A MODA
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CAPA
INDEX 05 ’ EDITORIAL MANUEL DAMAS 07 ’ NA CASA ... 14 ’ AS LETRAS COOLTURALMENTE ARRANJADAS PARA SAIR SUSANA SOARES RIBEIRO “PASSERELLE”
19 ’ POETISANDO SÍLVIA ALVES “17º ESTE”, “É IMPRESCINDÍVEL” & “(a RIR DE TUDO)”
20 ’ POLÍTICA NACIONAL I FOGO CRUZADO PEDRO DELGADO ALVES “A EDUCAÇÃO SEXUAL, DE NOVO NA ENCRUZILHADA” FOTOGRAFIA ’ SARA CARVALHO ( Amy C ) MAQUILHAGEM ’ CARLA CARMO RETOUCHING ’ RUISTTER DE JESUS MODELOS ’ MARCO & NUNO MOREIRA
DUARTE MARQUES “A EDUCAÇÃO SEXUAL”
22 ’ POLÍTICA INTERNACIONAL FAUSTO PINTO DE MATOS “VIZINHOS”
ID ’
25 ’ ECONOMIA I CETERIS PARIBUS DIOGO VIEIRA DA SILVA “CETERIS PARIBUS”
DIRECÇÃO MANUEL DAMAS COLABORADORES ANTÓNIO SILVA, DIOGO CALDAS FIGUEIRA, DIOGO VIEIRA DA SILVA, ELOY MONTEIRO, ÉLVIO BETTENCOURT, EUGÉNIO GIESTA, FABIANA SILVA, FAUSTO PINTO DE MATOS, FILIPE MOREIRA DA SILVA, FRANCIS KINDER, HÉLDER PINTO BESSA, JOÃO MATOS, MANUEL DAMAS, MARÍLIA LOPES, NICOLAS MARTINS, PEDRO SOUSA, SÍLVIA ALVES, SUSANA SOARES RIBEIRO, TIAGO JONAS, VANESSA SANTOS SOARES CONVIDADOS DUARTE MARQUES, PEDRO DELGADO ALVES REVISÃO DE TEXTOS MANUEL DAMAS DIRECÇÃO DE ARTE & DESIGN GRÁFICO JOÃO MATOS
26 ’ DIREITO HÉLDER PINTO BESSA “EUTANÁSIA”
DIOGO CALDAS FIGUEIRA “ADOPÇÃO HOMOPARENTAL VS SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA”
29 ’ SEXUALIDADES, AFECTOS & MÁSCARAS MANUEL DAMAS “MODA & SEXUALIDADES”
30 ’ CIÊNCIA & TECNOLOGIA VANESSA SANTOS SOARES “NANOTECNOLOGIA”
PEDRO SOUSA “A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA NA MODA”
33 ’ HISTÓRIA I POEIRAS & ERAS EUGÉNIO GIESTA “NEFERTITI E AKHENATON”
CONTACTE-NOS ’ facebook.com/revistaID ’ id.identidade.revista@gmail.com
34 ’ IDENTIDADES
A ID ’ é uma revista mensal publicada pelo Centro Avançado de Sexualidades e Afectos ®
Rua Santa Catarina, 1538, 4000-448 Porto 918 444 828 www.ass-casa.com geral@ass-casa.com facebook/AssociacaoCASA
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42 ’ DESPORTO FABIANA SILVA “APTIDÃO FÍSICA, SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA”
ANTÓNIO SILVA “CORPO EM MOVIMENTO”
45 ’ CINEMA & TEATRO ELOY MONTEIRO
VEJA AQUI O VÍDEO DE APRESENTAÇÃO DA ID ’ Nº 1
46 ’ LAZER I LIVROS NICOLAS MARTINS “HOJE LEMBREI-ME QUE TE AMO"
47 ’ LAZER I MÚSICA TIAGO JONAS “A MAIOR OBRA DO MESTRE”
49 ’ LAZER I EXPOSIÇÕES EUGÉNIO GIESTA “O EGIPTO NO PORTO”
50 ’ DESIGN I DESÍGNIOS DO DESIGN JOÃO MATOS “DESIGN?”
52 ’ MODA SÍLVIA ALVES “MODA - UM TEMA PARA DEBATER, APRECIAR OU DOMINAR?”
58 ’ ECOS DO MUNDO ÉLVIO BETTENCOURT RODRIGUES “NOVOS TURISMOS”
FRANCIS KINDER “MODA BRASILEIRA”
FILIPE MOREIRA DA SILVA “VIZINHANÇA DESCONHECIDA”
MARÍLIA LOPES “MODA É SER KAWAII”
66 ’ FRASES COM’TEXTO 68 ’ DESCØNSTRUIR 70 ’ FARPAS BARÃO DE LA PALISSE 52
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ARTISTA EM DESTAQUE
SÍLVIA ALVES
Nasceu em 1967, em Portugal. Em 1985/1988 formou-se em Design de Moda pelo CITEX (no Porto). Entre 1988 e 1997 trabalhou em diferentes empresas como Designer de Moda. Em 1997 criou gabinete próprio de Design de Moda e Têxtil, onde trabalha como freelancer. Desde 1995 é responsável pela criação de figurinos para teatro, trabalhando com várias companhias: Companhia de Teatro de Braga, Teatro Noroeste e co-produções com Rivoli, CCB, Centro Dramático Galego e Coimbra 2003 - Capital Nacional da Cultura. Entre 2005 e 2010 teve formação artística nas áreas da pintura e modelação com os pintores: Arlindo Silva, Mário Vitória e Alberto Péssimo.
6 Best and worst of the de' Medici “001”
13 Botticelli vs Lynch “Blue Venus”
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24 Best and worst of the de' Medici “002”
28 Botticelli vs Michelangelo “Mars in love”
44 Rockwell vs Michelangelo “bewilderment”
EDITORIAL ’ MANUEL DAMAS
A CASA – Centro Avançado de Sexualidades e Afectos é uma ONG nascida em 2009, de âmbito nacional e com sede no Porto. Trabalha nas mais diversas áreas das Sexualidades e dos Afectos, com especial ênfase para as vertentes Cultural, Social, Educativa e Política. É, acima de tudo, uma ONG inclusiva, que combate todas as formas de discriminação, tendo como princípio maior a Universalidade do Direito à Felicidade. Tendo sido a primeira Associação Sem Fins Lucrativos, em Portugal, a ter o seu próprio programa de televisão, feito na íntegra na Sede e denominado “Vidas na CASA”, o Centro Avançado de Sexualidades e Afectos inova, em 2012, com o lançamento da sua revista intitulada ID’, acrónimo da palavra Identidade. E quando se fala de Identidade, abordam-se os mais diversos níveis, encimados, indubitavelmente, pelas questões da Identidade de Género. Implícitos estarão todos os preconceitos, estereótipos, desigualdades e discriminações que são, de sempre, territórios de trabalho da CASA. E todo esse será o alvo da ID’. Mas esta será, ainda, uma revista que cumprirá o binómio Informação/Formação. Constituída pelas mais diversas secções, até porque o ser humano é polimorfo e multifacetado, as diversas abordagens, na ID’, passarão pela Política, Nacional e Internacional, pela Moda, pelo Desporto, mas também pela Literatura, nas vertentes da Prosa e da Poesia, pela Música, pelas Sexualidades e ainda pelo Direito, pela Economia, pela Ciência e Tecnologias, pelo Cinema e Teatro, entre outras vertentes. Mas a ID’ terá, também, correspondentes que configurarão os ecos de Portugal no Mundo. Assim sendo, mensalmente, existirão crónicas de correspondentes das Ilhas, Brasil, Espanha e Japão, com o intuito da abordagem loco regional das diversas multiculturalidades. ESTE SERÁ O PROJETO ID’ Acima de tudo um espaço de intervenção e diálogo multifactorial, estudado e reflectido, pedagógico, de qualidade.
Mas a ID’ respeitará, também e obrigatoriamente, a vertente visual, apresentando uma imagem gráfica própria, estudada e cuidada, fruto do estudo de profissionais especializados. Com uma imagem de qualidade a ID’ repudia o miserabilismo, o facilitismo, a falta de profissionalismo e o descuido leviano sem, todavia, cair no pretensiosismo. A ID’ nortear-se-á, sempre, pelo princípio de que o que merece ser feito, merece ser bem feito. ASSIM SERÁ A ID’ Um projecto moderno, arejado, cuidado, pensado, reflectido, inovador, pedagógico e de continuidade. Mas a ID’ terá rostos, porque as duas dezenas de pessoas que colaboram e se identificam com a revista têm e querem ter rosto, assumindo as suas idiossincrasias legítimas. A periodicidade será mensal, tendo cada edição um tema de fundo, abordado na entrevista central e que reportará à capa. As secções, ainda que não estejam obrigadas ao seguimento rígido do tema do mês tentarão, sempre que possível, cumprir a temática eleita. O tema deste primeiro número será a Moda, abordado nas mais diversas vertentes, realidades e especificidades. Inicialmente a ID’ terá, unicamente, suporte digital, também por questões economicistas, assumidas de modo frontal, mas o seu futuro mediato terá, como objectivo, o suporte em papel, dependendo, tal evolução, da receptividade do Mercado. O futuro da ID’ à Sociedade pertence mas, todos nós, cidadãos desta aldeia global a que um dia se chamou Mundo, somos a Sociedade e, como tal, temos o poder de decisão. A todos aqueles que, de forma directa ou indirecta tornaram a ID’ possível, um agradecimento. A todos os outros, público anónimo, convidamos a iniciar a viagem connosco e que esse acto voluntário seja um prazer. ID’ENTIFICA-TE … 5
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NA CASA ...
Conferência de Imprensa de Apresentação da CASA, em 2009, no Café Majestic, no Porto.
A CASA - Centro Avançado de Sexualidades e Afectos é uma ONG registada em escritura notarial a 3 de Setembro de 2009, com sede nacional no Porto, aberta ao público diariamente, todo o ano. Rege o seu funcionamento por uma Carta de Intenções, onde se inscrevem os seus princípios “major”, a saber: PROMOVER A IGUALDADE COMBATER TODOS OS ACTOS DISCRIMINATÓRIOS ESPECIALMENTE OS DE GÉNERO DENUNCIAR TODAS AS FORMAS DE VIOLÊNCIA, INCLUSIVE A SEXUAL APOIAR E DIVULGAR AS DIVERSAS ESTRATÉGIAS DE VIVENCIAR OS AFECTOS EXIGIR UMA DISCIPLINA DE EDUCAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA LUTAR PELA UNIVERSALIDADE DO DIREITO À FELICIDADE
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A CASA está estruturada em Departamentos entre os quais se podem elencar aqueles que, pelo seu tipo de trabalho, adquirem maior visibilidade: O DEPARTAMENTO CULTURAL de cujo plano de actividades fazem parte:
CICLO DE “POESIA NA CASA”
CICLO DE “DEBATES NA CASA”
O Ciclo de Poesia na CASA está em vigor desde Janeiro de 2011 com periodicidade semanal. Mensalmente, é escolhido um poeta ou poetisa portugueses e semanalmente, à quarta feira à noite, são declamados poemas da autoria do poeta escolhido, na Sala de Leitura da CASA. Pretende-se, desta forma, cultivar e incentivar hábitos de leitura e relembrar autores que o tempo fez esquecer. Já fizeram parte do Ciclo de Poesia na CASA nomes como Sofia de Mello Breyner, Almada Negreiros, Eugénio de Andrade, Fernando Pessoa - heterónimos, Fernando Pessoa - ortónimo, Natália Correia, António Ramos Rosa, António Botto, Al Berto, Manuel Alegre, Cesário Verde, apenas para citar alguns nomes.
O Ciclo de Debates na CASA está em vigor desde 2009. Uma vez por mês é organizado um debate sobre os temas mais pertinentes da actualidade, sendo convidadas personalidades para participar. Assim são efectuados Debates com o intuito de esclarecer a população sendo intenção que estes debates atraiam público jovem para, desta forma, serem sensibilizados e motivados para as questões da Democracia participativa, da Cidadania e do combate ao alheamento social.
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O Debate sobre “Educação Sexual” com a presença dos Lideres Nacionais das Juventudes dos Partidos com assento parlamentar
CICLO DE TERTÚLIAS “A CASA ComVIDA”
Tertúlia “A Adopção no âmbito da parentalidade homoafectiva”
O Ciclo de Tertúlias "A CASA ComVida" está em vigor desde 2010. Uma vez por mês é organizada uma Tertúlia, cumprindo a tradição tertuliana portuense, sobre temas da actualidade. A intenção é que estas tertúlias atraiam, de forma informal, um público diversificado para, desta forma, permitir a troca de ideias inter geracional e sensibilizar para as questões da Democracia, da Cidadania, da Igualdade e do combate à discriminação.
Debate com o tema: “A Mulher na Sociedade Portuguesa”
GRUPO DE TEATRO DA CASA
Debate “Natal - Fé ou Consumismo” com o Padre Jardim, Presidente da Rede Europeia de Luta Contra a Pobreza
O Grupo de Teatro da CASA foi criado em Maio de 2011. Dirigido por Eloy Monteiro, conhecido actor profissional, com 50 anos de profissão, o Grupo de Teatro da CASA junta pessoas de várias idades e estratos sociais, unidos pelo amor à arte da representação. Actualmente o Grupo de Teatro da CASA apresenta a peça original, "Violências", escrita na CASA e que aborda o tema da violência doméstica. O grupo de teatro funciona única e exclusivamente com voluntários e tem ensaios todas as semanas, à segunda e quarta feira à noite. VEJA AQUI O HINO DA CASA, INTERPRETADO PELO CORO DA CASA
CORO DA CASA O Coro da CASA foi criado em Maio de 2011. Junta jovens e adultos de várias idades, unidos pelo prazer do Canto e pretende gerar um convívio saudável inter-geracional e a partilha de saberes. O Coro da CASA habitualmente e em comemorações formais interpreta, entre outros, o Hino da CASA.
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O DEPARTAMENTO SOCIAL de cujo plano de actividades fazem parte:
CLÍNICA DA CASA
CAMPANHA “UM CAFÉ, UM PRESERVATIVO – É TÃO FÁCIL USAR UM PRESERVATIVO COMO TOMAR UM CAFÉ!”
A CASA disponibiliza um Serviço de Consultas, designado “Clínica da CASA”, a laborar desde Janeiro de 2011, com 4 especialidades: Medicina, Psicologia, Sexologia e Direito. Os especialistas das diversas áreas são voluntários e o público alvo, sendo, primariamente, a população geral, é constituído, mais especificamente por Mulheres vítimas de violência doméstica, Jovens vítimas de abuso sexual e pessoas com dificuldades na área das Sexualidades e dos Afectos.
É uma campanha de proximidade que pretende fazer prevenção dos comportamentos de risco. É a forma que a CASA encontrou para dinamizar o uso preventivo do preservativo. Assim, nas instalações da CASA, cada vez que é servido um café, juntamente com o açúcar ou o adoçante é oferecido um preservativo com o intuito de tentar desconstruir o tabu, os estereótipos e os preconceitos que ainda hoje estão associados ao seu uso na população portuguesa. Projecto "Clínica da CASA" - da autoria da REGREEN PROJECT
VEJA AQUI O VÍDEO PRODUZIDO PELO REGREEN PROJECT
VIGÍLIA EM MEMÓRIA DAS VÍTIMAS DE HIV/SIDA – CONTRA A ESTIGMATIZAÇÃO Desde 2009 a CASA realiza, na passagem de 30 de Novembro para 1 de Dezembro, aos primeiros minutos do dia 1 de Dezembro, Dia Mundial de Luta Contra a SIDA, uma vigília que tem lugar na Avenida dos Aliados, no Porto, em frente à Câmara Municipal. Aí a CASA acende 300 velas vermelhas, no chão da Avenida dos Aliados, criando um grande laço vermelho, representando o logótipo mundial da Luta Contra o HIV/SIDA. Com esta iniciativa pretende-se chamar à colação o HIV e relembrar, de forma formal, séria e digna, todos aqueles que foram vítimas desta doença. 10
Ceia de Natal na CASA, na Noite de Natal
PASSAGEM DE MODELOS NA CASA Em parceria com uma Agência de Modelos, a “Divine Models” foi efectuada uma Passagem de Modelos na CASA. Com cariz inclusivo, mas de forma pedagógica, desfilaram 20 modelos profissionais, de ambos os sexos mas, para além deles desfilaram, também, uma pessoa com obesidade mórbida, uma pessoa com deficiência física e uma pessoa com idade avançada. Assim, de forma pouco habitual mas pedagógica fez-se, no terreno, a desconstrução dos estereótipos que ditam que os modelos têm que ser, sempre, perfeitos, esquecendo que a Moda faz-se para gente anónima e normal, que não cumpre os ditames da beleza universal. DIA NACIONAL DA FELICIDADE A CASA elaborou uma petição pública a solicitar à Assembleia da República a criação do Dia Nacional da Felicidade que se encontra em fase de recolha de assinaturas, a qual tem duas vertentes, a presencial e a recolha pela Internet. Com esta petição pretende-se alertar para a necessidade de uma real Universalidade do Direito à Felicidade promovendo correntes de economia do bem-estar. A petição será entregue na Assembleia da República a 3/9/2012, dia de aniversário de criação da CASA. Assim terá início a segunda fase de recolha de assinaturas, a serem entregues no Parlamento Europeu, a propor a criação do Dia Europeu da Felicidade. Se a criação formal de um Dia da Felicidade não a garante, “de per si”, oficializa, todavia, a obrigatoriedade da sua prossecução. A Petição pode ser consultada e assinada em: http:// www.peticaopublica.com/PeticaoVer. aspx?pi=DNFe2011
CAMPANHA NACIONAL “BASTA! DE ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS E JOVENS” No dia 1 de Junho, Dia Mundial da Criança, a CASA lançou a campanha nacional “Basta! De Abuso Sexual de Crianças e Jovens”, usando formalmente em Portugal, após autorização das associações congéneres americanas, o “Blue Ribbon”, o laço azul mundialmente representativo da luta contra este tipo de crimes sexuais. Esta campanha será relançada em 2012, no Dia Mundial da Criança, com o intuito de, uma vez mais, denunciar o tema do Abuso Sexual de Crianças e Jovens.
CAMPANHA NACIONAL DO DIA DOS NAMORADOS, INTITULADA “AMOR SEM (PRÉ) CONCEITOS” Esta campanha, lançada em 2011 e relançada em 2012, alerta para a existência de diversas formas e modos de criação de relacionamentos psico-afectivos. Assim foram construídos diversos cartazes com fotografias representando casais ditos “alternativos” que têm, também, direito a visibilidade e espaço na Sociedade portuguesa. Esta campanha pretende desconstruir, de forma pedagógica, a estereotipia das relações afectivas, pugnando, acima de tudo, pela Universalidade do Direito à Felicidade.
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O DEPARTAMENTO DE FORMAÇÃO de cujo plano de actividades fazem parte:
PROJECTO ISA – (IN)FORMAÇÃO EM SEXUALIDADES E AFECTOS A CASA disponibiliza a escolas do ensino Secundário e Universitário um Projecto de (In)formação na área das Sexualidades e Afectos. Este projecto é direccionado para todos os membros da Comunidade Educativa, nomeadamente Professores, Alunos, Encarregados de Educação e Pessoal Auxiliar. É um projecto que pretende consciencializar as comunidades educativas para as questões das Sexualidades e dos Afectos, promovendo comportamentos sexuais e afectivos responsáveis e uma Sociedade mais inclusiva.
