende }
Rostos e canções fundem-se com esses verões atordoantes, destruidores de imagens felizes, para sempre cravadas no fundo de meus olhos; impressas com horizontes e batalhas no fundo de todos os olhos de todos os Farias que um dia andaram pela face desta terra. Assim que a mordaça é apertada, ou as esporas e o cinto que fazem de você quase-que-um-com-o-rochedo, durante aqueles minutos, uma grande tristeza toma conta de seus ossos. Mas logo você olha para aqueles rostos na praça, deleitando-se com sangue, suor, fogueira e ranger de dentes, lendo ficção barata, lambendo os dedos sujos de batata frita, mostarda e cola. Simplificada epifania matinal sem mais serpentes, frutas plásticas ou milagrosos toques originários. É nesse momento que todos começam a acreditar em felicidade, como se fosse um cheiro ou um brinquedo caro comprado em Zurique, cheirando a enxofre e couro novo (No canto esquerdo, perto da entrada para o Salão Nobre, um palco iluminado e triste abriga sombras em cada um de seus recessos. Em cada ameia um leque invisível abana o ar abafado na direção de atores de cera, debulhando palavras de arame farpado embrulhado com intenções de mentira)
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(Essas folhas de carvalho afogadas por uma noite negra de Madeira e mar, brisas ligeiras e nossos ossos, deveres e carinhos, essas folhas de carvalho envolvendo a noite Negra de madeira e brisas com nossos corpos e intenções, (Atos de omissões...) e é isso que lhe resta agora. Palavras que você cola nas costas de uma paz privada, como se andasse numa estrada enorme, brilhando das luzes de freio brancas e vermelhas de um lado e do outro, estrada enorme,
branca de um lado, vermelha do outro. Às cinco e meia, o sol espirra ouro nessas árvores histéricas. Faíscas amarelas cegam por um segundo. Ah luz tão massa, essa, que espatifa ouro e lilases em cima dessa tarde, cobrindo a tristeza palpável, feita de protocolos, mamães, papais, frangos assados, freirinhas devotas e sorridentes, rudeza, grosseria, mau hálito e poeira. Mas essa tarde cheira a lendas e bibliotecas, cheira forte como quando a gente escuta uma rajada de vento dominando as árvores, cobrindo o ar fresco de luz, essa luz tão bela que joga ouro e lilases sobre arrecifes e dunas, longe de todos os males do mundo, perto de todos os mares, além da visão de um forte apodrecido e um horizonte medíocre, inquietando margaridas e agonias domésticas – tão fácil e dócil como quem toma o doce da mão do menino. E a gente pasma vendo as margaridas dissolvendo o desespero desses cidadãos decentes, tão fácil e dócil como quem pinta um muro de amarelo canário esperando que atraia chuva. Meu rosto e o teu rosto tão próximos na minha memória como há sete anos. O sol, então, marca a fronteira entre dor e espanto, sua mão segurando o meu sorriso firme, seguindo-me de pertinho, desafiando um monstruoso estado de coisas, contrário a concordância ou lamento por mortes não cadastradas. Sim, sua mão segura firme o meu sorriso instável, no infinito curso deste sol que cobre seu rosto de ouro, única rota disponível para escapar do fogo e do patriotismo que reduz esperança a cinza, detrito e lama, coleção de inverno perfeita para o homem e a mulher perfeitos. Quantas oitavas é preciso alcançar para montar um grito exato? Como achar a partitura mais correta, o pentagrama preciso, com variações minuciosas de nuance e encanto, preciso indicador do brilho de seu torso, do tom exato de sua pele junto a minha pele, coração e sentidos totalmente abertos,
Palavra
Marcílio Farias
feitos de fogo e água, vento e areia fina, sangue e todos os fluidos? Como arranhar o muro desse dia e rebentar a pegajosa herança de vozes baixas e boas maneiras? Oh, coitadinho, você vê, Tiresias e Cadmo dormem ao sabor de cerveja barata, numa calçada qualquer em Kenmore Square? Você não vê a lenda virando tinta e chancela delícia de adolescentes tezudos, virgens, índios e gatos selvagens: você não vê na calçada, meninos e meninas bem vestidos passeando cachorros e destinos extraídos a dedo da página central de Vogue, Burda ou Newsweek? Você não vê que Zagreus hoje não come mais carne nem bebe mais vinho com lágrimas, nem tem mais aquele brilho pardo nos olhos, ou na ponta dos dedos, no fio da espada, no suor ou no sémem, perdido muitas luas e loas atrás, falido até as cuecas por uma dupla de estrangeiros aposentados, bêbado numa mesa de poker em Reno, Brasília ou Calcutá?
