Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE 1 2 ANO I || Nº.
Jornalismo e cidadania
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Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade | PPGCOM/UFPE
Cidadania em rede
Elas na rede
Prosa Real
Livros-reportagem e cinema
Poder Plural
Polarização política na internet
E mais...
JORNALISMO E CIDADANIA | 2
Expediente Editor Geral | Heitor Rocha professor PPGCOM/UFPE Editoração Gráfica | Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE Articulistas | PROSA REAL Alexandre Zarate Maciel doutorando PPGCOM/UFPE MÍDIA ALTERNATIVA Xenya Bucchioni doutoranda PPGCOM/UFPE NO BALANÇO DA REDE Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE JORNALISMO E POLÍTICA Laís Ferreira mestranda PPGCOM/UFPE JORNALISMO AMBIENTAL Robério Daniel da Silva Coutinho mestre em Comunicação UFPE
Arte da Capa: Designed by Freepik.com
Colaboradores | Marcos Costa Lima Pós-Graduação em Ciência Política/UFPE Túlio Velho Barreto Fundação Joaquim Nabuco Gustavo Ferreira da Costa Lima Pós-Graduação em Sociologia/UFPB Luiz Lorenzo Núcleo de Rádios e TV Universitárias/UFPE Bolsista e Aluno Voluntário | Lucyanna Maria de Souza Melo Yago de Oliveira Mendes Graduandos de Jornalismo UFPE
Índice Editorial
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Prosa Real
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Mídia Alternativa
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No Balanço da Rede
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Jornalismo e Política
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Jornalismo Ambiental
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Poder Plural
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JORNALISMO INDEPENDENTE Karolina Calado doutoranda PPGCOM/UFPE
Cidadania em Rede
| 16
Comunicação Pública
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MÍDIA FORA DO ARMÁRIO Rui Caeiro mestre em Comunicação UFPE
Jornalismo Independente
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Mídia Fora do Armário
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Mude o Canal
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Rádio e Cidadania
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Referências Bibliográficas
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PODER PLURAL Rakel de Castro doutoranda PPGCOM/UFPE e UBI CIDADANIA EM REDE Nataly Queiroz doutoranda PPGCOM/UFPE COMUNICAÇÃO PÚBLICA Ana Paula Lucena doutoranda PPGCOM/UFPE
MUDE O CANAL Ticianne Perdigão doutoranda PPGCOM/UFPE RÁDIO E CIDADANIA Karoline Fernandes mestre em Comunicação UFPE
Edição Nº 2 Recife-Pernambuco, Agosto 2016
Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 3
Editorial
Utopias e mudança social Por Heitor Rocha
A
discussão sobre a possibilidade de ações racionais articuladas para a viabilização de mudanças sociais e a concretização de utopias passa necessariamente pela questão de se conceber na estrutura cognitiva das pessoas a possibilidade da agência humana de transformar a realidade, ou se é mantida a ideia reificada de uma condição naturalizada que vê na realidade social facticamente estabelecida a vontade de Deus, o resultado de leis cósmicas ou da vontade de heróis extraordinários. Na ciência, há séculos vem se desenvolvendo uma discussão epistemológica envolvendo a ideologia do paradigma tradicional positivista e o paradigma emergente construtivista. A primeira, descaradamente conservadora, elitista e excludente, pretende restringir a investigação científica exclusivamente à descrição da realidade, extraindo-se todo juízo de valor e sem pressupor qualquer compromisso com a transformação social e a superação das relações de dominação e de violência simbólica, chegando, inclusive, a ocultar a capacidade das pessoas e grupos sociais da periferia de influir nos rumos da história. Por outro lado, a proposta do paradigma construtivista está fundamentado na convicção de que o ser humano pode ressignificar as representações sociais internalizadas pela tradição e pela construção de conteúdos midiáticos quase completamente monopolizada pelas “fontes oficiais” das elites, possibilitando que a periferia à estrutura de poder (intelectuais, artistas, professores estudantes, movimentos sociais, etc) conquistar mudanças na ordem (muitas vezes desordem) social para tornar o mundo da vida menos ameaçado, a exemplo das leis Maria da Penha e Afonso Arinos. As visões de mundo conservadoras disseminadas pela ideologia de ciência positivista está tão profundamente entranhada no senso comum que, geralmente, aceitamos como justificados e legítimos os preconceitos impostos pelas identidades dominantes contra as mulheres, negros e outras etnias consideradas inferiores, nordestinos e cidadãos de outras áreas estigmatizadas. No jornalismo também se verifica esta engenharia ideológica de dominação, quando se considera de relevância social na seleção e enquadra-
mento das notícias, de forma quase total e exclusiva, a versão da estrutura de poder (aquele 1% dos grupos políticos que controlam o aparelho de estado e as grandes corporações do mercado), condenando à exclusão e marginalização o restante da sociedade. Isto está tão entranhando na nossa noção da realidade, que não o percebemos e, geralmente, não conseguimos refletir a respeito, exceto em situações especiais. Um momento auspiciosos neste sentido foi a discussão sobre as chamadas para os programas de rádio do Projeto de Extensão Jornalismo e Cidadania, quando constatamos que estávamos reproduzindo o preconceito da mídia comercial tradicional, disseminados muitas vezes nos cursos acadêmicos e não só nas redações da grande mídia, de acreditar que os temas dos movimentos sociais e demais setores periféricos ao pensamento hegemônico afastam o público, não dão audiência. Por isso, inicialmente, as chamadas para o programa de rádio referiam-se somente ao compromisso genérico de discutir mídia e democracia. Posteriormente, verificamos que estávamos incorrendo em autocensura e passamos a frisar o compromisso do Projeto de Extensão Jornalismo & Cidadania com a abertura de espaço midiático para os movimentos sociais e outros setores sociais excluídos pela grande mídia, pretendendo funcionar como uma trincheira de luta pelo reconhecimento da cidadania da periferia. Assim, acreditamos que a nossa filiação ao paradigma científico construtivista, ao chamar a atenção para a necessidade de reflexão sobre os mecanismos de dominação existentes no sistema de crenças herdados pela tradição e pelos conteúdos divulgados pela grande mídia, contribuiu para que percebêssemos melhor as implicações ideológicas de nosso propósitos extensionistas com a superação das discriminações e emancipação das violências simbólicas, para realizar mudanças sociais e concretizar as utopias que nos conduzem a um mundo melhor. Heitor Costa Lima da Rocha, Editor Geral da Revista Jornalismo e Cidadania, é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.
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Prosa Real
Livro-reportagem, jornalismo e contexto Por Alexandre Zarate Maciel
Livros-reportagem e cinema: parceria promissora Fonte: Divulgação
ra, Assis Chateaubriand. O ator Guilherme Fontes se propôs a adaptar a obra em 1995, mas o filme só foi lançado, com impressionante sucesso de crítica, em 2015. Fontes teria consumido R$ 8,6 milhões na produção e foi questionado pelo Tribunal de Contas da União sobre o uso do dinheiro de captações autorizadas pelo Ministério da Cultura. Entre os novos autores, Klester Cavalcanti (que apareceu na seção “Autor do Mês” no número zero desta revista) é um dos que mais vem sendo assediado pelos estúdios. Já está em filmagem, com direção de Henrique Goldman (o mesmo de “Jean Charles”), a adaptação do polêmico livro “O nome da morte”, sobre um matador de aluguel do Maranhão que confirma ter assassinado, sob contrato, quase 500 pessoas. Outros dois livros de Klester Cavalcanti, “Dias de Inferno na Síria”, sobre a sua própria prisão quando tentava registrar a guerra naquele país, e “A Dama da Liberdade”, que trata do trabalho de Marinalva Alves, responsável pela libertação de 2,3 mil trabalhadores escravos no Brasil em pleno século XXI, também já tiveram seus direitos negociados com produtores de cinema. É esperar para conferir.
Olga: muitas paixões numa só vida
A
estrutura narrativa dos livros-reportagem, com força na descrição dos ambientes e reconstituição dos personagens em plena ação, tem chamado a atenção dos produtores de cinema brasileiros. Entre os jornalistas-autores, Fernando Morais é um dos que mais teve a chance de ver suas obras serem transpostas para a tela grande. A mais cara, com chancela da Globo Filmes, em 2004, foi “Olga”, dirigida por Jayme Monjardim e com Camila Morgado no papel principal da judia alemã que foi central na vida e na militância de Luís Carlos Prestes. Com o tempo, o filme atingiu a marca impressionante de 3,5 milhões de espectadores. Outra versão cinematográfica envolvendo a obra desse autor, “Corações Sujos”, dirigida por Vicente Amorim e lançada em 2011, não obteve tanta projeção. Livro e filme trazem a interessante história de uma organização de japoneses que passou a praticar atos terroristas no Brasil nos anos 1940, não admitindo que o Japão havia perdido a guerra. Mas a transposição mais polêmica foi de “Chatô, o rei do Brasil”, que conta a história do magnata da comunicação brasilei-
Fonte: Divulgação
Autor do mês: Daniela Arbex
Leonercio Nossa: indo além da temática política
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um equívoco pensar que certos temas não têm força editorial sem, antes, sentir sua reação junto ao público leitor. A jornalista mineira Daniela Arbex, que atua no jornal Tribuna de Minas, em Juiz de Fora, distante dos grandes centros jornalísticos, surpreendeu o mercado editorial e sensibilizou os leitores ao trazer à tona, em seu primeiro livro, “Holocausto Brasileiro”, em 2013, a história do maior hospício do Brasil, conhecido como Colônia e localizado em Barbacena. Nas suas dependências, ao longo de um século, morreram cerca de 60 mil pessoas, sendo algo em torno de 70% sem diagnóstico de doença mental, vítimas das mais atrozes condições de maus tratos e falta de estrutura. O livro já passou a marca de 100 mil exemplares vendidos, sem trazer a biografia de um nome famoso, ou um tema histórico palpitante. Pelo contrário, trata-se de uma narrativa dolorida, sobre anônimos que clamam por ter voz em qualquer tempo. Em seu livro mais recente, “Cova 312”, lançado em 2015, Daniela Arbex se propôs a um novo desafio. Reconstituir o que realmente aconteceu com o militante político Milton Soares de Castro, que esteve envolvido na frustrada tentativa de formação de um foco guerrilheiro na Serra de Caparaó. Após sua prisão, em 1967, ele nunca mais foi visto e informações desencontradas davam conta que ele teria se suicidado. No livro, além de reconstituir a história de Milton, Arbex comprova o seu assassinato pelas forças da repressão e, de forma surpreendente, encontra até mesmo a sua cova, cujo número consta no título. Um esforço desmedido de repórter para desencavar o passado mudo. E Daniela Arbex está só começando.
