Revista GEMInIS | ano 3 | n. 1 • jan./jun. 2012

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P o líti ca E d ito r i a l

E x pe d i e nte

Revista GEMInIS é uma publicação online voltada para a divulgação de artigos, resenhas de obras e trabalhos sobre o contexto da convergência midiática e da produção audiovisual em múltiplas plataformas transmidiaticas, realizados por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação e do Curso em Imagem e Som da UFSCAR. A revista é aberta aos interessados de outras instituições e pesquisadores que queiram submeter seus trabalhos ao Conselho Editorial. Nesta linha editorial, são tratados e incentivados temas geminados às linhas de pesquisa do nosso Programa de Pós-Graduação, tais como; o fenômeno da convergência midiática e cultural; contribuições sobre a narrativa audiovisual e a cultura participativa; análises sobre franquias de mídias, questões sobre a ficção seriada, web marketing e, principalmente, os novos formatos de narrativa transmidiática; estudos sobre a web e os novos espaços de circulação da produção audiovisual, o mercado e a economia digital; produção cinematográfica, televisiva e videogames. Dedica-se ainda, entre outros tantos assuntos, aos temas relacionados às mídias locativas e dispositivos móveis, desenvolvimento de aplicativos, Alternate Reality Games (ARGs) e as mídias colaborativas que fazem parte do ecossistema de comunicação audiovisual. A revista aceita contribuições em três categorias: artigos científicos, produção artística e resenha de obras. Cada edição contempla um dossiê especialmente preparado a partir de uma temática específica e duas seções. A primeira seção é para artigos de abordagens multiplataformas, enquanto a segunda seção, denominada espaço convergente, é voltada para ensaios, entrevista e resenhas.

Revista GEMInIS | ano 3 | n. 1 • jan./jun. 2012 Universidade Federal de São Carlos

Missão Divulgar artigos científicos e produção artística que busquem compreender, analítica e/ou teoricamente, o fenômeno próprio da convergência midiática como objeto de estudo. Histórico A Revista GEMInIS foi criada em 2010, quando o Grupo de Estudos sobre Mídias Interativas em Imagem e Som, ligada ao Programa de Pós-Graduação em Imagem & Som - PPGIS/ UFSCar, completava seu terceiro ano de criação. A revista online e semestral, tem como objetivo reunir trabalhos científicos e artísticos que tratem de fenômenos próprios da convergência midiática. Para tanto, a revista GEMInIS se constituiu em três seções: seção Estudos, seção Comunicações, a seção Resenhas e Notícias dedicada a obras de interesse das diferentes áreas que refletem sobre o processo de cultura da convergência. A revista recebe também originais em espanhol e inglês. Submissão Online GEMInIS recebe artigos, produções artísticas e resenhas que serão, após pré-avaliados pelos editores da revista, revistos e aprovados por Assessores ad hoc. As normas para publicação devem ser estritamente seguidas. Por ser um periódico semestral, apresentamos dois prazos limites de submissão (envio eletrônico): 31 de março e 31 de agosto. Informação importante para os autores: a) Os autores possuem os respectivos direitos autorais (copyright), b) Os autores são os responsáveis pelo conteúdo dos artigos.

ISSN: 2179-1465 www.revistageminis.ufscar.br revista.geminisufscar@gmail.com Reitor Prof. Dr. Targino de Araújo Filho

Vice-Reitor Prof. Dr. Pedro Manoel Galetti Junior Diretora do Centro de Educação e Ciências Humanas Profa. Dra. Wanda Aparecida Machado Hoffmann Vice-diretor do Centro de Educação e Ciências Humanas Prof. Dr. José Eduardo Marques Baioni Coordenador da Pós-Graduação em Imagem e Som Prof. Dr. Samuel José Holanda de Paiva Comitê Editorial: Ana Silvia Couto de Abreu Universidade Federal de São Carlos - UFSCar Arthur Autran Universidade Federal de São Carlos - UFSCar Antônio Amâncio Universidade Federal Fluminense – UFF Carlos A. Scolari Universidade Pompeu Fabra – Espanha Derek Johnson University of North Texas – Estados Unidos Daniel Bittencourt Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos Gilberto Alexandre Sobrinho Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP Héctor Navarro Güere Universidade de Vic – Espanha Hermes Renato Hildebrand Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP José Soares Gatti Júnior Universidade Tuiuti do Paraná Josette Monzani Universidade Federal de São Carlos - UFSCar Maria Dora Mourão Universidade de São Paulo - USP Pedro Varoni de Carvalho Universidade de São Paulo - USP Sheron Neves ESPM-RS Vicente Gosciola Universidade Anhembi Morumbi - UAM Editor Responsável João Carlos Massarolo Universidade Federal de São Carlos - UFSCar Editora Executiva Maira Gregolin Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP Editor Assistente Dario Mesquita Universidade Federal de São Carlos - UFSCar Administrador do website Gabriel Correia

Diagramação Dario Mesquita

Revisão André Sanches Francisco Trento Glauco Madeira de Toledo Paula Gomes Letícia Ferreira

Identidade visual Gilberto Pereira Capa Original Pier Valencise


Sumário

Apresentação.................................................................................................................................................. 4 D o ss i ê - A t i v i s m o D i g i t a l Vozes nômades: ativismo transmídia e mobilizações sociais Maíra Valencise Gregolin ........................................................................................................ 6 Kony 2012: estratégias narrativas de um fenômeno do ativismo digital Flávia Brites • Tarcisio Torres Silva .................................................................................. 25 Pessoas Conectadas podem Mudar o Mundo? - Uma abordagem sistêmica baseada na Teoria das Redes para a modelagem de ações coletivas Márcio Carneiro dos Santos .................................................................................................. 51 Tipos de Ativismo Digital e Ativismo Preguiçoso no Mapa Cultural Gabriela Bezerra Lima ............................................................................................................. 71 Promovendo a Inclusão no Ativismo Digital através do Cinema Sílvia Forato de Camargo • Fabio Nauras Akhras .................................................... 97 Ciberativismo e a influência da opinião pública sobre a esfera privada: os protestos contra o uso de peles na indústria da moda Priscila Muniz de Medeiros • Tenaflae da Silva Lôrdelo .................................... 110 Social Media: a way of activism in digital marketing communication Irene García Medina • Pedro Alvaro Pereira Correia ............................................. 125


A b o r d a g e n s M u lt i p l a t a f o r m a s Primeira experiência interativa no esporte das emissoras brasileiras no SBTVD-T Tatiana Zuardi Ushinohama ............................................................................................... 134 Romance: procedimentos metalinguísticos e a relação entre linguagens na ficção de Guel Arraes Luiz Antonio Mousinho ....................................................................................................... 151 Produção de conteúdos virtuais participativos: entre a informação, o espetáculo e a manipulação Ieda M. M. Tourinho • Mauro Luciano de Araújo • Josette Monzani ........... 161 E sp a ço C o n v e r g e n t e resenha

M-Todos, Tendencias Y Oportunudades De La Movilidad Digital David Roman Coy ................................................................................................................... 173 entrevista

A Internet como uma forma alternativa de distribuição: uma entrevista com a realizadora portuguesa Cláudia Tomaz Ana Catarina Pereira .............................................................................................................. 178 ensaio

Travelogue: viagem sensitiva pelo road-movie de Cláudia Tomaz Ana Catarina Pereira .............................................................................................................. 187


A p r ese n t a ç ã o

A

equipe editorial da Revista GEMInIS, uma publicação do Grupo de Estudos sobre Mídias Interativas em Imagem e Som – PPGIS/UFSCar, tem a satisfação de apresentar à comunidade acadêmica e ao público em geral, a sua ‘quarta

edição’ - dedicada à discussão de um tema contemporâneo e que é relativamente inédito nas publicações acadêmicas e muito pouco debatido pelos estudiosos nas universidades, mas que é de extrema relevância para o futuro das sociedades conectadas pelas redes sociais: O Ativismo Digital. Nesta edição, os ativistas são vistos como os novos consumidores de mídia que não possuem ligações com lideranças políticas conhecidas ou estabelecidas, nem sequer vínculos partidários e ideológicos pré-definidos e, ao contrário dos antigos consumidores pertencentes à maioria silenciosa, são mais conectados socialmente e utilizam o boca-a-boca para fazer barulho e chamar a atenção para movimentos que não possuem necessariamente uma identidade uniforme. Usuários/telespectadores/jogadores são agora produtores de suas próprias imagens, de suas próprias mensagens, de seus próprios textos e utilizam, de preferência, dispositivos móveis e redes sociais para defender uma ‘causa’. Os artigos reunidos para o dossiê sobre o ativismo são textos da contracultura digital, utopias piratas esperando pela revolução no limiar da ‘zona autônoma temporária’ (Hakim Bey). Maíra V. Gregolin alinha as estratégias de mobilização transmidiática, tomando-as como vozes nômades de movimentos sociais que desenham linhas de fuga de uma ‘vida para consumo’ (Zygmunt Bauman) e Flávia Brites & Tarcisio T. Silva discutem o fenômeno ‘Kony 2012’, enquanto Márcio C. dos Santos analisa como as pessoas conectadas podem mudar o mundo. Por outro lado, Gabriela B. Lima faz um inventário dos tipos de ativismo e Sílvia F. de Camargo & Fabio N. Akhras pensam o Cinema como veiculo do ativismo. Priscila M. Medeiros & Tenaflae Lôrdelo debatem a influência da opinião publica sobre a vida privada e para fechar o dossiê, a pesquisadores espanhóis da Universidade de Vic, Irene G. Medina & Pedro A. P. Correia, tratam do tema ‘social media: a way of activism in digital marketing communication’. Na seção ‘abordagens multiplaformas’, a estudiosa Tatiana Z. Ushinohama dis-

cute as primeiras experiências interativas na TV brasileira e o pesquisador Luiz A. Mousinho analisa os procedimentos linguísticos da ficção de Guel Arraes. Outro tema que


aparece com destaque nesta seção é o estudo realizado por Ieda M. M. Tourinho, Mauro L. de Araújo e Josette Monzani sobre a produção de conteúdos virtuais participativos. No ‘espaço convergente’, David Roman Coy faz uma resenha de: ‘M-Todos, Tendencias Y Oportunudades De La Movilidad Digital’, evento realizado na UNICAMP, em 2010. Nesta seção encontra-se uma entrevista com realizadora portuguesa Cláudia Tomaz, na qual ela fala da Internet como uma forma alternativa de distribuição e, além disso, acrescenta um novo olhar sobre o ‘road-movie’ num ensaio de sua autoria - ‘Travelogue: viagem sensitiva pelo road-movie de Cláudia Tomaz’. Assim, a quarta edição da revista GEMInIS já está no ar e na sua plataforma online (www.revistageminis.ufscar.br/), graças ao trabalho generoso e árduo realizado pela Equipe de Editores, especialmente os pesquisadores do grupo GEMInIS: Dario Mesquita, Maira Gregolin, Gabriel Correa, Francisco Trento, André Sanches e Pier Valencise. Os agradecimentos são extensivos também aos pareceristas e colaboradores pela leitura atenta e minuciosa, ajudando-nos na seleção dos artigos a serem publicados. Por fim, gostaríamos de convidar o leitor/espectador/jogador e usuário das redes sociais, smartphones e tablets, entre outros dispositivos, para o debate sobre as formas de ativismo contemporâneo nas plataformas transmidiáticas.

João Massarolo – Editor Responsável


Vozes

nômades: ativismo transmídia e mobilizações sociais M aíra Valencise G regolin Doutoranda do Departamento de Multimeios, Instituto de Artes/Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). E-mail: valencise@gmail.com

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Resumo O presente artigo tem o objetivo de refletir sobre as mudanças nas disposições entre corpo e espaço no contexto da mobilidade - onde os indivíduos podem atuar em diversos locais através de dispositivos móveis, sem permanecerem estanques a um lugar ou tempo em particular - investigando um fenômeno da atualidade que estudiosos das relações entre mídias e sociedade denominam “ativismo transmídia”. Tal expressão, cunhada pela pesquisadora Lina Srivastava (2009), refere-se às possibilidades que a narrativa transmidiática oferece para movimentos que propõem iniciativas de mudança social. Trata-se de pensar o ativismo no sistema midiático atual com estrutura multiplataforma em que a produção/ compartilhamento do conteúdo acontece em uma sociedade com pessoas conectadas por uma causa, abrindo caminhos para o diálogo e instigando o engajamento no compromisso para a ação. Para discutirmos o impacto da telefonia móvel nesse fenômeno do ativismo transmídia, tomaremos como objeto de estudos as interações sociais que se estabeleceram por meio de plataformas online baseadas no uso dos telefones celulares em recentes manifestações sociais ocorridas na Síria. Palavras-Chave: ativismo, mobilidade, ativismo transmídia, mobilização social.

Abstract The present paper aims to make a reflexion about changes in the way body and space are disposed in mobility context – in which individuals can act in various places using mobile devices, excluding the necessity of being tight to a particular space or time. This article explores a media phenomenon “transmedia activism”, as entitled by communication researchers. This expression, coined by Lina Srivastava (2009) refers to the transmediatic narrative possibilities of changing the society status quo. It is a way to imagine activism in the current multiplatform mediatic system; in which content production/ sharing are made by a connected-by-a cause individuals. These type of acts open dialogs and create an engaged envinronment. In order to discuss the impacts of mobile telephony in the transmedia activism phenomena, we’ll take as a case study the use of online mobile platforms (cellphones) in the recent social manifestations at the Syria’s uprising. Keywords: activism, mobility, transmedia activism, social mobilization.


Your cell (phone) + you = yourcellf. ‘Dime con quién andas y te diré quién eres’. Así reza el aforismo; desde mucho antes de que se ideara el primer sistema de comunicaciones móviles. Nuestro móvil se ha convertido en nuestro mejor amigo: con él nos comunicamos, vamos de compras; se ha convertido en nuestro banquero y en un ‘comprador’ particular muy competente; conoce a nuestros amigos y nuestros hábitos sociales; puesto que siempre lo llevamos encima, podría recopilar incluso información que sirva de ayuda a nuestro médico para realizar un diagnóstico más fiable. No es ciencia ficción, es la realidad de una incorporación social mucho más rápida de lo que podría haber imaginado cualquier gurú; eso sí, menos glamorosa. Antonio Miguel Fumero Reveron. La Rede en el Movil, 2010.

1 Mobilidade e ativismo transmídia

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arc Augé, em seu livro Por una antropología de la movilidad (2007), nos mostra que na sociedade grega antiga havia uma profunda divisão entre o espaço privado, que era regido por Hestia - deusa do lugar, daquilo que

é localizado - e o espaço público, protegido por Hermes, deus dos limites e fronteiras. Atualmente, afirma o autor, o público se introduz no privado, não há mais limites claros entre o que é territorializado e aquilo que é disperso: essa invasão, em que Hermes ocupou o lugar de Hestia, marcada pela mobilidade, pode ser simbolizada tanto pela televisão, quanto pelo computador mas, principalmente, pelo telefone celular. A produção cultural contemporânea, seja no espaço público ou no âmbito pri-

vado, passou por profundas transformações derivadas do desenvolvimento das tecnologias digitais. Distribuídos em suportes cada vez mais rápidos, os produtos culturais chegam à completa desmaterialização digital atual como resultado do desenvolvimento de um amplo conjunto de tecnologias portáteis que permitem novas formas de consumo em mobilidade (VACAS AGUILLAR, 2010). Ao favorecer um ambiente de compartilhamento de informações, as redes de comunicação sem fio criaram um espaço simbólico propício à existência de novas experiências sociais. Entre as grandes transformações


decorrentes das novas formas de comunicação centradas na mobilidade estão as noções de espaço (público e privado), lugar e tempo, que ganharam novas configurações. A

Este artigo, fruto de pesquisa em andamento, tem por objetivo iniciar uma reflexão sobre mudanças nas disposições entre corpo e espaço no contexto da mobilidade, investigando um fenômeno da atualidade que estudiosos das relações entre mídias e sociedade denominam “ativismo transmídia”. Tal expressão, cunhada pela pesquisadora Lina Srivastava (2009), refere-se às possibilidades que a narrativa transmidiática oferece para movimentos que propõem iniciativas de mudança social. Trata-se, portanto, de pensar o ativismo no sistema midiático atual com estrutura multiplataforma em que a produção/compartilhamento do conteúdo acontece em uma sociedade com pessoas conectadas por uma causa, abrindo caminhos para o diálogo e instigando o engajamento no compromisso para a ação. Assim, o ativismo transmídia é um fenômeno contemporâneo, propiciado pelo uso crescente de aparelhos portáteis, com seus recursos de geolocalização e de conectividade, que permitem às pessoas entrarem em contato umas

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cultural (MCGUIRRE, 2007).

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mobilidade é, portanto, um fator disruptivo que introduz cenários inéditos no consumo

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para trocar experiências, resolver problemas ou aliar-se à luta por uma causa social. As ações do ativismo no meio digital alcançaram tamanha amplitude a ponto de exigirem a atenção de estudiosos clássicos das mídias, como, por exemplo, Jésus Martín Barbero que chega a afirmar que as redes passaram a um “lugar de encontro” de múltiplas minorias e comunidades marginalizadas ou de coletividades de pesquisa e de trabalho educativo e artístico. Segundo Barbero (2009), “nas grandes cidades, o uso de redes eletrônicas está permitindo construir grupos que, virtuais em seu nascimento, acabam se territorializando, passando da conexão ao encontro, e do encontro à ação”. Outra característica muito importante das ações do ativismo transmídia é o fato de elas não se circunscreverem em um espaço delimitado, alcançarem dimensão planetária e, por isso, suas redes com múltiplos pontos de entrada permitem que ativistas e o público tenham uma experiência narrativa abrangente e coordenada. Nesse espaço de escala global, os ativistas podem agenciar ferramentas de co-criação que ampliam o envolvimento dos usuários com a causa, aprimorando as chances de transformação social. Essa decisiva transformação das formas convencionais de comunicação e a constituição de novos usuários é objeto da atenção de Vacas Aguillar (2010), ao afirmar que

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com as outras e criarem grupos virtuais em torno de temas de interesse comum, seja


Criam-se, assim, novos sujeitos e espaços para o ativismo na medida em que a

uso de telefones celulares. Essas plataformas fazem parte do cotidiano das pessoas e levam a transformações em todos os sentidos da interatividade que hoje experienciamos (DINEHART, 2006). Uma das consequências dessa teia multiplataforma é a produção e o consumo de conteúdos de acordo com interesses em comum, em um processo que Castells (1999, p.566) define como sociedade em rede, considerando que as “[...] redes são estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos nós desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os mesmos códigos de comunicação (por exemplo, valores ou objetivos de desempenho).” Em seu livro Cultura da Convergência (2008), Henry Jenkins destaca a multiplicidade dessas mudanças no âmbito da comunicação. Por meio do conceito de convergência, Jenkins chama a atenção para três propriedades da cultura comunicacional contemporânea: a multiplicidade, a inteligência coletiva e a sociedade participativa. Segundo o autor, a convergência não é apenas um processo tecnológico que une múltiplas funções dentro dos mesmos aparelhos, mas é também um processo de transformação cultural no qual é possível identificar novos níveis de participação dos usuários, novos laços com os conteúdos, novas orientações para o marketing contemporâneo, novas leis de direitos autorais, novos meios de aferir audiência. Ou seja, dada a multiplicidade de plataformas, os consumidores são estimulados a procurar informações, a fazer conexões em meio a conteúdos de mídia dispersos. Além disso, há na convergência um acirramento do conceito de inteligência coletiva : trata-se, agora, de uma experiência muito mais radical daquilo que Pierre Lévy (2004) outrora descreveu como um processo coletivo de construção de conhecimentos, pois os dispositivos móveis permitem o engajamento de um número ilimitado de co-participantes. E finalmente, na cultura participativa, o fluxo crescente de informações exige que os consumidores, cada vez mais, problematizem as mídias que consomem. O consumo se tornou um processo coletivo, uma vez que a convergência das mídias permite modos de audiência comunitários, em vez de individualistas. Por isso, assim se expressa Jenkins ao afirmar a convergência como característica fundante da sociedade contemporânea: Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mer-

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nais propiciam a fusão entre experiências realizadas em casa, pelo computador e pelo

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proliferação das mídias sociais e interativas e sua convivência com as mídias tradicio-

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A la previsibilidad contextual típica de los medios convencionales, acostumbrados a dirigirse a sus pasivas audiencias a través de redes y puertos fijos, le suceden ahora unos nuevos medios cuya característica definitoria es la libertad de elección del punto de acceso por parte de unos nuevos usuarios necesariamente más activos.


cadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que estão falando. [...] A convergência não ocorre por meio de aparelhos, mas dentro do cérebro de consumidores

ativismo digital são formas de resistência aos contextos histórico-sociais nos quais estão inseridos. Elas se materializam em ações de três naturezas: a) contestatória: as ações tomam a forma da denúncia, do protesto, da explicitação de conflitos, das oposições organizadas; b) solidária: as ações objetivam a cooperação, as parcerias para resolução de problemas sociais, as ações de solidariedade; c) propositiva: as ações organizam projetos alternativos e propostas de mudanças. Um mesmo movimento pode desenvolver simultaneamente essas três dimensões, de acordo com “seu projeto civilizatório que inclui oposições ao statu quo e orienta-se para a construção de identidades sociais rumo a uma sociedade aprimorada”. Com a possibilidade de acesso à internet via celular, os indivíduos ingressaram no ciberespaço, e podem organizar manifestações de alcance global, com atuação em diversos locais determinados, sem permanecerem estanques a um lugar ou tempo em

custos e espaços. Para discutirmos o impacto da telefonia móvel no ativismo transmídia, tomaremos como objeto de estudos as interações sociais que se estabeleceram por meio de plataformas online baseadas no uso dos telefones celulares em recentes manifestações sociais ocorridas na Síria. 2 Ativismo transmídia via celular: vozes nômades A Guerra do Vietnã, nos anos 1960, causou comoção mundial pelo efeito midiático provocado pela publicização de imagens (tanto as fixas das fotografias distribuídas por agências internacionais, quanto as imagens em movimento na televisão), que levaram a opinião pública norte-americana a retirar seu apoio à ação armada. Era a primeira vez que a televisão veiculava imagens de guerra e, a partir de então, tais cenas de violência puderam ser vistas por um público telespectador, através do olho mágico da TV. A palavra telespectador significa “aquele que vê à distância”, por isso, a presença inédita da televisão transformou completamente as relações entre os indivíduos e o espaço. Pela primeira vez, atrocidades como crianças vietnamitas queimadas por bombas e rebeldes fuzilados seriam exibidas em “horário nobre” das televisões. Essas imagens impactantes mudaram radicalmente a opinião pública que apoiava a Guerra no – até então distante - Vietnã.

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gados por aparatos tecnológicos, com o objetivo de repartirem competências, recursos,

particular. Por isso, suas ações virtuais formam redes de organismos independentes li-

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Segundo Scherer-Warren (1999, p. 14-15), as ações coletivas produzidas pelo

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individuais e em suas interações sociais com outros. (JENKINS, 2008, p. 29- 30).

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Naquele momento dos anos 1960, as condições para que se conseguisse registrar imagens e compartilhá-las com os espectadores eram completamente diferentes avanço tecnológico de hoje e eram muito caros. Apenas os grandes canais de comunicação possuíam os equipamentos adequados e conseguiam viabilizar o transporte até os locais dos confrontos. Com isso, durante muitos anos, limitava-se aos profissionais

que dificultava a mobilidade. À época, o jornalismo impresso dispunha da mobilidade que os recursos telegráficos como o telex e os teletipos propiciavam, tornando sua produção relativamente mais rápida. As condições adversas como o mal tempo poderiam danificar as enormes câmeras, aumentando sua vulnerabilidade. Por fim, o processo como um todo era lento: desde o registro das informações até a exibição por um canal de televisão ou pela imprensa poderia levar cerca de dois dias. Na atualidade, os dispositivos tecnológicos das mídias permitem a circulação instantânea da informação e a divulgação de imagens em tempo quase real. Foi o que ocorreu na ofensiva americana no Iraque, em 2003, quando as câmeras televisivas transmitiram ao vivo, para o mundo todo, o bombardeio de Bagdá. Essa presença da mídia determinou que esse incidente iniciasse aquela que foi denominada como “a primeira guerra pós-moderna”, referindo-se ao fato de ter sido amplamente exibida como um espetáculo midiático proporcionado pelos avanços tecnológicos dos dispositivos de comunicação. Diferentemente dos anos 60, quando a circulação da informação era monopólio das grandes organizações, atualmente, o avanço das tecnologias tem possibilitado o envolvimento dos indivíduos na produção e compartilhamento de conteúdo midiático alterando os padrões de consumo e permitindo que se configure a noção de cultura participativa. A convergência de diferentes mídias tem servido a estratégias de um número crescente de movimentos sociais, uma vez que os usuários aprenderam novas formas de interagir com o conteúdo que encontram. Essa cultura participativa acompanha o desenvolvimento tecnológico que sustenta a convergência midiática e cria demandas que as mídias de massa ainda não estão aptas a satisfazer. Em visita ao Brasil, em 2007, Katrin Verclas, fundadora da ONG MobileActive. org, fez um alerta sobre o impacto da proliferação do uso de celulares. (MACHADO, 2007) À época, Verclas mencionou que o aumento na quantia de aparelhos vinha alterando a maneira como os indivíduos se relacionavam entre si. Ao ressaltar os potenciais do celular, ela finalizava o discurso afirmando que havia chegado então o momento em

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registradas. A aparelhagem era pesada, precisando de até três pessoas para movê-los, o

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de comunicação a responsabilidade de testemunhar os conflitos e exibir as imagens

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das atuais, com a internet e a presença dos celulares. Os equipamentos não possuíam o

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que os aparelhos deveriam ser usados para estabelecer mudanças sociais. Desde então, o uso de celulares veio dinamizar esforços de intervenção dos movimentos sociais na

o celular é, cada vez mais, um dispositivo que coopera para a formação de redes de entidades e movimentos sociais numa nova forma de cidadania típica da era globalizada. Enquanto ferramentas de apoio a diferentes formas de ações sociais, os celulares extrapolam suas funções clássicas enquanto telefones, o que significa que eles ultrapassaram a tecnologia de voz voltada para comunicação a distância e desempenham, hoje, funções que envolvem a tecnologia de acesso a dados e, portanto, de mediatização. Assim, os recursos locativos que permitem o rastreamento, as câmeras de áudio e vídeo e o registro de situações extremas, a possibilidade de acesso à internet para compartilhamento de conteúdo tem sido importantes potencializadores em mobilizações sociais que vem ocorrendo desde o início de 2011, em que distintos movimentos sociais resistem a governos ditatoriais, como é o caso das manifestações contra Bashar Al-Assad na Síria. Em conflitos anteriores, os ativistas compartilhavam seus conteúdos por meio

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ferramenta potencializadora em diferentes campos do ativismo digital. Nesse sentido,

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cena pública e, deste modo, tornou-se aliado de ações que promovem mudanças, como

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passa a utilizar seu aparelho celular como mídia de mass self communication1 (Castells, 2006), ele promove movimentos de desterritorialização nesse novo espaço construído. O telefone celular nesse contexto destaca-se pela sua função de publicador (broadcast) de conteúdos e de coordenador, ao interligar os ativistas dispersos na multidão dos protestos. A miniaturização do aparelho, seu fácil manuseio e sua mobilidade permitem que seja uma ferramenta democratizante. 3 Mandem celulares para a Síria!

Menino sírio participa de protesto com lousa e os dizeres “Stop the Killing”

Os confrontos entre a população síria e o governo ditatorial já resultaram em mais de 10 mil mortes em um ano. O uso da tecnologia móvel pelos ativistas, particularmente a que en1 Castells define o celular como mídia de mass self communication, ou intercomunicação individual, uma nova forma de comunicação em massa produzida, recebida e experienciada individualmente.

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de acessos à rede em computadores coletivos. A partir do momento em que o ativista


volve o aparelho celular, tem sido o único meio de compartilhamento de informação, uma vez que as mídias tradicionais como a imprensa e a televisão estão sob forte censura e os jornalistas guem chegar às redes burlando a rigorosa vigilância do sistema governamental sírio. O apelo “Mandem celulares para a Síria!” proferido pela blogueira Leila Nachawati no início de sua palestra no Campus Party, em 2012, institui o celular como arma fundamental na

o celular foi o principal dispositivo a testemunhar situações extremas como na imagem ao lado, de crianças aos prantos, de corpos mutilados e espalhando seu conteúdo pela web. Ao compartilhar pelo celular a realidade cotidiana dos massacres, a todo momento e em qualquer lugar, os usuários contribuem para um processo de modificação da percepção contemporânea de espaço e tempo, fortalecendo a perspectiva de um fenômeno da mobilidade.

O telefone celular conecta diferentes pontos do espaço físico independentemente da mobilidade dos manifestantes e espectadores ou da distância que os separa. Dessa maneira, o espaço público é transformado radicalmente pelo ciberespaço em função de acessos nômades à internet pelos telefones celulares aliados a estratégias de uso das redes sociais e plataformas opensource. Nos protestos contra o governo sírio, os ativistas organizaram-se em redes sociais como Facebook pela internet a partir do acesso por telefones celulares. A comunicação entre os ativistas se estabeleceu por meio de mensagens de texto enviadas de um aparelho para outro. O microblog Twitter assumiu a função de compartilhar direcionamentos e alertas para situações extremas. Os vídeos gravados pelos celulares registraram ações do governo e eram distribuídos pelo Bambuser.com2 ou pelo Youtube. Um grupo de entusiastas coordenava uma central de mídia para que se conseguisse disseminar aqueles conteúdos.

2 Bambuser.com é um website sueco que permite o compartilhamento de vídeo diretamente do celular. Em fevereiro de 2012, o acesso ao site foi bloqueado pelo governo sírio, que o considerou uma “séria ameaça”. Em resposta ao bloqueio, o site trouxe em seu cabeçalho os dizeres “dictators don’t like Bambuser”.

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Durante os eventos violentos que acompanharam os protestos contra o governo sírio,

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resistência contra a violenta repressão do ditador Bashir Al-Assad.

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estrangeiros impedidos de entrarem naquele país. É pelos celulares que os conteúdos conse-

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Como peças chave, hacktivistas3 como o grupo Telecomix envolveram-se na dis-

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Imagem da central de mídia a partir de onde os ativistas disseminam as informações

Exemplo de um alerta feito pelo grupo Telecomix via microblog Twitter

A impressionante dimensão e amplitude do fenômeno da transmidialidade faz com que ele seja um poderoso aliado dos ativistas no compartilhamento de conteúdos multimidiáticos. A transmídia tem origem nos avanços tecnológicos que propiciaram o surgimento de plataformas colaborativas que permitem a criação de comunidades, transformando as formas de interatividade e, consequentemente, instaurando novas concepções de copyright, de narrativa, de autoria e de leitor/espectador/jogador/ consumidor. 3 Essa expressão é uma união dos conceitos de hacker e ativista e denomina os ativistas que criam ou decifram códigos de programação com o intuito de promover mudanças e resistências a problemas sociais.

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seminação de informações e de alertas.


Para o ativismo transmídia, a Internet oferece novas ferramentas de intervenção que complementam a mobilização, como campanhas virtuais, correio eletrônico, e plataformas colaborativas que permitem o fortalecimento da cultura participativa. Os eventos ocorridos na Síria mostraram a constância do uso das redes sociais como poderosos lugares de fala e de disseminação de informações. Outra ferramenta extre-

duais, tanto em textos escritos quanto em áudio e vídeo. Syria Tracker foi construída sob a plataforma USHAHIDI, uma ferramenta opensource criada para democratizar o acesso à informação e diminuir barreiras para compartilhar histórias pelo Crowdmap. Nesse modelo, reúnem-se informações de um determinado local na plataforma e os dados são visualizados em um timeline ou mapa.

Screenshot tirado da plataforma Syria Tracker, utilizada para reportar os abusos cometidos pelo governo sírio.

Para se compreender a facilidade e abrangência do uso da plataforma USHAHIDI, é necessário salientar que ela já foi utilizada em vários outros contextos de resistência e denúncias: no Egito, para relatar ataque contra a população civil da Faixa de Gaza por tropas israelenses, para apoiar a Cruz Vermelha em ações humanitárias no Haiti, para monitorar as eleições da Índia, no mapeamento da Gripe Suína, e a cada ano tem sido descoberta para novos usos testemunhais4. Os usuários reportam seus testemunhos abrangendo vários temas: informações sobre desaparecidos, localização de regiões com falta d’água ou com algum outro problema de infraestrutura, situações de abuso sexual, etc. 4 Ushahidi significa testemunho em dialeto queniano, onde foi utilizada pela primeira vez. Segundo seus idealizadores, seu uso se efetiva em uma proporção em que 10% é a tecnologia e 90% são as pessoas que fazem uso dela.

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usuários daquele país podem reportar crimes sofridos por meio de denúncias indivi-

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mamente importante foi a plataforma colaborativa Syria Tracker, um espaço onde os

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grupos de discussão, fóruns, salas de conversação, boletins, manifestos online, murais

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O compartilhamento das informações é feito geralmente das ruas pelo celular,

nômades: ativismo transmídia e mobilizações sociais

Tela da plataforma Ushahidi usada no Haiti

também seja feita a partir de um computador pessoal. As mídias móveis atuam, assim, como canais para o fluxo de informações. Elas possibilitam que os ativistas influenciem a ação e despertem consciências por meio de narrativas transmidiáticas distribuídas em multiplataformas. Para Jenkins (2008), as narrativas transmídiáticas funcionam como ativadores textuais que movimentam a produção, a recepção e o armazenamento de conhecimentos. O ativismo transmídia configura uma nova estrutura em que a produção do conhecimento acontece em uma sociedade em rede e na qual os participantes agem de forma colaborativa para que suas vozes sejam ouvidas e possam solucionar problemas. 4 É proibido proibir O uso das mídias para a propagação de ideias não é invenção recente. Já nas décadas de 1920-30, Hitler usava o rádio, o cinema e a imprensa para promover os feitos do nazismo. No desembarque dos soldados aliados na costa francesa da Normandia, no dia D, e na tomada americana das ilhas do Pacífico, o governo norte-americano enviou fotógrafos e cineastas para dirigir os cenários, personagens e histórias da guerra, a fim de garantir o controle sobre as imagens que percorreriam o mundo. Em todos esses acontecimentos históricos, esse filtro das informações a serem veiculadas se constitui em uma modalidade de manipulação que se dá pela colaboração entre Estado e grandes

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por sms ou twitters geolocalizados, no entanto, a plataforma permite que a denúncia


corporações de comunicação. A partir da presença do celular nos confrontos e a nova configuração midiática, há uma ruptura nesse pacto. O Estado passa a desempenhar No caso da Síria, ao perceberem o poder dessas ferramentas interligando as pessoas e organizando as mobilizações, o governo, em meio aos protestos, agiu em retaliação diminuindo o sinal de Internet e os serviços de celular. É o que percebemos

tégias de controle adotadas pelo governo procuram impedir que as vozes se multipliquem e que a circulação da informação se torne incontrolável. Tem se tornado comum esses tipos de táticas de controle da informação, que já haviam sido colocadas em prática, por exemplo, em protestos no Egito. No início de 2011 a população egípcia já havia presenciado o “apagão” tecnológico com fechamento da internet e serviços de celulares por ordem do ditador Mubarak. Sem dúvida, a presença dos celulares teve papel relevante na crise daquele regime ditatorial. Pela primeira vez, o aparelho celular também era visto pelo governo ditatorial como perigoso potencializador das vozes nômades que ecoavam pela rede móvel de comunicação.

Cena de protesto na praça Tahrir/Egito em que percebemos o uso de celulares pelos ativistas.

Entretanto, a experiência egípcia de bloqueio da internet por longos períodos trouxe efeitos negativos para a economia do país. Tendo isso em mente, o governo sírio optou por táticas de bloqueio diferentes: diminuiu a velocidade de conexão, impedindo o compartilhamento de fotos e vídeos; proibiu o uso de dispositivos de geolocalização,

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muitas pessoas são mortas, o governo simplesmente derruba a internet”. Essas estra-

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em comentário de um ativista do site Mobilemedia.com, que afirma: “Nos dias em que

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outro papel diante das imagens que circulam sem suas aprovações e filtros.

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etc. Além disso, com os constantes cortes de energia, o simples ato de recarregar a bateria de um celular passou a ser dificultada nas regiões de confronto.

Diante do blackout digital, buscaram nas fronteiras da Turquia e do Iraque sinais de torres de celulares para conexões. Essas táticas – tanto aquelas da vigilância e controle governamental quanto as resistências dos ativistas – mostram que os coletes à prova de balas não são suficientes nessas novas formas de ativismo transmídia, em que as micro narrativas precisam ser compartilhadas com o mundo afora. Aos ativistas, são necessárias outras ações e precauções para proteger sua privacidade na rede. A perseguição e vigilância por parte do governo, que consegue acessar as localizações e informações compartilhadas pelos ativistas de seus celulares e pela web, fazem com que seja necessário adotar outras estratégias. Para isso, pode-se contar com uma espécie de “kit de sobrevivência digital”, difundido por entusiastas e hacktivistas, que auxiliam as táticas de resistência: por exemplo a produção de contra-informação por meio de encriptação de mensagens en-

nômades: ativismo transmídia e mobilizações sociais

continuarem se comunicando com o mundo e compartilhando os acontecimentos.

Vozes

Como consequência, os ativistas tiveram que buscar formas alternativas para

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a censura e conseguir ter voz na rede. Vídeos recentes registrados na cidade de Homs evidenciaram as barbaridades dos crimes cometidos contra a humanidade naquela região. Em dezembro de 2011, Basil Al-Sayed, um ativista que presenciava um dos massacres, foi morto enquanto filmava outras cenas de horror. Após inúmeros vídeos de bombardeios e repressões do governo compartilhados em sites como a plataforma Bambuser.com, Bashar Al-Assad chegou ao extremo de banir a comercialização e uso do aparelho iPhone em território sírio.

Documento assinado por Bashar Al-Assad que proíbe o uso do iPhone

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viadas por celular, o acesso anônimo à web, etc, são formas contemporâneas de burlar


Podemos entender que banir um aparelho como o iPhone da Apple é um ato simbólico de negar a convergência digital e as possibilidades que oferece como o registe, um representante da rede de televisão Al Jazeera conseguiu entrar no país anonimamente e testemunhar as tragédias vividas pelos ativistas durante os conflitos, tendo resultado em um documentário intitulado Siria: songs of defiance, filmado completamen-

Cena do filme Syria: Songs of Defiance (Rede Al Jazeera, 2012)

Aliado à censura ao Iphone, o governo sírio adotou a tática de criar um campo de desinformação. Como parte da contra-informação digital criada por ele, inúmeras contas do microblog Twitter foram inventadas para apoiar as falas oficiais do governo. O hashtag #Syria foi usado massivamente com conteúdos de entretenimento que desviavam a atenção dos protestos com mensagens sobre resultados e placares esportivos ou programações televisivas. O grande volume desses conteúdos de entretenimento fez com que eles ficassem bem posicionados em sites de busca e, assim, o usuário era desviado dos textos de constestação e denúncias contra o governo. Outra estratégia de contra-informação foi a criação de perfis fictícios, como, por exemplo, @thelovelysyria, que faz uso de um serviço de mídia que prolifera 2 spams a cada 5 minutos. A intenção era distorcer as estatísticas e desviar a atenção dos usuários da rede da causa defendida pelos ativistas. Além do twitter, inúmeras páginas foram criadas pela internet para espalhar mensagens pró-governo.

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complementadas por entrevistas com civis e militares opositores ao regime.

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te através de um iPhone. O filme curta-metragem traz cenas de horror das tragédias

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tro por vídeos, o acesso e compartilhamento da informação. Ainda assim, ironicamen-

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21 Vozes nômades: ativismo transmídia e mobilizações sociais

Perfil @thelovelysyria, criado para proliferar spams com mensagens pró-governo

mitindo que narrativas sejam construídas em um perímetro do espaço político desterritorializado. Nesse contexto de desinformação, o perigo ao governo se situa na narrativa complexa criada colaborativamente pelos ativistas, por meio do compartilhamento de seus conteúdos diretamente de seus celulares. No ativismo transmídia há o engajamento, o compromisso para a ação pela criação, doação, compartilhamento, inspirando ações sucessivas. O resultado disso é a formação de uma comunidade de conhecimento que se desenvolverá por meio de “espaços de afinidades”. Segundo Geoffrey Long (2009), constitui-se um conjunto de estratégias que provocam no usuário o desejo de envolver-se com outras mídias e entender o processo das indústrias que dão forma a esses meios de comunicação. Neste contexto, usuários geradores de conteúdo, ativistas, têm feito chegar suas mensagens por meio desse conceito, de modo a sensibilizarem as pessoas para as causas que defendem. 5 Do nomadismo à transformação social O uso dos celulares no ativismo transmídia aponta para o surgimento de novas formas de monitoramento, instalando-se uma espécie de sistema de contra-vigilância: uma mistura de libertação e vigilância. Um resultado do fenômeno da mobilidade apli-

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Notadamente, a Internet tem o poder de reforçar os campos de resistência, per-


cado ao contexto do ativismo digital é o fato de agora o acontecimento não ser mais monitorado exclusivamente por aqueles que estão no poder mas por inúmeros indivímeno tem denominado essa inversão de lugares de poder como uma passagem da sociedade da surveillance (em francês, vigilância) para a da sousveillance5 (MANN; NOLAN; WELLMAN, ), já que os centros de poder e suas margens são deslocados pelas ações de

Ao mesmo tempo, não se pode afirmar que as tecnologias móveis são libertadoras e democráticas e que, por isso, colocarão fim à barbárie e todas as suas formas de terror. A experiência de países emergentes como o Brasil tem, cada vez mais, indicado que o projeto da democracia digital ainda está longe de concretizar-se e que, quando instalado, será disperso e profundamente contraditório. No entanto, torna-se inevitável pensar que a presença do aparelho celular nos movimentos de resistências sociais provoca transformações na relação dos ativistas com o espaço, principalmente a partir da imediaticidade da comunicação e pela interatividade que permitir a todos os envolvidos o compartilhamento de conteúdos por voz, mensagens de texto, fotos e vídeo. Assim, na medida em que se apropria do telefone celular como um dispositivo de apoio aos protestos, ocorre uma reordenação na relação dos indivíduos com o ciberespaço e, nesse contexto, não apenas dados estão em fluxo, mas também as pessoas e os objetos. Kellner, entre outros pesquisadores, nos ajuda a pensar sobre as distintas formas de opressão simbólica exercida pelas mídias, mas, ao mesmo tempo, evidencia o fato de que projetos críticos da cultura da mídia podem incentivar ações voltadas para a transformação sociopolítica: Quando as pessoas aprenderem a perceber o modo como a cultura da mídia transmite representações opressivas (...), serão capazes de manter uma distância crítica em relação às obras da mídia e assim adquirir poder sobre a cultura em que vivem. Tal aquisição de poder pode ajudar a promover um questionamento mais geral da organização da sociedade e ajudar a induzir os indivíduos a participarem de movimentos políticos radicais que lutem pela transformação social. (Kellner, 2001, p.83).

A arena virtual pode, como mostram os exemplos de ativismo transmídia aqui analisados, constituir-se em espaço fértil para que contrapoderes possam germinar. 5 Em Francês, o radical “sous”, significa “embaixo”. A expressão sousveillance refere-se às possibilidades de registro que as tecnologias portáteis pessoais oferecem ao usuário, dando a ele oportunidade de “vigiar de baixo”, isto é, agir em resistência ao poder.

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mostram o papel decisivo dos dispositivos moveis e da web nas ações de sousveillance.

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contra-vigilância. Os recentes protestos de ativistas transmídia analisados neste artigo

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duos situados dispersamente em vários lugares sociais. Alguns estudiosos desse fenô-

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Referências

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Revista GEMI n IS |

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Kony 2012:

estratégias narrativas de um fenômeno do ativismo digital Flávia B rites Mestranda em Sociologia (USP), bacharel em Ciências Sociais pela mesma universidade. E-mail: flabrites@usp.br

Tarcisio Torres S ilva Doutorando em Artes Visuais (Unicamp), com estágio de pesquisa em Goldsmiths College, University of London no programa de Estudos Culturais; mestre em Artes (Unicamp), bacharel em Publicidade e Propaganda (ESPM) e bacharel em Ciências Sociais (USP). É professor da PUC de Campinas. E-mail: tartorres@gmail.com

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ano

3 - n . 1 | p. 25 - 70


Resumo Em março de 2012 foi lançada a campanha Kony 2012, cujo instrumento principal foi um filme com 29 minutos de duração realizado pela ONG Invisible Children. Ele trata de uma campanha de mobilização cujo propósito é localizar e prender Joseph Kony, líder do LRA (Lord’s Army Resistance), grupo militante atuante no centro da África acusado de uma série de crimes contra a humanidade. A tamanha popularidade que um filme ativista alcançou na internet nos instigou a pensar sobre quais estratégias foram usadas por seus produtores e os efeitos da campanha. Para tanto, partimos neste trabalho de considerações sobre a significação de diversos fragmentos de vídeos tirados do Youtube e usados como peças básicas da construção do filme Kony 2012. Em seqüência, com base na sua decupagem*1, persegue-se a forma como o filme revela sentidos políticos latentes naqueles micro-vídeos. Partindo da ideia do filme como um momento dentro de um processo complexo de construção, disputa e negociação de uma comunidade digital imaginada, veremos que o filme e as práticas em torno dele propõem uma política global, construída a partir de mitos e utopias, que se coloca ao mesmo tempo jovem, pós-moderna e digital. Ele suscita respostas vindas da prática já existente nessa nova ágora, que demonstrou ser altamente manipulável e, não sem paradoxos, altamente crítica. Palavras-Chave: ativismo digital, Kony 2012, utopia, meme, mito, narratividade, ciborgue.

Abstract In March 2012, the Kony 2012 campaign was launched by the NGO Invisible Chindren, having as its main tool a 29 minute movie, whose main goal is to mobilize people in order to find and arrest Joseph Kony, the leader of LRA (Lord’s Army Resistance), an active militant group in central Africa accused of practicing a series of crimes against humanity. The popularity reached by this activist movie has led us to focus our analysis on some strategies used by its producers and on some of the main effects of the campaign so far. We depart from considerations over the meaning of a variety of video footages taken from Youtube that were used as basic building blocks in the making of Kony 2012. The analysis, then, follows the sequence in which images and sounds are woven into the Kony 2012 narrative, and its unfolding of the potential political meanings in the micro videos. Finally, taking the movie as a moment immersed in a complex process of construction, dispute and negotiation of an imagined digital community, we discuss the ways in which the movie and the practices that surround it are proposed as a global politics, built from myths and utopias, which places itself as young, post-modern and digital all at once. The movie provokes answers from other digital actors in this new agora, which proved itself highly manipulable and also, not without paradoxes, highly critical. Keywords: digital activism, Kony 2012, utopia, meme, myth, narrativity, cyborg.

* Um método tradicional de análise fílmica, a decupagem é capaz de revelar os detalhes da construção de um filme como este. Estes detalhes expõem o artifício, tanto no sentido da construção como da arte, capaz de recolher todos esses elementos soltos e dar a eles uma direção e sentido. Sobre a elaboração sobre decupagem como método interpretativo ver Sorlin (1985). A análise se baseia na decupagem dos primeiros 12 minutos do filme. A decupagem completa foi feita, mas aqui utilizados apenas recortes dos trechos que nos pareceram mais pertinentes à presente análise.


