Desafie as velhas ideias...
Posicione-se!
Não dá mais para pensar apenas nas mídias tradicionais. Em sintonia com as novas tecnologias, que trazem possibilidades diferenciadas para as organizações, está a PaperCliQ. Alinhada às últimas tendências em comunicação e marketing, a agência surgiu para auxiliar o mundo corporativo a se posicionar estrategicamente no universo digital.
Com tantas transformações em jogo, é preciso se reinventar, descobrir novas possibilidades e, é claro, garantir bons resultados. Saiba mais, acesse:
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Editorial
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Apesar de sua linha editorial e seus objetivos bem definidos – falar de cultura em Salvador – a revista Fraude não pode ser destacada do lugar em que é produzida, o Programa de Educação Tutorial (PET - MEC), nem de quem a produz, os doze bolsistas e a tutora, além de seus colaboradores. A cada ano o projeto Fraude é incrementado e cresce com a contribuição daqueles que chegam, passam e transitam pelo PET. As páginas da revista são expressões individuais e coletivas do que pensam, sonham e projetam seus criadores. E essa edição é expressão clara disso. Continuamos nossa já tradicional aproximação com as histórias em quadrinhos e estampamos em nossas páginas uma HQ ficcional. A literatura está presente de novo, mas agora em áudio! E além disso, tratamos do que está acontecendo nas ruas de Salvador e do mundo: jornalismo, moda e publicidade espalhados pelas cidades. A Fraude #7 está aí, feita por nós e para vocês. Leiam, comentem, critiquem. E até a próxima edição.
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um guia para a fraude Fragmentos Frações de histórias com um pouco de sangue e divagações sentimentais. p.06
Mais fácil que aprender japonês em braille Apesar de ainda ocupar um tímido espaço nas livrarias, o audiolivro começa a criar um mercado de fiéis leitores – ou seriam ouvintes? p.17
O grande artista Como trabalham os curadores, responsáveis pela montagem de exposições artísticas. p.08
Sex in the city Outdoors de motéis espalhados por toda Salvador atraem clientes e causam polêmicas. p.20
Costurando uma profissão O perfil de Seu Andrade, um alfaiate que sobrevive às condições do mercado. p.11
Cultura do desencanto Não é história, doutrina, ciência, seita ou religião: o que é, então, a Cultura Racional? p.23
Através do Quarto Mundo Conheça o coletivo de quadrinhistas que está movimentando o mercado editorial de revistas independentes. p.13
Acarajé só com salada Em busca do acarajé perfeito: as desventuras de uma vegetariana em Salvador. p.25
editorias da fraude Preliminares: Comece por aqui. página 06
Economia da Cultura: Quando a cultura de consumo recria o consumo de cultura. página 08
Cotidiano: No dia-a-dia da cidade há histórias que passam quase despercebidas... quase. página 20
Ciber: -arte, -tecnologia e -cultura. página 29 Imaginando: Ler histórias, ouvir histórias... Agora é hora de também vê-las. página 39
agradecimentos A todos que colaboraram com texto, imagem, foto ou ilustração. A Quarteto de Cinco e DJ OX pelo som, ao Coletivo Muito Barulho por Nada pela performance e ao River's Pub pelo espaço de lançamento. Ao artista Paul Stride-Noble por ter nos permitido ilustrar nossa capa com sua pixeltown. A Fabiane Oiticica pelos 13 retratos feitos naquela manhã corrida. A Bruno Marcelo por desenhar e colorir uma de nossas páginas com seu criativo traço. A Mariana David por expor na revista uma de suas imaginativas fotografias. E ã ajuda de Rodrigo Lessa, que continuou fraudando mesmo quando não era mais sua obrigação.
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Meu nome é Gal e desejo me corresponder com um rapaz que seja o tal Conheça quem prefere os papéis de carta, selos e envelopes à comodidade e facilidade das mensagens instantâneas da internet. p.27
Moda de rua na rede Da passarela para as ruas, das ruas para os blogs, dos blogs para o mundo. Veja como a internet interfere no circuito da moda. p.37
Uma pessoa de 8bit Pixel art, Chiptune Music, Creative Commons, coletivos de artistas organizados na internet. De Manhattan a São Paulo, minusbaby. Pixel por pixel. p.29
Uma história de muitas cidades A Fraude desmonta em HQ os quebracabeças que são nossas cidades. p.39
A sua sorte hoje Quem disse que o Orkut não pode mudar a sua vida? p.33
Fernanda Uma criança do interior do sertão baiano sob a lente da premiada fotógrafa Mariana David. p.42
Jornalismo direto do celular Notícias na palma da mão. Os usos jornalísticos do celular para fazer e consumir notícias em qualquer hora e local. p.34
quem faz a fraude Tutora Petcom: Graciela Natansohn Editora-geral: Paula Janay Editor Ciber: Samuel Barros Editor Cotidiano: João Araújo Editora Economia da Cultura: Carolina Guimarães Editor Imaginando: Marcelo Lima Diretora de arte: Jéssica Passos Diagramação: Caio Sá Telles, Jéssica Passos, Matheus Santos, Renato Oselame, Rodrigo Lessa, Samuel Barros Assessoria de comunicação: João Araújo, Luís Fernando Lisboa, Nelson Oliveira, Verena Paranhos Produção do lançamento: Carolina Guimarães, Elaine Morgana, Flávia Santana, Leonardo Pastor, Marcelo Lima Redatores e colaboradores: Alana Camara, Caio Sá Telles, Carolina Guimarães, Elaine Morgana, Jéssica Passos, João Araújo, Júlio Landim, Leonardo Pastor, Luís Fernando Lisboa, Marcel Ayres, Marcelo Lima, Nelson Oliveira, Paula Janay, Rodrigo Lessa, Samuel Barros, Tiago Canário, Verena Paranhos Colaboradores de imagem: André Leal (p.39, 40, 41), Bruno Marcelo (43), Fabiane Oiticica (3), Kelvin Oliveira (34, 35, 36), Mariana David (42), Thácio Faria (8, 9, 10), Luís Fernando Lisboa (11), Arquivo pessoal (29). Capa: Paul Stride-Noble (ilustração) e Renato Oselame (montagem).
A revista Fraude é uma publicação do Programa de Educação Tutorial da Faculdade de Comunicação (Petcom) da Universidade Federal da Bahia. O PET é um programa mantido pela Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação, e é através do orçamento anual destinado ao Petcom que é paga a impressão da revista. As opiniões expressas neste veículo são de inteira responsabilidade dos seus autores. Tiragem: 1000 exemplares. Ano 6, número 7, Salvador - Bahia. End.: Rua Barão de Geremoabo, s/n, Ondina, Salvador, Bahia - Brasil. Tel.: 3283-6186. E-mail: petcom@ufba.br www.petcom.ufba.br www.revistafraude.blogspot.com
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Fragmentos texto Luís Fernando Lisboa e Elaine Morgana
O que rima com amor? Uma música de Cole Porter diz: Let's do it, let's fall... É aí, que alguns vão se apressar e se arriscar a dizer que não pode ser in love. Afinal de contas, em tempos como esses, ninguém pode se apaixonar. Só que Caetano e mais alguns se perguntam, “por que fazem sempre tanta canção de amor?” Está, então, dado o problema. O melhor é não discutir sobre essas contradições e deixar que todos fiquem somente no do it? Porque, apesar de tudo, o do it é mais fácil e a melhor forma de conseguir deixar duas pessoas, ao menos temporariamente, satisfeitas. Entretanto, não há escapatória, as palavras vêm à tona e é preciso perguntar: por que tanta canção de amor, se hoje não se pode mais amar? Explicação: vai ver que, se escrito com letras cheias de formas poéticas, o amor consiga rimar com quase tudo, inclusive com casal. Mas, o que combina mesmo com o dia-a-dia das relações é qualquer coisa que rime com corpóreo. Então, já que “os cidadãos no Japão fazem. Lá na China um bilhão fazem. Façamos, vamos amar”.
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Vestido de Noiva Era uma noiva. E trazia na mão duas chaves. Uma delas ela sabia que abriria as portas para as novidades casamenteiras, todos diziam que feliz ela seria. A outra, já diria sua avó, selaria os convites malvados e pervertidos de homens que a dilaceravam em beijos. Sobre esses beijos, ninguém da família sabia. Então, a menina aguardou por mais alguns momentos, e preferiu ficar sentada ali, até decidir qual das chaves usaria. No seu quarto era um burburinho só e, enquanto ouvia todas as moças se preparem no seu quarto, a sua mão suava de aflições. Era melhor assim, pensou a noiva.
Para meu comparsa Gonzo Em “Vaca Profana”, Caetano Veloso já dizia: “De perto ninguém é normal”. Com certeza, minha excentricidade exala pelos bares e becos soteropolitanos, pelos corredores do meu apart hotel e até mesmo por entre os computadores dessa redação. Drogas, sexo e rock n' roll. Dos entorpecentes, aspirei até o último pó. Da luxúria, ah... a luxúria. Dessa sacie-me até a última gota em lugares proibidos e com as figuras mais inusitadas. E de nada valeria tudo isso se “Girls, girls, girls”, do Mötley Crüe, “Sister Morphine”, dos Rolling Stones ou “O tempo não para”, de Cazuza não dessem a sonoplastia do meu viver. Mas é hora de parar. 48. Oito anos depois dos 40. Oito a mais do que eu precisava ou queria. Chega de jogos. Chega de bebidas. Chega de escrever. Uma filosofia diz que o homem completo é aquele que tem um filho, planta uma árvore e escreve um livro. Não deixo o legado de minhas anormalidades. Não sou ecologista. Escrevi livros, mas só em delírios é possível compreendê-los. Completo ou não, parto satisfeito. Não porque quero passear na taverna de Alvares de Azevedo ou na Pasárgada de Manuel Banderia. Prefiro o inferno de Dante Alighier. E como a química de Lavoisier explica a fraude, que as homenagens a Hunter Thompson e Robespierre sejam parafraseadas em meu epitáfio: “Passante, não chores minha morte. Há uma promoção no Bar do Nando: ‘De luto por Antônio Pierreson, jornalista e escritor. 10% de desconto em todas as biritas fortes'”. Aja seu velhaço. Coragem. Não vai doer.
“Enquanto todos me esquecem, eu me esqueço de todos.” Rasgou um pedaço daquilo que lhe entregaram e chamaram de vestido, e com o seu batom (ela não podia deixar barato) escreveu em letras garrafais: “Peguem o meu sapato embaixo da cama. Não me enterrem sem o vestido de noiva, porque a família morreria de vergonha. Mas é preciso que todos saibam: ‘Certas esposas (e leia-se maridos e casamentos, também) produzem câncer'”. O livro de Nelson Rodrigues estava em sua mão direita, a mesma da aliança de noivado. Logo após encontrarem a noiva com a garganta cortada (como ela tinha aprendido nos contos que lera), o pai teve a certeza que meninas de família nunca devem ler contos estranhos.
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O Grande Artista Responsável pela montagem de exposições, o curador ajuda a definir o que o artista pretende passar para o público com a sua obra
texto Carolina Guimarães e Leonardo Pastor No seu livro “Guerras Culturais”, Teixeira Coelho, curador-coordenador do Museu de Arte de São Paulo (MASP), afirma que “o curador é o grande artista” porque quando vamos a uma exposição, antes de vermos o trabalho do artista, propriamente dito, vemos o trabalho do curador. Ele é o responsável por todo o processo de montagem de uma exposição pública, desde a sua concepção, seleção das obras, organização do espaço, até de que forma ela será divulgada.