Mas a CASA também efectua, nas suas instalações, Acções de Formação e Workshops subordinadas aos mais diversos temas.. Formação na CASA em “Voluntariado”
CENTRO Em 2012 a AVANÇADO CASA iniciou aDE Formação SEXUALIDADES AFECTOS Pós-Graduada nos E grandes temas® CURSOS DE FORMAÇÃO das Sexualidades
e Afectos.
curso de pós graduação 12h
curso de especialização 24h
SEXUALIDADES & ENVELHECIMENTO ACTIVO
SEXUALIDADES & ENVELHECIMENTO ACTIVO
curso de pós graduação 12h
curso de especialização 24h
JORNALISMO & SEXUALIDADES
JORNALISMO & SEXUALIDADES
curso de pós graduação 12h
O DESPORTISTA & AS SEXUALIDADES
curso de pós graduação 12h
O EDUCADOR & A SEXUALIDADE DA CRIANÇA
INFORMAÇÕES & MATRÍCULAS Horário de Atendimento 16h às 20h CASA - Centro Avançado de Sexualidades e Afectos Rua de Santa Catarina, 1538 • 4000 – 448 Porto • 918 444 828 www.ass-casa.com • facebook/AssociacaoCASA
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Recentemente a CASA assinou um Protocolo de Colaboração, formal, com a Ordem dos Psicólogos, através do qual a CASA passa a disponibilizar Estágios Profissionais, com a duração de um ano, a Psicólogos recém-licenciados.
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Prólogo
S
aía de casa, dia após dia, sentindo-se desengraçada, depois de pontear os soquetes de algodão, que já não os havia sem buracos na gaveta. De algodão era também a restante roupa interior, peças desemparelhadas, que os conjuntos não eram pertença das gentes da sua condição social. As peças já estavam esbambeadas. Os elásticos flácidos, das lavagens sequentes, por falta de haver como os substituir. Que insalubridade na graça sentia. Pelo lado exterior, umas calças de bombazina coçadas, rosa velho, emparelhavam mal com uma blusa bege com padrão de flores grandes e azuis. Uma espécie de miosótis criados por um artista com hipermetropia. Ganhara-a de um membro da família mais abastado em dinheiro, mas não particularmente em bom gosto. Largara aquele a peça por já estar fora de moda. Uma vida espartana em demasia para os seus sonhos de gáudio e luxúria. Não se sentia lá muito bonita, porque não tinha namorado e os que nela estavam interessados eram todos particularmente feios. Porque não faziam como o susto e enfiavam um saco na cabeça?
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Capítulo Único Foram muito injustos aqueles dois primeiros anos da adolescência. Já para não falar da infância. A mãe roubara-lhe tudo quanto tinha e agora não sabia como havia de lhe perdoar. Estava a arranjar-se, mirando atentamente o espelho em busca de traços de beleza que lhe pudessem ter escapado na última inspeção, minuciosa e detalhada, que encetara na noite anterior. Algo que lhe erguesse a moral e o queixo à chegada ao Liceu. Notou, em sobressalto, uma fenda na pele, um rasgão que se assemelhava a uma daquelas cicatrizes que a secura deixa no chão dos desertos. Era um corte grande, mas não sangrava. Ficou horrorizada ao antever a marca irredutível e indisfarçável que ia passar a residir na sua face, sem sequer pagar condomínio. Reviu o dia e a noite anteriores, vasculhando na memória desorganizada em que momento se havia assim magoado. Não se lembrou de nada e manteve-se queda, olhando a expressão de pânico com que o espelho lhe revelava aquilo que sentia. Nos bordos do rasgão, a pele estava particularmente estiada. Pelava. A medo, aumentado por estar sozinha em casa e não ter a quem gritar, tentou removê-la. A um puxão, a pele de toda a face levantou, o que lhe causou uma dormência de desmaio nas pernas. Parou de puxar e olhou de novo a sua imagem refletida no espelho, surpreendendo-se por continuar a não sangrar. A sua pele magoada era habitáculo de inúmeras borbulhas teen que não cediam ao sabão neutro, o santo milagreiro, nas palavras da sua mãe. Para ela, a cosmética era toda uma grande aldrabice, a menos que fosse muito boa e cara, como a que usam as ricas e as estrelas de cinema. Mas essa, ninguém tem dinheiro para a comprar, só elas, as ricas, por isso é que são tão bonitas e têm namorados deslumbrantes, fascinantes, a ponto de porem uma rapariga em falência vertical. Mas elas também só são bonitas à custa dos cremes e da maquilhagem, porque sem eles são como o susto. Aliás, esse é o motivo porque há tanta traição entre os famosos, porque elas são muito feias quando acordam com a cara por arranjar, mais feias até que o normal, e os namorados e maridos ficam horrorizados e vão embora porque têm outras mais bonitas. Por baixo da pele que lhe saía parecia estar uma outra, lisa, clara e brilhante. Sem saber com que força determinante, foi removendo a epiderme com uma lentidão medrosa, percebendo-lhe uma elasticidade de borracha velha, já quebradiça. Removeu tudo até à linha de fronteira que separa a face da primeira fileira de cabelos. Voltou a sentir um apavoramento imenso. Percebeu que também aí a pele cedia e que o cabelo lhe saía por inteiro, como se usasse uma peruca sem saber. Continuou, incapaz de parar e de dominar o medo, e viu surgir, por baixo do seu pelo castanho vulgar, primeiro uma penugem alva, colada ao couro cabeludo, logo acima da testa, e, depois, um cabelo imensamente loiro, de um tom inimitá-
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vel, penteado cuidadosamente para trás. Removeu toda a pele com o cabelo lenta e cuidadosamente, respirando de alívio por não ter que se ver careca. À medida que o seu cabelo caía no chão, separado em bocados, juntamente com os pedaços de pele que ia cortando, para logo puxar mais e mais, verificou que a cor dos seus olhos passava de um castanho de tronco velho para um azul oceânico. Algo havia no cabelo que saía que, talvez por química reflexa, lhe escurecia e empalidecia a íris. Quando acabou de remover toda a pele e cabelo da face e restante cabeça não se reconheceu. Era talvez o espelho, que, possuído por algum espírito brincalhão, lhe devolvia a imagem de alguém que se assemelhava a um ser angelical, ainda que desarranjado. Para continuar a retirar a pele, despiu-se, soltando o pijama no chão, e desnudou o pescoço, libertando-o daquele revestimento com toque de borracha seca. Parou de puxar num dos ombros, o esquerdo, onde a pele parecia não querer desgrudar. Tentou molhá-la e percebeu como ela, ao contrário do esperado, se grudava mais. Pegou então no seu secador de cabelo e apontou-o ao ombro, impondo a emissão do seu calor máximo. Logo a pele se enrugou, como a das gentes dos países de ventos quentes, e soltou-se a inserção no ombro, onde se mostrara mais agarrada. Persistiu na sua pelagem, ocupando agora uma mão com o secador, o que lhe dificultava e demorava um pouco mais a tarefa. Baixou toda a pele, como quem pela um coelho, até ao busto. Aí, saiu-lhe mais do que pele. Uns nacos gomosos caíram no chão, em cima do pijama. Olhou para o espelho e nele viu projetados os seios dos seus sonhos. Perfeitos. Nem grandes, nem pequenos. Firmes. Com bicos seletores de caminhos retos, parecendo indicar que a vida tinha que seguir, sempre, na direção que eles apontassem. Neste momento assaltou-a um desespero ansioso e rasgou a restante pele do corpo com pressa violenta. Viu desaparecer a proeminência do seu ventre, que sempre lhe parecera querer ser mais importante que o cinto das calças e que sobre ele se apoiava, como uma mulher à janela. Compuseram-se as ancas e as nádegas. Os seus pés estavam já recobertos pela massa gomosa que se soltava de cada volume corporal que apresentava excesso e que antes ocultava todas as curvas perfeitas do seu corpo. Libertou as pernas e os pés do resto da cobertura e ficou finalmente só, consigo mesma, desenvencilhando-se de tudo o que não era dela, mas que sempre trouxera consigo. Sentiu-se suja e entrou na banheira para tomar um banho. Lavou cada novo fio de cabelo e cada novo pedaço de si com uma carícia orada, incapaz de acreditar no que estava a viver. Quando terminou o banho, secou o corpo com pressa e o cabelo com vagar, admirando os diferentes tons do seu todo loiro resplandecente.
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Finalmente, voltou a olhar-se no espelho e percebeu como era inacreditavelmente bela e como alguém, a sua mãe, a quisera esconder do mundo, baseada naquele seu princípio estranho de que ser belo encerrava qualquer coisa de falso e era uma espécie de ofensa para os outros. Vestiu a melhor roupa que tinha no guarda-fatos, a melhor entre as misérias que eram os seus trajes, e saiu de casa em direção ao liceu. Ainda ia chegar a tempo da última aula da manhã. Subiu a imensa escadaria do liceu com uma postura e um porte nunca antes por ela adotados. Viu como todas as cabeças se viravam à sua passagem, leu as expressões e ouviu as exclamações. Nunca ninguém houvera visto aluna tão bela naquela escola. Procurou a sua turma e a sua melhor amiga, que pronto encontrou no sítio de todos os intervalos. Mostrou-lhe uma foto de elas as duas juntas e arrastou-a dali para a casa de banho das meninas, onde lhe contou tudo. Convencer a sua incrédula melhor amiga foi fácil, porque nunca se duvida da melhor amiga. Mais difícil foi convencer a turma, os professores e os outros funcionários da escola. Mais difícil foi acabar o dia a chorar nos braços da mãe da melhor amiga, junto da qual tentava perceber o que a sua mãe lhe fizera. Precisava de encontrar uma forma de lhe perdoar, mas sentia-se irremediavelmente afastada dela. Os dias correram céleres, os convites também. Em menos de uma semana viu as agências de modelos atrás de si e acabou top model, a desfilar em longas passerelles, sob os flaches das máquinas fotográficas e os spot lights dos cenários. Era, sem dúvida, a mulher mais bela e mais perfeita que quaisquer olhos jamais haviam visto.
Epílogo - Levanta-te, filha. Vais perder a primeira aula! Acordou estremunhada e confusa, para viver um dia imensamente triste, em que foi incapaz de se olhar ao espelho. Os outros pareceram-lhe gozar todo o dia com ela. Estava claramente mais feia do que o habitual, particularmente porque tinha deixado de ser invejavelmente linda. No dia seguinte apaixonou-se e deixou de pensar no glamour, na moda, na luxúria, apenas permitidos pela beleza estonteante. Afinal, montou a sua passerelle, como quem monta um palco de espetáculo itinerante, e tinha voltados para si os olhos que, melhor do que o espelho, refletiam a mulher preciosa que se sentia. Era feliz. * ’ Prof. Universitária
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- Poetisando TEXTO E ILUS TRAÇÃO SÍLVIA ALVES
É imprescindível Ter três pastas diferentes e lavar todos os dias os dentes E ter a frequente vontade de nunca dizer a verdade Ter numa folha de papel o desenho de um corcel E noutra à parte uma obra de arte Amar o parceiro sem acender o candeeiro E não lhe ver as meias que são feias Abrir uma garrafa de água e lá dentro afogar a mágoa E a de vinho bebê-la com o vizinho Meter a botija na cama e não a lama E no fim dormir quente e sorridente!
17 º Este A mergulhar os dedos na matéria [por dentro do corpo] Sem medir as palavras [por dentro do corpo] Guardo o momento do lado de dentro dos olhos Embargo a omissão da presença furtiva [sem medir uma só palavra] Esquivo sopros pagãos a tentar remediar o incesto E sem certezas corro abeirando o eterno vórtice [por dentro da palavra] E despindo cruamente o delito Sílaba atrás de sílaba silvo quimeras escusadas [sem medir o corpo] Vergo o próprio corpo face ao chão E misturo poros e poeiras num canto só.
(a RIR DE TUDO) mas creio que é para continuar e assim terá de ser entrar em palco de novo e de novo dizer o texto sem me enganar esperar a deixa e nunca desarmar ininterruptamente o mesmo papel e a vontade de o rasgar e dizer poemas em vez de cantar e aplaudir em vez de declamar brilhar e a plateia a ver o meu estampado tédio e nunca desmontar e esperar a deixa incompleta e a vontade de sair antes da ultima ceia (ou cena) partir e nunca o fazer ficar com um sorriso de plateia estampado no palco na boca de cena à espera sempre da última deixa (porque existem constantemente as mesmas velhas razões para ter medo) 19
POLÍTICA NACIONAL
PEDRO DELGADO ALVES Secretário-Geral da JS
A EDUCAÇÃO SEXUAL, DE NOVO NA ENCRUZILHADA A revisão do enquadramento normativo da Educação Sexual em meio escolar, em 2009, representou uma relevante mudança de paradigma face ao modelo já desactualizado que herdáramos da década de 80, permitindo assegurar a promoção da saúde sexual e reprodutiva dos jovens, com especial impacto na prevenção de gravidezes indesejadas, na não propagação de doenças sexualmente transmissíveis e na educação para uma sexualidade informada e responsável. Contudo, a implementação da lei tem-se revelado pautada por uma aplicação variável no conjunto do sistema educativo, sendo possível identificar a convivência de excelentes práticas de articulação entre as escolas, a comunidade educativa e associações que se dedicam à temática, com realidades de desvalorização da Educação Sexual, de ausência de estratégias para sua implementação transversal e mesmo de transmissão de conteúdos contrários ao espírito e objectivos da lei. Simultaneamente, a articulação com os centros de saúde e com as consultas de planeamento familiar tem-se revelado igualmente assimétrica no conjunto do território nacional, denotando-se a necessidade de orientações transversais por parte dos Ministérios da Educação e da Saúde. Para além das dificuldades identificadas na sua implementação, a própria lei de 2009 ficara aquém do desejável em alguns domínios de relevo, nomeadamente no que respeita à carga horária reservada para a disciplina, à disponibilização gratuita nas escolas, através dos gabinetes de apoio, de meios contraceptivos que não carecem de prescrição médica (com destaque evidente para o preservativo, masculino e feminino), ao reforço da informação e das medidas de acompanhamento e reencaminhamento para o recurso à contracepção de emergência e ainda à estruturação de planos de formação específica e adequada do corpo docente. 20
Sendo já difícil este o quadro de dificuldades contra o qual o enraizamento da educação sexual em meio escolar se batia, a recente revisão curricular do ensino básico e secundário vem trazer novos obstáculos e significativos recuos à estratégia traçada. Efectivamente, a supressão dos espaços curriculares para a Formação Cívica e para a Área Projecto, combinada com a remissão do relevo dado à Educação para Saúde para um plano ainda mais secundário, representam uma forte machadada no caminho que vinha sendo trilhado, reforçando os seus aspectos negativos, sem oferecer qualquer margem de progresso. Na versão final da reforma curricular já anunciada, a Formação Cívica e a Educação para a Saúde deixam de ser componentes de oferta obrigatória pelas escolas, passando a ficar na dependência de cada escola a sua inclusão na oferta formativa. Por outro lado, a eliminação da Área Projecto suprime um espaço privilegiado adicional de transmissão dos conteúdos da Educação Sexual, que em muitas escolas e agrupamentos representava mesmo a principal forma de implementação transversal desta temática. Não só esta opção representa um recuo fundamental na identificação da escola como local privilegiado de formação de cidadãos e cidadãs e de transmissão dos valores da República e da Democracia, como no caso particular da Educação Sexual vem reforçar as fragilidades diagnosticadas na aplicação da lei em vigor, sendo de esperar um aumento da volatilidade e assimetria da oferta formativa nesta área. Neste quadro, não deixa de ser de sublinhar que se continua a considerar pertinente, num Estado laico, que a Educação Moral e Religiosa, não obstante a sua frequência facultativa por parte dos alunos, seja de oferta obrigatória, enquanto a Educação Sexual, componente fundamental e transversal de diversas políticas públicas e fundamental para a saúde sexual e reprodutiva das novas gerações, seja relegada para a discricionariedade de cada escola ou agrupamento. Finalmente, é igualmente relevante sublinhar que o problema não se coloca meramente num plano de organização da carga horária e de arquitectura curricular, passando antes por uma questão de articulação directa entre alguns dos conteúdos da disciplina de Educação Sexual (nomeadamente no que respeita à dimensão do combate à discriminação motivada pelo género e orientação sexual
e à abordagem das questões de identidade de género) com os objectivos da disciplina da formação cívica, encorajando o conhecimento, tomada de consciência e questionamento dos modelos e representações sociais dominantes e permitindo ultrapassar concepções estereotipadas e discriminatórias. Neste momento de regresso ao passado no domínio da Educação Sexual, importa recordar um debate fundamental da nossa história recente e a importância que a sua valorização futura assumiu para todos os intervenientes nessa discussão. De facto, conforme vezes e vezes sem conta foi afirmado por ambas as partes do debate, o resultado do referendo nada resolveria directamente, apenas desbravando o caminho trabalhoso que se seguiria, quer na prevenção de gravidezes indesejadas, quer na erradicação definitiva do aborto clandestino. Esse trabalho assentava, na óptica de todos, num caminho claro centrado em três eixos prevenção, informação e garantia de acesso a contracepção. É esse o rumo que agora, inesperadamente, se inverteu de forma inaceitável… ’ Deputado
DUARTE MARQUES Presidente da JSD
A EDUCAÇÃO SEXUAL A JSD reconhece a importância da Educação Sexual na formação dos jovens. Eu próprio tive oportunidade de destacar essa importância no debate organizado pela CASA. Lá, como agora, defendi que deveria ser transversal ao currículo e também integrada na Formação Cívica. Não se trata de uma visão ideológica. É antes reflexo da variedade e complexidade de temas que compõem a Educação Sexual. Nesse debate, todos os intervenientes concordaram que a Educação Sexual não se reduz a uma componente estritamente biológica. Bem pelo contrário. Quando falamos de Educação Sexual, falamos do bom desenvolvimento psicológico dos jovens. Falamos dos comportamentos de risco e das DST. Falamos de planeamento familiar. Falamos de afectos. Falamos de preconceitos. O seu conteúdo não é estanque, cruza-se com vários saberes. Faz por isso todo o sentido que o seu ensino seja necessariamente transversal ao currículo. Por outro lado, a JSD também sempre defendeu a manutenção da Formação Cívica. Ora, a natureza multidisciplinar da Educação Cívica fazem-na ideal para integrar a Educação Sexual, mas não só. Esta poderá ser feita tanto através de disciplinas como Português e História ou as Ciências exactas como Biologia e outras. A reforma da estrutura curricular apresentada no passado dia 26 de Março, mantém a Educação Cívica. Não sendo ainda claro o seu conteúdo, o Ministério da Educação e Ciência demonstrou – nomeadamente através da Educação Cívica – a sua abertura ao diálogo. A JSD congratula-se pela sua principal bandeira ter sido acolhida. Os seus conteúdos não estão, porém, ainda definidos e por isso vamos continuar a acompanhar esta reforma muito atentamente. E aqui se incluiu a Educação Sexual.