Fonte: Divulgação
Edvaldo Lima e as “liberdades” do livroreportagem
Livro-reportagem preenche vazios deixados pela imprensa
E
m 1991, o professor Edvaldo Pereira Lima defendeu, na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), uma tese sobre livros-reportagem que é considerada pioneira sobre esse produto no Brasil. Em 2009, ampliou sua teoria e publicou, em forma de livro, “Páginas Ampliadas: livro-reportagem como extensão do jornalismo”. Tratando do livro-reportagem, Lima (2009, p.4) acredita que este produto preenche os “vazios deixados pelo jornal, pela revista, pelas emissoras de rádio, pelos noticiários de televisão, até mesmo pela internet”. Esse gênero contribuiria para o “aprofundamento do conhecimento do nosso tempo, eliminando, parcialmente que seja, o aspecto efêmero da mensagem da atualidade praticada pelos canais de comunicação jornalísticos”. A partir da diferenciação que estabelece da prática do livro-reportagem com relação à da imprensa regular, Lima passa a apontar o que ele conceitua como “liberdades” que o autor dessas obras teria em relação às rotinas tradicionais. A primeira delas é a liberdade temática. Como não precisa se encaixar nas lógicas dos valores-notícias comuns, muito atrelada ao jornalismo factual, os autores de livros-reportagem podem superar as abordagens superficiais. Outra liberdade, segundo Lima (2009, p.83), é a da angulação, ou seja, o “livro-reportagem é uma obra de autor”. Teoricamente o autor estaria “desvinculado, ao menos em tese”, de comprometimentos com o “nível grupal” e de “massa” e seu “único compromisso é com a sua própria cosmovisão e com o esforço de estabelecer uma ligação estimuladora com seu leitor” (LIMA, 2009, p.84). Quanto à liberdade de fontes, continua Lima, o escritor “pode fugir do estreito círculo das fontes legitimadas e abrir o leque para um coral de vozes variadas” (LIMA, 2009, p.84). A esta se articula a liberdade temporal. O jornalista escritor estaria “livre do rancor limitador da presentificação restrita” e poderia avançar, com mais paciência, “para o relato da contemporaneidade, resgatando informações do tempo algo mais distante do de hoje, mas que, todavia segue causando efeitos neste” (LIMA, 2009, p.85). Exemplos de livros-reportagem presentes nas livrarias só corroboram, diante do leitor atento, que busca um jornalismo mais ligado ao conhecimento e ao contexto aprofundado da realidade, as liberdades apontadas por Edvaldo Pereira Lima em sua tese pioneira. Elaborada pelo professor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz, Alexandre Zarate Maciel, que está cursando o doutorado em Comunicação na UFPE, a coluna Prosa Real vai trazer, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, seus principais autores, títulos e a visão do leitor.
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Mídia Alternativa Jornalismo de oposição e resistência Fonte: Divulgação
Por Xenya Bucchioni
Compromisso com a palavra
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ra um dia como outro qualquer. Uma vez mais o carteiro chegava ao sobrado situado na Rua Capote Valente, em Pinheiros, São Paulo. Mal sabia ele, em seu périplo cotidiano, que naquela bolsa abarrotada de correspondências encontrava-se um documento que, horas depois, se tornaria uma manchete bombástica. Estamos em 1977, em plena ditadura militar. Agora, parece um tanto óbvio que documentos como esse e mais uma sorte de outros relatos clandestinos só pudessem ser entregues dessa forma, ali, naquela pequena redação improvisada onde funcionava a pleno vapor o jornal alternativo Versus. Um envelope, a ânsia por notícias e, finalmente, “A carta da morte” – nome pelo qual a correspondência ficou conhecida entre a equipe da redação. Escrita pelo jornalista e escritor argentino Rodolfo Walsh, a carta em questão era dirigida aos membros da Junta Militar e tratava-se de uma contundente denuncia à bárbara realidade de torturas, desaparecimentos e censuras imposta e sustentada pelo governo ditatorial de seu país. Eis um fragmento de seu início: “1. A censura à imprensa, a perseguição aos intelectuais, o arrombamento de minha casa no Tigre, o assassinato de amigos queridos e a perda de uma filha que morreu
combatendo os senhores são alguns dos fatos que me obrigam a esta forma de expressão clandestina, após ter manifestado livremente minha opinião como escritor e jornalista durante quase trinta anos. O primeiro aniversário dessa Junta Militar motivou um balanço da ação governamental em documentos e discursos oficiais, em que aquilo que os senhores chamam de acertos são erros, aquilo que reconhecem como erros são crimes, e aquilo que omitem são calamidades” (Carta aberta de um escritor à Junta Militar, Operação Massacre, 2010). Datada de 24 de março de 1977, seu conteúdo fora replicado e disparado para redações locais e estrangeiras. Como conta Omar L. de Barros Filho, ex-editor de Versus, o jornal foi o único que a publicou na íntegra – atestando o cumprimento de seu papel de imprensa alternativa. Não fosse o carteiro-repórter e a ousadia da equipe, as últimas linhas de Walsh teriam ficado obscuras tal qual o seu sequestro no dia seguinte à publicação da carta em diversos jornais no exterior. De lá para cá, 31 anos se passaram e o seu nome permanece na extensa lista de desaparecidos políticos da ditadura militar argentina, embora haja testemunhos de que ele fora assassinado ao sair de casa. Mas, afinal de contas, quem foi Walsh e o que o levou a escrever tal carta num momento em que as palavras convertiam-se em provas suficientes para os caminhos sombrios e, muitas vezes sem volta, do cárcere?
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Romance e ficção
A militância política
ronista, jornalista, tradutor, escritor, militante e dramaturgo. Foram tantos os ofícios de Walsh que é difícil defini-lo apenas por suas ocupações. Embora todas sejam peças-chave para a compreensão de sua pessoa, é no conjunto da obra que encontramos elementos reveladores sobre a personagem híbrida do jornalista. “Sua obra fica em um território de fronteira entre o factual e o ficcional, sendo possível pensá-lo ora como uma espécie de jornalista-escritor ora escritor-jornalista”, analisa Marcelo Magalhães Bulhões, professor de jornalismo literário na Universidade Estadual Paulista (Unesp). A fascinação pelo gênero policial dá origem às suas primeiras publicações, em 1953: Diez cuentos policiales argentinos e Variaciones em rojo (esgotado). Ambas, além de marcarem a literatura policial argentina, contêm os ingredientes do que viria a ser a sua grande obsessão anos depois: a investigação de crimes. Graciela Foglia, conterrânea de Walsh, pesquisadora de sua obra e professora do curso de Letras da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) aponta que um dos aspectos interessantes dessas produções iniciais é a forte influência dos contos policiais ingleses à la Sherlock Holmes, quando a justiça sempre triunfa no desfecho da narrativa. Tal característica segue até o seu envolvimento com os acontecimentos que o levam a escrever Operação massacre, publicado em 1957. O acontecimento fundamental da narrativa do livro em questão é um fuzilamento. Sentado em um café de La Plata, província de Buenos Aires, em meio a uma partida de xadrez, é que o autor se verá envolvido nesse crime. Tomada por levantes contra o governo militar instalado desde a queda de Perón, a cidade adormece entrincheirada enquanto um grupo de civis tem sua sentença de morte decretada antes mesmo da lei marcial entrar em vigor. A ação poderia ter sido um sucesso, não fosse o surgimento de alguns sobreviventes meses após o incidente, dando as pistas necessárias à investigação conduzida clandestinamente por Walsh. “A partir daí, ele narra o factual tomado pela urgência dos acontecimentos dramáticos da vida argentina e, assim, ‘Operação’ vai sendo marcada por uma estrutura com elementos do ficcional sem se constituir como ficção, pois os fatos são verídicos”, explica Bulhões. Em outras palavras: nascia uma obra que antecipara em quase dez anos o que Truman Capote viria a fazer em A sangue frio, o chamado new journalism ou jornalismo literário. O jornalismo de Walsh serviria de inspiração a inúmeras publicações alternativas como a revista uruguaia Marcha (1939-1974), a argentina Crisis (19731976) e a brasileira Versus (1975-1979). Nelas, não faltaram textos, entrevistas e críticas abordando seu trabalho.
inda imerso no universo da investigação e da violência do Estado, Walsh escreve ¿Quién mató a Rosendo? (1969) e Caso Satanowsky (1973). Entre a escrita de um e outro, viaja para Cuba, em 1959, e começa a colaborar na Prensa Latina. Na ilha, o contato com outros escritores latino-americanos simpáticos à revolução, como o mexicano Gabriel García Marquez, contribui não só para o envolvimento de Walsh com a política, mas, também, para a reflexão sobre a relação entre arte e política. Em entrevista ao escritor igualmente argentino Ricardo Piglia, o tema vem à tona na oposição do romance à literatura de testemunho: “A denúncia traduzida para a arte do romance se torna inofensiva, não incomoda em nada, quer dizer, sacraliza-se como arte”. Embora aposte no futuro do testemunho e do documental como arte, o elemento ficcional perpassa toda a sua obra. Na opinião de Foglia, talvez, esteja nessa ambiguidade o lado mais interessante da figura de Walsh. “Não o vejo como herói, mas sim como um ser humano dotado de contradições, mas com um forte compromisso com aquilo que escreve e com a vida”, afirma. De volta a Buenos Aires e, depois de publicar Los ofícios terrestres (1965) e Un kilo de oro (1967), Walsh se aproxima do peronismo. O estreito laço com a militância o leva, em 1973, à organização Montonera, a qual, anos mais tarde, ele faria duras críticas por sua crescente militarização. Em 1976, é surpreendido pela morte precoce de sua filha primogênita Maria Victoria, aos 26 anos, em um enfrentamento com os militares. Vicky, assim como o pai, também fora militante montonera. Após receber a triste notícia, Walsh escreve Carta a Vicky “cujos destinatários implícitos são aqueles que perderam pessoas queridas na batalha”, analisa Foglia. O tom da carta é de despedida e nela, temos um Walsh mais subjetivo, agora, na figura de pai ao falar de seu orgulho por tê-la como filha. O jornalista é, também, pai de Patrícia Walsh – ambas são fruto de seu primeiro casamento. Ainda em 76, funda a Ancla (Agência Clandestina de Notícias) e reafirma, novamente, seu compromisso com a palavra, utilizando-a como instrumento de combate. Com informações obtidas na Agência, redige a carta que o deixaria na mira dos inimigos e seria entregue ao Versus. Para Omar L. de Barros Filho, o fim trágico de Walsh não poderia ser diferente, é fruto de uma época, ainda, bastante sinistra.
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A
Escrita pela jornalista Xenya Bucchioni, doutoranda em Comunicação na UFPE e fundadora do Mezclador, estúdio de cultura contemporânea desenhado para realizar projetos de impacto social, a coluna Mídia Alternativa aborda a produção jornalística feita à margem dos veículos tradicionais. Mensalmente, o espaço apresentará um raio-x das publicações alternativas marcantes na história do jornalismo e do país, além de entrevistas e debates.
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No Balanço da Rede Jornalismo em tempos conectados Fonte: FreePik
Por Ivo Henrique Dantas
O jornalismo e a Sociedade em Rede
S
e o modelo atual da sociedade está baseado na informação como elemento central que permeia todas as áreas (Castells, 2011), e o jornalismo está inserido nesse contexto, como podemos avaliar o desenvolvimento do webjornalismo dentro desta ótica de interdependência?