Invisible Children: breve nota sobre a ONG e sua campanha

A

ONG Invisible Children é uma instituição Americana com base em San Diego, Califórnia. Foi fundada em 2004 como fruto do trabalho de três video-makers, Jason Russell, Bobby Bailey e Laren Poole que viajaram para a África

Central em 2003 para registrar conflitos internos que tinham como vítimas milhares de crianças. O produto dessa primeira viagem foi o filme Invisible Children: Rought Cut. Desde então, a ONG mantém bases tanto na África como nos Estados Unidos, tendo como bandeira principal dar maior visibilidade aos conflitos que prejudicam milhares de vidas na África Central. Atividades das mais diversas vêm sendo feitas pela ONG, como a apresentação de vídeos em escolas de ensino médio, flash mobs1 e outras ações. A ação de maior efeito da ONG até agora é o vídeo Kony 20122. Ao alcançar uma visibilidade inaudita3, o vídeo lançou a ONG no mar da fama. Memes e Mythoi: tijolos de uma arquitetura Uma das estratégias de sucesso do filme Kony 2012 está no fato de que nele faz-se uso de uma coletânea de imagens que mostram vídeos famosos por terem cativado as emoções das pessoas que os acessaram. Estes vídeos estão disponíveis pelo Youtube e outros portais de compartilhamento. Isso inclui imagens de resgate de crianças, vídeos caseiros de pessoas conversando e uma curta lembrança de imagens da primavera árabe. Em minutos, o vídeo capta a atenção do usuário médio da internet trabalhando com

1 Ações públicas cujo propósito é criar uma aglomeração repentina de pessoas para realizar uma determinada tarefa, seja uma guerra de travesseiros, um desfile de toalhas ou um bloqueio de uma avenida. São normalmente organizadas por meios de tecnologias de comunicação digital e tem objetivos diversos, variando do lúdico ao político. 2 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=Y4MnpzG5Sqc>. Acesso em 02 abr. 2012. 3 O vídeo alcançou o que nenhuma campanha ou vídeo de qualquer tipo jamais alcançou na internet: 112 milhões de exibições em 10 dias. O dado é da Visible Measures, uma empresa de medições de audiência e planejamento de campanhas online. A empresa compara a audiência alcançada pelo vídeo "Kony 2012" com a campanha publicitária de maior sucesso na internet, que em um ano alcançou essa mesma pontuação. Disponível em <http://corp. visiblemeasures.com/news-and-events/blog/?Tag=invisible%20children>. Acesso 29 mar. 2012.


memes4 globais, tais como os exemplos acima. Antes de entrarmos na construção de Kony 2012, pensamos ser necessária a emprestar esses memes. É nossa opinião que o grande sucesso de Kony 2012 tem entre suas razões o fato dele tomar emprestado e revelar mythoi5 que antecedem e se aglutiEssa miríade de vídeos, frutos da contribuição coletiva já há tempos em curso, serve de material básico sobre o qual Kony 2012 vai sendo esculpido. A proposta de pensá-los como versões narrativas de valores compartilhados e por eles reatualizados (aqui experimentalmente denominados de mythoi) visa sugerir que, pelo menos em parte, a atual explosão imagética na forma da proliferação de imagens em outdoors, propagandas de TV, filmes, seriados, fotos e vídeos na internet, pode ter na base da sua motivação um trabalho conjunto que se realiza sobre valores na atualidade, e que tem entre seus aspectos um sentido político captado na arquitetura do filme Kony 2012. Em sua tentativa de moldá-los segundo a sua versão de realidade, ele os revela na sua potencialidade política. Esta análise pretende indicar a possibilidade de se pensar os afetos causados por esses vídeos retirados do Youtube em uma chave que tenta retomar elaborações teóricas que possivelmente nos ajudem a interpelar ligações entre narratividade e valores.

contribuições narrativas espontâneas, como a que se deposita como memes em vídeos do Youtube, como uma negociação e reatualização de valores a partir da narratividade em torno desses mythoi. Estes representam aqui a tentativa de uma noção hipotética intermediária entre valores e narratividade, onde a narrativa é iluminada sob o seu aspecto ritual, ou da revivência e reatualização, de valores compartilhados por meio dessas versões narrativas. Uma das utilidades dessa forma de pensar é a possibilidade de 4 Termo originário do livro de Dawkins (2006), um meme é entendido como um pequeno fragmento de informação, que tal qual uma metáfora da ideia dos memes de Dawkins, se multiplica e se espalha. É uma aproximação que se faz para tratar certos objetos da comunicação como se fossem unidades básicas de comunicação que se reproduzem nas redes de comunicação. Nas mídias digitais, os memes podem ser representados por notícias, piadas e vídeos virais de alto impacto. 5 Mythoi, plural de mythos, está sendo usado tanto no seu sentido narrativo quanto em sentido antropológico. No sentido narrativo que parte da análise formal aristotélica, são considerados enquanto elementos pré-narrativos que põem em movimento uma história ou um conjunto destas, elementos ou argumentos básicos que dão embasamento à narrativas. No seu sentido antropológico, são considerados enquanto valores pró-narrativos, ou os valores que motivam a narrativa e que são o fim ao qual elas se destinam. O que procuramos com essa noção experimental é tentar uma elaboração que possa amarrar forma e sentido, narrativa como construção formal e como nexo de valores, em uma ideia que fique a meio termo entre esses dois elementos. Talvez pensá-los como esquemas pré-narrativos e pró-narrativos traga a possibilidade de uma perspectiva de interesse. Nesse sentido, desejamos mantê-la como uma noção experimental.

Flávia B rites - Tarcisio Torres S ilva

da clivagem sagrado-profano. Indicamos a possibilidade de interpretar essa miríade de

Acreditamos que talvez seja possível fazê-lo tentando retomar estes últimos sob a chave

estratégias narrativas de um fenômeno do ativismo digital

nam à elaboração coletiva desse sujeito imerso nas redes digitais de comunicação.

Kony 2012:

reflexão a respeito da origem de alguns dos afetos que o filme toma de empréstimo ao

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agrupar, analiticamente, sob um mesmo rótulo, vídeos que de outra forma não teriam aparentemente nada em comum, mas que são unidos sob este rótulo não como um esou micro-vídeos retirados do Youtube em torno de valores, como formas narrativas de reatualização destes. Decorrente da herança aristotélica e pré-aristotélica, pode-se pensar os mythoi

2012 é uma narrativa clássica, ao passo que as narrativas montadas por vídeos caseiros se apresentariam como fragmentos. O observador incauto pode sofrer da ilusão hodierna de que esses vídeos “retratariam a vida”. Mas as cenas que presenciamos pelos memes do Youtube não são a vida das pessoas, são no mínimo recortes destas8. Esses vídeos podem parecer ao observador como uma espécie de brotamento, uma extensão das vidas ali acidentalmente postadas e que não trazem em si nenhum artifício, construção ou intencionalidade, mas quando questionados enquanto mythoi, eles se revelam com sentido muito marcado e como frutos de uma construção simbólica cujo recorte faz sentido por meio dos valores que se expressam neles. Tomemos como exemplo um dos vídeos caseiros que aparecem no filme Kony 2012 com o discurso de um garoto que aprendeu a andar de bicicleta9. Trata-se de um vídeo bastante acessado que evidencia um dos mythoi utilizados na narração montada no filme. Pode-se argumentar, tomando a noção formal aristotélica de mito (ou enredo), que o discurso do garoto é no máximo o final de uma história. Mas precisamente por isso – porque imaginamos o restante da história como a superação de dificuldades que geram um aprendizado e resultam no discurso do garoto que tanta gente achou adorável – é que esse pedaço de história tem muito sentido, e apelo emocional (pathos). Pensamos que tanto é assim, que apenas um recorte desse vídeo faz parte da montagem de Kony.2012, e este microrrecorte já é o suficiente para nos remeter à histó-

6 Levi Strauss (1985) explora esse aspecto dos mitos gregos. Ao analisar o "mito de Édipo", ele toma o caminho da bricolagem orientada pela interpretação estruturalista, em outras palavras, ao invés de analisar cada uma dessas histórias como um ente separado, ele as junta em uma só estrutura narrativa. É possível tecer críticas sobre a necessidade ou a imanência dessa estrutura que Strauss busca recompor e ao modo como ela é recomposta partindo-se da ideia de que haveria uma estrutura básica humana que se poderia depurar. Estes autores preferem pensar que há esquemas historicamente compostos e socialmente compartilhados, ao invés de postular estruturas da natureza mental humana. 7 refere-se à qualidade de tudo aquilo que nos toca emotivamente. 8 Para além disso, pode-se questionar inclusive se elas ocorreriam daquela maneira como foi captado pela câmera na ausência desta. Para esta discussão ver Menezes (2003). 9 O link abaixo é de uma versão traduzida desse micro-vídeo caseiro usado em Kony.2012 que já contém colagens (primeiro quadro e música). Várias repostagens, paródias e re-cuts desse vídeo podem ser encontrados. Há diversas repostagens com o título de “Thumbs up for Rock and Roll”. Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v= BtisPdsMEXI&feature=results_main&playnext=1&list=PL82E75D271ED42AF2> Acesso em 5 abr. 2012.

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um pathos7 suscitam um efeito emocional específico. Nesse sentido formal, o filme Kony

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como a história ou conjunto destas, que formam um todo coerente6, e que ao lidar com

Revista GEMI n IS |

forço taxonômico, mas analítico. Essa noção de mythoi ajuda aqui a agrupar os memes,

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ria de superação e conquista, um mythos cuja estrutura básica é, portanto, socialmente compartilhada, carregando sentido, remetendo aos valores que nos afetam. Esses meminimalistas, ou que, poder-se-ia dizer, mantém apenas o fundamental, deixando aos cuidados da nossa imaginação a tarefa da sua compleção.10 Nesse vídeo caseiro o que discurso encorajador para garotos como ele. Em Kony.2012 aparece o menino falando apenas uma frase: “se você acredita em si mesmo, você vai aprender a andar de bicicleta”. No entanto, não é difícil o espectador completar toda a história mentalmente: imaginamos que ele teve dificuldades em aprender a andar de bicicleta, no entanto ele insistiu e acabou aprendendo, e que, por fim, no vídeo ele está dizendo para outros garotos que é possível fazer isso se eles acreditarem em si11. Outro dos microvídeos usados mostra uma garota que usa o aparelho auditivo pela primeira vez e chora emocionada12: imaginamos que ela perdeu a audição (ou sempre foi surda), lutou muito para recobrá-la, e se emocionou ao conseguir finalmente. Esses vídeos podem ser pensados como versões de um mythos de superação concentrados minimalisticamente em um fragmento. No sentido antropológico, podemos pensar os mythoi componentes do vídeo e o próprio mythos montado pelo vídeo Kony 2012 como oriundos e contribuintes de uma

vídeo do garoto da bicicleta, por exemplo, aqui visto como representante de um mythos em uma perspectiva sociológica, só adquire seu sentido quando posto em um contexto valorativo (ou, dito de outro modo, o vídeo não teria sentido se “superação de dificuldades” não fosse um valor compartilhado). Parece-nos interessante retomar o sentido de mythos ligado a uma tradição do pensamento acerca do sagrado que remonta aos trabalhos de Eliade (1954).13 Este autor propõe que o domínio do sagrado seria o terreno

10 Nesta época da postagem de vídeos e de saturação de histórias, talvez já não tenhamos mais necessidade de histórias completas, posto que a nossa imaginação as preenche. 11 O argumento é que a história que imaginamos se assemelha a esta. Poucos imaginariam a sério, por exemplo, que o menino tomou café da manhã, foi para a escola, se lambuzou de lama no recreio, foi mal-educado com a professora, ficou de castigo, tomou banho, colocou capacete, e com sua bicicleta foi passear com o pai e fez um discurso (por mais que isso possa ter ocorrido). Uma das regras tanto da narrativa como da forma como pensamos as histórias que têm sentido, parece ser que selecionamos apenas alguns elementos, que extraídos do fluxo normal, profano e caótico da vida, ou então ficcionais desde sua origem, podem ocupar esse domínio do sagrado. 12 Disponível em: < http://www.youtube.com/watch?v=WlSOtH9BrRk>. Acesso em 19 abr. 2012. 13 É comum se interpretar o pensamento mítico como algo do passado, derrotado pelo progredir da racionalidade enquanto processo. O próprio Eliade o faz, e acaba propondo um retorno ao pensamento mítico. No entanto, ele mesmo percebe que o pensamento mítico não tende a sumir da face deste planeta, mas que ele já não mais abarca a totalidade de nossas vidas. Esse processo percebido por vários autores, entre os quais Weber, possivelmente participa disso que é percebido como fragmentação pelo pensamento pós-moderno.

Flávia B rites - Tarcisio Torres S ilva

e dessa nova coletividade idealizada que o filme Kony 2012 agrega e revela. O mesmo

série de discursos que gravitam os entornos desse novo sujeito político da esfera digital

estratégias narrativas de um fenômeno do ativismo digital

aparece efetivamente é só o garoto paramentado de capacete de ciclismo fazendo um

Kony 2012:

mes são fragmentos de histórias no sentido formal, mas são “histórias concentradas”,

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da transformação ritual do caos em cosmos e, portanto, o terreno de ordenamento do mundo. Ao interpretar eventos sob o prisma do sagrado, o ser humano dota de sentido co o que é sagrado é real, ou seja, o sagrado é a própria medida do real14. Na chave do mythos como algo dotado de sentido e de realidade, a interpretação desses microvídeos depende, em última análise, de valores partilhados. Por mais caseiros que esses vídeos

sem sentido, mas de recortes de atos que talvez só existam em função da presença da câmera. Adquirem sentido ritual não como parte do puro fluxo caótico da vida, mas ao serem isolados desta, recortados e colocados em outro contexto, que é o próprio contexto do Youtube e do compartilhamento. São, por assim dizer, “recortes ideados da vida” que em si só já são construtos, e cujo sentido depende de valores compartilhados15. Kony 2012: (uma) arquitetura do novo sujeito político O filme Kony.2012 parece trazer consigo o velho e o novo. Em termos de construção, ele é uma narrativa clássica: desenvolve personagens, centra-se em torno de um drama (ou pathos) ao qual ele dá resolução e essa constitui um dos principais apoios de sua força persuasiva. A arquitetura do filme tende a direcionar o ponto de vista, assim como os sentimentos e os posicionamentos valorativos com que o espectador vai sendo confrontado. Já o que este vídeo traz de novo é aquilo que ele revela: elementos presentes na internet (e seus afetos) que ele toma para construir essa narrativa clássica. Essa miríade de imagens, originadas de uma série de elaborações coletivas, são elas mesmas indício, ou externalização, de valores que desembocam no nosso mais novo mythos centrado na idealização de um novo sujeito político digital. Kony.2012 retira elementos fundamentais desses mythoi presentes nas imagens compartilhadas pela internet e dá a eles o seu direcionamento específico, entrando, dessa forma, em um debate já em curso. Ao fazê-lo, ele ilumina componentes deste mesmo debate. O filme Kony 2012 inicia-se pela construção do lugar do espectador como in14 O termo "real" está sendo usado aqui seguindo as indicações de Eliade, no sentido de que aquilo que partilha do sagrado é também imaginado como real. Acreditamos que a problematização dos sentidos postos hoje de realidade enquanto uma elaboração, ou talvez um conjunto de elaborações coletivas, ainda pode ser retomada de forma proveitosa. 15 Como o filme, ou neste caso, o vídeo, não pode ser tratado como representação, posto que idealmente a representação jamais é confundida com o real, Menezes (2003) propõe discutir a imagem-documentário como representificação, em outras palavras, como algo que "nos põe em presença de", e que nos impõe um posicionamento valorativo (opus cit.). A questão mesma da confusão nos parece altamente pertinente: ao implicar que na mente de quem confunde a imagem é a realidade (ou pode ser a realidade) e que esta confusão é bastante comum, implica-se que imagens participam das elaborações coletivas da(s) realidade(s).

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ligados ou participantes do domínio do sagrado: não se tratam de imagens quaisquer

ano

tirados do Youtube sejam, podem ser pensados aqui no seu sentido antropológico, como

Revista GEMI n IS |

aquilo que sem o mito é sem sentido, e nessa chave, profano. Para o pensamento míti-

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ternauta, estabelecendo uma ligação afetiva com este e empoderando-o. Na abertura, uma frase aparece na tela: “Nada é mais poderoso que uma idéia cujo tempo chegou”. assemelham-se a um só organismo pulsante. Uma voz-over diz “Neste exato instante há mais pessoas no Facebook do que havia em todo o planeta há 200 anos atrás”. -compartilhamento, apontando para o imaginário da origem do poder desse novo sujeito político que se desenha. Várias cenas curtas mostram pessoas a se comunicar com seus familiares por webcams, celulares e vídeos postados. A voz-over diz “agora nós nos vemos uns aos outros e escutamos uns aos outros”. A estas cenas são intercambiados closes de telas de computadores onde o cursor aparece clicando os botões “send”, “share”, à medida que as imagens vão passando os microvídeos discutidos no tomo anterior, todos emoldurados no nosso écran pela imagem do ambiente do Youtube. Eles delineiam a mensagem (ou mythos) da comunidade em conexão e do pan-óptico (a comunidade dos que se vêem).

estratégias narrativas de um fenômeno do ativismo digital

As imagens que se seguem fazem uma aproximação entre vida-tecnologia-

Kony 2012:

A imagem noturna do planeta visto do espaço mostra grandes centros iluminados:

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de fotogramas do filme seguindo, da esquerda para a direita e de cima para baixo, sua ordem no filme. Elas são descritas no próprio corpo do texto que elas acompanham, por esse motivo elas vão prescindir de legendas.

O próximo conjunto é a montagem de vídeos que remetem ao mythos da “conquista” ligada a esse ambiente de compartilhamento: um menino retirado de escombros no Haiti, o guri com capacete de ciclismo grita “se você acredita em si mesmo, você vai aprender a andar de bicicleta”, a garota emocionada no consultório médico ao recobrar a audição. A superposição destas mensagens formula o internauta como um ator em uma nova forma de relação e como sujeito que pode, que consegue o que quer – sujeito de um poder.

Flávia B rites - Tarcisio Torres S ilva

Nota: Todas figuras que acompanham a análise da decupagem são montagens


33 Revista GEMI n IS | ano

construída e a direcionam para as noções que delineiam um “novo coletivo” e sua “ação política”. O vídeo passa da mensagem “conquista”, evidenciada nos vídeos acima descritos, para a de “conquista dos povos”, do poder ao poder político: a voz-over diz “Essa conexão está mudando o jeito que o mundo funciona”, ao passo que vemos imagens da primavera árabe, as pessoas se manifestando e carregando cartazes (um dos quais traz escrito “Facebook”). Um manifestante diz “agora podemos sentir o gosto da liberdade”. O novo coletivo ideado é contraposto à ideia do “velho poder”: seguem-se imagens de senhores grisalhos engravatados, membros de parlamentos, palestrantes e âncoras de jornais, dizendo “as pessoas estão preocupadas”, enquanto a voz-over diz “Esta conexão está mudando a forma como o mundo funciona, e os governos estão tentando lidar com isso. As gerações mais velhas estão preocupadas: o jogo agora tem novas regras”.

Esta primeira parte do vídeo é fundamental no sentido de estabelecer o lugar do espectador como sujeito de um novo poder contra o velho poder que aí esteve até os dias de hoje. As imagens selecionadas desses mythoi espalhados em memes pela net são amarradas de forma a levar este novo sujeito de uma perspectiva íntima-familiar a uma

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Passa-se então para elementos que tomam essa idéia de “compartilhamento”


perspectiva de conjunto, ou de uma nova comunidade imaginária16 que ele formaria com os demais internautas: esse novo ciborgue que pode ver tudo e que compartilha 17

ameaça o status quo. Em momento algum o vídeo perde de vista a conexão emocional estabelecida com o espectador. Enquanto as imagens e vozes ligadas a estas estabeledigital”, a voz-over, também não acidentalmente bastante chamada de voz-de-deus, fala como alguém neutro e onisciente, que acima destes acontecimentos, é capaz de ordená-los e a eles dá sentido. A seqüência seguinte começa a desenvolver o narrador como sujeito de uma sapiência (expressa na voz-de-deus) que é fruto de uma experiência vivida. As imagens se apresentam na seguinte seqüência: Enquanto a cena de um vídeo mostra-o presente no nascimento de seu filho Gavin, o narrador em voz-over se apresenta como o pai que vemos no vídeo. A câmera dá close no recém-nascido e a voz-over diz “cada pessoa veio a este mundo desta forma: ele não escolheu onde nem quando nascer, mas porque ele está aqui, ele tem importância.” Esta parte do vídeo faz a caracterização de duas categorias importantes de personagens deste drama18: o aglomerado filmmaker-ativista-internauta (que faz as vezes de herói) e o aglomerado criança-vítima, cujo imaginário é construído, portanto, como a de vítima das circunstâncias deste mundo desde o seu

como a “pessoa” de Jason Russel (o narrador, filmmaker e herói do Bildungsroman do filme) se parte em dois: o narrador onisciente sempre presente pela voz-over e o personagem de pai que se apresenta na relação adulto-criança que será desdobrada tanto na relação mais específica Russel-Jacob como em uma mais genérica de “civilizer-civilizee19” (na qual ele busca nos incluir por identificação com o herói). A partir de então o filme trabalha com a superposição desses dois “Russels”: O Russel do passado, que é um per16 Anderson (2006) formula a noção de comunidade imaginária para tratar do surgimento do nacionalismo. Anderson a define como imaginada, pois nem mesmo os membros da menor dessas comunidades jamais se conhecerão pessoalmente. De acordo com o autor, a criação da nação como uma grande comunidade imaginada tornou-se possível pelo advento do capitalismo editorial, fruto do desenvolvimento da tecnologia de imprensa. O imaginário dessas grandes comunidades foi cultivado por escritores em romances, por exemplo. As novas tecnologias de informação estão a inventar uma nova comunidade imaginada, mas não pautada na invenção de uma tradição, mas da capacidade imaginada de podermos cada um de nós nos comunicarmos com todos os demais. Essa construção também parece remeter a uma espaço-temporalidade própria. 17 Descoberto desde há muito por Donna Haraway (1991), o ciborgue, esse nosso novo mito de uma nova era, ironicamente não está presente só na ficção científica, mas se faz presente na nossa vida. Somos ciborgues, pois já não vivemos sem nossos aparelhos. Eles nos são implantados e são uma extensão necessária de nós. “O ciborgue é a nossa ontologia”, diz Haraway, “ele nos dá a nossa política”. 18 A terceira categoria que completará a tríade será a de Kony, o vilão, que aparece posteriormente. 19 Optamos pelos termos em inglês cujo significado designa aquele que civiliza e aquele que sofre a ação civilizadora do primeiro, respectivamente.

Flávia B rites - Tarcisio Torres S ilva

A partir desta seqüência do nascimento, o que é percebido pelo espectador

nascimento.

estratégias narrativas de um fenômeno do ativismo digital

cem essa conexão afetiva e de sentidos que vai da família a esse novo coletivo da “esfera

Kony 2012:

tudo, que está de posse das novas ferramentas de poder e que sai às ruas em protesto,

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sonagem que nos obriga à representificação20 dos dilemas ao colocar-nos em presença de algo que demanda uma tomada de posição a partir dos valores postos em jogo. Essa te com as posições do Russel do filme, ao colocá-lo no que seria “o mesmo impasse do Russel” que é resolvido pelo Russel da voz-over. A série de dilemas apresentada forma uma espécie de “caminho de São Tiago” pelo qual temos que nós mesmos passar como

experiência, com a autoridade de quem completou uma jornada de cuja experiência ele retira sentido.

Um outro ponto de vista com que essa mesma seqüência pode ser confrontada diz respeito ao domínio público-privado. Este primeiro fio condutor coloca o espectador em uma situação criada pelo nivelamento das emoções em uma experiência compartilhada. Um tipo de experiência que tem seus antecedentes, posto que até pouco tempo atrás a vivíamos de forma menos global, quando produtos culturais tais como a publicidade, objetos de consumo e programas de TV preenchiam parte de nossa memória afetiva. Dessa primeira estratégia, o filme parte para um segundo nivelamento: a experiência da vida privada. A questão da autoria do filme torna-se importante nesta chave quando o diretor se coloca como um dos personagens do filme e também seu próprio filho. Ao fazê-lo, ele nivela a sua experiência privado-pública à do internauta. Para isso, faz uso de vídeos caseiros, alguns amadores, outros menos, em que a vida de seu filho é mostrada como em uma exposição de slides desde seu nascimento até a atualidade. Dessa série de fragmentos da vida privada de uma família americana, o vídeo faz a ponte da narração feita por meio da vida de duas crianças em lugares distintos. Gavin, o filho de Jason, e Jacob, um garoto ugandês vítima do LRA e que teve seu irmão assassinado pelo grupo, são unidos pelo fato de serem crianças. As imagens que se seguem no filme dizem respeito à construção de um espaço-tempo próprio do domínio digital que é tanto o lugar e ferramenta de poder, lugar que permite o estabelecimento dessa comunidade digital imaginada e de onde brota 20 Menezes (op. cit)

3 - n. 1

que conhece e sabe o que fazer. O Russel do futuro é capaz de dar ordem a esse caos da

ano

espectadores para podermos nos tornar, como o Russel do futuro, da voz-over, alguém

Revista GEMI n IS |

posição em que o filme tenta colocar o espectador visa à identificação das posições des-

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um novo ser digital que este domínio habita. As utopias ligadas a esta comunidade da esfera digital já estão em formação e desenvolvimento há tempos. Para contextualizar

Ciborgue, o ativista eletrônico: a ideação de um novo sujeito de poder

como pai, realiza a passagem dessa relação entre Gavin e Russel para a relação entre Russel e Jacob. Ao mesmo tempo, as imagens constroem um espaço-tempo virtual, apoiando-se nas imagens de ambientes como o Youtube, o videolog e o próprio Google que vão aparecendo no écran enquadrando vídeos, textos e links. Elas revelam o uso de uma imagética previamente engendrada da internet como espaço e adensamento do tempo e memória: A série se inicia com a imagem de um vídeo doméstico no qual Gavin está pendurando a foto de um rapaz na parede e respondendo à pergunta do pai “Quem é esse?” “É o Jacob”.

estratégias narrativas de um fenômeno do ativismo digital

A sequência que se segue à do nascimento e apresentação de Gavin e de Russel

Kony 2012:

essa nova formação do imaginário, reservamos o tomo a seguir.

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imagem que agora nos surge como um vídeo postado em um ambiente vídeoblog. Neste vemos uma série temporal de postagens que vão sendo clicadas. O ambiente videoblog conecta, no écran, os vários vídeos, fazendo também as vezes de “espaço”, de passagem, ou transição entre cenas. Além disso, o conjunto de vídeos postados empresta uma dimensão de “real”21 à relação do filmmaker com Jacob em forma de memória fixada nesse conjunto de vídeos postados. O videoblog serve também de máquina do tempo, permitindo retornar e espiar momentos dessa relação, nos vídeos que vão sendo clicados, tocados e pausados, a página do videoblog vai sendo rolada e os links que re-

21 Não se quer com as aspas botar a realidade desta relação em dúvida ou questioná-la, mas chamar a atenção para o efeito que este adensado de tempo e memória na forma de videolog cria em termos da representação desta relação por meio do videoblog.

Flávia B rites - Tarcisio Torres S ilva

A cena sofre um zoom-out e vemos surgir no écran os contornos da mesma


presentam os anos vão sendo clicados revelando mais vídeos postados. Os vídeos que vão sendo clicados mostram Jacob em momentos felizes. Ao final, a voz-over diz “mas diferentes. Ele estava fugindo da morte”. A partir de então, começa-se a contar a história da vitimização das crianças na Uganda. Se é que é mesmo possível pensar os sentidos valorativo-políticos desse novo

de onde surgiu/surge/surgirá a ordem em termos das noções de sagrado e profano. De certa forma, ele parece se configurar como um axis mundi: o local sagrado, descrito por Eliade (1954), de um simbolismo arquitetônico, “local de entrecruzamento entre o céu, a terra e o inferno” (idem, pg. 12), esse local também seria a passagem entre um e outro domínio. Para esse autor, o centro de um espaço sagrado representaria a zona de realidade absoluta. Esse é um pensamento perturbador para quem se dispõe a indagar sobre a composição das noções compartilhadas de realidade. “Agora nós nos vemos uns aos outros e escutamos uns aos outros”. Nessa chave, a internet parece ser, nessa construção de Kony.2012, o lugar onde a realidade se torna clara, acessível para todos. Ela também marca uma temporalidade mais próxima das temporalidades revolucionárias: marcando um nó no tempo em que tudo muda, ou, neste caso, um período em que o mundo está mudando: “Esta conexão está mudando a forma como o mundo funciona... o jogo agora tem novas regras”. A profecia/utopia de novo mundo que aparece em Kony.2012 não é nova. A campanha toma-a emprestada e reformula, a partir dela, as ações políticas do ativismo desse novo homem, segundo os moldes propostos pela Invisible Children. Há diversos manifestos ligados à internet. Como a genealogia dessa nova moral extrapola os limites deste trabalho, queremos apenas citar dois deles como fundamentadores da hipótese de que o apelo de Kony 2012 funda-se em afetos que apesar de relativamente recentes, já estão em formulação há pelo menos três décadas. Ao aproximar estes modelos, encontraremos diferenças e semelhanças. As semelhanças são importantes pois podem se constituir em indícios desse novo mythos do qual compartilhamos e que nos afeta. Um dos documentos aqui considerados como um exemplar do surgimento dessa utopia, “A Cyborg Manifesto22”, publicado pela primeira vez em 1985, onde Haraway (1991) elabora acerca do que esse novo ser humano tecnológico teria de potencialidades revolucionárias, o que ela denomina ciborgue. “Um ciborgue é um organismo cibernético, um híbrido de máquina e organismo, uma criatura da realidade social assim 22 Disponível em: <https://netfiles.uiuc.edu/jwstone2/WAM/Haraway.pdf> Acesso em 05 abr. 2012.

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formação desse espaço como o centro de um novo mundo em embrião, como o caos

ano

sujeito como pertencentes à esfera do sagrado, seria, talvez, interessante questionar a

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quando nos encontramos pela primeira vez na Uganda... foi em circunstâncias muito

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como criatura da ficção. A realidade se constitui de relações sociais vividas, nossa mais importante construção política, (é) uma ficção capaz de mudar o mundo”. Haraway lógica e política. O segundo documento para o qual gostaríamos de chamar a atenção foi pupor John Perry Barlow23 “A Declaration of the Independence of Cyberspace”. Um dos trechos mais significativos do manifesto diz: Governos do mundo industrial, enfadonhos gigantes de carne e aço, eu venho do ciberespaço, o novo lar da mente. Em nome do futuro peço que vocês, representantes do que é passado, nos deixem em paz. (...) Estamos criando um mundo em que todos podem entrar sem privilégios ou preconceitos...

O filme e a ONG sofreram uma onda de críticas vindas de diversos lados: colunistas nos jornais, questionamentos na televisão, mas principalmente vindas de internautas, que começaram a questioná-los dos mais diversos modos. Uma das razões pela qual o filme foi criticado está no fato do mesmo apresentar dados inconsistentes sobre o número de vitimados, sobre a real localização de Joseph Kony e uma apresentação mais consistente e detalhada deste. Após um primeiro impacto positivo, a desconstrução segue tantos caminhos, que cria-se um estado que poderíamos chamar de “crise de realidade”, no qual várias questões emergem acerca do que é “realmente real”: “Kony está vivo ou morto? Foi capturado há anos, ou está a solta? Está na Uganda ou no Congo? É ele mesmo o malvado, 23 Barlow era poeta, ensaísta, ciberativista e criador de gado, mas mais conhecido como vocalista da banda "Grateful Dead". O manifesto pode ser encontrado em: < https://projects.eff.org/~barlow/Declaration-Final.html> Acesso em 03 abr. 2012.

Flávia B rites - Tarcisio Torres S ilva

Kony 2012: os (velhos?) limites da nova política?

Junto do filme Kony 2012, estes documentos apontam para a elaboração dessa esfera digital como uma nova comunidade, que é, seguindo Anderson, como “real” e “irreal”. De acordo com Anderson, toda comunidade é, no limite, fruto da imaginação, de uma elaboração coletiva que vai tomando “realidade” na medida em que compartilhada. Nesse sentido, o filme parece repousar na criação do imaginário de um espaço novo, que vem sendo elaborado coletivamente há algum tempo. Pelo fato mesmo de ser uma possível construção coletiva, não se trata de um projeto único, com uma intenção clara, mas de um território prenhe de potencialidades, promessas e também de limites não previstos, e que, ao que parece, está sendo disputado ao mesmo tempo em que está sendo construído.

estratégias narrativas de um fenômeno do ativismo digital

blicado dez anos depois, em resposta À criação da lei das telecomunicações de 1996,

Kony 2012:

constrói por meio do ciborgue uma utopia pós-gênero, mas também uma utopia tecno-

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ou essa é uma desculpa para que o exército dos EUA possa entrar no país e controlar as reservas de petróleo locais? Existiu de fato algum genocídio, ou trata-se de tragédias quer movimento terrorista? O agenciamento de crianças na guerra foi uma só tática do LRA, ou o próprio governo da Uganda também se utilizou dessa tática? Quais são as reais intenções da ONG Invisible Children? Como eles conseguem seus recursos? Eles

da Uganda? Porque o filme chama uma flashmob para o dia 20 de abril, que é o aniversário de Hitler?”... E por aí segue. Seria preciso um estudo muito mais delicado desse momento de crítica para afirmar que há uma “crise de realidade” de fato. O que temos aqui são, no entanto, alguns indícios que possibilitam o questionamento de se não seria a própria noção do real que se impõe no centro desse drama: a hipótese é de que permeado de valores e utopias compartilhados, o filme Kony 2012 adquire uma “realidade” tão perturbante que atrai para si a desconstrução. O que isso indica? Talvez isso aponte para o diagnóstico weberiano de que os valores estão presentes e vivos, mas somos incapazes de fazer escolhas a partir deles. É ainda preciso pensar no que isso significa em termos de uma mentalidade hodierna acerca do real. O que propomos é que ao invés de afastarmos a antiga noção totalizante de realidade como simplesmente falida, talvez seja necessário examinarmos seus caminhos e descaminhos mais de perto e com reflexividade, mesmo que esse “real” seja deveras fugaz. Um possível ponto de partida seria investigar mais de perto as versões dessa utopia, não para desvalorizá-la em lugar de uma outra noção de realidade, mas para através dela interrogar sobre os sentidos de realidade implícitos, e os sentidos de realidade com o qual ela se choca. Há uma utopia que perpassa a narrativa de Kony 2012. É possível pensá-la como a versão dessa utopia ciborgue elaborada a partir da posição social desses atores específicos, da Invisible Children. Essa profetização da internet como a nova alavanca de onde se move o mundo parece permear a narrativa do filme, transformando a promessa pessoal de Russel ao garoto Jacob em uma espécie de liturgia da salvação do mundo. No filme, após sermos tocados pela tragédia de Jacob, o Russel presente no contracampo, que é o Russel do passado e daquele momento da escolha diz ao Jacob que surge no écran e que chorava “nós vamos fazer tudo o que for preciso e vamos fazer com que eles parem”. Há um fade-out e o écran fica escuro enquanto a última frase de Russel se repete como se fosse uma voz a falar diretamente à nossa consciência “Nós vamos fazê-los parar”.

3 - n. 1

forma de filmes, cartazes, palestras, e lobbies? Porque eles aparecem ao lado do exército

ano

gastam esses recursos com as vítimas na Uganda ou fazendo propaganda política na

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pessoais, perpetradas por atores dispersos que não têm uma causa comum em qual-

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40 Kony 2012:

nificar, mas agora eu sei. Nos últimos nove anos eu lutei para cumpri-la. E essa luta me trouxe aqui, a este filme”, enquanto fotos vão se seguindo, mostrando Russel em diversas situações como ativista na África e com Jacob, enquanto a voz-over diz “porque aquela promessa não envolve só a mim e Jacob, mas também você(s). E este ano, 2012, é o ano em que finalmente podemos cumprir aquela promessa”. Enquanto isso, nas imagens, enfileiradas, as fotos tipo 3X4 de diversas pessoas e a transição para a imagem satélite do planeta Terra a girar. “E se tivermos sucesso”, diz a voz-over, “mudaremos o curso da história”.

estratégias narrativas de um fenômeno do ativismo digital

A voz-over diz “Eu fiz aquela promessa ao Jacob sem saber o que ela iria sig-

sição frente à tragédia de Jacob representando as crianças da Uganda, é envolvido na esperança dessa promessa que agora nos envolve a todos. Novamente introduz-se o sentido de urgência no vídeo: esta parte da narrativa abre-se com o aviso em voz-over “Mas nosso tempo está acabando... Este filme expira em 31 de dezembro de 2012”. Neste sentido, a comunidade imaginada proposta no filme ganha uma missão, uma tarefa. No entanto, o “combate ao inimigo” vai se distanciar de um modelo mais idealizado do debate político democrático em que pesam o debate, o aprofundamento da discussão, a reflexão do papel das instancias de poder envolvidas e a elaboração de alternativas para

Flávia B rites - Tarcisio Torres S ilva

Estas seqüências tendem a comprometer o espectador, que tendo tomado po-


recorrer a estratégias mais condizentes com o sujeito imerso nas redes digitais. Há sinais de que essa utopia corrente, que perpassa o filme, se quer solução não cipação ao voto no representante, a democracia representativa, mas também o modelo da democracia participativa que se pauta por envolvimentos locais, discussões, assembléias, e representações de pautas que são levadas dos níveis locais para os regionais, e

democracia direta versão esfera digital põe os autores de Kony 2012 no seguinte impasse: para que isso seja possível, seria preciso, do ponto de vista dos autores, realizar um evento midiático que antes de tudo trabalhe com uma linguagem que rapidamente promovesse resultados: a publicidade. Observamos até agora dois campos onde o filme atua: na apropriação e reatualização dos mythoi presentes na rede na construção da sua narrativa e apoiando-se em um discurso utópico previamente em elaboração no ambiente digital. Com isso em mente, pergunta-se então se estes dois elementos são suficientes para afirmarmos que o que se observa no vídeo pode ser entendido como um fenômeno a ser observado do ponto de vista político. Benjamin (1994) fala do poder dos produtos culturais de instigar o espírito político da audiência. No jornalismo ou na literatura, ele fala da necessidade de se haver um desprendimento do autor de uma atitude que o detém de ser político. Isso aconteceria quando o autor se livrasse das amarras que o impedem de pensar livremente, seja pela condição de escritor burguês, seja pelo fato de ser economicamente dependente da mídia estatal, por exemplo. São em trabalhos como o teatro de Brecht, por propor a interrupção da ação como convite à tomada de posição do espectador quanto à ação e do próprio autor quanto ao seu papel, ou em fotografias legendadas, de forma a criar um sentido determinado, que o autor vai enxergar o fazer político. Diria Benjamim: Se uma das funções econômicas da fotografia é alimentar as massas com certos conteúdos que antes ela estava proibida de consumir – a primavera, personalidades eminentes, países estrangeiros – através de uma elaboração baseada na moda, uma de suas funções políticas é a de renovar, de dentro, o mundo como ele é – em outras palavras, segundo os critérios da moda. (BENJAMIN, 1994, pg. 129)

Trazendo a discussão de Benjamim para o nosso objeto de estudo, é ine-

vitável que nos questionemos se Kony 2012 cumpre essa função política apontada por

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de que munido do poder da comunicação pela internet possa trazer uma espécie de

ano

que é por demais trabalhosa e negociada com tanta dificuldade e morosidade. O ideal

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de um, mas de dois modelos mais velhos de democracia: o modelo que relega a parti-

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Benjamim. Seria então preciso buscar evidências de que o autor24 transforma a utopia compartilhada em conservadorismo ou se consegue se desvencilhar do mesmo. social desse “autor” e seus interesses materiais na reprodução da sua própria vida tal como ela é, ou seja, tem a ver com os limites do que para essa posição social se torna construção e a crítica sobre si mesmo, ou sobre sua própria posição social e interesses. Dessa forma é que a posição social do autor se transforma em “amarras que o impedem de pensar livremente”. Mas se pensar utopicamente é pensar libertariamente, a utopia deixa de ser utópica ao se deter sem avançar sobre os limites dessas amarras, ou seja, o da desconstrução do próprio ponto de vista que fica confortável dentro desses limites. O filme e a campanha da Invisible Children foram capazes de criar um engajamento online através, dentre outras coisas, da exploração da libido – o eixo psicológico dos desejos, que segundo Freud, entrariam em conflito contra o superego, ou contra a aceitação do mundo como ele é. As estratégias de sucesso do filme estão muito ligadas à condição desse sujeito contemporâneo em seu encontro com possibilidades libertárias dadas pela simples possibilidade de que a sua comunicação com outros seres humanos não passe necessariamente pelos centros de poder midiático. Nesse sentido também, não só o filme e a campanha, mas todo o que poderíamos chamar de “complexo cibor-

em uma causa viável para levas de adolescentes nos Estados Unidos, num primeiro momento, e depois em escala mundial. Por esse lado, ele foi capaz de romper a bolha das relações próximas, e dos interesses particulares, e levar essa vontade de um mundo diferente para um domínio mais universalizado. Por outro lado, a versão do filme sobre as estratégias desse “ciborgue contra Kony” insinua indícios de que essa versão de ciborgue a la Invisible Children não se descola do seu berço, do local confortável onde ele se encontra “em casa”. Oferece esse conteúdo que já não é mais libertário, e se encontra transformado e retorcido, pois traz as marcas da transformação da ação política despertada pela denúncia do filme em clichês “da moda”, para mantermos a linguagem usada por Benjamin. Entre seus clichês estão a transformação do assunto dentro de uma lógica do branding, que se denota na forma

24 Na verdade os autores, se considerarmos "o autor" como uma coletividade representada talvez não só pela ONG, mas também por uma comunidade mais ampla que se identifica com suas ações e valores. 25 Ou que, em uma escala psicológica, e acompanhando Donna Haraway, poderíamos chamar de "complexo de ciborgue" para nos referenciarmos aos quereres desse Id que se liga às possibilidades da tecnologia comunicacional.

Flávia B rites - Tarcisio Torres S ilva

O filme foi, além disso, capaz de transformar o externo, o exótico e o longínquo

gue25” é sem dúvida um fenômeno que chama a atenção.

estratégias narrativas de um fenômeno do ativismo digital

desconfortável, posto que implicam barrar o pensamento libertário, o que inclui a des-

Kony 2012:

As pistas que Benjamim nos dá (acima) de como isso é feito tem a ver com a posição

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como são vendidos, por exemplo, os kits do ativista26, mas com as várias formas como a campanha flerta com a lógica da publicidade (como será discutido no próximo tomo). de sua relação com o outro enquanto civilizador, enquanto adulto protetor, enquanto xerife e bandido, e enquanto consumidor. É de se perguntar: quais seriam as condições sociais que permitem que sur-

e recursos). Sabemos o quanto o mercado é anônimo. Então uma dúvida terrível pesa sobre o ciborgue: será possível que os recursos pelo controle dos quais se guerreia na África central, será que os mesmos recursos com os quais eles compram armas para as criançinhas, são também recursos que permitiriam essa nossa revolução tecnológico-comunicacional da qual a própria existência do ciborgue depende? O ciborgue versão IC não quer se perguntar esse tipo de coisa, e é por isso que ele projeta sua culpa nessa figura jesus-hittleriana, à qual denomina Kony, essa encarnação do mal cuja extirpação trará a cura ao mundo. Branding Kony Como sugerimos no tópico anterior, não apenas o vídeo, mas toda a campanha Kony 2012 flerta com diversas estratégias provenientes da publicidade. A começar do propósito do vídeo em si: tornar Joseph Kony conhecido mundialmente. Para isso, além de usar estratégias mais corriqueiras, como a promoção de palestras e debates com pessoas vítimas do LRA nos Estados Unidos, a Invisible Children preferiu transformar Kony 2012 em uma marca. Para isso, tem usado de diversos artifícios, dos quais se destacam a marca em si e os cartazes da campanha. Na figura abaixo, observamos o cartaz produzido pelo artista Shepard Fairey e junto a ele o logotipo da campanha.

26 Nos dizeres do site de vendas da IC: "People will think that you're an advocate of awsome" o que, com dificuldades nas transposições de termos juvenis, traduziríamos para "As pessoas vão pensar que você é um defensor do superlegal". ver em < http://invisiblechildrenstore.myshopify.com/collections/t-shirts/products/kony-kit>. Acesso 18 abr. 2012. 27 com respeito aos quais o verdadeiro Kony pode ser considerado como apenas um representante.

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armas só pode ser feita com a venda de recursos (ou por escambo direto entre armas

ano

jam esses warlords locais?27 Toda guerra depende da compra de armas e a compra de

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Mas mais do que tudo, a versão ciborgue da IC não desconstrói seu lugar nos aspectos

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Figura 1 - Cartaz de Shepard Fairey para a campanha Kony 2012

44 Kony 2012: estratégias narrativas de um fenômeno do ativismo digital •

T1dju5hYQaI/AAAAAAAAEtI/tTzaDKUoehk/s1600/tumblr_ m0hars78tH1rrns8mo1_1280.jpg>. Acesso em 03 abr. 2012.

Shepard Fairey ficou famoso mundialmente depois de ter criado o cartaz para a campanha presidencial de Barack Obama que trazia a face do agora presidente produzida com traços que lembram o cartaz acima e com a palavra hope logo abaixo. O cartaz é extremamente didático em sua proposta. A composição das faces de Adolph Hitler, Osama Bin Laden e Joseph Kony logo à frente é de clara interpretação de sentidos desejados. Inimigos da história e da ordem mundial juntos, lado a lado. Da história ocidental, diga-se de passagem, da qual a África mais sofreu do que tirou vantagens. Assim, nivelar três personagens tão distintos de histórias tão separadas tem um possante efeito simbólico, mas também gera um estranhamento que pode dar lugar a um olhar mais crítico. Como, por exemplo, criar um discurso do mundo todo contra Joseph Kony e

Flávia B rites - Tarcisio Torres S ilva

Disponível em: < http://1.bp.blogspot.com/-OZwQ_w3y4TU/


usar como referência de maldade Osama Bin Laden? Pode fazer sentido do ponto de vista ocidental, mas é problemático sob a ótica da representação simbólica do líder para A imagem de Hitler incomoda da mesma maneira, quando partimos de outras interpretações da “realidade”. Uma interpretação mais pautada pela noção da história como processo material, que se opõe à interpretação da história como atos de líderes

co participara das políticas imperialistas que direcionaram as ações de diversos países europeus entre o final do século XIX, início do XX, tendo como principal alvo a África e a Ásia. O sentimento reprimido da criação de um império alemão teria motivado as ações brutais ocorridas29. Essa versão da história marca o peso do ocidente no atual desastre político em que se encontram diversos países na África. O peso dessa representação histórica é demasiadamente inferior aos mythoi e à utopia da participação direta presentes nas construções de sentido de Kony 201230. Em última instância, notamos que essa representação da história em si pouco importa para a narrativa, dado que se trata de identificar o câncer e extirpar o mal. É melhor a simplificação para que haja êxito, o que significa neste caso dividir a estória entre homens bons (Russell, Gavin, Jacob, o espectador) e homens maus (Kony, Bin Laden e Hitler). Isso pode indicar que as escolhas com respeito ao que constitui e o que deixa de constituir a “realidade” passam pelo eixo da eficiência, ou dito de outro modo: Como seria possível extirpar um mal que é difuso?

28 Em Cultura da Convergência, o autor cita o caso de uma foto de Osama Bin Laden que foi colocada lado a lado com um personagem da Vila Sésamo, o Beto. A foto foi criada por um estudante filipino-americano para uma série satírica intitulada “Beto é do mal”. Um editor de Bangladesh localizou a foto na internet e, dada a qualidade da imagem, julgou-a adequada para que fosse impressa em cartazes e camisetas em prol do líder, sem notar a imagem do personagem ao lado, pois o personagem não era conhecido no mundo árabe. As imagens da passeata nas ruas geraram esse estranhamento da fusão das culturas, mesmo que por equívoco, quando historicamente havia um conflito em ebulição. 29 Não se trata aqui de fazer um perigoso revisionismo histórico que bote em dúvida as ações brutais do regime nazista, ou que negue a existência dos campos de concentração. No entanto, ações talvez igualmente brutais das outras nações envolvidas diretamente e indiretamente no conflito simplesmente somem frente à noção desse vilão Hitler/Alemanha nazista. A cooperação das outras nações, o estabelecimento de campos em outras nações, e outras ações desaparecem frente a força dessa representação do mal. 30 Em Cosmos and History (pg. 141 a 162), Eliade aponta, no entanto, um sentido em que o nosso entender moderno da história poderia comprometer nossos valores e a afetos: ao passarmos a um entendimento da história como processo de tempo linear nos botamos na posição de herdeiros da história, e, paradoxalmente, de responsáveis por ela. Dessa forma, também ao nos pensarmos como herdeiros e vítimas da história como processo, indica Eliade de uma maneira perturbadora, nos colocamos, de certo modo, em uma relação de responsáveis hoje por atos do passado. Apesar desse não ser o sentido de responsabilidade com o qual o filme Kony 2012 trabalha, pode-se dizer que de certa maneira, também a interpretação da história como processo pode trazer à baila afetos ligados a outro sentido de responsabilidade, mas não necessariamente. Ao reconhecer essa questão do sofrimento, ou dos afetos modernos ligados à sua noção de si, Eliade passa a pregar um retorno ao primitivismo, posição com a qual não compartilhamos. As escolhas de Eliade não invalidam o problema original do sofrimento como questão, ou seja, de como nossa noção de realidade nos pode fazer sofrer e como ela pode incorrer em uma forma de perspectiva valorativa.