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to A curadoria não existe enquan O il. Bras no da profissão regulamenta aform a para rior supe o primeiro curs ente som do cria foi s dore cura de ção lo, o em 2008 pela PUC de São Pau ca críti ria, histó es: “Art bacharelado em a dori cura da e dad ativi A a”. dori e cura s ano dos o vem sendo exercida ao long de s área rsas dive de por profissionais proconhecimento. Veranice Gornik, ta, prietária da galeria Prova do Artis de cado mer no em Salvador, trabalha aform ser de ar apes s, ano arte há 33 docura “Tem o. raçã inist Adm em da s, res que são museólogos, arquiteto ou ria gale de os don administradores, r a restauradores”, explica. Para faze afund o o curadoria de uma exposiçã será que vo acer o r mental é conhece exibido. diAs atividades de um curador são de tipo do to mui versas e dependem o mod de , Mas . tada mon mostra a ser ar os cion sele dor cura do el pap é l, gera nir trabalhos que serão expostos, defi eles m orde l qua em e de que forma ao serão apresentados. Também cabe locatá o curador planejar e produzir ções go da exposição: quais as informa os, ress imp o serã ntos qua s, contida além como será feita sua distribuição, exde definir como será a abertura da posi será ela a form que de posição e ão funç a ão, “Ent a. rens imp na ada cion sição do curador começa antes da expo nice. Vera diz , ois” dep to e termina mui
Curadoria e Museologia
No Brasil, é comum que se confunas dam as atividades do curador com onresp do museólogo – o profissional Isso sável pela gerência dos museus. zautili país no i aqu ue porq acontece
para designar o se a denominação curador apenas porária. Já nos tem o responsável por uma exposiçã a-se de curacham pa, Euro na Estados Unidos e tor de museu dor o diretor de um museu. “O dire tas vezes é o mui na Europa e nos Estados Unidos adminisárea da oa pess uma prefeito da cidade, é ente, ralm natu , bém tam mas a, ênci trativa, de influ não ele o Entã vo. alguém que entenda daquele acer uma com oa pess uma ente precisa ser necessariam , diz a museóformação em história, por exemplo” do Museu ural loga Lícia Greco, coordenadora cult r. ado Carlos Costa Pinto em Salv eu no Brasil é A maioria dos diretores de mus menos, com formada em museologia, ou, pelo museólogo “O . alguma especialização na área como a eu, mus do tro den ões exerce diversas funç ntação ume doc a a, cativ edu ural cult programação bém a tam e ação da casa, toda a parte de conserv curaum Para . Lícia ica parte administrativa”, expl s, área s essa s toda inar dom io ssár dor, não é nece o com o cífic espe basta que conheça aquele acervo um s, veze tas mui m, qual pretende trabalhar. Poré de uma exposimuseólogo trabalha na curadoria te uma exposição. Segundo Lícia, “quando exis faz uma nova eu mus ção temporária ou quando o es para uma rent dife tos obje o montagem, elegend go da casa eólo mus um plo, exem por das salas, Ele escolhe o. siçã pode ser o curador dessa expo vai dispor, o com car, colo s os objetos, quais texto o tema...”
Curadoria e Mercado
museólogo são As diferenças entre o curador e o a de obras de fundamentais quando se fala na vend gia e que eolo mus em arte. O profissional formado curadoa ce exer só eu mus um trabalha dentro de co, pois lógi cado mer ho cun sem es siçõ ria de expo a. “É proibido não pode atuar diretamente na vend museólogo. A do tuto esta até dar valor à peça no lquer coisa qua com lver envo se e gente não pod ”, explica arte de relacionada à venda de objetos o artista que ível poss é Lícia. Mas, segundo ela, menuita grat obra sua r expo para procure o museu
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te. “Nós podemos lidar com o artista se ele quiser compor uma exposição temporária. Ele vem, mostra seu acervo, nós vemos se é compatível com o espaço que temos, se o tema é compatível com o museu e ele expõe sem falar em venda. Não pode haver nada que vá lembrar que aquilo vai ser comercializado, não dentro do museu”. No setor das galerias o processo é diferente. “Aqui o foco é na comercialização mesmo”, explica Paulo Darzé, que há 26 anos trabalha no mercado de arte e é proprietário da Paulo Darzé Galeria de Arte, em Salvador. Os curadores podem entrar em contato diretamente com o artista e com a comercialização de seus trabalhos. Segundo Paulo, o preço das obras a serem comercializadas é definido pelo mercado. “Todo artista tem seu preço de mercado, não adianta inventar valores, é o mercado quem vai ditar”. Nesse caso, é muito mais difícil para os artistas iniciantes conseguirem expor seus trabalhos. “Custa muito caro fazer uma exposição com catálogos, convite, cobertura de imprensa, coquetel. Com um artista consagrado, você sabe que vai ter um retorno garantido, porque pelo menos os custos ele cobre através de suas vendas. Um artista novo pode vender uma exposição inteira, mas não vai cobrir os custos”, diz Veranice. Segundo os padrões internacionais, a galeria retém 33% dos lucros gerados por uma exposição. Na Bahia, porém, a maioria delas trabalha com um percentual maior, em geral 50%.
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As exposições também podem ser montadas com apoio de recursos públicos. No ano de 2008, a Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb) disponibilizou R$ 280 mil através de edital de apoio a projetos de curadoria e montagem de exposições no estado da Bahia.
Curador e Artista
Para merecer um título como “grande artista”, certamente o trabalho do curador tem importância fundamental no mundo da arte. Seja nos museus ou nas galerias de arte, a presença de um curador na montagem da exposição ajuda a definir o que o artista pretende passar para o público com a sua obra. “O olhar do curador é diferente. Ele se preocupa com o recorte a ser feito da obra. O curador pode pegar uma fase ou algumas fases do artista e a partir de um olhar seu montar a exposição”, diz Paulo. Uma montagem mal feita prejudica o trabalho, por isso ela deve ser discutida e analisada em conjunto. O curador e o artista precisam trabalhar em consonância para que a exposição seja configurada de modo a valorizar as obras de arte. Às vezes, ver uma exposição fora de ordem ou de contexto não impressiona tanto. Porém, uma curadoria bem feita pode levar o espectador a apreciar bem mais o trabalho, porque o curador teve sensibilidade e conhecimento suficiente para saber como distribuir as obras. Assim, um curador deve montar uma exposição de forma a apresentar um sentido aproximando o máximo possível o espectador daquilo que o artista tentou comunicar. “Você tem que ter uma sintonia. É como quem toca um violino: um expert, e o outro é o maestro”, diz Veranice. E essa relação ajuda a definir o que é transitório e o que fica para sempre na história da arte. Veranice completa: “As pessoas não querem ver coisas passageiras. As pessoas querem eternizar”.
Costurando uma profissão A trajetória de um alfaiate ao longo das mudanças do mercado texto Luís Fernando Lisboa e Verena Paranhos foto Luís Fernando Lisboa
Linha, agulha, tesoura, giz e fita métrica. Esses são os instrumentos de trabalho e fiéis aliados de Antônio Andrade há 55 anos. Na rua Domingos Caetano, no Barbalho, onde mantém um ateliê de “fundo de quintal”, é fácil encontrá-lo caso se pergunte aos vizinhos por ‘Seu Andrade’. Anos de trabalho o fizeram sentir na pele as mudanças das últimas décadas. Já não se encomenda mais roupa como antigamente. “Pra quê? Se tudo agora é industrializado, feito em larga escala e mais barato?”. Na cidade de Ruy Barbosa, as coisas eram muito diferentes quando o menino Antônio, aos 15 anos, começou a costurar com sua avó. Logo ele pegou gosto pelos cortes, numa época em que a maioria das pessoas frequentava alfaiatarias e movimentava a profissão. Da costura em casa para uma alfaiataria da região foi um pulo. Lá aprendeu a fazer os traços precisos que definiriam seus trabalhos e teve a certeza de que seguiria a profissão. “A gente aprendia a fazer uma coisa de cada vez: primeiro se especializava em calças, depois em camisas e, finalmente, os segredos de se fazer um bom paletó”. Após passar por São Paulo e Feira de Santana, Seu Andrade veio para Salvador em 1970. Trabalhou no centro da cidade no momento de efervescência das alfaiatarias. “Elas estavam espalhadas pela Praça da Sé, Rua Chile e Praça da Misericórdia. Eram mais de 50”. Nesse período, a cidade já tinha indústrias têxteis, mas os alfaiates conseguiam manter a clientela que primava pela elegância e preferia cortes feitos sob medida.
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Seu Andrade teve vontade de mudar a rotina quando já trabalhava há mais de uma década em várias alfaiatarias no Centro, “com um ou outro alfaiate que lhe pagasse melhor”. Uma oportunidade surgiu ao ver em um anúncio de jornal que a Alfred - fábrica de roupa social masculina - oferecia vagas para alfaiates. Ele não perdeu tempo, logo pegou seus materiais e foi bater na porta da fábrica. Talvez esta não tenha sido uma vontade qualquer, mas sim um indicativo de que os tempos estavam mudando. Andrade foi aceito e teve 90 dias de adaptação ao sistema fabril. No entanto, conta orgulhoso que em 60 dias já estava totalmente adaptado à rotina produtiva imposta pela fábrica, que, segundo ele, era completamente diferente do caráter artesanal das alfaiatarias. “De lá saiam 400 roupas diariamente. Só eu alinhavava 80 paletós por dia”. Em 1996, quando percebeu que a Alfred estava prestes a falir, Seu Andrade resolveu fazer um acordo com a fábrica e sair com algum dinheiro no bolso. Montou sua própria alfaiataria no quintal de casa e passou a conquistar clientes fiéis na região. “No dia-a-dia sempre chegam muitos pedidos para fazer bainha, colocar botão ou velcro. Raramente costuro peças inteiras, só para clientes especiais”, conta. Na verdade, hoje ele prefere os serviços menores, pois o lucro é maior. “Eu costumava cobrar R$ 150 por um conjunto de paletó, mas já não faço mais porque não compensa. Existem muitas indústrias fazendo roupas mais baratas em grande escala. Eu sairia no prejuízo”. Os consertos substituíram a antiga de-
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manda de se fazer roupa sob medida e hoje são a principal fonte de renda de Seu Andrade. No entanto, não extinguiram um dos princípios básicos da profissão: atender aos desejos dos clientes e ajeitar as coisas do jeito que eles querem. Os fregueses pedem para cortar ali, aumentar aqui, emendar acolá e o alfaiate está sempre preocupado para que tudo fique exatamente como lhe foi pedido. É por esse motivo que prefere não trabalhar com consertos de vestidos, já que “não sabe fazer”. “Não aprendi a consertar vestidos cheios de detalhes. Algumas clientes até saem chateadas quando digo que não faço e duvidam que eu esteja falando a verdade”. Tantos são os pedidos diários que as sacolas acumulam-se em sua pequena sala de trabalho. “Às vezes não dou conta”, diz. O alfaiate mantém uma relação informal com a clientela, baseada na confiança e no compromisso de ambas as partes. As pessoas deixam suas calças, camisas e bermudas para que sejam consertadas sem nem perguntar o preço. Toda a negociação é feita quando os clientes vêm buscar. Entretanto, nem sempre a relação é harmoniosa: “Às vezes o serviço fica pronto, eu precisando de dinheiro e as pessoas não vêm pegar”.
Alguns convites para voltar a ter carteira assinada já bateram à porta de Seu Andrade, no entanto o alfaiate preferiu continuar como autônomo. Ele foi chamado para trabalhar em uma loja do Shopping Iguatemi fazendo pequenos consertos, aceitou, mas só ficou por três dias. “Toda hora era uma coisa ou outra. Uma correria. Eu liguei e disse que não queria mais. Aqui eu trabalho sozinho, ninguém me abusa, eu vivo mais à vontade. Tudo que eu faço aqui, faria lá também.” Outras propostas surgiram com a chegada do Salvador Shopping à cidade, mas dessa vez Andrade nem cogitou aceitar. “Me ligaram oferecendo uma oportunidade de emprego. Disseram que pagariam R$ 800 por mês, eu respondi que não queria. Grosseiramente, foram logo me dizendo que eu não sabia o que estava perdendo”. Seu Andrade sabia que não estava perdendo nada. Ele prefere controlar sua rotina, marcar seus próprios horários e no fim das contas ganhar até mais.
Através do
Qual é o destino dos quadrinhos independentes no Brasil? texto Marcelo Lima e Marcel Ayres
Em novembro de 2006, três artistas independentes foram proibidos de vender suas revistas durante o tradicional evento paulista de quadrinhos Fest Comix porque os estandes eram reservados apenas para publicações de editoras. Sem outra opção, o desenhista André Caliman e os roteiristas Leonardo Melo e Cadu Simões montaram uma mesinha em frente ao evento e venderam seus títulos para os frequentadores do festival. Novas tentativas foram feitas em outros eventos de quadrinhos e a ideia deu certo: a mesinha de produtos independentes cresceu e passou a contar com a participação de mais artistas e suas revistas. Foi então que os precursores desta iniciativa notaram o quanto os quadrinhistas nacionais careciam de uma organização que pudesse oferecer visibilidade no mercado. Assim nasceu o Coletivo Quarto Mundo, que distribui e divulga as revistas em quadrinhos independentes pelo país.