O desenvolvimento do webjornalismo, ao longo dos últimos anos, nos permite identificar pontos de convergência com o atual modelo de sociedade devido a vários aspectos. O primeiro deles é conhecido como “Beta Perpétuo”. Segundo Howard (2011), uma das características apontadas dessa Sociedade Informacional é a capacidade, e necessidade, de estar constantemente se adaptando. Ao contrário do modelo industrial em que o produto era tido como algo acabado, atualmente, existe uma nova forma de enxergar o processo produtivo, baseada na troca de informações com o consumidor. Trazendo para o webjornalismo, ao invés da notícia impressa que se via amarrada pelas poucas possibilidades de interação. Não que essa troca não existisse, mas era realizada em outra escala. Com a evolução da internet, por exemplo, passa
a ser possível saber em tempo real o interesse do leitor por certos assuntos, adaptando os destaques da homepage de um portal. Da mesma forma, uma matéria com alguma informação errada pode ser corrigida pelo jornalista de maneira muito mais prática do que em outros veículos. Inclusive com o auxílio do leitor para identificar erros. Interessante perceber, ainda, que esse estado de Beta Perpétuo vai ao encontro de uma das características definidoras do webjornalismo, a atualização contínua. O segundo aspecto de convergência entre o modelo de Sociedade Informacional e o webjornalismo está na nova forma de enxergar o poder, sugerida por Castells (2011). Para ele, na Era Industrial grande parte do poder midiático residia no Estado. Na Sociedade em Rede, ao contrário, o poder midiático reside em um sistema de mídia. “O poder de controlar a informação não reside mais exclusivamente com o Estado; reside nas redes midiáticas. E essas redes são constituídas por relações sociais e tecnologias da comunicação” (HOWARD, 2011, p. 20). Ao deslocar o poder midiático para o sistema de mídia, Castells não está se referindo apenas aos veículos, mas a uma rede de trocas entre emissor e receptor. Enquanto nas Sociedades Industriais o
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sistema de mídia era marcado pelos veículos de comunicação em massa, focados apenas na distribuição da mensagem de um para muitos, na Sociedade Informacional o novo sistema distribui informações de diversas maneiras. Assim, o poder está na rede, da qual tanto veículos quanto audiência fazem parte. Desse modo, ao mesmo tempo em que continua existindo a comunicação em massa – até pelo fato de que a evolução dos modelos comunicacionais não é simplesmente linear - começa a surgir um novo tipo de comunicação possibilitado pela web e pelas novas formas de apropriação das tecnologias por parte de veículos e público, a Auto-Comunicação em Massa. A grande modificação trazida pelo conceito de Auto-Comunicação em Massa está na percepção de que o suporte, ou seja, a internet, tem dupla função. Os veículos tradicionais de mídia baseados no impresso, na TV e no rádio possuem suas características definidas apenas pela comunicação de poucos para muitos. Assim, se constituindo como veículos de massa. A internet, por outro lado, possui um duplo viés. Sendo, ao mesmo tempo, um meio de comunicação de massa e uma ferramenta de comunicação interpessoal. Da mesma forma que é possível uma grande empresa construir um portal para milhões de visitantes, é possível trocar uma mensagem um para um através de um e-mail. Ao facilitar as trocas simbólicas entre as pessoas, as redes sociais da internet acabam por redefinir a comunicação online. Observando uma escala evolutiva das ferramentas comunicativas que ganharam destaque na rede, pode-se perceber mudanças no tipo de trocas possibilitadas. No e-mail, a comunicação costuma se dar, em sua essência, de um para um. A partir de endereços fixos e com trânsito privado de informações. Já nas redes sociais, a troca de mensagens se dá prioritariamente segundo uma dinâmica de todos para todos, pública. O conteúdo fica, na maioria dos casos, disponível para o acesso universal. Assim, o nível de compartilhamento de informações tende a crescer exponencialmente, criando novas comunidades, que vão além dos círculos sociais estabelecidos no território físico. No Twitter, por exemplo, basta “seguir” determinado perfil para saber tudo o que a pessoa posta. Da mesma forma, ao se tornar “amigo” no Facebook, o usuário passa a receber em seu feed de notícias tudo o que
está sendo compartilhado por seus contatos. Ou seja, a forma como utilizamos a internet define o tipo de comunicação. As redes sociais, por sua vez, conseguiram embaçar as barreiras entre esses dois tipos. Uma comunicação interpessoal passa a ter alcance de massa impulsionada pelas ligações em rede, características dessas ferramentas online, como Twitter, Intagram e Facebook. Um último aspecto ainda deve ser destacado. Com as modificações na noção de tempo e espaço, frutos da compressão espaço-temporal permitida pelas tecnologias da comunicação, o jornalismo teve que reinventar sua forma de organizar o trabalho. Assim, as rotinas produtivas, que têm em sua fundamentação o objetivo claro de dominar o tempo e o espaço tiveram que ser revisadas, haja vista a readequação ao novo contexto em que estão inseridas. Dentre as formas de organizar o espaço, por exemplo, as empresas jornalísticas acabaram por ver nas Agências de Notícias uma forma de reduzir custos e ampliar a sua rede de notícias. Ao contrário dor jornais da era industrial, em que as redações eram grandes fábricas, com laboratórios e escritórios, “a internet abre uma nova era. É celebrada a terceirização no jornalismo, forma discreta de decretar a morte da fábrica de notícias que é a grande redação” (KUCINSKI, 2005, p. 79). Os deadlines, característicos de um jornalismo atrelado à noção industrial, realizado por etapas, são substituídos pela pura lógica da concorrência. A velocidade necessária para a execução de uma matéria não é mais definida pelas rotinas da redação, mas pela necessidade de se aproximar do conceito-fetiche de “tempo real”. Segundo perspicaz observação de Kucinski (2005, p. 97), “Com jornalismo online, a aceleração do tempo provocada pelo domínio da especulação financeira sobre as demais atividades econômicas migrou para o processo de produção das notícias, levando a uma aceleração correspondente no tempo jornalístico”. Escrita pelo jornalista Ivo Henrique Dantas, doutorando em Comunicação na UFPE, a coluna No Balanço da Rede aborda o cenário das mídias digitais, com foco no debate acerca dos impactos na produção jornalística voltada para o meio online e o papel do webjornalismo na construção social da realidade.
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Jornalismo e Política Uma relação polêmica e paradoxal Por Laís Ferreira
Por mais mulheres na política
E
m 1º de janeiro de 2011, Dilma Vana Rousseff, economista e primeira mulher a ser ministra-chefe da Casa Civil, recebeu a faixa presidencial, tornando-se a primeira presidenta da República. Em cinco anos e meio de governo, com o segundo mandato interrompido pelo processo de impeachment, nomeou 15 mulheres para o seu ministério - um número ainda pequeno, haja vista que eram 39 ministérios em seu primeiro governo e 32 no segundo, mas que significou um pequeno avanço na representação feminina na política no alto escalão do governo brasileiro. Em 12 de maio de 2016, Michel Miguel Elias Temer Lulia, advogado e então vice-presidente, torna-se presidente interino da República, após afastamento de Dilma. No mesmo dia, empossou sua equipe sem nenhum representante negro, sem ministras mulheres e sem homossexuais, formando um ministério branco, heteronormativo, não representativo de uma sociedade plural e que reflete o machismo e misoginia arraigados na política brasileira. O ministério de Temer é o primeiro sem mulheres desde o governo de Geisel (1974-1979), o que rendeu ao peemedebista várias críticas, incluindo um posicionamento da representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman. Para ela a presença de mulheres no ministério não é uma questão de simbolismo, “mas de justiça, inclusão, equidade e mudança na forma de fazer política. Mecanismos específicos para os direitos de mulheres, população negra, juventude e direitos humanos são decisivos para enfrentar desigualdades estruturais que excluem ou inviabilizaram os direitos da população”. A baixa representatividade feminina permeia todo o sistema político brasileiro. De acordo com dados do TSE, as mulheres representam 52,13% dos eleitores, entretanto, a participação feminina só chega a 9,9% na Câmara dos Deputados (51 deputadas de um total de 513) e 14% no Senado Federal (12 senadoras de um total de 81 cadeiras). O número de mulheres chefes do poder municipal e estadual também é baixo. As taxas brasileiras es-
tão abaixo da média mundial, que é de 22,1% de mulheres no parlamento, e nosso índice é menor do que a média do Oriente Médio, que tem taxa de participação feminina de 16%. Na América do Sul, perdemos para Uruguai, Paraguai, Chile, Venezuela, Panamá, Peru, México e Colômbia. Além da pequena participação feminina, outros fatores do campo político compõem um contexto de retrocessos de direitos para as mulheres: a Secretaria de Políticas para as Mulheres deixou de ter status de ministério em outubro de 2015 e foi incorporada, juntamente com a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e a Secretaria de Direitos Humanos, ao então recém-criado Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. Em maio desse ano, Temer extinguiu esse ministério e atribuiu suas funções ao atual Ministério da Justiça e Cidadania. Na prática, as questões relacionadas à promoção da igualdade racial e de gênero e temas ligados aos direitos humanos irão disputar espaço e orçamento com outras temáticas, o que enfraquece e compromete, consideravelmente, a promoção de políticas públicas para essas áreas. Outra questão que está em voga são os retrocessos de direitos propostos em forma de projetos de Lei, como o PL 478/2007, conhecido como Estatuto do Nascituro, que prevê proteção ao feto desde o momento da concepção, o que inviabiliza o aborto até em casos de violência sexual; e o PL 5069/2013, de autoria do deputado federal Eduardo Cunha, o qual dificulta o acesso à profilaxia e ao aborto legal para mulheres vítimas de estupro. Tal PL é um retrocesso em direitos já conquistados, visto que obriga a comprovação da violência sexual, mediante apresentação de boletim de ocorrência e laudo do Instituto Médico Legal, para só então as mulheres violentadas receberem assistência médica e, por ventura, poderem optar pela a realização da interrupção da gravidez. Esses retrocessos de direitos bem como a composição de um ministério sem mulheres ocorrem em um momento de intensa mobilização feminista em todo o Brasil. Em 2015, o PL proposto por Cunha foi um dos alvos de uma grande mobilização de mulheres nas ruas de todo o país, no movimento conhecido como Primavera das Mulheres. A manifestação foi assim descrita em editorial do
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jornal El País: “Em outras nações as mulheres lutam por salários iguais, por paridade nos conselhos de administração, por leis que permitam conciliar o trabalho com a vida familiar. No Brasil, também. Mas, além disso, brigam hoje, nesta primavera brasileira, para não retrocederem em suas conquistas e, sobretudo, pelo direito de poder ir à rua (num ônibus ou no metrô) sem que ninguém as assedie ou insulte ou lhes falte com o respeito: para que as meninas de hoje não sofram os mesmos maus-tratos que sofreram e sofrem suas avós, suas mães e irmãs mais velhas” (EL PAÍS, 12/11/2015).
“Bela, recatada e do Lar” ou o modelo de mulher que a política aceita. E nós queremos mais!
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pesar das mobilizações de mulheres em diversos espaços e contextos, os modelos de mulher ainda são estigmatizados, em especial pelos veículos de comunicação. Seguindo essa linha, a Revista Veja, em 18 de abril desse ano, publicou uma matéria intitulada “Bela, Recatada e do Lar”, na qual traça um perfil da então vice-primeira-dama do Brasil, Marcela Temer, descrevendo-a como uma mulher “43 anos mais jovem que o marido, aparece pouco, gosta de vestidos na altura dos joelhos e sonha em ter mais um filho com o vice” (LINHARES, 2016). A publicação segue discorrendo sobre a beleza e a discrição de Marcela, evidenciando seus cuidados com a pele e a maneira como se porta. Tal matéria foi veiculada em meio a tramitação do impeachment de Dilma, em um momento de disputa política, no qual há divisão entre apoiadores e opositores ao governo da presidenta. Nesse contexto, vem à tona a discussão acerca do lugar da mulher em espaços de poder, em especial na política. Diversos são os questionamentos acerca da competência de Dilma para ocupar tal cargo e, em sua maioria, tais colocações não tem como base os atributos políticos indispensáveis para ser presidente, mas sim questões subjetivas, como ausência de controle emocional e especulações sobre detalhes da vida íntima de Dilma, ou que remetem ao âmbito doméstico. Simbolicamente, a veiculação da matéria da Veja contribui para a apresentação de uma dicotomia acerca da mulher na política: por um lado, a mulher que participa de maneira ativa, ocupando cargos e funções, com espaço no ambiente público, neste caso Dilma; e por outro, a mulher que ocupa
função figurativa, ou de apoio ao homem que tem destaque na política, e desempenha suas atividades no âmbito afetivo e doméstico, como é o caso de Marcela Temer. Mulheres que participam de maneira ativa na política são, em muitas vezes, diminuídas e postas à prova. A exemplo, além das piadas de mau gosto acerca da sexualidade de Dilma, que afirmavam que a mesma era mal humorada devido a falta de relações sexuais, e a cobertura midiática que a caracterizava como mulher desequilibrada e sem condições emocionais de conduzir o país, há o caso da deputada federal Clarissa Garotinho, vaiada por ter faltado a votação do impeachment na Câmara Federal devido a licença maternidade. Os mesmos parlamentares que se diziam votar em nome de suas esposas, filhos e em favor de suas famílias, vaiaram uma deputada por essa está gozando de um direito de se afastar de suas atividades devido à gravidez. Recentemente o ministro das Relações Exteriores do governo Temer, José Serra, reforçou a visão machista da política brasileira. Em visita ao México, Serra ressaltou o “perigo” para os políticos brasileiros de ter tantas mulheres na política mexicana: “Devo dizer, cara ministra, que o México, para os políticos homens no Brasil, é um perigo, porque descobri que aqui quase a metade dos senadores são mulheres”. E continuou, ao reforçar o convite a chanceler mexicana Claudia Ruiz Massieu para participar das Olimpíadas no Brasil: “Quero muito que você vá, mas será um perigo, porque chamará a atenção para este assunto”, disse. Os fatos aqui elencados expõem o difícil quadro de machismo e misoginia que permeiam a sociedade brasileira e que afloram na política do país, demonstrando o quanto precisamos evoluir no que se refere à igualdade de gênero. Participar das escolhas políticas, que vão desde as associações de bairros até o mais alto escalão do governo, e ter mulheres que representem nossas causas são ferramentas fundamentais para que nós mulheres possamos incidir na promoção de políticas públicas que visem a efetivação de medidas para a igualdade de gênero.