3 - n. 1

Mundial: A Alemanha, dado seu estabelecimento tardio enquanto estado-nação, pou-

ano

loucos e iluminados, põe em pauta outros motivos que levariam à Segunda Guerra

Revista GEMI n IS |

o mundo árabe, como nos mostra Jenkins (2009)28.

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Em O Império do Efêmero, Lipovetsky (2009) discorre sobre a cultura industrial, cuja linguagem serve de base para a campanha que analisamos. O estranho efeito das que afirma que:

Ao observamos o nivelamento dos vilões proposto pelo quadro, notamos esse mesmo tratamento no que diz respeito à posição de personalidades históricas que são também realocadas geograficamente, trazidas para o presente e remodeladas dentro de uma narrativa moderna. Esse nivelamento tem seu espelho em uma noção de história como sempre-o-mesmo, uma narrativa de mocinhos e bandidos cujo contexto parece desaparecer como um mero pano-de-fundo exótico. O logo da campanha traz também outra imagem de fácil compreensão. Trata-se do triângulo invertido, numa referência à proposta da campanha de motivar a base social a promover mudanças no topo. Essa inversão é vista em algumas passagens no

meçaram nos Estados Unidos com o Occupy Wallstreet. Uma das máximas dos protestos era dizer que 99% da população não poderia pagar pelo que apenas 1% da mesma havia feito (numa referência aos bancos e outros responsáveis pela crise). A inversão da base da pirâmide também nos leva a outra estratégia usada pela ONG: o uso de celebridades e políticos de alta escala como alvo de mensagens e “pressão social”. O site da campanha fornecia um link direto para que as pessoas enviem mensagens diretamente a essas personalidades pedindo para que mencionassem Joseph Kony. Entre as celebridades apontadas estão George Clooney, Angelina Jolie e Bono Vox, todos já bastante conhecidos como participantes ativos de causas políticas globais.

Flávia B rites - Tarcisio Torres S ilva

também foi usado durante o ano de 2011 nos protestos contra a crise mundial que co-

vídeo e o mesmo vemos aqui no cartaz. O uso da base como agente de transformação

estratégias narrativas de um fenômeno do ativismo digital

Para a cultura industrial, o presente histórico é medida de todas as coisas, ela não temerá a adaptação livre, o anacronismo, a transplantação do passado no presente, a reciclagem do antigo em termos modernos. Enfim, porque é uma cultura sem rastro, sem futuro, sem prolongamento subjetivo importante, é feita para existir no presente vivo. (Idem, pg. 244).

Kony 2012:

imagens citadas acima é em parte explicado quando observamos as palavras do autor

46


Figura 2 - The Culturemakers

47 Revista GEMI n IS | ano

3 - n. 1

Fonte: (não está mais disponível) 31

A aproximação de celebridades a marcas é uma estratégia clássica na publicidade para agregar valor à marca, seja por meio da imagem ou ainda por testemunho. A marca ganha um espectro mágico com o uso da celebridade. O mundo de fantasia do show business é trazido às marcas por essa aproximação. Tão menos é novidade o uso desse artifício em campanhas solidárias. Das mais famosas e de maior sucesso midiático, basta lembrarmos da campanha We’re the world, que motivou e engajou milhões pelo mundo nos anos 80 ao pedir recursos para acabar com a fome na Etiópia. We’re the world, we’re the children, we’re the ones to make a better day, so let’s start giving, dizia o refrão da famosa canção. Lipovetsky (op. cit.) nos mostra como o culto contemporâneo às celebridades está ligada a uma mitologia centrada na vida privada. O autor demonstra que a adoração a personalidades passou por um processo de “democratização” que as dessublima, as dessacraliza, tornando-as mais próximas de nós. Para o autor: É porque não há uma desigualdade substancial entre os indivíduos que se abre a possibilidade de uma adoração em que o ser mais admirado é ao mesmo tempo um confidente, um irmão mais velho, um diretor de consciência, um amante desejado, em que o prestígio mítico não exclui o desejo de conhecer os detalhes da vida íntima e a proximidade-espontaneidade dos contatos. A paixão amorosa liberta de todo código social imperativo pode investir nas figuras mais distantes, sem regra, segundo as impulsões variáveis de cada um. (Idem, pg. 257). 31 A imagem trata-se de um recorte do print-screen tirado do site da campanha em 20 de março de 2012. Encontrava-se posicionado logo abaixo do vídeo Kony 2012. Ao longo do tempo, a página do IC foi sendo modificada e esse recurso foi retirado.


Assim, vista dessa maneira, o uso de celebridades na campanha funciona muito bem na ênfase em que é dada na construção de uma narrativa que enaltece a vida privada. Da mesma igualdade democrática provoca, sente-se capaz, dentro de sua esfera privada mediada pelo computador, de agir da mesma maneira. transformar uma causa africana em uma pauta pop. A diferença é a comunicação em rede de agora, que tende a diminuir a relação de espaço-tempo e, ao fazê-lo, colabora com a multiplicação dos signos compartilhados, eliminando deles referências de localização geográfica em prol de uma estratégia de linguagem global. Por meio de ferramentas de comunicação digital, celebridades ganham voz própria (não mediada pela mídia corporativa) e sua audiência comunica-se com elas diretamente, como no caso dos links disponibilizados no site da ONG. O espaço expande-se (da África para o mundo) e é nivelado (todos numa mesma comunidade imaginária). O tempo é veloz, transforma um desconhecido em causa global em poucas semanas. Porém, a mesma velocidade traz como companhia o efêmero, que parece ser o que presenciamos neste caso analisado. Conclusões

causa política com tema principal apontou para muitos uma mudança no direcionamento nos modos de se fazer política no mundo contemporâneo, inspirado nos fenômenos contemporâneos de mobilização social envolvendo a comunicação digital. Entendemos que o vídeo se apoia num espectro de valores contemporâneos (representados aqui pela ideia dos mythoi como valores pró-narrativos) cujas versões são multiplicadas, espalhadas e compartilhadas em escala global pela internet. Estes valores assim narrados e renarrados são construídos a partir da experiência do usuário com inúmeros fragmentos narrativos expostos diariamente na internet (os memes). Essa experiência gera um tipo de memória afetiva compartilhada. O filme Kony 2012 parece se apoiar tanto nessas narrativas como em uma utopia compartilhada que diz respeito a esse novo ator social, o internauta, e seu lugar em um novo mundo que se reconstrói a partir da internet. A mobilização dos afetos que esse filme gera parece depender desses signos e valores que são comuns aos espectadores aos quais ele se dirige. Ao apoiar-se nesses elementos, o filme revela uma possibilidade efetiva da construção dessa comunidade

Flávia B rites - Tarcisio Torres S ilva

tornou-se um fenômeno mundial de audiência online. O fato de o vídeo trazer uma

Procuramos analisar neste trabalho os motivos pelos quais o vídeo Kony 2012

estratégias narrativas de um fenômeno do ativismo digital

Podemos dizer então que, tanto como agora como no passado, há um esforço para

Kony 2012:

forma que as celebridades agem em prol de causas sociais, o indivíduo, talvez pelo efeito que a

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imaginada, ao mesmo tempo em que ilumina essa elaboração que o antecede. A análise do filme parece indicar a possibilidade de que a elaboração desse novo sujeito se dê em como elementos capazes de criar essa experiência comum que se busca. A esses elementos agregam-se as estratégias de publicidade e branding emprestadas do mundo corporativo que colaboraram para projetar o vídeo na dimensão que

amplo. Entendemos que apesar do sucesso apresentado, visto do ponto de vista do sujeito político que o vídeo constrói e ao qual se dirige, o filme tem uma eficácia questionável, pois da mesma forma que seu movimento impulsiona a ação imediata (o clicar para enviar uma mensagem e o clicar para comprar produtos), ele logo se volta contra si na forma das múltiplas desilusões com a campanha. Ao vender sem entregar, é possível que a campanha acabe contribuindo mais para os aspectos indiferentes do que engajados deste novo sujeito. Do ponto de vista da construção de sua proposta, ao dialogar com o efêmero, ele é mais uma proposta de construção de identidade que embarca nas questões trazidas pela pós-modernidade, sem resolver as questões da modernidade às quais ele se opõe e propõe como solução, colocando-se em um impasse. A despeito da perspicácia e contemporaneidade de sua proposta de conectar elementos distintos num mesmo patamar (o internauta que se conecta aos famosos e aos políticos de uma forma vista pelo prisma do filme como direta), essa visão de mundo propõe mais problemas que soluções ao encobrir que a proposta não alcança nem todos cidadãos, nem possibilita um debate amplo, nem ao menos é capaz de elucidar a “realidade”, pois não se realiza como o dispositivo pan-óptico que se propõe a ser. Ao escolher ser o mais eficiente do ponto de vista comunicacional, acaba se perdendo em profundidade. Do ponto de vista do o seu impacto sobre o ser político que ele visa construir, acabou gerando uma situação em que este permanece perdido em uma “crise de realidade”. O reflexo disso são os vídeos de resposta que agem com a volta do pêndulo em direção de um ceticismo exacerbado que procura refúgio no esclarecimento, reforçando a ideia de que é preciso saber mais antes de tomar uma atitude. Mas como dito antes, estes são apenas apontamentos, pois este é um estudo que se centra na proposta do filme. Entendemos que seria muito interessante estudar os caminhos que tomam as inúmeras reações que o filme gerou.

3 - n. 1

no efêmero, fundindo o mundo pop e da moda com tensões políticas de cunho mais

ano

chegou. Por emprestar-se das facilidades da linguagem corporativa, o vídeo perde-se

Revista GEMI n IS |

função de um nivelamento das experiências privadas (vida privada, família, crianças)

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estratégias narrativas de um fenômeno do ativismo digital

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Kony 2012:

ANDERSON, B. Imagined Communities: Reflections on the

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Pessoas Conectadas Podem Mudar o Mundo? uma abordagem sistêmica baseada na Teoria das Redes para a modelagem de ações coletivas M árcio Carneiro

dos

S antos

Doutorando do Programa de Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC-SP. Mestre em Comunicação pela UAM-SP. Graduado em Jornalismo pela UFMA. Professor Assistente do Departamento de Comunicação Social da UFMA. Coordenador do Laboratório de Convergência de Mídias – LABCOM. E-mail: mcszen@gmail.com

Revista GEMI n IS

ano

3 - n . 1 | p. 51 - 70


Resumo O presente artigo pretende explorar a relação entre os efeitos da internet e da estrutura das relações sociais, vistas como uma rede de conexões entre pessoas, no possível engajamento e participação cívica e política dos indivíduos desse conjunto; estabelecendo a visão de uma esfera pública redimensionada por uma nova configuração dos atores sociais envolvidos em sua constituição. Para tanto revê de forma resumida os estudos ligados a essa linha de investigação, propondo uma abordagem sistêmica baseada na Teoria das Redes e um modelo de análise multidisciplinar exemplificado através das modalidades de difusão: contágio, limiar social e aprendizagem social. Palavras-Chave: redes sociais, esfera pública, difusão.

Abstract This article seeks to explore the relationship between the effects of the Internet and the structure of social relations, viewed as a network of connections between people, to the possible engagement and civic and political participation of individuals in this together, establishing a vision of a public sphere scaled by a new configuration of social actors involved in its formation. For this review briefly the studies connected to this line of research, proposing a systemic approach based on the Theory of Networks and a model of multidisciplinary analysis exemplified by the methods of spreading: contagion, social learning and social threshold. Keywords: social networks, public sphere, diffusion.


O

1 Internet, engajamento e ação coletiva exército de Dumbledore (Dumbledore’s Army) não usa armas nem tem uma hierarquia rígida como se deveria esperar de uma organização militar. Apesar disso luta pelos direitos humanos em países como o Sudão na África,

mobilizando pessoas e a mídia para questões como o genocídio de civis na região de Darfur. O exército de Dumbledore é uma ação da Harry Porter Alliance-HPA1, uma junção de grupos de ativistas tradicionais e comunidades de fãs que, através das redes sociais, decidiram atuar no mundo real, utilizando valores e princípios presentes na ficção criada por J.K. Rowling tais como a luta contra o mal, a amizade e o respeito pelo direito das pessoas. O caso descrito por Jenkins (2009) é um interessante exemplo de ativismo digital viabilizado pelas novas possibilidades que as redes e as plataformas de mídias sociais, definidas como “ferramentas online que dão suporte à interação social entre usuários” (HANSEN, SHNEIDERMAN, SMITH, 2011, p.30)2 oferecem às pessoas para se comunicar, trocar informação e compartilhar diversos tipos de conteúdo. Além disso, o exemplo indica também uma forma de apropriação ou uso da comunicação em rede direcionado à realização de ações coordenadas, com objetivos ligados à participação e ação cívica, reforçando a ideia compartilhada por alguns pesquisadores de que “a superioridade técnica da internet, quando comparada com outros modos de comunicação, é baseada na constante evolução e reinvenção de suas aplicações” (LIN, 2009, p.569). Os eventos que ficaram conhecidos como “Primavera Árabe” e o hoje clássico caso da utilização de redes sociais na campanha de Barak Obama à presidência dos Estados Unidos também podem ser lembrados; formando uma lista de utilização dos fluxos de comunicação em rede com o traço comum de evidenciarem um novo conjunto de questões no campo da Comunicação. O fato das pessoas estarem conectadas numa estrutura de rede possibilita ou favorece a execução de ações coordenadas? Que fatores são determinantes nesse pro-

1 http://thehpalliance.org/ 2 Social media refers to a set of online tools that suports interaction between users. Tradução nossa.


cesso? São as redes sociais cultivadas no ambiente digital uma solução ou caminho para

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que ações coletivas voltadas ao bem comum ou a causas diversas sejam materializadas?

Putman (1995)3 e Lipovetsky (2005)? Como demonstra Boulianne (2009), através da análise de 38 estudos sobre a relação entre o uso da internet e seus efeitos sobre o engajamento político, os pesquisadores se dividem. Há os que apontam efeitos negativos baseando-se principalmente no crescente tempo em que ficamos conectados (o que diminuiria o tempo disponível para ações cívicas no mundo off-line) e no frequente uso da internet como fonte de entretenimento, o que, indiretamente, também reduziria o tempo e a disponibilidade para o engajamento e as atividades sociais. Os defensores da posição contrária argumentam que os usos mais comuns da internet são a busca de informações e as interações sociais. Há também indícios que apontam a internet como um fator de potencial mobilização de indivíduos já interessados em questões políticas. “A internet reduz os custos (tempo, esforço­) para acessar informação política e oferece formas mais convenientes de engajamento na vida política ( Ex: petições online)” (BOULIANNE, 2009, p.194).4 Outros autores argumentam que a internet pode mobilizar politicamente populações inativas (incluindo ai as pessoas

LAT, 2005). A pesquisa de Boulianne (2009) baseada em metadados, que partia da premissa dos efeitos negativos, não conseguiu comprová-los, apesar de também não conseguir evidências efetivas dos benefícios do uso da internet para o engajamento cívico.

a) Os padrões de uso influenciando os efeitos da mídia sobre a vida cívica. b) As diferenças geracionais. c) A dinâmica da internet, incluindo as influências individuais, sociais e institucionais. 3 O trabalho de Putman se baseou no crescente aumento do tempo dedicado a ver televisão entre os americanos como um fator para a redução da participação cívica. Outros estudos estenderam esse tipo de análise (a do tempo dedicado a um determinado meio) para o ambiente digital inferindo um desinteresse semelhante principalmente entre os mais jovens. Entretanto, outros pesquisadores tem contestado tais conclusões principalmente através da observação do comportamento de consumir notícias e informação online que tem demonstrado efeitos positivos no engajamento das novas gerações ( JENNINGS e ZEITNER, 2003) 4 The internet reduces the costs (time,effort) of accessing political information and offers more convenient ways of engaging in political life (eg., online petitions.) . Tradução nossa.

S antos

Shah, Rojas e Cho (2009) divide-se em cinco campos básicos de pesquisa:

dos

A questão continua aberta exigindo estudos mais aprofundados e segundo

M árcio Carneiro

acesso a informações políticas facilitando as discussões através das redes sociais (PO-

jovens) através das facilidades que pode oferecer no sentido desses grupos terem mais

Pessoas Conectadas Podem Mudar o Mundo? Uma abordagem sistêmica Teoria das Redes para a modelagem de ações coletivas

lidades com o aumento do individualismo contemporâneo apontado entre outros por

baseada na

E ainda, considerando as questões anteriores, como poderíamos conciliar tais possibi-


d) A função mediadora da comunicação, principalmente nos efeitos das notícias e das campanhas políticas.

2 A abordagem sistêmica da teoria das redes

implica numa necessidade também crescente de conexões entre as pessoas e grupos de pessoas, para que seja possível continuar achando soluções e resolvendo problemas coletivos cada vez mais complexos.

Figura 1 - A estrutura da sociedade está ao seu volume de informação http://blog.media.mit.edu/2011/10/ cognitive-limit-of-organizations.html Acessado em 13.04.2012

A ideia de que a estrutura da sociedade está ligada à quantidade de informação disponível sugere que novas formas de associação (conexões e comunidades) serão cada vez mais uma tendência, principalmente se considerarmos o suporte que as tecnologias de informação e comunicação têm oferecido para esse fim. A partir da possibilidade de múltiplas conexões comunicacionais, num modelo normalmente descrito como de “muitos para muitos”, emergem novas configurações e efeitos resultantes desse processo que, ao nosso modo de ver, necessitam também de quadros teóricos interdisciplinares para que possam ser avaliados de forma mais abrangente. Uma das possiblidades teóricas disponíveis para enfrentar essas questões é a Teoria das Redes embasada pelo que hoje chamamos de Teoria dos Sistemas Complexos ou da Complexidade. Uma definição tornou-se popular para traduzir o tema da complexidade: o todo é diferente da soma das partes. A definição de Mitchell (2010) organiza o conceito

3 - n. 1

do MIT Media Lab, sugere que o aumento da quantidade de informação no mundo

ano

O gráfico abaixo de autoria do pesquisador Cesar Hidalgo publicado no Blog

Revista GEMI n IS |

e) Contextos geográficos e entre nações, focando em modelos de vários níveis.

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propondo que um sistema complexo é aquele em que

um dos objetos abordados como sistemas complexos, justamente porque representam um aglomerado de indivíduos que podem estabelecer interações com padrões e intensidades diversos, fazendo emergir desse conjunto fenômenos como os virais que se espalham rapidamente pelo ciberespaço ou iniciativas de engajamento cívico como as anteriormente citadas. A viabilidade de uso da Teoria das Redes às questões que abordamos nesse texto inicia-se a partir da constatação do conceito bastante difundido de que uma rede é qualquer conjunto de elementos no qual alguns deles estão conectados em pares através de links (Easley e Kleinberg, 2010) ou de forma ainda mais simples, uma coleção de pontos unidos em pares por linhas (Newman, 2010). É justamente essa definição de uma estrutura tão geral que permite aplicar o conhecimento que vem se desenvolvendo sobre redes a fenômenos diversos como ca-

desempenham papel fundamental na construção de conceitos amplos como cultura,

M árcio Carneiro

sociedade e comunidade.

dos

As redes de comunicação também fazem parte dessa lista, incluindo ai não só

deias alimentares, rotas de companhias aéreas, neurônios ou o mercado de ações global.

Pessoas Conectadas Podem Mudar o Mundo? Uma abordagem sistêmica Teoria das Redes para a modelagem de ações coletivas

As redes sociais (e aqui não falamos apenas das que existem na internet) são

baseada na

[...] um número grande de componentes conectados sem um controle central e simples regras de operação faz emergir um comportamento coletivo complexo, sofisticado processamento de informações e adaptação, via aprendizado ou evolução (MITCHELL, 2009, p.13).

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a infraestrutura física que permite o tráfego de voz e dados em escala mundial, como também as redes de sentido e significação que fazem parte das interações humanas e

de redes, sendo as pessoas ou grupos que a constituem seus nós, nodos ou vértices e as relações que estabelecem entre si, suas conexões, links ou edges, o que de forma alguma nos afasta do campo da Comunicação como afirmam Easley e Kleinberg (2010): A informação que consumimos tem uma estrutura similar à das redes: essas estruturas também tem se tornado mais complexas, como um terreno com alguns poucos detentores de informação de alta qualidade (editores, veículos de comunicação e a academia) que se tornou povoado por um conjunto de fontes de informação com uma grande variedade de perspectivas, graus de confiança e motivações. Entender uma peça de informação neste ambiente depende da compreensão dos caminhos que a sustentam e das suas relações com outras peças de in-

S antos

Na análise das questões sociais no ambiente digital podemos usar a abordagem


formação dentro de uma grande rede de conexões5 (EASLEY e KLEINBERG, 2010, p.1).

municação digital como um sistema formado por pessoas e grupos que interagem de múltiplas formas e observamos a emergência de vários estados ou saídas desse sistema (entre elas o engajamento ou aumento na participação em questões cívicas ou políticas).

Revista GEMI n IS |

Na modelagem do problema proposto aqui consideramos os ambientes de co-

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Partimos da premissa de que entre outras variáveis possíveis de análise podemos ava-

ano

liar como a estrutura das conexões dessa rede interfere no comportamento do sistema.

3 - n. 1

O padrão de conexões de um dado sistema pode ser representado como uma rede, os componentes do sistema sendo os nós e as conexões as ligações entre eles. Pensando assim não seria surpresa (apesar de que em alguns campos essa percepção é recente) a estrutura dessas redes, seu padrão característico de interações, ter um grande efeito sobre o comportamento do sistema. As conexões em uma rede social afetam como as pessoas aprendem, formam opiniões, se informam, como também afetam outros fenômenos menos óbvios como a disseminação de doenças6 (NEWMAN, 2010, p.2).

Nesse artigo propomos três fatores que potencializam os efeitos da estrutura em rede do ambiente digital sobre os comportamentos emergentes do sistema em questão. São elas as condições de hiperconectividade, a possibilidade de difusão acelerada de inovações e os processos de desintermediação e reintermediação a partir dos novos atores sociais presentes na esfera pública digital. 2.1 Hiperconectividade Como descreve Barabási (2009), a ideia de que estamos mais próximos uns dos outros do que imaginamos surgiu pela primeira vez em um conto do húngaro Frigyes

5 Tradução nossa – The information we consume has a similarly networked structure: these structures too have grown in complexity, as a landscape with a few purveyors of high-quality information (publishers, news organizations, the academy) has become crowded with an array of information sources of wildly varying perspectives, reliabilities, and motivating intentions. Understanding any one piece of information in this environment depends on understanding the way it is endorsed by and refers to other pieces of information within a large network of links. 6 Tradução nossa – “The pattern of connections in a given system can be represented as a network, the components of the system being the network vertices and the connections the edges. Upon reflection it should come as no surprise (although in some fields it is a relatively recent realization) that the structure of such networks, the particular pattern of interactions, can have a big effect on the behavior of the system. […] The connections in a social network affect how people learn, form opinions, and gather news, as well as affecting other less obvious phenomena, such as the spread of disease.” Nesse texto Newman não fala exclusivamente de redes sociais na internet mas sobre redes sociais como grupos de pessoas que estabelecem contatos entre si no mundo real também, dai a referência a disseminação de doenças.


Karinthy chamado Láncszemek (Correntes) publicado em 1929. Décadas depois, em 1967,

58

Stanley Milgram, professor de Harvard, realizou um experimento, hoje clássico, com o

Pedindo às pessoas através das cartas que, se não conhecessem os destinatários, tentassem enviar para alguém que considerassem mais próximos a eles, Milgram chegou ao número de 5,5 pessoas necessárias para chegar ao destino proposto. O pesquisador então arredondou o resultado para seis criando o tema que em 1991 viraria a peça teatral de John Guare chamada “Seis Graus de Separação” e, posteriormente, o filme hollywoodiano com o mesmo título (Milgram nunca usou esse termo no seu experimento) estrelado pelo ator Will Smith.

Pessoas Conectadas Podem Mudar o Mundo? Uma abordagem sistêmica Teoria das Redes para a modelagem de ações coletivas

A questão balizadora do experimento era: quantos conhecidos são necessários para conectar dois indivíduos selecionados ao acaso? Como ponto de partida ele escolheu duas pessoas-alvo, a esposa de um estudante graduado em teologia em Sharon, Massachusetts, e um corretor de ações em Boston. Escolheu Wichita, em Kansas, e Omaha, em Nebraska, como pontos de partida para o estudo [...]. O experimento de Milgram envolveu a remessa de cartas a moradores aleatoriamente selecionados de Wichita e Omaha pedindo-lhes que participassem de um estudo sobre o contato social na sociedade americana (Barabási, 2009, p.25).

baseada na

objetivo de descobrir a “distância” entre duas pessoas quaisquer nos Estados Unidos.

M árcio Carneiro

O próprio Barabási conduziu um experimento semelhante, desta vez tentando

S antos

avaliar a distância média entre duas páginas quaisquer na internet, um sistema com bilhões de elementos. Chegou ao resultado de 19 graus de separação, indicando um nível de proximidade semelhante se considerarmos o tamanho do universo que avaliou. Pensando hoje nas redes sociais, nas plataformas que permitem e facilitam o contato entre indivíduos que nem sempre são amigos ou mesmo conhecidos, é fácil perceber como esses ambientes digitais podem potencializar as conexões e eventualmente diminuir os graus de separação dos experimentos citados acima. É importante ressaltar o papel dos mecanismos automatizados de busca e seleção de pessoas que compartilham interesses ou amigos comuns. Em plataformas como o Facebook e o Twitter tais mecanismos estão presentes e potencializam o crescimento

dos

Stanley Milgram nos conscientizou de que não apenas estamos conectados, mas também que vivemos em um mundo no qual ninguém está mais do que a alguns poucos apertos de mão de qualquer outra pessoa. Em outras palavras vivemos em um mundo pequeno (small word). Nosso mundo é pequeno porque a sociedade é uma rede bastante densa (Barabási, 2009, p.27).


das redes pessoais bem como a quantidade de usuários dessas plataformas a um ritmo intenso e em curtos períodos de tempo. Em fevereiro de 2012 o Facebook já tinha mais Voltando a nossa abordagem sistêmica, tratamos, portanto, de um sistema que cresce exponencialmente aumentando a conectividade entre seus membros de forma rápida, o que, pelo menos em tese, poderia ser útil em qualquer tentativa de coordena-

(1993) que propõe uma relação entre o tamanho do neocórtex cerebral e o limite de relações sociais gerenciáveis por um indivíduo num dado momento. Dunbar sugere que o limite humano está em torno de 150 pessoas com quem poderíamos nos relacionar socialmente. Além disso, num estudo da própria equipe do Facebook, divulgado por Marlow (2009), fica claro que as relações entre membros são diferentes e podem ser classificadas a partir do grau de intensidade, visualizado como abaixo pelos seus padrões de comunicação. O número médio de conexões de um usuário do Facebook é de 120 a 130, próximo ao limite de Dunbar. Os grafos7 abaixo representam a mesma rede de um usuário do Facebook, que vai sendo filtrada a partir da rede inicial que mostra todos os “amigos” listados em seu perfil. Os grafos seguintes mostram apenas as pessoas com quem realmente esse usuário mantém relações, as com quem se comunicou e por fim os diálogos, onde houve mensagens e respostas.

Figura 2 - Níveis de Comunicação entre os amigos de um usuário do Facebook http://overstated.net/2009/03/09/maintainedrelationships-on-facebook. Acessado em 15.04.2012 7 Grafos são representações visuais das redes que mostram seus nós e conexões

3 - n. 1

O contraponto da hiperconectividade pode estar em estudos como o de Dunbar

ano

ção para uma ação cívica ou política.

Revista GEMI n IS |

de 845 milhões de usuários ativos. Destes, cerca de 40 milhões eram brasileiros.

59


Mayfield (2005) também sugere que as redes sociais se sobrepõem formando

60

um ecossistema em camadas. A partir dos seus vínculos mais próximos teríamos o que

indivíduos que se comunicam e que dão escala ao fluxo de informações. Além dela está a que ele define como rede política, formada a partir de todos os desdobramentos das duas anteriores, com escala na faixa do(s) milhar(es), constituídos por todos os que terão conhecimento do conteúdo publicado ou disponibilizado pelos atores sociais das redes anteriores.8 2.2 Difusão acelerada O engajamento em uma atividade política pode ser tratado através dos modelos de difusão em ambientes conectados, partindo da premissa de que a participação pode ser considerada como uma escolha entre aderir ou não a uma inovação (a ação coletiva ou cívica). Os modelos acadêmicos de difusão descrevem processos onde ideias, comportamentos, piadas, novos produtos e inclusive doenças, se espalham através de uma população. Segundo Rogers (1983) ou ainda Mahajan e Peterson (1985), num processo de

so em que uma inovação é comunicada através de certos canais ao longo do tempo para membros de um sistema social.” (ROGERS, 1983, p.5). A presença dos virais da internet, conteúdos que se espalham com grande ve-

M árcio Carneiro

nais de comunicação, o tempo e o sistema social. Rogers define difusão como “o proces-

difusão de uma inovação existem quatro elementos fundamentais: a inovação, os ca-

Pessoas Conectadas Podem Mudar o Mundo? Uma abordagem sistêmica Teoria das Redes para a modelagem de ações coletivas

Dai temos o nível do que ele chama de rede social, formada com número médio de 150

baseada na

o autor denomina de rede de colaboração, com escala média de menos de vinte pessoas.

locidade (inclusive sendo usados como estratégia de marketing) e o uso de plataformas

dos

sociais que favorecem o imediatismo das postagens, como o Twitter, podem colaborar

S antos

para a difusão de ações com apelo cívico. Como inovação, retornaremos a Rogers em seu trabalho clássico sobre o tema, quando ele define o termo como “uma ideia, prática ou objeto que é percebido como novo por um indivíduo ou outra unidade de adoção.” (ROGERS, 1995, p.11). É importante ressaltar o termo “percebido”. Se a inovação é realmente nova ou não, em termos do tempo que transcorreu entre o seu primeiro uso ou descoberta, para Rogers, não tem tanta relevância como a percepção que o indivíduo tem sobre o fato. Se a ideia parece nova para quem toma ciência dela (mesmo não sendo), será uma inovação. 8 A lista de discussão e o Grupo Beatrice (http://grupobeatrice.blogspot.com.br/) são um exemplo de um blog que se alimenta de dezenas de outras listas formando um ecossistema de redes e atores sociais que compartilham conteúdo.


Se pensarmos o viral como uma “novidade” que flui pela rede como uma espécie de inovação que as pessoas escolhem ou não adotar, ou seja, passar adiante, será

Revista GEMI n IS |

possível aplicar certos modelos de difusão a esse objeto.

61

ano

3 - n. 1

Figura 3 – Modelo simples de contágio em Rede

Acima é possível visualizar a dinâmica de uma rede simples onde existe a transmissão de algo que se espalha ao longo dos nós da rede. Esse modelo é baseado em estudos sobre a disseminação de epidemias entre redes sociais em ambientes reais. Desde o trabalho de Ryan e Gross (1943), os adotantes de uma inovação foram divididos em categorias que refletem a dinâmica de propagação da mesma na rede social. Rogers os define como inovadores, adotantes imediatos, maioria imediata, maioria posterior e retardatários. O autor propõe que a maioria das inovações tem sua velocidade de adoção representada por uma curva com formato de S como abaixo.

Figura 4 – Gráfico S proposto por Ryan e Gross (1943) e sintetizado por Rogers (1995)

Entretanto, se a descrição acima é passível de ser aplicada ao uso de novos produtos, como o caso estudado em 1943, é preciso lembrar que ações coletivas exigem


não só adoção, mas também algum mecanismo de coordenação entre as partes, que

62

também não são necessariamente iguais, como veremos abaixo.

sitivos para uma conexão entre o ambiente digital e a possiblidade de engajamento político. 2.3 Desintermediação e Reintermediação No seu livro a “A riqueza das nações” de 1776, Adam Smith tratando do que chamou de “a mão invisível do mercado” falou pela primeira vez do tema da complexidade, mesmo sem descrever o assunto nesses termos. A ideia de que uma espécie de ordem emerge do sistema formado pelos elementos que hoje comumente chamamos de “mercado”, a partir das ações de compradores e vendedores, sem entretanto estar ligada à vontade individual de nenhum dos seus elementos constituintes, reforça a definição básica já descrita acima de que a soma das partes é maior do que o todo. Séculos depois Benkler (2006) nos fala de uma outra riqueza, a das redes, e de seu potencial de engendrar novas formas de ordenamento social e econômico baseado

no ambiente digital.

Pessoas Conectadas Podem Mudar o Mundo? Uma abordagem sistêmica Teoria das Redes para a modelagem de ações coletivas

nicação e a chance de “viralização” de conteúdos podem ser considerados fatores po-

baseada na

De qualquer forma a estrutura da rede, as tecnologias de informação e comu-

rarquias rígidas ou interesses comerciais, começou a emergir. Como exemplos reais ele cita o desenvolvimento do sistema operacional de computadores LINUX, a partir de uma comunidade de programadores que defendem o software livre e sites como a Wikipédia, bem como muitas outras iniciativas do que hoje chamamos de Web 2.0, um

S antos

partir do compartilhamento e da ação coletiva de grupos, não mais baseados em hie-

dos

Para Benkler (2006) um cenário com novas formas de participação, criadas a

M árcio Carneiro

Essas novas práticas emergentes tem possibilitado um enorme sucesso em áreas tão diversas como o desenvolvimento de software e reportagens investigativas, vídeos de vanguarda e jogos online para vários jogadores. Juntos elas sugerem a emergência de um novo ambiente informacional, onde os indivíduos são livres para assumir um papel mais ativo do que era possível na economia da informação industrial do século vinte. Essa nova liberdade traz grandes possibilidades: como dimensão da liberdade individual, como plataforma para melhor participação democrática, como meio para forjar uma cultura mais crítica e uma crescente economia dependente da informação, como um mecanismo para permitir avanços no desenvolvimento humano em todo lugar (BENKLER, 2006, p.14).


paradigma que orienta sites ou plataformas online que enfatizam a interação e a colaboração dos usuários . 9

Träsel (2006), Barbosa (2005) e Recuero (2005) também identificaram uma forte alteração nos processos de produção jornalística a partir do cenário digital onde computadores, redes e bancos de dados tem permitido: a) a produção de conteúdo pelos usuários,

num espaço público redimensionado por novos atores; c) a desintermediação ou pelo menos alteração do papel de gatekeeper desempenhado pelos veículos tradicionais de comunicação que filtram e influenciam a opinião pública; d) o crescimento do papel da recomendação e da opinião entre pares como nova função mediadora da comunicação e) a utilização dos fluxos de informação que trafegam pelas redes sociais como fonte de pauta e objeto de monitoramento. No ciberespaço, pela primeira vez, os movimentos sociais, até então atores políticos dependentes na medida que a difusão do registro verbal na cena comum passa pela mediação das organizações jornalísticas, podem sem os impedimentos colocados pela tecnologia necessária para manter os meios convencionais, contribuir para a constituição de um espaço público democrático ( MACHADO, 2005, p.5).

As três condições descritas acima traçam um cenário macro potencialmente promissor para um possível efeito positivo da comunicação em rede para as atividades coletivas de ordem política ou cívica. No entanto tal análise não pode ser feita apenas no nível da rede como um todo, mas também no nível do indivíduo, o que permite igualmente várias abordagens teóricas. No modelo que descreveremos a seguir partiremos de três padrões básicos de difusão, escolhendo um deles para exemplificar o tipo de questões envolvidas no problema da adesão individual a uma ação coordenada. 3 Formas de Difusão Young (2009), discutindo modelos de difusão que incorporem a heterogeneidade dos elementos da rede, propõe três formas básicas de difusão. É importante ressaltar que os processos não se excluem mutuamente e, pelo contrário, podem sobrepor-se de

9 Ver O'Reilly, Tim. "What Is Web 2.0 - Design Patterns and Business Models for the NextGeneration of Software." O'Reilly Network: What is Web 2.0. 30 Sept 2005. O'Reilly Publishing. 09 Apr. 2006.

3 - n. 1

tes que passam a transitar e se inter-relacionar de formas cada vez mais complexas

ano

antigos leitores; b) um maior equilíbrio entre fontes oficiais, oficiosas e independen-

Revista GEMI n IS |

No jornalismo, trabalhos como o de Machado (2003), Mielniczuk (2001), Primo e

63


acordo com a situação analisada.

64

Vale lembrar também que em nossa abordagem utilizamos a premissa de que

é justamente a decisão de atuar e participar. Como lembra Mayfield “ a estrutura em que todos se ligam com todos os outros é uma rede que age como um canal através do qual viajam notícias, dicas de emprego, possíveis parceiros românticos e doenças contagiosas” 10 ( MAYFIELD, 2005, p. 122). 3.1 Contágio O modo de contágio é o que mais incorpora os processos identificados pela epidemiologia na propagação de doenças servindo, entretanto, para utilização em outras áreas do conhecimento. Pelo modelo de contágio as pessoas adotam uma inovação quando entram em contato com alguém que já adotou, como os virais da internet. Segundo Gleck (2011) o conceito de “meme” foi desenvolvido por Richard Dawkins numa analogia com os genes humanos, portadores da informação essencial para a reprodução da vida. A partir do pensamento do biólogo Jacques Monod sobre o poder que algumas ideias tem de se espalhar mais do que outras, Dawkins imaginou um ente

que se movimentava, não entre células mas na cultura, cujo vetor de transmissão seria a

Pessoas Conectadas Podem Mudar o Mundo? Uma abordagem sistêmica Teoria das Redes para a modelagem de ações coletivas

um processo de adesão a uma inovação, onde o que se transfere ou se espalha pela rede

baseada na

a participação em uma ação coletiva de cunho político ou cívico pode ser tratada como

antes da internet, que um mundo com riqueza de informação provoca naturalmente a

M árcio Carneiro

escassez daquilo que a informação consome: a atenção. Resumindo, riqueza de infor-

dos

mação produz pobreza de atenção. Os memes de Dawkins disputam nossa atenção e o

S antos

língua e o campo de contágio, os cérebros humanos. Para Dawkins, os memes a fim de se replicar competem por recursos limitados, no caso o tempo e a atenção das pessoas. O economista e prêmio Nobel Herbert Simon (1971) sustentava, duas décadas

modelo de contágio, utilizando a metáfora da doença que se espalha em uma população, descreve essa possibilidade. 3.2 Limiar Social (Social Threshold) Nessa modalidade as pessoas adotam a inovação quando um determinado número de outras pessoas da rede também o fizeram, ou seja, é necessário chegar a um limite ou limiar (threshold) para que a adesão aconteça. Nossa análise vai se aprofundar nessa modalidade por ser a que aparentemen10 “The structure of everyone’s links to everyone else is a network that acts as a channel trough which news, job tips, possible romantic partners and contagious diseases travel.” – Tradução nossa.


te envolve um processo de decisão mais “negociado” a partir de uma tensão entre nossos interesses individuais e o que poderíamos chamar de interesses coletivos.

O aprendizado social é uma forma de adoção que implica num processo mais

é interessante. Seria o caso, por exemplo, de um novo modelo de celular que decidimos comprar depois que coletamos informações sobre suas qualidades e vemos nossos amigos ou pessoas mais próximas também usando e recomendando. Podemos aprender através de nossas redes sociais e nessa área fatores como o grau de intensidade das relações, os conceitos de laços fortes e fracos, bem como todo o potencial informativo que flui pelas redes são fatores que vão influenciar esse processo. 4 Modelagem Sistêmica e exemplo simplificado de adesão A partir do segundo tipo de difusão discutido por Young (2009), o de limiar social, vamos modelar uma situação bem simples para exemplificar a utilização da teoria das redes para a compreensão dos mecanismos de participação que podem fomentar individualmente a adesão a atividades cívicas ou políticas. Nesse modelo é importante considerarmos o conceito de limite ou limiar ( threshold) como o ponto a partir do qual o indivíduo adere, vamos dizer assim, ao comportamento coletivo que identifica no seu entorno. Vamos imaginar a pequena rede abaixo onde cada nó representa um indivíduo e seus vizinhos (os outros nós com os quais mantém contato e relações sociais) que poderíamos supor como amigos ou conhecidos de uma turma da Universidade ou gestores de empresas da cidade que avaliam se devem ou não participar de uma manifestação de preservação ambiental, seja presencialmente, ou através de apoio financeiro, ou ambos. Em cada nó indicamos uma identificação e o limiar a partir do qual o ator social se engaja na ação coletiva. Por exemplo, o nó central do grafo é identificado com A-3, isto é, o nó A só vai participar se houverem no mínimo 3 participantes no evento, ele e mais dois. É importante observar que cada nó só está ciente do limiar dos nós com os quais mantém contato direto, ou seja, o nó D-1, só conhece o limiar de A, assim como C e B que não sabem qual o limiar um do outro.

3 - n. 1

evidências suficientes, entre adotantes anteriores, que as convencem de que a inovação

ano

racional de comparação e avaliação de vantagens. As pessoas adotam quando elas veem

Revista GEMI n IS |

3.3 Aprendizado Social (Social Learning)

65


66

ação coletiva sem precisar ter certeza de que outros o farão. Seria o caso, por exemplo, de um ativista ou pessoa que tem interesse direto na preservação ambiental, que apoia e se engaja em todas as atividades dessa área. Já B, com limiar 3, provavelmente não participaria porque só sabe da intenção de A e da sua própria, 2 portanto, menor do que o seu mínimo necessário para o engajamento. A situação de C também é idêntica. Com essa configuração o evento não teria grande representatividade já que parte da comunidade não participaria, justamente por basear sua decisão apenas no conhecimento individual que sua rede de contatos diretos lhe informa.

Pessoas Conectadas Podem Mudar o Mundo? Uma abordagem sistêmica Teoria das Redes para a modelagem de ações coletivas

baseada na

Nessa situação, D vai participar de qualquer jeito porque, com limiar 1, adere a

M árcio Carneiro dos

S antos

Já nos gráficos acima a situação se altera com um aumento de participação. De B na primeira rede que agora sabe que, além de A, D também irá com certeza. Na segunda rede, todos os membros participariam já que C agora também sabe que A e B pretendem ir ou apoiar. Para entender melhor o conceito de limiar, se o de C fosse 4 ao invés de 3, mesmo na última configuração, estaria de fora, por só saber dele mesmo, de A e B. Esse modelo simplificado de participação, baseado nas Teorias da Ação Coletiva e Teoria dos Jogos, demonstra como o fluxo de informação na rede faz emergir três comportamentos diferentes no sistema, baseados na coordenação de ações a partir


do conhecimento mútuo: um primeiro com pouca adesão, o segundo já com a maioria aderindo e o último com adesão total. de uma abordagem multidisciplinar e baseada em múltiplos níveis, do conjunto e do indivíduo, para o enfrentamento das questões propostas.

lidades de análise sobre as questões hoje propostas entre a relação da internet e seus efeitos, em termos de participação cívica e política. Para tanto propomos as condições de hiperconectividade, difusão acelerada e desintermediação como fatores que potencialmente permitem uma relação positiva entre os efeitos da internet e a execução de ações coletivas de caráter político ou cívico. Através da tipologia de Young (2009) para difusão optamos por explorar a modalidade de limite ou limiar social para exemplificar a utilização da teoria das Redes como ferramenta de modelagem e análise para discussão dos problemas aqui propostos. As redes e as tecnologias de informação e comunicação têm gerado impactos sociais, culturais e políticos que provavelmente ainda não possamos avaliar na totalidade, basicamente por estarmos no meio do processo e fazermos parte dele, estando cientes disso ou não. A internet permite aos indivíduos abandonar a ideia de uma esfera pública basicamente construída por declarações acabadas, gerada por um grupo de atores, socialmente conhecidos como ‘a mídia’, para pensar num conjunto de práticas sociais que veem os indivíduos como participantes de um debate. Declarações na esfera pública agora podem ser vistas como um convite para uma conversa e não mais como uma coisa pronta (BENKLER, 2008, p.180).

É importante ressaltar também que os mundos online e off-line dialogam e se influenciam mutuamente Estudos como de Chwe (2000) demonstram a relação entre as instituições sociais, como os órgãos públicos, e as ações coletivas, já que estes podem gerar fluxos de comunicação que garantam às pessoas que outras também estão cientes do problema ou questão discutida, podendo participar. Nos termos do modelo acima, ajudando as pessoas a avaliar a situação a partir de um quadro mais amplo, além dos seus vínculos mais próximos e diretos, atingindo assim o seu limiar de participação mais facilmente.

3 - n. 1

No presente artigo tentamos estabelecer um resumido panorama das possibi-

ano

Considerações Finais

Revista GEMI n IS |

A situação acima serve como exemplo apenas para demonstrar a necessidade

67


Na dinâmica das redes, os fenômenos que popularmente conhecemos como

68

“efeitos cascata ou em cascata” são exemplos de ação coletiva que pode ser induzida

A importância dos fluxos de informação para a realização de ações coletivas coordenadas também aparece claramente em regimes totalitários, onde o direito à reunião e ao trabalho dos jornalistas são normalmente diminuídos ou eliminados, como estratégia de combate aos opositores. A sequencia de eventos conhecida como “Primavera Árabe”, onde em vários países, ditaduras antigas tem enfrentado oposição nas ruas, é um exemplo das possiblidades de análise com um olhar interdisciplinar que envolva teorias de Rede e de Comunicação. A utilização de redes sociais para contornar as restrições de comunicação nesses cenários e potencialmente gerar mudanças em escala e velocidade inéditas também reforça o interesse desse tipo de abordagem e sua utilidade para a compreensão de situações e sistemas de considerável complexidade.

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Pessoas Conectadas Podem Mudar o Mundo? Uma abordagem sistêmica Teoria das Redes para a modelagem de ações coletivas

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Tipos de Ativismo D igital e Ativismo Preguiçoso no M apa Cultural G abriela B ezerra Lima Mestranda no Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM UFPE). Dedica-se à pesquisa da publicidade de ativismo do Terceiro Setor nas redes sociais digitais, com ênfase no estímulo à comunicação bidirecional. E-mail: barbaradelira@hotmail.com

Revista GEMI n IS

ano

3 - n . 1 | p. 71 - 96


Resumo Este artigo se propõe a elencar os tipos de ativismo digital desenvolvidos por instituições e indivíduos e que estimulam o compartilhamento de suas mensagens nas redes sociais digitais. A partir da classificação dos tipos de ativismo digital (VEGH, 2003), propomos uma subclassificação do ativismo de ‘organização e mobilização’ e das ações de “ativismo preguiçoso” (MOROZOV, 2010) dos internautas. Para exemplificar os tipos de ativismo digital, este artigo observa as ações desenvolvidas na internet pela Fundação SOS Mata Atlântica. Nosso objetivo é analisar como os contratos de comunicação (CHARAUDEAU, 2006) de ativismo digital são percebidos e quais são seus níveis de contestação ao status quo no Mapa Cultural (DOUGLAS, 1998). Palavras-Chave: Ativismo digital, Ativismo Preguiçoso, Contrato de Comunicação, Mapa Cul-

tural, Publicidade.

Abstract This article intends to list the types of digital activism developed by institutions and individuals and which encourage the sharing of their messages in social networks. From the classification of types of digital activism (VEGH, 2003), we propose a subclassification of ‘organization and mobilization’ activism and the actions of “slacktivism” (MOROZOV, 2010) of Internet users. To illustrate the types of digital activism, this article notes the actions taken on the Internet by Fundação SOS Mata Atlântica. Our goal is to analyze how communication contracts (CHARAUDEAU,2006) of digital activism are perceived and what their levels of challenge are to the status quo in the Cultural Map (DOUGLAS, 1998). Keywords: Digital activism, Slacktivism, Communication Contracts, Cultural Map, Advertising.