Também muito importante nesta reforma é o reforço da autonomia pedagógica e organizativa das escolas. É evidente que o currículo tem de ser uniforme em todo o País. No entanto, são as escolas que conhecem melhor a sua comunidade, a sua realidade – sempre – singular. A capacidade de poderem adaptar o seu currículo a essa realidade traz por isso valor acrescentado à formação dos alunos. As escolas vão poder gerir a sua carga horária e oferecer disciplinas complementares – de frequência obrigatória! A Educação para a Saúde – onde a Educação Sexual também poderá ser abordada – é um dos exemplos dados como disciplina complementar. A Educação Sexual é, sem dúvida, importante para os jovens. A JSD entende que esta reforma acautela essa importância e dá os instrumentos necessários às escolas. Nós vamos continuar a acompanhar o desenvolvimento e a implementação desta reforma e seremos os primeiros a defender qualquer acerto que se revele necessário. ’ Deputado
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POLÍTICA INTERNACIONAL
F A U S T O P I N T O D E M AT O S
Comecemos por clichés: na era digital, saber o que se passa nos quatro cantos do mundo tornou-se tão simples quanto ter uma conta facebook; neste mundo globalizado, saber o que se passa lá fora deixou de ser apenas reflexo de uma maior proximidade. Decisões e condicionalismos noutros países podem ter impacto na vida de cada um. Isto é tão mais verdade no nosso quarteirão: a União Europeia. Aqui, tudo tem, potencialmente, efeito nas nossas vidas. E não me refiro apenas a cataclismos económicos. O grande vencedor dos Oscars deste ano, incluindo melhor filme, foi produzido em França. Em 2011 também, o mais oscarizado dos filmes foi europeu: O Discurso do Rei, produzido no Reino Unido. Não são apenas campeões nacionais dos seus respetivos países, são nossos, europeus. Financiados até por nós, europeus. Mas não é apenas no cinema que temos vindo a inspirar o mundo. Nos últimos 26 anos (desde que Portugal e Espanha se mudaram), a União Europeia tem sido fonte de inspiração para o mundo: nunca na história da humanidade, tantas pessoas, num tão curto espaço de tempo, viram o seu nível de vida melhorar tão rapidamente. A minha mãe ainda conta como tinha de partilhar com os 22
irmãos uma sardinha. Hoje, 500 milhões de pessoas integram o espaço mais rico e desenvolvido do mundo. Representando apenas 7% da população, a UE produz anualmente 26% da riqueza do mundo. E eu tenho um Ipad – passo a publicidade. Mais importante ainda, a Europa caminha para uma sociedade em que, pela primeira vez, nenhum dos seus cidadãos viveu ou sofreu as consequências da guerra no nosso continente. A Europa: o continente com mais guerra e destruição na história da humanidade. Temos por isso a obrigação de lutar pelo que tem sido a solução mais estável de paz e criação de riqueza e bem estar no nosso continente. Não menos verdade e importante, é compreender que continuamos a ser 27 Estados, com políticas nacionais, com visões diferentes. Unidos na Diversidade. E voltamos ao inicio: é importante – e fácil - saber o que se passa na “casa” dos nossos vizinhos. Nicolas Sarkozy tem eleições durante este ano, onde terá de defrontar um eleitorado hostil à sua governação; Angela Merkel tem eleições no próximo ano, tendo uma frágil maioria na câmara baixa do Parlamento Alemão; o Reino Unido tem no governo um partido com uma facção antieuropeísta; a Espanha tem o maior nível de desemprego da Europa e elegeu recentemente um dos seus governos
RIQUEZA MUNDIAL
mais conservadores de sempre; a Itália terá na sua liderança, por alguns meses, um burocrata não eleito; a Bélgica, a Irlanda e a Grécia também tiveram recentemente mudanças – mais ou menos democráticas – de Governo. Não se trata de justificar ações (ou omissões), antes realçar a importância do seu contexto. Não muito longe, e contextualizada pelas revoluções no mundo árabe, a Síria assiste a uma luta sanguinária pelo poder. Bashar al-Assad, ainda líder do regime, luta violentamente contra o que considera serem “guerrilhas armadas”. A verdade é que há cerca de um ano que o Presidente
POPULAÇÃO MUNDIAL
UE
perdeu mão no seu país – um dos principais produtores de crude no planeta. Planos de reforma sugeridos pela liga árabe foram bloqueados pela Rússia e pela China no Conselho de Segurança. São já milhares os mortos que se amontoam pela ruas da Síria. A Cruz Vermelha tem visto a sua intervenção restrita. Jornalistas internacionais foram já assassinados. Apesar de tudo isto, a única intervenção internacional visível – possível? – neste país, fulcral na região e às portas da Europa, traduziu-se em cortar o acesso à economia mundial. O impacto na população é difícil de imaginar. Não muito longe também, quer da Síria quer da Europa, o Egito vive o pós-revolução. Sem saber muito bem por onde ir, o novo regime demora-se a implantar. Pelo menos desde a Revolução Francesa que períodos pós-revolucionários tendem a ser di-
fíceis e, não raras vezes, traumáticos. A diversidade de religiões (no caso egípcio: islâmicos sunitas e coptas, sobretudo), bem como a diversidade de etnias, torna estes períodos ainda mais difíceis. O desmoronamento de vários regimes ditatoriais durante a Primavera Árabe é – em si – bom. Mas para a Europa, o caos na região pode ter consequências económicas, energéticas e militares bastante graves. Pior ainda: Humanitárias. No minuto que Kadhafi perdeu controlo da Líbia, deu-se uma verdadeira tragédia, com milhares de imigrantes a morrerem na tentativa de chegar a solo europeu.
cia terá impacto sobre a europa. Se mais não for, fragilizará a posição da Europa sobre a regulação internacional dos mercados. Nunca tivemos tantos vizinhos e tão próximos. Não tenham medo de ser indiscretos: vão e vejam o que se passa na casa deles. Quem nunca bisbilhotou casa alheia que atire a primeira pedra. Eu, por meu lado, não terei qualquer pudor em discutir convosco o que se anda a passar por aí, na casa dos outros. ’ Jurista
Terão de ser os povos a decidir o seu futuro, mas a Europa terá – tem de ter – um papel importante nesta “reconstrução”. Sendo certo que a democracia não se instala por decreto. Nos nossos vizinhos Estados Unidos, teremos eleições em Novembro. O crescimento económico é tema fulcral, apesar das – aparentes – boas notícias sobre criação de emprego. Curiosamente, ser pro-europa é, por estes dias, o argumento distintivo entre republicanos – ainda sem candidato – e democratas – do Presidente Obama. Isto é, os republicanos acreditam que a atual presidência tem politicas de grande dispêndio público e demasiada intervenção do estado na economia. Na sua óptica, isso define a Europa, com os resultados que se tem visto - acrescentam. Nos últimos 50 anos, nenhum presidente que se recandidatou perdeu uma eleição. No entanto, uma mudança na Presidên23
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ECONOMIA
CETERIS PARIBUS
“Ceteris Paribus ('ce.te.ris 'pa.ri.bus na pronúncia eclesiástica ou ko.'e.te.ris 'pa.ri.bus, na pronúncia restaurada), também grafada coeteris paribus, é uma expressão do latim que pode ser traduzida por "tudo o mais é constante" ou "mantidas inalteradas todas as outras coisas".”
P DIOGO VIEIRA DA SILVA
ode parecer amador e contraproducente começar a primeira crónica desta coluna intitulada “Ceteris Paribus” com a sua definição… mais ainda quando a mesma vem da Wikipédia. Mas a intenção desta coluna é desmistificar e criar a compreensão de que a Economia ou atividade económica é algo que qualquer pessoa com o mínimo de sabedoria pode compreender “se tudo o resto se mantiver constante” (Ceteris Paribus). Deixemo-nos de rodeios e vamos ao cerne da questão! A realidade é que a condição “Ceteris Paribus” é usada e abusada por todos os “teóricos” e “ideólogos” da Economia e conclui todas as leis económicas, dando uma sensação de sapiência e elevação à Economia enquanto área científica. Provoca quase a inevitabilidade da condição… impondo o não questionamento! Contraditório? Obviamente que sim… Ora vejamos: Tal como Rui Henrique Alves afirmou numa das suas crónicas de 2011 “Em Economia, habitualmente lançamos mão de relações entre duas variáveis, assumindo que as demais não se alteram. Ora, o problema é que a realidade é muito mais complexa e dificilmente encontramos apenas variações de um par de elementos.”.
Que quer isto dizer? Que a condição “Ceteris Paribus” é uma engenhoca que os economistas criaram mas que não retrata a realidade? Que uma teoria económica quando aplicada na realidade pode produzir resultados muito aquém dos desejados ou esperados? A resposta a estas questões é sim! A condição “Ceteris Paribus” foi criada por forma a ajudar a compreender e explicar a relação entre duas hipóteses restritas, que obrigatoriamente são simplificadoras da realidade. Isto não pode ser entendido como negativo. Muito pelo contrário! Temos de ter a capacidade e o discernimento de entender que esta condição permitiu criar leis económicas que servem de linhas orientadoras da área económica, mas que em nada traduzem a realidade em que ela assenta, pois a sua realidade é muito mais complexa. Não fosse a Economia uma ciência social… E como qualquer ciência social, não é exacta… as mesmas condições de execução mudam consoante os seus intervenientes, dando obrigatoriamente resultados diferentes. Concluo com um exemplo e uma provocação Imaginemos um cenário em que um Estado diminui o rendimento dos seus funcionários com o intuito de
combater a despesa pública. Numa condição “ceteris paribus” o que aconteceria seria o esperado ou seja uma diminuição da despesa pública. Mas a realidade é que esta mudança tem consequências na atividade económica levando-a a um abrandamento e a um clima de pessimismo que gera uma diminuição do investimento privado. Como consequência esse mesmo Estado obtém uma diminuição drástica das receitas fiscais de tal forma que o facto não consegue compensar a poupança efetuada meses antes com a diminuição da despesa salarial. Este exemplo podia perfeitamente retratar o corte nos subsídios de Férias e de Natal! Mas só o futuro o dirá. Termino com a provocação com que iniciei esta crónica “a Economia ou a atividade económica é algo que qualquer pessoa com o mínimo de sabedoria pode compreender, se tudo o resto se mantiver constante (Ceteris Paribus).” ’ Economia
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DIREITO
EUTANÁSIA Hélder Pinto Bessa
Decorridos longos períodos sobre uma profunda e intimista reflexão sobre a utilidade e importância do uso da escrita, como forma privilegiada de intervenção social, chego à conclusão de que, pese embora a sua banalidade, esta é, ainda, uma das formas mais adequadas e genuínas de interagir com a comunidade em geral. E, é por isso que aqui estou, neste extemporâneo parto, quase executado a ferros, ou neste renascimento, que tão incómodo e difícil se tornou. E porque pensar é urgente e se trata de um imperativo categórico, falamos hoje de eutanásia, assunto para o qual fomos alertados, nos últimos tempos, pelos “media”. A intenção não será de todo esgrimir argumentos que sustentem uma ou outra posição, pelo menos nesta primeira fase, pretendo apenas relançar uma questão merecedora de uma profunda reflexão e debate social.
A
nteontem, em conversa informal com um amigo, conversava sobre a perda do sentido crítico da sociedade em que vivemos e o caminho tenebroso que se avizinha. Então, colocou-se uma questão interessante e, ao mesmo tempo, preocupante: será que as pessoas sabem realmente o que é a eutanásia e tomar uma posição consciente perante ela? Provavelmente, e sem grande margem para erro, atrevo-me a afirmar que cerca de 75% da população não sabe distinguir os vários tipos de eutanásia nem pesar devidamente os prós e contras desta prática. E quando vier um referendo? Basicamente, a maior parte das pessoas não sabe o que quer e vai com a moda. E a moda agora qual é? A expressão “morrer com dignidade” transformou-se num slogan confuso. Por um lado, é proclamado por pessoas favoráveis ao desligamento de máquinas que mantêm o doente vivo. Por outro lado, é defendido por aqueles que, contra a transformação da pessoa humana num mero objecto, colocam-se contra o prolongamento abusivo da vida humana através de tratamentos extraordinários sem efeito.
A questão fundamental é: o que é a eutanásia? A palavra é composta de duas palavras gregas - eu e thanatos - e significa, literalmente, “uma boa morte”. Medicamente, significa uma morte auxiliada, a prática pela qual se abrevia a vida de um doente de maneira controlada e assistida por um médico. Dentro da eutanásia, podem-se distinguir dois tipos: eutanásia passiva e eutanásia activa. A eutanásia passiva significa deixar que o doente morra, ou seja, a supressão de qualquer 26
tratamento médico que prolongue a vida. A eutanásia activa consiste em tomar medidas ativas que provoquem a morte do doente. Por outro lado, há a distanásia. Etimologicamente, é o contrário da eutanásia - do grego dis, mal, algo mal feito, e thanatos, morte. Consiste em prolongar o mais possível a vida do doente, ainda que não haja esperança de cura, através de métodos de suporte avançado de vida. Por fim, existe a ortotanásia, termo utilizado pelos médicos para definir a morte natural, sem interferência da ciência, permitindo ao paciente uma morte digna, sem sofrimento, entregue à evolução e percurso da doença. Evitam-se, portanto, métodos extraordinários de suporte de vida em pacientes irrecuperáveis e que já foram submetidos a esses cuidados, e dá-se primazia aos cuidados paliativos.
Que postura é moralmente correta? Não há uma resposta absoluta para estas questões, mas cumpre salientar que, de momento, a questão da eutanásia ainda não foi objeto de um verdadeiro debate no seio da sociedade portuguesa, como já aconteceu com outros temas como o aborto, pelo que é necessário fomentar a discussão entre os cidadãos, para que se proceda a uma análise informada dos diversos prós e contras que a eutanásia levanta. A eutanásia representa atualmente uma complicada questão que levanta discussões aos mais variados níveis, nomeadamente, no cultural, no ético e no jurídico. Isto acontece por causa do conflito de valores que aqui se observa. Com efeito, temos, por um lado o valor da vida, que quer o Estado, quer o Direito procuram proteger e, por outro, o valor da autodeterminação de pessoas que, devido ao seu estado precário de saúde, desejam dar um fim ao seu sofrimento, antecipando a sua morte. A isto acresce ainda a moral religiosa que se opõe terminantemente à prática da eutanásia e o conflito
interior dentro de cada um de nós que, por um lado, sentimos natural repulsa pela morte, mas por outro, não conseguimos permanecer insensíveis ao sofrimento, em especial, dos que nos são próximos. Esta questão, virá a ganhar cada vez maior importância com o passar do tempo, na medida em que com o gradual avanço da Medicina, existem cada vez mais técnicas que permitem, com mais ou menos qualidade de vida, prolongar a vida dos enfermos, permitindo que estes se tornem em “bonecos sagrados da sociedade”. Termino, permitindo-me deixar uma sugestão de filme que, na minha opinião aborda de uma forma bastante interessante toda esta questão: Mar Adentro, de Alejando Amenabar, sobre a vida de Ramón Sampedro. ’ Lic. em Direito pela Universidade do Minho, Pós-graduado em Direito Judiciário
ADOPÇÃO HOMOPARENTAL VS SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA Diogo Caldas Figueira
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os últimos tempos muito (e mal) se tem discutido em Portugal sob a adopção homoparental. Um mês depois de o Parlamento português se congratular com a aprovação de uma lei grosseiramente discriminatória, a Lei da Procriação Medicamente Assistida, assistimos no passado dia 24 de Fevereiro a mais uma decisão do órgão legislativo máximo português, marcada por pr(é)conceitos, ao rejeitar-se os projectos de lei que visavam alargar a possibilidade de adopção a casais de pessoas do mesmo sexo. O tão falado superior interesse da criança voltou a ser utilizado pelos já conhecidos opositores do avanço social no campo dos direitos, liberdades e garantias como o argumento máximo que tal tipo de adopção não poderia ser permitida, dado que qualquer criança necessitaria sempre de um pai e de uma mãe. Estranho que os Senhores Deputados se tivessem esquecido dos milhares de crianças que são criadas uma vida toda apenas por um dos progenitores sem qualquer interferência no seu desenvolvimento ou então todas aquelas crianças que anualmente são adoptadas singularmente.
Como se poderá pugnar por um argumento de diversidade de sexos para os progenitores/ cuidadores de uma criança num ordenamento jurídico que consagra e regulamenta uma figura como a adopção singular? Tivemos direito também a ter um parecer da Ordem dos Advogados, assinado pelo Sr. Bastonário Marinho Pinto, a sustentar tal posição e a afirmar que a actual lei vigente não se encontrava ferida por qualquer discriminação dado que o tal superior interesse da criança seria ditador da existência de famílias apenas compostas por um pai e uma mãe, sendo estas duas figuras em conjunto as únicas capazes pelo correcto e integral desenvolvimento da criança. E mais uma vez Portugal através dos seus órgãos máximos da soberania ditou um desfecho previsível, discriminatório por pura ignorância e desconhecimento dos próprios conceitos tão diversas vezes invocados e utilizados. O tão mediático superior interesse da criança tem sido encarado pela maioria da doutrina e jurisprudência como um conceito indeterminado, cuja concretização e valoração é feita pelo aplicador do Direito, o que pode levar a uma subjectividade
extrema. Apesar desta subjectividade inerente, o conceito de interesse da criança contém um núcleo essencial compreendido por valorações objectivas que reúnem o consenso na doutrina e na jurisprudência. A manutenção da estabilidade da vida familiar e social da criança, e o respeito pelos seus laços afectivos e emocionais, são realidades que objectivam o conceito de interesse da criança e limitam a discricionariedade judicial. Antes de se invocar o superior interesse da criança deve-se procurar saber o que o mesmo significa e saber aplicá-lo em cada situação. Neste sentido e tendo por base esta noção do superior interesse da criança, o instituto da adopção não deve ser uma realidade tipificada ou rígida, que só seja possível dentro dos moldes da família tradicional, como substituição da procriação biológica. Ainda na senda do superior interesse da criança, não se consegue compreender a discrepância de tratamento dado ao mesmo por parte do Estado, quando comparados os pais biológicos com os candidatos a adopção. Por um lado, nos processos de adopção, este superior interesse da criança é levado ao seu extremo máximo, assumindo o Estado e os órgãos oficiais um verdadeiro papel fiscalizador, procurando selecionar candidatos ideais, enquanto que nas famílias biologicamente constituídas as oportunidades são sucessivas, os casos de violência doméstica e maus tratos multiplicam-se e o Estado resigna-se e assiste em silêncio.