Escrita pela jornalista Laís Ferreira, mestranda em comunicação pela UFPE, a coluna Jornalismo e Política em Pauta irá abordar questões relacionadas a esses dois campos, analisando seus comportamentos e debatendo fatos do contexto político sob a ótica da comunicação.
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Jornalismo Ambiental Sociedade, natureza e mudanças climáticas Por Robério Daniel da Silva Coutinho
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Mês mais quente da história. E eu com isso?
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unho de 2016 foi o mês mais quente no planeta desde o início dos registros em 1880 (NOAA, 2016). A notícia foi publicada na imprensa e na mídia em geral no Brasil e no mundo. Mas pouco foi falado ou associado à mudança climática - fenômeno antrópico causado pela ação do ser humano ao gerar maior emissão de gases de efeito estufa, que é o responsável por este aumento do calor (IPCC, 2013). Ou seja, a notícia marginalizou as questões relativas à causa desse recorde de temperatura e aos decorrentes problemas (consequências) provocados no cotidiano das pessoas (ricas e pobres), fauna, flora e da Terra. Apesar da invisibilidade dessas questões inerentes ao tema, o calor recorde foi amplamente noticiado. Ratifica-se, porém, seu reducionismo ao descartar a causa central da alta temperatura e a uma ampla descontextualização deste tema com relação à vida das populações no dia a dia. Mas será que assim
a notícia contribui para qualificar a opinião do público diante dos desafios postos por esta anomalia antrópica do clima de modo que a sociedade possa perceber e problematizar a questão? Será que contribui para que a sociedade possa se qualificar sobre o assunto para pressionar o poder público por respostas para enfrentar a ameaça da mudança do clima? Antes do alarmismo noticioso sobre o “mês mais quente”, que, com seu teor efêmero e acrítico em vários sentidos, pouco contribui para qualificar a opinião pública, é preciso salientar que todo este calor não é ‘normal’ ou esporádico. Dos dez anos mais quentes na história das medições do planeta, nove ocorreram neste século que mal começou (LACERDA, 2016). Os extremos diários de temperatura na Terra, depois da maior emissão dos gases de efeito estufa, têm aumentado desde a década de 1950 e, a partir de 1970, supera a média do século XX (IPCC, 2013). Ou seja, este ‘calorão’ está relacionado ao acelerado crescimento do modo de produção e consumo em que vivemos, baseado no hegemônico modelo de ‘desenvolvimento’ socioeconômico do sistema capitalista. Até em Pernambuco, já há evidências científicas das alterações climáticas onde mostram seus efeitos no aumento da temperatura do ar e sua crescente elevação (LACERDA et al., 2015). As mudanças climáticas associadas ao aquecimento global têm deixado as populações, fauna, flora e todo o resto no planeta mais vulneráveis. O PBMC (2012) retrata uma gama de efeitos, impactos e vulnerabilidades mais frequentes e significativos dessa alteração sobre os setores biofísicos no Brasil com consequências para as populações. Os eventos extremos meteorológicos, com secas e tempestades mais frequentes e intensas, são exemplos disso. Até mortes voltaram a ocorrer no Recife e no seu entorno este ano devido às fortes chuvas (DIÁRIO/PE, 2016). Outro impacto é sobre os recursos hídricos. Hoje, 80% de PE convive com uma seca extrema (FOLHA/PE, 2016). Houve escassez de água até em SP com a maior seca da história daquele Estado (FOLHA/SP, 2014). Os relatórios do IPCC (2007; 2013; 2014) demonstram que, a cada 1o C de aumento da temperatura mundial, pode haver uma queda de 20% no suprimento de água potável para 7% da população mundial, ou seja, cerca de 490 milhões de pessoas. Há consequências também sobre a produção de alimentos com reflexo na econômica - hoje o ‘vilão’ é o feijão (JC, 2016), antes foi o tomate (G1PE, 2013). As aná-
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lises e as projeções do clima futuro evidenciam a questão da segurança alimentar brasileira (IPCC, 2013; ASSAD e PINTO, 2008). Nobre e Assad (2005) mostram que o aumento das temperaturas pode provocar perdas nas safras de grãos no valor de R$ 7,4 bilhões já em 2020. A saúde humana também está mais vulnerável. Basta observar a tríplice epidemia (Dengue, Chikungunya e Zica - com a microcefalia em bebês) causada por um mosquito vetor destas doenças que cresce com a variação da chuva e da seca (BBC BRASIL, 2015). Não faltam evidências da ocorrência de doenças infecciosas e parasitárias relacionadas com as variações do tempo e do clima, com registros de morbimortalidade por eventos climáticos extremos (CONFALONIERI e MARINHO, 2007; CONFALONIERI e DUTRA, 2014). Porém, ainda são incipientes os estudos de caráter multi e interdisciplinares em relação ao clima e a saúde. Os pontos tratados são uma amostra do que têm relação com aquecimento global e mudança do clima. Logo, não deveríamos ter uma comunicação contextualizada e com visibilidade a tais questões quando se fala no mês mais quente da história? Provavelmente, mas não temos. Mas antes de crítica rasa sobre a imprensa/mídia, não esqueçamos que ela é um ator social de dentro da sociedade. Portanto, esta condição demanda uma reflexão mais ampla e complexa a partir da organização e do funcionamento da própria sociedade, principalmente atreladas às suas atitudes quanto ao desenvolvimento de sua esfera pública.
Clima para ensinar e comunicar a mudança
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az-se necessário, previamente, abordar paradigmas que a sociedade legitima enquanto válido para se perceber e problematizar pública e politicamente o tema socioambiental das mudanças climáticas. E, considerando que a Educação e a Comunicação são campos do conhecimento centrais e estratégicos para qualificar a opinião pública quanto à constituição de sentido social sobre qualquer questão, é indispensável problematizar paradigmas desses campos em nossa avaliação referente a qualidade noticiosa sobre o assunto. Infelizmente, o paradigma hegemônico no campo da Educação voltado ao viés ambiental favorece um entendimento social que separa o homem do restante da natureza (SILVA 2014; LIMA, 2012; 2004). Isso gera restrições na percepção social e na busca por respostas coletivas diante do problema mediante a incapacidade das pessoas de conseguir enxergar e associar a existência e o agravamento do aquecimento global e da mudança do clima (com seus riscos) ao comportamento humano, sobretudo ao seu consumo e produção. Há mais problemas derivados do paradigma hegemônico no campo da Comunicação Social, legitimado e
absorvido pela sociedade através da tradicional vertente funcionalista do Jornalismo (responsável por construir as notícias da imprensa e da mídia em geral de forma distorcida para ressoar para o público). Infelizmente, com base nesta corrente, a consciência humana é induzida a interpretar as notícias como sendo a própria realidade social e material de modo objetivo e imparcial. Isso gera distorções no entendimento das pessoas sobre o fato noticiado com efeito negativo na opinião do público. A Comunicação, no entanto, carece de ser legitimada com o potencial que possui: nada de ‘espelho da realidade’, mas como espaço central e estratégico na construção da realidade social a partir da sua representação noticiosa. Coutinho (2014) realça que o efeito desses hegemônicos campos (Comunicação e Educação), no tocante à qualidade das notícias sobre a mudança climática, gera limitações no entendimento do público sobre a complexidade e gravidade do tema noticiado, além de colaborar para a manutenção destes paradigmas. Isso ocorre porque a junção dos paradigmas, que é incorporada, materializada e socializada à esfera pública por meio da notícia, foi textualmente constituída através de significações sociais baseadas nos respectivos paradigmas acríticos. É oportuno salientar que a notícia é um poderoso subsídio público, elaborado através da seleção do tema noticiado e da posição de vozes e versões sociais ali descritas (HALL, 1999; ALSINA, 2009), para que a sociedade forme sua opinião, com poder cada vez maior. Desse modo, a referida notícia sobre o mês mais quente da história, apesar dos reducionismos e descontextualizações que limitam a aprendizagem do público e seu engajamento diante da crise socioambiental com a mudança do clima, pode apresentar-se como um subsídio a ser analisado pela sociedade, desde que com a necessária crítica aos paradigmas dos campos citados, para assim estimular a percepção e a problematização sobre a causa e as consequências da questão. Sem isso, a limitada notícia reduz a possibilidade de contribuir no empoderamento da sociedade e na sua organização política em busca de ações de mitigação e adaptação aos impactos nos setores biofísicos e socioeconômicos diante da antrópica anomalia climática. Este espaço apresenta abordagens críticas e interdisciplinares mensais relativas à produção da representação noticiosa da realidade social (jornalismo) sobre as Mudanças Climáticas e a sua influência na constituição do sentido social sobre a questão. Escrito pelo jornalista Robério Coutinho, mestre em Comunicação pela UFPE com formação básica em Meteorologia pelo INPE/CPTEC, que foi assessor de imprensa do Laboratório de Meteorologia de PE, bolsista pesquisador da Rede Brasileira de Mudança Climática e é autor de livros sobre o temática.