Introdução

P

oder se comunicar diretamente com quem e como desejar, ultrapassando barreiras físicas e econômicas, tem sido o sonho tanto do indivíduo contemporâneo, quanto das organizações de cunho social. Poder sentir-se ativo no processo

de melhoria da realidade socioambiental também. Possibilitar que seus discursos, fomentados a partir de sua bagagem cultural, dialoguem com outros discursos é a mola propulsora da constante reconstrução de referenciais simbólicos que permitem a reformulação das sociedades globalizadas. Esse é o estado da comunicação globalizada na ótica do indivíduo. Da mesma forma que, na atualidade, os indivíduos transferiram para a inter-

net suas interações em redes sociais, mantendo-as ou modificando-as, o ativismo em prol de causas socioambientais, que anteriormente se manifestava apenas em ambientes offline, passou a se disseminar pela internet e suas redes sociais digitais. Os grupos compostos por indivíduos que defendem melhorias sociais e ecológicas passaram a explorar os ambientes online como forma de disseminar seus discursos de pressão política, objetivando atingir de forma viral os mais diversos públicos. FIGURA 1 - Membros do Facebook comentam a intensa troca discursiva de protestos na rede social digital.

Como será visto a seguir, o usuário das redes sociais digitais reconhece o contrato de comunicação de ativismo digital (uma tendência em redes como Twitter, Facebook, Orkut e Youtube) e as instituições do Terceiro Setor, em especial as Organizações


Não Governamentais (ONGs), têm cada vez mais feito uso deste tipo comunicação, o que exige que se analise como se estrutura o ativismo digital, seus riscos e potenciais. Ao pertencer a uma rede social digital é possível perceber uma série de

sociais, convite para eventos e manifestações de classes trabalhadoras, entre as mais diversas formas de ativismo. O indivíduo é estimulado a aderir às diversas causas, estabelecendo uma sensação de pertencimento e, em paralelo, de distinção entre os demais.

Ativismo D igital

ca às leis, a defesa de animais maltratados, a erradicação da violência contra minorias

de

mensagens de demais membros nas quais se propõem ações de ativismo como a críti-

Tipos

74

e

Ativismo Preguiçoso

É crescente no mundo todo o uso da comunicação virtual para realizar campanhas e ações em prol de causas sociais e políticas. Seu apelo é enorme especialmente entre o público jovem. Esse é um caminho promissor, e até mesmo inevitável, para o fortalecimento das ONGs e dos movimentos sociais como sujeitos políticos e também sua sustentabilidade. (ARMANI, 2008, p. 103)

no

status aos indivíduos, que avaliam o quanto a adesão a um determinado tipo de discurso lhes confere uma autoimagem positiva. As mensagens de ativismo propõem que ao aderir a determinado posicionamento seja negado o posicionamento contrário, o que

M apa Cultural

Na atualidade, defender discursos de responsabilidade socioambiental atribui

posicione efetivamente nas redes sociais digitais, instaurando um conflito com outras vozes. Ao posicionar-se contra o aborto, por exemplo, o indivíduo refuta os argumentos em defesa da liberdade de escolha reprodutiva da mulher, defendido pelos movimentos feministas. Entretanto, o mesmo indivíduo pode aderir aos discursos contra a violência sofrida por mulheres, posicionando-se nesse momento a favor do discurso feminista. O mesmo ocorre ao aderir às campanhas contra o uso de animais como cobaias para testes de cosméticos e, simultaneamente, posicionar-se contra uma proposta de lei que proíba o abate de porcos para a alimentação humana. A controvérsia em torno de discursos de apelo socioambiental é constante justamente porque os indivíduos são controversos e profundamente marcados por valores culturais, o que pode representar resistências para uma reavaliação de posicionamento diante de uma causa. Logo, o ativismo digital1 pode se basear principalmente no reforço dos valores culturais de determinado grupo, em detrimento de uma reavaliação dos mesmos. Certamente será mais fácil que pessoas religiosas propaguem discursos em defesa do ensino de religião nas escolas do que as pessoas ateias serem convencidas de 1 Também chamado de cyberativismo ou ciberativismo.

G abriela B ezerra Lima

pode instaurar um conflito de seus discursos internos, podendo estimular que este se


sua importância, ou que pessoas mais liberais se manifestem em defesa da liberdade sexual do que pessoas mais conservadoras mudarem sua opinião sobre a questão. temente pelo indivíduo em seu convívio offline, podendo ser potencializado nas redes sociais digitais devido à natureza da internet, que segundo Moraes (2007, p. 1) “é um ecossistema digital caracterizado por arquitetura descentralizada, multiplicação de

O que permite uma difusão informativa com sentido contra hegemônico e suas denúncias ao status quo, “trata-se de conceber a internet como mais uma arena de lutas e conflitos pela hegemonia, vale dizer, de batalhas permanentes pela conquista do consenso social” (idem, ibidem, p. 1). Logo, as redes sociais digitais podem ser utilizadas tanto para legitimar ações de contestação ao status quo como ações de agregação ao status quo. Visando exemplificar as diversas formas de ativismo digital, desenvolvidas por instituições, serão elencadas ações desenvolvidas pela Fundação SOS Mata Atlântica, na internet. A delimitação da instituição a ser analisada (Fundação SOS Mata Atlântica) ocorreu a partir dos dados de que, dentro do universo das instituições de proteção animal e do meio ambiente, segundo a pesquisa O que os Brasileiros Pensam Sobre a Biodiversidade 2, a instituição do Terceiro Setor mais conhecida pelos entrevistados é a Fundação SOS Mata Atlântica (37%), seguida pelo Projeto TAMAR (35%) e pelo Greenpeace (27%). Nosso o objetivo é de delimitar os tipos de ativismo em redes sociais digitais e sua eficácia em mobilizar indivíduos, de forma que sejam ilustrados os tipos de ativismo digital que podem ser utilizados por instituições para propagar seus discursos de contestação ao status quo e solicitar determinadas contribuições por parte dos internautas. Dessa forma, será exposto o conceito de contrato de comunicação (CHARAUDEAU, 2006) e como este pode se localizar no Mapa Cultural (DOUGLAS, 1998) de forma que estimule à adesão a causa proposta pela ação de ativismo digital. Contrato de comunicação de ativismo digital no Mapa Cultural Charaudeau (2006) destaca que existe um acordo prévio entre os indivíduos em uma relação comunicativa. Nesse acordo prévio existe tacitamente uma série de restrições e de possibilidades comunicativas. Com o objetivo de analisar como é possível 2 Iniciativa do Ministério do Meio Ambiente, em parceria com WWF-Brasil, Fundo Nacional para a Biodiversidade (Funbio), Natura e realizada pelo Instituto Vox Populi com coordenação do Instituto de Estudos da Religião (ISER). Disponível em:<http://www.wwf.org.br/informacoes/bliblioteca/?3640> Acesso: 18 de fevereiro de 2011.

3 - n. 1

simultânea e interações singulares.”.

ano

fontes de emissão, disponibilização ininterrupta de dados, sons e imagens, utilização

Revista GEMI n IS |

O processo de identificação com causas sociais diversas é executado constan-

75


planejar campanhas publicitárias de ativismo digital de modo a gerar intenso tráfego de comunicação, é necessário saber analisar a estrutura deste acordo tácito em um

nos remete a uma rede de intertextualidades com quadros de realidade já consciente

Apesar de destacar a fluidez da disposição dos termos do “teatro” comunicativo, Charaudeau (2006, p. 68-71) aponta quatro condições fundamentais para ordenar o contrato de comunicação (identidade, finalidade, propósito, dispositivo) e que variações

obter uma comunicação bidirecional, através das redes sociais digitais, em Mary Douglas encontramos um modelo que auxilia a analisar o papel da “identidade, finalidade, propósito e dispositivo” que (CHARAUDEAU, 2006) aponta como constitutivos do contrato de comunicação. Segundo Mary Douglas (1998) para compreendermos como um indivíduo realiza suas escolhas para se tornar partidário de certas práticas culturais, não se deve observar esta prática cultural isoladamente, devendo situá-la em função do contexto de todas as suas preferências e atitudes a respeito da liderança e da concorrência. Metodologicamente, Mary Douglas enfatiza que devemos procurar descrever e analisar os conflitos culturais na ótica do sujeito pesquisado para compreender o seu processo de tomada de decisão. Segundo a autora, uma tomada de decisão por uma prática cultural deve corresponder a um nível de coerência com a escolha de outras práticas culturais similares. Como assim exemplifica: Cabe esperar que la gente que expresa una profunda preferencia por la medicina holística tenga uma actitud negativa respecto de la cultura a la que corresponde el outro tipo de medicina. Si esas personas eligen una medicina más moderada y más espiritual, seguramente harán el

G abriela B ezerra Lima

Para observar a eficácia de campanhas da Fundação SOS Mata Atlântica em

nesses elementos estruturam novos pactos interlocutivos.

M apa Cultural

desinteressante.

no

para os interlocutores e com um grau de novidade sem o qual um discurso se torna

Ativismo Preguiçoso

do por termos inteiramente dados e nem de modo estático. O contrato de comunicação

e

Charaudeau (2006) defende que um contrato de comunicação não está ordena-

Ativismo D igital

[...] toda troca linguageira se realiza num quadro de co-intencionalidade, cuja garantia são as restrições da situação de comunicação. O necessário reconhecimento recíproco das restrições da situação pelos parceiros da troca linguageira nos leva a dizer que estão ligados por uma espécie de acordo prévio sobre os dados desse quadro de referência (CHARAUDEAU, 2006, p. 68).

de

contratos de comunicação regulam as expectativas recíprocas em uma troca discursiva:

Tipos

contrato de comunicação. Que segundo Charaudeau se caracteriza pelo fato de que os

76


mismo tipo de elecciones em otros contextos diferentes de la medicina, como el del régimen alimentario o la ecologia3. (DOUGLAS, 1998, p. 56)

outros ideais culturais. A autora define que existem quatro grandes referenciais para os

Revista GEMI n IS |

ideais culturais, classificados em quatro tipos de sociedades que conformam um mapa

ano

cultural, assim descritos:

3 - n. 1

77

Mary Douglas (1998, p. 57-58) destaca que qualquer gesto social ou qualquer escolha que o indivíduo faça, por mais simples que seja, está associado a uma luta por tornar realidade algum ideal cultural. Cada ideal cultural remete a um conflito com

[...]uno se basa en la comunidad jerárquica y que por ello defiende la formalidad y la compartimentación; el segundo se basa en la igualdad dentro de un grupo y por ello está a favor de la espontaneidad y la negociación libre y decididamente en contra de otras formas de vida; El tercer tipo es el de la cultura del individualismo y el cuarto es la cultura del individuo aislado que prefiere evitar los controles opresivos de las demas formas de vida social.4 (DOUGLAS, 1998, p. 58). FIGURA 2 - Mapa cultural (DOUGLAS, 1998, p. 58)

Mary Douglas afirma que qualquer escolha que se faça a favor de um desses tipos de ideais culturais (fig. 2) é ao mesmo tempo uma escolha contra os demais ideais. Uma escolha, segundo a autora, é um ato de “adesão” e um “protesto” contra um modelo de sociedade não desejado. Cada tipo de cultura descrito na citação anterior é hostil

3 Tradução livre: “Cabe esperar que os indivíduos que expressam profunda preferência pela medicina holística tenham uma atitude negativa a respeito da cultura que corresponde a outro tipo de medicina. Se esses indivíduos que escolhem uma medicina mais moderada e mais espiritual, seguramente farão o mesmo tipo de escolha em outros contextos diferentes da medicina, como o regime alimentar ou a ecologia. (DOUGLAS, 1998, p. 56).

4 Tradução livre: “[...] Um se baseia na comunidade hierárquica e que por ele defende a formalidade e a compartimentação; o segundo se baseia na igualdade dentro de um grupo e por ele está a favor da espontaneidade e a livre negociação e decididamente a favor do encontro com outras formas de vida; o terceiro tipo é o da cultura competitiva do individualismo e o quarto é a cultura do indivíduo isolado que prefere evitar os controles opressivos das demais formas de vida social.” (ibidem, p.58)


aos outros três, como assim afirma “[...] cada cultura tiene sus ventajas sobre las demás. Asimismo cada cultura tiene sus debilidades. Pero las cuatro coexisten en cualquier

mente a dois ideais por muito tempo. A contradição entre eles tende a se tornar insuportável, a menos que o contexto dos dois esteja separado completamente, como “o lar separado do trabalho, o tempo de lazer separado do lar, etc” (idem, ibidem, p. 59). Se um

desvaloriza a igualdade, o fervor se opõe ao juízo frio, a exaltação da multidão se opõe à calma da ordem e o gosto pela solidão [...] a heterodoxia se opõe a ortodoxia. Os sermões formais se opõem aos testemunhos descontraídos.” (idem, ibidem, p. 59)

tendências culturais opostas, montando um gráfico chamado neste artigo de Diagonais de Mary Douglas.

Douglas, A-C é a diagonal positiva, de adesão dos indivíduos empreendedores a uma hierarquia, enquanto B-D é a diagonal negativa, onde se posicionam os indivíduos isolados e a parcela dissidente que rejeita a autoridade existente (DOUGLAS, 1998, p. 60). Segundo Mary Douglas (ibidem, p. 61-62), em qualquer comunidade sempre ha5 Tradução livre da autora: “[...] Cada cultura tem vantagens sobre as demais. Assim mesmo cada cultura tem suas debilidades. Porém as quatro coexistem em qualquer sociedade em um estado de antagonismo mutuo e isto foi assim em todas as épocas.” (DOUGLAS, 1998, p. 59)

G abriela B ezerra Lima

Nas diagonais de tendência culturais opostas, do diagrama Diagonais de Mary

FIGURA 3 - Diagrama de tendências culturais opostas (DOUGLAS, 1998, p. 60)

M apa Cultural

sociedade, explicita a dinâmica que existe entre eles a partir da lógica das diagonais de

no

A autora, além de descrever os quatro grandes referenciais culturais de uma

Ativismo Preguiçoso

não se torna hegemônica ao lado da predominância da informalidade. “A hierarquia

e

indivíduo opta pelo modelo cultural espiritual se descarta o material. A formalidade

Ativismo D igital

Segundo Mary Douglas (1998), um individuo não pode pertencer simultanea-

de

(idem, ibidem, p. 59).

Tipos

sociedad en un estado de antagonismo mutuo y esto ha sido así en todas las épocas.5”

78


verá setores que sustentam a estrutura de autoridade. Esses setores se aliam na diagonal positiva (A-C), pois ambos os tipos de ideal cultural (A e C) aceitam a autoridade, a ção está em superar a subversão, a arbitrariedade e a anarquia. Qualquer postura aprovada pelos pertencentes à diagonal positiva será automaticamente questionada pelos indivíduos pertencentes à diagonal negativa (B-D).

as diagonais positiva e negativa consiste em oferecer um modelo que permite classificar as práticas culturais de modo a explicar como os ideais sociais expressos em uma comunicação podem codificar-se e situar-se no extremo espiritual ou no extremo material do espectro. O que nos permite situar os contratos de comunicação de ativismo digital no Mapa Cultural, de forma que evidenciem seu propósito e estejam em sintonia com os valores culturais dos indivíduos da diagonal em questão. A autora salienta que esse modelo de mapa cultural não é determinista, que pressões culturais necessariamente não obrigam ninguém a escolher um caminho ou outro. Como forma de demonstrar que a mobilidade dos indivíduos entre os diferentes ideais culturais é mais fácil na teoria do que na prática, Mary Douglas (ibidem, p. 61) utiliza como exemplo os imigrantes ou refugiados de guerras. Candidatos a ocupar a diagonal negativa (em protesto ao status quo), esses indivíduos podem ter a oportunidade de montar uma vendinha ou de virar um empresário de pequena escala, facilitando com que suas opiniões, anteriormente críticas, defendam agora os valores da diagonal (A-C) de adesão ao status quo do sistema social. Caso os imigrantes não tenham essa oportunidade de empreender um negócio comercial, por exemplo, alguns podem optar por reunir-se e formar um movimento étnico, religioso ou uma ONG, movidos pelos ideais da diagonal negativa (B-D). Entretanto, Mary Douglas (1998) ressalta que na vida real nem sempre é tão fácil passar de uma identidade cultural para outra, especialmente quando os membros de sua rede social considerem esse fato uma traição. A partir da utilização do modelo de classificação de ideais culturais do diagra6 Tradução livre da autora: “Por definição, os isolados não podem exercer influência e não pretendem utilizar a força para alcançar seus fins. Esse segmento haverá de unir-se para protestar contra o poder dos setores dominantes da sociedade. (ibidem, p.61)

3 - n. 1

O objetivo de Mary Douglas (p. 60-61) na elaboração do diagrama que relaciona

ano

Por definición, los aislados no pueden ejercer influencia y no pretenden utilizar la fuerza para alcanzar sus fines. Los enclavistas habrán de unirse para protestar contra el poder de los sectores dominantes de la sociedad.6 (DOUGLAS, 1998, p. 61)

Revista GEMI n IS |

liderança e a dominação. Para os indivíduos localizados na diagonal (A-C), a preocupa-

79


ma de Diagonais de Mary Douglas, podemos afirmar que os indivíduos estão localizados na diagonal de aceitação do status quo (A-C) ou na diagonal de negação do status quo

FIGURA 4 - Modelo das diagonais de tendências culturais opostas (DOUGLAS, 1998) exemplificado

Ativismo D igital

débil no polo D e mais intensa no polo B.

de

intensa no polo C; enquanto na diagonal negativa a contestação ao status quo seria mais

Tipos

(B-D). Na diagonal positiva, a agregação ao status quo seria mais débil no polo A e mais

80

e

Ativismo Preguiçoso no

maiores e mais atuantes ONGs no combate ao consumo produtos de origem animal, localizada no polo B (contestação intensa ao status quo). Enquanto uma microempresa como uma lanchonete de bairro está localizada no polo A (agregação débil ao status quo), no polo oposto da mesma diagonal estaria a empresa de cartões de crédito MasterCard, localizada no polo C (intensa agregação ao status quo). Os contratos de comunicação podem circular por ambas as diagonais, como por exemplo, o contrato de comunicação científico, que pode legitimar ações de adesão ao status quo ou de contestação ao status quo. Ao ser utilizado para legitimar os dados sobre os danos ambientais causados pelo homem, um contrato de comunicação científico estaria servindo à diagonal de contestação; ao ser utilizado para comprovar benefícios das ações ambientais governamentais, como uma hidrelétrica ou transposição de um 7 ONG Peta (People for the Ethical Treatment of Animals). Tradução: “Pessoas Pelo Tratamento Ético de Animais”. Segundo sua fundadora a ONG persegue os seguintes ideais: “Um mundo sem crueldade, onde as pessoas não ignorem o fato de que animais são feitos de carne e sangue, como nós. Todos eles têm emoções, sentem medo e dor, amor e alegria, e querem permanecer vivos, assim como a gente. Um mundo onde todos prestem atenção no que os animais são e no que os animais precisam, no lugar de tratá-los como escravos ou de enxergá-los como nada além de algo para comer, vestir, abusar e usar em testes. Sossegarei no dia em que o ser humano não maltratar mais os animais, no dia em que não comer mais carne.” Mais informações disponíveis em: <http://migre.me/7Ac2z>. Acesso: 27 de janeiro de 2012.

G abriela B ezerra Lima

débil do status quo), no lado oposto da mesma diagonal estaria a ONG Peta7, uma das

(fig. 4), um pequeno grupo de vegetarianos estaria localizado no polo D (contestação

M apa Cultural

Como exemplo da aplicação do diagrama dos ideais culturais de Mary Douglas


rio, estaria sendo utilizado pela diagonal de agregação ao status quo. Logo, o modelo das Diagonais de Mary Douglas nos permite não apenas reaplicado para definir a identidade cultural de marcas publicitárias e de contratos de comunicação, inclusive, de ativismo digital. Alguns contratos de comunicação são naturalmente pertencentes a uma dia-

reiterar que o que define um contrato de comunicação, segundo Charaudeau (2006), são suas condições de identidade, finalidade, propósito e dispositivo, assim como seus dados internos (discursivos). Ao modificar suas condições, o contrato se altera. Os contratos de comunicação também podem ordenar significações distintas em uma mesma diagonal de tendência cultural. Um contrato de comunicação pode ser organizado por um membro do polo B para contestar o status quo de forma débil ou de forma intensa se ele for membro do polo D. Logo, os contratos de comunicação oriundos de ONGs e movimentos sociais, caracterizados pela contestação ao status quo (diagonal negativa B-D), podem propor uma crítica frágil ou uma crítica intensa, dependendo da complexidade organizacional da instituição e de suas ações. Dessa forma, um grupo informal de pessoas que se reúne para defender uma área ecológica pela internet deverá formular um contrato de comunicação diferente do planejado pela ONG Greenpeace. O nível de organização de uma instituição que vá realizar um contrato de comunicação define, a princípio, o tipo de contrato que poderá ser estruturado para cumprir seu ideal cultural de apoio ou negação ao status quo. O modelo de Diagonais de Mary Douglas será utilizado neste artigo para analisar de que forma a Fundação SOS Mata Atlântica utilizou contratos de comunicação distintos objetivando uma ação de contestação ao status quo mais enfática ou mais frágil nas redes sociais digitais, através do ativismo digital. Tipos de ativismo digital desenvolvidos por instituições Entre as diversas causas socioambientais defendidas por entidades por ONGs, a defesa do bioma Mata Atlântica é missão de algumas instituições brasileiras com foco ambiental. A Fundação SOS Mata Atlântica, organização não governamental criada em 1986, estimula ações para o desenvolvimento sustentável neste ecossistema, promovendo a educação e o conhecimento sobre a Mata Atlântica, mobilizando, capacitando e estimulando o exercício da cidadania socioambiental. Como uma de suas estratégias de divulgação está a utilização da internet e de suas redes sociais digitais

3 - n. 1

pronunciamentos governamentais (diagonal de agregação ao status quo). É importante

ano

gonal, como os manifestos antiglobalização (diagonal de contestação ao status quo) e os

Revista GEMI n IS |

lacionar a identidade de indivíduos e instituições no Mapa Cultural, como pode ser

81


para desenvolver ativismo digital. As ações desenvolvidas em ambientes virtuais, pela Fundação SOS Mata Atlân-

gados eventos e concursos, solicitada a adesão a protestos e petições, transmitidos dados sobre o bioma Mata Atlântica e o Código Florestal Brasileiro, divulgados os projetos da instituição, entre outras atividades.

mudas de árvores a serem plantadas por instituições parceiras do projeto. Devido ao fato do projeto Clickarvore oferecer diversos tipos de ativismo digital, segundo Vegh (2003), nesse artigo este case é utilizado como principal exemplo para o planejador de

‘conscientização e apoio’ consiste no ativismo estruturado como fonte de informação, objetivando conscientizar os internautas a respeito das causas socioambientais defendidas. Os discursos são disseminados em sites, comunidades virtuais, blogs, perfis em redes sociais digitais, entre outros, buscando o apoio para as mais diversas causas e permitindo que essas plataformas digitais propaguem seus discursos comumente negligenciados pela mídia de massa e seus veículos tradicionais. Um exemplo do ativismo online de ‘conscientização e apoio’, desenvolvido pela Fundação SOS Mata Atlântica, consiste na divulgação de dados sobre a preservação da

8 “A Conexão Mata Atlântica surgiu com o objetivo de ser um espaço para a SOS Mata Atlântica conversar de forma mais ativa com todos os públicos com os quais se relaciona: voluntários, parceiros, ONGs, funcionários, comunidade, etc, e também promover a troca e intercâmbio de conhecimentos entre essas pessoas. Nesse sentido, a Conexão Mata Atlântica foi criada para articular em rede todas as pessoas que se preocupam e querem discutir sobre a luta pela Mata Atlântica.” Possui 14.602 seguidores (na data de 20 de janeiro de 2012). Disponível em: <http://www.conexaososma.org>. Acesso: 20 de janeiro de 2012.

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conscientização e apoio; organização e mobilização; ação e reação. Para o autor, a categoria de

Vegh (p. 72-73, 2003) classifica o ativismo online em três categorias, sendo de

M apa Cultural

[...] a partir da incorporação da Internet, os ativistas expandem suas atividades tradicionais e/ou desenvolve outras. A utilização da Rede por parte desses grupos visa, entre outras coisas, poder difundir informações e reivindicações sem mediação, com o objetivo de buscar apoio e mobilização social para uma causa; criar espaços de discussão e troca de informação; organizar e mobilizar indivíduos para ações e protestos on-line e off-line. (LEMOS, 2005, p. 251)

no

comunicação compreender como se manifesta cada tipo de ativismo digital.

Ativismo Preguiçoso

karvore’, através do qual os internautas contribuem com cliques que são revertidos em

e

A Fundação SOS Mata Atlântica também disponibiliza um site chamado ‘Clic-

Ativismo D igital

sociais digitais como Facebook, Orkut, Twitter e Youtube. Nesses ambientes são divul-

de

panhas em redes sociais digitais, vídeos e boletins de rádio que circulam pelas redes

Tipos

tica, consistem em site da instituição, rede social digital própria8, blog, páginas de cam-

82


Mata Atlântica, disponível em seu website9 (fig. 5), assim como em seu blog10 .

O

Ativismo de ‘conscientização e apoio’ é amplamente desenvolvido por instituições do mesmas utilizadas em outros meios de divulgação institucional offline como folders, panfletos, publicações e relatórios impressos, entre outros. Nas redes sociais digitais, os membros podem compartilhar esses discursos e seus links de acesso.

meio de mobilizar os internautas a contribuírem com uma causa socioambiental, além de suporte informativo e conscientizador, característico de ações de ‘conscientização e apoio’. Segundo Vegh (2003), o ativismo online baseado na ‘organização e mobilização’ é desenvolvido de três formas, que neste artigo subclassificamos como: online com fins offline, offline otimizado online, e exclusivamente online. O ativismo de ‘organização e mobilização’ online com fins offline é utilizado para convidar indivíduos para uma ação offline, como uma passeata, por exemplo. O ativismo offline otimizado online convida indivíduos para uma ação comumente executada em ambiente offline, mas que pode oferecer resultados mais eficazes se executadas em ambiente online, como por exemplo, pressionar um parlamentar através de e-mails ou invés de telefonemas, o que reduz os custos da ação e aumenta seu alcance. Por último, o ativismo de ‘organização e mobilização’ exclusivamente online convida o indivíduo para 9 Website disponível em: <http://www.sosmatatlantica.org.br/index.php?section=project&action=itinerante>. Acesso em 05 de dezembro de 2011 10 Blog disponível em: <http://www.sosma.org.br/blog>. Acesso em 05 dezembro 2011

3 - n. 1

Algumas instituições conectadas à internet utilizam a world wide web como

ano

FIGURA 5 - Site da Fundação SOS Mata Atlântica no qual estão disponíveis informações sobre o bioma Mata Atlântica e a atuação da instituição.

Revista GEMI n IS |

Terceiro Setor conectadas à internet. As informações propagadas tendem a serem as

83


uma ação que só pode ser executada online, como o uso de cliques que são revertidos em doações por parte de empresas parceiras, por exemplo.

te” que percorre cidades brasileiras para “promover atividades de educação ambiental gratuitas com a população” 11. No blog da instituição, os indivíduos são convidados a comparecerem ao evento, assim como são expostas fotografias com a participação da

Ativismo Preguiçoso

FIGURA 6 - Blog da Fundação SOS Mata Atlântica fala sobre projeto “A Mata Atlântica é Aqui – exposição itinerante do cidadão atuante”.

e

população no evento anterior (fig. 6).

Ativismo D igital

de projetos como “A Mata Atlântica é Aqui: exposição itinerante do cidadão atuan-

de

bilização’ online com fins offline ao convocar, pela internet, os indivíduos a participarem

Tipos

A Fundação SOS Mata Atlântica também executa ações de ‘organização e mo-

84

no

M apa Cultural •

G abriela B ezerra Lima

Ações de ativismo de ‘organização e mobilização’ offline otimizado online também são executadas pela Fundação SOS Mata Atlântica como, por exemplo, a assinatura de uma petição online12 realizada pelo Comitê em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, composto por 163 organizações da sociedade civil brasileira e coordenada por diversas instituições, entre elas a Fundação SOS Mata Atlântica (fig. 7). A petição online permite que um maior número de pessoas tenha acesso ao abaixo assinado do que se fosse necessário coletar assinaturas exclusivamente nas ruas.

11 Disponível em: <http://www.sosma.org.br/blog/?page_id=156>. Acesso: 15 de janeiro de 2012. 12 Disponível em: <http://www.florestafazadiferenca.org.br/assine/> Acesso: 05 de janeiro de 2012.


FIGURA 7 - Petição do grupo Floresta faz a Diferença, ao qual a Fundação SOS Mata Atlântica pertence.

85 Revista GEMI n IS | ano

3 - n. 1

Visando o reflorestamento da Mata Atlântica, a Fundação SOS Mata Atlântica também oferece ao indivíduo uma ação de ‘organização e mobilização’ exclusivamente online, chamada de Clickarvore13 (fig. 8), através da qual os internautas transformam cliques em votos que definem onde e quantas mudas de espécies nativas serão plantadas por parceiros do projeto14. FIGURA 8 - Layout da página digital do projeto Clickarvore, da Fundação SOS Mata Atlântica.

Por último, Vegh (2003, p. 75) aponta como a terceira categoria de formas de ati13 “O Clickarvore é uma iniciativa da Fundação SOS Mata Atlântica e do Grupo Abril e conta com a participação de uma ampla rede de parceiros, tais como viveiros de mudas, ONGs, academia, empresas patrocinadoras e, principalmente, internautas e proprietários de terras do Bioma Mata Atlântica”. Disponível em:<https://clickarvore2. websiteseguro.com/index.php/quem-somos> Acesso: 27 de março de 2011. 14 Outros parceiros do Clickarvore: AstraZeneca, Bradesco Capitalização, Bradesco Ecofinanciamento, Bracelpa, Carrefour, Colinas, Funcionários da Editora Abril, HopiHari, Mucosolvam, Senac, Ticket, Internautas. Disponível em: <https://clickarvore2.websiteseguro.com/index.php/quem-somos> Acesso: 27 de março de 2011


vismo online as iniciativas de ‘ação e reação’, caracterizadas pelo hacktivismo (ativismo praticado por hackers ). Consiste em ações na internet que podem variar desde invasão 15

MasterCard e Amazon, em retaliação ao bloqueio de doações ao site WikiLeaks17. Vegh (2003, p. 72) ressalta que indivíduos e organizações podem desenvolver ações características de apenas uma das categorias elencadas ou várias simultaneamen-

presença de ações de ativismo de ‘ação e reação’. Dessa forma, a instituição caracteriza-se por desenvolver um ativismo digital híbrido, apresentando ações de ‘conscientização e apoio’ - ao tentar conscientizar sobre

Da mesma forma, o próprio projeto Clickarvore é de constituição híbrida, pois apresenta diversos tipos de ativismo digital. Através da utilização da internet, o projeto Clickarvore realiza ações de ‘conscientização e apoio’ ao informar dados e importância

de plantio das mudas obtidas pelo projeto. Logo, utiliza o meio online para obter um benefício offline concreto. Seja por idealismo, necessidade ou vontade de se adequar às regras ambientais, é o investimento de produtores rurais responsáveis pelos plantios que faz com que as mudas doadas estejam se transformando em corredores de biodiversidade e proteção para rios, nascentes, solos e encostas, em mais de 400 municípios, de 11 estados da Mata Atlântica (Ceará, Pernambuco, Alagoas, Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). (CAMPANILI, 2010, p. 67)

A utilização da internet também possibilitou que o Clickarvore otimizas-

se uma ação que poderia ser empreendida offline. Os internautas poderiam ser apenas 15 hac.ker. (réker) (ingl) smInform “Pessoa viciada em computadores, com conhecimentos de informática, que utiliza esse conhecimento para o benefício de pessoas que usam o sistema, ou contra elas”. Dicionário Michaelis. 16 Informações sobre o grupo Anonymous disponível em: <http://anonopsbr.blogspot.com/ e http://www. youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=WpwVfl3m32w#!> Acesso: 20 de janeiro de 2012.

17 Em novembro de 2010 o site WikiLeaks divulgou cerca de 250 mil documentos secretos com base em comunicações realizadas por embaixadas dos Estados Unidos em diversos países, o que ocasionou um mal estar entre autoridades norte americanas e estrangeiras. Por pressão do governo americano, empresas como Visa, MasterCard e Amazon bloquearam as doações ao WikiLeaks objetivando seu enfraquecimento.

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offline ao solicitar que proprietários rurais cadastrem suas terras para que sejam áreas

do projeto. Também utiliza o ativismo de ‘organização e mobilização’ online com fins

M apa Cultural

ações de ‘organização e mobilização’ dos três tipos elencados por Vegh (2003).

no

a importância do bioma Mata Atlântica e as ações de preservação - assim como oferece

Ativismo Preguiçoso

cientização e apoio’, assim como de ‘organização e mobilização’, não sendo constatada a

e

te. Verifica-se que a Fundação SOS Mata Atlântica investe no ativismo digital de ‘cons-

Ativismo D igital

de ação e reação. O Anonymous liderou ataques online aos sites de empresas como Visa,

de

mous16, que defende a liberdade de expressão na internet, é um exemplo de ativismo

Tipos

de sites como protesto ao ciberterrorismo. O grupo de ativistas digitais chamado Anony-

86


informados de como plantar as mudas, entretanto, ao solicitar uma ação exclusivamente online (utilizar cliques que são revertidos em mudas por parte das empresas parceiras tas, como a falta de tempo e o gasto de recursos, o que se caracteriza como uma ação de ‘organização e mobilização’ online otimizado offline. Para as empresas parceiras, responsáveis por viabilizar a otimização da ação

ação de responsabilidade social18. “O Clickarvore é um dos principais projetos de incentivo à restauração florestal já lançados no país. Sua mecânica inovadora, alinhada com essa poderosa mídia que é a internet, facilita muito a participação das pessoas e desta forma otimiza o resultado do programa. O alcance é enorme, não só porque afeta a vida de quase dois terços da população, como por contribuir para recuperar áreas degradadas, incentivar a produção e o plantio de mudas (gerando empregos), formar corredores de biodiversidade, estimular a educação ambiental e, em última instância, contribuir para mitigar as consequências dos gases de efeito estufa.” Norton Glabes Labes, Diretor presidente da Bradesco Capitalização. (CAMPANILI, 2010, p. 55)

A principal característica do projeto Clickarvore, no entanto, consiste em

seu ativismo de ‘organização e mobilização’ exclusivamente online, utilizando ferramentas da internet para obter um apoio que não pode ser fornecido offline, como transformar cliques em doações de mudas de árvores que efetivamente são plantadas pelas empresas parceiras do projeto e terras cedidas pelos produtores rurais.

Essa ação de ativismo exclusivamente digital, por parte do internauta, é

revertida em valor positivo para a imagem institucional dos parceiros19 do projeto e em 18 Segundo informações do projeto: “Além de associar a sua imagem à Fundação SOS Mata Atlântica e divulgar sua parceria com o maior programa brasileiro de restauração florestal com espécies nativas da Mata Atlântica, os patrocinadores do Clickarvore estarão contribuindo para: A doação de mudas para a restauração florestal e a formação de corredores ecológicos entre as diferentes ilhas de remanescentes florestais e a preservação da biodiversidade; A diminuição de processos erosivos, assoreamento dos rios, ajudando a garantir o fornecimento de nossa água; A produção de mudas e a coleta de sementes de espécies nativas da Mata Atlântica, com geração de trabalho e renda em viveiros florestais e propriedades rurais durante os plantios.” Disponível em: <https://clickarvore2.websiteseguro.com/index.php/ como-participar> Acesso: 22 de março de 2011. 19Através do projeto Clickarvore a Bradesco Capitalização se tornou a primeira empresa do setor a lançar títulos vinculados a causas sociais e a práticas ambientalmente responsáveis. A iniciativa rendeu à empresa vários prêmios ligados à responsabilidade socioambiental, como: Prêmio Top Socioambiental ADVB MG 2009, Prêmio Top Ambiental ADVB 2008, Prêmio Ser Humano Oswaldo Cecchia 2008 – ABRH Nacional, Prêmio Atitude Sustentável 2008 – CAERJ. “A parceria com a SOS Mata Atlântica motivou a empresa a colaborar também com outras instituições, e hoje [...] colabora ainda com o Instituto Ayrton Senna, o Instituto Brasileiro de Controle do Câncer e a Fundação Amazonas Sustentável”. (CAMPANILI, 2010, p. 56).

3 - n. 1

associação de sua imagem à Fundação SOS Mata Atlântica, configurando-se em uma

ano

dos internautas, o grande benefício de participar do projeto Clickarvore consiste na

Revista GEMI n IS |

do projeto) possibilitou excluir possíveis empecilhos para o plantio direto dos internau-

87


uma efetiva ação de preservação ambiental por parte da Fundação SOS Mata Atlântica. O que demonstra como o ativismo exclusivamente offline pode ser utilizado de forma

Ativismo D igital

FIGURA 9 - Imagens de tabelas com os principais patrocinadores do projeto Clickarvore e dados do projeto (CAMPANILI, 2010, p. 109).

de

intermediados por uma instituição.

Tipos

empreendedora, desde que seus benefícios não se limitem ao ambiente virtual e sejam

88

e

Ativismo Preguiçoso no

M apa Cultural •

sociais digitais, como forma de obter mobilização em torno das causas socioambientais defendidas, assim como é possível constatar que os indivíduos percebem ações deste tipo e aderem ou refutam as propostas apresentadas. De certa forma se instituiu contratos de comunicação nas redes sociais digitais que estimulam ações do que Morozov (2010) chama de slacktivism (ativismo preguiçoso). Segundo o autor, os indivíduos empreendem ações de ativismo digital como forma de proporcionar bem-estar para si, porém podendo ser inútil para as causas defendidas (idem, ibidem, p. 14), como será exposto a seguir. O Ativismo preguiçoso desenvolvido por indivíduos Em seu artigo Iran: Downside to the “Twitter Revolution” (2010), Morozov analisa a campanha empreendida através do microblog Twitter em protesto contra a ditadura do Irã, em 2009, considerada a campanha de ativismo digital que deu visibilidade mundial para os protestos de iranianos. Entretanto, os ativistas digitais congestionaram a

G abriela B ezerra Lima

Diversas ONGs têm investido no ativismo digital, sendo divulgado em redes


internet tornando-a inutilizável pelos ativistas em ação no Irã, o que o governo iraniano tentava sem sucesso:

é importante perceber que ao estimular que o usuário das redes sociais digitais sinta-se aliviado apenas com a utilização de cliques ou retransmitindo uma mensagem em prol de uma causa social, pode-se enfraquecer sua adesão às ações concretas de ativismo. Dessa forma, o discurso dos anúncios de ativismo nas redes sociais digitais pode fazer uso, com certa eficácia, de ações de ativismo preguiçoso como mecanismo para estimular a identificação com a causa e divulgar a marca e as metas da instituição, porém essas ações representariam uma contestação débil ao status quo (diagonal negativa B-D) (DOUGLAS, 1998). Para que os indivíduos sejam efetivamente mobilizados a contribuir é necessário oferece-lhes mecanismos de contribuição efetiva no ambiente online ou offline. A Fundação SOS Mata Atlântica, através da campanha Clickarvore, obteve um retorno graças a uma ação de ativismo digital, caracterizada pela utilização de cliques que são revertidos em mudas por parte das empresas parceiras do projeto. Com mais de 24 milhões de cliques, cerca de 250 mil internautas permitiram a doação de 23.960.212 árvores para plantio, no período de 2000 a 2010. Atualmente, o Clickarvore tem cerca de 27 mil cliques por dia, sendo possível apenas um clique por dia para cada internauta (CAMPANILI, 2010, p. 41). Dessa forma, possibilitou que através do ambiente online os indivíduos que sentiam a necessidade de contribuir com a causa ambiental encontrassem um meio para atuar, sem depreender grandes esforços. Assim como viabilizou a divulgação do Clickarvore em

20 Tradução livre da autora: “[A campanha] rapidamente tornou-se viral. Afinal de contas, o que poderia ser mais emocionante do que a possibilidade de atacar o maléfico governo de Ahmadinejad do conforto da sua cafeteria favorita? Cibersolidariedade nunca trouxe tanto bem-estar. O que esses soldados cibernéticos não esperavam era que seus ataques iriam também desacelerar toda a internet iraniana, tornado difícil obter qualquer informação (mesmo não governamental) ou fazer upload de fotos ou vídeos dos protestos” (MOROZOV, 2010, p. 14).

3 - n. 1

tais coletivas, especialmente na capacidade de influenciar a opinião pública. Entretanto,

ano

Segundo Morozov (2010) não se deve desmerecer o valor de mobilizações digi-

Revista GEMI n IS |

[A campanha] quickly went viral. After all, what could be more exciting than the prospect of attacking the evil government of Ahmadinejad from the comfort of one’s favorite café? Cyber-solidarity has never felt so good. What these cyber-soldiers didn’t expect was that their attacks would also slow down the entire Iranian Internet, making it difficult to obtain any (even non-government) information or upload photos or videos from the protests. (MOROZOV, 2010, p. 14) 20.

89


diversas redes sociais digitais21 (figs. 10).

Tipos

FIGURA 10 - Membro do Twitter convida seus seguidores a contribuir com o projeto Clickarvore22.

90

de

pelo movimento Novo Jeito23 que, através da adesão de cada 100 novos seguidores à

chamado Virou Grama24, no qual os internautas podem encurtar URLs25, transformando cada caractere em uma grama de alimento a ser doado pelo Carrefour para a Cruz Vermelha.

Embalagens para a Campanha pela Convivência com o Semi-Árido, que ajuda pessoas vítimas da seca e estiagem. O Instituto Neo Mama de Prevenção e Combate ao Câncer de Mama disponibiliza um site27 para a Campanha de Mamografia Digital Gratuita, no

Essas ações de ativismo digital com resultados offline não apenas agregam valor às marcas dos parceiros envolvidos como para os próprios indivíduos, que exibem para sua rede social de contatos uma postura de responsabilidade socioambiental, além de obterem prazer com essa ação. Igualmente ocorre com a adesão ao ativismo preguiçoso (sem resultados offline), através do qual o indivíduo obtém apenas bem estar e o retorno positivo para sua imagem, sem efetivamente contribuir com a causa defendida. 21 Disponíveis em: <https://www.facebook.com/group.php?gid=79445326085&v=wall> <http://www.orkut.com.br/ Main#Community?cmm=1237919> Acesso: 26 de dezembro de 2011. 22 Disponíveis em: <https://www.facebook.com/group.php?gid=79445326085&v=wall> <http://www.orkut.com.br/ Main#Community?cmm=1237919> Acesso: 26 de dezembro de 2011. 23 Disponível em: <http://www.novojeito.com/post/portfolio/cadeira-de-rodas-06/> Acesso: 26 de dezembro de 2011. 24 Disponível em: <http://virou.gr/home>. Até a data de 25 de janeiro de 2012 foram doadas 12.129.158 gramas. 25 Os membros do microblog Twitter dispõem de apenas 140 caracteres para compor suas mensagens o que exige que as URLs sejam encurtadas para serem divulgadas no microblog. 26 Disponível em: <http://www.cliquesemiarido.org.br/>. Acesso: 25 de dezembro de 2011. 27 Disponível em: <http://www.cancerdemama.com.br/>. A campanha teve 14.561.241 visitas até a data

de 18 de janeiro de 2012.

28 A Campanha defende que “Qualquer empresa que estiver associada a uma causa nobre e abrangente como esta, com certeza terá seu nome, vinculado ao respeito ao próximo, à solidariedade e, acima de tudo, à Responsabilidade Social que todos buscamos naqueles que prestam serviços à comunidade; com conseqüente reconhecimento da mesma.”. Disponível em: http://www.cancerdemama.com.br/campanha/detalhes.htm#Por que Apoiar esta Campanha> Acesso: 25 de janeiro de 2011.

G abriela B ezerra Lima

em troca da doação de mamografias digitais28.

qual oferece espaço publicitário para empresas anunciantes divulgarem suas marcas

M apa Cultural

em R$ 0,08 a serem doados pela Ação da Cidadania – Comitê Betinho e a empresa Sol

no

Através do site Clique Semi-Árido26, os internautas podem transformar cliques

Ativismo Preguiçoso

-las. Seguindo a mesma tendência, a rede de supermercados Carrefour oferece um site

e

sua conta no Twitter, doa uma cadeira de rodas para pessoas sem condições de comprá-

Ativismo D igital

Outro exemplo de ativismo digital que obteve retorno offline22é desenvolvido


Morozov afirma que o ativismo preguiçoso se caracteriza por “um ativismo cibernético proporcionador de bem estar, porém inútil”

29

(2010, p. 14). Entretanto, este

mesmo através do “[...] conforto da sua cafeteria favorita” e visando apenas que a cibersolidariedade lhe traga bem-estar (MOROZOV, 2010), o indivíduo pode contribuir com causas socioambientais através de ações “preguiçosas” de ativismo, como o uso de

por Morozov e que se baseia nos resultados obtidos com a ação, menosprezaria o ativismo digital que, por parte dos indivíduos, extrapola os limites de ambientes virtuais (intangíveis) e passam a operar em ambientes offline. Logo, consideramos que ao classificar ações como o Clickarvore como de ativismo útil, se equipara uma ação realmente empreendedora, por parte do indivíduo (como ele mesmo plantar árvores) a uma ação na qual sua participação ocorre através de mínimos esforços e limitados ao ambiente online, sendo ações virtuais “preguiçosas”, mas que quando devidamente intermediadas podem gerar melhorias socioambientais. A revisão da classificação de ativismo preguiçoso será exposta a seguir. Tipos de ativismo digital de internautas A Fundação SOS Mata Atlântica, ao firmar parcerias com empresas e produtores rurais, viabilizou que os indivíduos contribuíssem com a causa defendida através de uma ação “preguiçosa”, a qual não exige grandes esforços dos indivíduos no ambiente virtual e nenhum esforço no ambiente offline. Logo, o uso do Clickarvore, por parte dos internautas se diferenciaria de ações como a mera adesão à comunidade virtual do projeto, assim como de ações que estimulem os internautas a eles próprios a plantarem mudas, doarem dinheiro ou exigirem aos seus representantes políticos as modificações nas leis ambientais. Dessa forma, neste artigo classifica-se o ativismo digital empreendido pelos internautas em três tipos, sendo o ativismo preguiçoso produtivo, o ativismo preguiçoso improdutivo e o ativismo digital empreendedor. Ações como o Clickarvore, em que se obtém uma melhoria socioambiental concreta através do uso exclusivo de recursos digitais, seriam ações de ativismo ‘preguiçoso produtivo’, já que o indivíduo em questão não faz uso de uma ação concreta em prol da causa, mas sua ação “preguiçosa” representa um meio para a obtenção de uma 29 Segundo o autor: “[...] slacktivism"- a catchy new word that describes such feel-good but useless Internet activism”. (MOROZOV, 2010, p.14)

3 - n. 1

A distinção entre ações de ativismo digital útil e ativismo preguiçoso, sugerida

ano

cliques para plantar árvores.