Onde está aqui o superior interesse da criança? Importa, no entanto, esclarecer que ao contrário da crença social dominante, em Portugal não existem mais crianças em condições de serem adoptadas do que o número de casais a adoptar. Neste sentido, muitas vezes é apontado que, permitir-se a adopção de crianças por casais gays, diminuiria as possibilidades de casais heterossexuais conseguirem uma criança. Tal argumento é de repudiar pois uma diferenciação em função da orientação sexual, colocando os casais heterossexuais como os “primeiros da fila”, não é legítima nem justificável, reflectindo uma ideia pré-concebida acerca do que é melhor para uma criança e do carácter secundário dos casais homossexuais enquanto cidadãos. A lei 9/2010 veio alargar o casamento civil aos casais de pessoas do mesmo sexo mas veio, por outro lado, criar um verdadeiro imbróglio jurídico no que à adopção diz respeito, levando à multiplicação de situações aberrantes e surgindo mesmo o casamento civil como um obstáculo legal ao instituto da adopção. Num ordenamento jurídico que consagra a possibilidade de qualquer pessoa sozinha adoptar uma criança, não se compreende como o simples estado civil de casado/a possa surgir como um impedimento, como um alerta de que aquela pessoa pelo simples facto de se casar com alguém do mesmo sexo deixou de ser idónea e/ou apta a cuidar de uma criança. A adopção deve ser, em primeira mão, um direito da criança a viver numa família, direito que decorre do artº 69º/1 da Constituição Portuguesa. Apesar de não podermos, sem mais, afirmar que
os homossexuais têm uma justificação constitucional para invocarem o direito a adoptar, o que acontece é que temos uma lei que determina que os casais homossexuais, pela sua orientação sexual, não podem adoptar crianças. Tal situação poderia efectivamente, quiçá, ser justificada com base no superior interesse da criança. Mas para tal seria necessário que se demonstrasse que o superior interesse da criança, objectivo máximo da adopção, fosse comprometido por um casal de pessoas do mesmo sexo. E tal facto já foi e é diariamente refutado pelos mais diversos estudos da comunidade científica internacional. Pelo que na falta de argumentos apenas nos resta (aos Senhores Deputados) as nossas convicções pessoais, as verdades que tomamos como universais porque assim fomos educados ao longo de gerações, formatados e fechados, sem capacidade de ver mais além do que há 50 anos era doutrina e tida como verdade universal. Perante a incoerência dos argumentos e a falha dos mesmos, rejeita-se a adopção de crianças por casais de pessoas do mesmo sexo com base tão simplesmente numa homofobia generalizada, internalizada mas disfarçada de uma pretensa preocupação com as crianças. Negar a possibilidade de reconhecimento legal de paternidade/maternidade de casais homossexuais para proteger a dita família tradicional não só é profundamente injusto, porque pune a criança por algo que lhe foge totalmente ao controlo, i.e., ter nascido no âmbito de uma relação homossexual, como é também desprovido de fundamento, uma vez que tal negação não vai alterar o facto de que este tipo de famílias existe e vai continuar a existir. Proteger a relação que a criança tem com ambos os pais e dar-lhe, perante a lei, a estabilidade e a segurança necessárias, é uma decisão que promove o interesse da criança. A importância de uma alteração legislativa passa pela eliminação do obstáculo legal, fazendo com que a homofobia e a desconfiança para com os casais homossexuais deixem de estar legitimadas e previstas na lei, facilitando a sua aceitação social. O fundamental é pugnar para que, no futuro, não seja qualquer tipo de legislação rígida e desadequada mas sim um órgão competente desprovido de mitos e preconceitos a decidir quais os candidatos idóneos para adopção, não havendo grupos excluídos a priori por lei, como ainda hoje acontece. A ponderação necessária deverá incidir tão somente na capacidade de assumir responsabilidade por uma criança. A família, que tantas crianças procuram, não pode ser escolhida tendo por critério último a orientação sexual dos adultos que a compõem. Excluir e negar à criança o ambiente e a família capazes de responder às suas necessidades de afecto, com base em critérios dúbios, discriminatórios e sem validade científica, é um erro e uma hipocrisia total, num país que supostamente procura, acima de tudo, proteger as suas crianças, os seus jovens, o tal superior interesse da criança. ’ Mestre em Direito Privado pela Universidade Católica Portuguesa com o tema “A Adopção no âmbito da Parentalidade Homoafectiva” 27
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M A N U EL DA M A S
A intenção desta crónica é escrever sobre Sexualidades e Moda, áreas que, aparentemente distantes e distanciadas estão, na realidade, profusamente interligadas. A Moda é, sem tergiversações, um dos contextos em que os estereótipos mais se perpetuam. Principalmente porque os modelos, que os há em Portugal, são obrigados a seguir estereotipias evidentes, cansativas e asfixiantes. Mas a fauna dos modelos dicotomiza-se, de forma ambígua, também pelo género. Elas, obrigatoriamente altas, sempre magras, quase anoréticas ou bulímicas, nitidamente estereotipadas, pouco sorridentes. Em contexto de trabalho a expressão torna-se, então, rígida, antipática, fria e frígida, distante. Eles, com muito cabelo, quase sempre demasiado cabelo, meticulosamente despenteados, aparentemente desleixados, magros também, quase nunca sorridentes, inegavelmente incomodados. Em uníssono todos parecem dormentes, letárgicos, cansados apenas por existirem. E multiplicam-se os rasgões na roupa, outrora símbolos de pobreza, agora elevados a imagem iconográfica. Este tipo de ambiente é definido como “fashion”. É toda uma mística grupal, de tribo, de clã, elevada ao exagero. Mas é, também, todo este cenário, de plástico, que ajuda a perpetuar os mitos, com pés de barro, sempre exibidores do mesmo
sorriso-esgar, cumprindo, escrupulosamente, todos os estereótipos. E toda esta encenação atrai, fascina e deslumbra os jovens, porque sinónimo de estrelato, desejado, invejado, inatingível, principalmente para aqueles que estão fora do círculo íntimo. É o inalcançável, com que todos sonham, muitas vezes por falta de maturidade e de ideais. São os 5 minutos de glória que os palcos supostamente propiciam, a almejada janela de oportunidade, uma porta aberta para o sucesso, ainda que, a maior parte das vezes, seja uma abertura…para o nada. E não nos podemos esquecer que um dos itens que a Pirâmide de Maslow das Necessidades configura é a apreciação pelos pares, enquanto geradora de auto estima. Tudo isto sucede porque vivemos numa Sociedade despudoradamente plástica, já o afirmei e reafirmo. Vivemos numa Sociedade em que somos confrontados, constantemente, com estereótipos que os media vendem à exaustão, inatingíveis, hiperpresentes, condicionando, em permanência, todas as nossas vivências, a nossa forma de ser e de estar, implicitamente de pensar e de amar. Somos reféns da tirania do "perfect body and no mind". E a angústia do inatingível tortura-nos, em permanência. É o mito da perfeição que utilizando, sabiamente, todos os nossos sentidos, condiciona ferozmente os nossos procedimentos, atitudes e ideais. E isso reflecte-se, de
modo perverso, nas nossas relações, na janela da nossa afectividade. Até porque estamos em plena era do World Wide Web, rapidamente simplificado em WWW, em que o amanhã se torna hoje e vertiginosamente ontem, transmutando as certezas em probabilidades e logo depois em inverdades e esta velocidade vertiginosa tudo condiciona, incluindo as vivências afectivas. Também por isso a época é de incertezas, senão de contradições, gerando um elevado potencial de insegurança. Como tal existem as máscaras, que todos criamos, utilizadas consoante o contexto, a fase e o momento e, sem elas, ficamos frágeis, expostos, desnudos, reais. E a Modernidade não se compadece com fragilidades… E tudo o acima exposto justifica a realidade irreal em que vive a Moda. Digamos, a título de desculpabilização, que a culpa é da Sociedade … mas a Sociedade somos todos nós. Assim sendo, porque continua a Moda a ser pensada e feita apenas para alguns? Com que direito? É que a grande maioria da população, nomeadamente em Portugal, não cumpre os estereótipos que a Moda impõe. Não somos todos, definitivamente, altos, bonitos, perfeitos. A Moda deveria democratizar-se e, acima de tudo, tornar-se mais realista, devendo assumir o objectivo inclusivo.
Onde pára a Moda para os obesos? A obesidade é, já, um problema de Saúde Pública, em Portugal, pelo grande contigente de pessoas que afecta, principalmente entre os jovens, ainda que haja um evidente incómodo, por parte das entidades oficiais, quando esta questão é equacionada. Onde pára a Moda para os Velhos? Os tais que a Publicidade e o Marketing ignoram por, aparentemente, não serem um público sedutor em termos financeiros visto estarem oficialmente desvinculados laboralmente e, como tal, não parecerem ter fundo de maneio suficiente para se tornarem um público alvo atraente. Onde pára a Moda para os deficientes, principalmente os físicos? É esta maldita relação de incomodidade e distanciamento que a Sociedade portuguesa tem com a deficiência, quase parecendo ter medo do contágio. A deficiência coitadifica-se, em Portugal, mas quase nunca por culpa das vítimas. E o grave problema, principalmente em termos de Cidadania e de Identidade é que os três grupos referidos existem, são reais, têm direitos, inclusive a comprar e a vestir segundo a Moda, principalmente porque são cidadãos e, acima de tudo, são pessoas. Pessoas com direitos plenos…e seguir a Moda deveria ser um deles, inalienável. ’ Médico e Sexólogo
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CIÊNCIA & TECNOLOGIA
NANOTECNOLOGIA VA N E S S A S A N T O S S O A R E S
A nanotecnologia aplicada à Medicina remete para a década de 80, no entanto só recentemente é que surgiram as primeiras utilizações explorando as verdadeiras potencialidades do tamanho nano (partículas na gama de 10–9 m). Este tema é um tópico alvo de conferências e debates na comunidade científica nos últimos anos. Tem-se batalhado para chegar a um consenso numa área diversa e recente que diariamente gera polémica, em detalhes técnicos, regulamentares e éticos. Uma variedade inimaginável de nanopartículas (p.e. Nanoesferas, Nanocápsulas, Lipossomas, Micelas) é possível devido à variação das suas características como o diâmetro, forma, carga superficial, estrutura e constituição da nanopartícula e a associação de ligandos à superfície. A variação e combinação destes factores tornam esta tecnologia promissora e versátil sendo facilmente integrada em áreas de diagnóstico e terapêutica (Oncologia, Oftalmologia, Cardiologia, Neurologia, Dermatologia, Microbiologia entre outras). Esta tecnologia acarreta melhorias significativas às terapêuticas utilizadas de forma ubiquitária não só pelo tamanho reduzido das partículas (aumenta a área de superfície melhorando a sua dissolução) mas também pela possibilidade de utilizar alternativas à administração intravenosa, pelo aumento da biodisponibilidade da molécula e pela optimização das suas taxas de libertação (sendo possível a administração de quantidades mais baixas reduzindo assim a toxicidade). As moléculas que beneficiam são as que apresentam características lipofílicas – pouco solúveis em meios aquosos, baixo peso molecular, toxicidade elevada inespecífica, passando a sua actuação a ser direccionada – alvo terapêutico – e com um mecanismo de acção específico (simples ou multifuncional). A entrega destas moléculas depende de características únicas do organismo como as barreiras biológicas, físicas e químicas que dificultam o transporte e o uptake celular de agentes terapêuticos e de diagnóstico sendo necessário providenciar transporte e entrega através de nanopartículas até ao local de acção. As nanopartículas devem ser pequenas o suficiente para deixar a vasculatura (fenestras vasculares são ultrapassadas por partículas com diâmetro < 50 nm no entanto podem ser internalizadas pelas células até >>100 nm) e executar diversas tarefas pré-definidas. A capacidade de direccionar nanopartículas para moléculas específicas em células com traços patológicos (Cancro ou Doenças Degenerativas) deve-se ao conhecimento das características e da comunicação entre uma ou um grupo de células com o complexo ambiente 30
envolvente. Outra perspectiva considerada o futuro da terapêutica, é a adequação ao indivíduo e ao subtipo da patologia - contemplando os seus polimorfismos genéticos. Cada pessoa apresenta uma carga genética própria podendo conter variações que influenciam as funções e a extensão do metabolismo essencial. O metabolismo das moléculas transportadas por nanopartículas é influenciado directamente, assim como a biodisponibilidade e a resistência ao tratamento. A optimização da rota de entrega de moléculas no alvo terapêutico assim como a quantidade a entregar é possível com esta tecnologia. A inovação está presente na Nanotecnologia e cumpre os requisitos para revolucionar a área da terapêutica e diagnóstico. ’ Lic. Biologia
A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA NA MODA PEDRO SOUSA
Longe vai o tempo em que os tecidos serviam única e exclusivamente para cobrir o corpo. Actualmente, são usados na confecção de vestuário, artigos têxteis domésticos e outros produtos industriais. Mas não pensem que se fica por aqui. Com o avanço da tecnologia, o que parecia ficção científica, hoje em dia é só a ponta do iceberg. Roupas que se adaptam às variações da temperatura, que registam as principais funções vitais, que ajudam no tratamento da celulite , que não se sujam, e que repelem manchas são já uma realidade. Inicialmente, o vestuário surgiu como uma necessidade intrínseca do homem se proteger do meio ambiente. O homem primitivo iniciou-se nesta procura utilizando peles de animais, no entanto, depois de secas verificou que as mesmas apresentavam uma dureza excessiva e um baixo índice de maleabilidade e, a sua utilização para além de limitar os seus movimentos, deixava partes do corpo ao descoberto. Um dos avanços mais significativos na evolução das roupas foi a tecelagem. O homem descobriu que a partir do pêlo dos ovídeos poderia obter fio e, entrelaçando-o obteria tecido e foi-o assim durante séculos. Na Inglaterra, com o aparecimento dos teares mecânicos a vapor deu-se inicio à produção industrial têxtil em larga escala. Em meados do século XIX conseguem-se fabricar as primeiras fibras químicas, com a finalidade de reproduzir e melhorar as características e propriedades das fibras naturais. No nosso quotidiano exibem-se tecidos com as mais variadas formas, cores, desenhos e funções diferentes. Mas, a ciência já é capaz de “adulterar” a matéria à escala atómica e molecular, para criar novos materiais com características funcionais diferentes dos materiais comuns. Este novo campo apelidamos de nanotecnologia. Os tecidos tecnológicos vieram para ficar e já revolucionaram a forma como nos relacionamos com a roupa, começando a dar cartas no mundo da moda. Adjacente à escolha dos tecidos está o fim a que se destinam. Mas existem propriedades comuns, que todos aqueles que ditam tendências gostam de ver espelhadas nas suas obras-primas. Tecidos mais leves, que se adaptam às mudanças de tamanho, que facilitam a evaporação do suor, que não amassam e que não necessitam de ser lavados, podem ser o sonho ou o pesadelo de qualquer criador mas, indiscutivelmente são já a aposta da indústria têxtil. Mas as aplicações no mundo da
moda não se circunscrevem a isto. São já hoje os variadíssimos exemplos em que materiais revestidos com cristais líquidos e que mudam de cor consoante a temperatura ambiente são utilizados nesta indústria. Imagine agora puder mudar a cor da sua roupa, o padrão ou mesmo utilizar uma imagem? Utopia? Não. Os Investigadores do MIT (do Instituto de Tecnologia de Massachusetts) estão já a desenvolver uma fibra capaz de reflectir toda a luz incidente e que, com um pequeno interruptor, permita ao utilizador, de uma forma prática, fazer todas estas alterações. No que ao bem-estar e saúde diz respeito podemos já encontrar no mercado materiais com compressão localizada que inibem a proliferação de bactérias, outros que permitem bloquear raios UV e ainda combater a celulite. Mas, o recurso às nanoparticulas poder-nos-á abrir muitos outros horizontes. Tecidos com capacidade de se adaptarem às variações de temperatura, eliminar vírus e bactérias, bloquear toxinas, e mesmo irradiar luz infravermelha para activação da circulação sanguínea poderão ser uma realidade muito breve. O que poderá ser verdadeiramente revolucionário serão roupas que registem as principais funções vitais, alertando utilizadores, médicos e treinadores para a existência de um problema de saúde e/ou desempenho de um atleta. O desporto apresenta-se por isso, como uma área onde prolifera esta tecnologia. Aqui a utilização tem-se focado principalmente no objectivo de, por um lado diminuir o atrito, permitindo por outro, um aumento da velocidade. Novos fatos ajudaram recentemente nos jogos Olímpicos de Pequim vários nadadores e velocistas a baterem novos recordes.
Uma outra novidade é o facto de o algodão, tais como muitas outras matérias-primas usadas na indústria têxtil, não ter capacidade de ser condutor de corrente eléctrica. No entanto, materiais com esta característica já não são novidade no mundo da moda, no entanto, só agora é que cientistas e investigadores começam a estudá-los com a finalidade de lhes puder incorporar todo o tipo de dispositivos electrónicos. Ainda assim existem já alguns exemplos de roupas digitais, como coletes equipados com microcontroladores e com díodos emissores de luzes (LED) que permitem exibir quer mensagens de texto quer imagens 1 ou mesmo um blusão com teclado capacitivo 2 que permite controlar qualquer dispositivo musical. Assim avança o Tempo e o Mundo, mesmo que em velocidades diferentes.
’ Prof. Universitário
fotografia © ELECTRONICS HOWSTUFFWORKS
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fotografia © BBC.CO.UK
fotografia © PETRATEX
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HISTĂ&#x201C;RIA
Nefertiti, Akhenaton e os seus filhos.
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Eugénio Giesta
* As datas seguem a cronologia proposta na obra de Ian Shaw, “The Oxford History of Ancient Egypt”.
NEFERTITI E AKHENATON são, talvez, o casal mais mediático do Antigo Egipto, sendo provavelmente das personalidades que mais tinta fizeram correr. As revoluções levadas a cabo no seu reinado marcaram profundamente o país, a arte e a religião, alterando-se convenções e ideologias em prol da vontade real. Nascido Amenhotep, “o escolhido de Amon” (Amenófis em grego), era filho do faraó Amenhotep III e da sua rainha principal Tiy. Não seria provavelmente o filho mais velho mas sim o príncipe Tutmés (ou Tutmósis), que terá falecido jovem, passando a linha dinástica para o seu irmão, Amenhotep IV. Não existem também certezas quanto à existência de uma co-regência com o seu pai ou à herança do trono após a morte do mesmo. Sabe-se sim que foi coroado em Tebas (c. 1352 a.C.* ), onde fez alterações no templo de Amon-Ré, decorando a entrada sul com cenas que o representavam a adorar Ré-Horakhty, uma outra face (simplificando) do deus solar Amon-Ré. Nos primeiros anos de reinado (até ao V) Amenhotep IV manteve as práticas religiosas como até aí era normal, introduzindo o culto a Aten, o disco solar, um deus que poderá ser encontrado pelo menos na dinastia XII (c. 1985 – 1773 a.C.) e que foi adorado extensivamente no reinado do seu pai, Amenhotep III, exercendo por isso influência no seu filho. Foi também durante os primeiros anos do seu reinado que se casou com a filha do seu vizir Ay, a não menos conhecida Nefertiti, “a bela chegou”. A partir do seu V ano de reinado Amenhotep enfrentou o poder do clero do deus Amon, algo que o seu pai já tentara limitar. A acção de Amenhotep IV foi mais radical que a de seu pai: transferindo o poder de Amon para Aten, o faraó instituiu uma religião não monoteísta, como é geralmente vista, mas sim henoteísta, significando isto que os outros deuses não foram banidos; o que acontece é que Aten passa a ser o deus principal, e todos os outros são meras emanações dele, sendo o faraó e a sua esposa os filhos directos de Aten. O nome “Aten” resultou da simplificação da fórmula do deus Ré-Horakhty inscrita nos templos que erigiu em sua honra, significando “o disco solar”. Originalmente esta nova forma do deus solar era representada da forma tradicional: um homem com cabeça de falcão com um disco solar, mas no reinado de Amenhotep IV esta iconografia foi alterada para a de um disco com raios que terminam em mãos segurando o ankh, símbolo da vida, que tocam o rei e a sua família. A partir daqui o faraó adopta o nome Akhenaten, “o servo de Aton” e para que a mudança seja completa, funda uma nova capital em solo virgem, Akhetaten, “o horizonte de Aten”, a
moderna cidade de Amarna. Antes de se mudar, alguns dos rendimentos dos cultos estabelecidos haviam sido desviados para o culto de Aten, piorando a situação após a mudança para a nova capital. No entanto parece provável que apenas os escalões superiores da sociedade aderiram a esta “nova” religião, mantendo-se os costumes antigos entre o povo comum já que a maioria da população não tinha qualquer relação com a instituição religiosa, excepto nos dias santos em que se faziam cortejos com a estátua do deus junto às muralhas do grande templo. Na última parte do seu reinado, terá apontado Nefertiti como co-regente, uma medida invulgar tomada apenas em circunstâncias excepcionais. A política terá também sofrido um golpe com a quase obsessão de Akhenaten pelo deus, seu “pai”, evidenciando ainda mais algumas fendas surgidas no reinado de Amenhotep III. A autoridade civil e militar respondia a duas pessoas: Ay, o ministro e sogro do faraó e o general Horemheb, também da família de Akhenaten por ser casado com a irmã de Nefertiti. Os cânones artísticos são talvez dos contributos mais notáveis do chamado “período de Amarna”, onde se vê uma aproximação ao realismo, uma fuga à estática artística tão característica da arte egípcia, havendo uma maior noção de movimento, uma maior liberdade de expressão. A representação da família e de afectos é também algo novo. As representações do faraó, que tanto dão que pensar, continuam a ser objecto de estudo e das mais variadas teorias: a cabeça anormalmente alongada, lábios grossos, pescoço alongado, abdómen protuberante, seios quase femininos, ancas largas, coxas grossas e pernas finas são algumas das características. Este tipo de representação extendeu-se primeiro à família real e mais tarde ao resto da população, embora não de forma tão exagerada. O exemplo mais conhecido deste período é o famoso busto de Nefertiti, exposto presentemente no museu de Berlim. Apesar do período amarniano ter durado uns meros 20 anos o seu impacto foi grande, sendo talvez o acontecimento mais importante na história religiosa e cultural do Egipto, deixando cicatrizes profundas na consciência colectiva dos seus habitantes. Após a morte de Akhenaten, no ano 17 do seu reinado, o país retomou, superficialmente, às práticas religiosas tradicionais, chegando mesmo a haver uma verdadeira campanhã para eliminar Akhenaten da história. No entanto o efeito de Amarna é notório quer na arquitectura, quer na pintura dos tempos que lhe seguiram, gravando para sempre o nome do faraó na história, embora não pelas melhores razões. ’ História
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ID’ENTIDADES
A ID’ é uma revista lançada pela CASA, uma ONG que trabalha, entre outras vertentes, na defesa pedagógica da Identidade e na luta contra todas as formas de Discriminação, tentando fazer a prevenção da Inclusão, no sentido da Cidadania e, acima de tudo, defendendo a Universalidade do Direito à Felicidade. Por tudo isso o nome da revista é ID’, acrónimo de Identidade. A Revista ID’ será uma publicação com periodicidade mensal, apenas em suporte digital numa primeira fase. Mensalmente a ID’ será direcionada para um grande tema da atualidade, abordado principalmente nas vertentes social, cultural e política. Uma das rubricas da ID’ será a ID’ENTIDADES, que reportará à capa e que versará o tema mensal. Este primeiro número da ID’ é dedicado à Moda. Para falarmos do tema teríamos que conversar com expoentes máximos da Moda. O nome que imediatamente surgiu foi o dos gémeos Nuno & Marco Moreira, por serem modelos internacionais de topo. A intenção é, na ID’ENTIDADES, levar os leitores a uma visita guiada aos bastidores da Moda, dando a conhecer os mitos, as condicionantes, os estereótipos, enfim, a realidade que é ser modelo de topo em Portugal.