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Poder Plural
Política contemporânea e Internet Fonte: Carol Carvalho
Por Rakel de Castro
Participação política e a polarização dos discursos na Internet
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Brasil está polarizado. As análises ligeiras do momento político atual parecem sempre convergir para a ideia de um país que vive uma verdadeira guerrilha maniqueísta. Entre o bem e o mal, entre petralhas e coxinhas, entre direita e esquerda. Uma guerra em que, para a paz reinar e termos o país que queremos (o que não necessariamente condiz com um país melhor), necessita-se sobrepujar as ideias demonizadas do outro. Mais, sobrepujar o outro. Com o discurso de luta pela participação de todos nos processos políticos e, consequentemente, pelo fortalecimento da democracia, a palavra de ordem é velada e semeia quase sempre a intolerância a quem não é igual a nós mesmos. Parece até que o Brasil nunca teve outras guerras, ou nunca esteve em condições extremas em que também as opiniões e pessoas eram dividas. O
que dizer da Conjuração Carioca, Revolução dos Alfaiates, Revolução Pernambucana, Guerra da Independência do Brasil, Confederação do Equador, Revolução Farroupilha, Inconfidência Mineira, entre tantos outros movimentos? O interesse em boa parte deles era independentista, dividir o Brasil literalmente. O fato é que essa polarização, histórica e bem atual, em questões políticas de âmbito nacional e acirradas nos planos locais, parece ter ganhado uma força maior, uma expressão de alcance gigantesco quando transposta ou reelaborada para/na internet (entendida aqui como “mega-ambiente de conexões via computadores”, segundo Wilson Gomes (2011, p. 19), visto que, segundo o autor, pesquisador da Universidade Federal da Bahia (2011), as comunicações digitais em rede representam um conjunto novo de ferramentas não só para estabelecimento, mas também para a extensão das redes sociais, para produzir novas formas de colaboração, informação e interesse político. Mas o que salta os olhos é que ao lado do interesse político, colaboração e informação toma visibilidade também os discursos de certezas em tempos líquidos (BAUMAN, 2001), os discursos do que é certo e o que é errado muito bem delimitados pelas subjetividades em tempos em que tudo que é sólido se desmancha no ar (MARX & ENGELS, 2007; BERMAN, 1986). E como água que corre sempre para o mar, como consequência dessa bivalência e intolerância para com quem pensa diferente, falas de ódio e de violência têm sido cada vez mais usadas como verdadeiras armas no jogo dos dois lados, os quais não enxergam, inclusive, que o Brasil tem muitos lados. Há quem argumente que esses discursos representam o interesse do povo em participar mais ativamente da política e que tal “fenômeno” seria positivo para a democracia brasileira. Gomes (2011) vai assegurar que participação, especialmente esta mediada por tecnologias digitais, só se constitui um valor democrático na medida em que pode produzir algum benefício para a comunidade política. Então, é necessário que não se confunda tais discursos de ódio e ambivalentes na internet como participação política. Qualquer ação online (uso de e-mails, leitura de jornais online ou visita a sites políticos) ou participação online (quando se emprega ferra-
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mentas digitais para participar de iniciativas digitais com fins políticos) que destrua ou prejudique a soberania popular não são apenas contrárias à democracia direta (vivida da Grécia antiga, por exemplo), mas também violentam à democracia liberal moderna representativa. E assim, em se tratando de soberania popular, Gomes (2011) a relaciona com a ideia de participação política na internet e afirma que não basta, nem é necessário haver participação de massa, não basta haver meios e oportunidades de “tomar parte de algo”; é preciso que tudo isso seja moderado pela posse da informação necessária a uma participação qualificada, relevante, efetiva e pela liberdade de participar. Uma vez delimitado que, os discursos dualizados entre dois princípios opostos e, consequentemente, discursos de ódios (que contam com o respaldo expresso da visibilidade midiática digital e em rede), não contribuem para o empoderamento popular, tampouco para o fortalecimento da democracia através de uma participação política efetiva, cabe ainda discorrer sobre o argumento de que essa mesma internet é sempre neutra e o “mau” ou o “bom” uso dela, inclusive para disseminar violência, ficaria sob a responsabilidade isolada e objetiva de um ser humano atomizado e fora de qualquer contexto. Habermas (1968) vai dizer que até os instrumentos técnicos (a internet, por exemplo), consequentemente também a Ciência, carregam em si ideologias. Jürgen Habermas (1968), esclarece que existe sim uma racionalidade progressiva da sociedade que depende da institucionalização do progresso científico e sobre a qual se implanta uma dominação política oculta, como pensada por Hebert Marcuse. Entretanto, Habermas (1968) vai além e analisa que a ideia de racionalização instrumental só se refere à correta eleição entre estratégias, à adequada utilização de tecnologias e à pertinente instauração de sistemas (em situações dadas para fins estabelecidos); e esse mesmo pensamento subtrairia o entrelaçamento social global de interesses em que se elegem estratégias, se utilizam tecnologias e se instauram sistemas, a uma reflexão e reconstrução racionais. Essa racionalidade estende-se, além disso, apenas às situações de emprego possível da técnica e exige, por isso, um tipo de ação que implica dominação; quer sobre a natureza ou sobre a sociedade. A ação racional dirigida a fins seria, segundo a sua própria estrutura, exercício de controles (CASTRO & ROCHA, 2015; HABERMAS, 1968). Assim, direcionando o conceito de ideologia para o caráter de ocultação da realidade e de dominação, segundo as análises de Habermas, a própria definição de razão técnica é também ideológica. Portanto, não só o uso da técnica em si é dominante; determinados fins e interesses de dominação, “inserem-se já
na própria construção do aparelho técnico; a técnica é em cada caso, um projeto histórico-social; nele se projeta o que uma sociedade e os interesses nela dominantes pensam fazer com os homens e com coisas” (HABERMAS, 1968, p. 47). Mais adiante, Habermas (1968, p. 49) vai reconhecer que o peculiar fenômeno de dominação nas sociedades capitalistas industriais avançadas tende a perder suas características de exploração e opressão, e torna-se “racional”, sem perder o caráter ideológico político. Há então um entendimento sobre uma nova forma de legitimação da dominação: a referência à crescente produtividade e ao crescente domínio da natureza. Ele chega a afirmar que “hoje a dominação eterniza-se e amplia-se não só mediante a tecnologia, mas como tecnologia; e esta proporciona a grande legitimação ao poder político expansivo, que assume em si todas as esferas da cultura”. Relaciona-se a partir de então a técnica com a ação racional com respeito a fins e a partir daí, começa a enxergar um caráter também emancipador dessa técnica; pois que, ao lado da ação instrumental, Habermas vai pensar a coexistência de uma ação comunicativa e junto com ela mutações emancipadoras capazes de gerar uma racionalização das normas sociais que dotaria os membros da sociedade com oportunidades mais amplas de emancipação e de uma progressiva individualização. (CASTRO & ROCHA, 2015). Aqui retoma-se a ideia de participação política na internet de qualidade e efetiva defendida por Gomes (2011), retomando também a ideia de que, quando muitas vozes são ecoadas de forma desorganizada, radicalmente dicotômicas e com conteúdos voltados para a violência e a instrumentalização denunciada por Habermas, a tendência é ninguém escutar ninguém. Tende-se a se transformar no que a Síria se transformou. Pessoas preferindo morrer jogadas ao mar numa tentativa de fuga a ter a certeza da morte nos escombros de uma guerra civil. Mas se muitas vozes são expressadas com respeito ao consenso (ainda no sentido habermasiano), a democracia ganha solidez e o povo ganha soberania. Escrita pela jornalista Rakel de Castro, doutoranda em Comunicação pela UFPE e em Ciências da Comunicação pela Universidade da Beira Interior (UBI) / Portugal, a coluna Poder Plural aborda a análise política e sua relação com a internet feita à margem dos veículos tradicionais. Mensalmente, o espaço apresentará um Raio-X de temas debatidos no Brasil e/ou no mundo que se coadunem as questões de Participação política em sociedades democráticas e as novas formatações políticas no Brasil e no mundo.
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Cidadania em Rede Redes sociais virtuais e esfera pública ampliada Por Nataly Queiroz
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Elas na rede
Todos os anos, a Marcha das Vadias mobilizam, das redes às ruas, milhares de mulheres e homens na luta pelo fim da violência sexista e do machismo. Mais: https://www.facebook.com/MarchaDasVadiasRecife
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A campanha #MeuPrimeiroAssédio desvelou a cruel cultura do estupro e da pedofilia ao incentivar mulheres a falarem sobre assédios sofridos ainda na infância e adolescência. Mais: http://thinkolga.com
Dicas de leitura Prácticas del ciberfeminismo: uso y creaciones de identidades en la red como nuevo espacio de relación: http://www.inmujer.gob.es/areasTematicas/ estudios/serieEstudios/docs/ practicasCiberfeminismo.pdf Internet em código feminino: teoria e prática: http://gigaufba.net/internet-em-codigofeminino/
As Blogueiras Negras ocuparam a rede mundial de computadores para discutir feminismo, negritude, cultura e política. Mais: http://blogueirasnegras.org
Los géneros de la red: los ciberfeminismos: http://www.mujeresenred.net/IMG/pdf/ ciberfeminismo-demiguel-boix.pdf
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A rede e as mulheres: reflexões necessárias
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s análises sobre a internet enquanto campo de batalha entre interesses hegemônicos e contra-hegemônicos têm sido recorrentes nos estudos de comunicação e nas discussões de cunho sociológico. É consenso que, por mais que esteja estruturalmente vinculada a interesses comerciais, a rede mundial de computadores também é sustentada pela cultura hacker, pelas possibilidades criativas de usos de seus espaços para a produção simbólica e intervenção social de segmentos silenciados na mídia tradicional. Dentre estes, as mulheres. Campanhas como #MeuPrimeiroAssédio, Fóruns de discussão, espaço para produção de artigos problematizadores com recortes de gênero e raça, são alguns exemplos destas apropriações. No ano passado, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) apontou que, além de sermos maioria na população, também somos o segmento mais conectado do país: corresponderíamos a 53% das usuárias no país. Seria raso desconsiderar este dado assim como festejá-lo, afinal a inclusão social passa pela inserção digital. Por outro lado, a internet enquanto tecnologia não pode estar dissociada dos seus usos. O mero acesso à rede não significa, necessariamente, apropriação dos seus símbolos e, portanto, possibilidade de usufruir plenamente dos seus benefícios, em seus diversos níveis. É significativo observar como as desigualdades estruturais de gênero, raça e classe se estendem por
todas as esferas da vida, inclusive da vida em bits. A pesquisa do Ibope mostra que as classes C e D, apesar de serem as maiores do país, são as menos conectadas. Também é evidenciado que a região Sudeste se destaca no ranking de acessos e o Norte segue como o menos conectado. Assim como somos maioria numérica em termos populacionais, o somos na grande rede global. As variáveis balizadoras de uma justa análise de inclusão digital devem passar por outros indicadores como, por exemplo, a presença nos espaços de desenvolvimento de softwares e aplicativos. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2015, apontam que apenas 20% dos profissionais de tecnologia da informação no Brasil são do sexo feminino. O mesmo estudo revela 70% das mulheres recém-ingressas nos cursos de TI abandonam a faculdade ainda no primeiro ano de estudos. A representação da figura da mulher nestes espaços não é mero elemento decorativo, é sintomático do desenvolvimento de processos e fluxos que podem não atender a demanda do público feminino, por exemplo, na sua dupla jornada diária. A reafirmação identitária do enfoque de gênero é importante pela sua possibilidade de construir conteúdos e dinâmicas que realmente dialoguem com as mulheres, não como as receptoras passivas dos veículos tradicionais, mas por meio de uma outra forma de fazer comunicação, capaz de mobilizar estratégias de empoderamento coletivo de mulheres cis e transgênero. Afinal, o lugar de fala, de produção de conteúdo, é muito caro aos setores silenciados historicamente e ao redor do qual se construíram narrativas reificadoras e estigmatizantes, cujos efeitos práticos, como a cultura do estupro, são vivenciados no dia a dia. Considerando que existir em uma sociedade de redes globalizadas passa pela inclusão digital e que a inclusão digital não se trata de ser apenas mais um espectador/a com algumas possibilidades interativas diferenciadas dos mídias tradicionais -, a igualdade de gênero na rede é um tema necessário para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Escrita pela jornalista Nataly Queiroz, professora universitária e doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco. A coluna Cidadania em Rede aborda temas relacionados à atuação política e cidadã na rede mundial de computadores, bem como as apropriações das novas tecnologias de informação e comunicação por parte da sociedade civil para a incidência em prol da democracia e da cidadania.