Revista GEMI n IS |

artigo propõe outra utilização do termo ‘ativismo preguiçoso’, ao entendermos que,

91


melhoria socioambiental quando intermediada por uma instituição. Ações de ativismo ‘preguiçoso improdutivo’ se caracterizariam pelo uso ex-

Por último, através de ações de ativismo ‘digital empreendedor’ os indivíduos não apenas utilizariam os recursos digitais para obter uma melhoria socioambiental concreta, como empreenderiam ações concretas em ambientes offline. Um exemplo de

rem um ato de higiene em prol da economia de água. O êxito da campanha publicitária ‘Xixi no Banho’31 ocorreu através do retorno em mídia espontânea e da penetração em diversos meios de comunicação nacionais

a ruptura de tradicionais hábitos de higiene pelo novo valor cultural em fazer xixi no banho para economizar água, promovendo equilíbrio ecológico. Logo, a contribuição por parte dos indivíduos para a campanha ‘Xixi no Banho’

tituição, que obteve expressivo retorno através de uma ação, por parte dos indivíduos, exclusivamente online. Independente do tipo de ativismo, o compartilhamento de mensagens em prol de uma causa socioambiental é válido para fazer circular nas redes sociais digitais os discursos das ONGs e suas causas, reforçar suas marcas institucionais e as bandeiras que defendem. Entretanto, ao estimular ações de ativismo preguiçoso improdutivo por parte do indivíduo, não há garantias de que os reais objetivos das campanhas sejam alcançados. É preciso que o planejador de comunicação delimite os objetivos a serem atingidos com uma ação de ativismo digital, de forma que os gestores da instituição visua-

30 Vídeo ‘Convocação’, disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=XZ_DNc1zbxI> Acesso: 10 de janeiro de 2011 31 Campanha lançada em 2009, que obteve imensa repercussão internacional na internet e efetiva economia de água. Dados fornecidos pelo vídeo case da campanha, disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=w8wPIgpxygI>. Acesso: 06 dezembro de 2011. 32 “Trata-se do efeito boca a boca, da transferência de informação pelas redes sociais. [...] O buzz marketing, por seu turno, consiste no uso rotineiro da ação para gerar buzz. É deliberado. Um dos fatores que diferenciam o buzz marketing de outras formas de marketing é a ilusão de espontaneidade, a invisibilidade do autor.” (SALZMAN, MATATHIA, O’REILLY, 2003)

G abriela B ezerra Lima

concreta fora do ambiente online. Diferentemente do projeto Clickarvore da mesma ins-

se deu através de uma ação de ativismo ‘digital empreendedor’, por estimular uma ação

M apa Cultural

publicitária adotadas, que tendeu a provocar buzz 32 nas redes sociais digitais ao propor

no

e internacionais. A nosso ver, esse êxito tem como causa as estratégias de linguagem

Ativismo Preguiçoso

racterizou na adesão a campanha ‘Xixi no Banho’30, que mobilizou pessoas a modifica-

e

ativismo digital empreendedor, estimulado pela Fundação SOS Mata Atlântica, se ca-

Ativismo D igital

tivo à imagem do indivíduo.

de

uma melhoria socioambiental efetiva, sendo apenas utilizados para agregar valor posi-

Tipos

clusivo de recursos digitais em prol de uma causa, mas que não se propõem a oferecer

92


lizem os efetivos retornos almejados com a ação. Caso objetivem não apenas a sensibilização dos indivíduos (ativismo improdutivo), é necessário que se ofereça aos usuários ativismo preguiçoso produtivo (utilizando a própria internet e com mínimos esforços) ou um ativismo empreendedor (que o indivíduo também o empreenda fora da internet):

Facebook uma campanha na qual solicitava que os membros da rede trocassem suas fotos do perfil por imagens de seus heróis na infância como forma de protestar contra a violência infantil. De acordo com os organizadores a campanha mobilizou, no período de 60 horas, cerca de 1 milhão de membros que trocaram suas fotos por personagens como Pica Pau, Minnie, Popeye, entre outros, objetivando transmitir para os demais uma imagem ativista em prol da infância. Entretanto, ainda segundo os organizadores da campanha, a ação realizada em ambiente offline dias após a realização da campanha online, que consistiu em uma passeata em algumas cidades brasileiras, obteve uma participação efetiva bem menos expressiva, tendo tido cerca de 200 participantes em São Paulo e sem dados precisos em outras capitais35. Um mês após a manifestação em prol do fim da violência infantil, a Av. Paulista recebeu o protesto de estudantes da Universidade de São Paulo (USP36), o qual teve a presença de cerca de mil pessoas, segundo a Polícia Militar37. A ação dos estudantes foi

33 Tradução livre da autora: [...] o ativismo inofensivo também não foi muito produtivo: do que 100 milhões de pessoas convidadas para fazer parte do grupo "100 milhões de membros do Facebook pela Democracia no Irã" esperavam se livrar com sua filiação? Será isto apenas um gigante exercício coletivo e transcontinental de pensamento positivo? Eles realmente esperavam que o seu "slacktivism"[...] causaria algum impacto? (MOROVOZ, 2010, p. 14) 34 Site da empresa disponível em: <http://www.omelhordavida.com.br/quem-somos>. Acesso: 10 de janeiro de 2012. 35 Dados fornecidos via email. Mais informações sobre a campanha, disponível em: <http://exame.abril.com. br/marketing/noticias/imagens-de-desenho-no-facebook-e-acao-de-marketing>, <http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/fotos-de-personagens-infantis-invadem-o-facebook>, <http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2011/10/eu_aqui/982971-campanha-contra-a-violencia-infantil-faz-sucesso-no-facebook.html>. Acesso: 10 de janeiro de 2012. 36 A USP possui cerca de 82 mil alunos, sendo 50 mil na Cidade Universitária. Disponível em: <http://www1. folha.uol.com.br/cotidiano/1003350-estudantes-protestam-apos-reintegracao-na-reitoria-da-usp.shtml> Acesso: 15 de outubro de 2011. 37 Os organizadores do protesto estimam que cerca de duas mil pessoas compareceram ao evento. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5487466-EI8139,00-Estudantes+da+USP+realizam+ passeata+na+avenida+Paulista.html> Acesso: 11 de dezembro de 2011.

3 - n. 1

No mês de outubro de 2011, a empresa brasileira O Melhor da Vida34 lançou no

ano

[...] harmless activism wasn’t very productive either: what do 100 million people invited to join the Facebook group “100 Million Facebook members for Democracy in Iran” expect to get out of their membership? Is it just a gigantic exercise in collective transcontinental wishful thinking? Do they really expect that their “slacktivism” [...] have some impact? (MOROVOZ, 2010, p. 14) 33.

Revista GEMI n IS |

das redes sociais digitais meios para contribuir, podendo ser através do estímulo a um

93


um protesto à prisão de setenta e três estudantes que ocuparam a reitoria da Universidade, cerca de quinze dias antes da passeata, como forma de se manifestar contra a

infantil. Logo, o que estimulou os estudantes a irem à Av. Paulista e não estimulou a população a participar ativamente de um protesto contra um dos tipos de violência mais culturalmente condenado e que atinge cerca de 68 milhões de crianças e adolescentes

e

brasileiros38? predominantemente, como de ativismo preguiçoso improdutivo ou produtivo, mas que atinja o status de empreendedora por um expressivo número de indivíduos, é necessário que os estímulos que solicitam a contribuição das pessoas, como a publicidade, se

É possível perceber, nas redes sociais digitais, os usuários convidando seus

Entretanto, essas ações se baseiam unicamente na empatia pela causa e não necessariamente em uma estimulação de um valor cultural que viabilize uma real ação por parte do indivíduo. Logo, percebemos que os membros das redes sociais digitais reconhecem um contrato de comunicação de ativismo nas redes sociais digitais, entretanto, esse reconhecimento por si só não representa o estímulo a uma efetiva contribuição em prol da causa ou a uma comunicação bidirecional. O projeto Clickarvore, ação de ativismo produtivo, obteve excelente retorno para a causa que defende e ampla adesão de internautas. Porém, observa-se que sua divulgação não atingiu um nível suficiente de crítica aos valores em alta para estimular o indivíduo a compartilhar suas vozes com outros atores, possivelmente por seu discurso não representar um confronto com os discursos circulantes, gerando polêmica e estimulando seu repúdio ou defesa, diferentemente da campanha ‘Xixi no Banho’, de ativismo digital empreendedor. Logo, a campanha ‘Xixi no Banho’ representou uma intensa contestação ao status quo e o projeto Clickarvore uma débil contestação ao status quo (fig. 11). em:<http://www.ibge.gov.br/7a12/conhecer_brasil/default.

G abriela B ezerra Lima

causas sociais, assim como a utilização de imagens e termos em adesão a uma causa.

pares a entrar em um site de uma instituição sem fins lucrativos para aderir às lutas por

M apa Cultural

Considerações finais

no

configurem como uma contestação intensa ao status quo.

Ativismo Preguiçoso

Este artigo parte da premissa de que, para uma ação não se manter apenas,

38 Censo IBGE 2010. Disponível php?id_tema_menu=2&id_tema_submenu=5>

Ativismo D igital

manifestação ocorreu através do Facebook, assim como a passeata pelo fim da violência

de

Segundo a diretora do Diretório Central de Estudantes (DCE), o convite para a

Tipos

presença da polícia militar no campus.

94


FIGURA 11 - . Localização do projeto Clickarvore e da campanha ‘Xixi no Banho’ na diagonal (B-D) - formulação da autora

95 Revista GEMI n IS | ano

3 - n. 1

Conforme exposto neste artigo, ações de ativismo preguiçoso são válidas para reforçar uma marca institucional, sensibilizar e evidenciar uma problemática, e quando estruturadas de forma produtiva podem oferecer um bom retorno à instituição que a intermedia. Entretanto, ações de ativismo preguiçoso não se configuram como uma contestação intensa ao status quo, fragilizando a possibilidade de uma ação política em prol de uma causa, o que enfraquece seu retorno efetivo. Para isso, é preciso que se estruture outro contrato de comunicação de ativismo digital que evidencie ao público alvo a necessidade de que sua atuação em prol de uma causa se dê além do universo virtual, podendo ser orientada pelo ativismo digital empreendedor. Referências bibliográficas

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96 Tipos

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de

online activism in theory and practice. London: Routledge, 2003.

Ativismo D igital

VEGH, S. Classifying forms of online activism: the case of cyberprotests against

e

Ativismo Preguiçoso no

M apa Cultural •

G abriela B ezerra Lima


Promovendo a Inclusão no Ativismo D igital Através do Cinema Sílvia Forato

de

Camargo

Pesquisadora de educação em políticas públicas no Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer - CTI (Campinas) e Graduanda em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP (Campinas). E-mail: silforato@gmail.com

Fabio N auras A khras Doutor em Educação pela Universidade de Leeds (Inglaterra), é Professor do Programa de Pós-Graduação em Multimeios do Instituto de Artes da UNICAMP (Campinas) e coordena o Grupo de Tecnologias de Mídia para a Inclusão Social do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer - CTI (Campinas). E-mail: fabio.akhras@cti.gov.br

Revista GEMI n IS

ano

3 - n . 1 | p. 97 - 109


Resumo Este artigo apresenta uma metodologia que vem sendo utilizada para promover a inclusão de jovens de comunidades carentes no ativismo digital. O ponto de partida da metodologia é a alfebetização digital dos estudantes na linguagem da internet para torná-los capazes de construir portais na web. Nesta etapa, os estudantes são capacitados para o desenvolvimento de projetos para a internet que abordam temas do seu contexto social, como forma de promover a representação de questões relevantes desse contexto social nos meios digitais. Na segunda parte da metodologia, o aspecto central é o uso do cinema para promover a discussão de temas associados à políticas públicas levando os estudantes a elaborar estratégias de mobilização social voltadas para a solução de problemas do seu contexto social identificados na primeira etapa. Na etapa final, os estudantes criam portais para a internet para veicular sua estratégia de mobilização social. Palavras-Chave: : ativismo digital, inclusão social, políticas públicas, mobilização social.

Abstract This paper presents a methodology that is being used to promote the inclusion of youngsters from poor communities in digital activism. The methodology starting point is the digital literacy of the students in a language of the internet in order to make them capable of constructing web portals. In this phase, the students are prepared to the development of internet projects that address issues of their social context as a way of promoting the representation of relevant issues of this social context in the digital medium. In the second part of the methodology, the central aspect is the use of films to promote the discussion of themes associated with public policies in order to lead the students to formulate strategies of social mobilization oriented to the solution of problems of their social context identified in the first phase. In the final phase, the students create internet portals to convey their strategy of social mobilization. Keywords: : digital activism, social inclusion, public policies, social mobilization.


1 Introdução

N

o final da década de oitenta nos deparamos com um novo paradigma social, a Era Digital, as exigências, principalmente do mundo do trabalho, se transformam com a chegada da internet. Agora a informação, criando conheci-

mento, é fundamental na produção de riqueza, se tornando uma das bases do sistema econômico (BOBBIO, 1982). Essa sociedade se define por um maior aumento no setor de serviço quando comparado ao desenvolvimento do setor de manufaturas, unido a um avanço acelerado das tecnologias. Diante desse novo cenário houve a necessidade de adaptação dos demais seto-

res da sociedade, como o comércio, a educação e também dos movimentos sociais, que hoje utilizam o meio digital como uma ferramenta de luta, divulgando artigos, manifestos, notícias, calendários, debates online e até mesmo realizando abaixo-assinados (DE MORAES, 2011). A internet se define, ainda, como um meio de comunicação de massa livre, ou seja, não é completamente dominada por grandes grupos que possuem estreitas ligações de compromisso com grandes corporações e governos, precisando fazer jus aos ideais desses grupos dominantes. O mundo online se torna assim uma alternativa de expressão aos que vão, de certa forma, no caminho contrário aos ideais desses grupos dominantes. Proporcionando assim maior liberdade e igualdade na hora de divulgar informações. É um meio que oferece maior liberdade ao pluralismo político cultural e com relações menos desiguais. Outros fatores também beneficiam os ciberativistas e militantes, os custos para a manutenção do ativismo digital são bem mais baixos, podem-se divulgar suas reivindicações e promover espaços de mobilização em sites, blogs e rede sociais com um baixo custo ou até mesmo de maneira gratuita, sem interferir no alcance da divulgação, já que nos possibilita estar conectados o tempo todo e podendo se relacionar com praticamente qualquer lugar do globo terrestre, possibilitando troca de experiências e debates com diferentes culturas e tradições, inclusive de maneira muito rápida (RECUERO,


2009; IKEDA, 2012). Embora haja a questão da língua. Apesar de todos esses benefícios do meio, o ciberativismo transmite também exclusão digital, seja ela por motivos econômicos ou técnicos. No I Encontro Internacional de Blogueiros Progressistas, em Foz do Iguaçu, to, foi defendida a ideia de que a internet funciona apenas como mais uma ferramenta para os movimentos sociais, afirmando que “as revoluções devem ultrapassar as barreição de terras e as greves ainda provocam muito mais impacto do que as manifestações online (MEIRELES, 2010). Um dos fatores que contribui para um melhor resultado fora da rede é o fato de que boa parte da população mundial está excluída desse meio. Fatores econômicos são decisivos no que diz respeito à participação do mundo digital, afinal para se conectar é preciso de um computador com acesso à internet,

O analfabetismo também se considera um obstáculo à inclusão digital. Além

melhor aproveitado se fazem necessários certos conhecimentos técnicos de informática. Tendo em vista especificamente essa questão excludente da falta de conheci-

participantes a realizarem um melhor aproveitamento do meio digital, tanto no que diz respeito ao uso da informática para promover sua inclusão social quanto para promover a sua inclusão no ativismo digital. Para isso foi desenvolvido um programa de inclusão de jovens de comunidades carentes no ativismo digital. Na primeira etapa, que é apresentada na seção 2, há um aprendizado para inclusão digital, em que os estudantes são capacitados para o desenvolvimento de projetos para a internet que abordam temas do seu contexto social, como forma de promover a representação de questões relevantes desse contexto social nos meios digitais. Na segunda etapa, que é apresentada na seção 3, o cinema é utilizado para promover a discussão de temas associados a políticas públicas, levando os estudantes a elaborar estratégias de mobilização social voltadas para a solução de problemas do seu contexto social identificados na primeira etapa. Ao final, os estudantes criam portais para a internet para veicular sua estratégia de mobilização social.

Camargo - Fabio N auras A khras

sociais, a capacitação oferecida por esse projeto tem como principal objetivo auxiliar os

de

mento na parte técnica e os benefícios do uso da internet para a conquista de direitos

Sílvia Forato

gital”, já que o manuseio desse meio não é tão simples. Para que o computador seja

de excluir os indivíduos que não leem ou escrevem também exclui o “analfabeto di-

Cinema

famílias de baixa renda, deixando-os por fora desse processo (NIELSEN, 2006).

do

ambos possuem um alto valor sendo praticamente impossível de serem adquiridos por

Ativismo D igital Através

ras da rede mundial de computadores”. As manifestações de corpo presente, a ocupa-

a I nclusão no

houve consenso entre os participantes em relação ao tema “ativismo na rede”. No Even-

Promovendo

muitas preocupações, dentre elas o possível abandono do chamado “ativismo real” e a

100


2 Inclusão Digital em um Contexto Social

tiu da realização de um programa de inclusão digital que também tratou de orientar os alunos a selecionarem um problema político estrutural da região onde eles residem para ser abordado no programa. Paralelamente a essa escolha realizou-se uma oficina

tando para a internet um problema social relevante para a comunidade a qual os jovens pertencem. O principal objetivo da metodologia utilizada é explorar formas dos estudantes expressarem questões do seu contexto social, utilizando representações visuais e portais na internet, tendo como características centrais: • A construção de portais de aprendizado – construção de portais de aprendizado pelos estudantes, explorando temas do seu contexto social e utilizando representações visuais desse contexto, como forma de aprender criando conteúdos para a internet em situações autênticas de desenvolvimento de projeto. • O uso de imagens – produção e uso de imagens sobre temas do contexto social dos estudantes como forma de gerar representações visuais de aspectos desse contexto social para serem utilizadas nos projetos de portais de aprendizado, permitindo explorar as dimensões físicas, culturais e sociais desse contexto. Assim, no programa de inclusão digital, jovens provenientes de populações menos favorecidas da periferia de Campinas aprenderam uma linguagem da internet (HTML) e meios de expressar informações nessa linguagem, através do desenvolvimento de projetos para a internet que abordam problemas reais da sua comunidade. Um dos aspectos que caracterizam esses projetos é o uso de representações visuais (fotos e vídeos), que contribuiu para representar aspectos do contexto (físico, social e cultural) de forma mais efetiva. Isso levou os estudantes a utilizarem a internet não apenas para acessar conteúdos, mas criando conteúdos, tendo como característica central a representação e discussão do seu contexto social. Isso ampliou a relevância social e os ganhos do programa de inclusão digital, criando meios para a transformação social da comunidade a partir da inclusão digital (AKHRAS, 2010). Para a criação de conteúdos para os portais de aprendizado foi feita uma aná-

3 - n. 1

um portal para a apresentação de textos e imagens sobre o tema escolhido, represen-

ano

de criação de portais para a internet em HTML, tendo como trabalho final a criação de

Revista GEMI n IS |

Como descrito acima, o projeto foi dividido em duas partes, a primeira consis-

101


lise do contexto social, em conjunto com os estudantes, para identificação dos temas sociais relevantes, incluindo representações visuais desses temas. foram retratados nos textos e imagens que compuseram o conteúdo dos portais desenvolvidos pelos estudantes no programa de inclusão digital, os estudantes tiveram a nos portais que estavam criando. Com isso, o programa de inclusão digital ofereceu um ambiente construtivo e autêntico para a discussão de questões associadas ao contexto dantes durante o programa de inclusão digital. Figura 1 - O vencer e o perder no game Differences Little Red-Cap

Ativismo D igital Através

social dos estudantes. A figura 1 mostra um dos portais que foram criados pelos estu-

a I nclusão no

oportunidade de explorar formas de expressar suas visões sobre as questões discutidas

Promovendo

Através da discussão dos problemas do contexto social da comunidade, que

102

do

Cinema •

Sílvia Forato de

zação digital, adquiram uma alfabetização nos meios de expressar informações para a internet, além de outras alfabetizações, como a de elaborar formas de expressar o seu contexto social na internet, e assim aprender a discutir esse contexto social. 3 Da Inclusão Digital à Inclusão em Ativismo Digital A segunda parte do projeto incentivou um estudo mais aprofundado sobre o problema escolhido anteriormente pelos participantes. Essa nova análise teve como objetivo buscar formas de organização popular a partir do meio digital para a resolução do problema apresentado. Isso foi feito a partir da apresentação de conteúdos teóricos e filmes pré-selecionados, que provocassem o pensamento crítico nos integrantes do curso, tendo como resultado final um novo texto para o site, explicando qual o método que seria usado para a busca de soluções para a questão proposta.

Camargo - Fabio N auras A khras

Ao final, o objetivo é que os estudantes adquiram mais do que uma alfabeti-


O termo política foi o primeiro a ser apresentado, contando com o apoio de trechos de propagandas eleitorais e de documentários sobre movimentos sociais, como principal, além da apresentação do conceito científico, a necessidade de se fazer política, sendo que essa não se restringe apenas ao período de eleição, apresentando assim várias formas de atuação além do voto (TEIXEIRA, 2002, PEREIRA, 2005). Como

cia dessa organização na conquista da redemocratização brasileira e também em feitos mais recentes como a luta pelo passe livre pra estudante em várias regiões do país. Os alunos conseguiram compreender várias formas de organização e protestos que foram usadas na elaboração da publicação final no site. Para a apresentação do tema poder, o documentário “ Muito além do Cidadão Kane”, do ano de 1993, foi de grande utilidade já que se trata da história da Rede Globo, demonstrando como sua estrutura e fundação está estreitamente ligada com o governo ditatorial e que apesar disso ainda exerce grande influência na população, sendo o grupo televisivo de maior audiência no país, podendo interferir inclusive na área política, econômica e até mesmo na opinião de boa parte de seus telespectadores, tendo força para divulgar como verdade absoluta qualquer opinião ou notícia que seja do interesse de determinado grupo. A reflexão foi além da Rede Globo, se espalhando por todas as mídias, concluindo que se faz necessário o uso de uma análise crítica dos órgãos midiáticos já que alguns deles possuem grande poder social. Os participantes entenderam a internet como o meio mais democrático e, por isso, como meio primordial de divulgação de ideias contrárias as das classes sociais dominantes. O filme “A Onda”, do ano de 2008 (figuras 1 e 2), conta a história de um professor que, ao ministrar um curso sobre autoritarismo, decide provar para os alunos que é possível um novo regime autoritário na Alemanha, começando a divulgar suas ideias na sala de aula, até que é formada uma organização entre os alunos que ultrapassa, inclusive, os limites da legalidade, obtendo resultados catastróficos. A partir desse longa pode-se provocar uma reflexão sobre a força de certos ideais, porém os integrantes do projeto questionaram se a divulgação de certas ideias e formas de organização necessariamente trazem um resultado negativo. Com essa abordagem, o tema ideologia pôde ser melhor aproveitado no decorrer da aula, favorecendo a elaboração do conteúdo presente no site final.

3 - n. 1

de enfatizar as conquistas do movimento estudantil no Brasil, tratando da importân-

ano

os participantes se encontram cursando o ensino fundamental, houve a necessidade

Revista GEMI n IS |

o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e o movimento estudantil, tendo como foco

103


Figura 2 - Cena do filme “A Onda”

104 Promovendo a I nclusão no

Ativismo D igital Através

Figura 3 - Cena do filme “A Onda”

do

Cinema •

Sílvia Forato de

Inimigo agora é Outro”, filme brasileiro de 2010, foi assistido, já que abrange o Estado como um todo e não só a parte administrativa, demonstrando que seus poderes não se limitam ao governo, mas também possuem instrumentos de coerção como a polícia, a exemplo do filme, provocando um questionamento sobre as camadas da população que são favorecidas por ela e qual seria seu verdadeiro papel na sociedade. Esse tema se faz interessante também para compreender por que certas necessidades da população não são atendidas pelo órgão político máximo, tendo em vista que a causa dessa situação não é resultado somente da corrupção, mas sim do fato de que o governo tem priorida-

Camargo - Fabio N auras A khras

Nas definições dos conceitos de Estado e Governo, o filme “Tropa de Elite 2: o


de em servir os anseios de determinadas classes sociais para a manutenção do poder (DE HOFLING, 2001; BOBBIO, 1987). alertar a população local que também sofre com o problema que foi apresentado pelos estudantes, e chamá-la para buscar soluções cabíveis. Os participantes divulgariam em seu bairro e nas redes sociais o site com o texto elaborado na primeira parte do projeto

desenvolvidas com os interessados em buscar soluções para a situação. Figura 4 - Portal criado como parte da estratégia de mobilização social

4 Conclusão Este artigo apresentou uma metodologia de inclusão em ativismo digital. De acordo com a metodologia, os estudantes inicialmente participaram de um programa de inclusão digital em que eles aprenderam a criar sites para a internet utilizando a linguagem HTML. Ao final do programa de inclusão digital, os estudantes utilizaram o conhecimento adquirido para o desenvolvimento de projetos para a internet que abordam temas do seu contexto social, como forma de promover a representação de questões relevantes desse contexto social nos meios digitais. Na segunda parte do programa, capacitados para a criação de sites para a internet, abordando problemas reais da sua comunidade, os estudantes se envolveram em um programa de inclusão no ativismo digital que consistiu da exibição e discussão de filmes que permitiram aos estudantes a elaboração de estratégias de mobilização a serem utilizadas na solução dos problemas da sua comunidade abordados nos sites que criaram. Como parte do programa de inclusão no ativismo digital foi criado um

3 - n. 1

como ferramenta primordial de divulgação a internet, unida a ações práticas que serão

ano

apresentando o problema e o texto final que traça as estratégias de organização, tendo

Revista GEMI n IS |

Na conclusão do curso, os integrantes traçaram estratégias de organização para

105


site para a internet que veicula a estratégia de mobilização elaborada pelos estudantes durante o projeto. digital quanto o aprendizado para o ativismo digital no contexto social da comunidade, criando as condições para que os membros da comunidade se tornem aprendizes lização social. Assim, a alfabetização digital e a alfabetização em ativismo digital, que compõem a metodologia apresentada neste artigo, são o meio e o ponto de partida que em situação de exclusão social para promover transformações sociais. 5 Agradecimentos Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló-

do

gico (CNPq) pelo apoio ao projeto.

Ativismo D igital Através

levam a outras alfabetizações necessárias para ampliar a autonomia de comunidades

a I nclusão no

independentes, capazes de construir sua própria inclusão digital e estratégias de mobi-

Promovendo

O principal objetivo da metodologia é situar tanto o aprendizado de inclusão

106

Cinema

DE MORAES, Dênis. Ativismo digital. Universidade Federal Fluminense, 2011. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/moraes-denis-ativismo-digital.html> HÖFLING, Eloisa de Mattos. Estado e políticas (públicas) sociais. Cadernos Cedes, ano XXI, n 55, nov. 2001. IKEDA, Ana. Militantes dão dicas de ‘ativismo digital’ e diminuem papel das redes sociais em revoluções. UOL Notícias, 2012. Disponível em: <http://uoltecnologia.blogosfera.uol.com.br/2012/02/10/militantes-dao-dicas-sobre-ativismo-digital-e-falam-do-papel-das-redes-sociais-em-movimentos-como-o-ocupe-wall-street/>. Acesso em: 10 fev. 2012 MEIRELES, Maurício. O ativismo on-line é para preguiçosos, 2010. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI120397-15227,00-O+ATIVISMO+ONL INE+E+PARA+PREGUICOSOS.html>. Acesso em: 10 fev. 2012 NIELSEN, Jakob. Digital Divide: The Three Stages, nov. 2006. Disponível em: < http://www.

Camargo - Fabio N auras A khras

BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e sociedade - para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

de

BOBBIO, Noberto. O conceito de sociedade civil. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1982.

Sílvia Forato

AKHRAS, F. N. Inclusão Digital Contextualizada para a Inclusão Social de Comunidades Isoladas. Inclusão Social, v. 4, n. 1, pp. 19-27, 2010.

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3 - n. 1

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ano

7 Filmografia

Revista GEMI n IS |

PEREIRA, Orlando Petiz. Políticas públicas e coesão social. Revista Asociación Euro-Americana de Estudios Económicos de Desarrollo Internacional, AEEADE, v. 5-2, 2005 RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet, Editora Sulina, 2009.

107


108 Promovendo

a I nclusão no

Ativismo D igital Através do

Cinema •

Sílvia Forato de

Camargo - Fabio N auras A khras


109 Revista GEMI n IS | ano

3 - n. 1


Ciberativismo

e a influência da opinião pública sobre a esfera privada : os protestos contra o uso de peles na indústria da moda Priscila Muniz

de

M edeiros

Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Comuniação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM/UFPE). E-mail: prismuniz@gmail.com

Fabio N auras A khras Professor da Faculdade do Vale do Ipojuca (Favip), doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Comuniação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM/UFPE). E-mail: tenaflae@gmail.com

Revista GEMI n IS

ano

3 - n . 1 | p. 110 - 124


Resumo Devido às características próprias das novas mídias, elas vêm sendo palco de diferentes formas de manifestação por parte de grupos e cidadãos, demonstrando que as mídias massivas vêm perdendo o monopólio sobre a visibilidade de fluxos comunicativos informacionais e conversacionais. A reverberação das manifestações online tornou perceptível o potencial da internet enquanto instrumento para o debate público. Esse trabalho pretende analisar a influência da opinião disseminada no ciberespaço sobre a esfera privada. Serão estudados os protestos deflagrados em 2011 contra a comercialização de peles de animais pelas empresas do ramo da moda, tendo como foco as estratégias adotadas pelos ciberativistas. Palavras-Chave: mídias sociais; espaço público; esfera privada; peles; proteção animal.

Abstract Because of NTIC’s specific characteristics, they have been the scene of different kinds of manifestation carried out by groups and citizens. That indicates that mass media has lost its monopoly on the visibility of communication contents. The reach of such online manifestations clarified the potential of internet as a tool for public debate. This article aims to analyze the influence of public opinion disseminated in cyberspace on the private sphere. We will study the protests which erupted in 2011 against the sale of animal skins by companies in the fashion business, focusing on the strategies adopted by cyberactivists. Keywords: social media; public space; privacy; animal skin; animal protection.


Introdução1 O presente artigo foi elaborado tendo em vista analisar as estratégias que os chamados ciberativistas vêm utilizando com o intuito de fazer do ciberespaço uma ferramenta tanto para o agendamento social de suas reivindicações quanto para a cobrança de medidas políticas práticas por parte dos agentes implicados. Como estudo de caso, foi analisado um protesto articulado através das mídias sociais contra empresas do ramo da moda que utilizaram peças feitas a partir de peles de animais em suas coleções. Neste sentido, surgem pistas de como o ativismo digital pode produzir influência, em vários níveis, sobre as ações das empresas privadas que, ameaçadas pelo fantasma do boicote, podem fazer concessões importantes a reivindicações sociais. No caso em questão, os manifestantes utilizaram a rede mundial de computadores para cobrarem que determinadas empresas parassem de usar peles animais na confecção de acessórios de moda. Para uma melhor compreensão do fenômeno, foi desenhada uma base teórica que problematiza a questão da esfera pública habermasiana e as características próprias do ciberespaço que potencializam a ação dos ciberativistas, além de tocar em pontos como a esfera privada e o efeito do boicote sobre o seu funcionamento. Elementos para a Discussão Com o surgimento da comunicação mediada por computadores e, mais recentemente, das mídias sociais, muito se tem estudado sobre a possibilidade de tais espaços virtuais estarem reavivando o que Habermas (1984; 1997) conceituou normativamente como esfera pública. Para o autor, a esfera pública seria uma espécie de fórum onde teriam espaço as discussões sobre temas de interesse coletivo, que resultariam na formação de uma opinião pública. Neste sentido, tal opinião atuaria como uma mediadora entre os interesses dos cidadãos e as decisões estatais, uma vez que tais fluxos 1 Uma versão inicial desse artigo foi apresentada no XIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste. O texto foi modificado e reestruturado.


comunicativos tenderiam a influenciar as decisões tomadas pelos representantes (HA-

113

BERMAS, 1984).

mais ao bem comum, mas sim a atender interesses específicos, as novas mídias, em poderia atuar como “uma nova esfera pública interconectada” (SILVEIRA, 2009). Algumas marcas próprias do ciberespaço vêm fazendo com que as novas mídias venham sendo encaradas como potencialmente mais democráticas que as mídias tradicionais, principalmente no que diz respeito à liberação do pólo de emissão (LEMOS, 2009). Para Castells (1999) “o novo sistema de comunicação é capaz de abarcar e integrar todas as formas de expressão, bem como a diversidade de interesses, valores e imaginações, inclusive a expressão de conflitos sociais (CASTELLS, 1999, p.461). Corroborando com essa visão, Silveira (2008) afirma que “com o surgimento da blogosfera e de outras ferramentas colaborativas, o capital passa a ter que disputar as atenções como nunca ocorrera no capitalismo industrial” (SILVEIRA, 2008, p. 34). Lemos (2009) percebe que a nova lógica comunicacional abriga um sistema em que todos os participantes da interação comunicativa podem falar a todos os demais participantes, criando um

informações é limitado, os movimentos sociais ainda ganham autonomia ao escapar de terem sua imagem construída exclusivamente a partir das interpretações dos profissionais das mídias tradicionais (PEREIRA, 2011). No entanto, é importante frisar que “isso não quer dizer que as tecnologias criam as mobilizações. Isso indica que grupos sociais

S ilva Lôrdelo

sempre não estão disponíveis nas mídias de massa, nas quais o controle da emissão de

da

usarem as novas mídias como ferramenta, além de conquistarem espaços que quase

Medeiros - Tenaflae

da sociedade civil vêm se apropriando do ciberespaço como arena de ativismo. Aos

de

Em virtude de tais características, movimentos sociais, ONGs e outros grupos

Priscila Muniz

Emerge aqui uma nova esfera conversacional em primeiro grau, diferente do sistema conversacional de segundo grau característico dos mass media. Neste, a conversação se dá após o consumo em um rarefeito espaço público. Naquele, a conversação se dá no seio mesmo da produção e das trocas informativas, entre atores individuais ou coletivos. Esta é a nova esfera comunicacional pós­massiva. (...) Assim, as funções pós-massivas, por serem mais conversacionais que informacionais, podem resgatar algo da ação política, do debate, do convencimento e da persuasão, outrora desestimulados pela cultura de massa (LEMOS, 2009, p. 10-12).

modelo multidirecional em oposição ao padrão anterior, unidirecional:

e a influência da opinião pública sobre a esfera privada :

virtude de suas características específicas, fizeram surgir a hipótese de que a internet

Ciberativismo

vista a apropriação comercial das mídias de massa, que a partir de então não visariam

os protestos contra o uso de peles na indústria da moda

Se Habermas (1984) decretou a mudança estrutural da esfera pública tendo em


e até indivíduos têm condições mais favoráveis para construir redes de mobilização, o que não era possível em uma esfera pública dominada pelos mass media” (BENKLER, Uma característica marcante nas manifestações online é que “os ciberativistas não tem uma coloração ideológica definida nos marcos tradicionais” (SILVEIRA, 2009, p.132), por isso, uma mesma causa é capaz de agregar em torno dela pessoas de

as ferramentas de comunicação instantânea são importantes por conferir velocidade à comunicação (retroalimentação em tempo real, de maneira a reduzir distâncias), a comunicação assíncrona concederia visibilidade às demandas e ampliaria as formas e os lugares de interação no tempo e no espaço (BATISTA, 2010, p. 10).

Tendo em vista a discussão sobre o ciberativismo, é importante considerar-se que a esfera pública habermasiana, pensada a partir de antigas ou novas lógicas, aparece como uma instância mediadora entre sociedade e Estado. Essa mediação, no entanto, não se configura enquanto um poder direto de decisão política. Seu poder reside no fato de ser o espaço onde é formada a opinião pública, sendo essa capaz de influenciar as decisões dos atores políticos. “Para Habemas, é muito claro (e o diz muitas vezes) que a opinião pública não governa por si só; no máximo, pode programar as decisões políticas de quem está autorizado a tomá-las, ou, dito de um outro modo, pode orientar o uso do poder político em direções específicas” (GOMES, 2008, p. 79-80). O processo entre a construção da opinião pública e sua materialização em ação política estatal não é imediato e nem garantido, graças ao que Gomes (2005) aponta como “blindagens antipúblico do nosso sistema político”. Tal blindagem, na visão do autor, evidenciaria uma crise nas democracias modernas, caracterizadas pelo modelo de democracia representativa. A interferência da opinião pública nas decisões estatais, apesar de ser um tema de extrema importância, não é o foco desse trabalho. Aqui, nos contentaremos em verificar que existe um segmento que vem tendo que responder de forma cada vez mais imediata às pressões exercidas pela opinião pública através dos espaços abertos pelas novas mídias: a esfera privada. Na divisão de Habermas, ele separa o setor privado da esfera do poder público. Esse segundo estaria restrito ao governo. Já no primeiro, o setor privado, estariam incluídas tanto a esfera pública, por se tratar de uma esfera pública de pessoas privadas, quanto a esfera privada. Essa última subdivisão compreende “a sociedade civil burguesa em seu sentido mais restrito, portanto, o setor da troca de mercadorias e do trabalho

3 - n. 1

diferentes temporalidades. Dessa forma, assim como

ano

diferentes visões de mundo. Além disso, as novas mídias são capazes de trabalhar com

Revista GEMI n IS |

2006 apud SILVEIRA, 2009, p. 132).

114


social; a família, com sua esfera íntima, está aí inserida” (HABERMAS, 1984, p. 46).

115

Ao tratarmos de esfera privada neste estudo, tomaremos especificamente seu

para consumirem seus produtos. Dessa forma, a opinião pública afirmada vem interépoca de comunicação em tempo real. A grande arma que os consumidores têm para pressionarem empresas é sua propensão ao boicote, tendo em vista que o lucro das companhias advém do consumo. Boicote no consumo é a tentativa de alavancar a abstenção de consumidores em relação a produtos ou serviços (Friedman, 1999). “Boicotes representam anticonsumo tipicamente desencadeado por comportamento ético e político (Yuksel e Mryteza, 2009), sendo utilizados para expressar insatisfação, descontentamento ou desaprovação de práticas de uma empresa, marca, produto ou serviço (Zack, 1991)” (ALBUQUERQUE et al, p.12).

O que as mídias sociais vêm permitindo é a articulação de diversos consumidores insatisfeitos em movimentos unificados de boicote, que, graças à colaboração e ao compartilhamento no ciberespaço, conseguem ter reverberações muitas vezes significa-

AREZZO2. Tendo em vista que, em diversos momentos, tal página funcionou como uma espécie de “quartel general”, onde as ações dos ativistas eram articuladas para, em seguida, serem levadas ao Twitter, onde ganhariam mais visibilidade, também foram observados posts no Twitter

É certo que a história dos movimentos de proteção aos animais já é antiga, tendo as primeiras leis sobre o tema sido promulgadas ainda no século 18, na Inglaterra. No entanto, os protestos que se espalharam pelas redes sociais no Brasil, no ano de 2 http://www.facebook.com/BoicoteArezzo

S ilva Lôrdelo

A Opinião Pública Contra o Comércio de Peles

da

relacionados às hashtags propostas pelo movimento.

Medeiros - Tenaflae

fotográfico e audiovisual postado pelos ciberativistas na página do Facebook chamada Boicote

de

Para a realização deste estudo de caso, foi analisado basicamente o conteúdo textual,

Priscila Muniz

Metodologia

tivas, o que pode ameaçar a imagem institucional.

e a influência da opinião pública sobre a esfera privada :

ferido de forma cada vez mais imediata nas tomadas de decisão das empresas numa

Ciberativismo

tor, por funcionar dentro de uma lógica capitalista, depende da disposição dos cidadãos

os protestos contra o uso de peles na indústria da moda

sentido enquanto setor de troca de mercadorias, portanto, enquanto mercado. Este se-


2011, tiveram um marco específico: os desfiles no evento de moda Fashion Rio, ocorridos no mês de janeiro. coelhos, chinchilas e raposas nas passarelas. Representantes de sociedades de proteção animal logo se manifestaram enquanto fontes de matérias em grandes jornais, como o Estado de S. Paulo. Eles levantaram questões como a desnecessidade do uso de peles

Não demorou muito até que os ativistas de alguns desses grupos tivessem a oportunidade de usar as mídias sociais para que a sua causa ganhasse visibilidade e adesão. Após o lançamento oficial da coleção Pelemania, da grife de sapatos e bolsas Arezzo, começaram a surgir na rede social Twitter protestos contra a marca. Em pouco tempo, a hashtag #Arezzo entrou nos Trending Topics do microblog e logo atingiu o primeiro lugar da lista. Os usuários do microblog criticavam ferrenhamente a empresa por utilizar peles de raposa e coelhos em suas peças. Foi criada também uma página no Facebook chamada Boicote AREZZO, onde os usuários compartilhavam materiais de campanha, como fotos, cartazes e vídeos, e discutiam os novos passos do movimento. Após a Arezzo, outras grifes também se tornaram alvos dos protestos virtuais, como Colcci, Iódice, Bobstore, Le Lis Blanc e M. Oficcer. Podemos dizer que, neste caso, a opinião pública sobre o uso de peles pela moda não foi construída apenas dentro das redes sociais, mas foi através destas que ela foi afirmada e disseminada de modo a exercer uma pressão sobre os empresários. A opinião pública sobre o tema vem sendo formada ao longo de anos, e seus principais argumentos surgiram através dos movimentos de proteção animal. O que as redes sociais fizeram foi atuar como instrumentos de convencimento para mobilizar um grande contingente de pessoas contra as grifes que comercializam esse tipo de bens. Se antes as grifes podiam vender peças de peles para quem não se opõe a comercialização e outras peças feitas a partir de matéria prima sintética para quem é contrário, aproveitando, assim, todas as possibilidades de lucro dentro do mercado, agora essa posição passa a ser questionada. O recado do boicote foi dado: os clientes que se opõem ao uso de peles de animais estão sendo mobilizados a não mais consumirem qualquer produto de empresas que adotam tais práticas. Estratégia de ação O movimento contra o uso de peles pela indústria da moda utilizou-se de estratégias variadas para incomodar os empresários da moda. O fator comum a todas essas

3 - n. 1

de terem suas peles transformadas em itens de moda.

ano

num país de inverno ameno como o Brasil e os maus­tratos sofridos pelos bichos antes

Revista GEMI n IS |

Em suas coleções de inverno, algumas grifes utilizaram peles de animais como

116


estratégias foi a necessidade de mobilização coletiva para que elas surtissem efeitos.

117

Tais estratégias podem ser entendidas dentro do que Levy (2000) chamou de inteligên-

tel general” do movimento. Na página Boicote AREZZO foram postados materiais de divulgação e eram sugeridas pelos usuários novas ações para pressionar as empresas. Tal espaço, com todo o seu material, foi divulgado dentro do Twitter, então, toda vez que o movimento conseguia levar uma hashtag aos Trending Topics, a página no Facebook ganhava mais adesões, graças à visibilidade gerada pela arquitetura aberta de microblogs como o Twitter. Foi a partir da troca de ideias neste espaço do Facebook que foi sugerido que os membros do movimento (os que iniciaram e os que aderiram, tendo em comum o fato

são esses que aderem a comunidades virtuais voltadas para as marcas. Outra estratégia sugerida por alguns usuários foi a de encher os e-mails oficiais

A ideia era a seguinte: mobilizar os membros do movimento através do Facebook para que, no dia e hora marcados, todos escrevessem simultaneamente no Twitter uma nova hashtag do movimento, divulgada previamente. Dessa forma, a hashtag poderia chegar

anunciadas “medidas de segurança para evitar que o nosso protesto seja considerado Spam”. As medidas foram, por exemplo, “a hashtag não será a mesma utilizada no protesto anterior” e “a hashtag só será divulgada na hora do Twitaço”. Aliás, o título do cartaz anunciando o “twitaço” mostra a confiança dos membros do movimento na força 3 O ato de “curtir” uma página no Facebook quer dizer que o usuário compartilha daquele interesse. As páginas só permitem intervenções de usuários que estão dentro deste grupo que as curte. A estratégia em questão foi curtir as páginas apenas para que fosse aberto um canal de interlocução, permitindo, desta forma, as críticas.

S ilva Lôrdelo

boração estratégica foi tanto que, num dos cartazes de divulgação do “Twitaço”, foram

da

aos Trending Topics e a visibilidade gerada culminaria em mais adesões. O grau de ela-

Medeiros - Tenaflae

Em outros momentos, também foram divulgadas campanhas para “Twitaços”.

de

das empresas com mensagens de protestos, algo que exigiu também uma ação coletiva.

Priscila Muniz

presas no Facebook apenas para poder criticá-las diante de seus consumidores fiéis, pois

de compartilharem a página Boicote AREZO) “curtissem” 3 as páginas oficiais das em-

e a influência da opinião pública sobre a esfera privada :

Inicialmente, podemos destacar o uso do Facebook como uma espécie de “quar-

Ciberativismo

“a inteligência coletiva não é um conceito exclusivamente cognitivo. Inteligência deve ser compreendida aqui como na expressão ‘trabalhar em comum acordo’ ... Trata-se de uma abordagem de caráter bem geral da vida em sociedade e de seu possível futuro. ... Essa visão de futuro organiza-se em torno de dois eixos complementares: o da renovação do laço social por intermédio do conhecimento e o da inteligência coletiva propriamente dita”. (LÉVY, 2000, p. 26).

os protestos contra o uso de peles na indústria da moda

cia coletiva


da opinião difundida nas redes sociais: Vamos enfraquecer o comércio de peles no Brasil? Outra estratégia percebida foi o uso de imagens e vídeos como armas para o comover e chocar aqueles que acessaram os conteúdos. Os participantes do movimento se utilizaram do enorme banco de dados disponível na World Wide Web para buscar o material audiovisual necessários para a campanha, material este que foi divulgado tan-

teriais já utilizados em outras ocasiões por ativistas de outras partes do mundo, como, por exemplo, um vídeo sobre a esfoladura de animais ainda vivos na China e exemplos de campanhas publicitárias de peças feitas a partir de peles. Por trás desse uso, está uma forte característica do ciberespaço: a memória. Da mesma forma que a “quebra dos limites físicos” na Web possibilita a utilização de um espaço praticamente ilimitado para disponibilização de material noticioso, sob os mais variados formatos (multi)mediáticos, abre-se a possibilidade de disponibilização online de toda informação anteriormente produzida e armazenada, através da criação de arquivos digitais, com sistemas sofisticados de indexação e recuperação da informação (PALACIOS, 2003, p.8).

Também foi capturado do banco de dados do ciberespaço o cartaz da organização internacional pelo direito dos animais Peta (People for the Ethical Treatment of Animals), no qual uma modelo segura um animal esfolado. O cartaz foi utilizado pela comunidade, que o retrabalhou, inserindo elementos como a frase “Aqui o resto do seu casaco” e a marca “Biocote Arezzo”. A nova versão do cartaz passou a funcionar como a imagem de entrada da página do movimento no Facebook. Aqui, ficou evidenciada uma das características que Manovich (2001) atribuiu à internet: a variabilidade, possível graças às codificações numéricas do meio digital. O autor explica que, enquanto a antiga mídia envolvia sequência de elementos que eram estocadas em algum material, estabelecendo uma ordem determinada uma vez e para sempre, a nova mídia, em oposição, é caracterizada pela variabilidade. “Instead of identical copies, a new media object typically gives rise to many different versions. And rather been created completely by a human author, these versions are often in part automatically assembled by a computer” (MANOVICH, 2001, p. 56). Muitos que tiveram acesso aos materiais de campanha responderam prontamente a eles através de comentários no Twitter e Facebook. A campanha selecionou, por exemplo, imagens de animais como raposas, coelhos e lobos em seus habitats naturais. Os comentários postados em cada foto evidenciam o efeito que elas causaram. “Que

3 - n. 1

os participantes, colaborando entre si, encontrassem através de uma busca simples ma-

ano

to através do Facebook quanto do Twitter. Graças a esse banco de dados, foi possível que

Revista GEMI n IS |

convencimento da importância da campanha. Esses recursos foram utilizados para

118


riqueza”, “Que coisa linda”, “A pele dele só fica bonita nele” foram algumas das mani-

119

festações reativas às imagens . 4

por este material também promoveu reações em quem os acessou. “É muita crueldade”, zarem das peles desses coitadinhos” foram alguns dos comentários. Finalmente, foram postadas imagens de casacos feitos com as peles dos animais, associadas às marcas das empresas que os comercializavam. Nestes espaços, ficou clara a forte oposição da opinião pública disseminada nestes meios às grifes citadas. “Loja sem ética que assassina animais”, “loja nojenta” e “somos clientes mas vamos deixar de ser” são exemplos de como os usuários envolvidos na conversação se voltaram contra tais empresas. Efeitos Provocados Pelos Protestos Os resultados dos protestos foram aparecendo rapidamente, à medida que as empresas foram percebendo que a campanha poderia manchar suas imagens. A pri-

afirmou que em respeito aos consumidores contrários ao uso de peles, recolheria todas as peças feitas a partir desta matéria prima em suas lojas por todo o Brasil. O comunicado não foi suficiente para os manifestantes, já que, nele, a empresa dizia: “Não enten-

uso de peles em coleções futuras fez com que a pressão continuasse, até que a empresa divulgou um novo comunicado, de tom bastante diferente. Neste, a empresa afirma que “não comercializará mais em sua loja qualquer produto com pelo de animais” e ainda

O comunicado da Arezzo foi seguido por um efeito cascata. Iódice, Colcci e Bobstore foram outras empresas que também divulgaram comunicados oficiais em que se comprometiam a não usar peles verdadeiras em futuras coleções. Algumas empresas, no entanto, escolheram um caminho diferente, ao ignorarem os protestos e manterem o silêncio. Essa postura foi adotada por grifes como M. Officer e Le Lis Blanc, que ganhou 4 Os comentários foram reproduzidos tais quais se encontram na página do Facebook “Boicote AREZZO”.