ENTREVISTA ’ MANUEL DAMAS FOTOGRAFIA ’ SARA CARVALHO MAQUILHAGEM ’ CARLA CARMO
ID’ Ao falarmos de Moda, o nome dos gémeos Moreira é uma referência incontornável, pela imagem, pelo profissionalismo, pela qualidade, mas também pelo facto, raro, de serem gémeos. Como foi o vosso início no mundo da Moda? MARCO MOREIRA Tudo começou numa das nossas viagens à Dinamarca. Além de sermos modelos somos dançarinos de Danças de Salão. Um dia enquanto estávamos no aeroporto a aguardar a ligação Inglaterra-Dinamarca, fomos abordados por Alexander James, um dos melhores cabeleireiros da Dinamarca. Ele gostou muito da nossa imagem e convidou-nos para fazermos a sua campanha de cabelos desse ano. ID’ Foi aí que tudo começou ou seja, o vosso trajeto na Moda Internacional teve início na Dinamarca? MM Sim. Foi desta forma que nos estreámos na Moda, logo em contexto internacional. ID’ E como foi passar da realidade dinamarquesa para a portuguesa? NUNO MOREIRA Após termos feito alguns trabalhos na Dinamarca regressámos a Portugal. Nessa altura uma grande amiga nossa, que é atriz, a Rute Miranda e que estava agenciada na Glam Models, sugeriu-nos sermos agenciados. Como já tínhamos feitos alguns trabalhos na Dinamarca e estávamos a construir um nome, conviria estarmos agenciados ou seja, estarmos ligados a uma Agência de Modelos. Nessa altura foram estabelecidos contactos e acabámos por ficar na Glam Models. 35
ID’ Mas, atualmente já não estão na Glam Models… NM Não. Neste momento somos modelos da Central Models. ID’ O facto de serem gémeos facilitou? MM Ajudou bastante até porque os nossos referenciais são semelhantes. Mas, para além de sermos gémeos, o mais importante é termos conseguido criar um estilo, uma imagem, uma personalidade. E é isso que tentamos transmitir, é isso que vendemos, quer quando fotografamos, quer quando desfilamos. Claro que o facto de sermos irmãos gémeos ajuda muito, inclusive porque nos podemos apoiar mutuamente. ID’ Vocês são mais requisitados, enquanto manequins, a título individual 36
ou como gémeos? NM Nós somos mais contratados enquanto gémeos, para desfilarmos em conjunto. MM Mas também temos trabalhos em que somos contratados individualmente e é engraçado que habitualmente é uma vez um e depois o outro. Não podemos dizer que um tem mais contratos do que o outro. ID’ Ser modelo, em Portugal, hoje, é mais fácil ou mais difícil do que em contexto internacional? NM Internacionalmente é muito mais competitivo. A oferta de manequins é muito maior e todos lutam pelo mesmo, tornando a concorrência maior. Em Portugal é um pouco mais fácil, porque somos gémeos e não há muitos. Por outro lado estamos na Central
Models, que é uma ótima Agência de Modelos e temos um dos melhores bookers portugueses, o Mário. ID’ Gémeos modelos, em Portugal apenas existem vocês, os irmãos Guedes e o Jonathan e o Kevin? MM Isso mesmo. Só são esses. E o mais engraçado é que estes três pares de gémeos são todos agenciados da Central Models. ID’ Estamos a falar de e sobre a Moda. Podemos dizer que há Moda, reconhecida como tal, em Portugal? NM O mercado da Moda em Portugal ainda é muito pequeno. Quando há pouco falávamos que nos outros países a Moda é muito mais competitiva isso acontece porque existem muito mais modelos, mas também existem muito mais estilistas. Por outro lado as
oportunidades, em termos de eventos, também são em muito maior número. Há muito mais hipóteses de trabalho. ID’ Enquanto Modelos Internacionais de eleição, se vos pedisse um conselho para um jovem candidato, qual seria a primeira recomendação? NM Sem dúvida definirem muito bem o que pretendem fazer e quais as escolhas. Saber com quem estão a trabalhar. MM E porque é que vão fazer esse trabalho. NM E assumir sempre a sua personalidade. Apesar de muitas vezes o estilista ter as suas ideias próprias, o modelo pode e deve seguir as intenções do estilista sem, contudo, anular a sua personalidade, sem perder a sua imagem.
MM Além disso o modelo não se deve deixar iludir. Deve procurar manter a sua imagem vincada, manter fixo o seu estilo. ID’ A Moda é sinónimo de Glamour. É visibilidade. É Fama. Estes ingredientes, para um jovem, não são perigosamente atrativos? NM Sem dúvida. Por isso o jovem não pode perder a noção da realidade. Não se pode deixar deslumbrar. ID’ Como é a nutrição de um manequim? O esquema alimentar de um modelo é, como se pensa, extremamente rígido, em que tudo é proibido? No contexto da Moda as restrições alimentares rígidas são um mito ou uma realidade? MM Eu posso falar por nós. Já passámos uma fase em que tínhamos que ter muitos cuidados. Agora o nosso organismo já se habituou por isso podemos comer praticamente tudo o que queremos que não corremos o risco de alterar as nossas medidas. ID’ Ou seja, vocês são daqueles privilegiados que não precisam de ser escravos da alimentação? NM Sim. Mas isso também acontece porque nós praticamos desporto diariamente. E, mesmo assim, ainda mantemos alguns cuidados. A partir das 6 da tarde, por exemplo, evitamos comer hidratos de carbono ou seja, tentamos não exagerar nas batatas, no arroz ou nas massas. ID’ Há o conceito ou talvez o pré conceito de que a Moda está associada às drogas, ao álcool, ao sexo, a comportamentos desregrados. Qual é a vossa opinião? NM Efetivamente essas são questões sempre presentes no mundo da Moda. Mas não estão relacionadas exclusivamente com a Moda, mas como as pessoas que estão na Moda. Não podemos esquecer que, habitualmente, a faixa etária dos manequins é muito jovem. Mas os problemas do
álcool, da droga, do sexo desenfreado são realidades da Modernidade. Até já nas escolas são conhecidos os casos de abuso de drogas, de álcool, ou de sexo. Claro está que a Moda não foge à regra. ID’ O que estás a querer dizer é que estes consumos exagerados não estão relacionados exclusivamente com a Moda mas com as pessoas? MM Sem dúvida. ID’ Mas também estão relacionados com a exposição, com a visibilidade que o palco propicia? NM Com a visibilidade, com a adrenalina de estar em palco, com a excitação. Mas, principalmente com o facto de os modelos serem muito novos. ID’ Tendo em conta que ser modelo é uma profissão de desgaste rápido, o que querem ser quando forem grandes? Vocês são, já, mundialmente grandes e reconhecidos como tal, em termos de profissionalismo, de qualidade. Mas como vai ser o futuro, quando tiverem mais idade? NM Nós neste momento, como já referimos, para além de sermos manequins, somos dançarinos de alta competição. MM De Danças de Salão. NM Temos também a nossa escola e a nossa intenção é continuarmos a dar seguimento a esse projeto. MM Esse é o nosso grande plano para futuro! ID’ Periodicamente fazem pontes de ligação, através da Dança, com o contexto internacional… NM Sim. Nós temos uma escola de dança na Dinamarca, que está a ser gerida, neste momento, por um antigo par de dança meu e vamos lá todos os anos, por períodos de tempo. ID’ Moda ou Dança? Qual é a vossa área preferida? NM Essa pergunta é difícil…
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MM Nós gostamos muito das duas, sem dúvida. Mas a Dança é, sem hesitações, muito mais segura e estável. É uma área em que temos sempre trabalho, diário. Na Moda as coisas são mais inconstantes. Se num mês podemos trabalhar muito noutro pode estar tudo mais calmo e existirem menos ofertas. NM Mas apesar de serem tipos de segurança diferentes, gostamos igualmente das duas áreas. ID’ Qual é mais exigente, a Moda ou a Dança? MM A mais exigente é a Dança, sem dúvida. Até porque obriga a trabalho diário. A Moda implica termos cuidado com o corpo e fazermos muito exercício físico, muito ginásio, para mantermos o corpo em condições. Mas esse tipo de cuidados já temos, obrigatoriamente, por causa da Dança. ID’ E o que é mais lucrativo, a Moda ou a Dança? NM Isso depende muito do tipo de trabalhos que nos propõem, logicamente. ID’ Mas neste momento o que é mais seguro e estável? MM É a Dança, sem dúvidas. Até porque na Dança nós recebemos montantes fixos, provenientes das aulas que damos. O mesmo não acontece na Moda, como já referimos. ID’ Há uns anos atrás a Moda em 38
Portugal era tipicamente território feminino… NM Sim, sem dúvida. ID’ Entretanto as coisas foram-se alterando. Mas ainda há supremacia da Moda no feminino, como se a moda masculina fosse o parente pobre. Concordam? NM Sim. Com efeito a realidade está em mudança, mas ainda há diferenças. ID’ Porquê? Para vocês que estão no terreno, qual será a justificação? NM Eu acho que isso acontece porque a Mulher sempre se preocupou mais com a Moda e com o Glamour… MM A Mulher sempre deu mais importância à aparência do que o Homem… NM Mas as coisas estão a mudar, felizmente. ID’ Vocês já passaram para os mais diversos criadores internacionais. Qual é, na vossa opinião, a Capital da Moda? Paris? Milão? MM Milão, sem dúvida. ID’ É a roupa que utiliza o modelo ou o modelo que usa a roupa? NM É o modelo e, acima de tudo, a sua personalidade, que utilizam a roupa. É o modelo que “faz” a roupa, que lhe dá luz. ID’ Quem é o vosso estilista internacional de eleição? NM Para mim é o Alexander McQueen.
MM E para mim também. NM O que não quer dizer que quando vou às compras compre apenas peças do meu estilista preferido. Prefiro comprar aquilo de que gosto, independentemente do criador. ID’ Não segues a ditadura da assinatura? NM Não. Não me vou limitar apenas a um determinado estilista. Compro o que gosto, o que vejo nas montras e que me satisfaz, independentemente de quem tenha sido o criador. ID’ E quem é o vosso estilista nacional preferido? NM O nosso estilista nacional de eleição é o Miguel Vieira. Inclusivamente fizemos a última campanha dele, no ano passado. ID’ Há algum estilista de topo com quem nunca tenham trabalhado? MM Luís Buchinho. ID’ Luís Buchinho estava mais direcionado para a moda feminina e só há muito pouco tempo é que começou a trabalhar a Moda no masculino… NM Exato. Só há muito pouco tempo, mais precisamente no ano passado, é que começou a fazer Moda para homens. ID’ E nomes internacionais com quem gostassem de trabalhar? NM A dupla Dolce&Gabanna. ID’ Sendo a Moda uma profissão predominantemente nómada é possível
estabelecer uma relação afetiva sendo modelo profissional? MM É difícil mas acho possível. Se duas pessoas gostam uma da outra e têm capacidade de sacrifício, é possível. ID’ Parece-vos mais fácil para um modelo criar uma relação afetiva saudável no meio da Moda ou fora desse território? NM Se for no meio da Moda provavelmente será mais fácil. Têm os mesmos interesses e entendem melhor os condicionalismos que a Moda implica. ID’ Quando vos coloquei esta pergunta estava a referir-me ao Ciúme, à competição… MM Eu prefiro os relacionamentos fora da Moda. Não gosto de misturar a vida profissional com a afetiva. ID’ O ambiente nos bastidores é, como se imagina, de uma concorrência extrema? MM Sim. NM Sim, é um meio muito competitivo. Os modelos estão sempre a analisar quem tem a melhor roupa, quem passa a melhor coleção. MM Quem fica com o melhor estilista… ID’ Mas a concorrência é produtiva ou gera mau ambiente nos bastidores? NM A competição é produtiva, na maioria dos casos. MM Mas isto depende da personalidade dos manequins. Há, como em todos os sectores, bons e maus profissionais… ID’ Na vossa opinião a Moda em Portugal é feita a pensar no público real? É feita para os portugueses? Eu acho que, neste momento, a Moda é demasiado estereotipada, não tendo em conta o público real, anónimo, que são, afinal os compradores. Hoje a modernidade obriga a que todos tenhamos que ser altos, jovens, bonitos, elegantes. Mas a realidade não é essa. A população portuguesa não é constituída ex-
VEJA AQUI O MAKING OF DA SESSÃO FOTOGRÁFICA
clusivamente por manequins. A maior parte dos portugueses não cumpre o estereótipo do modelo. Assim sendo, a Moda em Portugal, tem em linha de conta o cliente, o comprador? NM Muitas vezes a Moda não acompanha a realidade, não pensa no português anónimo. Maioritariamente é feita pensando no modelo perfeito, no manequim estereotipado. ID’ O que nos dirige para outra questão. Onde está a Moda para os Mais Velhos? Nós estamos a falar de Portugal, em 2012, um país com um enorme percentual de pessoas mais velhas, acima dos 65 anos. E este é o Ano Europeu do Envelhecimento Ativo… MM Sim, é uma realidade. ID’ Acresce que a realidade demo-
gráfica tende a piorar. O percentual de população envelhecida vai continuar a aumentar em relação à população portuguesa total. Mas a Moda em Portugal continua a não pensar nos Mais Velhos. Qual é a vossa opinião? Sentem esta realidade? NM Sentimos. Em Portugal anda não existe um tipo de Moda direcionada para a população idosa. ID’ Como também não há, em Portugal, Moda para gente com obesidade… MM Sim. Os estilistas começaram, recentemente, em alguns países, a desenhar roupa para pessoas com obesidade, mas em Portugal ainda não. ID’ Mas com a ditadura do “fast food” os jovens portugueses estão cada vez mais obesos e são, cada vez em maior 39
número… NM Sem dúvida… ID’ Começa a chegar o momento de os estilistas portugueses deverem começar a pensar na população portuguesa real… MM Sim. ID’ E o mesmo se passa com os deficientes, nomeadamente com os deficientes físicos. Quando há algum tempo tivemos uma passagem de modelos aqui na CASA, com o intuito pedagógico, eu exigi ter a participação de uma pessoa com obesidade, alguém mais velho, que fui eu mesmo, até para dar o exemplo descomplexado, inclusivo e pedagógico e alguém com uma deficiência física. Quando estávamos nos bastidores e eu conversava com a pessoa portadora de deficiência motora ele dizia-me “Os estilistas esquecem que numa camisola com riscas, por exemplo, o facto de eu não ter um braço, descompensa totalmente o eixo axial e a camisola deixa de assentar bem. E eu tenho direito a gostar de vestir bem. Eu tenho direito a seguir a Moda”! Perante mais esta realidade, qual é a vossa opinião? NM A inexistência de Moda pensada para deficientes é uma realidade que não se pode negar. ID’ Já passaram Moda com alguém portador de algum tipo de deficiência? MM Não. ID’ Aligeirando um pouco os temas, já alguma vez um substituiu o outro sem ser oficialmente? NM No mundo da Moda isso nunca aconteceu. Mas quando éramos mais novos chegámos a trocar na Escola e mesmo em contexto de Dança chegámos a fazer algumas brincadeiras desse tipo. ID’ Quero agradecer-vos a simpatia, a disponibilidade e o profissionalismo com que acederam ao convite da ID. Para terminar pedia-vos uma mensagem pedagógica para quem nos lê e, 40
eventualmente, pretenda vir a enveredar pelo mundo da Moda… NM Acima de tudo, como já referi, manter a personalidade, sem grandes desvios. MM E evitar o deslumbramento. ID’ Em certas situações, por ambição ou por receio de perder a oportunidade pode haver a tentação de flexibilizar os limites… NM Acima de tudo não podem perder a noção de que apesar de serem pagos para fazer um trabalho, desejado e que proporciona prazer, o modelo não pode ceder a todas as exigências. MM O candidato a modelo não pode ultrapassar os limites que estabeleceu para si próprio, seja em que circunstância for. ID’ E esses limites devem manter-se, em Portugal, em 2012, em tempo de crise? É que o modelo pode começar a ceder muito lenta e gradativamente e, quando se apercebe, ter ido muito além do razoável, ter ultrapassado, muito, o que tinha estipulado para si próprio… NM Precisamente por isso o manequim nunca pode esquecer que, acima de tudo, é Pessoa, com direito à sua Dignidade.
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DESPORTO
APTIDÃO FÍSICA, SAÚDE & QUALIDADE DE VIDA FABIANA SILVA
O aumento da carga horária tornou a necessidade de dosear o tempo livre numa prática exigente. O desafio entre dividir o tempo e ainda ganhar algum espírito para tornear o corpo é um ilusionismo que muitos rejeitam e deixam ao esquecimento, dando azo ao sedentarismo. Sendo esta uma realidade cada vez mais presente, numa sociedade que vê modificar o seu modo de vida, onde o consumismo e a necessidade de obter resultados a curto espaço de tempo aumentam analogamente com o tipo e qualidade nutricional. A construção do “eu” torna-se assim na desmitificação da ideologia que a nutrição e a prática desportiva regular podem reger-se individualmente. A sua acção em conjunto torna-se decididamente vantajosa, promovendo o triplo equilíbrio.
“MENS SANA IN CORPORE SANO” JUVENAL O exercício físico provoca vantagens fisiológicas que se podem traduzir pela regulação de cortisol (hormona do stress) associada à vasoconstrição e à alta pressão arterial. A médio prazo, com uma prática desportiva regular, a pressão arterial diminui em conjunto com a frequência cardíaca. A nível psicológico, a facilidade com que nos deparamos com as várias barreiras do dia-a-dia aumenta paralelamente ao bem-estar, ao aumento da auto-estima e à diminuição de episódios depressivos, contribuindo assim para um bom desenvolvimento social, familiar e laboral. Vendo do ponto de vista bioquímico, e completando a trilogia, a libertação de endorfina é outro factor de mais valia para a prática desportiva regular. O seu efeito, em conjunto com neurotransmissores como a serotonina e a norepinefrina, traduz-se na melhoria do sistema imunológico, no aumento da memória e concentração, na diminuição da dor, no aumento do estado de espírito e tem especial efeito no anti-envelhecimento. Resta-nos saber qual o melhor exercício a realizar em conjunto com uma alimentação equilibrada e doseada. Estudos científicos levados a cabo pelo American College of Sport Medicine – ACSM revelam que a prática diária desportiva (de 3 a 5 vezes por semana) de 30 minutos de exer42
cício moderado, ou de exercício intermitente – repartido por exercícios de 10 minutos é suficiente para promover benefícios ao nível da saúde. Grupos de exercícios imprescindíveis para realizar um bom plano de treino:
I Exercícios Cardiorespiratórios – correspondem a qualquer actividade cíclica realizada de forma contínua (marcha, correr, andar de bicicleta, nadar). Melhoram significativamente a resistência, queimando calorias. II Exercícios de Força Muscular – tão importantes quanto os exercícios aeróbios, este tipo de exercícios proporcionam o aumento da massa muscular magra que por sua vez aumentam a redução da percentagem de gordura corporal. Podem ser realizados só com o peso corporal, e/ou com cargas externas. III Core – corresponde ao trabalho dos músculos que se encontram abaixo do peito até à base da cintura. São músculos responsáveis pela protecção da coluna e o equilíbrio entre os movimentos da parte superior com a parte inferior do corpo.