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Comunicação Pública Informação, diálogo e participação Por Ana Paula Lucena
Entrevista com o jornalista Ivan Moraes
A
s campanhas municipais estão se aproximando e o tema comunicação deve ser discutido amplamente, possibilitando ao cidadão condições para exigir propostas dos candidatos. O jornalista e defensor de direitos humanos, Ivan Moraes, conversou com Jornalismo e Cidadania sobre alguns aspectos que podem inspirar diálogos transformadores. J&C: O Direito à Comunicação é um direito humano? Por que a maioria das pessoas desconhecem esse direito? Ivan Moraes: Claro que a comunicação é um direito humano! O poder de comunicar livremente é imprescindível para uma vida plena de direitos, inclusive fundamental para a conquista de todos os direitos. O direito à comunicação está ratificado em vários pactos internacionais e é tema de diversos documentos das organizações das Nações Unidas. Muitas pessoas podem até desconhecer esse direito, mas incomodam-se bastante quando percebem suas violações. Num país de mídia hipercomercializada e hiperconcentrada, é natural que esse (e outros) direitos acabem ficando “invisíveis” ao debate público. Esse, sozinho, já é um argumento incontestável a favor da importância de se mudar as coisas. J&C: Na sua opinião, quais são as consequências sociais quando é negado ao cidadão o acesso à informação e à comunicação? Ivan Moraes: Uma democracia se faz com pessoas conscientes e informadas que, a partir de critérios racionais, definem os rumos de suas próprias vidas. Se não temos informação suficiente para realizar escolhas conscientes nem dispomos de meios para nos comunicar livremente, é difícil imaginar que vivemos em algum tipo de democracia. Como consequência disso, uma sociedade que não conhece a fundo seus direitos, que não consegue se informar sobre decisões públicas (inclusive sobre o destino do orçamento público), terá uma imensa dificuldade de
acessar seus direitos humanos ou mesmo lutar por eles. J&C: Os órgãos públicos, em todos os níveis, possuem dificuldades em se comunicar com o povo. Você concorda com essa assertiva? Ivan Moraes: Definitivamente. O Brasil foi o 89° país do mundo a instituir uma Lei do Acesso à Informação (LAI). Só fomos fazer isso em 2011. É importante dizer, porém, que nossa LAI é muito boa e cobra do Estado uma transparência que ele jamais foi capaz de implementar. Tanto que, ainda hoje, anos depois da assinatura da lei nacional, ainda temos uma dificuldade tremenda em obter algumas informações públicas, seja pela transparência ativa (portais da transparência, etc) tanto pela passiva (realizada através de pedidos de acesso à informação - PAIs). Os pedidos, que têm que ser respondidos em 20 dias, dificilmente cumprem o prazo e as respostas muitas vezes são inadequadas ou insuficientes. Naturalmente, a sociedade também tem seu papel na melhoria desses mecanismos. Quanto mais a gente cobrar, realizar pedidos, entrar na justiça quando eles não forem respondidos, mais os órgãos terão que se adaptar a uma nova cultura de diálogo com a população. J&C: Estamos às vésperas das eleições municipais e, mais uma vez, observamos que os candidatos não priorizam, nas suas propostas de trabalho, a elaboração de políticas de comunicação e ações que garantam acesso à informação e diálogo com o poder público. Como mudar essa realidade? Ivan Moraes: Com luta!! (risos). Na verdade, acho que já avançamos um bocado se analisarmos os últimos dez, vinte anos. No Recife, para se dar um exemplo, o trabalho realizado pelo Fórum Pernambucano de Comunicação (Fopecom) tem sido importantíssimo para que as candidaturas reconheçam a importância de se discutir o tema. No período eleitoral e também fora dele, o Fopecom constrói propostas, apresenta aos partidos, realiza debates... Enfim, cumpre um papel importante. Mas, claro que ainda estamos longe de ver essas propostas implementadas. Comunicação pública, acesso à informação, acesso à internet... Essas demandas são históricas e de fato só
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serão prioridade do poder público quando a sociedade estiver preparada para brigar por elas. J&C: Você concorda que boa parte dos políticos entende comunicação com a sociedade senão pela via do marketing político e/ou do patrimonialismo? Quais as implicações dessa lógica? Ivan Moraes: Sim! Basta ver as campanhas eleitorais. Basta ver como o poder público faz uso do recurso que caberia à comunicação. O professor Eugênio Bucci, da USP, fala muito que a comunicação da gestão pública brasileira não é mais do que a extensão da propaganda eleitoral. Ele não está correto? Todos os anos, milhões são gastos pelos governos e pelos partidos com propaganda. Uma propaganda muitas vezes apolítica, de conteúdo raso, que serve apenas para ganhar votos (dentro e fora dos períodos eleitorais). Praticamente não vemos gestões com políticas que mudem essa lógica, que priorizem a comunicação pública, o acesso às tecnologias de comunicação, o pleno funcionamento da mídia comunitária, independente e popular. O resultado disso a gente já sabe: campanhas assépticas, povo desinformado, dificuldade de lutar por direitos, mídia concentrada... J&C: Que iniciativas os órgãos públicos podem desenvolver para garantir informação e comunicação de modo que o cidadão tenha melhores condições para criticar e participar dos assuntos de interesse comum? Ivan Moraes: Primeiro de tudo os órgãos públicos precisam seguir à risca a Lei do Acesso à Informação. Precisam montar seus departamentos para lidar com a transparência, precisam sensibilizar servidores e servidoras para a importância desse serviço. Além disso, é preciso que as gestões públicas em geral percebam a importância da comunicação democrática. Essa parte é mais difícil, até porque a gente sabe que de democráticas as nossas gestões costumam ter muito pouco. Mas é preciso esforço para que cidadãos e cidadãs conheçam cada vez mais a máquina pública e a forma com que são tomadas as decisões, até para poder reivindicar seu poder e sua responsabilidade na condução das nossas cidades e Estados. J&C: Existem exemplos nos quais os futuros prefeitos e vereadores possam se inspirar e aprender? Ivan Moraes: Alguns. Uma iniciativa que considero básica: colocar o máximo possível de informações na chamada “transparência ativa”. Rechear os portais públicos com dados em formato livre, que permitam a livre sistematização. Nada de longos arquivos em
pdf e toda essa presepada que fazem para que a gente não encontre o que deseja. Há anos, por exemplo, o governo do Distrito Federal (entre outros) divulga trimestralmente, com detalhes, o destino dos recursos da comunicação. Acesso à internet também é fundamental: já existem diversos municípios do Brasil que já começam a ter políticas próprias de universalização da banda larga. Outra coisa que não pode faltar é debate. Todas as casas legislativas precisam ter canais disponíveis para que o povo conheça o que está sendo discutido (ou não) por lá. É preciso esforços para que as pessoas possam contar com um “sistema público de comunicação” em que elas são sujeitos autônomos e participantes. Recentemente, o Recife pôs no ar, em fase experimental, a Rádio Frei Caneca FM, uma demanda histórica da sociedade local. Mas essa rádio precisa ir além de tocar música, precisa estar à disposição para todo mundo participar. Sobre o mesmo tema, o processo de digitalização dos canais de televisão está abrindo a possibilidade de os municípios requererem ao Governo Federal o uso dos chamados “Canais da Cidadania”, um conjunto de quatro faixas no espectro digital. Duas dessas seriam ocupadas pela sociedade civil. J&C: Como e onde o cidadão pode participar de discussões, sobre essas temáticas, pelo Brasil à fora, para fazer valer o seu direito de vez e voz? Ivan Moraes: No nosso país, há centenas de organizações e grupos que trabalham pelo direito à comunicação. Uma das maiores referências nessa discussão é o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), que recentemente lançou a campanha “Para Expressar a Liberdade”, buscando um novo marco regulatório para a radiodifusão no Brasil. É um fórum diverso, que reúne desde ONGs até sindicatos, passando por conselhos de classe e coletivos com institucionalidades diversas. Em Pernambuco, o capítulo local do FNDC dialoga bastante com o Fórum Pernambucano de Comunicação, instituído há mais de dez anos que tem entre os seus fundadores o Centro de Cultura Luiz Freire, entidade onde eu atuo. Quem fizer uma busca na internet procurando os nomes dessas organizações certamente terá um belo “pontapé inicial” para iniciar sua militância. Ana Paula Lucena é professora da Faculdade Senac Pernambuco, membro do FOPECOM, e doutoranda do PPGCOM|UFPE. A coluna é um espaço que aborda questões relativas a como os órgãos públicos vêm se comunicando com a sociedade.
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Jornalismo Independente Jornalismo e financiamento coletivo Fonte: Divulgação
Por Karolina Calado
Financiamento Coletivo é tema de debate no Intercom NE
O
financiamento coletivo no jornalismo foi tema de artigo científico apresentado no XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, no DT Estudos Interdisciplinares, que aconteceu entre os dias 07, 08 e 09, de julho, na Unifavip -DeVry, em Caruaru. O trabalho “Como contam os narradores: estratégias argumentativas em narrativas da Agência Pública” é resultado de uma pesquisa que realizei sob a orientação do professor Heitor Rocha. Com essa temática, também oferecemos a oficina “As estratégias crowdfunding no jornalismo brasileiro e a ampliação da diversidade temática”. A pesquisa para elaboração do artigo citado foi realizada nos meses de julho, agosto, setembro e novembro, do ano passado (2015), cujo objetivo era entender como as narrativas se comportavam em sites que funcionam por meio do financiamento coletivo. Como recorte, coletamos as reportagens resultado do concurso de pautas sobre “Criança e água”, da Agência Pública de Jornalismo Investigativo, que buscou analisar a importância da água na vida das crianças. Essas reportagens foram desenvolvidas nas regiões Norte, Nordeste, Sul e Sudeste.