S ilva Lôrdelo

internet pode ser um instrumento para a co-criação no mundo da moda”.

da

diz que “se sensibiliza com as manifestações e entende que o caráter colaborativo da

Medeiros - Tenaflae

A fuga da empresa à responsabilidade e o não comprometimento da Arezzo com o não

de

demos como nossa responsabilidade o debate de um causa tão ampla e controversa”.

Priscila Muniz

na internet, se posicionou sobre o caso. Neste primeiro comunicado, a equipe Arezzo

meira a se manifestar foi a Arezzo, que através de um comunicado oficial em sua página

e a influência da opinião pública sobre a esfera privada :

“Affffff pobrezinho” e “Eu tb não entendo como podem achar ‘desculpas’ para se utili-

Ciberativismo

mais sem pele, em situações de maus-tratos e em matadouros. O “choque” provocado

os protestos contra o uso de peles na indústria da moda

Também foram publicadas imagens e vídeos, como os já citados, contendo ani-


uma hashtag no Twitter em alusão a seu nome. A #Lelisblood associou a marca ao sangue dos animais esfolados.

As possibilidades comunicativas abertas pelos novos meios acabaram transfor-

matéria veiculada pelas mídias de massa, seja uma ação de uma empresa privada. No caso do setor privado, um erro de planejamento pode não ser perdoado pela opinião pública que circula nas mídias sociais. Neste caso, ter a opinião pública contrária à marca pode culminar na perda de mercado pela empresa, em virtude do espaço privilegiado que o público tem para se manifestar. Foi precisamente por temerem que sua clientela fosse reduzida que as empresas privadas responderam de forma tão rápida aos protestos desencadeados pelas mídias sociais. Vivemos não apenas num novo ambiente social: passamos a viver, de uma década para cá, num novo ambiente moral, com novas regras de comportamento, com novas exigências, onde transgressões que antes podiam passar despercebidas podem agora ser expostas em tempo real, em escala global. (...) Mas num mundo em que os desgastes de imagem são instantâneas e de escala mundial, se reputação não é sinônimo de escolha, a perda dela pode representar um passaporte para o descarte (ROSA, 2007, p. 62-64).

Quando o autor fala em transgressões, devemos entender não apenas o que é legalmente considerado transgressão. Neste caso, transgressão é tudo o que a opinião pública entende que ela seja. Dito de outra forma: mesmo sendo o comércio de peles legal no Brasil (desde que a origem seja certificada pelo Ibama), grande parte dos cidadãos o percebe como uma atividade moralmente condenável, por considerá-lo cruel para com os animais. O grande trunfo das mídias sociais é que elas conseguem dar visibilidade de forma imediata a opiniões de sujeitos que antes, por não terem acesso a voz nas mídias massivas, conseguiam compartilhar seus pensamentos apenas com um número bastante restritos de pessoas. Agora, esses indivíduos podem, num mesmo espaço virtual, tornar públicas suas opiniões e colaborar uns com os outros em prol de causas em comum.

3 - n. 1

criticar tudo o que julgam estar errado, seja uma decisão do poder público, seja uma

ano

mando seus usuários em vigilantes em potencial. Agora, eles têm espaço para expor e

Revista GEMI n IS |

Reputação Empresarial em Tempos de Mídias Sociais

120


Outras Possibilidades

que o alcance de movimentos virtuais como o que está sendo estudado não se restringe Se, como já foi explicitado anteriormente, o impacto da opinião pública nas decisões estatais não ocorre de forma tão imediata quanto nas decisões privadas, isso não quer dizer que essa influência não exista. Ela acontece seguindo seu ritmo próprio. No caso do uso de peles pela moda brasileira, é válido citar que, logo após os primeiros protestos surgidos depois da Fashion Rio, antes mesmo de o tema ganhar as redes sociais, foi proposto um Projeto de Lei, de autoria do deputado federal Weliton Prado, do PT de Minas Gerais, que pretendia proibir o uso de peles verdadeiras em eventos de moda no País. Essa medida, para o deputado, evitaria o incentivo ao consumo desse tipo de item. O PL 684/11 já foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, e deverá seguir para as Comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania, em seguida para o plenário. É plausível a hipótese de que, quando a opinião pública se manifesta em movimentos como o analisado

ram apenas com a oferta de produtos confeccionados a partir de peles. No momento em que um grande contingente de usuários da internet passa a associar as pessoas que utilizam tais mercadorias a adjetivos como “fúteis”, “cruéis” e “desumanas”, a demanda

Considerações Finais

um maior controle social sobre as ações das empresas privadas, que ao se verem ameaçadas pelo fantasma do boicote, poderão fazer concessões importantes. A possibilidade fica ainda mais plausível se considerarmos que esse não foi um fato isolado. Também em 2011, um forte movimento iniciado na Noruega e espalhado pela Europa promoveu um boicote que durou duas semanas e atingiu uma das maiores corporações do mundo: A Coca-Cola. E os manifestantes também conquistaram seu objetivo: o de fazer com que a companhia encerrasse seus negócios com o magnata do Iêmen Shaher Abdulhaq,

S ilva Lôrdelo

moda nos leva a acreditar que a utilização das mídias sociais seja capaz de possibilitar

da

A eficácia das manifestações virtuais contra o uso de peles pela indústria da

Medeiros - Tenaflae

utilização das peles, que passa a ser moralmente condenável.

de

pelos itens também é afetada, já que se cria um sentimento de vergonha associado á

Priscila Muniz

Outra perspectiva que deve ser considerada é que os manifestantes não mexe-

nesse artigo, ela fortalece e legitima socialmente projetos desse tipo.

e a influência da opinião pública sobre a esfera privada :

a esse setor.

Ciberativismo

as tomadas de decisão no interior da esfera privada. No entanto, é importante ressaltar

os protestos contra o uso de peles na indústria da moda

Neste trabalho, focamos principalmente no impacto da opinião pública sobre

121


dono de uma grande empresa de engarrafamento e distribuição de Coca-Cola no Oriente Médio . 5

vismo, cidadania e melhora no sistema democrático, é importante ter em mente as suas limitações. Gomes (2008) elenca sete críticas que vêm sendo feitas por autores que rechaçam a retórica entusiasmada sobre o ciberespaço. A primeira questiona a qualidade das

de os meios técnicos não serem capazes de modificar a cultura política da sociedade, por exemplo, despertando o interesse dos cidadãos por informação política. Também são levantadas questões sobre a permanência da predominância dos meios de massa, o fechamento do sistema político, que não foi reconfigurado com as mudanças nos meios de comunicação, a falta de controle sobre discursos anti-democráticos (racistas e xenófobos, por exemplo) e, finalmente, a possibilidade de controle das ações virtuais das pessoas por companhias capitalistas e agências governamentais. No que tange o caso analisado, deve ser destacado que nem todas as questões de interesse público conquistam um nível de debate semelhante ao que foi exposto nesse trabalho. Nesse caso específico, podemos imaginar que a proximidade sentida pelas pessoas em relação ao tema (já que é comum que as famílias brasileiras conviverem com e se afeiçoarem a animais de estimação) tenha contribuído com o impacto gerado ao redor da causa. Em contrapartida, temas também relevantes, mas percebidos como distantes pelos usuários da internet, podem não receber a mesma atenção. Apesar dessas ressalvas, é inegável que as mídias sociais abriram um espaço de expressão coletiva antes inexistente, que se não cria por si só manifestações, pode servir como instrumento eficaz para movimentos organizados dispostos a utilizar-se de seu potencial. Há uma forte conotação de resgate do “mundo da vida” e do capital social na nova esfera pública conversacional. O desafio é transformá-las em dimensão política eficaz. Há, portanto, uma indicação de que o aumento da esfera conversacional possa levar a uma maior ação política e a uma ampliação da participação pública nos negócios da polis (LEMOS, 2009, p. 12).

5 O filho de Shaher Abdulhaq, Farouk Abdulhaq, foi acusado de estuprar e assassinar a jovem norueguesa Martine Vik Magnussen em Londres, no ano de 2008. Após o crime, ele fugiu para o Iêmen, e se acreditou que o pai o estivesse protegendo nesse país. Em março de 2011, um grupo chamado “Justice for Martine” iniciou a batalha contra a Coca-Cola através de uma página no Facebook, que anunciava o boicote. Em duas semanas, a página já contava com 53 mil adesões. Após relutar inicialmente, a corporação acabou por anunciar que estava em processo de suspensão de seus negócios com Shaher Abdulhaq – ver (BULI, 2011).

3 - n. 1

de acesso e de distribuição de competências técnicas. Em seguida, é apontado o fato

ano

informações políticas em circulação na rede. A segunda tem a ver com a desigualdade

Revista GEMI n IS |

Para pensarmos como a internet pode ser trabalhada como instrumento de ati-

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Ciberativismo

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3 - n. 1

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ano

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Revista GEMI n IS |

PALACIOS, Marcos. Ruptura, continuidade e potencialização no jornalismo on-

124


Social Media:

a way of activism in digital marketing communication I rene G arcía M edina Profesora titular y miembro del GRID (Universidad de Vic) (Barcelona,España), Doctora en Marketing (Universidad de Sophia-Antipolis, Francia) y en Relaciones Internacionales (Universidad de Viena Austria). E-mail: irene.garcia2@uvic.cat

Pedro A lvaro Pereira Correia Miembro del GRID (Universidad de Vic) (Barcelona,España). Doctorando en Comunicación digital interactiva en la universidad de Vic, Barcelona, España. E-mail: pacorreia4@gmail.com

Revista GEMI n IS

ano

3 - n . 1 | p. 125 - 133


Resumo Hoje, as mídias sociais são a nova forma de ativismo em comunicação de marketing digital. As empresas não são mais os donos exclusivos da relação dos consumidores com seus produtos / serviços; em vez disso, a sobrevivência das organizações depende da utilização efetiva dos meios de comunicação social. Os consumidores confiam nas outras pessoas para fornecer recomendações sobre produtos e serviços de uma forma muito ativa, e é importante saber como e porque as mídias sociais influenciam as organizações. Este estudo analisa através de uma revisão da literatura a importância do ativismo através da mídia social para comunicação de marketing digital e propõe um modelo de negócio para as estratégias de marketing de sucesso. Palavras-Chave: : ativismo de mídia social; marketing digital; comunicação digital.

Abstract Today, social media are the new way of activism in digital marketing communication. Companies are no longer the exclusive owners of the relation of consumers with their products/services; instead, the survival of the organizations depends of the effective utilization of the social media. Consumers trust other people to provide recommendations about products and services in a very active way and it is important to know how and why social media influence organizations. This study analyzes through a literature review the importance of activism through social media for digital marketing communication and proposes a model of business for successful marketing strategies. Keywords: : social media activism; digital marketing; digital communication.


Introduction Social media activism has revolutionized the way people communicate and share information between them. The consolidation of social media on a daily basis is increasingly intense, although some cases have been highlighted, in particular Facebook. The participation on a massive scale of thousands of people throughout the world to the phenomenon of social media has contributed to the exponential growth of the various social networking, allowing them to achieve the critical mass necessary for the social media to become an appreciated channel of communication for many organizations. Scott D. (2010) says that “the use of the on-line phenomenon by organizations involves developing a communication program of integrated marketing, maximizing the individual and collective contribution of all the activities of communication, defining for the virtual channels a program of communication more personnel in the field of direct and interactive marketingâ€?. This will make possible to perceive the role of activist in the creation of content and interaction with the customers in the various social platforms such as Facebook, Twitter, Linkedin, Youtube, and other social networks. An approach to transparency and trust concentrated the whole organization, and is an integral part of the activities of management, in particular in the perception of the internal and external environment, the vision and mission, defining and implementing strategies and monitoring. The growing importance of the activism through social media as a tool of marketing-mix, has encouraged the expansion of similar technologies, new and powerful on-line applications are to be launch especially in the mobile channel, which will be the main form of access to social networks in the near future, mobility will be driven by devices such as smartphone, e- readers and tablets (GarcĂ­a., I., and Correia, P., 2012).


Activism through social media in digital marketing communication: a new model of business

find out what is important in long-term relationship between the organization and its

a

fans and focus on genuine relationships, honest, lasting and value to both understand

Social Media:

The strategic basis for social media is based in real relationship with people,

128

who is interested in maintaining a relationship with us and is truly on and react to

Way

our presence and actions. Important are those with whom we have a relationship

of

of proximity and interactivity that allows the exchange of views and discussions on

A ctivism

common interests, people who actively participate with their opinion on the subject,

Consequently, “networking” is important when there is a real link for everyone and is a useless distraction when the real connection does not exists, although we are constantly seduced by the image of useless popularity based on the numbers, it is important to know who follows my path and what I would follow them and go after these people and get the privilege of one day be able to gain value from this relationship (Tapscott D. and Williams, A. 2008).

the full integration of the organization. The use of social media is confined to a specific area such as customer service, when the company intends to take few risks or reduce the uncertainty, using only management of internal resources and use existing tools for measuring results. For companies it is important to select those who want to serve, as in off-line strategies is important to know which the group is / segment to serve. Use social media marketing requires a different attitude, it is useless to use the same “speak loud” offline, it is necessary the link between people and the organization, both followers of a common interest. Behavioral changes manifested by customers in on-line experience are more pronounced, and revealed the need to monitor this behavior as a way to effectively understand the target market at the moment. The on-line segmentation has focused on the selection of specific population groups with homogeneous characteristics, including the origin of the visitor, who is, what products and services are more seen. Combining these variables it is possible to specify the target segments capable of responding to offers / specific messages Targeting social networks turns out to have more support elements which gave it greater accuracy,

I rene G arcía Medina - Pedro A lvaro Pereira Correia

mechanics of the social environment running small actions that will culminate with

In social media the company evolves in their strategies, understanding the

D igital M arketing Communication

The difference is about people feeling essential to the relationship.

in

people who compliment or criticize you because they live in this community.


a result of the spontaneity of the people in the completion and regular updating of their profile, including records of demographic, geographic, psychographic and behavioral The segmentation identified with the actual characteristics of the group, provides a more solid basis for marketing actions, the marketing -mix with that audience can offers most effective results on-line than off-line, in addition to increasing channel

“target” with the message of the company, the greater the importance to consumers, increasing their loyalty to the organization / brand and the implementation of identified opportunities. The aim is, in a pragmatic perspective, to provide tools for analysis and decision support regarding the future implementation of the four variables of marketing mix: product, price, distribution and communication. The variable product may be considered as central in marketing strategy, considering that the pricing strategy is defined taking into account the characteristics and performance of the product, the degree of customer satisfaction and their sales volumes, the distribution strategy is strongly influenced by the characteristics of their products and consumers’ purchasing behaviors associated with them, the communication strategy is formed from the features and benefits provided by the product. Nevertheless, to the level of strategy formulation, the variable product does not dominate over the other variables, because the marketing strategy involves decisions in the four variables, firms may allocate more or less importance to one (s) them, selecting those that are essential, acting as engines of development of its offer. The important thing is to formulate an offer that meets the desires and needs of the target market. The marketing communication are the means that companies have to inform and remind consumers to interact (directly or indirectly) about the products / services and brands they sell and is a way to establish a dialogue and relationships with their customers. (García., I., and Correia, P., 2012). Communication has several functions, you can tell how and why the product is used, what kind of people use it, where and when you use it, consumers can know who produces under that mark and may receive an incentive to use it. It allows companies to connect their brands to people, places, events, other brands, experiences, feelings, etc.. And contribute to creating a brand image. It is why social media should be integrated into the marketing - mix strategy relevant to the marketing communications program, maximizing individual and collective contribution of all stakeholders. In communication there are two important objectives, first to alert the recipient

3 - n. 1

The greater the match between the needs / desires of consumers in their

ano

options information and marketing communications and the resulting contribution.

Revista GEMI n IS |

attitudes through their tastes and desires.

129


of the message, the second time to win their attention. In a world saturated with information and suspicion, to achieve these objectives requires an increased effort. In in developed societies in paradox with a growing supply. In this scenario brands need to make a greater effort to achieve more than a little public attention saturated by

is one that is passed from one friend to another, which means that marketing needs to

which caused the power center of this economy of attention shifts to the transmitters to receivers who decide how, when, where and to whom your valuable time to pay attention. Internet, phones, mobile phones, PDAs, digital terrestrial television and other interactive technologies have been democratizing the market communications. Whatever the message the company wants to convey is increasingly necessary to

storytelling, storytellers “storytellers” whatever the story / content (movies, advertising, commercial information, company presentation). A good story is playful, sensual and emotional, loaded with meaning, is instructive, because it is non-intrusive by invitation and promotes cohesion, participation and interactivity of your recipients. The brand communication and organizations is matched or unfolds against the backdrop of a teleseries with an unlimited number of chapters. An account of the need to create, plan, feed, protect and update constantly to respond to unrest caused by social media. These information technologies (internet, mobile, ...) made the cost of creation, production and cheap distribution of content to the receivers, which ceases to be a passive audience so as to become active participants in communication, deciding on the content and form of the message , modifying it to become co-authors. In this interactivity, the life cycle of the messages is uncontrollable, is no longer a sealed package to become a transformative content, which diffusion is enhanced by on-line channels. We will learn that success will depend on how we tell and how people tell us the reality. (García., I., and Correia, P., 2012). It is difficult for any organization to be present in all social media effectively,

I rene G arcía Medina - Pedro A lvaro Pereira Correia

able to connect to the receiver. The emergence of social networks revives the art of

overcome accessibility barriers, context, relevance and seduction of the message to be

D igital M arketing Communication

from bonds that may seem unethical. The technology revolution of the Internet was 2.0,

in

ensure that all communication is as open and honest as possible, be authentic and away

A ctivism

they are looking for honest interactions with real content. The most important message

of

People are constantly bombarded with contents of consumer marketing, but

Way

(Nuñez, 2009).

a

messages trying to get their attention and less tolerance for invasion of personal space

Social Media:

an analogy economic time for individual attention is a scarce resource for excellence

130


therefore, should select those who may have more value in order to be able to respond appropriately to all requests. It is better to opt for one or a few channels that exist in hence the need for a strategy that defines the channels and the modus operandi for each one and do not follow or to be present just because the competition is there. Selling price is based on a strategy used by many companies in restrictive conditions

who in your virtual community and how they feel their presence, who is connected to the company and make a difference by adding value beyond the physical product and price, with shares that may be based on tools provided by social media. Human beings are naturally social; they want contact with other people in developing different activities from social events up to sporadic coffee. In social media that need is amplified by a community that is constantly creating, sharing, collaborating, commenting, criticizing, etc.. spontaneously. Thus, it is important for the organization to show a human character to your community. Honesty, transparency, loyalty, generosity, respect are adjectives that characterize and solidify the notion of belonging to the community and the satisfaction of basic human need and that makes the difference with the competitors, differentiating it from the way the organization does and why does. When the company is a supplier guided by the price, people will not talk about it, and not remember it, because it is not well known, limiting their growth prospects. It is important that the organization fosters an attitude of belonging on the part of its target audience, a community where people interact with the organization and feel it as their own, sharing common interests, act as host organizing discussions or events, that indispensable the daily lives of its audience, which makes people feel its lack, is not limited to communication based on price and product, but adding value for its service to the community through a positive attitude (eg Wikipedia - all around an interest free, everyone wants to contribute). The online presence and degree of interaction of the organizations should have four important factors as guidance on strategy for social media in particular, be found to be true, be relevant and be promoted. Be found by people looking for their products or services, enhancing the presence and content, under terms that are not filtered or refused to assume the position identification with the selected segment. The good companies are mainly aimed at meeting the needs of its customers, using the keywords and descriptions corresponding to the offer. To be authentic must demonstrate transparency and honesty, allow people to connect and identify with the company / brand. The very notion of

3 - n. 1

involve the use of means that differentiate from the larger companies. The idea is to see

ano

of inequality and operation of multinational dimension, and therefore, its actions must

Revista GEMI n IS |

everyone and do not communicate efficiently and effectively with the selected audience,

131


community is related to the trust. Connect and commit the necessary help to create community around the business, own business / brand also helps define the people order to truly benefit from social media (regularly updated information, new routine messages, listen, respond, question, discuss, discuss, participate in daily life). Social

Way

Be relevant and need to hear and interact with this community, participate

a

media helps to feel part of a wider community ( Tapscott, and Williams, 2008).

Social Media:

who take (reporting real stories). Companies must become part of the community in

132

where supply is direct value and make the competition irrelevant. The promotion uses

of

a particular philosophy of viral marketing, an adaptation to internet marketing used to

A ctivism

effect word-of-mouth, which can be understood as an advertising message spread by

strategy of viral marketing to social media. Advertising has traditionally been integrated into the exterior of the content (programs, reports, articles, etc.). But now needs to be integrated into the content itself to take advantage of viral marketing opportunities. Planning viral marketing is part of the growing digital campaigns, using the interactivity of the fans in a free and spontaneous manner (with high levels of credibility), to propagate the contents related to the organization in various formats,

easy to propagate, with value to the community, reflecting the company’s position and reflect their social position. (García., I., and Correia, P., 2012). Conclusions Many companies start realizing that the number of fans on their pages is not synonymous of success in social media, the value is not the number of fans in their communities but the compromise between people and the company increased by social networks. Consumers are no longer passive, they are activist, taking an active role in organizational communication, so organizations need to adopt a culture of interrelational customers, based on trust and transparency. There is a progression in the development of standards of transparency online. Consumers will manage and share their data with trading partners, making it a viable business model. The major social players accumulate individualized information about each of their users in four groups of variables of marketing segmentation: demographic,

I rene G arcía Medina - Pedro A lvaro Pereira Correia

news, podcasts, blog articles, discussions). It is important that these contents are simple,

including video, audio and text (eg video clips, pictures, news, blog, media clips, games,

D igital M arketing Communication

propagation, videos, photos, podcast, are the operational tools of the communication

in

consumers, between consumers, a marketing tool that attracts attention with a view its


geographic, psychographic and behavioral, in order to optimize the selection and provision of information customized to the individual profile, this customization information received by consumers, which increase the efficiency and effectiveness of traditional marketing to social media. New applications for the various social and mobile platforms will tend to a high customization, increasing the link between

viral and “worth of mouth “with a growing consumer participation in organizational communication. References GARCIA., Irene, and CORREIA, Pedro. The importance of social media for commerce. A case study in Madeira (Portugal). iJIM, Volume 6, Issue 1, January 2012. NUÑEZ, Antonio. Será mejor que lo cuentes. Spain: Empresa Activa, 2009. SCOTT, David. The new rules of marketing and PR, NY: John Wiley & Sons, Inc, 2010. TAPSCOTT, Don and WILLIAN, Anthony. Wikinomics: How mass collaboration changes everything. London: Atlantic Books, 2008.

3 - n. 1

of on-line advertising with a social and interactive nature of the on-line marketing,

ano

organizations and customers, this will provide increased communication effectiveness

Revista GEMI n IS |

can be extended to other areas of business and other businesses cut superfluous

133


Primeira

experiência interativa no esporte das emissoras brasileiras no SBTVD-T Tatiana Zuardi Ushinohama Pós-Graduanda em Linguagem, Cultura e Mídia, Bacharel em Comunicação Social: Rádio e TV e Licenciada Plena em Ed. Física (FC), todos pela UNESP - Bauru. Email: tatianazuardi@globo.com

Revista GEMI n IS

ano

3 - n . 1 | p. 134 - 150


Resumo Em junho de 2006, o Presidente da República do Brasil assinou o Decreto Nº 5.820 que dispunha sobre as diretrizes para implantação do sistema de transmissão digital de radiodifusão de imagem e som, ou seja, o novo sistema de televisão aberta, agora digital. Neste decreto, o governo relacionou também quais as possibilidades do sistema, apontando a interatividade como um dos recursos a ser desenvolvido pelo meio televisivo. O objetivo deste trabalho é, portanto, descrever e analisar tecnologicamente o primeiro programa televisivo, a Copa do Mundo de 2010, que disponibilizou a interatividade para a população brasileira utilizando o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre, SBTVD-T, a fim de verificar as possibilidades interativas utilizadas pelo emissor a partir da configuração técnica dos equipamentos envolvidos na transmissão do novo sinal. Palavras-Chave: interatividade; SBTVD - T; esporte; televisão; comunicação.

Abstract In June 2006, the President of Brazil signed Decree No. 5820 which provided guidelines on the implementation of digital broadcasting system, the new system of broadcasting. In this decree, the government also reported the possibilities of the system, suggesting interactivity as a resource to be developed by the television. The objective of this study is describe and analyze the first television program, the World Cup 2010, which provided interactivity to the population using the Brazilian System of Digital Terrestrial Television, SBTVD-T, to verify the interactive possibilities used by the broadcasting station from the technical configuration of the equipment involved in transmitting the new signal. Keywords: interactivity; SBTVD - T; sports; television; communication.


Introdução

A

televisão tem apresentado propostas de interatividade na sua relação com o receptor, desde o seu surgimento. Seja por iniciativa das emissoras de TV com formatos de programas que estimulam a participação do receptor, seja,

devido às evoluções tecnológicas do meio. O programa Winky Dink and You1 (1953) da CBS registrou essa primeira tentativa de provocar uma relação ativa entre o conteúdo televisivo e o telespectador, no caso com as crianças norte-americanas. Várias tentativas de programas seguiram-se e seguem pelo mundo instigando a participação do telespectador no sistema televisivo, tanto por meio de carta nos sorteios, como por telefone no Você Decide, SMS nos telejornais ou pela internet no Big Brother. Porém, foi apenas

com o desenvolvimento tecnológico, como a invenção do controle remoto (1973) e do vídeo-cassete (1976), que o processo interativo na tevê instituiu-se de modo independente das emissoras e definitivamente para o telespectador, pois permitiu ao receptor reagir instantaneamente aos programas e formatos exibidos pelas emissoras de tevê, possibilitando que este pudesse mudar de canal toda a vez que o conteúdo apresentado não lhe agradasse ou ainda, decidir em que momento do dia iria assistir ao programa. Com a revolução digital, surgiu a oportunidade das emissoras de televisão unir em um só mecanismo conteúdo e avanço tecnológico a fim de produzir um processo interativo na televisão, uma vez que a tecnologia digital alterou o funcionamento do sistema televisivo, e fez com que as emissoras pudessem oferecer uma maior liberdade de escolha ao receptor dentro do próprio meio. Este artigo objetiva, portanto, examinar o primeiro programa televisivo, a Copa do Mundo de 2010, que disponibilizou a interatividade para a população brasileira utilizando o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre, SBTVD-T, a fim de verificar como as possibilidades interativas foram exibidas pelo emissor a partir da configuração técnica apresentada pelo novo sistema televisivo e pelos equipamentos envolvidos. Salientamos que a proposta deste estudo não tem a pretensão de discutir o conceito de interatividade no meio televisivo, e sim, 1 Gawlinski, 2003, p.4


de diagnosticar o significado de interatividade assumido pelas emissoras de televisão brasileira neste inicio de implantação do SBTVD-T.

O Decreto nº 5.820, de junho de 2006, definiu o Sistema Brasileiro de Te-

levisão Digital que estabelecia o formato padrão da televisão digital no Brasil, o modo de distribuição do sinal e a opção pelo acesso livre e gratuito ao sistema televisivo. A intenção do governo com esse modelo de serviço foi promover a inclusão digital da população brasileira e estimular “a evolução das atuais exploradoras de serviço de televisão analógica, assim como o ingresso de novas empresas, propiciando a expansão do setor e possibilitando o desenvolvimento de inúmeros serviços decorrentes da tecnologia digital” 2. O sistema padrão escolhido para a televisão digital brasileira trata-se de um modelo híbrido que tem como base as configurações televisivas japonesas (ISDB) mescladas a algumas especificidades tecnológicas desenvolvidas por estudos e pesquisas brasileiras. Assim, as especificações do modelo brasileiro assumiram a imagem na proporção 16:9, com 1280x720 pixels, o padrão de compressão no formato MPEG-4 e um middleware regulamentado e aberto que pode ser programado na linguagem NCLàs principais propriedades atribuídas ao sistema digital de televisão: a alta definição

O modo como o governo distribuirá o sistema digital utilizará a estrutura física pertencente à televisão analógica, uma vez que a área de cobertura do sinal analógico atinge 99,4%4 dos domicílios brasileiros, poupando-o de investir em uma nova infra-estrutura para disponibilizar o sinal digital. Deste modo, a radiodifusão (via terrestre), em detrimento a transmissão via satélite e a por cabo, tornou-se a forma mais viável de distribuição de sinal no Brasil, apesar de algumas limitações técnicas proporcionadas por esta forma de distribuição. A expectativa do governo é que este sistema promova rapidamente “a inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua pátria por meio do acesso à tecnologia

2 Decreto nº 4.901, de 26 de novembro de 2003, artigo1º, item VI. 3 Decreto nº 5.820 de 29 de junho de 2006, Artigo 6º. 4 O Censo do IBGE realizado em 2010 verificou que 97% dos lares brasileiros têm televisores. Disponível em:< http://www.abert.org.br/site/index.php?/noticias/todas-noticias/ibge-divulga-dados-estatisticos-de-radio-e-tv. html>. Acesso em: 11 de jan. 2012.

Tatiana Zuardi Ushinohama

portabilidade e a interatividade 3.

da imagem e som, a multiplicidade de canais de televisão, a mobilidade do sinal, a sua

SBTVD-T

-Lua e/ou Java. Essas normatizações permitiram que o SBTVD-T possibilitasse todas

experiência interativa no esporte das emissoras brasileiras no

Primeira

1 - Televisão Digital no Brasil

137


digital, visando à democratização da informação” 5, sem que sua população sofra o ônus de perder seus bens matérias já adquiridos, como no caso a televisão analógica se inserir no sistema mundial de informação digital6.

ciados pelas emissoras de televisão brasileira, no final de 2007, primeiramente nas Capitais e o Distrito Federal, e em seguida, de forma lenta e gradativa o governo ampliará essa distribuição do sinal digital pelo Brasil. Até o junho de 2016, as emissoras de televisão deverão disponibilizar os sinais analógicos e digitais simultaneamente a fim de que a transição entre os sistemas ocorra com tranqüilidade. No entanto, essa mudança do sistema analógico para digital exigirá das emissoras de televisão muito mais que a troca de seus equipamentos e antenas de transmissão e retransmissão, elas precisarão adequar seus programas e conteúdos as novas possibilidades e características do sistema digital, já que houve um aumento na qualidade de imagem, a transformação do som estéreo (2 canais) em surround (5 canais), ampliação do campo visual de 4:3 para 16:9, a possibilidade de envio de informações pelo meio e a manipulação dessas informações pelo receptor, interatividade (BALAN, 2011). Além das emissoras, o telespectador brasileiro também precisará adaptar-se ao novo sistema de televisão para poder receber o novo sinal televisivo. Eles terão que adquirir equipamentos conversores externos (URD, Unidade Receptora e Decodificadora) para ligar aos televisores analógicos e coloridos ou comprar um televisor novo, LCD/ LED/Plasma/OLED, com a tecnologia digital que contenham um conversor integrado (IRD, Unidades Internas de Recepção e Decodificação) Desta forma, o governo brasileiro visualiza como objetivo fazer com que o país entre na Era Digital, igualando-se aos outros países que se encontram com o sistema de televisão digital instalado e consolidado já há algum tempo, como: EUA (1997), Reino Unido (1997), Japão (2000). 5 Decreto nº 4.901, de 26 de novembro de 2003, Artigo 1º, parágrafo I. 6 Decreto nº 4.901, de 26 de novembro de 2003, artigo1º, item IV: “planejar o processo de transição da televisão analógica para a digital, de modo a garantir a gradual adesão do usuário a custos compatíveis com sua renda.”

3 - n. 1

Portanto, os serviços de transmissão e retransmissão do sinal digital foram ini-

ano

Nota-se, porém, que, diferentemente do que aconteceu quando a migração da TV monocromática para a televisão colorida, a questão da compatibilidade não foi posta como premissa a ser estabelecida. Ao contrário, procurou-se realizar uma mudança radical de paradigmas que implicaram no rompimento de todos os laços históricos e heranças até então existentes (exceto, talvez, quando à banda passante disponível para as emissoras). (MEGRICH, 2009, p.27)

Revista GEMI n IS |

colorida, ou tenha que pagar por novos serviços televisivos (via satélite ou a cabo) para

138


Os sistemas televisivos, analógico e digital, seguem inicialmente o mesmo princípio: transformar a luz originária dos elementos enquadrados pelas lentes das câmeras em sinais elétricos para serem transmitidos por ondas via radiodifusão até a casa dos telespectadores, onde serão transformados em imagem e som. A diferença entre os dois sistemas está no processamento técnico desta informação. Enquanto no sistema analógico, os sinais elétricos são amplificados, limpos, filtrados para serem transmitidos e recebidos, no sistema digital, eles são codificados em uma linguagem binária de zeros e uns e decodificados em vídeo. Assim,

informação extra (dados) e textual dentro de um mesmo pacote de código em conjunto com imagem e som. Isso acontece devido à sua alta taxa de compressão dos dados que resulta em redução no tamanho do arquivo de vídeo e, consequentemente, na abertura de espaço livre para indexar mais informações. Desta forma, no sistema televisivo digital torna-se possível transmitir 3 ou mais canais de televisão digital na mesma faixa de frequência em que se transmitia um único canal em uma emissora analógica, pois o que define a quantidade de canais a serem transmitidas em uma faixa de frequência é a qualidade do vídeo: FULL-HD (1920x1080 pixels), HD (1280x720 pixels) ou Standard 7 CCD (Charged Coupled Device) - é o sensor eletrônico que transforma a luz projetada sobre sua superfície em sinais elétricos para formar as imagens captadas pela câmera digital. É formado por uma matriz de pixels sensíveis aos diferentes comprimentos de onda da luz visível. (WILLIANS, 2011, p. 25)

Tatiana Zuardi Ushinohama

compressão dos dados em diversos formatos, um deles é o MPEG-4, que permite enviar

Essa codificação da imagem e do som em uma linguagem binária possibilita a

SBTVD-T

Todos os pixels que formam a imagem são codificados separadamente, um a um, na ordem seqüencial da varredura realizada pelo CCD7, desde o primeiro pixel da primeira linha até o último pixel da linha 525. Estes códigos são uma amostra do sinal de vídeo original e podem ser gravados, processados, alterados ou transmitidos. Daí o motivo pelo qual o sinal digital não sofre as perdas características do sistema analógico, pois não se trata mais de níveis elétricos, mas sim de códigos que contém as informações daqueles elementos. Estes códigos ao serem transportados de um meio para outro não sofrem interferências. (BALAN, 2011, p. 28-29)

experiência interativa no esporte das emissoras brasileiras no

2 – Sistema Brasileiro de Televisão Digital – SBTVD-T

139 Primeira

O projeto de implantação da TV digital no Brasil prevê o aproveitamento do parque de televisores analógicos coloridos instalados e a oferta de caixas de conversão acessível às classes C, D e E que viabilizem o uso de aplicativos digitais residentes mínimos, como a guia de compras, entre outros serviços para possibilitar níveis de interação com os diferentes públicos. (BARBOSA Fº; CASTRO, 2008, p. 50)


(704x480 pixels), que as emissoras enviaram para o telespectador. Quanto maior a qualidade da imagem transmitida, menor o número de canais possíveis.

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Figura 1 - Processo de transmissão televisiva via radiodifusão

140

ano

3 - n. 1

Fonte: GAWLINSKI, 2003, p.55

Com essas mudanças do sistema televisivo, altera-se todo o processamento da informação na transmissão televisiva, pois as emissoras de televisão passam a comprimir o vídeo e os dados em pacotes e inserem-nos nas ondas eletromagnéticas, conforme a sua freqüência. As ondas são moduladas e transmitidas via aérea por meio de antenas, para serem captadas pelas antenas residenciais e armazenadas/decodificadas por conversores, set-top box, externo (URD) ou interno (IRD) aos aparelhos de televisão. Os URD/IRD, além de ligarem-se as antenas UHF, podem conectar-se também a internet por meio de rede telefonica (IP), ADSL, wi-fi ou wi-fiMax, a fim de possibilitar um canal de retorno direto com as emissoras de televisão e desta forma, proporcionar um dos tipos de interatividade: a interação bidirecional simétrica ou assimétrica. Digital set-top boxes are one of the Keys the modern communications world. A typical digital set-top box takes digital data and converts it into analogue signals the television can use, runs interactive services and operates stereo sound. Simultaneously, the box manages purchases, protects children from unsuitable material and maintains multiple lines of communication with the outside world. (GAWLINSKI, 2003, p.61)

O funcionamento desses conversores está baseado em uma estrutura operacional composta por camadas de softwares, que estão organizadas e interligadas por três camadas de diferentes programas: o sistema operacional, middleware e aplicativo. Cada parte desta arquitetura possui uma função pré-determinada que foi elaborado para manter uma relação de custo baixo e alto benefício tecnológico no equipamento.


Portanto, o sistema operacional do conversor estrutura-se como programa núcleo que determina e interliga cada componente eletrônico à sua funcionalidade, de interprete os dados, decodifique-os em imagem, som e texto, de modo a sincronizá-los O middleware é uma camada de software intermediário entre o sistema operacional e os aplicativos. Sua principal função é viabilizar: o sincronismo espacial e temporal dos aplicativos com o vídeo e/ou a internet; a adaptabilidade do conteúdo às diferentes plataformas de recepção; e o suporte a múltiplos dispositivos, por meio de serviços de identificação da linguagem de programação, autenticação, autorização de diretórios, certificados digitais e outras ferramentas para segurança. Diferente dos outros países e sistemas de televisão digital, o Brasil regulamentou essa camada de software em um modelo padrão e aberto denominado Ginga, impedindo que cada fabricante de set-top boxes ou televisores determinasse uma linguagem própria para seu equipamento e fechasse um acordo com uma determinada emissora de televisão. Isso restringiria o aplicativo televisivo da emissora a um aparelho e limitaria os recursos interativos para qualquer conversor. O aplicativo é a interface comunicativa visível entre a televisão e o telespectador que permite o acesso aos serviços interativos do programa e das emissoras e a funcionalidade do Record), acesso a internet, serviços de vendas, de serviços governamentais e interação com o

conteúdo televisivo.

SBTVD-T

equipamento, como: guia de programação, serviço de vídeo on demand, PVR (Personal Video

experiência interativa no esporte das emissoras brasileiras no

e transformá-los em vídeo para o receptor assistir ao programa.

Primeira

forma a permitir que o aparelho receba o sinal televisivo, filtre-o, armazene os pacotes,

141

O SBTVD-T solucionou um dos grandes problemas enfrentados pelos outros sistemas de televisão digital do mundo (ATSC, DVB) que era oferecer a interação em programas transmitidos ao vivo, uma vez que não era possível oferecer uma constante troca de dados entre o telespectador e o programa, alimentando e estimulando o pro-

Tatiana Zuardi Ushinohama

Figura 2 - Organograma Funcionamento de Conversor


cesso interativo. Com o middleware Ginga, há a possibilidade de alterar e indexar novas informações as que já foram enviadas para receptor. Assim,

Várias emissoras de televisão tinham iniciado a distribuição do sinal digital pelo país. O público começava adquirir equipamentos que possibilitassem receber o novo sinal, assim, criava-se uma audiência inicial. No entanto, muitas das novas possibilidades redigidas no decreto para o sistema digital precisavam ser testadas pelas emissoras entre elas a interatividade. As emissoras televisivas abertas e digitais propuseram-se a investir na criação de um aplicativo para a Copa do Mundo de 2010, a fim de testar as possibilidades interativas na televisão digital brasileira, pois previam ter um aumento de público considerável já que em ano de Copa, há um crescimento significativo nas vendas de televisores. E as transmissões esportivas televisionadas no Brasil, tanto em sinal pago quanto aberto, ainda eram exibidas no formato antigo, 4:3, o que poderia atrair o telespectador para o SBTVD-T. Um projeto de aplicativo interativo para a televisão digital para estar integrado ao contexto requer que a emissora consiga desenvolver um modelo de negócios a partir do modelo de serviço permitido pelo SBTVD-T. Ela deve iniciar com a definição do que seria mostrado (conteúdo), como seria mostrado (designer de texto e imagem), onde (posicionamento do conteúdo e dimensões), quando (com o acionamento da tecla ou em determinado momento do jogo) e qual a relação de interação com o receptor. A partir disso, os programadores organizam uma arquitetura operacional para o aplicativo, planejando a sequência de ações que será executada pelo telespectador e as relações que serão estabelecidas entre os objetos midiáticos (imagem, som, vídeo, gráficos, texto), construindo, deste modo, um sistema complexo de atividades por meio de uma

3 - n. 1

Em 2010, no Brasil, já haviam se passado 2 anos da inauguração do SBTVD-T.

ano

3 – Construindo a interatividade

Revista GEMI n IS |

o sistema brasileiro de TV digital teve por obrigação procurar as alternativas tecnológicas mais recentes e entre elas estava a concepção de um middleware onde a convivência dos ambientes declarativo e procedural fosse a mais eficiente possível, em termos de custo e desempenho, além de dar suporte a aplicações declarativas de forma mais eficiente possível e, portanto, tendo como foco: o sincronismo de mídia na sua forma mais ampla, tendo a interatividade do usuário como caso particular; a adaptabilidade do conteúdo a ser apresentado; e o suporte a múltiplos dispositivos de interação e exibição. Nasce assim o middleware Ginga. (SOARES, 2007, p.6)

142


linguagem informacional que consiga estabelecer uma sincronia de nós (nodes) e elos (links) com o tempo e o espaço do conteúdo. teúdo, é o modelo de transmissão de dados oferecidos pelas emissoras brasileiras de fluxo, podendo acarretar em perda de pacotes durante o processo de recepção do sinal. Portando, a construção do aplicativo deve acontecer em uma linguagem informacional que permita ao telespectador começar a assistir um programa já iniciado, trocar de canal e consequentemente entrar e sair de programas já em andamento, além de receber documentos editados durante a exibição do programa, de forma a não prejudicar o processo interativo entre o telespectador e o canal de televisão. Assim, nessa disposição técnica, os programadores poderem optar por construir os aplicativos em dois tipos de linguagem: NCL e Java, já que a Ginga permite a troca de informações durante a transmissão ao vivo. A linguagem NCL, conhecida como declarativa, fornece opções mais restritivas ao programador, possibilitando apenas que este controle as tarefas em conjunto. A linguagem Java, conhecida como procedural, permite que o programador interfira em cada etapa da execução do aplicativo, informando como cada passo deve ser dado. No entendimento dos pesquisadores em tecnologia da informação para televisão digital, as duas linguagens devem coexistir na (SOARES, L.; RODRIGUES, R.; MORENO, M., 2007).

SBTVD-T

programação do aplicativo para conseguir atingir os objetivos propostos pelo Ginga.

experiência interativa no esporte das emissoras brasileiras no

televisão. Ele é do tipo push, em que o áudio, vídeo e outros elementos são enviados em

Primeira

Outro fator, levado em conta ao elaborar um aplicativo interativo para esse con-

143

Fonte: DAMASCENO, 2009, p.4

Além desses fatores técnicos, os criadores dos aplicativos têm que considerar as relações de significados que o telespectador estabelece com transmissão do jogo de

Tatiana Zuardi Ushinohama

Figura 3 - Padrões de referência do Sistema Brasileiro de TV Digital


futebol e com o evento, Copa do Mundo, uma vez que “o futebol fascina o público pelo que ele veicula de igualdade e possibilidade de exercer escolhas – de exercitar a telespectadores com as transmissões esportivas resolveram disponibilizar informações extras a respeito das partidas e/ou evento no aplicativo, de forma que o torcedor pudesse acessá-las a qualquer momento e conforme seu o desejo.

Após a regulamentação do SBTVD-T e o inicio das transmissões digitais, as emissoras brasileiras começaram a investir recursos para implantação de todas as funcionalidades oferecidas pelo novo sistema. O objetivo era elaborar dentro do formato do programa transmitido um aplicativo interativo que se integrasse ao conteúdo, já que a interatividade surge como a principal vantagem do sistema de televisão digital, pois o usuário “deixa de ter um papel passivo de telespectador e passa a ter um papel ativo, permitindo-lhe atuar com o programa transmitido” (DAMASCENO, 2009, p.02) em simultaneidade de espaço (dentro do mesmo meio de comunicação) e tempo. Os primeiros aplicativos interativos no SBTVD surgem na TV Globo e na TV Bandeirantes, em junho de 2010, durante as transmissões televisivas dos jogos da Copa do Mundo deste ano. Esses aplicativos também permaneceram disponíveis para acesso do telespectador no decorrer da programação das emissoras. A TV Globo distribuiu o sinal com o aplicativo para diversos estados do país8 e a TV Bandeirantes apenas nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. A presença dos aplicativos interativos no sinal televisivo digital foi informada e divulgada dentro da própria programação da emissora (telejornais e programas esportivos) e por meio de reportagens em sites, a fim de atrair o telespectador para testar a possibilidade interativas do aplicativo e ensiná-los a utilizá-las.

8 Lista de cidades que recebiam o sinal digital das emissoras brasileiras em junho de 2010. Disponível em: <http:// www.teleco.com.br/tvdigital_cronog.asp>. Acesso em: 11 de jan. 2012.

3 - n. 1

4 – Aplicativos interativos esportivos no SBTVD-T

ano

Os meios de comunicação, ao transportarem o evento esportivo para nossas casas, constroem um processo de comunicação simbólico, no caso da televisão, estruturado a partir da linguagem audiovisual, que busca retratar o evento com fidelidade. Essa transposição só foi possível com sucesso, porque o esporte já é uma representação coletiva, vivenciada e praticada pelas pessoas, e encontra-se presente no seu imaginário, por compartilharem as regras, estruturas dos jogos, as ações e movimentos dos jogadores. (AFFINI, 2011, p.5)

Revista GEMI n IS |

liberdade” (GUERRA, 2000, p. 44). As emissoras conscientes deste envolvimento dos

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Imagens 1 e 2- Aplicativo interativo da Copa do Mundo de 2010 durante a programação na Globo e na Bandeirantes, respectivamente.

145 Primeira

unir dois fatores: receber o sinal televisivo digital com o aplicativo em sua cidade e ter o equipamento adequado para a recepção, como uma televisão com conversor contendo o middleware. No período em que a Copa do Mundo de 2010 aconteceu apenas duas marcas de televisor digital continham o Ginga, a Sony e a LG, pois não havia a obrigatoriedade das empresas de televisão fabricar televisores digitais com o software9. Além disso, os conversores externos (URD) com o programa de middleware só estiveram disponíveis no mercado a partir de setembro de 201010. Por meio de um ícone na tela, as emissoras informavam a presença do aplicativo interativo, a Globo colocava-o no canto superior esquerdo e a Band, no lado direito, tabela comparativa nas figuras A e B. Essa informação nos televisores analógicos não O telespectador com o controle do URD ou da televisão digital com IRD acio-

pelo receptor, figuras C e D. O usuário selecionava o item de seu interesse por meio dos os botões direcionais (cima, baixo, esquerda, direita) e a tecla enter, para confirmar a sua preferência. O telespectador podia identificar qual o item que estava escolhendo, pois as opções ficavam em destaque ou com o aumento da imagem ou pela sua mudança de cor. Outros comandos eram acionados por botões coloridos no controle que executavam funções gerais do aplicativo, como entrar ou sair do aplicativo, ajuda e menu.