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Sim, David, sua mão direita sustem o meu sorriso durante esse solstício, o infinito percurso deste sol. Até hoje, desde sempre, fomos alimentados de cadáveres de heróis gregos chacinados ou cabeças cortadas de velhas rainhas egípcias no almoço, lanche e jantar. História e ação foram alimentadas desde o início por nossa mímica histórica dos atos e omissões de velhos heróis gregos chacinados e velhas rainhas egípcias destronadas no almoço, lanche e jantar cardápio de cadáveres servidos em Grande Estilo
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no almoço, no lanche e no jantar, transformando nossas ações nas mesmas de velhos heróis gregos e antigas rainhas egípcias – o que toma tudo desse corpo pra entender a trama desses dias de lama, lava e insuportáveis decibéis; porque até que abrace e receba o Estranho você jamais entenderá o silêncio antigo que mistura lenda, mistério e música. Sim, David, sua mão segura esse vislumbre no percurso desse sol, na esteira dessa praia, infinita esteira desse sol.
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Você pede licença para ir ao banheiro e lá, no armário, você vê uma fila de antiácidos, vitaminas e laxantes, porque fica difícil mijar e cagar direito quando o telefone não para, as crianças não param, a vida não para de trazer correspondências com tarja vermelha e brindes de supermercado. Depois de todos esses anos, você vê que perdeu o olfato para as melhores palavras, como se não mais pudesse atravessar a fina divisa que marca o que quer que seja do que quer que possa ser do que pode ser tocado. Por isso, você vê no armário de banheiro uma fila de antiácidos, vitaminas, e laxantes. O pássaro das quatro horas canta gozado, faz sons eletrônicos que balançam as fundações dessa manhã que transforma preguiça em rápidas auroras com ventos fortes. A coisa mais intensa é a jornada da palavra à coisa e além da coisa além da palavra, além das coisas e das palavras. No supermercado, corpos animados pelo script da mais recente novela, apanham migalhas de felicidade orgânica e/ou transgênica, jogam pretextos e sobras num carrinho enferrujado, mas com as armas e os brasões do Partido,
se você para na saída e observa um pouco mais, verá que o deserto se esconde nas curvas sombras e dobras dessas ruas. Velhos carvalhos cinza-prata, vidoeiros podres e abetos encharcados de história, sangue e outros bichos – talvez exista alguma coisa doce e suave no jeito como a tarde despenca sobre nossos pés nessa areia sendo um só e o mesmo fazendo cenários e cenas mesclarem-se com o mar oculto por trás do deserto, nesses dias cheios de sangue, bomba e malícia, adubando medo e pavores, sonhos e alegrias, mesclando o mar e o deserto por trás de alguma doce e suave que poderíamos até chamar de paisagem. Essa rua silenciosa aproxima (incomodamente) casas, velhos rostos, carvalhos, jambos e jatobás. Talvez exista mesmo alguma coisa rara e extrema no jeito como eu e você repetimos as mesmas histórias. Como um velho alfaiate que corta os mesmos ternos dia após dia, século após século, e jamais erra um pesponto, fazendo o deserto repetitivamente fértil, sótão repleto de quinquilharias. C’est rose, que a vida é bela etc., etc., etc., mais três ou quatro exemplos do Ciclo dos Ratos: 1, 2, feio, bonito, claro, escuro, bom, muito bom, que delícia, mais, mais, mais, mais, de novo, de novo e muito mais, mais etc., etc., etc. Não está claro para mim como o sol das cinco horas espalha aquelas cores de verão no meio desse Inverno, como se o seu rosto mostrasse possibilidades mágicas em cada mínima expressão. Grande inigualável silêncio, onde o abismo transforma-se na mais próxima calçada, ou no mais imediato retorno, onde as onças passeiam e uivam, enquanto bebemos desse inverno veranioso. Na parede Norte, na qual você se encosta quando os pés doem e as vozes no plenário sufocam, da parede Norte você pode sentir o
