A HISTÓRIA DE COMO A TRANSPARÊNCIA VIROU UMA FERRAMENTA PARA O GOVERNO GOVERNAR. POR DENIS RUSSO BURGIERMAN / FOTO NINA BERMAN/NOOR
Em 1929, a economia quebrou. Depois de anos de prosperidade,
comum, ainda mais agora, em que temos outra imensa crise de
a bolsa despencou cataclismicamente. Diante da sensação
confiança para vencer. Os autores metodicamente analisam 18
generalizada de que as ações jamais parariam de cair, todo mundo
experimentos de transparência programada para tentar entender
tirou seu dinheiro da reta, o que fez com que as ações caíssem mais
quando ela funciona e quando não funciona. Há gloriosos sucessos, como o caso dos restaurantes
ainda. Era uma crise de confiança – o dinheiro perdia valor, fazendo com que as pessoas deixassem de acreditar no valor dele, o que
de Los Angeles, que foram obrigados pela prefeitura a postar na
fazia com que ele perdesse ainda mais valor.
vitrine, em letras mastodônticas, a nota que receberam na inspeção da vigilância sanitária: A, B ou C. Restaurantes que tiraram nota A
A recuperação só começou em 1933. Franklin Roosevelt era presidente dos Estados Unidos e suas ideias sobre como reconstruir
acabaram tendo um aumento de 5,7% nas suas vendas, enquanto
a economia tinham sido influenciadas por um livro que ele havia lido
os que tiraram C viram uma redução de 1%. No geral, mais gente
anos antes – “O Dinheiro de Outras Pessoas e como os Banqueiros
comeu em restaurantes porque a confiança no sistema cresceu. Em
o Usam”, escrito por um juiz da Suprema Corte americana chamado
pouco tempo, os índices médios de higiene subiram 5,3% na cidade
Louis Brandeis. No trecho mais famoso do livro, Brandeis escreve que
toda porque os donos dos restaurantes perceberam que sairiam
“a luz do sol é tida como o melhor dos desinfetantes, e a luz elétrica
ganhando se melhorassem a limpeza. Há também fracassos retumbantes, como a tentativa
é o mais eficiente policial”. Roosevelt resolveu levar a metáfora a sério na hora de projetar a nova economia mundial. E criou o que
de transparência projetada do governo W. Bush, que criou uma
os autores do livro “Full Disclosure” chamam de “transparência
classificação do nível de ameaça terrorista (azul, verde, amarelo,
programada” – o novo jeito de um governo trabalhar.
laranja ou vermelho). As cores só serviram para aumentar a ansiedade nacional. Ninguém sabia exatamente como reagir aos
Até então, governos tinham só duas armas para regular a economia e defender o interesse público: estabelecendo regras (e
alertas, a diferença entre os níveis era nebulosa, ninguém entendia
punições para quem não as cumprisse) ou criando incentivos de
os critérios. Nesse caso, o governo deu ao povo informação da qual
mercado. É a tal história das duas cenouras, a frontal e a traseira.
ele não precisava e que não servia em nada para sua vida. Em linhas gerais, o livro conclui que políticas de transparência
A transparência programada não é nem um nem outro, embora tenha parentesco com ambas. Trata-se de obrigar empresas a
programada funcionam quando levam em conta o modo como as
divulgar informações que elas prefeririam deixar secretas. E deixar
pessoas consomem informação. Não adianta soltar dados no mundo
que o público decida o que fazer com as informações. No caso de
sem garantir que eles estejam contextualizados, fáceis de entender,
Roosevelt, a transparência programada serviu para sair da Grande
incorporados à rotina de decisão das pessoas – um dos motivos
Depressão, com leis que obrigavam empresas com ações na bolsa a
pelos quais a experiência dos restaurantes foi tão bem-sucedida
divulgar ao público informações que os executivos não contavam nem
é que as notas estavam coladas na vitrine, por onde todo mundo
para as mães deles, de maneira periódica, padronizada e simplificada.
passa antes de sentar à mesa. Para terminar, “Full Disclosure” tenta prever o futuro, quando
Deu certo. Num ambiente de mais transparência, a confiança foi restaurada. As ações subiram. Mesmo os empresários, que
mais e mais políticas de transparência programada deverão surgir.
antes preferiam que não houvesse transparência, acabaram sendo
Com as possibilidades da internet, políticas de transparência vão
favorecidos pelo novo ambiente. Os dois lados – empresas e
se tornar ainda mais poderosas porque agora vai ser possível que
investidores – saíram ganhando.
qualquer cidadão forneça informações ao sistema. Qualquer um – não só o governo – pode instituir sua própria política de transparência
O livro “Full Disclosure”, escrito em 2007, em conjunto, por um cientista político, um economista e um advogado, é o primeiro
programada para ajudar a mudar o mundo. Mas isso não quer
esforço multidisciplinar de compreender essa novidade do mundo
dizer que toda transparência seja boa. Iniciativas desse tipo vão
das políticas públicas, criada por Roosevelt, que é a “transparência
funcionar se derem às pessoas as informações de que elas precisam
programada”. Uma novidade que tende a se tornar cada vez mais
de maneira clara, confiável e simples. Se não, se colocarmos mais informação inútil no mundo, nossas ideias vão ser ignoradas, como as cores de W. Bush. Talvez até façam mais mal do que bem.
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Não adianta nada ser transparente com informação inútil
Numa pacata cidadezinha de interior americano, um aviso aos cidadãos para se preocuparem com terroristas: exemplo perfeito de política de transparência que não serve para nada
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