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Os encalhes do mercado de quadrinhos
A realidade que envolve o Coletivo Quarto Mundo e o mercado de quadrinhos nacionais é complicada e pouco explorada pela imprensa. As notícias veiculadas na maioria dos cadernos de cultura que dedicam algum espaço para quadrinhos são, geralmente, sobre adaptações para o cinema e lançamentos de obras estrangeiras. Além disso, a maioria das editoras aposta na migração dos quadrinhos das bancas para as livrarias, que possuem um público exigente e disposto a comprar publicações em formato de luxo. Sendo assim, os quadrinhos nacionais permanecem acessíveis apenas para uma pequena fatia de leitores. De acordo com o jornalista Sidney Gusman, editor-chefe do site Universo HQ [www.universohq.com], octacampeão do Troféu HQ Mix - uma espécie de Oscar dos quadrinhos – na categoria “Site sobre Quadrinhos”, o grande problema do mercado de quadrinhos nacional é a ausência de leitores. “É preciso formar público. Um processo que é lento, gradual, e vem sendo realizado”. Esse processo de
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formação de leitor pode ser claramente notado pela adesão crescente de obras em quadrinhos no Programa Nacional de Bibliotecas, que em 2008 selecionou 19 livros em quadrinhos de diferentes gêneros para serem distribuídos em escolas públicas brasileiras. Ainda assim, os números deste mercado demonstram que há um longo caminho a ser percorrido, ainda mais quando se trata dos quadrinhos independentes. Uma grande parcela dos artistas nacionais trabalha sem o apoio de uma editora e sem leis de fomento específicas para sua área. Com a popularização da internet, alguns obstáculos começaram a ser superados. A facilidade em divulgar e distribuir histórias em quadrinhos online, por exemplo, contribuiu para a visibilidade dos profissionais independentes, além de estimular a produção de novos autores e estreitar os laços entre eles. No entanto, o mercado de impressos, que continua sendo a principal empregadora dos quadrinhistas, ainda é bastante reduzido. Por causa disso, muitos autores são obrigados a fazer toda a produção da obra e custear todo o processo: da criação
ao lançamento. “Montar uma publicação, pagar a gráfica do próprio bolso e depois ainda ter que distribuir, divulgar e vender é um trabalho duro que não tem nenhum retorno financeiro no começo”, conta André Caliman. Como o cenário independente de quadrinhos cresceu muito mais do que a procura de trabalho das editoras, os quadrinhistas passaram a investir em diversas iniciativas alternativas. A que vem ganhando mais destaque é o Coletivo Quarto Mundo.
Mas o que é o 4º Mundo?
Formado por um grupo atuante de artistas, o Quarto Mundo tem como principais objetivos distribuir, vender, divulgar e trocar experiências sobre a produção nacional de revistas em quadrinhos independentes. O Coletivo, que antes contava informalmente com algumas dezenas de profissionais da área, hoje reúne mais de cem pessoas de diversas cidades do Brasil. Através de uma lista de discussões e representados pelo site [www.4mundo.com], o grupo discute a presença em eventos de quadrinhos, novas ações, bate-papos em
escolas, palestras e, principalmente, procuram maneiras eficientes de viabilizar um mercado nacional de HQs. Durante a fase de implementação, o primeiro passo do Coletivo foi pensar em um sistema de trocas. Como os materiais independentes, em geral, são feitos em tiragens pequenas, dificilmente são aceitos pelas grandes distribuidoras de revistas, o que dificulta uma ampla circulação pelo território nacional. Para driblar as dificuldades, os membros do Quarto Mundo espalhados pelo Brasil trocam revistas entre si - via correio - e as vendem, cada um em sua respectiva cidade. Por meio de consignação, os representantes de cada cidade conseguem colocar estes produtos em bancas e comic shops. Organizar uma distribuição independente e ações de divulgação têm sido os primeiros passos firmes do Coletivo, reconhecido na mídia especializada e por prêmios importantes, como o HQ Mix e o Ângelo Agostini. Segundo Cadu Simões, “nunca antes tivemos tantos quadrinhos brasileiros sendo produzidos e publicados, seja de modo impresso por editoras ou independentes, através da internet,
com uma proporção alta de obras com qualidade acima da média. Isso sem falar na variedade. Há quadrinhos para todos os gostos”. Para André Caliman, os quadrinhos independentes possuem ainda maior liberdade criativa, uma vez que “cada autor, por ser dono de sua revista, publica aquilo que acredita e gosta. Novos estilos e formas narrativas vão surgindo a partir dessa liberdade criativa”. Uma rápida olhada no checklist de revistas do informativo Quarto Mundo revela a diversidade de gêneros: das histórias detalhistas sobre o cotidiano na revista “Nanquim Descartável” às breves narrativas feitas para serem digeridas durante um cafezinho, na publicação “Café Espacial”.
Vivendo de quadrinhos
Como revelam a maioria dos quadrinhistas brasileiros, não é nada fácil ganhar dinheiro com quadrinhos produzidos para o mercado nacional e dificilmente algum profissional se mantém apenas produzindo quadrinhos. Cadu Simões garante que são poucas as revistas distribuídas pelo Quarto Mundo que
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e esgotam suas tiragens. Além disso, o lucro obtido é reempregado pelos autores para impressão e produção de novos trabalhos. De acordo com Leonardo Santana, proprietário da loja online de quadrinhos independentes Bodega do Leo, “o perfil dos compradores ainda é, em sua maioria, de pessoas que fazem quadrinhos. Mas essa é uma regra com várias e cada vez mais exceções”. Além disso, comenta que os gêneros mais consumidos ainda são os de heróis e de ação, apesar de os de terror também terem uma boa vendagem. O coordenador do núcleo de vendas do Quarto Mundo, Leonardo Melo, afirma que demora muito tempo para que uma edição se esgote. Ele exemplifica contando que a sua revista, a “Quadrinhópole”, lançada em outubro de 2006, ainda não está esgotada mesmo possuindo a pequena tiragem de 1000 exemplares. Como comparativo, o quadrinho da “Turma da Mônica Jovem” possui cerca de 400 mil exemplares de tiragem. Em Salvador, o consumo de quadrinhos ainda é pequeno em comparação ao eixo Rio-São Paulo, mas, ainda assim, existe um nicho com gostos bem diferenciados que alimenta o mercado local. Segundo Larissa Martina, proprietária da soteropo-
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litana RV Cultura e Arte, na cidade é possível encontrar “desde aquele leitor que gosta de revistas de super-heróis das bancas, até o cara que quer ter edições gringas de luxo”. Quando o assunto é quadrinho independente, Larissa diz que a procura tem crescido aos poucos na sua loja. “Recebo HQs independentes com uma certa frequência e há um público que, embora seja pequeno, é muito interessado. Quando falamos em títulos nacionais de grandes editoras, como a Conrad e a Devir, a história muda. Títulos como ‘Chibata’ e ‘Estórias Gerais’, por exemplo, são muito procurados na loja”. Isso fica ainda mais claro através dos números. Segundo pesquisa realizada pelo site Guia dos Quadrinhos em 2008, no Brasil há uma grande concentração de títulos nas mãos das grandes editoras. Das 296 editoras do país, 11 possuem 54,48% do total de títulos, e 73,13% das edições.
Vamos sair da gaveta!
A visibilidade dada ao artista que integra o Quarto Mundo é acentuada, como explica o designer e quadrinhista alagoano Marlon Tenório: “Graças ao blog 4Mundo
a uma
rede mais madura de venda de quadrinhos, vejo o meu trabalho chegar a um público diverso e mais abrangente, coisa que seria impossível se agisse sozinho”. Como o Coletivo divulga e arquiva o material já publicado pelos seus membros, ele acredita que haja “um estímulo à produção porque o trabalho não fica dentro de uma gaveta e através da internet ganha alcance, sai do eixo Rio-São Paulo, tornando o produto visível em vários pontos do país”. Apesar da melhoria na distribuição e divulgação dos quadrinhos independentes, Cadu Simões acredita que a consolidação do mercado de quadrinhos nacionais ainda está temporalmente distante, em torno de “vinte anos de trabalho a ser realizado”. Sidney Gusman admite que a iniciativa Quarto Mundo chacoalhou o mercado editorial independente, embora esteja apenas em seus primeiros passos. “Em relação ao mercado como um todo, ainda é uma iniciativa tímida. O que é natural, pois é algo novo”, compara.
Mais fácil que aprender japonês em
Literatura para ouvir: os audiolivros – livros gravados em áudio – vêm conquistando um segmento cada vez maior no mercado editorial brasileiro.
texto Carolina Guimarães e Leonardo Pastor
“Meu primeiro livro em som foi um compilado de histórias infantis em LP de vinil. Escutei um audiolivro antes mesmo de aprender a ler e tenho este disco até hoje guardado na casa dos meus pais”. É assim que o consultor de comunicação Ricardo Meirelles, 28 anos, descreve suas primeiras experiências com os audiolivros, cujo mercado atualmente encontrase em expansão. Se antes os livros para ouvir eram voltados somente para certos segmentos de público, como as crianças ou os deficientes visuais, hoje eles começam a conquistar novos leitores no Brasil, com o surgimento de editoras especializadas e novos títulos. Nos Estados Unidos, o mercado de audiolivros já é bastante desenvolvido, representando 9% dos lucros das editoras e movimentando cerca de US$ 1 bilhão por ano. Foi este sucesso que motivou segmentos editoriais brasileiros a investir nessa área. Passou-se a ampliar o alcance das narrativas faladas, cultivando uma simpatia crescente dos leitores que, antes, consumiam apenas livros impressos. De acordo com a pesquisa “Retratos
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Primeiras vozes
Em meio ao caótico trânsito paulistano, Marco Giroto, hoje proprietário da Audiolivro Editora, pensava em uma forma de aproveitar melhor o tempo gasto durante o trajeto de carro de sua casa até o local de trabalho. “Eu trabalhava em Barueri (grande São Paulo) e gastava duas horas para ir ao trabalho e duas para voltar”. Teve a ideia de se lançar em um mercado ainda inexistente no Brasil: o de livros em áudio. Atualmente, sua empresa é uma das maiores no segmento, abrangendo obras que variam de edições de best-sellers como “Marley e Eu” a contos de Tchekhov. As principais vendas, claro, concentram-se nos livros já populares no mercado de livros impressos. Foi a Audiolivro Editora, inclusive, a responsável pela inauguração da primeira livraria do país especializada em livros para ouvir. A loja está localizada em São Paulo e oferece ao leitor a possibilidade de adquirir tanto o audiolivro em CD
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quanto em formato MP3. O leitor pode levar seu iPod, por exemplo, e transferir o arquivo de áudio por um preço menor. O surgimento, logo em seguida, de outras editoras no ramo acabou por favorecer uma maior disseminação do formato de livro em áudio. É o que diz Paulo Lago, diretor da Editora Nossa Cultura: “O mercado está crescendo com o aumento do número de editoras especializadas, o que favorece o surgimento de novos títulos e a divulgação do formato entre o público em geral”. A crescente popularidade dos audiolivros levou algumas editoras de livros impressos a investir nesse mercado em ascensão. A Plugme, pertencente ao grupo Ediouro, surgiu apenas em setembro de 2008 e já conta com uma grande variedade de títulos publicados. Patrick Osinski, responsável pela editora, mostra-se ainda mais otimista este ano. Segundo ele, o mercado de audiolivros no Brasil está crescendo de maneira espetacular. Um dos motivos seria a praticidade que o audiolivro oferece, podendo ser armazenado em diferentes mídias. É possível, por exemplo, pagar para fazer o download de um arquivo de áudio, em formato MP3, e transportá-lo para um tocador de MP3 portátil, como o iPod, ou, ainda, para um aparelho celular e ouvi-lo em qualquer ambiente. Outro fator importante para o aumento da popularidade dos audiolivros é a Internet. Para Marco Giroto, a rede é hoje um dos principais canais que auxiliam as pessoas a conhecer os audiolivros. “Sem a internet poderíamos estar bem atrasados no que diz respeito ao conhecimento do produto em todo o Brasil e também em Portugal que está começando agora e é
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É melhor ler um livro antes de dormir. É mais fácil ouví-lo, se estiver no carro indo para o trabalho
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de Leitura no Brasil” de 2008, realizada pelo Instituto Pró-Livro, 2,9 milhões de brasileiros consomem livros em formato de áudio. Apesar do número crescente, a porcentagem desse tipo de leitor ainda representa apenas 3% do total, sendo muito inferior ao dos livros convencionais (50%) e se colocando na frente, apenas, dos livros em Braille (0,2%). Por outro lado, ao se analisar o tempo dedicado por semana para quem lê cada suporte, o livro em áudio aparece em terceiro lugar, com uma média de 2 horas e 11 minutos. Nesse quesito, perde apenas para textos na internet (2 horas e 24 minutos) e livros recomendados pela escola (2 horas e 12 minutos).