No entanto é necessário respeitar as variáveis do exercício físico de forma a poder manipulá-las, evitando a fadiga. Uma forma fácil é a utilização do FITT para o treino de baixa a moderada intensidade, ou seja: Frequência – refere-se ao equilíbrio entre a prática de um dado exercício e o tempo requerido para a adaptação do corpo ao mesmo; Intensidade – define a quantidade de esforço que deve ser imprimida numa dada actividade ou numa sessão de treino; Tempo – quanto tempo deve dedicar à prática de uma determinada exercitação, ou, quanto tempo dedicar a uma sessão de treino; Tipo – que tipo de exercícios incluir na sessão de treino, ou mesmo no plano de treino (exercícios aeróbios (resistência), de força, de flexibilidade, de core).
O objectivo é dosear o exercício de forma a conseguir jogar com as variáveis sempre que perceber que o nível de FITT em que se encontra já não produz evolução. É imprescindível balizar e estruturar objectivos, de forma a possuir uma meta atingível e passível de evolução, sem nunca descurar a flexibilidade dos grupos musculares utilizados. Concluindo, a actividade desportiva deve ser vista como parte integrante da vida quotidiana, devendo-se adaptar às características e limitações de cada indivíduo. Acima de tudo deve ser uma actividade que proporcione prazer, senão o abandono será um resultado provável. Não deverá ser descurado o acompanhamento de um profissional, em conjunto com o aconselhamento médico, no sentido de ambos poderem adequar a melhor prática desportiva à pessoa e aos seus objectivos. ’ Lic. Educação Física
CORPO EM MOVIMENTO ANTÓNIO MARTINS SILVA
É com enorme orgulho que respondo ao desafio que me foi proposto para deixar nestas páginas, mensalmente, uma crónica onde o desporto e a actividade física serão os protagonistas. O desafio rondará tudo o que a manifestações desportivas ou a actividade física diz respeito, nunca esquecendo que quando falamos destas, falamos de corpo em movimento. Nesta primeira intervenção parece-me pertinente começar por distinguir desporto de actividade física. Para o comum dos mortais qualquer corridita ou flexão de braços é desporto, mas isso não é verdade! Tornado as coisas claras e simples a grande diferença está em se há ou não “combate”! De outra maneira: para que uma actividade seja considerada desporto terá de haver uma competição sujeita a regras! Essa competição pode ser individual (atletismo por exemplo) ou colectiva (Basquetebol por exemplo), usando apenas o corpo ou outros materiais e/ou motores para esse fim. Há, no entanto, algumas provas onde se pode considerar a existência de uma equipa nos desportos individuais. Nestes casos, é sempre um somatório de resultados individuais o que não acontece nos desportos colectivos onde o resultado é o da equipa como equipa. E uma equipa não é um somatório de indivíduos é algo bem mais complexo, mas deixemos essa matéria para um futuro próximo! Assim sendo, actividade física é pois toda aquela actividade de índole física com referencias desportivas, mas que é realizada sem qualquer tipo de competição, por mero prazer, superação pessoal, por questões de saúde e/ ou estéticas. Enquadramos nestas actividades: aquela corridinha na praia, no bosque e mesmo na estrada, aquele passeio de bicicleta ao fim de tarde, a ida ao ginásio e à piscina. Tudo actividades físicas de índole desportiva mas sem serem desporto, pois não existe aqui nenhum tipo de competição a não ser com o próprio indivíduo que terá os seus próprios objectivos e poderá, porque não, competir consigo próprio até alcançar o que se propôs. Aqui incluímos também a “futebolada” de fim-de-semana. É com certeza uma competição entre duas equipas e com regras, mas sem enquadramento competitivo. É apenas um jogo que começa e termina sem que haja qualquer consequência do resultado do mesmo. Não deixa de ser uma actividade física por mero prazer e convívio. Por outro lado, o xadrez pode ser considerado desporto quando está inserido em
competições, mas não vamos dizer ao vizinho que praticamos desporto só porque jogamos umas partidas com o pai! O xadrez, de actividade física, convenhamos que não é muito dotado mas é uma competição com regras bem definidas. Está inscrito em campeonatos mundiais e é reconhecido pelo comité olímpico internacional, não fazendo, no entanto, parte do programa dos próximos jogos Olímpicos em Londres que se realizam já este verão! Por isso meus amigos (se me permitem o abuso) quer actividade física quer desporto o importante é mexerem-se. Não o façam só porque querem um corpo bonito, tonificado, sensual….façam-no para alcançar um equilíbrio um bem-estar que só quem pratica sabe reconhecer. A actividade física e/ou o desporto não podem ser uma moda, têm de ser uma rotina! Até à próxima... em movimento! ’ Mestre em Desporto de Alto Rendimento
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CINEMA & TEATRO Por
eloy monteiro ,
Actor
No tempo da minha adolescência escrevia argumentos/estórias para os meus filmes(mudos) sem o rigor e responsabilidade das crónicas que a redação da revista da CASA, me convidou para fazer sobre teatro & cinema . Nunca me passou pela cabeça, até porque nunca tive queda, inspiração, desejo de escrever o que quer que fosse. Mas aceitei o desafio. E vida de Ator o que é? Uma profissão de desafios e riscos constantes. É tambem de solidão. E os meus amigos perguntam, de solidão porquê? Porque a criatividade é um ato de solidão. É a partir daqui que o Ator quando chega ao ensaio consegue dar o máximo, desenvolver, dar propostas ao Encenador sobre a sua personagem,correndo todo os riscos sem medo do ridículo. Porque é nesta fase (ensaios),que podemos e devemos dar largas à nossa imaginação,criatividade que a tal solidão nos sugeriu. Mas todo este processo estende-se até ao ensaio-geral. Todos os dias o Ator tem de enriqucer o seu trabalho. O trabalho de Ator requer concentração , entrega e sempre (ou quase), muita pesquisa . O Ator tabalha,atrevo-me a dizê-lo, 24 horas por dia. Não basta estudar o texto. É preciso estudar e decorar marcações; indicações sobre a personagem que o Encenador sugeriu; estudar movimentações; como funciona melhor a contracena. Tudo tem de ser orgânico. O Ator tem que saber enganar com verdade. É preciso amar a arte de representar . E eu amo e sou um eterno apaixonado pela arte de representar e ... pela vida . E assim dou por concluído o momento de solidão durante algumas horas de um dia cheio de Sol com uma temperatura primaveril, num recatado lugar no nosso lindo Parque da Cidade, para escrever esta ... Crónica. Meus caros, até breve.
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LAZER I LIVROS
“HOJE LEMBREI-ME QUE TE AMO” DE MIGUEL NOVO
Comentar a Literatura, bem como qualquer outra expressão artística, afigura-se diversas vezes como uma “tarefa” complicada, sobretudo devido à subjectividade implícita na análise de um texto, mas também devido à sensação de que fica sempre algo por dizer em relação ao mesmo. Deste modo, doravante este espaço tentará de certa forma informar, cativar e levantar o véu sobre o livro em análise. Miguel Novo, jovem escritor, volta às estantes com o seu segundo livro, “Hoje Lembrei-me Que Te Amo”, que combina o narrativo com o poético na expressão de um amor que invade a personagem. Bartolomeu, de quem pouco saberemos, reencontra as cartas que escrevera outrora a Maria Alice, o objecto amado. É nelas que assistimos à loucura do amor, onde o remetente, em falência constante, se subjuga anaforicamente. Assinadas por outras personagens, as cartas representam o refúgio a uma não existência daquele que não conseguiu viver a plenitude do amor. É, sem dúvida, um texto íntimo, com laivos de todos e de ninguém, onde a personagem se posiciona como o observador do mundo que lhe resta, aquele que em sonhos partilharia com Maria Alice. Este parnasianismo é fresco e actual e a linguagem, explosiva e sinestésica, não o compromete. Enganem-se aqueles que pensarão encontrar a natureza morta em volta de uma vida sem sentido, num jogo de palavras trágico e hiperbolicamente fechado, bem ao gosto Romântico. Encontrarão antes referências ao “ipod” ou a “Midnight In Paris” de Woody Allen, ou até mesmo ao Metro e ao quotidiano adolescente. Por tudo isto, será, em meu entender, difícil e até mesmo injusto categorizar este texto em relação ao género. Entre o narrativo e o lírico, a única certeza será a do efeito catártico que ele pode produzir. Na verdade, quem nunca viveu um amor adolescente? Nicolas Martins ’ Literatura
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LAZER I MÚSICA
A MAIOR OBRA DO MESTRE Portugal, Japão, Nigéria e Vietname foram algumas das maravilhas musicais que inspiraram e deram alma ao compositor e maestro Pedro Osório, falecido no passado mês de Janeiro, para “Cantos da Babilónia”. Depois de sete anos na administração da Sociedade Portugesa de Autores (SPA), o compositor dedicou-se inteiramente à criação da obra supra mencionada. Refere três anos de processo musical, mas creio que as orquestrações, pautadas pelos sons dos povos do mundo, denunciam uma pesquisa e interesse de toda uma carreira. “Cantos da Babilónia”, lançado em Outubro de 2011, é composto por dez faixas musicais com duração variável entre os três e os seis minutos, e sobre cada uma é referenciada a origem geográfica do canto em que se baseia a música correspondente, facilitando ao ouvinte a materialização para novas culturas até agora pouco conhecidas. Outro ponto curioso tem que ver com o trabalho de “construção” do edifício sonoro. As peças são essencialmente compostas para piano, que enquadra com um sem-número de possibilidades instrumentais, juntamente com uns acrescentos, desde cordas, sintetizadores e voz, enriquecendo, deste modo, o imaginário do auditório, com um toque de suavidade, subtileza e elegância. Baseadas em excertos de cantos trdicionais de diversos lugares, as peças adquirem um “peso” orquestral bastante significativo que contemplam as diversas raízes dos habitantes, sendo necessários uma técnica e rigor precisos. Não obstante, Pedro Osório conseguiu na perfeição um “casamento sem divórcio” entre o rigor técnico da composição e a liberdade artística musical e cultural sentidas pelo interprete. Portugal não foi esquecido, como não poderia deixar de ser, sendo cumpridos o ritmo e o sabor da Beira Baixa. Em suma, o referido trabalho demonstra um interesse do poder em relação às culturas, dando mais uma inabalável prova de que a música e a cultura traduzem um meio de coesão social, para além de concretizarem uma indústria com grande capacidade de expansão. Tiago Jonas ’ Música
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LAZER I EXPOSIÇÕES
O EGIPTO no PORTO Eugénio Giesta O Antigo Egipto preenche ainda hoje o imaginário do homem, seja pelos segredos que permanecem escondidos sob as areias do deserto seja pelos segredos que as mesmas já revelaram. Folheando revistas, vendo imagens, documentários e filmes são algumas das formas do homem do século XXI tomar contacto com a antiga civilização nilótica. Para alguns, os mais afortunados, o contacto pode ser directo, ou seja, viajando à terra dos faraós, visitando templos, museus e restantes monumentos. Para quem não tem essa possibilidade, e refiro-me agora a Portugal, já pode,
Para o caso portuense é possível, desde Setembro de 2011 ter acesso ao acervo egípcio pertencente à Universidade do Porto. O percurso desta colecção é, no mínimo, curioso: no dealbar da I Guerra Mundial um barco alemão foi aprisionado e todo o seu conteúdo (que consistia em peças da Mesopotâmia) confiscado. Diplomacia e burocracia à parte, foi acordado que Portugal entregaria a colecção mesopotâmica à Alemanha em troca de peças egípcias. Após alguns azares (como um incêndio que deflagrou no armazém onde as peças estavam guardadas) foi preciso quase
felizmente, ter (embora a uma escala bem mais reduzida) acesso a algumas colecções egípcias.
um século para que a colecção fosse devidamente catalogada e exposta.
Contendo peças que abrangem cronologicamente todo o período histórico da civilização do Nilo pode encontrar-se uma múmia, uma notável colecção de estatuetas funerárias, objectos em cerâmica, objectos do quotidiano e duas máscaras, entre outros. Expostas numa sala com propositada baixa iluminação, as peças dispõem-se em vitrinas organizadas tematicamente, um grande mundo contido numa pequena sala, onde o visitante poderá circular livremente. À saída é possível adquirir o catálogo da colecção, a cargo do egiptólogo português Luís Manuel de Araújo, responsável também pela catalogação das peças e pela exposição.
Apesar de não ser a maior colecção egípcia em Portugal, é uma das maiores, podendo ser visitada gratuitamente no edifício da Reitoria da Universidade do Porto, situado na praça dos Leões. A par das colecções do Museu Nacional de Arqueologia e do Museu da Farmácia, esta é, sem dúvida, uma colecção a visitar pelos entusiastas do Antigo Egipto (e não só), como forma de contactar com um mundo distante mas muito presente, um bocadinho de Egipto na cidade do Porto.
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DESIGN
desígnios do ð&sign DESIGN?
Para primeiro contributo deste espaço, que pretende reflectir sobre design, é impreterível tentar desmistificar e explicitar o próprio conceito e significado da palavra design. Já dizia Oscar Wilde que é muito mais difícil falar de algo do que o fazer, especialmente quando nos estamos a debruçar sobre umas das disciplinas, alegadamente, mais novas da civilização: o design. O próprio momento de génese do design não é consensual. Autores como John Bessant defendem que ambos, homem pré-histórico, ao produzir uma arma a partir do osso de um animal, e cientista especializado no desenvolvimento de um novo motor a jacto, são designers. Neste enquadramento, e como defendeu o guru do design Victor Papanek, o design é visto como uma actividade criativa inerente à condição humana, ou seja, assumindo-se como "a principal matriz subjacente da vida". Para uma melhor compreensão do presente objecto de estudo, será oportuno fazer uma sucinta análise etimológica do vocábulo design, já que apresenta uma evolução diacrónica, onde decorreram substanciais alterações, de ambos significante e significado. Inicialmente, a palavra deve a sua origem ao vocábulo disegno, significando quer desenho quer imagem mental. Desta forma, o conceito de design surge, imediatamente, associado ao desenho, não só enquanto fim mas também enquanto processo de estudo para uma obra de pintura, escultura, arquitectura, engenharia, devido à sua outra dimensão semântica: o desígnio, a intensão. Esta forma etimológica obteve o seu significante final no dicionário "An Universal Etymological English Dictionary" de Nathan Bailey, onde é definido o substantivo design e o verbo to design.
Leonardo Da Vincci MÁQUINA VOADORA (c.1487) 50
Foi apenas mais tarde, com o primeiro dicionário de Inglês Americano, que a ligação estreita e, praticamente única, com o mundo das artes é quebrada, ao ser definido o design como uma actividade projectual, independente da área sobre a qual se debruça. Porém, esta visão aparentemente utópica de um design nascido da necessidade de sobrevivência do homem, e, posteriormente, do seio das artes, entra em rota de colisão com os defensores que apontam a origem do design para o período da Revolução Industrial. À luz desta teoria, numa sociedade voltada para o consumo, e, impulsionada
pela sede do progresso e furor tecnológico, o elemento definidor e decisor é o design. Através da resposta formal e material das necessidades dos consumidores, as empresas apostam no design para valorizar e diferenciar os seus produtos. Mais tarde, o design foi mesmo apontado como solução para a crise industrial inglesa dos anos 80. Mas de que forma é que o design pode dar resposta às necessidades e exigências da sociedade contemporânea, em ascensão tecnológica e em crescente alfabetização visual? A resposta poderá estar no trinómio: função, forma e estética. Já, pela sua raiz etimológica, chegámos à conclusão que design traduz um desígnio, uma intensão, que como é afirmado por Papanek, é materializado pela função que é dada a um produto de design. Foi com o escultor Horation Greenough e mais tarde com Louis Sullivan e Frank Lloyd Wright que o axioma "form follows function" (a forma segue a função) ganhou dimensão e relevo. Este modelo relegava para segundo plano o aspecto formal do objecto de design, o que, por exemplo, no caso do design de comunicação se traduziria no trabalho e estudo exclusivo da mensagem a transmitir à audiência, em detrimento da plasticidade ou meio através do qual esta seria transmitida. Contudo, a ideia que a um objecto de design bastaria "funcionar" para ter automaticamente um aspecto satisfatório aparenta ser, relativamente, redutora. O design deverá colmatar, entre outros aspectos, as necessidades da audiência, que poderão não ser, exclusivamente, do foro funcional. No caso do design industrial, por exemplo, não basta a uma mesa ser meramente um objecto de suporte de conteúdos na sua superfície, esta tem de cativar o público a interagir com ela e a escolhê-la face à concorrência. Este valor acrescentado à função é exprimido através da sua harmonia com as variáveis forma e estética. Na sociedade em que nos inserimos os públicos estão, frequentemente, em contacto com uma infinidade de estímulos visuais, quer de marcas, quer de signos comunicacionais, que os condicionam e alteram a percepção das suas verdadeiras necessidades. Na maior parte dos casos ocorre uma verdadeira flutuação do verbo "precisar" para o verbo "querer". Esta mudança psicológica afecta as decisões no que toca à produção de de-
AS WE BECOME MORE AND MORE WIRELESS AND IMPALPABLE, DESIGNERS, INSTEAD, WANT US TO BE HANDS-ON.
sign, que estão cada vais mais conscientes desta realidade e da necessidade de afirmarem a sua individualidade e especificidade, no mercado. Uma poderosa ferramenta ao dispor do design é a estética, que através da manipulação de variáveis tais como forma, cor, textura, materiais, possibilita a criação de entidades que nos tocam e satisfazem pela sua beleza ou pela sua capacidade de nos estimularem e seduzirem.
PAOLA ANTONELLI
" PAOLA ANTONELLI, design curator at New York’s Museum of Modern Art, wants to spread her appreciation of design -- in all shapes and forms -- around the world.
Porém, a componente estética do design não deverá ser considerada e construída com base em modas ou tendências temporais de uma dada cultura ou sociedade, já que as modas passam, e o objecto de design poderá, ou não, perdurar no tempo. Cabe ao designer, tendo por base os objectivos definidos para o seu produto e audiência, decidir e medir, harmoniosamente, quanto à prevalência da função estética ou pragmática.
Paola Antonelli
É precisamente associados à face estética do design que surgem os grandes mitos e pré-conceitos. O design ainda hoje é visto por muitos como um filho ilegítimo da arte destinado ao acto e trabalho decorativo, fútil e exclusivamente subjectivo. Felizmente, são vários os exemplos que facilmente abalam estes preceitos, alguns deles dados por Paola Antonelli, designer curadora no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, que numa conferência TED, em Março de 2007, (que sugiro, vivamente, a sua visualização*) explica e aponta os caminhos do design enquanto disciplina que opera sobre comportamentos, em detrimento de objectos, com o intuito de produzir reais mudanças e melhorias na qualidade de vida das populações.
design's presence
É o caso da série de protótipos desenvolvidos pelo designer Methieu Lehanneur, intitulada de "Therapeutic Objects", onde a medicação é fundida com objectos comunicativos que reagem de forma sinestética aos pacientes, apelando aos seus sentidos e emoções. O primeiro exemplo, 1 consiste num dispositivo destinado a crianças asmáticas que se expande aquando do momento oportuno da sua utilização; No segundo exemplo, 2 estamos perante uma nova abordagem de medicação alusiva ao tratamento da diabetes. ’ Prof. Universitário e Designer de Comunicação
is on a mission to introduce -- and explain -- design to the world. With her shows at New York's Museum of Modern Art, she celebrates in every part of life." TED.COM
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Mathieu Lehanneur ® THERAPEUTIC OBJECTS www.mathieulehanneur.fr
* www.ted.com/talks/paola_antonelli_treats_design_as_art.html 51
MODA
MODA UM TEMA PARA DEBATER, APRECIAR OU DOMINAR?