Ao todo, oito matérias foram analisadas, constatando diferentes realidades: o racionamento de água nas escolas de São Paulo; a escassez de água e o exagerado uso do cloro no Ceará; a falta de saneamento básico na Ilha dos Marinheiros, em Porto Alegre; o cuidado com o rio São Francisco pelas comunidades que moram na sua margem versus os projetos de irrigação e a falta de demarcação de terra; o desengano de pessoas que viram suas comunidades sendo devastadas por conta da construção desordenada de hidrelétricas e o alto preço das tarifas de água somado ao uso exagerado do cloro na região Norte. Em nossa metodologia, lançamos mão da análise pragmática da narrativa proposta por Luiz Gonzaga Motta (2013), a qual observa na materialidade textual a intriga, a lógica do paradigma narrativo, os episódios, o conflito dramático, a personagem, as estratégias argumentativas; e a metanarrativa (pano de fundo, a fábula, a moral da história ou a discussão ética). Nesse trabalho, observamos apenas as estratégias argumentativas do narrador, procurando perceber suas intenções de fala. Separamos cada estrutura das narrativas, esquematizando as citações das fontes que se tornaram personagem, além de personagens envolvidas diretamente na narrativa. Destacamos também os dados numéricos, nomes de instituições, entre outros. Uma vez que “a identificação sistemática de lugares (onde) e de personagens (quem) também cumpre uma função argumentativa: localiza, si-
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tua, transmite a ideia de precisão, causa a impressão de que o narrador fala de coisas verídicas, realisticamente situadas” (MOTTA, 2013, p. 202). Veremos, abaixo, alguns exemplos das características dos narradores encontrados nas reportagens analisadas, os quais nos permite visualizar os direcionamentos dos repórteres para desenvolver determinados efeitos de sentido. Na reportagem “A agonia de Salto da Divisa”, observamos os “dêiticos” espaço-temporais, destacando o dia em que foi feita a matéria (MOTTA, 2013, p. 202) 2015. Numa tarde de sexta-feira de abril, na sala da sua casa em Salto da Divisa, Minas Gerais, Reinaldão relembra como, 18 anos antes, a empresa Odebrecht iniciou o levantamento para a construção da barragem da hidrelétrica de Itapebi, seguida pela Engevix Engenharia, responsável pelos estudos de impacto ambiental. (AGÊNCIA PÚBLICA, 2015) Nesse mesmo texto, outro traço a ser destacado é o tom irônico expressado pela palavra novela. Ao colocar que não levou muito tempo para a lei ser revogada, a narradora acrescentou: A novela se repetiu na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Em novembro de 1999, os deputados estaduais votaram a favor de outro projeto que transformava a cachoeira do Tombo da Fumaça em “patrimônio paisagístico e turístico do Estado. A alegria dos saltenses, no entanto, durou pouco. Com o lobby das empreiteiras, o parlamento mineiro também revogou a lei. (AGÊNCIA PÚBLICA, 2015) Na reportagem “Exclusivo: testamos a água do maior reservatório do Ceará”, o narrador se coloca em primeira pessoa do plural, apresentando-se ainda como fonte: Em nossa primeira parada, nos deparamos com o açude do Patu, localizado no município de Senador Pompeu, um reservatório agonizando, com apenas 10% da sua capacidade e uma capa de lodo sobre as águas. (...) Questionando se a água é própria para o consumo, descobrimos que não há dados públicos sobre isso. O governo se nega a publicar as análises rotineiras feitas na água. (AGÊNCIA PÚBLICA, 2015) No texto “Nem água nem terra”, a narradora finaliza a reportagem procurando sensibilizar o leitor por meio de um questionamento sobre o futuro da consciência das crianças vazanteiras: Será que elas, quando adultas, ainda levarão os saberes transmitidos no modo de tirar vida da água, contando lendas sobre o “cumpadre”, firmando os pés em seu território, se reconhecendo como seus pais se reconheciam? Será que – como o rio São Francisco – irão resistir? (AGÊNCIA PÚBLICA, 2015) A narração do texto “O preço da água” está em primeira pessoa do singular e expõe a pretensão do
locutor de provocar uma sensibilização em relação ao leitor/interlocutor. A notícia da chegada de duas pessoas de São Paulo correu depressa na zona rural do pequeno município de São João do Araguaia. Famílias inteiras saíam de suas casas de madeira, ultrapassavam o quintal de terra batida e esperavam junto às cercas de madeira ou arame farpado, em um modelo de construção quase padronizado no local. Nas mãos, tinham as contas de água dos últimos meses, anexas aos avisos de corte do abastecimento. No rosto, uma clara esperança de resolver o problema que tira o sono – e sustento – de crianças e adultos da cidade: o valor a ser pago pela água. “Não... Nós não somos da Odebrecht. Eu sou repórter e ele é fotógrafo.” A apresentação decepcionava aqueles que aguardavam uma resposta para o problema. (AGÊNCIA PÚBLICA, 2015) Na reportagem “Hoje não tem aula nem água” , observa-se o uso do adjetivo “inadequado” associado à fala de uma profissional especialista no assunto. Essa personagem possui uma função argumentativa, segundo Motta (2013), que contribui para tornar a versão da história verídica. A escola adotou medidas emergenciais, como pedir que os alunos tragam garrafinhas de água potável e servir a merenda seca, ou seja, composta de alimentos que não precisam ser cozidos, como biscoitos ou bolos prontos. Dieta inadequada à saúde e ao desenvolvimento das crianças conforme explica a nutricionista Lígia Henriques: “Há risco de constipação intestinal e obesidade e desnutrição, pois são alimentos pobres nos nutrientes necessários na infância”. (AGÊNCIA PÚBLICA, 2015) Consideramos, no trabalho, que os aspectos citados acima expressam a subjetividade do narrador, como os dêiticos espaço-temporais, figuras de linguagem, advérbios, adjetivos e a construção da narrativa em primeira pessoa, seja do singular ou do plural. Outra característica presente nas narrativas é a sensibilização ao relatar os casos, procurando expor as histórias de pessoas envolvidas nas narrativas, o que gera sentimentos como indignação, identificação, emoção, entre outros. Esse artigo apresentado no Intercom Nordeste poderá ser acessado, brevemente, na íntegra, na publicação dos anais do evento. Karolina Calado é doutorando do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. Nesta coluna, proponho uma discussão acerca das questões que envolvem a economia política dos meios de comunicação, especialmente a partir da internet e dos modelos de financiamento coletivo.
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Mídia Fora do Armário Jornalismo e construções identitárias Por Rui Caeiro
Entrevista com Caia Coelho
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aia Coelho é transfeminista. Recifense e militante pelo movimento Ocupe Estelita, mais recentemente teve necessidade de se afastar um pouco da ‘ação de rua’ para focar energias no ingresso no ensino universitário. Isso, claro, não a impede de continuar questionando e refletindo sobre a ordem social atual, que empurra determinadas vidas para o não reconhecimento como tal. Nesse sentido, conversou com a Jornalismo & Cidadania sobre a relação do jornalismo com essa estrutura social, focando atenção na construção midiática da transexualidade e travestilidade.
JeC: Comecemos pela explicação do que podemos compreender por travestilidade e transexualidade…? CC: Embora haja divergências semânticas no trans-feminismo, existem diferenças históricas entre ‘travestilidade’ e a ‘transexualidade’. A travestilidade é um gênero espacializado no contexto socio-político-cultural latino-americano/brasileiro. Sobre a transexualidade, a primeira coisa a se considerar na tentativa de uma boa definição é que não é um gênero, mas uma identidade de gênero, produzida, com caráter patológico, pelo poder médico... Evidentemente, nós, pessoas transexuais, procuramos despatologizar nossa identidade de gênero, o que algumas vezes encontra certa resistência por receio de se perder ainda mais acesso à saúde. Aqui torna-se importante distinguir gênero e identidade de gênero. Existem alguns gêneros, como homens, mulheres, travestis. Existem algumas identidades de gênero, como cisgênero, transexuais, trans. Os gêneros existem dentro de sociedades, eles criam distinções hierárquicas entre feminilidades e masculinidades de uma maneira complexa. Conforme variam os contextos, também variam os gêneros. Isso inclui, inclusive, a lembrança da colonialidade, que aniquilou certas experiências generificadas não-binárias.
O jornalismo trata de confundir não apenas o conceito de gênero e identidade de gênero, como também o de sexo e gênero. Dessa forma, as pessoas cisgênero teriam sexo e nós teríamos identidade de gênero. Isso se manifesta na seguinte disposição: “Transexual e mulher vivem juntas há 10 anos”. É como se o gênero dos cisgêneros fosse natural, enquanto para nós haveria uma desordem entre o ‘corpo e a mente’. Ora, não foi o corpo quem nos designou com um gênero ao nascer, mas sim os entendimentos sociais produzidos sobre o corpo. A genitália, por si só, não configura um destino social, como diria Simone de Beauvoir. Para o jornalismo torna-se uma prática que a travesti seja sempre tratada no masculino, para se referir àquelas que morrem se prostituindo, com silicones proeminentes, com barbas feita a navalha, com lâmina guardada na gengiva. Geralmente são negras. A mulher transexual, embora o ‘mulher’ seja omitido pelas manchetes, é aquela que é filha do jogador e ‘venceram na vida’. Assim, o jornalismo demonstra enorme compromisso ideológico com o cissexismo. JeC: Pode aprofundar essa consideração, de que o jornalismo desrespeita mais frequentemente o gênero de travestis do que transexuais? CC: Até muito pouco tempo atrás - até se entender a internet como força global, pra ser precisa - a mídia podia abusar arbitrariamente da linguagem, sem nenhum perigo de ser desmascarada, pois existia uma correlação de forças desigual, bem como um controle oligopolizado dos aparelhos culturais (o Brasil não controla produção midiática legalmente)... Com a tecnologia, embora ainda haja controle financeiro dos algorítimos, tornou-se minimamente possível interferir no discurso hegemônico com nossas objeções. Isso se aplica às questões das mulheres transexuais, homens trans e travestis na medida em que nós diversificamos e complexificamos nossa presença no mundo. Porém, nos jornais de grande circulação, ainda se associam travestis a um fetiche masculino, o que justificaria o pronome masculino, bem como transexuais a um gênero, enquanto homens e mulheres seriam
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dois sexos, sobre cujos nossos corpos não se adequariam, mas nossa subjetividade desejaria. Essas manchetes distinguem a transexual como aquela que espera para se tornar mulher, o que acontecerá ao acordar, imediatamente após a transgenitalização, e assinalam a travesti como aquela que é criminosa, que morre aos 35 e tem próteses de silicone proeminentes. A primeira é considerada humana, pois ela quer ser associada ao “universal” feminino, mas a segunda é a abjeção, a falsificação do gênero e do próprio humano, por isso certo sadismo nas páginas policiais. Dessa forma, o jornalismo não apenas transmite informação, ele também produz sentido e se intercomunica como ideologia dominante. O poder midiático está associado aos saberes médicos sobre a transexualidade, como também tem compromisso com o desprezo pela travestilidade. O entendimento que a travesti vive de enganar homens de bem acarreta em castigos. Isso passa pelo pronome masculino, pela noção do nome social como falso. Sequer consideram que aquele corpo era uma pessoa. Essas matérias costumam nos culpar. Responsabilizadas, isso deve servir de alerta: não seja como a morta... Infelizmente, não temos opção. É perfeitamente possível emergir outro jornalismo, desligado da ideologia dominante, que noticie a condição dos trabalhadores, das travestis, dos negros. Existem mídias nas quais confio politicamente e nenhuma delas pertence aos oligopólios. Certamente, deve haver uma regulação da mídia no Brasil para que o jornalismo seja democratizado e a informação seja menos comprometida com o cissexismo. Sobre não procurarmos os jornalistas para os corrigir: geralmente o trabalho do jornalista, para fazer uma matéria verossimilhante, deveria ir atrás de fontes confiáveis, averiguar o discurso, não o contrário. Já respondi alguns jornalistas por email, a respeito de suas matérias, e com nenhum obtive resposta. Deve ser possível disputar pautas na redação. Conheço alguns jornalistas que efetivamente o fazem e conseguem negociar muito bem. Espero que surjam mais pessoas, mas a correlação de forças entre o jornalista e o jornalismo não é equivalente, é desigual. JeC: Como vês a produção acadêmica de pessoas cis sobre transexualidade/travestilidade? Vês semelhanças entre essas duas instituições – academia e jornalismo?
CC: Tem uma frase que a Grada Kilomba escreve em The Mask que eu nunca vou esquecer: ouvir é uma prática de autorização. A academia e o jornalismo - esses espaços onde se controla o que é pesquisado, com que métodos e onde pode ser publicado - são ocupados e administrados predominante por pessoas cisgêneros, brancas e abastadas. Estrategicamente, a existência de um discurso sem objeções é garantido assim. Sem dúvida, essa também é a forma pela qual o conhecimento ganha legitimidade, o que implica em admitir quem é detentor dele. Ambos, com certa pretensão universal, definem sozinhos quem nós somos, seja no nível abstrato, seja no nível factual. Enfim, certas vozes são deliberadamente não ouvidas ou preferencialmente silenciadas enquanto outras são sedimentadas no valor de ‘verdade’. Katherine Cross, no seu artigo “Os 4 Movimentos da Transfobia na Teoria” (traduzido pela Viviane Vergueiro) questiona: nas bibliografias, onde estão Riki Wilchins, Susan Stryker, Sylvia Rivera, Julia Serano, Vivian Namaste, Dean Spade, Paisley Currah, Pat Califa, Stephen Whittle, Carol Riddell, Lou Sullivan, Jay Prosser, Tobi Hill Meyer, Emi Koyama, Joelle Ruby Ryan? O problema não é nós falarmos pouco, mas sim sermos pouco escutadas/requisitadas. Isso significa que existem pessoas teorizando sobre nossas vidas sem que nós mesmas sejamos escutadas, pois as nossas reflexões são consideradas ‘imbuídas’ emocionalmente, enquanto os pesquisadores cisgêneros estão sendo considerados desligados ideologicamente, ou seja, “mais comprometidos com a ciência”. O conhecimento sofre, nesses canais de comunicação, certas injeções normativas. Isso está, a título de exemplo, sinalizado em falas direcionadas pelas perguntas, bem como no vocabulário transcrito e decide quem pode ser ouvido ou lido. Dias atrás, Daniela Andrade publicou certo relato sobre um episódio no qual alguém a parabenizou porque ‘nunca tinha escutado uma mulher transexual falando suas experiências’. Assim, torna-se evidente que o problema não é nós falarmos pouco, mas sermos pouco escutadas/requisitadas. Assinada pelo jornalista Rui Caeiro, mestre em Comunicação pela UFPE, a coluna ambiciona instigar reflexões que se debrucem sobre as relações que se estabelecem entre produção midiática/jornalística e a construção e vivência de identidades consideradas abjetas em nossa sociedade. O foco será em sexualidade e gênero.