Ricardo Meireles - consultor de comunicação
um forte comprador de audiolivros brasileiros”, diz ele. Já no caso da editora Nossa Cultura, o principal meio de venda ainda é a livraria, apesar dos investimentos terem aumentado para a loja online, o que fez as vendas crescerem 30% desde 2008.
Novas sensações
Ana Maria Oliveira, 49 anos, professora universitária da área de literatura, começou a ouvir audiolivros após comprar algumas edições para sua mãe, deficiente visual. De início – e ainda hoje, em certos aspectos –, tinha dificuldade para reconhecer detalhes da construção do texto literário, visíveis apenas na versão escrita. “No meu caso, sinto falta do livro em papel. Leio mais livros em papel do que audiolivros. Acho que nossa percepção visual de um texto é mais familiar que a percepção auditiva”, explica. Ainda assim, fala que muitas pessoas têm resistência aos livros em áudio justamente por não conhecê-los. Há, de fato, pouco conhecimento em relação às potencialidades dos audiolivros. Para Marco Giroto, as livrarias devem ter um papel importante na popularização dos livros em áudio: “Por ser um produto novo, que poucas pessoas conhecem, as livrarias deveriam dar uma atenção maior aos audiolivros”. Segundo Ricardo Meireles, uma das vantagens do audiolivro refere-se à capacidade de fácil deslocamento, já que não se mostra necessário carregar pesados livros de papel. Os dois tipos, na verdade, adequam-se a situações diferentes. “É melhor ler um livro antes de dormir. É mais fácil ouvi-lo se estiver no carro indo para o trabalho”, diz. Inclusive, ele não acredita na substituição dos livros escritos pelos de áudio. “Da mesma forma que ouço entrevistas em podcast e não deixo de ler outras escritas nas revistas, leio alguns tipos de livro e ouço outros”, reitera. Os audioli-
vros, na verdade, proporcionariam sensações diversas daquelas experimentadas pelos livros convencionais. “São mídias diferentes”, diz Ricardo. Paulo Lago explica de forma semelhante: “A sensação de ouvir um livro é diferente de ler, mas é igualmente encantadora, já que permite ao leitor-ouvinte usar sua imaginação para viajar na história”. Exatamente por se apresentar como uma nova forma de lidar com a narrativa, os audiolivros costumam agradar aos autores. O músico e escritor baiano Ricardo Cury, por exemplo, diz interessar-se por publicar um livro em áudio, incluindo sons e efeitos sonoros para complementar o enredo. Dessa forma, o próprio autor poderia criar intervenções sonoras capazes de produzir efeitos difíceis de serem transmitidos pela escrita. Outro fator importante é uma maior aproximação com o leitor, no caso de livros em áudio gravados pelo próprio autor. Segundo Paulo Lago, essa é uma forma de enriquecer o formato. Dá-se, assim, a chance do escritor representar, com sua voz, a história que criou. Um exemplo muito popular é o do livro “Perdas e Ganhos” de Lya Luft, gravado pela própria autora. Marco Giroto diz ser possível esse tipo de gravação desde que o autor possua disponibilidade e uma boa dicção. Os leitores, em geral, empolgam-se ao perceber que estão ouvindo um livro com a voz da pessoa responsável pela construção da história. “Imagine um audiolivro de Kafka narrado por ele mesmo!”, brinca Ricardo Cury. Assim, o investimento na gravação de livros já populares em formato impresso, e as facilidades trazidas pela internet e tocadores de MP3 ajudam os audiolivros a ganhar um espaço cada vez mais expressivo no mercado brasileiro. E os leitoresouvintes podem experimentar aquela sensação esquecida, talvez, desde a infância: fechar os olhos e ouvir uma boa história.
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SEXin the CITY texto João Araújo e Nelson Oliveira
O fenômeno das publicidades de motéis em Salvador
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outdoors são revelado‘ ‘Os res de um traço de nossa
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sociedade e sexualidade, e, portanto, de sua cultura
Pedrinho da Rocha, publicitário
Bolas de futebol em formato de coração perto do Estádio de Pituaçu. Ampulhetas simulando um corpo feminino em Brotas. Limões semelhantes a seios em Itapuã. O que essas imagens têm em comum para além da associação de objetos a partes de seres humanos? Todas elas ilustram outdoors publicitários de motéis de Salvador. Para alguns, sofisticadas publicidades de produtos para os quais não se espera nada além do vulgar. Para outros, um meio de satisfazer um voyeurismo machista. O fato é que não há dados que comprovem se essas publicidades funcionam ou não. Ao menos funcionaram para Marcos Araújo, torcedor do Bahia. Incentivado por uma promoção do Decameron, divulgada em outdoors, que cedia estacionamento para clientes que fossem assistir a jogos no Estádio de Pituaçu, ele guardou seu automóvel no motel durante todo o campeonato baiano. “Pra mim era ótimo. Eu deixava o carro lá, não tinha problema com segurança ou estacionamento, via meu jogo e depois ia comemorar ou chorar as mágoas com minha namorada no motel”, diz Marcos. Com o aparente crescimento do mer-
cado moteleiro, as publicidades estão espalhadas por diversos pontos da cidade, passando a ser mais visíveis em seu conjunto. É interessante perceber que esses anúncios são graficamente bem realizados, embora alguns profissionais achem que esse ramo da publicidade ainda não está consolidado. Para o designer Alceu Neto, que teve recentemente uma peça encomendada para um motel da cidade, “na Bahia não existe um mercado estruturado para esse tipo de anúncio: a maioria dos empresários cresceu na unha, e poucos investem em marketing de verdade e publicidade”. No entanto, existem alguns publicitários que têm certa experiência neste setor, como Pedrinho da Rocha, que embora não viva apenas de publicidade de motéis, trabalha com essa demanda há dez anos, e já recebeu dois prêmios por outdoors para este segmento. Para ele, as campanhas ganham visibilidade porque refletem um traço de nossa cultura, e, por isso, são anunciadas como as de qualquer outro produto, sem causar estranhamento aos transeuntes. “Os outdoors são reveladores de um traço de nossas sociedade e
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sexualidade, e, portanto, de sua cultura. Por isso a maior parcela das pessoas reage com naturalidade às peças.”
Abaixo do nível do (a)mar
Se, para Pedrinho da Rocha, os outdoors se misturam às outras paisagens da cidade e à confusão de carros e pessoas sem causar estranheza, há aqueles que consideram que este tipo de publicidade pode ser invasiva. O publicitário e analista de mercado Leonardo Araújo é um dos que sustentam essa opinião. Há dois anos, em seu blog [www.leonaraujo.com], ele já criticava o “baixo nível” das peças publicitárias do segmento de motéis de Salvador. Desde aquela época ele comentava algumas peças, por “remeterem grosseiramente a corpos femininos para impactarem um maior número de pessoas”. Ele usava como exemplo duas peças. A primeira associava zonas erógenas do corpo a frutas, enquanto a outra, que trazia a imagem do tronco de uma mulher, falava sobre “desvendar os mistérios da Mata Atlântica”, numa clara alusão a pelos pubianos. “Para muita gente este tipo de publicidade pode ser ofensiva. Não vi, nestes últimos dois anos, uma evolução nas propagandas para motéis. O volume de boas propagandas ainda é muito pequeno”, ele afirma. Leonardo ainda enfatiza que a exaltação do corpo feminino na propaganda pode fazer da mulher um objeto, o que
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– se já foi um machismo comum no passado – hoje é totalmente inaceitável. “A exaltação do feminino não pode romper a barreira ética e explorar a sexualidade na busca dos objetivos”. Pedrinho da Rocha, no entanto, acredita que suas criações evitam o chauvinismo. “Penso em tornar o produto desejável pelas mulheres. São elas que influenciam a decisão dos homens nessa hora, mesmo que não digam nada. O ‘cara' sempre vai querer dar o melhor para elas”, conclui. O designer Alceu Neto também acha que as publicidades são voltadas para os homens. De acordo com seu pensamento, tudo funciona de uma maneira muito reducionista. “Não conheço nenhum dono de motel que não seja homem, e, por mais que as mulheres sejam liberais, ainda são mulheres. Por isso a maioria das peças é voltada para os homens”, ele defende. Aline Nascimento, estudante de psicologia, acharia a opinião de Neto machista e vê no fato de grande parte das peças serem voltadas para os homens um aspecto nocivo: “Como mulher, me sinto ofendida por essas publicidades. Eles [os publicitários] não entendem nada de sexualidade feminina. Se pensassem nas mulheres, não apelariam para o corpo feminino como objeto”.
Wet ‘n Wild
Observando o crescente filão das publicidades para motéis em Salvador, o
publicitário soteropolitano Paulo Diniz criou o concurso “Dia do Sexo Selvagem” no fórum Hangar Network, que tem usuários de todo o Brasil. No fórum, que conta com mais de 33.300 membros, há uma seção específica para discussões de design, onde é comum a criação de pequenos concursos de edição de imagens. O desafio “Dia do Sexo Selvagem” foi audacioso, porque previa a criação de uma campanha inteira para um grande motel da cidade, em cima de uma data obviamente inexistente, e não apenas a edição de um outdoor. “Sexo é um tema atraente para qualquer um e bastante rico em possibilidades de criação. Imaginei que seria mais fácil a adesão ao concurso se o tema fosse este. Além disso, usando um motivo como o ‘Dia do sexo selvagem' poderíamos ter, em minha opinião, um material divertido e com potencial de bom resultado para os participantes e espectadores”, afirma o publicitário. Por conta da complexidade do trabalho, no entanto, o concurso foi cancelado prematuramente, mas a própria iniciativa de Paulo Diniz aponta para uma crescente visibilidade do fenômeno na cidade, pelo menos entre os publicitários. Este é um mercado que vem se estruturando e já conta com profissionais que trabalham há anos na área. Quanto a qualquer polêmica que possam causar, Diniz afirma: “alguns anúncios são muito bacanas e alguns outros exageram e soam grosseiros”.