SÍLVIA ALVES
É, num contexto de crise humana, financeira, artística e de carácter mundial, que proponho uma reflexão sobre um tema que, desde o Sec. XV, pode ser considerado fútil na medida em que não é de carácter utilitário. Há muito que as opiniões sobre a futilidade do sector da Moda divergem da realidade. Se, por um lado a Moda, é acessória no sentido em que não satisfaz apenas as necessidades básicas do ser humano, por outro, ela faz mover mercados financeiros, tem voz activa em movimentos sociais, desenvolve e distingue grupos de indivíduos, cria clãs, tribos urbanas e dá a conhecer a multiculturalidade inerente aos povos e decorrente da globalização. Na verdade este carácter apenas básico e pouco utilitário nunca esteve presente no acto de cobrir o corpo. Desde sempre que adornar simbolicamente o corpo é uma forma de comunicação. A Moda institucionalizou-se e padroniza-se no sentido de criar uma maior identificação dos indivíduos através do consumo em massa. É, a par deste movimento integral em que se pretende uniformizar o planeta tendo como padrão o Ocidente, que surgem movimentos concentrados e antagónicos, embora dispersos, numa espécie de luta contra a evidente “aculturação global”. Estes movimentos surgem sobretudo na Europa e caracterizam-se por uma recuperação de tradições e valores em queda. Na base destes movimentos está a consciência do excesso de consumo das últimas décadas, do desperdício desregrado, do desemprego, fruto do número cada vez maior de importações provenientes do terceiro mundo e, principalmente, de uma nova palavra: sustentabilidade. A par de tudo isto surge um novo conceito – The 3 “R” – Reduce/Reuse/Recycle (Reduzir/Reutilizar/Reciclar). É, neste âmbito, que vemos, no sector do vestuário e Moda em geral, ressurgirem os velhos mercados de roupa usada, as lojas vintage e os sites de trocas online.
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TEMPEST STORM NASCE DE ALGUÉM A QUEM DEVEMOS AS MELHORES HISTÓRIAS E RECORDAÇÕES, COMO FORMA DE CONTINUAR UM CAMINHO QUE NÃO TERMINA COM O VIRAR DE UMA PÁGINA.
TSP © I FOTOGRAFIA ’ JOÃO DE MEDEIROS I MAQUILHAGEM ’ JÚNIOR MENDES I CABELO ’ PAT SOUSA I MODELO ’ STEPHANIE SANCHEZ I ROUPA ’ ROSA CHOCK
TEMPEST STORM PROJECT (TSP) surge como uma alternativa a muitos projectos alternativos. É uma espécie de “residência móvel e imaterial”, como nos diz João Medeiros, um dos criadores do projecto e fotógrafo, que acolhe trabalhos criativos em todas as áreas artísticas. TSP faz uma ponte artística entre o que se quer ver e o que não se quer mostrar “contando histórias” como afirma Nuno Azevedo, fotógrafo. “Não existe nada tão importante como as relações!” afirma-nos o projecto e é, partindo deste princípio, que vão contorcendo, dobrando, contraindo e mostrando que o muito pode ser fraco e que, com pouco, podemos ainda reconstruir o mundo. 53
MODA
“Tempest Storm nasce de alguém a quem devemos as melhores histórias e recordações, como forma de continuar um caminho que não termina com o virar de uma página.” É com esta frase que me explicam o projecto e é com ela que capturo também uma nova leitura sobre a criação. Na área da Moda, à qual a criadora principal do projecto está intimamente ligada, dão voz a criativos jovens, a espaços alternativos, à reutilização de objectos acessórios contando sempre uma história.
TSP © I FOTOGRAFIA ’ JOÃO DE MEDEIROS I MODELO ’ VÂNIA CAPITA I ESPA
TSP © I FOTOGRAFIA ’ NUNO AZEVEDO I MAQUILHAGEM ’ JÚNIOR MENDES CABELO ’ PAT SOUSA I MODELO ’ CARLA CARMO I ROUPA ’ ROSA CHOCK 54
PAÇO ’ OFICINA DE COSTURA 5.555
TSP © I FOTOGRAFIA ’ NUNO AZEVEDO I MAQUILHAGEM ’ JÚNIOR MENDES CABELO ’ PAT SOUSA I MODELO ’ JULIANA DIAS I ROUPA ’ ROSA CHOCK 55
MODA
“Tempest Storm - foi um nome que dei à minha irmã - é uma Stripper dos anos 40. Burlesca, ruiva, um pouco vulgar e que dá muito nas vistas. Ela é divertida e faz rir. Por isso e por ser diferente de mulheres vulgares se tornou uma piada interior entre nós.” conta-me a Pat de Sousa, a Patrícia, a verdadeira criadora e mentora deste TSP. E por aqui vai desfiando em contas uma mão cheia de histórias invulgares e de uma natureza verdadeiramente humana. É um projecto, pela voz da Pat, feito com e para “pessoas diferentes, de espaços e mundos diferentes mas que têm algo em comum… não se contentam com o que está na pele”. E assim, a TSP não se contenta com o que se faz por aí e quer ir mais longe. Quer, abusivamente, transformar a ROSA CHOCK, uma loja de roupa usada, da baixa portuense, num lugar de culto. Lugar onde, pela imagem que recriam ao realçarem o glamour do verdadeiramente retro, apetece entrar, provar, viver e dominar. É assim que a TSP recria, renova, reduz, reutiliza, refaz, recupera, reelege, reclama o conceito inovador e alternativo de Moda. Um olhar diferente sob uma perspectiva de “desilusão” em que a ilusão e o sonho recriam símbolos de identidade pessoal num mundo tão, e cada vez mais, homogéneo. ’ Designer de Moda
TSP © I FOTOGRAFIA ’ JOÃO D CABELO ’ PAT SOUSA
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TSP © I FOTOGRAFIA ’ NUNO AZEVEDO I MAQUILHAGEM ’ JÚNIOR MENDES CABELO ’ PAT SOUSA I MODELO ’ STEPHANIE SANCHEZ I ROUPA ’ ROSA CHOCK
DE MEDEIROS I MAQUILHAGEM ’ JÚNIOR MENDES A I MODELO ’ JULIANA DIAS I ROUPA ’ ROSA CHOCK
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TSP © I FOTOGRAFIA ’ JOÃO DE MEDEIROS I MAQUILHAGEM ’ JÚNIOR MENDES CABELO ’ PAT SOUSA I MODELO ’ STEPHANIE SANCHEZ I ROUPA ’ ROSA CHOCK
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052125315
ÉLVIO BETTENCOURT RODRIGUES
NOVOS TURISMOS
<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<<< De uma forma sucinta, o turismo LGBT não é nada mais, nada menos do que viagens (organizadas ou não) direcionadas à comunidade homossexual. Por ser uma comunidade numerosa, na sua maioria com um bom poder de compra, e também por ser caracterizada como uma comunidade consumista, houve a necessidade de criar um novo segmento turístico. Ao longo dos últimos anos o turismo LGBT tem vindo a crescer rapidamente na Europa, assim como no resto do mundo. Das empresas de cruzeiros às companhias áreas, dos operadores e destinos turísticos às cadeias hoteleiras. Este é seguramente um mercado no qual as empresas de turismo e hotelaria estão cada vez mais a apostar. Um estudo revela que os valores do mercado turístico LGBT no ano de 2011 superaram os 105 mil milhões de euros. No entanto quais são os destinos mais populares para a comunidade LGBT? A resposta é certamente, aqueles destinos desenvolvidos, que têm uma grande oferta direcionada a esta comunidade. Alojamento e diversão, são alguns dos exemplos das ofertas nesses destinos que são capazes de fazer com que as pessoas se sintam à vontade, longe dos preconceitos. Quando as pessoas vão de férias querem basicamente descansar e sentirem-se confortáveis. Mas para além disso, querem um bom ambiente no qual se sintam bem. É perfeitamente normal que um casal, ou até mesmo um grupo de amigos homossexuais que estejam a planear umas férias, tenham em conta o que há de atrativo no destino. Deste modo, é óbvio que o destino com melhores atrações, com mais oferta será sem dúvida o escolhido. Na Europa temos algumas cidades que recebem este segmento turístico de uma forma significativa. Amesterdão, Barcelona, Paris, entre outras, são alguns dos exemplos. Em Portugal começaram também a 60
aparecer empresas de turismo e hotelaria que olham para este segmento turístico como uma boa oportunidade de investimento.
Porém, é certo que há empreendimentos com a referida designação, mas em alguns casos é simplesmente mais uma forma de marketing.
A Be Out, é um bom exemplo de uma agência de viagens portuguesa que se dedica exclusivamente ao turismo LGBT. Para além de esta empresa querer tornar o nosso país num destino de eleição para comunidade homossexual, a Be Out oferece também aos seus clientes uma boa variedade de produtos e viagens. No entanto, existem outras empresas que, apesar de não diferenciarem este segmento turístico, fazem também a sua aposta no mercado. Um dos casos é a Strawberry World que promove a Madeira como destino turístico de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Segundo Mike Heavey, diretor da Strawberry World no Funchal, este é um novo mercado em crescimento no qual vale a pena investir. Sendo assim, para a Strawberry World, Lisboa, Londres e Canárias seriam três dos destinos em consideração, uma vez que têm um bom potencial para o turismo LGBT. Por todo o país existem hotéis e bares classificados como gay friendly.
Com o crescimento de competitividade no segmento turístico LGBT, uma empresa que se designe como gay friendly deve concretizar essa mesma designação. Este é um dos desafios que atualmente essas empresas têm pela frente. Para que o turismo LGBT continue a crescer, é preciso criar mais e melhores ofertas, mas também é preciso mudar mentalidades. Desta forma Portugal pode ser mais competitivo em relação aos outros países. É de salientar que as associações LGBT têm feito um trabalho extraordinário, com organização de eventos ao longo dos anos. Estes eventos ajudam a desenvolver de alguma forma o setor turístico, permitindo também que as pessoas fiquem mais familiarizadas com a comunidade homossexual. ’ Turismo
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FRANCIS KINDER
MODA BRASILEIRA
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“ANDAM NUS SEM NENHUMA COBERTURA, NEM ESTIMAM NENHUMA COUSA DE COBRIR NEM MOSTRAR SUAS VERGONHAS E ESTÃO ACERCA DISSO COM TANTA INOCÊNCIA COMO TÊM DE MOSTRAR NO ROSTO” PERO VAZ DE CAMINHA, 1500
A moda brasileira pode ser comparada a um elefante sendo descrito por cegos. Enquanto o que toca no lombo diz ser uma parede, o da tromba julga sentir uma mangueira, aquele das orelhas garante se tratar de um cortinado, no fim, ninguém realmente sabe o que é. Quem vem de fora espera um eterno bacanal em terras de papagaios e jabuticabas. Uma das primeiras visões que os portugueses tiveram dos brasileiros foi curiosa: “Andam nus sem nenhuma cobertura, nem estimam nenhuma cousa de cobrir nem mostrar suas vergonhas e estão acerca disso com tanta inocência como têm de mostrar no rosto”, escreveu Pero Vaz de Caminha, da trupe de Pedro Álvares Cabral em 1500. Ainda hoje, há muitos estrangeiros (ignorantes, fique registrado) que acham que no Brasil as pessoas se locomovem de cipó e andam nuas nas praias, cidades e campos. No máximo, vestem-se com fantasias de carnaval como a da Valesca Popozuda.
AgNews©
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Diversos estilistas mostram nas passarelas uma moda brasileira elegante, cheia de glamour e luxo. Pedro Lourenço, por exemplo, filho de Glória Kalil e Reinaldo Lourenço – dois dos maiores nomes da moda nacional – admite preferir materiais importados. Veludo de seda, náilon, tecidos tecnológicos, couro, jérseis ganham formas e volumes surpreendentes nas mãos dos grandes designers de peças do país. As duas principais semanas de moda do país (São Paulo Fashion Week e Fashion Rio) já possuem destaque internacional, e a “Casa de Criadores” traz as mais novas tendências de jovens estilistas brasileiros à ribalta.
Paulo Reis©
Há itens da moda brasileira que já são consagrados em todo o mundo. No topo da lista, as sandálias havaianas são símbolo de conforto e praticidade para os pés. Os calçados são vendidos em todos os cantos do globo, e possuem uma diversidade e simplicidade que representam a cultura e o povo brasileiros com maestria. Ainda nos pés, as Melissas são outros calçados práticos e simples que ganharam o coração de muitas mulheres. Também para o público feminino, os biquínis brasileiros são referência pela ousadia e primor no acabamento. Tecidos, corte e estamparia diferenciados tornam o país referência mundial nos trajes de banho femininos, e marcas como Rosa Chá, Poko Pano, Mameluca e Cia Marítima são exportadas aos montes para agradar as estrangeiras menos tímidas. Bijuterias e jóias com pedras brasileiras já se espalharam pelo globo, e atingem todos os perfis de consumidores. Mas a marca “Brasil” não se restringe a acessórios: marcas de roupa social masculina, voltadas para o público jovem, esportista, etc: a cada dia, mais e mais marcas nacionais se espalham pelo planeta.
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Mas nada disto representa por si só a moda brasileira. Ao caminhar nas ruas das maiores cidades brasileiras, pode-se ter uma ideia mais clara do que é a moda do país. O Brasil é um incrível caldeirão, com uma diversidade única no mundo, de brancos, amarelos e pretos, e suas fantásticas miscigenações: caboclos, mamelucos e cafuzos. A diversidade de origens e aspectos, além da amplitude territorial e diferenças regionais, faz com que seja impossível determinar um tipo brasileiro. Limitando-se aos grandes centros urbanos, porém, é mais fácil compreender como o tupiniquim gosta de se vestir. As mulheres brasileiras são extremamente vaidosas, de norte a sul do país. Dificilmente você verá uma brasileira saindo de casa sem um batom e um rímel. Máscara e blush são mais usados à noite, mas não se espante se observar brasileiras com diversas cores de sombras mesmo com o sol a pino. E o cabelo alisado é quase regra. Brasileiras e brasileiros não tem medo de ousar: elas misturam cores e estilos com maestria e, às vezes, certo descuido. São as “bregas”, pessoas que não tem bom senso na hora de se vestir. Mas o “brega” cresceu tanto que virou estilo de vida. Artistas como Falcão, Reginaldo Rossi, Beto Barbosa e o saudoso Wando eternizaram o brega
FALCÃO um dos maiores símbolos do Brega brasileiro, e sua mistura de cores e estilos.
em suas canções e estilo peculiares. E o brega cresceu, especialmente na região norte e nas áreas mais populares das grandes cidades brasileiras, e se diversificou: surgiram o tecnobrega, o brega reggae, eletro melody, funk melody e outras variações.
CLUBE NOTURNO GAY DE SP, onde corpos expostos são a tendência. VejaSP©
Brasileiros amam cores. Roupas coloridas se misturam com outras peças tão coloridas quanto, e brasileiros não tem vergonha do corpo. Não que seja uma regra, claro, mas não é por estar acima do peso que alguém deixará de usar listras, padrões e cores que não seriam “recomendados”. Hoje mesmo vi uma senhora bastante acima do peso com calças de yoga justíssimas verde lima, acompanhadas de uma blusa de tecido sintético lilás tão justa e chamativa quanto as calças. Não, ela não estava bonita. Mas ela não se importava: caminhava com uma altivez digna da realeza britânica. No Brasil, mais que as tendências anunciadas pelas passarelas, o que importa é a lei das ruas, especialmente entre as pessoas com menos posses. Nas classes médias e alta, você encontrará mais pessoas preocupadas com o que é trending, mas não nas ruas. Mesmo a semana de moda popular, que ocorre no famoso bairro de vestuário popular de São Paulo, o Brás, erra tendências. Diz-se que a voz do povo é a voz de Deus, então, quem sou eu para julgar, certo? O homem brasileiro, em geral, é bem diferente do português. Mesmo entre os jovens, a preocupação principal ao se vestir é CON-FOR-TO. Depois, pertencer ao grupo. Se o jovem for yuppie, ele usará cardigãs, camisas longas e calças cáqui ou cinzas, ou jeans estruturados mesmo nos fins de semana. Se ele for “alternativo”, nem mesmo óculos sem lentes serão exagero. Entre os “vileiros” ou “manos” (que poderiam – de longe – ser comparados aos gunas portugueses), calças vários números acima, camisas largas e uniformes de times de futebol são comuns. Skatistas
usam sapatilhas (por aqui chamadas de tênis) largas mesmo quando estão no shopping center. E assim por diante. Conforto e praticidade, a combinação típica. Esta regra não é válida apenas entre tribos gays – enquanto barbies preferirão exibir seus corpos musculados, bichinhas pão-com-ovo, modernetes e outros usarão as roupas mais justas que suas pernas finas e abdomens secos aguentarem. A moda brasileira não é algo simples. Tampouco fácil de entender. Isto porque a moda brasileira se expressa de forma diferente de acordo com o indivíduo. Cada brasileiro vê a moda de uma forma bastante distinta, e por isto ela é tão diversa e plural. E exatamente por isto ela é tão rica. A cada dia você se surpreende. Mas sabe o que é mais importante? Você vai se sentir à vontade, não importa o que você use. --Prazer, sou o @franciskinder, brasileiro, 24 anos, e que gosta de escrever e se vestir bem. Sim, geralmente eu uso roupas. ’ Lic. Economia e Pós-Graduado em Relações Internacionais
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FILIPE MOREIRA DA SILVA
VIZINHANÇA DESCONHECIDA
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São já quase 8 anos de residência permanente no Reino de Espanha. Ao longo desde tempo, por inúmeras vezes me vi confrontado com o quase absoluto desconhecimento, por parte da população autóctone, acerca de Portugal e da cultura portuguesa. Não sei a quem atribuir ao certo a responsabilidade de tal facto, mas o que é certo é que pode dever-se a vários motivos. Por um lado, gostaria de fazer uma reflexão que tenho comprovado in loco cada vez que viajo pela Europa: regra geral um país aspira ser tão bom ou tão rico como o vizinho que tem a Leste, mas quase todos se sentem melhores que o que têm a Oeste. Ora sendo que a Portugal nesta lotaria lhe calhou o extremo Ocidental do velho continente, só nos resta aspirar a ser tão bons como os nossos vizinhos Ibéricos. Por outro lado, verifica-se junto da população em geral, que as políticas de merchandising de Portugal no que respeita a turismo têm sido um rotundo fracasso. Não quero aqui emitir opiniões político-partidárias, até porque nestes quase oito anos, tivemos governos de diferentes facções políticas. Mas o que é certo, é que o “Turismo de Portugal” pelo menos naquele que tem o maior potencial de vir a ser o nosso público-alvo por uma questão de proximidade, tem sido um falhanço estrondoso. Não são raras as vezes que ao mencionar Portugal a um espanhol médio, apenas sabem dizer que Lisboa é a capital e que por lá se come muito bacalhau (como compreenderão, para sermos a nação com as fronteiras mais antigas da Europa, e portanto uma cultura quase milenária... as expectativas que temos de que nos conheçam um pouco mais são óbvias). E aqueles poucos que afirmam já ter estado em Portugal, normalmente, ou atravessaram a fronteira em Badajoz e conheceram Elvas (que pode parecer chocante, mas por muito que seja um lugar encantador, não é representativo da realidade actual de Portugal) ou então foram em 64
excursão a Lisboa, Estoril, Cascais, Sintra, Nazaré e Fátima, tudo isto em dois dias e acabaram por ficar com uma ideia muito misturada e vaga acerca de que monumentos estão em que lugar. Para além disso, e em pleno século XXI, deparámo-nos com os estereótipos que procuramos combater. Curioso é constatar que os espanhóis não gostam de ser vistos no estrangeiro como um povo de toureiros e flamencas (ou daquelas bonecas lindas de pôr em cima de um bonito naperon sobre um televisor antigo) mas que por outro lado, têm ideia que em terras Lusas as senhoras de idade andam todas vestidas de preto e com lenços na cabeça e que os homens têm uma farta bigodaça e um ar bonacheirão ao estilo Zé Povinho. Se por um lado os portugueses da minha geração se lembram de ir à fronteira (a que chamávamos “ir a Espanha”) comprar caramelos, os espanhóis de várias gerações fazem o mesmo para comprar toalhas de algodão frequentemente vendidas a peso (comércio fronteiriço que confesso que desconhecia até ter vindo viver para cá) e aproveitam a viagem para ir a um restaurante próximo comer um prato do nosso “fiel amigo”. A bem da justiça, devo referenciar que todos os anos se realiza uma “Mostra Portuguesa”, evento cultural que através de exposições, obras de teatro, espectáculos musicais e lançamento de livros de autores portugueses, visa dar a conhecer a nossa cultura e aquilo que aportamos em matéria intelectual. Talvez não sejam eventos de massas. Talvez o público a quem se dirige seja uma elite ou um grupo específico de pessoas importantes na era dos Opinion Makers que acabam por influir no resto sobre o que está na moda e o que não.