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Mude o Canal
Sensacionalismo e exploração de acontecimentos
Fonte: Divulgação
Por Ticianne Perdigão
Comunicação e fronteiras geográficas
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stados Unidos. As prévias das eleições americanas estão com tudo. Quase que diariamente o Jornal Nacional transmite matérias sobre quem venceu em cada Estado, quais as articulações de campanha e como estão as intenções de voto. Brasil. Estamos às vésperas de início de uma campanha eleitoral para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores e a divulgação nos jornais de abrangência nacional é pífia. Pouco se sabe, por exemplo, sobre quem serão os supostos candidatos à Prefeito de São Paulo, capital econômica do
País. Em contraposição sabemos dos ataques sofridos pela Hillary Clinton advindos do seu principal oponente, Donald Trump antes mesmos deles serem os candidatos oficiais para presidente. Esse é um bom exemplo para percebermos que o olhar nacional nem sempre está atento a pautas locais. Quando tratamos do Brasil, a programação das televisões abertas comerciais transmitem programas e comerciais produzidos no eixo Rio-São Paulo e que, por isso, não refletem a diversidade cultural do país. Desta realidade é que se emerge a importância do fortalecimento da comunicação local. Em outros termos, a comunicação regional trata-se de toda produção local, seja esta indepen-
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dente ou não, jornalística ou cultural, produzida e veiculada em âmbito regional. Conforme Valente (2009), Em termos numéricos, 9,14% é a média de conteúdo local produzido pelas emissoras comerciais aberta brasileiras. “Atualmente, o volume de programação local varia bastante de emissora para emissora. Um estudo de 2009, chamado “Produção Regional na TV Brasileira”, realizado pelo Observatório do Direito à Comunicação, mostrou que a emissora pública TV Brasil tinha em média 25,55% de sua grade composta por programação de conteúdo local, enquanto as grandes redes comerciais tinham de 7% a 12,2%, com uma média de 9,14%”. (VALENTE, 2009).
Os meios de comunicação em massa ultrapassam as fronteiras geográficas, rompendo culturas, idiomas, religiões, regimes políticos e desigualdades sociais. Há, então, uma disseminação em âmbito mundial de informações, mercadorias e de produtos culturais de consumo. Ocorre, contudo, uma desterritorialização, ou seja, as tecnologias digitais anulam a geografia criando uma nova era, o que Castells (2005) chama da “Era da informação”. Tal questão implicou a disseminação de padrões e valores sócio-culturais evidenciando uma ocidentalização dos modelos de vida que engloba moda, padrões de consumo, atitudes etc. Esta padronização é fundamental para suprir um mercado capitalista em escala mundial, evidenciando uma ideologia voltada para o consumismo.
A força da mídia global é capaz de se sobrepor às culturas locais, principalmente, em países e regiões menos desenvolvidas economicamente. Tal aspecto requer proteção do legislador, que está diante do que a doutrina europeia denomina de “valores vulneráveis”, produzidos regional ou nacionalmente. O autor português Jonatas Machado (2002) diz que “as dimensões nacionais, culturais, linguísticas e etnográficas constituem valores vulneráveis em face da globalização, internacionalização e concentração da comunicação privada” (2002, p. 662, grifos nossos). Países da comunidade Européia (UNIÃO EUROPÉIA, 2012) e Canadá (MENDEL; SALOMON, 2011, p 42) possuem forte proteção a produção regional e produção independente, impondo cotas para a veiculação na sua legislação. Como exemplo, vejamos a diretiva do União Européia A promoção da diversidade cultural remete para a questão da imposição de quotas de conteúdos às empresas de radiodifusão e a outros fornecedores de serviços. A directiva actualmente em vigor reitera o compromisso da UE em prol de obras audiovisuais europeias, permitindo aos Estados-Membros impor aos organismos de radiodifusão televisiva quotas de conteúdos a favor de produções europeias, sempre que tal seja exequível. Directiva 2007/65/CE do Parlamento Europeu. (UNIÂO EUROPEIA, 2012) No Brasil, uma das grandes evoluções do capítulo da Comunicação Social foi o reconhecimento da regionalização da produção. Se a medida fosse regulamentada, importantes implicações culturais e econômicas ocorreriam na sociedade. Definir percentuais mínimo obrigatórios diversifica o conteúdo da programação e amplia o mercado de trabalho em todo país. O projeto de lei nº 59, de 2003, pretende estabelecer percentuais da produção regional, mas está congelado no Congresso Nacional, sem perspectiva de ser aprovado. Ticianne Perdigão é formada em Direito e em Jornalismo. Tem mestrado em Direito mas agora curso Doutorado em Comunicação Social. Essa ambiguidade acadêmica fez com que temas como Liberdade de Expressão e Regulação da Mídia fossem seu foco de estudo.
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Rádio e Cidadania Comunicação e resistência nas ondas do rádio Por Karoline Fernandes
Cannibal e as origens da rádio comunitária Alto Falante
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o final dos anos 1990, um grupo de jovens da comunidade do Alto José do Pinho, na Zona Norte do Recife, se inquietava com a velha estrutura das rádios comerciais – estas, submetidas à lógica da “Indústria Cultural”, cuja programação ignorava produções locais para reproduzir produtos massivos. Em contraponto, a época era bastante representativa para a música pernambucana: vivia-se o auge da música urbana recifense, puxada pelo pós - mangue beat, responsável por recolocar a capital pernambucana no cenário musical do Brasil – patamar que permanece até hoje. “Nós começamos em 1999, numa época de muita efervescência cultural no Alto José do Pinho, com o surgimento de novas bandas...E nós não encontrávamos espaço pra divulgar nossa música. Nós não sabíamos como fazer isso porque não sabíamos como chegar nas rádios, nós não tínhamos produtora”, lembra Cannibal, à época, um dos garotos que integrava da banda de punk rock “Devotos do Ódio”. - Já que a gente não consegue colocar nossa música no rádio vamos fazer a nossa própria rádio! – idealizou “Peste”, apelido de Aílton Fernando Guerra, baterista da extinta banda de rock Matalanamão. O sonho de jovens roqueiros começava a ganhar forma. A partir de recursos de instituições internacionais, um estúdio mínimo foi montado. Alto falantes no entorno da comunidade propagavam a voz do Alto José do Pinho. “Foi uma coisa muito louca, porque na comunidade sempre desconfia de tudo. Todo mundo começou a achar que só ia tocar rock. E não foi isso que aconteceu porque nos temos muito samba, maracatu, caboclinhos no Alto José do Pinho. A nossa ideia era comunicação. A gente queria falar dos problemas que existiam na nossa comunidade. Queríamos falar das coisas boas e das coisas ruins”, destaca Cannibal. Ninguém tinha experiência no rádio. Mas esse nunca foi o problema. Aliás, para Cannibal, o detalhe mostrou-se um diferencial e tanto para o projeto de dar voz à comunidade. Mesmo sem noção alguma das técnicas de locução sacramentadas pela linguagem radiofônica, o grupo de amigos já entendia a comunicação como um direito. Este é justamente o conceito das rádios comunitárias, que tem como principal objetivo, estimular e promover a cultura, a educação e a plena liberdade de expressão, conforme resgata a pesquisadora Gomes (2013): “A maior proliferação das rádios comunitárias decorre da regulamentação da radiodifusão de baixa potência, cujo o marco histórico é o dia 10 de abril de 1995, quando o então Ministro das Comunicações, Sérgio Motta recebeu um grupo de representantes das rádios livres e comunitárias e reconheceu a existência de milhares de emissoras de baixa potência. Desde a sua regulamentação em fevereiro de 1998 , as rádios comunitárias, ou seja “ a radiodifusão sonora, em freqüência modulada, operada em baixa potência e cobertura restrita, outorgada a fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, com sede na localidade de prestação do serviço” (LEI
Nº 9.612, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998) cumprem um papel importante nas comunidades, divulgando a cultura, o convívio social e eventos locais; noticiando os acontecimentos comunitários e de utilidade pública; promovendo atividades educacionais para melhoria das condições de vida da população. Sendo uma organização sem fins lucrativos, a rádio permite que os interesses da comunidade sejam colocados em primeiro plano, diferentemente de uma rádio convencional, onde o interesse pela audiência é maior que a preocupação com os serviços de utilidade pública. (GOMES, 2013)”. Por mais de dez anos, a Alto Falante sustentou uma programação diversificada. “A gente tinha programa infantil, tinha programa de rock, tinha programa que falava da comunidade. Tinha um programa de Marco Simão, que sempre falava, por exemplo, da primeira pessoa que teve água encanada dentro da comunidade, e isso era muito massa”, enfatiza Cannibal. O sonho estava crescendo. A ideia agora, era ocupar um dial, algo que pudesse ser consumido pelas pessoas dentro de casa, e não apenas a partir dos alto-falantes instalados nos postes do Alto José do Pinho. “Quando a gente foi correr atrás da Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações] foi quase uma depressão, a gente pensou em acabar tudo”, desabafa. O comentário do artista ilustra bem a saga dos comunicadores populares que se aventuram a realmente fazer rádio comunitária no Brasil. Enquanto aliados políticos e religiosos tem processos de regulamentação dessas emissoras de baixa potência facilitados aos lideres comunitários, resta a perseguição ostensiva, encabeçada não só pela Anatel, como também, pela Polícia Federal. Classificadas erroneamente como “rádios piratas”, muitas emissoras são impedidas de funcionar e tem seu material recolhido. De acordo com o projeto Brasilianas.Org, em 2013, o Brasil tinha cerca de cinco mil emissoras classificadas como comunitárias. No entanto, pela grande quantidade de rádios comunitárias que tem seu funcionamento interrompido, não há estatísticas mais atuais que representem como fidelidade o real quadro da comunicação comunitária. À legislação repressora, soma-se a ocupação de rádios comunitárias por grupos políticos e religiosos. Mesmo com este cenário sombrio, é inegável o impacto da comunicação popular como agente transformador do conceito de cidadania na sociedade. Embora não esteja mais em funcionamento, a Alto Falante resgatou, no Alto José do Pinho, a noção de comunidade. “As pessoas sabiam que podiam ir na rádio e falar dos seus problemas, e saber que aqueles problemas tinham voz e espaço”, ilustrou Cannibal. Karoline Fernandes é jornalista, mestre em comunicação pela UFPE, repórter da Rede TV! e apresentadora do podcast O Grito FM. Assina a seção Rádio Antena (pode ser esse nome?), que discute os novos formatos e gêneros radiofônicos na contemporaneidade.
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ANO I | Nº. 2
Jornalismo e cidadania
BR
AN
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Cidadania em rede
Elas na rede
Prosa Real
Livros-reportagem e cinema
Poder Plural
Polarização política na internet
E mais...