Cultura do Desencanto
O caminho do bem: leia logo, saiba logo. O caminho do bem: está na hora, é agora
texto Caio Sá Telles e Nelson Oliveira
Na biografia de Tim Maia, escrita por Nelson Motta, produtor musical e seu amigo íntimo, o período no qual o cantor esteve ligado à Cultura Racional não recebe grandes atenções, mesmo sendo reconhecido como uma das mais produtivas fases do músico. Tim também nunca gostou de falar no assunto e até ordenou que os dois discos racionais que gravou fossem retirados das lojas. Desde então, seus adeptos ficaram conhecidos por serem apenas malucos que só se vestiam de branco e que acreditavam em seres extraterrestres. Foi para desvendar a Cultura Racional além das concepções de um magoado
Tim Maia e de um site oficial dogmático que, numa tarde quente de quarta, driblamos os camelôs do Centro de Salvador para chegarmos à Livraria Racional. O espaço, localizado no quinto andar de um prédio envelhecido no largo do Relógio de São Pedro, é alugado e custeado por doações dos estudantes da Cultura. Fomos recebidos por Jandoval Conceição, que faz o trabalho de cuidar da livraria voluntariamente. Logo na chegada, ele advertiu: “Espera o Jorge chegar, que ele fala com vocês. Leio e releio os livros há 25 anos, tentando entender, mas ele sabe ainda mais”. Toda a concentração em ler e reler dos livros tem uma explicação:
para os racionais, a verdade absoluta se encontra tão somente nos 1006 livros escritos pelo carioca Manoel Jacintho Coelho (MJC), criador da Cultura e conhecido como o Racional Superior. Quanto mais se lê, mais se entende. É por isso que quem falou com a Fraude foi Jorge Luís Silva, bancário, 36 anos de estudo da obra de Seu Manoel. Ele foi nos encontrar em horário comercial, fazendo jus ao “dever de fazer propaganda deste conhecimento”. “Quando o trabalho é para a Fase Racional, a gente faz um esforcinho”, justifica. O estudante explica que a Cultura Racional foi fundada em 1935, quando seres do Astral Superior,
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Eu tive que subir lá no alto para ver Energia Racional
Depois de envolvimento com drogas e uma passagem de 15 anos pela Igreja Batista, Jorge Luís diz que sua vida mudou completamente após deixar para trás o que chama de falseamento da verdade. “Só conquistei a paz e a harmonia lendo o Livro Universo em Desencanto. E tem que ler e reler”. Para os seguidores da Cultura, templos religiosos são vistos como artifícios, distantes de qualquer naturalidade e, por isso, de uma verdadeira adoração a Deus. Porém, os organismos da Cultura são permeados por uma organização extremamente rígida e hierárquica. Antes de morrer, em 1991, quem dava a última palavra sobre tudo era MJC, por ter o raciocínio mais desenvolvido que todos os outros. Agora, a organização é presidida por Atna Jacintho Coelho, sua herdeira. A Varanda, como é conhecida a administração central, controla todos os núcleos racionais e todos os lucros obtidos com a venda de livros, discos ou qualquer outro produto racional. Ela se localiza no Re-
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tiro Racional, fazenda situada em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, considerada uma espécie de Shangri-lá racional. Os custos do Retiro são financiados pelas vendas dos produtos racionais. A alimentação de seus moradores é produzida lá mesmo, através de criação de animais, cultivo de hortas e da panificadora comunitária. Jorge, pensando em seu bem estar, comprou um apartamento por lá, para abrigá-lo em sua viagem anual. Durante o restante do ano, o cômodo é ocupado por internos do Retiro. Para frequentálo, é necessário dar à TEFA (Tenda Espírita Francisco de Assis) uma contribuição mensal de sete reais. “Quando a pessoa vê a seriedade da coisa, a naturalidade, a paz e a harmonia que tem lá, ela não quer voltar mais”, atesta Jorge. Fernando Corisco, vocalista do Bando Virado No Móhi de Coentro, também já foi estudante e viveu no Retiro. Antes de se afastar da Cultura, “por circunstâncias da vida”, também gostava muito de lá. “Tive a oportunidade de conviver no Retiro Racional e presenciei coisas estranhas e belas. Isso me marcou”, afirma o forrozeiro. No entanto, nem todos têm a mesma opinião sobre o que acontece no Retiro Racional. Carlos Senna, Fernando Martines e Rafael Cabral, estudantes de jornalismo da Faculdade Cásper Líbero, de São Paulo, fingiram serem estudantes iniciantes para escrever uma matéria. Eles se infiltraram e passaram um mês participando de todos os seus eventos, além de uma viagem de três dias para o Retiro Racional. “Lá funciona uma coisa meio Alemanha hitlerista. Uma devoção cega, xiita mesmo, tudo altamente hierarquizado”, opina Rafael. Dentro da própria Cultura também há discordâncias e cisões. A administração racional avisa veementemente em seu site: “não temos núcleos ou filiais de espécie algum”. Porém, em Salvador, apenas a livraria que fica no largo do Relógio
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Só conquistei a paz e a harmonia lendo o Livro Universo em Desencanto. Tem que ler e reler
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plano espiritual onde viveriam seres mais evoluídos, entraram em contato com o Racional Superior. Para que se retorne a este plano, é fundamental que se desenvolva o raciocínio, dom dos seres humanos, até que seja alcançada a Imunização Racional. O mapa do Brasil inscrito nas camisas brancas, que são características dos estudantes da Cultura, reforça que ela é uma manifestação restrita a nosso país. Seus seguidores acreditam que tudo pode ser explicado pelo que MJC escreveu: “o próprio Retiro Racional teria sido previsto por Nostradamus e pela Bíblia”. Jorge Luís afirma também que a Imunização Racional protege de doenças: “quem não estuda a Cultura Racional é suscetível a pegar doenças como AIDS e influenza A”.
Jorgue Luís, maestro da banda União
de São Pedro está registrada junto à administração central da Cultura. Outro grupo, que se reúne a dois quarteirões dali, no Largo Dois de Julho, não é reconhecido pela TEFA. Segundo Jorge, o outro grupo não procede de acordo com o que diz MJC. “Avisamos a eles que o que eles fazem não está dentro da nossa ética, mas eles insistem em dizer que há outro racional evoluído, um tal João Andrade de Souza, de Cuiabá. Não gosto nem de falar desse assunto”, desconversa. Edson Bonfim, coordenador da biblioteca racional dos dissidentes, rebate as acusações de Jorge e afirma que MJC havia previsto, no livro 301, que um estudante desenvolveria o raciocínio a níveis elevadíssimos. “Não é só porque Atna é filha do Racional Superior que também tem o raciocínio desenvolvido e não precisa ler os livros. Se tivesse lido, saberia o que seu pai havia escrito. Ela precisa entender que a Cultura Racional é um bem da humanidade e não propriedade privada”, denuncia. Também há divergência quanto às práticas racionais. Os “oficiais” não se vestem de branco o tempo todo, mas gostam de roupas claras, aceitam o consumo de álcool e tabaco de forma moderada, enquanto o grupo do Dois de Julho só usa roupas brancas e rejeita o álcool e o fumo. Os dissidentes também não pagam mensalidades e até criaram mais uma banda, a Banda da Cultura Racional. Edson também afirma que eles leem os livros na ordem, diferentemente do outro grupo. Metafórico, comemora sua nova fase: “Antes, eu só andava com o livro debaixo do braço, feito desodorante. Hoje, não”.
Artes racionais
Desde Tim Maia, a Cultura Racional sempre foi muito ligada à produção de músicas. Atualmente, todo estudante que também é músico faz parte da big
band União Racional, composta por mais de mil membros espalhados pelo país. Jorge é um dos maestros do setor baiano, que costuma desfilar em datas cívicas. Segundo ele, a sua indicação aconteceu por uma inusitada ordem do próprio MJC. “Eu tinha sugerido a criação da banda, mas não tinha experiência. Por isso a coordenadora regional da CR não queria que eu fosse o maestro. Daí, quando ela foi a Belford Roxo com os dois candidatos à vaga para consultar seu Manoel, ele disse ‘escolhe o Jorge`. Ele nem sabia quem eu era, mas me indicou. Isso só foi possível porque ele está em todos os lugares”, afirma. Fernando Corisco também já fez parte da banda União. Segundo ele, foi um período muito fértil da sua vida. “Era uma coisa boa e as pessoas envolvidas eram bastante agradáveis e inteligentes”, lembra. Atualmente, a banda ensaia todos os sábados na escola pública Góes Calmon, em Brotas, através de parcerias feitas com os órgãos do governo. O repertório é marcado por composições instrumentais próprias. Como as músicas não têm letras, a divulgação da Cultura Racional se dá através da caracterização dos membros, uniformizados com as camisas do mapa, e de bandeiras com os dizeres “Leia o Livro Universo em Desencanto”. Qualquer lucro obtido pela banda, com apresentações ou direitos autorais das músicas, também vai para o Retiro Racional. Para Jorge, Tim Maia resolveu deixar a Cultura a partir do momento em que passou a divergir com a administração do Retiro e querer lucrar com seus discos racionais. Contudo, para mostrar que não tem rancor de Tim Maia, Jorge Luís sacou seu celular do bolso e colocou para tocar a raríssima “Escrituração Racional”. “Por mais que Tim tenha falado mal da Cultura, ele nos divulgou. Os curiosos vão pesquisar e ver que não é nada disso
que ele falou. Quem faz como ele nem sabe que está, na verdade, ajudando a nos divulgar”, interpreta.
As proezas do raciocínio desenvolvido
Não há dúvidas entre os estudantes da Cultura Racional de que seu Manoel era um ser único no Universo. Jorge mesmo afirma que sentia coisas inexplicáveis quando chegava perto dele. O maestro conta que, certa feita, a banda ia desfilar, mas chovia granizo. Seu Manoel incentivava: “Podem ir!”, mas ninguém se movia. Então, com um gesto de mãos, MJC teria clareado o céu para que a banda Racional pudesse ir às ruas, cumprir o dever de divulgar este conhecimento. Fernando Corisco também testou os poderes do Racional Superior. A mais de 100 metros de distância, perguntou baixinho: “O senhor é representante de Deus na Terra?”. Segundo Jorge, ele acenou afirmativamente com a cabeça, deixando todos os presentes emocionadíssimos. Jorge afirmou ainda que já vivenciou outras “comprovações” do poder dos seres do Astral Superior, como doenças curadas por feixes de luzes. Ele afirma que, em uma época que estava com problemas estomacais e nas articulações do joelho, dormiu com um dos livros debaixo de seu travesseiro. No dia seguinte, seu sobrinho lhe confidenciara ter visto um feixe de luz envolvendo seu corpo e Jorge não mais sentia dores. Ele afirma que seres racionais apareceram em forma de feixes de luz, enquanto estudavam o Livro. Para quem acreditava que os seres do Astral Superior eram extraterrestres, Jorge dissipa especulações: o uso das naves espaciais no imaginário da Cultura é apenas alegórico. “Os seres racionais são bolas de luzes e a gente só usa a figura das naves espaciais para chamar a atenção”, explica.
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Acarajé só com salada
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texto Paula Janay
— Baiana, o vatapá leva camarão? — Com camarão é R$ 4,50, sem camarão é R$ 3,00. — Não, eu perguntei se o vatapá leva camarão. — Ah, minha filha, tudo leva camarão. Vatapá, caruru, abará. Só a massa do acarajé que não leva. Ao saber disso, meus dias de típica baiana estavam condenados. Como conviver com o dilema quase existencial de ser baiana e vegetariana? Comer ou não comer o vatapá, tão tradicional no acarajé de cada dia, tão essencial na Semana Santa, tão substancial para uma existência completa, tão... Exageros à parte, não é fácil ser vegetariana e baiana ao mesmo tempo. Há quem consiga, esses são os nobres sofredores que se esqueceram dos prazeres da juventude e abdicaram da vida das moquecas, carurus, vatapás e todas as delícias que podem surgir em uma cidade litorânea. Não é fácil ser baiana, vegetariana e, além disso, gostar muito de acarajé. É preciso resistir, diariamente, ao cheirinho de dendê, ao caldinho da moqueca, àqueles aparentemente inocentes pedacinhos de quiabo, misturados diabolicamente com camarão triturado. Mas o que os olhos não veem a consci-
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ência vegan não sente? Não dá para não pensar nos coitadinhos dos camarõezinhos que passaram por um doloroso processo até chegar à banca das baianas de acarajé: pesca, morte, salga, decapitação, defumação, trituramento, afogamento póstumo em dendê incandescente. Já me acusava um amigo: você come justamente os animaizinhos que passaram pelo processo mais doloroso de morte. Um companheiro da causa vegetariana me deu a dica certa vez. Lá na Lapa tem um restaurante vegetariano que às sextas-feiras serve comida baiana. Delícia. Pensei que todos os meus problemas alimentícios e éticos estavam resolvidos. Oh, deveria ser o céu! Todos os quitutes baianos, sem a parte chata dos camarõezinhos, sem a marca da morte de inocentes criaturinhas marítimas, pensei eu. Mas nada é perfeito! Nada de acarajé, nada, nem um bolinho sequer. O acarajé mais próximo dali eram os vendidos na avenida Sete, que custam só um real, com refrigerante incluso. O restaurante tinha um conceito diferente do meu sobre o que é comida baiana. Conceito tão estranho que, para eles, comida baiana é abobrinha com pimenta e feijão com banana. Aí já é demais, eu tenho os meus princípios. Não há escapatória, para matar a saudade da baianidade, da próxima vez, a baiana do acarajé vai sentir a tristeza em minha voz, ao ouvir: — Me vê um, só com salada!