Apenas me pregunto se em anos de crise financeira como os que atravessamos e sendo o turismo uma das indústrias com potencial em crescimento, se não valeria a pena investir em dar a conhecer Portugal àquele que seria o povo com mais probabilidades de nos visitar e de se apaixonar pelo nosso belíssimo país, pela nossa cultura, pela nossa excelente gastronomia, pelas nossas paisagens de incomparável beleza... Portanto, os que vivemos fora e os que viajam para fora, devemos assumir essa responsabilidade, a de sermos embaixadores da nossa cultura e do nosso povo. ’ Director Clínico
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MARÍLIA LOPES
MODA É SER “KAWAII”
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Dizem os especialistas que os grandes criadores de moda vêm ao Japão para se inspirarem, mais propriamente a Harajuku, Tóquio. Harajuku, tornou-se famosa nos anos 90 devido ao grande número de artistas de rua e jovens com roupas extravagantes que se reuniam ao domingo. O espectro abrangia desde fãs do visual Kei, Rockabillies, Punk, às gothic Lolitas entre outras subdivisões do estilo, mas também se concentram outros como decoras e jovens com as suas próprias invenções. Ainda hoje a tradição se mantém. Ao lado dos americanos os japoneses são os maiores consumidores de moda do planeta. Criatividade e personalização são palavras de ordem. Independentemente do que se veste por aqui, actualmente, o que é realmente moda é ser “Kawaii”, ou seja,“fofinha”, tudo gira à volta disso. E ser “Kawaii” não é só vestir de forma “fofinha” é também e principalmente, a postura. Pés para dentro e dedinho na boca como as meninas do colégio é o que mais caracteriza os japoneses. Mas será a moda interpretada da mesma forma em todo o mundo? Definitivamente não! Os japoneses não usam moda, usam-se da moda! Utilizam a moda para se diferenciarem, porque fisicamente são todos semelhantes, cabelo e olhos castanhos, baixos e magros. Na Europa a moda segue por tendências e de forma geral toda a gente segue essa tendência apenas pela beleza ou por puro consumismo. Aqui, para além desses factores, a moda é também uma necessidade. Será essa necessidade a essência de tanta criatividade?...
Há várias “tribos”, as tão famosas Lolitas, que estão a chegar em força à Europa, as meninas de uniforme colegial e uma “tribo” muito curiosa que veste fatos de ursinho, coelhito e vários outros animais fofinhos. Vale tudo por aqui, ninguém acha nada estranho, desde que não se mostrem os ombros ou o decote. Já as pernas... quanto mais curto melhor, se possível que dê a sensação que não se tem nada vestido para baixo (país estranho!?!?).
Na mesma loja podemos encontrar vários estilos... os fatinhos de animais, vestidos Lolita, calças rasgadas e o tradicional blazer. Mas, regra geral, cada loja tem o seu próprio estilo. A moda entra e sai, muda a estação e pouca diferença se nota nas lojas, apenas os tecidos variam. Cada japonês tem um estilo muito próprio e não sai muito dele, mesmo que a moda seja muito diferente. Na Europa cada vez que há uma nova colecção parece que para além da roupa criaram pessoas. Todos se vestem iguais, como se tivessem saído da mesma fábrica. Aqui isso não acontece. Mas moda é ser “Kawaii”!! Ainda melhor é ser “Kawaii”e ter uma boa mala ao ombro, quer seja homem ou mulher. As malas têm um papel muito importante na sociedade japonesa. A sociedade está estruturada por hierarquias. O Japão é moderno, mas as suas tradições milenares não se perdem. É pela mala que distinguem se a pessoa está numa posição superior ou inferior à deles. Essa distinção é muito importante na hora de se cumprimentarem, dependendo a inclinação da vénia disso. Escusado será dizer que as lojas de malas abundam por aqui e que os preços são exorbitantes. Mas se tiverem uma “Louis Vuitton” ao ombro, muitas portas se vão abrir e muitas vénias até ao chão vão receber. ’ Lic. Educação Física
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Surpreende-me como é que 27 Chefes de Estado e de Governo se deixam condicionar e até chantagear por três agências de rating norte-americanas.
Tenho muita dificuldade em ter uma relação com uma pessoa que só tenha uma bundinha e um peitinho, pode ser uma delícia uma noite, mas uma relação envolve muitas coisas. REYNALDO GIANECCHINI, ACTOR
FRASES COM’TEXTO
CAVACO SILVA, PRESIDENTE DA REPÚBLICA
A República Islâmica do Irão tem feito todos os esforços para elevar o estatuto das mulheres e permitir-lhes alcançar o seu justo lugar na sociedade. ALI KHAMENEI, LIDER SUPREMO DO IRÃO
Que os cidadãos não pensem que estamos a ficar esquizofrénicos. PEDRO PASSOS COELHO, PRIMEIRO MINISTRO
Gostava de perceber os movimentos ecologistas. SOUTO MOURA, PRÉMIO PRITZKER DE ARQUITECTURA
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Sou um especialista em relações humanas. VLADIMIR PUTIN, PRESIDENTE DA RÚSSIA
Acredito firmemente nos direitos das mulheres. A minha mãe é mulher, a minha irmã é mulher, a minha esposa é mulher, a minha filha é mulher. É preciso ir com calma. ABDALLAH, REI DA ARÁBIA SAUDITA
Temo que o ser humano 7.000.000.000 tenha nascido num mundo cheio de contradições. BAN KI-MOON, SECRETÁRIO GERAL DA ONU
Estarei morto há muito tempo e ainda haverá pessoas a dizer que eu era gay. GEORGE CLOONEY, ACTOR
Penso que acabará por ter de haver algum perdão da dívida portuguesa. PAUL KRUGMAN, PRÉMIO NOBEL DA ECONOMIA
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DESCØNSTRUIR
MODA & ANDROGINIA
A Moda, ao longo dos tempos tem tentado ultrapassar as mais variegadas barreiras, procurando desconstruir, consoante os contextos e os cenários, os mais diversos estereótipos, nem sempre da forma mais pedagógica. Acima de tudo a Moda tem sido vítima de si própria, tentando, em permanência, reinventar-se, quase de modo compulsivo, mantendo-se, todavia, refém do anátema da eterna reconstrução. Mas a Moda tem, também, ao longo dos tempos, tentado ser a eterna conquistadora da juventude e da beleza eternas. Hoje a Moda tenta, à exaustão, descobrir, uma vez mais, o Cálice do Santo Graal, procurando conseguir a Androginia plena. Hoje, mais do que nunca, a Moda persegue, à exaustão, a Imortalidade.
FOTOGRAFIA ’ DIOGO VIEIRA DA SILVA MODELO ’ FÁBIO MESQUITA
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barão de la palisse
Quando o meu Amigo e Director da Revista “ID” me convidou para participar neste projecto coloquei, duas condições…escrever sem tema obrigatório e poder fazê-lo anonimamente, numa rubrica intitulada “Farpas”. Argumentei que assim poderia escrever livremente, sem amarras. Claro que sempre norteado pela verdade, ainda que opinativa. E o título não é inocente, até porque cumpre a tradição literária portuguesa. Acreditava eu que estas condições seriam inaceitáveis e, como tal, o problema do convite estaria resolvido. A recusa, óbvia, das minhas condições permitiria que eu continuasse, tranquilamente, no Douro a saborear os fins de tarde vendo o verde da vegetação misturar-se com o azul das águas. Mas, se bem o pensei, pior resultou. Para minha surpresa as minhas condições foram aceites e fiquei incumbido de escrever estas “Farpas”, num País que dizem ser piegas e em que o próprio “Presidente de todos os portugueses” afirma, numa intervenção impensável, ter dificuldades em assegurar as suas despesas. Foram estas as declarações polémicas e muito polemizadas, daquele que já foi considerado o melhor Chefe de Governo português de sempre. Foi, inclusive, é preciso assumi-lo com frontalidade, o primeiro político português a concretizar uma maioria parlamentar absoluta e a conseguir uma segunda, ainda mais expressiva. Mas se as declarações actuais são inaceitáveis, um verdadeiro tiro no pé da presidencial personagem, também foram distorcidas, de modo perverso, por uma Imprensa que, sibilinamente, criou um novo desporto em Portugal…o tiro ao cavaco. E o mais estranho e quase suicida é que estes Doutores da Imprensa ainda não perceberam que nesta época de crise Portugal precisa de instituições fortes e, principalmente, de uma Presidência estável, credível e credenciada, por ser, acima de tudo, um dos poucos rostos portugueses que a Europa visualiza e em quem, ainda, confia. Mas, regressando às infelizes declarações, desonesto é, também, que elas sejam recebidas com estrondo e sejam objecto de uma chuva de críticas mas que declarações similares, proferidas dias depois, desta vez por Manuela Morgado, tenham passado incólumes, quando esta responsável judicial referia que com o vencimento auferido se via em dificuldades para pagar o colégio das filhas… Porque ninguém pegou nas declarações de Manuela Morgado? Será porque a Imprensa, uma vez mais, se substituiu à Oposição, sem 70
para tal ter sido eleita ou nomeada? Uma Imprensa que faz oposição, é perversa e, acima de tudo, torna pública a inconsistência da Oposição o que não é, sequer, benéfico para a estabilidade do País e, acima de tudo, prejudica a Democracia. Isto sucede porque Portugal tem hoje uma Oposição sem norte, sem rumo, sem espírito e sem ideias mas, acima de tudo sem carisma, salvo honrosas exceções, entre as quais incluo Pedro Delgado Alves, o Deputado e Secretário Geral da Juventude Socialista e que, acabei de saber, também colabora neste número da ID. Mas se critico uma Oposição sem consistência, o que dizer de uma certa Direita que pede, com fervor, que Passos impluda, alegando, justamente convenhamos, a falta de qualidade e de consistência da primeira figura governamental e a deficiente estratégia dos conselheiros que o rodeiam? A Passos parece faltar a consistência, a credibilidade, acima de tudo, a imagem de Homem de Estado, com tudo o que tal conceito implica. É a mesma Direita que sonha ver Rui Rio assumir uma liderança férrea, isto também porque Manuela Ferreira Leite ou Miguel Cadilhe já não estão, até por idade e estatuto, disponíveis e Miguel Relvas continua a apreciar ser o Cardeal do regime, também pela protecção que tal estatuto garante. E o que dizer, por outro lado, de uma certa Esquerda que espera, ansiosa e conspirativa, que Seguro se esboroe e seja, finalmente, substituído pelo Costa, desta vez o António? Seguro tem vindo a tornar-se, progressivamente e por culpa própria, uma liderança de transição não conseguindo, sequer, que o Partido Socialista assuma, de forma transparente, os aspectos positivos mas também os negativos da herança de Sócrates e o estado em que deixou o País e o PS. Acima de tudo Seguro é água morna… E Sócrates? Sócrates fugiu para Paris, supostamente para filosofar mas, espero, para o aprender e, sobretudo, para se resguardar, assim promovendo o branqueamento de imagem, facilitado pela distância e pelo tempo até porque, alguém me segreda…o Projeto Sócrates ainda não se esgotou. Convém, a propósito, referir o escândalo do Parque Escolar e dos muitos milhões de euros gastos a tentar produzir resultados eleitoralistas que fizessem reverter o impos-
sível … a derrota, há muito anunciada. Ainda está na memória dos portugueses o episódio em que Sócrates, por ser obcecado com a imagem, olha para as câmaras de televisão e pergunta às ninfetas assessoras “Fico bem deste lado?” Por tudo isto e muito mais interrogo-me se o resultado das últimas eleições terá sido por mérito de Passos ou por demérito de Sócrates? E vou-me poupar, para já, à resposta. Mas neste momento das “Farpas”, devo assumir que não consigo resistir a direccionar este primeiro número para a Política, logo eu que me afastei há tanto tempo e por opção, dos palcos políticos. Ainda por cima sendo o tema desta edição a Moda! Mas se a Política não está na moda é bom que regresse até porque são os políticos que decidem a vida portuguesa aos mais diversos níveis, independentemente de serem portugueses, alemães, do FMI ou da Troika. Assumamos, pois, tranquilamente, que estas primeiras “Farpas” serão políticas. Agora que já zurzi, com inteira justiça, na Presidência e nos Primeiros, do Governo e da Oposição, não podemos esquecer os outros, aqueles que sonham, sempre, chegar a primeiros, mas que se ficam apenas pelo sonho. Não poderei deixar de lado esses, os segundos e terceiros, governamentais ou oposicionistas, porque os há e alguns são motivo de reflexão justificada. Entre as segundas figuras nacionais, está, para já, Paulo Portas, a personificação por excelência do “Príncipe” de Maquiavel. O Presidente do PP vem seguindo uma estratégia cirúrgica perfeita, de risco calculado, distante das medidas impopulares mas presente quando espaço existe para uma qualquer medida populista. Prevejo que ou Passos se acautela ou cai do Governo quando Portas o entender. E antecipo que tal suceda dentro de um ano ou dois, no máximo. Portas surgirá, então, como aquele que tudo tentou e por tudo se sacrificou mas a quem não seria justo pedir mais esforços, por já mais não poder aguentar. Desta forma Paulo Portas chegará às urnas incólume, preparando-se para aumentar, ainda mais, a sua votação passando, então, a integrar o trio dos grandes. Apenas faltará descobrir por que ordem… Mas seria injusto terminar estas Farpas sem falar dos restantes…
Mas há mais? Ainda há… Por um lado o PCP, o Partido Comunista mais ortodoxo da Europa, o tal que é proibicionista em relação à Prostituição ou contra a Educação Sexual. O mesmo PCP que se esconde atrás da CGTP quando lhe convém, eterno organizador de greves gerais, não percebendo que não é na rua que se ganha o que se perdeu nas urnas. Sim, porque o PCP é, desde o 25 de Abril, o eterno partido que morre na praia. Em concreto perde todos os actos eleitorais, nunca chega ao Governo, mas acaba, sempre, por ser vencedor, ainda que só para os seus dirigentes. Até porque nem os militantes acreditam nesta eterna cosmética de resultados. Cunhal já não é vivo, infelizmente, pela enorme falta que o seu contributo consistente faz ao cenário parlamentar. Mas os seus netos políticos continuam a debitar o mesmo tipo de discurso, o mesmo conteúdo, o mesmo tom, mas sem a acutilância, a inteligência ou sequer o carisma de antigamente. O PCP arrasta-se, cristalizado, pelos cantos do palco parlamentar, dirigido por um dinossáurico Jerónimo que ainda não descobriu que o Muro de Berlim já caiu, há muito e que a realidade geopolítica mundial se transfigurou. Até mesmo o jovem Bernardino rapidamente envelheceu o discurso, as ideias e a postura, reproduzindo à exaustão os argumentos de sempre. E no que ao PCP se refere onde pára João Oliveira que tanto foi visto e ouvido na Legislatura anterior e que de repente desapareceu? Tal aconteceu pelo receio das cúpulas do refrescamento por ele introduzido ou o afastamento foi orquestrado por um qualquer companheiro de luta receoso de vir a ser ultrapassado? Ou será que outra foi a razão injusta e inconfessável? E para além do PCP? Há mais alguém? Dizem-me que sim, ainda… Falta, realmente, falar do Bloco, que já foi Bloco de Esquerda e agora é só Bloco, quiçá até à extinção final, mais do que merecida, reproduzindo o anteriormente sucedido ao PRD.
Pois que dizer do Bloco, o tal cuja preocupação maior era o Tigre da Málcata? Ou que dizer do mesmo Bloco que sendo contra as touradas se prostituiu aceitando nas suas listas uma das mais acérrimas defensoras dos touros de morte a mesma que, ironicamente, à cabeça dos destinos de Salvaterra de Magos, se tornou a única Presidente a ser eleita nas listas bloquistas? A mesma que hoje se encontra sob investigação, por suspeita de corrupção. Ou o mesmo Bloco que ainda não teve a coragem e a honestidade políticas para debater a hecatombe eleitoral por que passou nas ultimas eleições legislativas, debate este mais do que necessário mas bloqueado, à exaustão e de forma ditatorial, por Louçã? Ou o mesmo Bloco que, colando-se agora a todas as decisões do PCP não consegue antever que este será o seu abraço de morte? Até porque o PCP agradece o balão de oxigénio que é a sangria que, devagar e subtilmente vai fazendo, prometendo transformar o Bloco de Esquerda em satélite, quais Verdes que, para além de Heloísa Apolónia, mais nada são…nem serão. A título de exemplo elucidativo do desnorte suicida que invadiu o Bloco recordemos os olhos esbugalhados de ódio, os lábios contraídos a espumar desequilíbrio hormonal, quiçá pós gravídico, de Ana Drago quando gritava para o Deputado e Presidente da JSD, Duarte Marques…“O senhor é velho, devia fazer uma plástica e depois emigrar”. Assim vociferava a criatura, de forma inadmissível, cuspindo todos à sua volta, esquecendo que a Democracia existe e justificando, até pela postura e pelos actos dias mais tarde descobertos, o futuro pouco risonho que está, inexoravelmente, destinado ao Bloco. Por falta de qualidade, de estratégia, de antevisão, de recursos humanos e de programa político credível e responsável, ao Bloco nada mais restará do que tornar-se, inevitável mas justificadamente, um breve referencial histórico, muito breve mesmo. Mas não posso terminar sem afirmar, a título de alegação, que a uma classe política que ganha mal, pouco se pode exigir. É preciso assumir que os políticos em Portugal ganham pouco, facto que os condiciona, reduzindo as capacidades argumentativas e negociais, quando tentam impor medidas impopulares a empresários que auferem vencimentos 10 vezes superiores. E assim vai a Política em Portugal…
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Todas as quartas-feiras, a partir das 22H, "Poesia na CASA", em vigor desde Janeiro de 2011. Todas as semanas, à quarta feira à noite, a Poesia tem lugar cativo na CASA, com a leitura de poemas escolhidos. O mês de Maio será dedicado a “Mário Cesariny”.
11 & 25 SEX 22H
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Ao dia 25 de cada mês a CASA efectua o lançamento on-line, da sua revista de grande informação, intitulada ID ’, acrónimo de Identidade. O Nº 2 da ID ’, será dedicado ao tema: “Violências”.
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NOITE DA CAIPIRINHA
Uma noite diferente, com Caipirinhas à escolha. Caipiroskas, Morangoskas e a já célebre Caipirinha à CASA, com leite condensado.
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Uma noite por mês dedicada ao Transformismo na CASA até porque o “O Transformismo é uma Arte que merece ser reconhecida”. A “Noite das Divas” tem, na CASA, um sabor diferente...em estilo de Cabaret dos anos 60.
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LANÇAMENTO DO Nº 2 REVISTA DA ID ’
DEBATES NA CASA
Em vigor desde 2009, este mês o tema será: “A Imprensa e a Homofobia/Transfobia”, respeitando o facto de 17/5 ser o Dia Nacional de Luta contra a Homofobia/Transfobia e com a participação de personalidades convidadas. 18 SEX 22H
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CICLO DE JAZZ
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CINEMA NA CASA
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8 TER 22H 22H
CICLO DE TERTÚLIAS “A CASA COMVIDA”
Em vigor desde 2010, em Maio o Ciclo de Tertúlias será subordinado ao tema “Trabalho Sexual”.
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DIÁLOGOS FILOSÓFICOS
A sessão do mês de Maio será subordinada ao tema “Sexualidades”.
SEGUNDAS & QUARTAS 21.30H - 23.30H
TERÇAS 21H - 23H
QUARTAS & QUINTAS 19H - 21H
ENSAIO DO GRUPO DE TEATRO DA CASA
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