cheiro de colônia francesa abafando o cheiro de mofo e cinzas que paira sobre sorridentes confrades. Na classe executiva, ou no guichê Globe Trotter, desenho enfastiado de recompensa e tesouros escondidos no fundo de uma vida feita de preâmbulos – quantos rituais ainda restam ser descobertos para alegrar editores assistentes e reforçar a construção desse adobe feito de sonho e restos mortais? Na mesa de jantar comemos cadáveres antigos, datando desde o início do ano fiscal, no almoço, lanche ou jantar, fazendo da vida um calendário de dias e trabalhos feitos com o mesmo e velho ódio de velhos gregos heróis mortos ou rainhas egípcias suicidas (?), traduzindo palavras de outras palavras de outras palavras traduzidas – fingindo saber o que se diz, inclusive o dito e escrito, pensado e avalizado em universidades, milícias e bordeis. Apresentamos provas e relatórios para validar delírios e martírios, sonhos e pesadelos. Então, traduzimos mais palavras de palavras traduzidas de outras palavras traduzidas, e fingimos haver tocado o dos sentidos todos, e de toda a matéria. Colecionamos provas e relatórios em bibliotecas e arquivos, dando a impressão de ter domado a razão de qualquer sentido com palavras traduzidas de palavras traduzidas de palavras traduzidas, fingindo validar uma vida de pretextos: alcunha, civilização. Mas o que vejo é o seu rosto, David, sua presença simples desafiando esses cenários de puta-que-pariu, barraco e suor depois do jogo de Domingo, passeios pelo mall para espalhar e receber ódio e inveja, medo e ganância, os filhos e a mulher na frente, seis ou quatro negros atrás, dois ou três
Palavra
Marcílio Farias
orientais ao lado, e o resto do atlas geográfico e étnico passeando ao lado, indiferente. Cenário feliz esse, que vejo da janela no final do corredor número cinco, andar número seis, aquele de cores que não mais recordo. Luz e reflexo, luz que não refrata, e a gente ri adoidado, fumando as cores dessa madrugada, vermelho e azul duelando lilases e furta-cores se mocozando rápido debaixo do seu cabelo – quantidades industriais de beleza que desabam sobre mim com a leveza de um dançarino, luz que não refrata. (Imagino você, David, chegando para mim e perguntando: quem você pensa que eu sou?) Só o fato de saber de sua presença abre portais que eu não sei se posso encarar com segurança, porque terror e beleza produzem o mesmo efeito, retrátil frágil abismo que atira palavra e sonho na beira do imaginário porto dessa cidade, dessas casas com cortinas azuis e cajueiros imensos devorando turistas e
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várias dunas amarelas cortadas ao meio por uma ciclovia em pedaços e vários hotéis espanhóis, o azul dessas três horas é tão intenso que tenho de olhar para os montes, ignorando os mosquitos e as mariposas, raiva, cólera, enchentes e terremotos. Ignorando até os cavalos se aproximando à distância, resfolegando e suando, anunciando a chegada do inverno e do mito, ou do lobisomem gritando de desespero no fundo de várias gargantas. Minha mão aperta a sua mão, David, e nossos sangues se tocam por debaixo de nossas peles. Olhamos para os montes, forçando a vista bem dentro de todo o azul, ignorando os mosquitos e a irritação, ignorando o cavalo inquieto e o lobo uivando à distância em clássico clichê. Eu seguro a sua mão, David, bem perto do meu coração, e mostro a você o nevoeiro dessa madrugada com a graça de um dançarino, e respondo a todas as suas perguntas. Weymouth/Natal, verão de 2005
Crônica
Espelho
Os reflexos do espelho Eu nada posso fazer, além de observar aquilo que ninguém quer ver...
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odos os dias, vejo milhões de coisas. Não as sigo, elas passam por mim, e sabe Deus quando voltarei a vê-las. Estou localizado na avenida principal de uma grande cidade. De frente para o trânsito caótico, para a violência e para o correcorre rotineiro. Poucas vezes o que vejo me agrada, a realidade que sou obrigado a refletir é tão desesperante que eu queria poder me desligar de tudo isso. Tenho vontade de sair daqui, ser levado para um lugar menos sujo, onde eu só reflita o que é bom. O que também me desperta grande temor, pois sei que, quando me tirarem daqui, certamente serei partido em inúmeros pedaços e jogado fora, como muitas vezes vi os humanos fazendo com o que não lhes é mais útil. Já vi pessoas de muitos tipos e gostos, já presenciei dias em que mulheres corriam para parir no hospital, e dias em que pedestres e motoristas desafortunados perdiam suas vidas no trânsito. Também assisti a filhos na rua até tarde, escondidos. E mães desesperadas atrás deles. Às vezes, o que vejo é tão absurdo que desejo que, só por um pequeno instante, alguém me olhe e não se foque em seu reflexo, mas no que está atrás dele. E faça alguma coisa, já que eu nada posso fazer, além de observar aquilo que ninguém quer ver, mas não pode ser escondido de mim. Do reflexo do espelho.
{ Texto Maria Júlia Amorim } Estudante, 13 anos
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