Meu nome é Gal e desejo me corresponder com um rapaz que seja o tal Em tempos de redes sociais e conversas instantâneas na internet, há quem ainda prefira as mensagens escritas em papel e recebidas por correio
texto Jéssica Passos e Paula Janay
“Torço para que esta carta te encontre em paz, com saúde, alegria, amor, tanto a você quantos aos seus. Bom, como essa é a primeira carta, falarei de forma ampla sobre mim para que você me conheça.” É assim que Sumara Santos, 39, que mora em Anápolis, Goiás, começa a sua apresentação, escrita em um típico papel de carta: perfumado, lilás, decorado com flores e corações. Com caneta de tinta preta, ela nos conta sobre sua vida, sua filha e sobre sua recente separação do marido, que provocou a mudança de cidade e a troca de emprego. Ao se apresentar, nos diz como aqueles que se correspondem através de cartas entram em contato com seus novos correspondentes, desconheci-
dos, mas que segundo Sumara, tornam-se seus novos amigos. Sumara é amante de cartas e começou a se corresponder aos oito anos com uma tia de quem gostava muito, mas que morava em uma cidade diferente da sua. Apesar do início não ter sido bem sucedido — suas cartas de criança não eram respondidas —, Sumara agora se corresponde com várias pessoas diferentes, com idades entre 15 e 65 anos. Mas quem são essas pessoas que ainda mantém o hábito de se corresponder por cartas? E o que as motiva a utilizar um meio de comunicação tão lento e que demanda tanto tempo? O que leva alguém a sair do conforto de sua casa e ir até o
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correio enviar cartas para quem não conhece? João Machado Neto, 21, biólogo, começou a trocar cartas com outros colecionadores de cartões; Denis Gonçalves, 39, funcionário público, através de anúncios publicados na revista Correio Astral, do João Bidu, famoso editor de revistas de horóscopo, achou a ideia da correspondência por cartas muito interessante e atualmente se corresponde com 50 desconhecidos. Isabella Soares, 15, estudante, é vocalista de uma banda e entre as atividades da escola e os shows, acha tempo para falar da sua vida através das cartas. O que há de comum e o que une essas pessoas é a vontade de compartilhar experiências, acreditando que há mais beleza em palavras escritas à mão. “Só quem recebe cartas entende isso, mas o fato de ter em suas mãos uma carta que foi feita para você, na qual a pessoa te dedicou minutos, faz do momento em que você pega a carta e se demora a abri-la uma emoção indescritível”, comenta Sumara. O tempo nas cartas também é diferente do tempo das conversações diárias, das trocas de emails, dos programas de mensagens instantâneas. “Na troca de cartas a interatividade não existe em tempo real, então você pode falar à vontade sem ser interrompido”, aponta Denis Gonçalves. Ele se mostra fascinado pelo que chama de uma interessante e estranha viagem no tempo: o que está escrito nas cartas é ao mesmo tempo novo e antigo. Novidade, para quem lê, e passado para quem escreveu. Descartando ou ignorando a possibilidade de conversar através de mensagens
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instantâneas e receber as respostas imediatamente, em tempo real, os amantes das cartas preferem o hiato entre o momento em que escrevem e aquele no qual sua carta é recebida.
Dos classificados de papel aos blogs
Quem se interessa em trocar cartas pode encontrar pessoas para se corresponder nos tradicionais anúncios em revistas e jornais. Neles, as pessoas disponibilizam seu endereço e manifestam suas preferências para essa correspondência – por exemplo, a idade da pessoa com quem se deseja corresponder, o objetivo, se é para fazer amizades ou para procurar um relacionamento amoroso ou, simplesmente, trocar materiais colecionáveis. Porém, atualmente, um dos modos mais utilizados de encontrar pessoas para trocar cartas é a internet. As redes sociais são úteis para o contato inicial. A maior comunidade sobre cartas do Orkut tem aproximadamente 25.000 pessoas. “Eu normalmente ‘fuço' o perfil do Orkut dos meus correspondentes antes de ‘conhecêlos'. Procuro pessoas com a mesma idade porque fica mais fácil de ter assuntos em comum”, conta Isabella. Além de encontrar endereços de pessoas desconhecidas em redes sociais, os amantes de cartas encontram outros correspondentes através de Decos e FB’s (Friendship Books). Decos e FBs são pequenos livros em que as pessoas anotam seus endereços, como em uma lista de classificados. Ao receber um Deco ou FB,
a pessoa escreve o seu endereço e passa para outro usuário, que também o passa para outra pessoa, e assim sucessivamente, até o preenchimento total do caderno, quando este deve retornar ao seu dono. Dependendo do tamanho, e da quantidade de folhas, um FB pode demorar meses ou até anos para retornar ao seu proprietário. Elisângela Martins, 30, tem um “FB” virtual. O Trocando Cartas [www.trocasdecartas.blogspot.com] têm anúncios e endereços de pessoas dos mais diferentes estados brasileiros. O amor de Elisângela por cartas a fez criar um blog para reunir endereços de pessoas que gostariam de se corresponder ou que já se correspondem, mas que desejam ampliar os seus contatos. “Queria expor na internet algo que fizesse os jovens de hoje escreverem. Eu queria mostrar, também, que é bem mais gostoso receber e escrever cartas do que mandar emails. É como voltar ao tempo dos nossos pais e avós”, explica Elisângela, a orgulhosa moderadora deste que é um dos maiores blogs desse segmento no Brasil. Os correspondentes de cartas não são avessos à tecnologia, mas saudosos e entusiastas de um tipo diferente de conversação. O desejo da maioria dessas pessoas é conhecer outras, dos mais diferentes tipos, fazer contatos, amigos, compartilhar a sua vida. Das mensagens instantâneas ao papel colorido e perfumado, o objetivo é o mesmo: construir uma interface entre dois desconhecidos.
Uma pessoa de Uma entrevista com o artista minusbaby
texto João Araújo e Nelson Oliveira
Ele cresceu no Lower East Side de Manhattan dos anos 80 e hoje faz músicas de influência tropicalista com tons dos videogames de 8bit. Em artes visuais, trabalha com pixel art, trocando os motivos tradicionais dos videogames e alta tecnologia por figuras do cotidiano urbano. Morou na Inglaterra, em Portugal, na Espanha, em Porto Rico e no Brasil. E faz parte de um coletivo que produz eventos internacionais de música e é bastante ativo no ciberespaço. Fraude conheceu @minusbaby no Twitter e agora o traz para o meio impresso.
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Fraude: Por que e desde quando minusbaby? minusbaby: Eu era conhecido em 1998 como “SYS 64738” — meu comando favorito do antigo modelo de computador Commodore 64 — e então me toquei que era um nome muito nerd, então eu disse algo que acabou pegando. Eu trabalhava como tatuador no fim dos anos 90 e passava um tempo no estúdio tentando entender o modo como as curvas do corpo se relacionam com a tinta. Eu nem sei exatamente porquê, mas os clientes perguntavam “Você é casado? Tem filho?” Cansado de responder, eu encurtei a resposta para “Sim, menos filho” (I am, minus baby). Isso os confundia durante um tempo, mas fez com que parassem de perguntar da minha vida. Há outro significado para o pseudônimo, que eu aos poucos parei de contar. Talvez na próxima eu conte. F: Então vamos começar a falar do seu trabalho… O que é o 8bitpeoples? m: 8bitpeoples é um coletivo de artistas com um objetivo claro: nunca morrer. Nós tentamos atingir essa meta lançando peças de arte originais e bons álbuns de chiptune music, música influenciada pelos games, ou produzindo um evento in-
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ternacional de chip music, o Blip Festival, com o que há de mais novo em software e hardware. Alguns artistas já roubaram de nós. Eles falharam em perceber que vão morrer e nós não. Eles são a piada e eu sou imortal desde 2001. F: Como definiria a estética “8bit”? m: É um termo guarda-chuva para descrever imagens que são, emulam ou foram inspiradas por consoles de videogame, arcade e imagens bitmap. Em outras palavras, gráficos de videogames antigos. F: Você jogava muito videogame na infância? Qual o seu console preferido? m: Eu cresci numa época em que consoles portáteis começaram a ficar mais interessantes e divertidos – o fim dos anos 80 e início dos 90. Eu tive sorte de morar perto de uma locadora de videogame que também alugava os consoles. Era no bairro Lower East Side, de Manhattan, imagine. As coisas eram barra pesada por lá, então jogar videogame a noite toda até chegar ao último chefão era uma forma de escapismo. Se eu não conseguisse zerar antes de dormir, eu pausava e continuava depois da escola. Tudo acabou no ginásio, com as crises de Mortal Kombat 3 e Tekken 2. Depois de passar anos igno-
rando a maioria dos videogames, eu estou ansioso para jogar “Fez”, da corporação Fez. F: Como você descreveria seu trabalho? Há muitas referências aos games? m: Meses atrás em uma entrevista para a revista 8bit Today, eu consegui descrever meu trabalho sucintamente. Então, vou dizer a mesma coisa: “uma prática no primitivismo, mas principalmente um golpe na tentativa de continuar várias tradições de uma vez só”. É fácil cair nas armadilhas da pixel art: referências de videogames, cores brilhantes e imagens esotéricas só entendidas por jogadores, então eu tento algo um tanto (a bit) diferente. Ultimamente meu trabalho tem sido altamente baseado em fontes ou ilustrações. F: O que diria ao público da Fraude sobre pixel art? m: Pixel art é um tipo de arte digital feita com computadores e criada pixel a pixel e sem usar subterfúgios baseados em softwares para melhorar sua qualidade, como o anti-aliasing. Sua base é uma linha simples com limites facilmente discerníveis. Ela é, de muitas formas, a mídia dos sonhos de um maníaco por controle, porque tudo é controlado e comandado pelo próprio ilustrador.
F: E sobre a chiptune music e a relação do gênero com os videogames? m: No início dos anos oitenta, quando as placas de som começaram a ficar sofisticadas o bastante para emular mais que um som de “plonk” de vez em quando, os videogames passaram a ter trilhas sonoras, então músicos foram contratados para escrever as músicas. Como esperado, alguns deles começaram a compor músicas para além dos jogos e assim começou a chip music. Essa é a versão simplificada. Anders Carlsson, ou GOTO80, descreveu chiptune e chip music perfeitamente no seu blog, o [http://chipflip.wordpress. com]. Então, por favor, visitem-no ao invés de me darem ouvidos, porque eu sou canhoto e estou sub-cafeinado. F: Artes visuais ou música, o que veio primeiro? m: Bem, trabalho com artes visuais desde criança. Um desenho do qual eu lembro especialmente é um de pombos engraçados perto de uma lata de sementes. Eu tinha quatro anos. Quanto à música, eu comecei minha fase atual mais ou menos em 1997, com um conjunto de fitas de quatro faixas, um sampleador simples, que é uma máquina barata para mani-
pular as músicas, centenas de discos e brinquedos de criança. Em 1999, eu notei que aqueles experimentos musicais começaram a soar como as músicas que um monte de gente disponibilizava no Scene. org (nota: scene.org é o maior repositório de músicas demo online). Então eu decidi tentar algo diferente. Baixei, usando uma conexão de internet roubada, uma cópia da GoatTracker, uma plataforma de produção de música para o Commodore 64, e incorporei seus triângulos e quadrados no que eu já vinha fazendo. Algumas das melhores músicas foram parar na coletânea Micro_Superstarz_2000 da Micromusic.net. Meus primeiros trabalhos para o 8bitpeoples, “Monkey Patch”, e “Strong Arctic Winds Take Terns”, curiosamente foram lançados pela Rappers I Know Records. E eu nem faço rap. F: E qual a conexão entre seus trabalhos gráficos e sonoros? m: Eu desenho e componho de modos similares em conceito, mas não em técnica. Busco equilibrar o que posso fazer com uma arte com o que não posso com a outra. Já aconteceu de eu parar de compor para terminar o trabalho inicial com uma ilustração ou fotografia. Minha mú-
sica e meus trabalhos visuais tendem a se encontrar apenas com propósitos demonstrativos como flyers, capas de álbuns e ensaios visuais informais. Ando pensando em me testar como VJ para poder controlar a parte visual durante minhas performances musicais. Seria gratificante converter narrativas musicais em luzes nas paredes. F: Você parece tomar muitas iniciativas diferentes sem o suporte de gravadoras ou galerias. Como, quando e por que você começou a usar o esquema “faça você mesmo”? m: A tradição de aprender coisas só para passar de ano ou receber salário é deprimente, e por isso adoto a ética do “faça você mesmo” desde o segundo grau. Eu larguei a escola umas duas vezes e passei um tempo em museus, bibliotecas, zoológicos, lojas de discos e nas ruas. Acabei me rematriculando, me formei, fui aceito numa faculdade de artes bacana e larguei um ano e meio depois. Eu gostaria que o autodidatismo fosse visto como uma forte urgência em se satisfazer com o trabalho duro e autodeterminação, em vez de encarado como uma falha social. Coletivos de artistas como o 8bitpeoples
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e TATS CRU provam que produções nãotradicionais não estão tão fora do comum e devem ser encorajadas. F: Falando em coletivos, como você avalia a importância de produções colaborativas e coletivas? m: Eu acho que isso é importante tanto informal quanto profissionalmente. Quando eu colaboro com outros músicos, eu gosto de ser lembrado como “uma enciclopédia de jogos surrealistas”. Uma pequena crônica de trocadilhos bobos e quebra-cabeças prazerosos. F: Você tem perfis em várias redes sociais. De que forma as acha importante nesse contexto de colaboração? m: Para uma cena em que há grande concentração de gênios tímidos, as redes sociais comprovaram-se como um modo útil para fomentar parcerias interessantes e inovações. Eu acredito piamente que se não fossem por fóruns, canais de IRC e outras formas populares de redes sociais, ainda seríamos um bando de músicos sem direção procurando uns pelos outros. É por isso que eu estou por todo canto, para abrir a possibilidade de fazer conexões musicais com alguém de bem longe. F: É por isso que todo o seu trabalho está sob a licença Creative Commons? m: Na verdade, prefiro ter algumas salva-guardas legais a não ter nenhuma. É verdade que essa não é uma solução a prova de falhas, por isso eu escolho licenciar minhas músicas de modo que permita a qualquer um ouvi-las e compartilhálas. Se alguém quiser “sampleá-las”, fazer um vídeo ou o que for, só o que precisam fazer é pedir. Isso também pode possibilitar a colaboração, sempre deixando claro que minha música pode ser compartilhada, talvez de modos mais profundos que através de um mero sample. F: Para terminar, falemos um pouco da época em que morou no Brasil. Como foi viver em São Paulo por três meses e como isso influenciou no seu
trabalho? m: Em setembro de 2007, eu estava sentado em uma sala em São Roque, no topo de uma colina, olhando algumas árvores queimando na mata. O cheiro familiar de pinheiros queimando foi desagradável, mas reconfortante. Brasil, no fim das contas, é um país de altos contrastes; opostos que se encontram no meio de uma mistura complexa de concreto e madeira, ricos e pobres, devoção e festa. Sentei enquanto fumava um cigarro e cheguei à conclusão de que eu – que, como muitos músicos que foram para o Brasil procurando por sua incrível voz e direção – era um dos poucos que faziam chiptune no país inteiro. Eu podia andar entre os pinheiros por horas, pedalar por entre as pousadas, dirigir por entre os incontáveis “Lanches” e seria difícil encontrar um músico do gênero chip no meu caminho. Isso me afetou profundamente. Naquele momento, decidi ser como o Brasil; ser preto e branco, concreto e ferro, rico e pobre e orar enquanto festejo. Eu comecei a compor “São Roque (Bella/Boa)” naquela tarde e a terminei em Nova York. Eu aprendi sobre uma habilidade natural de misturar tudo abraçando todos os lados, sejam filosóficos, culturais, sociais ou econômicos, e fazer algo novo no processo. São Roque, e de grande modo, o próprio Brasil, me ajudou a encontrar meu caminho na música. F: Seu último trabalho é intitulado “Saudade for Beginners”. “Saudade” é um tema comum na bossa nova. Ela influenciou de alguma forma esse trabalho? m: Ela é muito sutil nesse álbum – ele deve mais à Tropicália e ao Afoxé em espírito, mas algumas músicas, especialmente “El Camino de Tu Casa a la Mía” e “Ela Chegou” remetem à bossa nova por serem herdeiras da sua dissonância de cordas e melodias.