9 O governo tenta que todos os televisores fabricados a partir de 2013 contenham o Ginga, notícia disponível em:< http://www.abert.org.br/site/index.php?/clipping/clipping-2011/tvs-brasileiras-deverao-vir-com-ferramenta-de-interatividade-a-partir-de-2012.html> e < http://www.abert.org.br/site/index. php?/noticias/ todas-noticias/ginga-sera-item-obrigatorio-nos-televisores-afirma-assessor-especial-do-governo.html> 10 Lançamento apresentado no evento SET 2010 e divulgado por meio da PCWORLD, disponível em: <http://www. youtube.com/watch?v=3lc68TU4SOo&feature=player_embedded>

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gens e textos de forma a possibilitar uma série de opções que poderiam ser escolhidas

nava o aplicativo fazendo com que surgisse na tela uma nova configuração com ima-

SBTVD-T

aparecia.

experiência interativa no esporte das emissoras brasileiras no

O telespectador que teve a possibilidade de interagir com o aplicativo precisou


Tabela comparativa entre as emissoras de televisão brasileiras de sinal aberto e digital – Imagens da configuração dos aplicativos disponibilizados pelas emissoras Bandeirantes

Revista GEMI n IS |

Globo

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ano

B

C

D

E

F

Cada emissora configurou uma interface própria para apresentar e possibilitar o acesso às opções, organizando um tipo de conteúdo e determinando a ação interativa para seu aplicativo, figuras E e F. Não foram associados ao aplicativo recursos sonoros. A Globo optou por manter na tela a imagem transmitida no seu tamanho original, compondo uma interface interativa que sobrepunha o vídeo principal com símbolos, imagens e menus, figuras C e E. Portanto, quando o telespectador acionava ou retirava o aplicativo, não havia interrupção no vídeo (imagem em movimento e som) para reorganização da tela. Os elementos do aplicativo dispuseram-se nas laterais (direita e esquerda) e deixavam o centro da tela livre com a imagem transmitida pela emissora no momento da interação. Na borda esquerda, a emissora apresentou as opções de menu - principais e secundárias do aplicativo, como: escalação dos times e arbitragem; tabela de jogos;

3 - n. 1

A


classificação dos grupos; artilharia; estatísticas da partida e enquetes. Na borda direita, expunham os dados resultantes da escolha do telespectador. E, dependendo da escolha, conjunto de quadros só podiam ser acessadas linearmente, passando um a um os qua-

Imagemns H e I - Opções em que o resultado apresentava todos os grupos da Copa de A até H (Globo)

As informações disponibilizadas continham três tipos de dados: os dados definidos antecipadamente ao jogo, como: escalação das equipes e arbitragem, classificação dos grupos, tabela de jogos e artilharia; dados que seria atualizados durante a partida, as estatísticas do jogo; e dados que requeriam a participação do telespectador: enquetes, constante e paralela à transmissão do jogo, já que nos outros sistemas de televisão di-

telespectador precise reiniciar o aplicativo. Outra experiência realizada pela emissora ofereceu ao telespectador uma oportunidade de troca de informação em tempo real. Para realizar esta ação, o conversor do telespectador precisaria estar conectado a internet para que e este meio funcionasse como canal de retorno e envia-se a opção escolhida para a emissora e esta lhe reenviasse o resultado da enquete ou pesquisa, on demand. Com isso, a Globo tentou concretizar algumas das potencialidades, a seu ver, que podem ser desenvolvidas em um aplicativo interativo para televisão digital integrado a um conteúdo dinâmico, como no caso de um evento esportivo. A Bandeirantes configurou a interface do aplicativo dando preferência a reduzir a imagem da televisão na tela e oferecer as opções de interação na área em volta da imagem minimizada, uma vez que ela considerou o processo interativo como uma pausa na fruição do conteúdo em fluxo para o recebimento de outra informação, figuras

Tatiana Zuardi Ushinohama

missão televisiva e sincronizá-los no tempo e no espaço com o aplicativo, sem que o

gital existe uma dificuldade em substituir os dados anteriormente enviados pela trans-

SBTVD-T

pesquisas e bolão. Houve uma tentativa de fornecer ao telespectador uma atualização

experiência interativa no esporte das emissoras brasileiras no

dros até ser encontrada a informação desejada.

Primeira

surgia um conjunto de quadros para serem selecionados, figuras H e I. As opções desse

147


D e F. Durante a inicialização do aplicativo, o vídeo desaparece deixando a tela toda preta, para depois aparecer minimizado no canto sobreposta a uma imagem de fundo pectador retira o aplicativo. Essa configuração interrompe a transmissão de vídeo por algum tempo, fazendo com que o telespectador corra o risco de não assistir a um gol no futebol neste intervalo de tempo.

ções escolhidas pelo telespectador eram exibidas no lado esquerdo da tela, que estava reduzida e cujo conteúdo era totalmente histórico, tanto nos itens a respeito do evento, quanto nas opções sobre a seleção brasileira. Não havia conteúdo para ser atualizado pela emissora em tempo real e nem possibilidade de troca direta de informações com o público pelo aplicativo. O contato personalizado da emissora com o telespectador foi estruturado para ser feito via telefone celular, em que a partir de um cadastro a emissora enviaria informações a respeito da Copa para o telespectador. Quanto à interatividade há muito que discutir, pois depende da disponibilidade de canais de retorno (que no exterior são conseguidos por meio da Internet de acesso rápido, disponível, na prática, a uma larga massa da população) e que aqui, em princípio, seria feita via telefonia celular com preços a serem estipulados. (MEGRICH, 2009, p.29)

Foram esses dois exemplos, as primeiras propostas de interatividade no SBTVD-T. As emissoras brasileiras propuseram-se a testar a interatividade do novo sistema a fim de elaborar um aplicativo que levasse em consideração as especificações e as possibilidades oferecidas pelo middleware, Ginga, e a sua linguagem de programação, Java/ NCL-Lua. Considerações Finais O Brasil regulamentou um modelo de serviço abrangente e completo para sistema de televisão digital, isso permitirá amplas possibilidades das emissoras de televisão brasileira trabalharem variações de formatos e de programas podendo interligar tecnologia e conteúdo. No entanto, o desenvolvimento dos novos recursos possibilitados pela TVD está vinculado diretamente à aceitação do público e o investimento do setor privado. Por isso, as emissoras de televisão acompanhadas nesta pesquisa buscaram por meio de um programa com altos níveis de audiência testar e verificar a aceitação de

3 - n. 1

gens que eram exibidas na transmissão televisiva. E as informações resultantes das op-

ano

As opções de navegação oferecidas pelo aplicativo ficavam embaixo das ima-

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e dividindo o espaço da tela com o menu. O processo inverso acontece quando o teles-

148


um dos recursos mais promissores no sistema de televisão digital que é interatividade. Cada emissora definiu um significado para interatividade e dentro dos seus recursos conteúdo. emissor para o receptor; e a bidirecional, em que o receptor envia e recebe informações do emissor. Essa estrutura do aplicativo visou complementar a transmissão com os dados estatísticos dos jogos e do campeonato, no entanto a emissora percebeu que a manutenção atualizada dessas informações necessitaria de um número elevado de pessoas especializadas e altamente qualificadas, para alimentar o aplicativo durante o jogo. Portanto, o custo da implantação deste recurso tornou-se alto para a emissora bancar em função do aplicativo estar sem patrocínio e estar sendo acessado ainda por uma quantidade pequena de pessoas. A emissora Bandeirantes optou por um conteúdo fixo com interatividade local elaborando com antecedência o aplicativo e só disponibilizado-o durante a grade de programação no período da Copa do Mundo de 2010. A sua intenção foi de testar o novo recurso e sua recepção sem que fossem necessárias mudanças no formato da transmissão esportiva. Desta forma, foi possível verificar qual o entendimento que cada emissora de televisão decreto não define qual o significado de interação televisiva a ser aplicado, apenas o determina.

SBTVD-T

estabeleceu para recurso de interatividade no meio de comunicação televisivo, uma vez que o

experiência interativa no esporte das emissoras brasileiras no

A TV Globo testou a interatividade local, em que há o envio da informação do

Primeira

pessoais e financeiros propôs possibilidades de interação entre o sistema televisivo e o

149

AFFINI, L.P.; USHINOHAMA, T. Z.; As plataformas digitais e o desporto: um show nas transmissões televisivas. In: Congresso de Brasileiro de Ciência da Comunicação, XXXIV, Recife. Anais eletrônico... São Paulo: Intercom, 2011. Disponível em:< http://www.intercom. org.br/papers/nacionais/2011/resumos/R6-0455-1.pdf >. Acessado em: 05 jan. 2012.

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Tatiana Zuardi Ushinohama

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3 - n. 1

Fluminense: 2009. Disponível em: <http://www.midiacom.uff.br/~debora/

ano

DAMASCENO, J. R.. Middleware Ginga. Universidade Federal

Revista GEMI n IS |

BRASIL. Decreto-lei nº4. 901, de 26 de novembro de 2003. Imprensa


Romance:

procedimentos metalinguísticos e a relação entre linguagens na ficção de Guel A rraes A fonso M anoel

da

S ilva B arbosa

Estudante graduado em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, pela UFPB, e mestrando do curso de pós-graduação em Letras, área Literatura e Cultura, pela UFPB. E-mail: afonso780@yahoo.com.br

Luiz A ntonio Mousinho Orientador do trabalho. Professor do Curso de Comunicação Social da UFPB, pesquisador do CNPq (bolsa de Produtividade em pesquisa – PQ). E-mail: lmousinho@yahoo.com.br

Revista GEMI n IS

ano

3 - n . 1 | p. 151 - 160


Resumo O presente artigo tem como objetivo analisar aspectos do filme Romance, dirigido por Guel Arraes, investigando no longa-metragem a presença de elementos de produção de sentido como a metalinguagem, a opção pelo cômico e como este se configura, bem como os traços de filiação pós-moderna presentes no texto fílmico, examinando ainda seus processos dialógicos. Buscamos observar também as relações estabelecidas entre mídias e o entrecruzar de linguagens artísticas propostos pela obra. Paralelamente a isso, procuramos abordar o contexto social e comunicacional de produção e as peculiaridades autorais que o diretor expressa nas representações do real. Palavras-Chave: cinema, metalinguagem, Guel Arraes, dialogismo, mídias.

Abstract This article aims to analyze aspects of the film Romance, directed by Guel Arraes, investigating in the feature film the presence of meaning production elements such as metalinguistic, the choice for comedy and how it configures, as well as traces of post modern affiliation present in the filmic text, examining its dialogical processes. We also aim to observe the established relation between media and the interlacing of artistic languages proposed by the film. In addition, we address the social and communicational production context and the copyrights peculiarities expressed by the director on the reality representation. Keywords: cinema, metalanguage, Guel Arraes, dialogism, media.


1 Romance: dados iniciais de uma análise

N

este artigo pretendemos analisar alguns aspectos do longa-metragem Romance, dirigido por Guel Arraes e roteirizado em parceria com Jorge Furtado. Para o entendimento dos elementos das construções de sentidos no

filme, destacaremos os processos dialógicos estabelecidos a partir da confluência de linguagens proposta pela obra. Para isso, observaremos as relações entre teatro, TV e o próprio cinema, além de investigar os dispositivos metalinguísticos que envolvem representação do real e contexto de produção. Romance narra o encontro de dois jovens atores, Pedro (Wagner Moura) e Ana (Letícia Sabatella), que pretendem encenar em São Paulo o texto dramático Tristão e Isolda. Eles se apaixonam durante os ensaios para a montagem da peça, porém acabam se separando quando Ana é descoberta por um produtor de TV que a convence a trabalhar no Rio de Janeiro como atriz em uma novela. Após três anos, eles se reencontram quando Pedro é contratado pela mesma emissora de Ana para dirigir um especial para a televisão, no caso, uma versão de Tristão e Isolda ambientada no Nordeste brasileiro. O filme retoma esse texto dramático, reelaborando o discurso a partir de um outro ponto de vista. Essa reelaboração guarda traços de estilização, conforme o conceito discutido por Bakhtin (1983, p.467). É com esse viés de construção estética que Romance propõe uma concepção nordestina de Tristão e Isolda. De acordo com Bakhtin a discussão acerca do uso da palavra não pode estar cerceada à ideia de um único contexto monológico. Nesse sentido, a estilização mantém uma dupla orientação e se dirige “ao objeto referencial da fala, como no discurso do cotidiano, e, simultaneamente, remete a um segundo contexto, ao ato da fala de um outro emissor” (BAKHTIN, 1983, p.462 e 463). No caso do filme, a estilização “força um outro projeto (um projeto artístico-temático) a servir a seus fins, a suas intenções novas” (BAKHTIN, 1983, p.467) e pode ser mais facilmente detectada nessa construção estética em torno de Tristão e Isolda no sertão nordestino. Linda Hutcheon caracteriza a paródia pós-moderna enfatizando “sua dupli-


cidade paradoxal de continuidade e mudança, de autoridade e transgressão” (HUT-

154

CHEON, 1991, p.57). Essa relação ambígua perpassa o longa-metragem também por

recuperar a conceituação dos formalistas russos em torno da especificidade do texto artístico. De acordo com V. Chklovski, em A arte como procedimento, a relevância de um texto está diretamente ligada à característica singular que essa produção pode alcançar (CHKLOVSKI, 1976, p.41). Este ensaio deu grande contribuição para o desenvolvimenvanguardas nas primeiras décadas do século XX. Nele o autor assinala que a arte é um meio de singularizar e ampliar a percepção dos objetos, em contraponto à automatização que incide sobre estes:

contrapartida a este modo interpretativo em relação à desautomatização como algo ainda estimulante e operativo. Segundo Stam, Bakhtin não deixava de saudar a noção de arte como procedimento, “onde a vida social é expressa no interior de um material semiótico definido e na linguagem específica de um meio” (STAM, 2000, p. 25). Nessa relação, contudo, havia divergências entre Bakhtin e os formalistas, e, de

cepção formalista, por outro lado, tratava a linguagem como embate entre dois tipos de discursos, o que ia de encontro à noção bakhtiniana de heteroglossia, “a ideia de que cada língua nacional compreende, na realidade, um sem número de sublinguagens” (STAM, 2000, p.26). A aversão mecânica relacionada ao velho também estaria distante daquilo que Bakhtin propunha. Do mesmo modo que a simples inversão de valores existentes, com a demasiada valorização dos meios técnicos, em resposta ao gesto do realismo ingênuo de apenas olhar o conteúdo (STAM, 2000, p.25). Para pontuar a ideia do filme Romance enquanto obra que procura manter constantes os seus processos dialógicos, é possível utilizar a concepção de Robert Stam so-

S ilva B arbosa

entre linguagem prática e linguagem poética, o que não era aceito por Bakhtin; a con-

da

acordo com Stam, esse afastamento se dava pela hierarquização e separação absoluta

Luiz A ntonio Mousinho - A fonso M anoel

A partir dos estudos de Robert Stam sobre Bakhtin, podemos identificar uma

E eis que para devolver a sensação de vida, para sentir os objetos, para provar que pedra é pedra, existe o que se chama arte. O objetivo da arte é dar a sensação do objeto como visão e não como reconhecimento; o procedimento da arte é o procedimento da singularização dos objetos e o procedimento que consiste em obscurecer a forma, aumentar a dificuldade e a duração da percepção (CHKLOVSKI, 1976, p.41).

Guel A rraesnn

to de uma concepção do específico poético, numa visada afim aos procedimentos das

procedimentos metalinguísticos e a relação

Para pensarmos dados do conceito de dialogismo, a partir de Bakhtin, vale

Romance:

aspectos do universo da televisão comercial.

entre linguagens na ficção de

se tratar de uma produção ligada à Rede Globo e que, ao mesmo tempo, critica certos


bre o dialogismo multidimensional e interdisciplinar de Bakhtin voltado para o cinema, ao considerar que:

a partir de seus modos idiossincráticos de elaboração estética, além das demandas do público apresentadas por meio do contexto de produção e consumo reverberam aquilo que Robert Stam assinala. 2 Procedimentos metalinguísticos: auto-reflexividade a partir do contexto de produção do especial de TV

Tornando ao filme Romance: ao aceitar o convite para dirigir o especial para a emissora de Ana, Pedro passa a elaborar o roteiro no teatro, mas se encontra num dilema quanto à maneira de finalizar o programa. Isso porque Danilo (José Wilker), produtor de TV comercial obcecado com a questão da audiência, impõe um final feliz à trama, enquanto Pedro não aceita modificar o texto original nesse sentido. Como indício do processo de metalinguagem que circunda a narrativa de Romance, esse choque que se dá no âmbito do processo de criação artística fomenta o debate acerca da falta de liberdade autoral que permeia os bastidores do universo televisivo. Esse embate se dá até o término do projeto e sugere uma disputa recorrente nesse meio: de um lado, as pressões em nome do ideal de se conseguir os maiores índices de audiência e de outro, a liberdade criativa que busca a inserção de propostas menos convencionais na grade de programação televisiva. A metalinguagem no filme pode ser observada também em consonância à condução do especial de TV dirigido por Pedro. Esse viés interpretativo pode ser designado a partir do momento que Guel Arraes, um diretor que também procura produzir programas menos convencionais para a Rede Globo (FIGUEIRÔA e FECHINE, 2008,

3 - n. 1

bém alcance um estatuto metalinguístico. As diferentes linguagens em rota de colisão

ano

Os processos dialógicos propostos por Romance fazem com que o filme tam-

Revista GEMI n IS |

se aplicado a um fenômeno cultural como um filme, por exemplo, referir-se-ia não apenas ao diálogo dos personagens no interior do filme, mas também ao diálogo do filme com filmes anteriores, assim como ao ‘diálogo’ de gêneros ou de vozes de classe no interior do filme, ou ao diálogo entre as várias trilhas (entre música e a imagem, por exemplo). Além disso, poderia referir-se também ao diálogo que conforma o processo de produção específico (entre produtor e diretor, diretor e ator), assim como às maneiras como o discurso fílmico é conformado pelo público, cujas reações potenciais são levadas em conta (STAM, 2000, p.34).

155


p.93), cria um personagem como Pedro que tenta levar uma proposta diferente para a

156

emissora de Danilo, na trama de Romance.

complicada que se estabelece a partir da coação para que sejam utilizados processos codificados no desfecho do programa televisivo. Segundo João Batista de Brito, “só excepcionalmente pode o cinematográfico adquirir estatuto fílmico. Isso é comum acontecer em filmes metalinguísticos, ou seja, filmes que têm o próprio cinema como tema” uma produção audiovisual, mais especificamente da elaboração de um especial de TV, que se insere nessa proposta. 3 Erro de continuidade: o trágico chega à TV

que, por conta das lágrimas, espalhou-se por boa parte da face. Com a continuação do processo, antes que a personagem cometa suicídio, Tristão, que aparentemente estava morto, impede o ato e os dois se beijam. Antes de pôr um fim definitivo às gravações, Pedro pede para filmar um close apenas da faca, relativo ao momento anterior àquele que Tristão acorda, mais especificamente do movimento que Isolda faz na tentativa de desferir o golpe contra si. Depois de feita a edição do especial, Pedro apresenta o resultado a Danilo, e, no vídeo, quando Isolda levanta a faca, tendo o rosto manchado pela maquiagem intumes-

Pedro mostra outro final, onde Isolda ergue a arma cortante e, com o close gravado por ele, o golpe é desferido, mostrando apenas o movimento sem que se exiba o resultado da atitude impetuosa e, assim, no especial, o céu ganha tonalidades avermelhadas sugerindo o suicídio da personagem, além da morte de seu amante. Para se esquivar da coação promovida por Danilo, Pedro faz uso de um artifício que consiste em não explicitar a morte de Isolda, mas fazer suscitar a percepção de que isso aconteceu. Podemos observar que esse procedimento de Pedro se resguarda no leque de elementos técnicos que a posição de diretor lhe incumbia. Isso só foi possível por meio da câmera, que exerce “uma função nitidamente narrativa” (ROSENFELD,

S ilva B arbosa

os traços já retocados, o que provoca um erro de continuidade. Como solução para isso,

da

cida, o corte que leva à cena seguinte, a que Tristão acordaria, exibe a face da atriz com

Luiz A ntonio Mousinho - A fonso M anoel

tar, Pedro interrompe a filmagem e pede para a produção retocar a maquiagem de Ana

Na gravação das últimas cenas do especial, quando Isolda está prestes a se ma-

Guel A rraesnn

(BRITO, 1995, p.184). Esse estatuto é arquitetado em Romance e ganha forma a partir de

procedimentos metalinguísticos e a relação

e patrocinadores, o consumo e a audiência gerada pelo especial, além da conjuntura

Romance:

sente por meio de questões como a pressão dos produtores em nome dos anunciantes

entre linguagens na ficção de

No filme, o contexto de produção também importa à narrativa e se faz pre-


2004, p. 31), o que demonstra que “mesmo o primeiro plano é um bom exemplo da capacidade (...) de liberar uma quantidade indefinida de informações” (GAUDREAULT e Na trama, com a intenção de burlar a apresentação de um final codificado, no qual Tristão e Isolda viveram felizes para sempre, Pedro encontrou uma brecha num erro premeditado que pôde ser aplicado a partir do

acintosa. O diretor, ironicamente, afirma que foi um ato falho. Esse procedimento, na verdade, se configura como um modo de subverter aquilo que ele anteriormente havia se comprometido a realizar por conta das imposições que sofria. Como não havia tempo para a regravação do final, Pedro consegue com isso inserir na grade televisiva uma produção que não ressoa os processos de codificação que eram comuns naquela emissora, ao estilizar a clássica história de Tristão e Isolda, mas preservando o fim trágico que caracteriza a história medieval. 4 Cenas finais de uma proposta pós-moderna Em Romance, Tristão e Isolda, adequando-se a modalidades artísticas distintas, se caracteriza como um discurso ficcional peculiar pela rotatividade de linguagens com que seus desdobramentos se dão. Isso pode ser percebido pelos deslocamentos a que esse texto é submetido, no filme, a partir de duas representações construídas para o teatro e uma para a televisão. A proposta deste quarto longa-metragem de Guel Arraes, pelas particularidades pós-modernas que possui, se destaca por não buscar o isolamento. Pelo contrário, Renato Pucci, ao discutir produções ficcionais nesse contexto pós-moderno, assinala que existe uma predisposição à “impureza em relação a outras artes e mídias”, o que provoca um “hibridismo transtextual” (PUCCI, 2008, p.32) característico na obra do diretor pernambucano. A narrativa de Romance se desdobra em direção ao seu desfecho. Com a reconciliação de Pedro e Ana, os dois conversam sobre relacionamentos amorosos e os clássicos trágicos do teatro, quando Pedro afirma que “o final feliz, com beijo, só foi inventado nos romances do século XVII. O beijo no final só serve para tranquilizar todo mundo, dando a ideia de que os amantes não vão mais enfrentar obstáculos. Mas

3 - n. 1

Já na iminência da exibição do especial, Danilo acusa Pedro de ter errado de maneira

ano

plano de corte, que permite interromper a ação sem qualquer problema para retomá-la posteriormente, [e é] largamente utilizado para contrair o tempo, reforçar a intensidade das ideias, evitando assim o supérfluo, e também para dar a entender algo sem que seja necessário exprimi-lo diretamente (BETTON, 1987, p.25).

Revista GEMI n IS |

JOST, 2009, p.107).

157


sem obstáculos o amor acaba, não há mais o que contar, acabou o romance”. Após essa

158

observação, ele conta para Ana que tem um espetáculo em mente e que ela seria a atriz

em que a personagem de Ana tenta se matar, mas erra uma fala antes de cometer suicídio, sendo este o mesmo momento em que, no especial da TV, Pedro provoca o erro de continuidade. Nesse instante, Pedro descortina o processo ficcional passando a discutir com o seu par sobre a vida artística e a de casal, como se estivessem eles no meio de um Quanto ao arquétipo do final mais comum em histórias cômicas, Frye assinala que “tendemos simplesmente a compreender que o par recém-casado viverá feliz para sempre (...)” e que “(...) em qualquer caso, prosperará de maneira relativamente sábia e sem obsessão” (FRYE, 1973, p.169). Em paralelo com a colocação que Pedro fez no restaurante, a peça não acaba em beijo e nem sugerindo um final feliz característico

que remete ao pedido de Ana para que Pedro fizesse um espetáculo que abarcasse os clássicos dramáticos e, ao mesmo tempo, tratasse da história deles dois. Na diegese de Romance, Pedro reelabora em três oportunidades Tristão e Isolda. É possível destacar que nesta última vez ele muda suas concepções sobre o amor e o próprio fazer artístico, transformando a tragédia em comédia, ao modificar o final, diferente daquilo que ele fez na TV. Além de retirar o véu da ficção para os espectadores da peça ao desnudar a vida do próprio casal protagonista do filme, que juntos revelam a gravidez de Ana e, com humor, as dificuldades de se fazer teatro, esse procedimento

Na terceira montagem da peça, a paródia se apresenta como um “aspecto lúdico que se traduz por um jogo não-destrutivo” (PUCCI, 2008, p.32) e “que não escarnece do texto parodiado” (PUCCI, 2008, p.219). Ela se desenvolve buscando mostrar o cotidiano de um jovem casal de atores do mundo contemporâneo, diferente daquele medieval, do “amor recíproco infeliz”, consubstanciando a compreensão de que Tristão e Isolda não vão se matar por conta das dificuldades que possam surgir na vida dos dois, e podem até viver para sempre, mas não necessariamente felizes o tempo todo.

S ilva B arbosa

do-se uma coisa só no final.

da

faz menção à ideia de que, na vida dos dois, representação e realidade acabam tornan-

Luiz A ntonio Mousinho - A fonso M anoel

teatro e, na entrada do mesmo, um cartaz com a palavra Romance nomeia a produção, o

de processos codificados. A última cena do filme se desdobra com o público saindo do

Guel A rraesnn

ensaio geral.

procedimentos metalinguísticos e a relação

Tristão e Isolda, no teatro. Nessa nova interpretação, a peça se desenvolve até o momento

Romance:

A sequência seguinte do filme se inicia com os dois atores em uma cena de

entre linguagens na ficção de

ideal para contracenar ao seu lado.


Considerações finais

neasta pernambucano Guel Arraes. Levamos em conta, principalmente, o uso de elementos de produção de sentido como a metalinguagem, por exemplo, além de observar na obra a opção pelo cômico e seus traços de filiação pós-moderna, investigando ainda

autorais que o diretor expressa nas representações do real que ele propõe por meio de seu filme. Romance se destaca pelo entrecruzar de linguagens, mídias e elementos pertencentes a modalidades artísticas diferentes, o que ressalta o viés dialógico da obra, promovendo essa arquitetura pelo uso de espaços diegéticos como o teatro e a televisão. No filme, a metalinguagem ganha força pela discussão estabelecida acerca do fazer artístico, além da dificuldade que o casal protagonista possui em separar o universo fictício e a realidade, no âmbito das representações da peça Tristão e Isolda e dos bastidores do especial para a TV. Podemos destacar ainda que Pedro, enquanto personagem de Romance, se caracteriza por também estilizar e adaptar outros produtos ficcionais, reelaborando a tragédia medieval e levando-a a se deslocar por caminhos diferentes daquele que o texto original foi concebido, num movimento que se assemelha àqueles percorridos por Guel Arraes na Rede Globo. A partir de Romance, assinalamos as relações dialógicas entre linguagens que são construídas a partir dos ambientes de produção apresentados no filme. Destacamos o entrecruzar de códigos e elementos estéticos, principalmente pela escolha do teatro e da televisão enquanto espaços diegéticos na trama. Além disso, observamos como o encontro entre eles sugere, metalinguisticamente, uma discussão acerca da liberdade criativa e concepção comercial das produções artísticas, na história do filme. Em adaptações que se dividem entre os palcos e a TV, percebemos, na diegese, que Pedro subverte a codificação comum ao meio televisivo, conseguindo driblar as pressões que sofre para que dê um final feliz à história, e rompe o paradigma quando leva o fim trágico para a televisão. Além da versão nordestina, no final do filme, encontramos outra modificação do clássico medieval que faz menção à mudança sofrida pelo personagem Pedro, quando o jovem diretor transpõe para o teatro uma versão que tem o cômico ao invés do trágico em seu desfecho. Notamos que essa iniciativa demonstra a maneira diferente com a qual o personagem resolveu encarar tanto o processo de

3 - n. 1

curamos abordar o contexto social e comunicacional de produção e as peculiaridades

ano

os processos dialógicos que compõem o longa-metragem. Paralelamente a isso, pro-

Revista GEMI n IS |

Por meio deste artigo, procuramos analisar aspectos do filme Romance, do ci-

159


criação artística quanto a concepção que tinha sobre o seu relacionamento com Ana e

160

também corrobora a ideia de que o final de Tristão e Isolda que ele não modificou na TV

experimentais em sua estrutura narrativa. Além disso, o longa-metragem consegue criticar certos paradigmas e estereótipos a partir de uma proposta lúdica, utilizando um viés poético para isso, ao tratar do fazer artístico.

BAKHTIN, M. A tipologia do discurso na prosa. In: _____. LIMA, L. C. Teoria da literatura em suas fontes. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983. p.462-484. BETTON, G. Estética do Cinema. Tradução: Marina

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Guel A rraesnn

Referências

procedimentos metalinguísticos e a relação

fica que se destaca no cenário nacional por conseguir aliar métodos convencionais e

Romance:

Com o fim desse artigo, identificamos Romance como uma obra cinematográ-

entre linguagens na ficção de

por pressão alguma, o fez no teatro por iniciativa própria.


Produção

de conteúdos virtuais participativos: entre a informação, o espetáculo e a manipulação Ieda M. M. Tourinho Graduada em Comunicação Social – habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal de Sergipe e especializanda em Comunicação em Mídia Digital pela Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe – Fanese. E-mail: iedat.jor@gmail.com.

M auro Luciano

de

A raújo

Mestre em Imagem e Som pela UFSCar, especialista em ética e epistemologia pela Universidade Federal de Sergipe, professor do Centro Universitário Jorge Amado e da Universidade Federal da Bahia – UFBA. E-mail:mauro1luciano@gmail.com

Josette Monzani Profa. dos Mestrados em Imagem e Som e em Estudos de Literatura, da UFSCar, SP. E-mail: jmonzani@ufscar.br

Revista GEMI n IS

ano

3 - n . 1 | p. 161 - 172


Resumo Coberturas jornalísticas em tempo real, envio de informações do local do acontecimento a partir de plataformas móveis estão sendo postas em prática por organizações jornalísticas internacionais, nacionais e regionais. Por outro lado, há também a produção jornalística em microblogs feita por amadores, cidadãos-repórteres ou produsers, denominada jornalismo participativo e webjornalismo participativo. Assim, o artigo trabalha com duas vertentes: a primeira é questionar se a prática do cinegrafista amador é considerada notícia ou produto espetacular e se isso modifica as rotinas produtivas desses vídeos enviados pelos internautas. A segunda indicia a produção colaborativa como uma estratégia de fidelização dos clientes às empresas. Palavras-Chave: Jornalismo participativo; Espetáculo; Twitter.

Abstract xxxxxxxx Keywords: xxxxxxxxxxxx


Introdução

C

oberturas jornalísticas em tempo real, envio de informações do local do acontecimento a partir de plataformas móveis (SILVA, 2007; 2009) estão sendo postas em prática por organizações jornalísticas internacionais, nacionais e regio-

nais há algum tempo no contexto pós-revolução da informação. Agências de notícias, núcleos de formação e distribuição de informações internacionais surgem ainda em conformidade com a ideologia da comunicação configurada em fins da década de 70, e, no encaminhamento dos anos, dão à nova sociedade ligada em redes a possibilidade de um novo tipo de transmissão de conteúdos sequenciados por elaborações de pautas. Atualmente, estes conteúdos conseguem ter mais fluidez e rapidez de publicação no espaço de notícias veiculadas via web, situando a atividade colaborativa no ritmo paralelo à sociedade de consumo de novidades e da vigilância de câmeras individuais. Por outro lado, reafirmando a chamada ideia de sociedade informativa, há a produção jornalística em microblogs feita por amadores, cidadãos-repórteres (PRIMO, 2008) ou produsers

(BRUNS, 2005), denominada jornalismo participativo (GILMOR, 2004) e webjornalismo participativo (TRÄSEL,2008), tal como no exemplo do portal G1, na da seção VC no G11, na qual o internauta tem a possibilidade de enviar um vídeo e seis fotos por acesso. O usuário ativo pode participar quantas vezes quiser ao longo da semana. Primeiramente, o que se propõe aqui é questionar se a prática do cinegrafista amador, ativista, ou do espectador-produtor de notícias é considerada afirmação da atividade jornalística ou espetacularização no âmbito do consumo, e se essa prática modifica as rotinas produtivas de vídeos enviados pelos internautas. Em segundo lugar, pensamos em sugerir que a produção colaborativa também possui como estratégia a fidelização dos clientes consumidores de informação, neste caso, confrontando os dois pontos levantados. Para melhor compreensão, o artigo será dividido em três partes: na primeira, serão abordados os conceitos de representação social da realidade (ALSINA, 2009), jor1 http://g1.globo.com/vc-no-g1/. Acesso em 18 de set. 2011.


nalismo participativo, virtual (PARENTE, 1999), espetacularização (DEBORD, online),

164

campo jornalístico (BOURDIEU, 1983) e habitus jornalístico (BARBOSA, 2007); na se-

Em se tratando do papel do cinegrafista amador e do jornalismo on-line, não se pode deixar de mencionar os conceitos de virtual (PARENTE, 1999), o qual nos faz compreender melhor a representação social da realidade anteriormente mencionada por Alsina (2009) e Bacin (2006). André Parente (1999) conceitua o virtual como categoria estética que sempre se apresenta com a recriação de um real recalcado que chega a se confundir com a representação dominante, já que vê o novo regime da imagem-técnica sem cair nas armadilhas das oposições entre as velhas e novas tecnologias, pois o que realmente importa é “saber como a imagem pode continuar a manter a sua

pela crítica como pejorativo, ainda pouco mencionado no grande campo de pesquisas em cibercultura. A relação entre imagem e espetacularização tem sua formação quando o mundo real, ao se converter em simples representação, torna-se um ser com motivações de um comportamento de consumo das próprias imagens postas em evidência. Guy Debord ressaltaria que “onde o mundo real se converte em simples imagens, estas simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes típicas de um comportamento hipnótico”. (online, p.14)

pelas mídias, compreendendo no conceito de espetáculo a estrutura de uma sociedade midiatizada, ou, que elabora suas verdades e crenças a partir das imagens propagadas. O espetáculo em termos comunicativos tem sua compreensão elaborada na relação com a virtualização do real, e não é identificável ao simples olhar, mesmo combinado com a escuta. Ele pode ser o que escapa à atividade dos homens, à reconsideração e à correção

A raújo - Josette Monzani

A imagem, enfim, possuiria mais atributos cognitivos num ambiente envolvido

de

O espetáculo, como tendência para fazer ver por diferentes mediações especializadas o mundo que já não é diretamente apreensível, encontra normalmente na visão o sentido humano privilegiado que noutras épocas foi o tato; a visão, o sentido mais abstrato, e o mais mistificável corresponde à abstração generalizada da sociedade atual. (DEBORD, online, p.14)

Ieda M. M. Tourinho - M auro Luciano

gética, portanto, contém em seu teor conceitual um legado que pode ser considerado

função noética/estética” (1999, p.40). A virtualização, aspecto antigo da recepção ima-

de conteúdos virtuais participativos: entre

O virtual e a espetacularização da notícia

Produção

parte, o confronto conceitual entre a publicidade e a comunicação.

a informação, o espetáculo e a manipulação

gunda, a notícia transmitida via internet, com ênfase no microblog Twitter; e, na última


da sua obra. É o contrário do diálogo, ainda que se estabeleça em um ato comunicativo, (MATTELART, 2000) e revele um caráter histórico das relações humanas. Em toda a – considerando a re-apresentação como aspecto fundamental da comunicação e, por conseguinte, do ethos contemporâneo. Em outras palavras, o espetáculo, além de hipnotizar a atenção do espectador

(2007) tematiza sua noção de hiperestímulo e do sensacionalismo popular na dinâmica da atividade midiática jornalística, ainda no início do século XX. Segundo Singer, coadunando com a condição do espetáculo moderno que se afastava da encenação vitoriana de uma oratória ainda moralizante e encarava o escape de um cotidiano das grandes cidades, “Cenas de sensação” como edifícios em chamas, explosões e naufrágios haviam sido um ingrediente do melodrama teatral pelo menos desde o início dos anos 1880, mas a partir de 1890 tornaram-se mais e mais realistas, ambiciosos e surpreendentes. (SINGER, 2007, 114)

Ou seja, em paralelo aos jornais e seu sensacionalismo cotidiano em exagero, havia também, como um sintoma, a ficcionalização dos eventos catastróficos pela dramaturgia. Ainda que esse panorama tenha sido traçado em uma mudança de séculos passada, a similaridade ao universo atual de criação de novas mídias para exibição ou realização dos eventos confronta o dado histórico e propõe, inclusive, a iniciativa de encarar as particularidades da mudança de status social, numa saída das vistas de um passado pré-industrial ao mundo moderno do estímulo exagerado – estímulo esse preservado pela credibilidade jornalística em procura de novidades constantes. Relações de construção do campo jornalístico A construção da realidade é um processo que reforça práticas, interações sociais, e cria a vida cotidiana. Ou seja, é um processo consolidado socialmente e construído subjetivamente por meio da interpretação de determinados fatos e fenômenos. O produto derivado desse processo vem a ser a notícia, definida por Rodrigo Alsina, (2009) como “a representação social da realidade cotidiana, gerada institucionalmente pelo jornalismo e que se manifesta na construção de um mundo possível”. (ALSINA, 2009, p.14) Para que a notícia tenha adquirido esse status de representação social do cotidiano, a mídia propõe um contrato pragmático fiduciário, (ALSINA, 2009) o qual

3 - n. 1

(FIDALGO, 2004) propõe uma objetiva empatia social. É neste caminho que Ben Singer

ano

com seus exageros, tem o poder de dramatizar o real, fato que, dentre outras funções

Revista GEMI n IS |

parte onde há representação independente, o espetáculo reconstitui-se, segundo Debord

165


estabelece que o público deve acreditar em tudo o que a mídia relata e, em troca, a

166

audiência deve confiar nesse discurso jornalístico informativo. Um dos requisitos ne-

de base para a seleção de notícias. (WOLF, 2003) Outro elemento que reforça esse contrato são os chamados valores-notícia, que são regras práticas as quais consistem em conhecimentos profissionais que explicam e orientam todo o processo de produção da novidade contemporâneo. (Ibid.) Enfim, os valores-notícia derivam de considerações relacionadas ao conteúdo, à disponibilidade de material e aos critérios relativos ao produto informativo, ao público e à concorrência.2 Eles fazem parte de um conjunto de valores e normas, a objetividade, a independência, o imediatismo que formam a ideologia profissional dos jornalistas. (TRAQUINA, 2008) Embora esses estudos estejam relacionados aos jornais impressos e meios radiotelevisivos, eles podem ser reavaliados e aplicados ao jornalismo on-line, uma vez

é todo produto discursivo que constrói a realidade por meio da singularidade dos eventos, que tem como suporte de circulação as redes telemáticas ou qualquer outro tipo de tecnologia pelo qual se transmita sinais numéricos e incorpore a interação com os usuários ao longo do processo produtivo. (MACHADO, 2000, p.19)

Em se tratando de notícias produzidas por espectadores, dentro do princípio do jornalismo participativo, temos a definição dada por Bowman e Willis (2003):

Ieda M. M. Tourinho - M auro Luciano

trabalho do webjornalismo. Nas palavras de Elias Machado, (2000) jornalismo digital

que os critérios de noticiabilidade e valores-notícia são transpostos para o campo de

de conteúdos virtuais participativos: entre

rato informativo) usa para administrar a quantidade e o tipo de eventos que servirão

Produção

de noticiabilidade, que compõem os conjuntos de elementos dos quais o emissor (apa-

a informação, o espetáculo e a manipulação

cessários que o discurso jornalístico utiliza para fortalecer esse contrato são os critérios

de

Em produções colaborativas de notícias, vale ressaltar o conceito de cinegrafista amador ou fonte oficial, (MACHADO, 2003) no qual “é uma nominação que significa que aquelas imagens ali veiculadas foram produzidas por alguém “manifesto”, não 2 Segundo Wolf (2003), os valores-notícia dividem-se em critérios substantivos e em critérios contextuais. Os primeiros referem-se à importância e ao interesse da notícia, como grau e nível hierárquico dos indivíduos envolvidos no acontecimento noticiável, impacto sobre a nação e sobre o interesse nacional. Os contextuais, por sua vez, dizem respeito ao contexto do processo de produção das notícias e não à do próprio acontecimento, como por exemplo, disponibilidade, equilíbrio, visualidade, concorrência.

A raújo - Josette Monzani

o ato de um cidadão ou grupo de cidadãos, desempenhando papel ativo no processo de coletar, relatar, analisar e disseminar notícias e informação. A intenção dessa participação é prover informação independente, confiável, correta, de longo alcance e relevante que uma democracia exige. (BOWMAN e WILLLIS, 2003, p. 9)


profissional, sem condição técnica ou vínculo institucional requeridos pelas empresas jornalísticas. É uma distinção estratégico-discursiva que diz ao telespectador que o que corrente do dia a dia, mas que se encaixa no valor social dado à informação. Além disso, outra função do cinegrafista amador seria de provocar sensações variadas no telespectador, como o estímulo ao espetáculo: curiosidade pelo olhar ao

jornalística, ao se deparar com cenas de brigas, assaltos, tiros, mortes, catástrofes, correrias, flagrantes de extorsão, entre outros. O cinegrafista amador, portanto, opera no imprevisto, na ubiquidade das câmeras individuais que atuam como vigilantes, ou na zona de sombra das práticas do telejornalismo; no acidental ou no planejado, mas não se insere institucionalmente como cinegrafista. Atua como um espião que se multiplica no tecido social, interessado em se postar como um autor de reportagens à medida que as ferramentas tecnológicas de captura do real aprimoram-se e expandem-se, flexibilizando-se e tornando-se acessíveis – paradoxo da democratização do acesso às mídias. É cinegrafista amador para os telejornais, mas tal fonte poderia ser enquadrada em “neotipologias”, como produtor-acidental, olhar turístico ou produtor-amador ou produtor atento às informações. Compõe um grupo autônomo que se intensifica e proporciona insumos à compreensão de um panorama de reorientação no âmbito das condições de produção de um telejornal, experiência única, cotidiana e coletiva, de representação e construção da realidade. (BACIN, 2006, p.70)

Luiz Bacin ressalta ainda que o cinegrafista amador que conhecemos, no entanto, goza ao ver a si mesmo no espelho, não por sua imagem e semelhança do seu Eu, mas por estar ali o “índice de sua presença”, um autor anônimo, já que ele “delira ao saber que milhões de outros amadores deliciam-se diante de algo construído por sua obra e graça. São marcas esgrafiadas por ele nas paredes da caverna mediática”. (Ibid, 2001, 71) Ao desvelar zonas de sombra, o cinegrafista amador vê e faz ver imagens em sua redoma espetacular. Oferece tal vantagem ao telejornalismo, que passa a usufruir agora de uma capacidade “ubíqua” até então restrita às suas próprias “forças” trabalhistas. Paralela a essa inserção amadora, a televisão, em geral, há muito experimenta olhares seus ou de outros especialistas; a evolução e o acesso irrestrito ao ferramental de captura permite-lhe qualificar a extensão desse olhar o mundo e propor parcerias com áreas da ciência e com tudo aquilo que nelas encontra. (Ibid, 2006, 72) Um dos princípios da produção colaborativa de notícias via web é que qualquer internauta pode publicar notícias em um determinado portal. (GILLMOR, 2004) Embora

3 - n. 1

vocar emoção em apelo sensacionalista, fora das regras éticas que adornam a produção

ano

diferente, inédito, desregulado, próximo do que é a “realidade”; causar surpresa, pro-

Revista GEMI n IS |

está ali não faz parte de sua “gramática audiovisual” (MACHADO, 2003; BACIN, 2006)

167


os usuários do Twitter sejam beneficiados pelo anonimato e pela instantaneidade, vale

168

ressaltar que o trabalho de apuração ainda é realizado pelos jornalistas profissionais,

O Jornalismo é uma atividade de mediação social discursiva através da qual determinadas pessoas investigam fatos pautados pelos princípios da verdade e da relevância e os disponibilizam publicamente por meio de suportes tecnológicos, para uma audiência situada em outro tempo e lugar em relação ao acontecido. Já o conceito de campo (BOURDIEU, 1983) é definido como espaço social estruturado, um campo de forças em que há dominantes e dominados (ortodoxia e heterodoxia, respectivamente); há relações constantes, permanentes, de desigualdade, que se exercem no interior desse espaço – que é também um campo de lutas para transformar ou conservar este campo de forças. Essa formação mínima do jornalista pode ser caracterizada como sendo parte

mulo ao conflito, já que, assim, promovem a construção da excepcionalidade das notícias a cada dia -, pela conformação de um lugar de produção de verdades: sejam aquelas que produzem o mundo social, sejam aquelas que definem o seu lugar profissional. Novos clientes para produtos-notícias no Twitter Há consenso sobre o emprego do termo para designar a atividade jornalística

vídeos produzidos por amadores possa ser apenas uma estratégia de fidelização dos usuários, a exemplo do vídeo no qual Bono, vocalista da banda irlandesa U2, autografa braço de fã.3 Essa hipótese, utilizada por Luciana Carvalho, (2011) pode ser aplicada a esse artigo. A autora considera tal prática como estratégia para uma maior institucionalização do jornalismo informativo em redes sociais, a exemplo do Twitter. Não é porque eles realmente se interessem pela participação dos leitores ou mesmo pela produção colaborativa de notícias:

3 http://www.youtube.com/watch?v=sOTq6-AXPSA. Acesso em 18 de set. 2011.

A raújo - Josette Monzani

taria ligada ao exercício da cidadania. Além disso, especula-se que a veiculação desses

de

praticada por amadores. Porém, questiona-se sua validade ao sugerir que tal prática es-

Ieda M. M. Tourinho - M auro Luciano

lizados, incluindo o das práticas escolares e caracteriza-se - ao lado de um natural estí-

do habitus jornalístico, definido por Barbosa (2007) como um conjunto de saberes atua-

de conteúdos virtuais participativos: entre

campo jornalístico exercido ainda através de uma formação acadêmica.

Produção

da tarefa realizada por jornalistas é reforçada pelas características e funcionamento do

a informação, o espetáculo e a manipulação

e que os amadores não são remunerados pelas suas imagens captadas. A importância


raná. Os autores afirmam que a utilização da ferramenta na produção da notícia não garante que o produto dessa rede social seja diferente da mídia tradicional, uma vez que As redes sociais não foram usadas para gerar uma cobertura jornalística diferente da convencional nesse caso. Foi a reprodução das práticas e rotinas de produção da notícia, porém, agora, sem a necessidade de fazer perguntas antes de obter as respostas. (VIEIRA, CERVI, 2010)

A partir de então se pode afirmar que as contas de veículos de comunicação tradicionais no Twitter contrariam os conceitos de redes sociais e de produção colaborativa de notícias, uma vez que, muitas vezes, essas contas são mera reprodução do conteúdo produzido de acordo com a rotina produtiva do meio tradicional, seja TV, seja jornal impresso. Além disso, pondera-se que, a priori, há pouca interação entre leitores e empresa e quase não existe uma produção colaborativa firmada como rotina, elaborando agendas à parte, como se costuma esperar da atividade da mencionada blogosfera, ou de redes sociais. Prova disso é a conta do Twitter da Folha de São Paulo, (@folha_com)4 na qual as notícias são mera transposição do site principal e, praticamente, não há uma produção colaborativa por meio da publicação de fotos ou vídeos pelos internautas. Gabriela Zago (2011) chega a ressaltar que as rotinas produtivas dos veículos de comunicação tradicionais não são modificadas, visto que as empresas estão se adequando a uma nova fonte de informação oficial, uma vez que o fato de haver contas no Twitter de personagens ou empresas na cobertura convencional, “permite relativizar o potencial poder que o ciberespaço teria para descentralizar as “vozes” da cobertura jornalística”. O perfil da conta do jornal O Estado de São Paulo (@estadao) na qual não há apenas divulgação de notícias publicadas no portal, mas também remetem a links externos, como blogs dos colunistas, e até mesmo interage com seguidores e/ou leitores do jornal, é um exemplo. No entanto, a mesma Luciana Carvalho (2011) considera isso uma es4 http://twitter.com/#!/folha_com. Acesso em 10 de mai. 2011.