Ela estava sentada no banco. Ele estava de passagem. Ele resolveu falar com ela por que não?, pensou. — Oi. Ahn... Posso falar com você um instante? — Hum... Pode sim, você não tá interrompendo nada mesmo... — Ah, certo. Ok, tá bom. Então. É que. Sabe como é, não sabe? Hehe – risadas nervosas –. Pode parecer meio idiotice o que eu vou falar, mas mais idiota ainda é o porquê de eu falar isso que eu vou falar. É, já tô aqui, agora não tem mais jeito, eu vou te falar. Na verdade, eu sempre precisei de um pequeno empurrãozinho para as coisas, porque nunca fui muito corajoso e sempre-sempre-sempre muito indeciso. Eu acabo deixando as coisas acontecerem tentando me preocupar o mínimo possível, agindo o mínimo possível e por consequência vivendo sempre o mínimo-mínimo possível. Mas eu me cansei disso, sabe? Cansei mesmo. Eu estava cansado já tem tempo, mas foi uma frase meio estúpida que li hoje de manhã que me fez perceber que eu tô mesmo cansado dessa merda toda porque eu me dei conta de tudo que eu estava perdendo, não assim perdendo-perdendo, mas deixando de ganhar, de conquistar, de aproveitar. Tá, eu sei que isso soa muito garoto-de-15-anos-que-quer-muitocarpe-diem-e-carpe-nocte. Nenhum de nós tem mais 15 anos e embora pouco tempo tenha passado na verdade parece que nossos 15 anos aconteceram noutra vida, não é mesmo? É meio surreal isso, se dar conta de que apenas cinco anos se passaram desde nossos 15 anos mas tanta coisa mudou, pra melhor ou pra pior, que a gente nem se reconhece mais. Mas eu gosto. De você. Eu gosto de você e quero passar mais tempo com você, além das horas que passamos sentados lado a lado na sala de aula de teorias disso ou daquilo
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bom que ouvinte não s AUm pessoa lê sua so popular em qualquer l entrou emfica greve. Não h também sabendo biscoitos você hoj depois depara algum temp
A sua sorte
das grandes realizações do foram feitas por homens os e desanimados que aramPara trabalhando. saber o que vem pela frente, fale com quem está voltando.
oo nsg on ng g a st a devolvê-lo. e você quiser p t n i r á ç q guém. O perdão c u u u á Aprenda certo e a em frente. e faça. d não se atrase). a a u u . a é s ! m ira de se r . e .gve éehoje. m não tema e s e l lm lftial algo é uma o perder virtude ala ninguém. s q e ê sa. dde im s nt u am a u ite eAoutros. u dos pessoa que lê e v ind a s ig m fortes. sua sorte está oc o or o. se casando hoje. ê ebemte A pessoa queboa st . Deseje a ele eja escreve sorte! sua sorte . está sem ideias.
por Rodrigo Lessa
ou conversando nesses bancos horríveis desse pátio sempre muito cheio de gente que não gosto – e que você também não gosta, imagino, quer dizer, como gostar dessa gente toda? Impossível não é? É, eu acho. Então. É isso. — Eu não entendi tudo o que você falou... Mas tô com uma dúvida. Que frase foi essa? Que te fez mudar, assim, tão de repente, dar essa guinada na sua vida? Não que isso seja ruim, não, ao contrário, meu deus, como eu preciso de uma guinada dessa, de repente, rápida, na minha vida também. Tudo estagnado, entende? Tudo sem eira nem beira, ahn?, estou meio nervosa, minha avó costuma dizer isso, sem eira nem beira, eu acho que nem sei o que significa, nem sei porque eu disse isso. O que eu quero realmente dizer é que enquanto você falava isso tudo o que você falou eu me lembrei de uma frase, uma frase meio boba, que eu li hoje antes de sair de casa e nem dei importância pra ela, porque, né, pra quê? Então nem dei bola e nem parei para pensar nela... Até então. Até você chegar aqui e dizer que uma frase meio boba te fez tomar uma atitude e querer mudar de vida. Agora que eu parei para pensar a frase que eu li faz todo o sentido e eu deveria ter notado na hora em que li, mas só fui notar agora, mas antes tarde do que nunca, não é? Oh deus, minha avó também costumava dizer essa, chega, acho que estou me humilhando mais do que... desculpa dizer, mas mais do que você quando disse que... que... gosta de mim? — Não ria, mas a tal frase era a sorte de hoje do meu Orkut. Era : “Devemos ser a mudança que queremos ver“. — E você não ria também, porque a minha sorte de hoje do Orkut foi: “Sorria. Isso basta”. E então ele fechou o semblante, preocupado, e ela sorriu, despreocupada, e fez ele sorrir de volta.
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direto
Jornalismo
do celular
texto Samuel Barros e Fernando Firmino ilustração Kelvin Oliveira
Com as câmeras portáteis, que servem também como telefone, não é mais preciso marcar hora com o acaso para testemunhar acontecimentos de interesse FRAUDE 2009/10
É carnaval em Salvador. Milhares de pessoas lotam o circuito da festa. Jornalistas preparam sua parafernália técnica para fazer ecoar a folia pelos quatro cantos do planeta. As câmeras de TV são posicionadas em lugares estratégicos para fazer ver o máximo possível. As pessoas fazem pose, mandam beijos. No meio dos foliões, um repórter do jornal A Tarde saca seu Nokia N95 e começa a transmitir ao vivo. Ninguém dá muita importância, no princípio, até desconfiar que a coisa é séria. Aos poucos, descobre-se que a folia está sendo realmente transmitida ao vivo pelo celular. Do outro lado do mundo, um espanhol que tem vontade de conhecer a Bahia, descobre por acaso que o festejo está sendo transmitido ao vivo por celular. Um, e depois outro, e mais outro, que podem estar com um celular na mão em qualquer lugar do mundo, inclusive ao lado, compõem o público. É a mobilidade da notícia através de dispositivos móveis conectados à internet. Na mesma página em que se assiste ao vídeo, um chat é organizado. Pessoas que estão na rua, em casa, no Brasil e fora do país trocam informações, curiosidades, falam de suas sensações e experiências em relação ao carnaval. As informações fluem de todos os cantos, com vários pontos de vista. Situações como estas não são mais testes da engenharia eletrônica, nem intervenções de artistas. O uso de aparelhos móveis multifuncionais capazes de fazer registros em vídeo, áudio e texto é cada vez mais frequente, tanto para produzir quanto para consumir notícia. Praticamente qualquer um com grana suficiente para comprar um desses “brinquedos” mais potentes tem a possibilidade de produzir, enviar e receber informação em deslocamento pela cidade, com o auxílio de conexões Wi-Fi ou 3G – a tecnologia de terceira geração, conhecida como banda larga do celular. Percebendo essas pequenas mágicas proporcionadas pela técnica, vários meios de comunicação do Brasil – TV Band, O Globo, Extra (do Rio), A Tarde, JC Online (do Recife) – e outros
espalhados pelo mundo – como a agência de notícias Reuters – têm equipado os seus repórteres com kits para produção de informação em mobilidade, bem como vêm desenvolvendo plataformas ou versões móveis de seus sites para o acesso via celular. Além de repórteres munidos com estes equipamentos portáteis, outras pessoas também os têm. Agora a possibilidade de qualquer pessoa flagrar acontecimentos de relevância social aumenta consideravelmente, diminuindo a necessidade de sorte, de estar no momento certo, na hora certa, como explica o professor Eduardo Pellanda, da PUC-RS, que pesquisa a internet móvel e seus usos: “O ganho é poder contar com milhares de câmeras conectadas prontas para ajudar a flagrar acontecimentos nas ruas. Além disso, as pessoas podem consumir informações de maneira mais intensa, o que necessita de mais pessoal para produzir este conteúdo”. Pellanda entende que a apropriação destas tecnologias pelas pessoas é um de seus usos em potencial. “Se olharemos casos como o pouso do avião no rio Hudson em Nova Iorque, observamos que a primeira foto foi tirada com um iPhone e enviada por Twitter. Quer dizer, ela foi publicada e compartilhada em uma velocidade que se aproxima do tempo real. Mais tarde os jornalistas usaram esta imagem para complementar suas matérias”, explica. Para a produção de notícias, os novos equipamentos trazem inovações consideráveis. Com as câmeras espalhadas por todos os lados, tanto nas mãos de jornalistas como do público, acontecimentos dos mais variados são passíveis de algum registro, mesmo que a qualidade da imagem seja suficiente apenas para ver as formas. “Se pensarmos que um repórter vai estar na rua para cobrir um fato, como um acidente de grandes proporções, com apenas um dispositivo na mão e ele vai poder enviar para a redação as primeiras fotos, abrir um sinal de vídeo para internet e enviar pequenos textos via SMS, o ga-
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nho produtivo para o jornalismo é enorme”, comemora Sidclei Sobral, designer do JC Online e um dos responsáveis pela operação das transmissões ao vivo deste grupo de comunicação. Entretanto, o crescimento do uso de celulares para produzir e consumir notícias ainda enfrenta algumas dificuldades. As principais são o custo, tanto dos aparelhos quanto do serviço de conexão das operadoras telefônicas, e o desconhecimento das pequenas maravilhas que estes aparelhinhos podem fazer. Segundo Iloma Sales, editora do Mobi A Tarde, site para acesso via celular, “as operadoras não abrem a guarda. Acho que elas deveriam abrir mais, porque conseguiriam um maior número de adesões”. No Brasil há, segundo dados da ANATEL, mais de 160 milhões de celulares em operação sendo que se mantém a média de 80% de pré-pagos e 20% de pós-pago. O grande problema ainda é o valor dos planos de telefonia, especialmente para 3G, que na modalidade ilimitado pode custar mais de R$ 100. “A falta de conhecimento da tecnologia também é um problema porque as pessoas não gostam de ler manual. São poucas as pessoas que conhecem todas as utilidades do aparelho, por isso fica subutilizado”, complementa Iloma Sales. A qualidade da conexão também precisa melhorar. Como nas conexões banda larga domésticas, a tecnologia de terceira geração (a 3G) também sofre com as instabilidades da rede, como interferências atmosféricas, o fluxo intenso de usuários e a falta de expansão da cobertura da operadora. “A grande barreira é a oscilação das redes. Mesmo sendo uma conexão
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3G, nada nos garante sua estabilidade. E essa variável incide diretamente na qualidade da transmissão, no caso de vídeo. Já para fotos, o problema é o tempo de transmissão do arquivo até chegar à redação”, explica Sobral, do JC Online.
Sites Móveis
Além da possibilidade de produção de conteúdo por celulares, há outra vertente do jornalismo móvel: a recepção, o acesso através da internet móvel. Com o iPhone, smartphone ou “telefone inteligente”, houve uma expansão desse acesso devido à interface mais amigável e os recursos de tela sensível ao toque. O problema, entretanto, reside na falta de padrões para a construção de sites para mobile, tanto pela indefinição do tamanho das telas dos celulares quanto pela variação de navegadores móveis instalados nos aparelhos. O iPhone, por exemplo, utiliza uma tecnologia distinta de outros smartphones, forçando pelo menos duas versões de sites móveis. Para resolver esta questão, a W3C, um consórcio internacional da World Wide Web, está realizando pesquisas para estabelecer padrões para sites mobile como ocorre com a internet para desktops com padrões como XHTML, CSS e de acessibilidade. Enquanto os padrões mundiais não são fixados, quem produz conteúdo está testando formatos para se adequar à demanda e às exigências dos usuários em termos de interfaces. “Como a plataforma mobile é experimental no país como um todo, principalmente nessa área de jornalismo, então a gente trabalha muito com experimentação”, explica Iloma Sales, do A Tarde.
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A expectativa é que este novo meio de distribuição de conteúdo, apesar de convergente com as outras plataformas, tenha suas próprias potencialidades. “Creio que ainda vamos ver uma web móvel mais fluente, com recursos ricos e com um uso pertinente ao meio. Ainda estamos em fase de experimentações, de desenvolvimento de padrões e linguagens adequadas”, explica Paulo Henrique Ferreira, do LanceNet, site de cobertura esportiva, e professor da Pós-Graduação em Mídias Digitais do SENAC-SP. Diferente de outros grandes momentos de inovação tecnológica, ninguém espera que o celular decrete extinção a nenhuma outra mídia. A aposta está na convergência. O celular cumpre bem algumas demandas do cotidiano, mas não todas. Existirão trabalhos executados com maior proficiência no (já velho) desktop. No consumo diário de notícias, o professor Antonio Fidalgo, da Universidade da Beira Interior, de Portugal, aposta que o celular vai cumprir a função de cardápio. “É o celular que vai dizer qual é a matéria a estudar ou qual é a matéria que está na agenda. E que vai chegar a nós em qualquer circunstância, em qualquer lugar. A tela do celular parece mesmo com uma vitrine. É a primeira vitrine dos outros meios de informação jornalística”, afirma.
moda de rua na rede Blogs de street style se tornam referência para produtores e consumidores de moda
texto Alana Camara e Tiago Canário Anos atrás, o único jeito de saber como as pessoas de diversos lugares do mundo se vestiam era através de revistas e jornais ou em programas de TV. Hoje, há uma maneira muito mais fácil e, em certa medida, mais acessível de ficar atento ao modo como as pessoas se expressam, com suas roupas e acessórios, ao redor do planeta, em diferentes temperaturas. Baseados em fotografias de anônimos, os sites e blogs de street style - páginas virtuais para a veiculação de moda de rua, literalmente - têm chamado cada vez mais a atenção daqueles que se interessam por moda. Ao tirar um pouco o foco dos editoriais produzidos pelos veículos especializados no tema e direcioná-lo para o que as pessoas estão, de fato, usando nas ruas, esses espaços têm se tornado ferramentas importantes para quem produz, consome e recria moda. São meios de veiculação de tendências, que acabam por propagar os mais diversos estilos. “Eu tenho duas pastinhas [no computador]: uma de moda e outra de ideias legais de decoração. Salvo tudo, para não esquecer, e vou colecionando as imagens com as quais me identifico, de coisas que eu usaria”, explica Thysa Jackes, jornalista de moda. É assim que ela busca, diariamente, informações sobre o tema e inspirações para montar seus looks. Se as revistas nem sempre estão ao alcance e o mundo editorial dificilmente mapeia todas as novas criações ao redor do mundo, principalmente em relação à moda que surge fora das grandes marcas, os blogs de street style, como os acessados pela jornalista, se configuram como uma importante
mídia para a exposição e a discussão desses conteúdos. Frente às publicações impressas, geralmente mensais, a grande vantagem dessas páginas é a velocidade: a informação chega muito mais rápido. Com a internet, conteúdos são publicados quase que em tempo real, com o plus de poderem ser acessados gratuitamente. Outros benefícios, como ressalta Jackes, são o debate fomentado pelas diferentes opiniões publicadas e a possibilidade de saber o que está acontecendo na moda internacional. “Como é que eu teria acesso às fotos de uma moça francesa, por exemplo?”, comenta a jornalista a respeito do Garance Doré [www.garancedore.fr], um de seus blogs preferidos do gênero. Para seus leitores, além da praticidade de consumo, como a possibilidade de acessar as páginas pelo celular, em qualquer hora ou local, a disponibilidade de conteúdos é mais completa. “A internet possibilita vídeos e fotos em alta resolução, coisas que não encontramos num livro ou revista”, comenta Felipe Queiroz, estudante de arquitetura. Há pouco mais de um ano decidido a trabalhar com moda, Queiroz encontra em blogs de street style uma forma de aprimorar seus conhecimentos na área, de se manter informado sobre novas tendências e, é claro, de se inspirar. Assim como Jackes, o estudante também coleciona suas fotos preferidas, nas quais se baseia no momento de montar suas produções ou de ir às compras. Entre a internet e o meio editorial gráfico, no entanto, as diferenças são maiores do que apenas uma forma de veiculação.
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A vida imita a moda — ou é o contrário?
Com o uso tanto da internet quanto de publicações especializadas para pesquisar tendências, o estilista baiano Tarcísio Almeida considera marcante a diferença de conteúdos entre blogs de street style e revistas de moda. “É uma relação entre o real e o ideal”, afirma. Apesar disso, o estilista admite a existência de um diálogo constante entre a moda das passarelas e a moda das ruas. Depois de quase três anos de visitas semanais a blogs do gênero, Tarcísio, que já apresentou seu trabalho em eventos como o Rio Moda Hype, o Dragão Fashion e o Barra Fashion, garante que saber o que as pessoas querem, usam e reinventam é fundamental. A partir das misturas propostas por anônimos, o estilista relaciona seus desenhos ao mundo à sua volta. A opinião de Tarcísio Almeida é consonante com a do professor de moda João Braga, maior autoridade do país no assunto. Em entrevista à revista Claudia, ele explicou que as tendências desfiladas são apenas sugestões. “Quem dita a moda é a rua, ao legitimar a proposta. Quando o estilista faz o desfile não está lançando moda, mas propondo ideias que têm a ver com seu estilo e que poderão ou não encontrar ressonância no desejo de consumo que validará esta ou aquela tendência”, afirmou na edição publicada em julho de 2009. Em resumo, se por um lado as ruas são o alvo da moda, a moda também se alimenta dos sinais vindos do lugar ao qual ela quer chegar. Sobre os diferentes estilos que pululam nas ruas, Tarcísio é enfático: “Eles são os verdadeiros criadores, emprestam seus corpos”. Em outras palavras, ou nas palavras de Paula Reboredo, uma das responsáveis pelo blog Freakstyle [www. freakstyle-freakstyle.blogspot.com],feito em parceria com Gilberto França, “é informação fresquinha para quem trabalha
com produção e desenvolvimento de produto”. Além disso, como explica a blogueira, mais do que resignificarem a moda das passarelas e mesclá-la ao que é produzido nas ruas, esses anônimos unem moda à atitude. Para ser fotografado para o Freakstyle, o destaque brasileiro no gênero, não adianta estar apenas bem vestido, é preciso afirmar uma personalidade própria. Criado há menos de dois anos e com cerca de 50 mil acessos mensais, o blog, conta Reboredo, escolhe minuciosamente as fotos veiculadas, já que se tornarão referências para muitos. Para se ter ideia de sua importância, ele foi o único do país a participar do Wedding Dress #2 - Festival of Urban Fashion and Arts, evento paralelo à Semana de Moda de Berlim, realizado em 2008. Com 23 países na disputa, o concurso elegeu, através de sites de street style, a região mais bem vestida do mundo ―e o Brasil ficou em oitavo lugar.
‘Inspiração’ é a palavra de ordem
Direcionados para a captação de tendências e o estímulo de criatividade, são esses blogs e sites que ajudam a espalhar ideias de cores, acessórios e até produções completas, que acabam virando tendência em uma temporada e que são reapropriadas para o uso nas ruas. “Não compro só porque está no blog ou na revista, procuro me inspirar. Mas uma vez rodei a Renner inteira atrás de um casaco que vi no [site] Garotas Estúpidas [www. garotasestupidas.com]”, confessa Thysa Jackes. A ajuda se dá, também, como um empurrãozinho na hora de arriscar alguma peça, acessório ou cor diferente. “Às vezes eu me sinto mais segura na hora de escolher uma peça, mais encorajada, pelo fato de ter visto nos blogs de moda várias pessoas usando e comentando a respeito”, conta Laís Sangalo. Estudante de pu-
blicidade e propaganda, Laís confere seus sites de moda preferidos duas vezes por semana, hábito que mantém há mais de cinco anos. Se vale à pena? “Quando eu fico na dúvida, mas lembro de ter visto aquilo como uma tendência, eu confio e compro. E não é que dá certo?”, revela. Por reunirem muita informação, as páginas de street style acabam servindo como fonte de pesquisa gratuita também para empresas e designers, que tentam captar o estilo e o desejo das novas gerações. As grandes marcas sempre mantiveram os olhos bem abertos às tendências espontâneas, já que essa criatividade anônima também alimenta as ideias dos estilistas. E os chamados olheiros, que já faziam esse serviço há anos, agora têm uma nova e poderosa ferramenta em suas mãos. Além disso, recentemente, os blogs e sites de street style foram “fraudados” por algumas marcas, servindo como inspiração direta para suas publicidades. As campanhas das últimas coleções de inverno da DKNY Jeans e da Anthropologie, por exemplo, trazem modelos usando as roupas das grifes como se tivessem sido flagradas na rua. No caso da DKNY, todas as fotos foram clicadas pelo americano Scott Schuman, autor do blog pioneiro no gênero, o The Sartorialist [www.thesartorialist.blogspot.com], que tem mais de 90 mil acessos por mês. Apesar de todo o debate em torno das páginas virtuais de street style, sua explosão na web pode ser justificada em uma única frase, proferida pelo próprio Schuman. Quando indagado a respeito de seu trabalho, em entrevista ao site Erika Palomino [www.erikapalomino.com.br], o criador da “Vogue dos blogs de moda” foi categórico: “Hoje em dia há jovens que vejo na rua que são mais inspiradores do que os que estão nas revistas”.
mais street style na web Advanced Style - www.advancedstyle.blogspot.com Dam Style – www.damstyle.blogspot.com Face Hunter – www.facehunter.blogspot.com Hel Looks – www.hel-looks.com Looks Like Porto Alegre - www.lookslikepoa.com Style Arena – www.style-arena.jp/en/street/ Street Peeper - www.streetpeeper.com/
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Mariana David é fotógrafa de Salvador/BA e vencedora do Prêmio Fundação Cultural do Estado da Bahia, no Salão Regional de Artes Visuais da Bahia 2009 – Juazeiro. Email: marianadavid.a@gmail.com Flickr: http://www.flickr.com/people/marianadavid/
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Bruno Marcello é artista plástico residente em Salvador, participou de diversas exposições aqui e em Buenos Aires, onde fez uma especialização em Pintura pela IUNA. Para essa edição da Fraude o artista nos presenteou com uma obra exclusiva. Email: brunomarcello@gmail.com Flickr: www.flickr.com/bua