3 - n. 1

por Vieira e Cervi, (2010) ao estudar o Twitter como pauta no jornalismo político no Pa-

ano

A reafirmação da instituição jornalística por amadores também é constatada

169 Revista GEMI n IS |

São alternativas encontradas pela organização que podem ser visualizadas em seus conteúdos na mídia social digital, e que visam uma renovação de seu tradicional papel de intermediação, adaptando ao seu fazer informativo características e potencialidades da ambiência da mídia social digital. A questão é refletir sobre como essas possibilidades se relacionam ao problema maior da legitimação institucional do jornalismo informativo. (CARVALHO, 2011, p. 75-6)


tratégia para maior institucionalização do jornalismo informativo nos microblogs - um

170

dos vetores para a indefinição que se observa nas informações propagadas pelas novas

tradicionais no Twitter contrariam os conceitos de redes sociais e de produção colaborativa de notícias, porque muitas vezes essas contas são mera reprodução do conteúdo

sa e quase não existe uma produção colaborativa de notícias rotineira, algo que daria importância ao produto elaborado pelo consumidor ativo. Considerações finais Este artigo procurou abordar, de forma breve, a prática da produção colaborativa como uma relação proporcionada pelo ambiente virtual de mercado de informações, pela espetacularização do cotidiano, harmonizado pela migração da institucionaliza-

dos cinegrafistas amadores, já adaptados ao metiér do formato, baseado na premissa de que qualquer um pode ser repórter no jornalismo participativo, provocando questões acerca da veracidade, da intensidade, da credibilidade e mesmo da fonte produtora de notícias. A outra faceta desse artigo buscou especular se a produção colaborativa, no geral, veiculada nas contas do Twitter de veículos de comunicação tradicionais tem como estratégia principal apenas fidelizar os clientes, ao veicular os vídeos dos internautas, produzindo assim um número maior de leitores na estatística apresentada a agências de publicidade, ou agências públicas e governamentais.

A raújo - Josette Monzani

participativo praticada pelos meios tradicionais, mas também a questão do trabalho

de

ção do jornalismo do impresso para a web. O estudo critica não só a forma de jornalismo

Ieda M. M. Tourinho - M auro Luciano

impresso. Além disso, pondera-se que ainda há pouca interação entre leitores e empre-

produzido de acordo com a rotina produtiva do meio tradicional, seja TV, seja jornal

de conteúdos virtuais participativos: entre

A partir de então é possível dizer que as contas de veículos de comunicação

Produção

O problema da credibilidade e do valor da informação trazida pelas mídias sociais digitais afeta diretamente a informação jornalística, para o bem e para o mal. Se, por um lado, a informação de relevância para o público, antes um produto praticamente exclusivo do campo institucional do jornalismo, passa a ser produzida e distribuída por pessoas que não pertencem a esse campo, operando uma democratização dessa função, por outro o consumidor de notícias vê-se diante de uma “torre de babel”, tendo dificuldades de saber em quem confiar– no site do jornal, no blog independente, no post de um desconhecido no Twitter, e assim por diante. (CARVALHO, 2011, p. 77)

a informação, o espetáculo e a manipulação

mídias, e novos formatos.


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171

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Produção

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a informação, o espetáculo e a manipulação

VIEIRA, Josiany Fiedler, CERVI, Emerson Urizzi. O twitter como pauta no jornalismo

172

Ieda M. M. Tourinho - M auro Luciano de

A raújo - Josette Monzani


M-Todos , Tendencias y O portunudades de la M ovilidad D igital D avid Roman Coy Executive MBA y Diplomado en Dirección de Marketing por EADA (Escuela de Alta Dirección y Administración), Máster en Comunicación Digital Interactiva por la Universitat de Vic y Licenciado en Ciencias de la Información (Especialidad en Publicidad) por la Universitat Autònoma de Barcelona. Actualmente está Doctorando en Mobile Marketing por la Universitat de Vic. A nivel profesional tiene una larga trayectoria desde 1985 en agencias de publicidad, en departamentos de comunicación de empresas industriales y en el sector de distribución comercial, así como en consultoría de marketing en comunicación, estrategia y distribución comercial. Es socio fundador de Aula32 Consulting. Desde 1994 imparte clases en EADA, primero como profesor asociado y desde 1997 con dedicación dentro del departamento académico de marketing. Ha dirigido los programas de comunicación, máster en marketing y de comercio electrónico. Actualmente está enfocado en la generación de material académico e investigando sobre Marketing Móvil y Promociones Comerciales a través de dispositivos móviles. E-mail: droman@eada.edu

Revista GEMI n IS

ano

3 - n . 1 | p. 173 - 177


Resumen La incorporación de las tecnologías móviles ha supuesto un cambio de hábitos en la población en todos los niveles, pero hasta la fecha pocos autores han trabajado enfocados en las características tecnológicas de los dispositivos móviles y en los consumidores, sin identificarse investigaciones en el ámbito de los individuos, las sociedades o la salud. Éste es el principal argumento de M-Todos, que reúne las contribuciones que se están haciendo en la sociedad móvil tanto en Brasil como en España. Palabras Clave: Nuevas Tecnologías; Dispositivos Móviles; Marketing Móvil; Publicidad Móvil; Teléfonos Inteligentes; Tabletas; Aprendizaje Móvil; Aplicaciones

Abstract The incorporation of mobile technologies has meant a change of habits in the population at all levels, but to date few authors have worked focused on technological characteristics of mobile devices and consumers, without identifying research within people, society or health. This is the main argument of M-Todos, which brings the contributions that are taking place in the mobile society, both in Brazil and in Spain. Keywords: New Technologies; Mobile Devices; Mobile Marketing; M-Marketing Mobile Advertising; M-advertising; Smartphones; Tablets; Mobile Learning; M-Learning; Applications.


¿Cómo podrá la comunicación móvil superar los retos que sufrió la llegada de internet como medio de comunicación? Esta es una de las grandes preguntas que se analizan, entre otras, en M-Todos, tendencias y oportunidades de la movilidad digital1, un libro escrito por el Grupo de Investigación en Interacciones Digitales (GRID), del Departamento de Comunicación de la Universitat de Vic en Catalunya, España y coordinado por las Doctoras Irene García Medina y Ruth S. Contreras Espinosa. Este carácter transnacional permite recoger dos contextos de análisis en la realidad de la comunicación móvil, el español y el brasileño, para comprender los diversos cambios, procesos y tendencias que las comunicaciones móviles están generando en los diferentes campos (periodismo, publicidad, videojuegos, televisión, etc.). Los autores ven que en la comunicación móvil es necesaria la incorporación de enfoques sociológicos, psicológicos, semióticos y antropológicos y, mediante 14 capítulos escritos por 16 diferentes autores, profundizan en las tendencias y oportunidades de la movilidad digital. Este trabajo es fruto del proyecto Comunicación móvil: el conocimiento científico, las tendencias y oportunidades de los nuevos medios (PHB2009-0001), con el soporte financiero de los Ministerios de Educación de España y Brasil, con el objetivo de identificar posibles nuevos servicios y contenidos en comunicación móvil enfocados en el ámbito de los individuos, las sociedades, la cultura o la salud. En el primer capítulo, la Doctora Ruth S. Contreras profundiza en el aprendizaje a través de dispositivos móviles, basado en un estudio con 24 estudiantes que, durante dos meses, trabajaron con sus smartphones y la red social Facebook como herramienta de aprendizaje, con el objetivo de complementar su formación presencial. El estudio explica los resultados satisfactorios a partir del primer mes del experimento y concluye con unas conclusiones a tener en cuenta en el campo de la docencia. En una línea similar, la Doctora Carla Rodríguez desarrolla en el capítulo 13 su artículo sobre las posibilidades y desafíos para el aprendizaje en contextos de inclusión social, reflexionando sobre la promoción de aprendizaje a través de dispositivos móviles y las posibilidades y desafíos que ofrece. 1 http://mon.uvic.cat/grid/files/2012/03/Mtodos_TendenciasyOportunidadesMobilidad.pdf


El segundo capítulo, elaborado por el Doctorando Pedro A. Correia, trata del marketing móvil como herramienta de relación social y profundiza en la forma en que de dispositivos móviles y las nuevas posibilidades que otorga en la relación con las empresas. El tercero, escrito por los investigadores Ricardo Costa, Maria F. Avanza y Wesley Pinheiro, también continua con la línea del marketing móvil, analizando el papel de las comunidades interactivas y cómo éstas se ven renovadas con nuevas formas de interacción entre empresas y consumidores, renovando la relación comercial entre ellos. El capitulo 5 también trata de los nuevos recursos de la publicidad a través de dispositivos móviles, y la Doctora Irene García profundiza en los nuevos canales de comunicación que se abren para las comunicaciones comerciales de las empresas y

colaborativos que los dispositivos móviles permiten realizar con otras personas y la disolución de las fronteras entre individuos con una finalidad común, que la ubicuidad de los dispositivos móviles fomenta y desarrolla. Este capítulo se relaciona con el sexto,

en el que la narración transmediática se desarrolla mediante multiplataformas de las que los dispositivos móviles son el soporte y medio más usados. Una de las principales novedades del desarrollo de las tecnologías de última

aplicaciones, el análisis de las necesidades de los potenciales usuarios, la determinación clara de los objetivos perseguidos y la preparación de otros soportes comunicativos que apoyen la comercialización de la aplicación. La Doctora Patricia M. Farias profundiza en el octavo capítulo sobre el nuevo universo digital desde la perspectiva del manifiesto Groundswell, que despliega con las características de los dispositivos móviles unas premisas que siguen de total actualidad después de más de 13 años de su publicación de la web social o 2.0. La ruptura del modelo tradicional de comunicación con un nuevo receptor activo modifica las reglas de la relación, tal y como se profundiza en este artículo. Las tecnologías de la información y comunicación han generado una brecha tecnológica entre parte de la población y un estudio realizado por el GRID (Grupo de Investigación en Interacciones Digitales) permite a la Doctora Eulalia Massana mostrar

D avid Roman Coy

la Doctora Zahaira F. González, que analiza los tres criterios básicos del desarrollo de

generación con los smartphones y las tabletas, las aplicaciones, se tratan en el artículo de

Movilidad D igital

el documental como un nuevo modelo de no ficción interactiva a través de los móviles,

de la

del Doctorando Arnau Gifreu, en el que se desarrolla la caracterización del reportaje y

O portunudades

La Doctoranda Patricia Fonseca desarrolla en el cuarto capítulo los procesos

y

cómo la utilización coordinada de ellos consigue propuestas comerciales efectivas.

Resenha / Recensión - M-Todos , Tendencias

los consumidores pueden mejorar en la satisfacción de sus necesidades con el uso

176


el alcance de estos cambios en la sociedad catalana, analizando las afirmaciones recogidas en este estudio en el capítulo 9. Miriam Molina recoge la evolución éstos y su acogida social, analizando su rápida penetración, los nuevos neologismos asociados a su introducción y las nuevas formas de comunicación social y profesional que se han incorporado con la utilización de estos

que el Doctor Héctor Navarro desarrolla en el capítulo 11 la evolución de los interfaces de lectoescritura hasta llegar a las tabletas, permitiendo comprender cómo se ha llegado a esta evolución y el reto que supone la perspectiva “centrista” de este nuevo terminal móvil tanto para las empresas como para la comunicación social. Como las tecnologías móviles se pueden utilizar para múltiples funciones, es interesante el análisis que la doctora Angélica Reyes realiza en el capítulo 12 sobre las comunicaciones móviles en los edificios inteligentes, desde la perspectiva de autogestión, confort, seguridad y ahorro de energía, profundizando en las nuevas interacciones que estos edificios pueden tener con los dispositivos móviles de los usuarios. En el último capítulo, responsabilidad del Doctorando Tarcisio Torres, se desarrolla el papel del trabajo inmaterial en movilidad, tareas que desarrollan cada vez un número mayor de personas, que agrandan el potencial del teletrabajo en cualquier momento y situación, permitiendo una dualidad interesante entre sacar el máximo provecho de estos dispositivos a nivel laboral con las nuevas fórmulas de resistencia que los usuarios pueden desarrollar frente a esta nueva realidad. En definitiva, como se puede observar, M-Todos es una publicación muy interesante que permite conocer y comprender como los nuevos dispositivos móviles están cambiando la forma en la que nos comunicamos, relacionamos y aprendemos, abriendo numerosas posibilidades y retos tanto a las empresas como a la sociedad en general, imprescindibles de comprender y analizar por todos los interesados en este campo. Referencia Bibliográfica VARIOS, Autores. M-Todos, tendencias y oportunidades de la movilidad digital. Disponible en: http://mon.uvic.cat/grid/files/2012/03/Mtodos_Te ndenciasyOportunidadesMobilidad.pdf . Acceso el 11 abril 2012.

3 - n. 1

Las tabletas son el recién llegado a este ecosistema con unas potencialidades

ano

aparatos.

Revista GEMI n IS |

En el capítulo 10 los dispositivos móviles cogen protagonismo y la Doctoranda

177


A Internet

como uma forma alternativa de distribuição

Uma

entrevista com a realizadora

portuguesa

Cláudia Tomaz

por Ana Catarina Pereira Jornalista, mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca. Doutoranda em Ciências da Comunicação pela Universidade da Beira Interior e bolseira de investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia.

Revista GEMI n IS

ano

3 - n . 1 | p. 178 - 186


Introdução

C

láudia Tomaz é uma das mais interessantes representantes de uma nova geração de realizadores portugueses. Cansada de uma certa invisibilidade a que o cinema português permanece votado, decidiu contornar as tradicionais for-

mas de distribuição, criando plataformas online de produção e exibição dos seus filmes. Os espectadores estão a agradecer! O curriculum e percurso de vida da realizadora falam por si. Após ter termi-

nado a licenciatura em Ciências da Comunicação, pela Universidade Nova de Lisboa, Cláudia Tomaz teve oportunidade de trabalhar com algumas das melhores referências cinematográficas nacionais, como Paulo Rocha, Pedro Costa e José Álvaro Morais. Realizou várias curtas, documentários e duas longas-metragens - Noites (prémio de melhor filme na semana da crítcia no Festival de Veneza, em 2000) e Nós (prémio Bocallino no Locarno Film Festival, em 2003, na Suíça). Com 37 anos de idade, reside actualmente em Londres e não considera, de todo, a hipótese de voltar a Portugal. Tendo uma vasta experiência em várias áreas do cinema (como realizadora, camerawoman, editora, guionista, assistente de realização e de produção) Cláudia Tomaz começou a trabalhar em digital a partir de 2004. Desde então, tem vindo a explorar métodos de realização com baixos orçamentos, com o objectivo, segundo afirma, de criar uma “arte holística, orgânica e do quotidiano”. A realizadora explora assim os limites e potencia um encontro entre um cinema documental, os diversos géneros narrativos e as artes. Para explorar essas áreas, fundou, em 2006, a HOLON film LAB, que funciona como uma plataforma para produzir os seus próprios filmes. A funcionar paralelamente, o projecto Micro Films Web TV consiste, por sua vez, num espaço para mostrar filmes em formato micro. Com uma actualização semanal, foi neste site que Cláudia Tomaz lançou recentemente o seu novo projecto – London Ground – uma série de filmes experimentais sobre arte e música underground em Londres.


GEMInIS: Os filmes Nós e Noites, que realizaste em Portugal, e o Travelogue, que filmaste em Marrocos, situam-se entre a ficção e o documentário, sendo difíceis de

Cláudia Tomaz: Eu considero enriquecedor trabalhar nessa linha indistinta entre vida e narrativa. Os meus filmes são “sem-género”, porque procuro sempre fazer coisas novas e ir além dos limites. Para mim, fazer filmes é um processo subjectivo: estou mais interessada em narrativas visuais, viagens perceptivas, encontros com pessoas e lugares. No meio de tudo isto contam-se histórias, por vezes de modo

me interessam muito os processos e métodos de criação, a improvisação, os encontros, e a exploração de técnicas inovadoras. Neste momento, ando à procura de um cinema sustentável e quotidiano. Acho que as tecnologias digitais e a distribuição online podem tornar isso possível. GEMInIS: Os filmes de Pedro Costa também se situam nesse “limbo” entre a ficção e o documentário. Trabalhar com ele foi uma inspiração? Cláudia Tomaz: Trabalhei com o Pedro Costa no filme No Quarto da Vanda1 (1) durante oito meses, todos os dias, no bairro das Fontainhas, com uma câmara digital. O Pedro estava a trabalhar com uma equipa, pelo que o processo foi muito orgânico. Isso foi importante, especialmente pelo lado humano de aprender a paciência e usar o cinema como expressão do quotidiano. GEMInIS: Que outros realizadores constituem as tuas principais referências? Cláudia Tomaz: Hoje em dia, eu diria que a Agnès Varda é a minha realizadora preferida, especialmente nos seus dois últimos filmes: The Gleaners and I e The Beaches of Agnes (2008). Outro dos meus favoritos é Derek Jarman. Ultimamente também me tenho interessado por “live cinema”: os Light Surgeons são, para mim, o colectivo mais interessante nesta área, pela inovação com que criam filmes como se fossem performances ao vivo. Estou sempre à procura de um

1 No quarto de Vanda (2000) é o Segundo filme da triologia de Pedro Costa filmada no bairro das Fontainhas, no qual o realizador mostra as vidas e o cansaço dos habitantes deste gueto de Lisboa. As fronteiras entre a ficção e o documentário são muito ténues, uma vez que o filme é um olhar fragmentado sobre um grupo de pessoas autodestrutivas e marginalizadas, centrado na toxicodependente Vanda Duarte.

A na Catarina Pereira

abertos, deixando espaços por preencher para quem os vê e embarca neles. Também

intuitivo, por oposição à narrativa dita “tradicional”. Por essa razão, os meus filmes são

Entrevista - Cláudia Tomaz

definir. Por que razão optaste por este género cinematográfico?

180


cinema independente e artístico, de documentários criativos, filmes pessoais e filmes ensaísticos, de todos os géneros. Basicamente, interesso-me por filmes e realizadores por um cinema subjectivo. GEMInIS: Nos anos 70, Laura Mulvey foi uma das primeiras autoras a dizer que o

consideras que existe um “cinema feminino”, que corresponderia a um cinema realizado por e para mulheres? Cláudia Tomaz: Sim, penso que podemos dizer isso. Para mim, trata-se mais de uma certa sensibilidade na forma como olhamos para as coisas – à volta e para dentro de. A indústria cinematográfica é muito dominada pelos homens porque se trata de um negócio dirigido pelo poder. No meu caso, isso não se aplica. Para mim, fazer filmes é um processo de descoberta baseado nas relações. Eu tento criar filmes a partir do que observo e experiencio; às vezes nem sequer existe uma história para me guiar, mas antes uma abertura que me conduz… Mais tarde acabo por chamar os meus filmes de “micro filmes” e esse é um conceito mais aberto. Não é apenas por eles serem curtos, mas porque são experimentais, holísticos, realizados com baixos orçamentos, acessíveis, plenos de significado, pessoais e quotidianos. Para além disso, também acredito que a tecnologia digital tem sido a ferramenta chave do cinema contemporâneo, permitindo novas visões alternativas que podem ser mais compatíveis com uma estética feminina. Desde que o equipamento e os meios se tornaram mais acessíveis, leves e pequenos, a relação com as pessoas que filmamos é mais directa. Talvez esta estética feminina se dirija a uma forma poética de cinema e da vida em si mesma. Eu vejo isso nos filmes da Agnès Varda, por exemplo. GEMInIS: Conseguirias voltar a trabalhar em cinema em Portugal? Cláudia Tomaz: De momento, não. Eu estou sempre à procura de coisas novas, porque o que me rodeia influencia o meu trabalho. Viajar, conhecer novas pessoas e lugares no mundo inteiro é uma grande fonte de inspiração. Eu percebi isso quando comecei a ir a festivais de cinema internacionais e a conhecer realizadores com experiências tão distintas. Foi nessa altura que comecei a viajar mais: cheguei à conclusão que era mais feliz assim, em movimento. Em 2004 fui seleccionada para um curso de guionismo que se realizava em

3 - n. 1

por homens, dominado por homens e visto pelo olhar dos homens. Actualmente,

ano

cinema constituía um sistema patriarcal dirigido ao espectador masculino: realizado

Revista GEMI n IS |

que colocam a sua visão pessoal nos seus filmes e nos processos criativos. Interesso-me

181


três cidades diferentes (Turim, em Itália; Sodankylä, na Finlândia; e Lyon, em França), com alunos oriundos de 16 países europeus. Depois, em 2006, consegui uma bolsa para também este período para estudar “Media Arts” como aluna-assistente na Temple University, em Philadelphia. Mais tarde, quando regressei a Portugal, tudo me parecia tão pequeno, contraído, triste… Senti que os artistas e os filmes não eram levados a sério; consequentemente, havia (e há) uma falta de profissionalismo e de respeito pelo nosso trabalho. Foi então que decidi mudar-me para Londres, onde continuo a viver actualmente.

Entrevista - Cláudia Tomaz

uma residência artística nos Estados Unidos, com a duração de um ano – aproveitei

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Londres? Cláudia Tomaz: Vim para Londres em 2007. Comecei por trabalhar como montadora freelancer. Depois, dei aulas de cinema para crianças. Actualmente, continuo a realizar e a montar alguns filmes relacionados com arquitectura sustentável para um site na internet, e faço outros trabalhos semelhantes, quando aparecem. Paralelamente, comecei a trabalhar nos meus filmes, pois há algum tempo que procurava novas formas de produzir e mostrar o meu trabalho. Nos últimos anos tenho trabalhado sozinha, em digital e com orçamentos reduzidos. Desde que estou em Londres já fiz vários filmes: Travelogue, The time travellers meet, The light surgeons, Timeless Land, One Love, o video-clip Feel me e agora a série de filmes LONDON GROUND. Londres é uma cidade inspiradora, de mentalidade aberta, ponto de cruzamento de culturas e influências diversas. Acima de tudo, adoro as pessoas que encontro aqui e, com os artistas que vou conhecendo, começamos a formar uma espécie de comunidade que se está a desenvolver dentro deste projecto. GEMInIS: Como surgiu a ideia de criares uma Web TV? Cláudia Tomaz: Há muito tempo que procurava uma forma de tornar os meus filmes acessíveis a toda a gente e de criar o meu próprio canal de distribuição, sem depender de produtores ou distribuidores. Para além disso, estava interessada em formas alternativas de obter financiamento através de plataformas online. Com a minha MICRO FILMS web tv consegui juntar as duas coisas. Para além disso, esta tem sido uma forma de eu própria ver todos os filmes que realizei nos últimos quinze anos, com um olhar renovado, fazendo remixes, ou mostrando cenas ou excertos dos meus filmes mais longos, usando os filmes como um

A na Catarina Pereira

GEMInIS: Foi essa falta de consideração pelos artistas que te fez ir trabalhar para


Dj usa samples no seu trabalho. O formato micro parece-me também o mais adequado para a internet: por um lado, pela qualidade; por outro, sendo a atenção na Internet online. Eu comecei a web tv em Novembro 2009. Em Dezembro, a FilmAnnex fez-me uma entrevista e promoveu a minha web tv na sua home page, facebook e twitter. Em um mês tive mais de um milhão de pessoas a verem os meus filmes. Em termos de

Em LONDON GROUND quero que o processo de fazer/filmar/montar/ promover e distribuir seja um só. Assim que termino a montagem de um filme, ele fica disponível na web tv. Portanto, ao verem os meus filmes e ao votarem nos seus favoritos, os espectadores estão a contribuir para o financiamento do novo projecto, embora seja inteiramente grátis aceder aos meus filmes, 24 horas por dia, em qualquer lugar do mundo. GEMInIS: Em que consiste o projecto London Ground? Cláudia Tomaz: London Ground é uma série de filmes experimentais em formato curto (3 a 10 minutos) sobre a cena artística underground em Londres, em 2010. Os filmes são feitos por mim, em colaboração com artistas de diferentes backgrounds – filme, performance, arte, activismo, guerrilha, gardening, música... Os filmes são sobre o trabalho destes artistas, embora sejam o resultado de encontros criativos comigo. Para a primeira série, tenho previstos 16 filmes. Assim que um filme fica pronto, é uploaded na web tv para ser visto. Idealmente, haverá um filme novo semanalmente. No final da primeira série (penso continuar...) vai ser editado um DVD com todos os filmes e extras. Durante o período da série estou também a planear mostras especiais dos filmes realizados e eventos que ponham os artistas juntos para apresentar trabalho original ao vivo, criando uma relação directa com o público; isto também porque acho importante o encontro na “vida real” – já que grande parte do projecto se passa online. GEMInIS: Como é financiado? Cláudia Tomaz: O financiamento do LONDON GROUND é uma experiência inteiramente nova, tanto para mim como a nível global. No meu caso, é a tentativa de financiar uma série de filmes curtos / low-budget, usando apenas dinheiro gerado através da internet. A MICRO FILMS web tv é uma das formas de financiamento. Como já expliquei,

3 - n. 1

esse dinheiro é usado para o novo projecto.

ano

financiamento, recebo cinquenta por cento da publicidade que aparece na página, e

Revista GEMI n IS |

fragmentada, penso que um formato curto resulta melhor. Neste momento há 15 filmes

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as pessoas, ao assistirem aos filmes gratuitamente e votarem estão a contribuir para a realização do LONDON GROUND. Por vezes, também há concursos na web tv pessoas para votar nos filmes da web tv diariamente; o mês passado ‘feel me’ ficou em segundo lugar, mas só o primeiro tem prémio... A outra forma de financiamento pede Acção! Fiz o lançamento do projecto no IndieGoGo http://www.indiegogo.com/LONDON-GROUND que é uma plataforma que facilita o financiamento dos filmes através de doações (com direito a agradecimento nos créditos, ou um DVD... dependendo do valor), qualquer pessoa pode fazer uma

mostrando o work-in-progress do projecto. O processo é transparente e simples, é o conceito D.I.W.O (do-it-with-others) que move IndieGoGo e tem como função criar uma alternativa viável e sustentável para realizar filmes num contacto directo com as pessoas que os querem ver. Por exemplo: se 500 pessoas derem 10 dólares, o que não custa muito a ninguém, os filmes podem fazer-se. Depois, os filmes são distribuídos na web tv e podem ser vistos no mundo inteiro gratuitamente. Até agora, o dinheiro obtido não é ainda suficiente e é ainda difícil de prever como estas estratégias vão evoluir ou resultar. A divulgação torna-se essencial neste processo e, se me é permitido aqui, apelo à Acção! GEMInIS: Para além do DVD, não pretendes que estes filmes sejam exibidos também em salas de cinema? Cláudia Tomaz: Por enquanto, o plano é exibir os filmes no circuito “underground” de Londres. A exibição será uma parte dos eventos e das festas LONDON GROUND, em que os artistas envolvidos se reúnem para apresentar o seu trabalho ao vivo. A ideia do LONDON GROUND é fazer filmes, mas também criar laços entre os artistas, desenvolvendo uma rede de pessoas que se podem encontrar tanto online como na vida real. Na verdade, o projecto nasceu da minha curiosidade e admiração pelo trabalho de outros artistas em Londres. Alguns dos artistas e colectivos que convidei para colaborarem no LONDON GROUND são amigos que conheci em eventos e espectáculos nos arredores de Londres ou mesmo através da Internet, nas minhas pesquisas. Os artistas que escolho não são mainstream, mas pessoas com sonhos e os pés bem assentes na terra, pessoas com ideias e práticas invulgares e originais. Eles utilizam as ferramentas e os meios de comunicação disponíveis nos dias que correm e usam a sua arte para comunicar ideias, contactar com pessoas e produzir

A na Catarina Pereira

do projecto, um pitch video, fotos, sendo que eu vou mantendo o site actualizado e

contribuição online e assim ajudar a financiar os filmes. Nesse site encontra-se a descrição

Entrevista - Cláudia Tomaz

(anunciados na página LONDON GROUND Group no facebook), em que peço às

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mudanças no mundo. Esse é o meu interesse como pessoa e como realizadora. Este projecto é também uma forma, para mim, de encontrar o meu GROUND em Londres, ligações entre o que acontece e o que me rodeia. Mas actualmente também temos que estar conscientes da invisibilidade – da Internet, do silêncio das mensagens textuais, da experiência avassaladora de estar ligado 24 horas por dia através da tecnologia.

criações conjuntas. GEMInIS: Trabalha mais alguém contigo nesta Web TV? Cláudia Tomaz: Basicamente, eu faço tudo. Produzo, filmo, monto, faço sound design, update dos websites (o meu website, a web tv, indiegogo, facebook, twitter, holon film LAB blog...), contactos, design, promoção, flyers... de qualquer forma há uma rede de artistas envolvidos e colaboramos, ajudando-nos uns aos outros. GEMInIS: É um trabalho solitário? Cláudia Tomaz: Bem, o contacto com outros artistas e com as audiências é mais directo do que nunca: existem e-mails, Facebook, chats, e também já é comum que as pessoas passem horas a criar nos seus computadores, sozinhos em casa, enquanto estão conectados com o mundo. Eu gosto particularmente de poder criar tantas coisas diferentes; isso é parte do meu método, e eu gosto que assim seja. E, como eu disse, há uma rede de artistas que colaboram comigo de diferentes formas e a vários níveis. Apesar disso, sim, por vezes é um trabalho solitário. GEMInIS: Já pensaste em adaptar este processo criativo a produções com um orçamento maior ou a meios de comunicação mais tradicionais, como a televisão ou o cinema? Cláudia Tomaz: Na verdade eu fiz isso desde 1995. Foi dessa forma que comecei a trabalhar em vídeo, fazendo tudo sozinha. Em alguns filmes nós éramos uma equipa de dois a quatro elementos, sendo que trabalhei sempre com orçamentos muito diversificados. Na minha primeira longa-metragem, Noites (2000), éramos dez pessoas. Este novo projecto, a minha web TV, é uma experiência mais radical porque eu também utilizo as novas ferramentas que a Internet disponibiliza, mas é uma experiência.

3 - n. 1

à simplicidade de partilhar ideias, práticas e descobertas, através de encontros e de

ano

Este projecto é também uma reacção e um movimento em direcção à visibilidade e

Revista GEMI n IS |

uma cidade que continua a ser nova para mim… Como estrangeira (e realizadora) vejo

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Ainda não sei se mostrar os meus filmes gratuitamente se poderá tornar um método sustentável, uma vez que nunca fiz isto antes. Mas, se funcionar, é um sonho tornado ou distribuidores. Estou muito feliz com a liberdade que estes métodos proporcionam. Para mim, esta não é apenas uma questão estética. Esta forma de fazer filmes é uma ética, em si mesma. Eu quero fazer filmes todos os dias. É esse o meu trabalho e a minha forma de interagir com as pessoas. Eu gosto de trabalhar com limites, com orçamentos baixos, com equipamentos muito leves que eu possa transportar às costas e levar na minha bicicleta até ao local das filmagens. A Internet mostrou-me novos

tradicional, onde se passa a maior parte do tempo à espera de dinheiro ou a lutar com constrangimentos que nada têm a ver com a arte de filmar. Mas acho que tudo está a mudar, graças à Internet. A utilização de plataformas online e a comunicação directa com a audiência são agora consideradas modelos de negócio. E eles estão a alterar a indústria cinematográfica!

Links LONDON GROUND info | contributions http://www.indiegogo.com/LONDONGROUND MICRO FILMS Web TV http://microfilmswebtv.com Website de Cláudia Tomaz www.claudiatomaz.com Página do Facebook LONDON GROUND http://www.facebook.com/group.php?v=wall&ref=mf&gid=358578052673 HOLON Film LAB blog http://holonfilmlab.blogspot.com

A na Catarina Pereira

seis semanas a cada três ou cinco anos, como acontece na indústria cinematográfica

territórios, que me permitiram criar diariamente, em vez de filmar durante quatro a

Entrevista - Cláudia Tomaz

realidade – o de ser completamente independente, sem ter que trabalhar com produtores

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Travelogue: viagem sensitiva pelo road - movie de Cláudia Tomaz A na Catarina Pereira Jornalista, mestre em Direitos Humanos pela Universidade de Salamanca. Doutoranda em Ciências da Comunicação pela Universidade da Beira Interior e bolseira de investigação da Fundação para a Ciência e Tecnologia. E-mail: anacatarinapereira4@gmail.com

Revista GEMI n IS

ano

3 - n . 1 | p. 187 - 194


Resumo O presente artigo consiste numa breve análise do documentário Travelogue (2008), da realizadora portuguesa Cláudia Tomaz. Tratando-se de um road-movie, procuraremos identificar as principais características do género e relacioná-las com o filme em questão. Apresentaremos ainda a plataforma online criada pela própria realizadora – Holon Film Lab - como forma alternativa de distribuição dos seus filmes. Em complemento, acrescentamos a entrevista de Cláudia Tomaz, concedida por e-mail e já anteriormente publicada na revista Doc On-Line (número 11, Dezembro de 2012). Palavras-Chave: micro-filme; road movie; documentário; distribuição; alternativa.

Abstract This paper consists on a brief analysis of the documentary Travelogue (2008), of the Portuguese director, Cláudia Tomaz. Since this is a road movie, we’ll try to identify the main characteristics of the gender and relate them to the film in question. Besides, we present the online platform created by the female director - Holon Film Lab - as an alternative distribution form to her films. In addition, we present an interview with Claudia Tomaz, provided by e-mail and previously published in Doc On-Line (number 11, December 2012). Keywords: micro-film; road movie; documentary; distribution; alternative.


“Travelogue is a road movie, a visual notebook.”

É

desta forma que Cláudia Tomaz descreve o seu terceiro documentário experimental, filmado em super-8. A narrativa, iniciada em Portugal e com uma breve passagem por Espanha, centra-se na chegada de dois viajantes invisíveis a Mar-

rocos, bem como no exotismo de uma cultura separada da Península Ibérica pelo Mar Mediterrâneo. Percorridos vários quilómetros de estradas asfaltadas, com planos abertos de ventoinhas captadoras de energia eólica e outros francos sinais de um progresso europeu, não chegamos nunca a conhecer a identidade daqueles que nos transportam. Somos, no entanto, acompanhados pela banda sonora, resultado da aparente fusão de oração muçulmana com um chill-out planetário, mais relaxante do que propriamente mística. Poderia, ainda assim, ser difundida pelo rádio do veículo, antecipando a passagem da fronteira e a vivência de uma experiência multicultural captada pelo olhar de Cláudia Tomaz, em cooperação com Kevin Walsh, com quem forma a dupla Time Travellers. A etapa inicial da viagem (Portugal e Espanha) termina com um pôr-do-sol e

um flash de cores quentes, reflexo de uma luminosidade em tons laranja e vermelho, como um recurso técnico que procura reproduzir um efeito similar ao da natureza e que marca a mudança de capítulo. Chegados a Marrocos, as primeiras imagens a que assistimos são as de um muçulmano que faz as suas orações voltado para Meca, entre duas carrinhas de transporte, numa estrada movimentada. O dia-a-dia citadino prossegue, com transeuntes que atravessam a estrada fora de passadeiras. Embarcados neste road movie, visualizamos mercados medievais e novas estradas, animais nas pastagens ou em plena circulação e transporte de pessoas. Grandes planos de rostos de anciãos (a preto e branco) contrastam ainda com planos gerais de montanhas, o que nos permite afirmar que as escolhas de Cláudia Tomaz, relativas às tonalidades dominantes, denunciam propósitos. Se, por um lado, a realizadora optou por um flash de luz para sinalizar o fim da primeira etapa da viagem e a mudança de continente, por outro, escolheu o preto e branco para mostrar elementos significati-


vos de uma cultura antiga. São estes os rostos que narram o passar do tempo, como, paradoxalmente, são estas as montanhas que testemunham a imutabilidade de certos uma reflexão sobre a importância da imagem (e das aparências) num mundo mediático e contemporâneo. Quase no final, as últimas cenas permitem-nos reter ainda alguns bairros labirínticos, mulheres de véu e crianças felizes com a atenção da câmara. Casas com poucas ços - paisagens naturais que se misturam com cenários urbanos onde os progressos tecnológicos começam a penetrar. E ao décimo minuto, o misticismo da música de fundo é interrompido por um ritmo hip-hop árabe. Numa barbearia em Fez, um grupo de jovens improvisa movimentos e passos de dança internacionalizados por uma cultura norte-americana de exportação massiva, evidenciando os contrastes de um país geograficamente próximo do velho continente, mas intrinsecamente enraizado em África. De um barco no cais, avistamos, ao longe, a cidade que se vai afastando e percebemos que o filme não teria o mesmo valor simbólico e artístico se Cláudia Tomaz tivesse optado a documentários e anúncios de promoção turística. Para além de um enaltecimento do olhar, a realizadora lança um convite à interiorização de sensações iconográficas.

Beatriz Sarlo considera: “A narração da experiência está unida ao corpo e à voz, a uma presença real do sujeito na cena do passado.”1 Para a autora, não pode existir testemunho sem experiência, sendo que esta se encontra também dependente da narração: “a linguagem liberta o aspecto mudo da experiência, redime-a de seu imediatismo ou de seu esquecimento e transforma-a no seu comunicável, isto é, no comum.”2 A narração inscreve, deste modo, a experiência numa temporalidade que se actualiza a cada repetição e “que não é a de seu acontecer (ameaçado desde seu próprio começo pela passagem do tempo e pelo irrepetível), mas da sua lembrança.”3 Apostando numa tentativa de empatia e de sintonização, Cláudia Tomaz compartilha a memória e experiência narrativas, deixando no espectador a sensação de que esta também pertence ao seu universo imagético. Travelogue enaltece o voyeurismo egocêntrico de cada um que, individualmente, passeia pelas ruas de Marrocos, convivendo com uma cultura distinta e enriquecedora. Talvez por isso, a sua visualização não seja 1 Sarlo, Beatriz (2005). Tempo Passado. São Paulo: Companhia das Letras, p. 24. 2 Idem, p. 25. 3 Idem.

A na Catarina Pereira

viagem, pelo que Travelogue reúne experiência, testemunho e memória. Sobre este tema,

A narrativa conhece assim uma sequência linear, com princípio, meio e fim de

Cláudia Tomaz

pelo uso de outro tipo de câmara de filmar e captasse imagens mais estáticas, comuns

viagem sensitiva pelo road - movie de

condições de habitabilidade, valorizadas por antenas parabólicas colocadas nos terra-

Resenha - Travelogue:

cenários naturais. As opções estéticas efectuadas em Travelogue propiciam, deste modo,

190


totalmente desperdiçada numa plataforma online. Não pretendendo, de forma alguma, diminuir o misticismo da ida à sala de cinema, mais escura e reflexiva, considero que atenção do espectador, no ecrã de um computador pessoal. O facto de se encontrar à distância de um clique reforça ainda a estrutura de arquivo, essencial à constituição da memória.

netária, mas intimamente conotado com o american dream, estão cinematograficamente associados os sonhos, tensões e contradições de uma cultura específica. Para Steven Cohan e Ina Rae Hark, editores da obra The road movie book, a característica mais significativa do género é precisamente o fornecimento de um espaço de reflexão sobre o momento histórico em que é filmado. Realizando uma cronologia dos três momentos que consideram chave na produção de road movies4, os autores constatam que os anos 40 foram a época de ouro de alguns film noir produzidos no pós-guerra, de que são exemplos Detour (Edgar Ulmer, 1945) e They live by night (Nicholas Ray, 1949). Nos anos 60, constatam que o anti-comunismo de Eisenhower e a envolvência na Guerra do Vietname se reflectem em filmes como Bonnie and Clyde (Arthur Penn, 1967) e Easy Rider (Dennis Hopper, 1969). Na década de 90, na era Reagan e na renovada oposição ao comunismo, produzem-se filmes como My own private Idaho (Gus Van Sant, 1991), Thelma and Louise (Ridley Scott, 1991) e Natural born killers (Oliver Stone, 1994). Aproximando-se mais de uma estrutura documental, reconhecemos, no entanto, uma intertextualidade simbólica e uma profundidade contemplativa comum aos filmes mencionados e a Travelogue, o que transforma os espectadores em personagens desta narrativa conceptual. Tendo os primeiros sido produzidos, como Cohan e Hark relembram, em contextos políticos específicos, também Travelogue revela uma certa tensão que associamos à própria personalidade da realizadora. Sendo Cláudia Tomaz uma cineasta de nacionalidade portuguesa, há muito que se considera uma cidadã do mundo, com uma permanente necessidade de contacto com pessoas e realidades distintas. Segundo nos revela, em entrevista que publicamos seguidamente, terá sido esta ansiedade que a levou a sair de Portugal: primeiro para os Estados Unidos, após ter terminado a licenciatura em Ciências da Comunicação; e depois para Londres, onde reside actualmente. O período entre as duas fases é descrito pela própria da seguinte forma: Quando regressei a Portugal, tudo parecia pequeno, contido, triste, e eu senti que o cinema e os artistas não eram levados a sério. Conse4 Cohan, Steven et al (1997). The road movie book. London: Routledge.

3 - n. 1

é a sua caracterização como road movie. A este género cinematográfico de extensão pla-

ano

Outro aspecto importante em Travelogue, e que já mencionámos anteriormente,

Revista GEMI n IS |

alguns micro-filmes, como Travelogue, podem ser vistos, sem prejuízo da dispersão da

191


Não aprofundando o percurso profissional de Cláudia Tomaz, considero, no entanto, que este se reflecte nas escolhas narrativas e estéticas de Travelogue, sendo assim relevante mencionar alguns dos seus aspectos principais. Da filmografia da cineasta destacam-se as longas-metragens de ficção Noites (premiada no Festival de Vee niilista sobre as condições de vida dos menos privilegiados. Coincidentemente, são também dois filmes difíceis de situar, num limbo entre a ficção e o documentário, que manifestam a influência de realizadores como Pedro Costa (com quem trabalhou como assistente de realização em O quarta da Vanda - 2000) e Agnès Varda. A opção por este género cinematográfico algo híbrido relaciona-se, segundo a própria, com o seu interesse pessoal em trabalhar numa linha indistinta entre vida e narrativa:

Cláudia Tomaz

Os meus filmes são ‘sem-género’, porque procuro sempre coisas novas e ir além dos limites. Para mim, fazer filmes é um processo subjectivo: estou mais interessada em narrativas visuais, viagens perceptivas, encontros com pessoas e lugares. No meio de tudo isto contam-se histórias, por vezes de modo intuitivo, por oposição à narrativa dita ‘tradicional’. Por essa razão, os meus filmes são abertos, deixando espaços por preencher para quem os vê e embarca neles.

viagem sensitiva pelo road - movie de

neza, em 2000) e Nós (premiada em Locarno), reflectindo ambas um olhar desesperado

192 Resenha - Travelogue:

quentemente, existe uma falta de profissionalismo e respeito por quem está no meio. Então decidi mudar-me para Londres, onde fiquei a morar até hoje.

séria defensora da colocação das novas tecnologias ao serviço da sétima arte. Desde 2006, ano em que fundou a Holon Film Lab, que se dedica à realização de vídeos para Internet, na tentativa de explorar novas formas de criação cinematográfica com baixos recursos financeiros. Desta “produtora online”, chamemos-lhe assim, surgiu o site Micro Films Web TV, um espaço para mostrar os seus filmes em formato micro, actualizado semanalmente, e onde Travelogue pode ser gratuita e legalmente visualizado. Acerca desta forma alternativa que encontrou para distribuir e exibir os seus filmes, a realizadora afirma: “Interessam-me muito os processos e métodos de criação, a improvisação, os encontros, e a exploração de técnicas inovadoras. Neste momento, ando à procura de um cinema sustentável e quotidiano. Acho que as tecnologias digitais e a distribuição online podem tornar isso possível.” Para que a plataforma se torne sustentável, Cláudia Tomaz aderiu ao conceito D.I.W.O (do-it-with-others) que, segundo explica, tem como função criar uma alternativa viável para realizar filmes, recorrendo a um contacto directo com os espectadores que os pretendem visualizar. Recorrendo à angariação de fundos, sublinha que, a cada 500 espectadores que doarem, por exemplo, 10 dólares, consegue

A na Catarina Pereira

Actualmente com 39 anos, Cláudia Tomaz é, como realizadora de cinema, uma


reunir uma soma suficiente para realizar um novo filme. Numa fase posterior, os filmes são distribuídos na web tv e podem ser vistos, gratuitamente, no mundo inteiro. das batalhas das estudiosas feministas do cinema, pela dificuldade que algumas mulheres encontram não apenas para realizar, mas também para exibirem os seus filmes, será interessante analisar o trabalho de Cláudia Tomaz deste ponto de vista. Nos anos

apontaria diversas estratégias no sentido de inverter ou contornar a lógica comercial das produtoras6, como a criação de produtoras independentes dedicadas ao cinema de autor, a versão digital de filmes ou a produção assumida pelas próprias realizadoras noutros tipos de suporte, como o online – estratégias que, como vimos, Cláudia Tomás assumiu e concretizou. Para além disso, também Kuhn defende a aposta em circuitos alternativos de distribuição, que passem por sessões em cineclubes e associações feministas, encontros do público com as realizadoras ou mesmo a programação de festivais de cinema temáticos, que absorvam a divulgação da estética feminina que tem vindo a implantar-se ao longo das últimas décadas, e da qual Cláudia Tomaz, segundo afirma, se orgulha de fazer parte: Essa estética feminina, para mim, define-se por uma certa sensibilidade na forma como olhamos para as coisas – à sua volta e dentro delas. A indústria cinematográfica é muito dominada por homens, por ser um negócio regulado pelo poder. No meu caso, isso não se aplica. Para mim, fazer filmes é um processo de descoberta baseado em relações. Eu tento criar filmes a partir daquilo que observo e experiencio; por vezes nem sequer há uma história para nos guiar. (…) Para além disso, também acredito que a tecnologia digital tem sido a ferramenta-chave, permitindo criar novas visões alternativas que possam ser mais compatíveis com uma estética feminina. Desde que o equipamento e os meios se tornaram mais acessíveis, leves e pequenos, a relação com as pessoas que filmamos é mais directa. Talvez esta estética feminina vá de encontro a uma forma poética de cinema e de vivência em si.

Um objectivo, diríamos nós, facilmente reconhecível na obra desta cineasta que filma retratos íntimos dos espaços e das relações que a perturbam ou comovem. Um olhar novo sobre sentimentos e emoções, simultaneamente duro e sensível, verdadeiro e trágico, negro e brilhante. Intrinsecamente independente, Cláudia Tomaz expõe-se a si própria, mostrando a sua visão do que a rodeia.

5 Mulvey, Laura (1975) - Visual Pleasure and Narrative Cinema, Screen 16.3. 6 Kuhn, Annette (1982) - Women’s pictures – feminism and cinema. London: Verso.

3 - n. 1

patriarcal direccionado ao olhar voyeurista masculino5. Annette Kuhn, por sua vez,

ano

70, Laura Mulvey foi das primeiras autoras a considerar o cinema como um sistema

Revista GEMI n IS |

Por último, tendo a procura de formas de distribuição alternativas sido uma

193


Bibliografia

194

Cohan, Steven et al (1997). The road movie book. London: Routledge.

Resenha - Travelogue:

Kuhn, Annette (1982) - Women’s pictures – feminism and cinema. London: Verso. Mulvey, Laura (1975) - Visual Pleasure and Narrative Cinema, Screen 16.3. Sarlo, Beatriz (2005). Tempo Passado. São Paulo: Companhia das Letras.

viagem sensitiva pelo road - movie de

Cláudia Tomaz •

A na Catarina Pereira


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