vol. 3 | n° 1
Ă?NDICE
6 EDITORIAL 8 TIRAS 8 Paulo Mazzoco 9 Ricardo Tokumoto 10 Johnny Jota 11 Bruno Honda Leite 12 Ricardo Lira
13 ARTISTAS EM DESTAQUE
13 Johnny Jota
22 Bruno Honda Leite 30 Guilherme Balbi 36 Heitor Vilela
44 DOSSIÊ TEMÁTICO 44 Cândido Portinari, “flâneur” brasileiro caminhando pelas
ruas do Brasil Amanda Rufino Mendes 53 Vida no olhar de Xsjunior: Uma viagem por Belos Horizontes Deborah Manoela Martins Pereira Hack 63 Reflexões da modernidade com Rogério Coelho e Chrissy Lau: Mercado e Ilustrações Frank Junio Soares Sabino 74 Flâneur brasileiro Rogério Fernandes: Contando histórias fantásticas em todas as superfícies possíveis Mariana Cherubino Silveira 89 As ilustrações de Maurice Sendak e Roger Mello na realidade figurativa do flaneur: em busca do selvagem no observador Flaviana L. dos Santos 105 O Ciberflâneur com o Poro, Brígida Campbell e Marcelo Terça-Nada! A experiência digital como espaço para o novo flâneur Mateus Luiz Sá Silva
116 ENTREVISTAS 116 Ricardo Tokumoto 122 Ricardo Lira / capa
LEGENDA QUADRINHOS Revista Brasileira de Pesquisa e Divulgação dos quadrinhos. Legenda Quadrinhos é uma publicação semestral do NIQ Núcleo de Ilustrações e Quadrinhos da Escola de Design da UEMG. ISSN 2447-2638 Publicação Online
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MISSÃO Divulgar artigos que abordem temas relacionados as ilustrações e histórias em quadrinhos correlatos aos vários nomes de quadrinistas nacionais, anônimos e consagrados que passaram a publicar suas produções autorais. Legenda Quadrinhos é uma revista interdisciplinar, criada com o objetivo de dinamizar a pesquisa, a produção e a divulgação dos quadrinhos, bem como contribuir com a documentação histórica e o estudo de novas técnicas de produção de imagens. Sentados lado a lado, quadrinistas e designers gráficos, debateram e contemplaram, pela primeira vez no espaço acadêmico, as possibilidades e os resultados da aproximação entre estas duas áreas do conhecimento humano, sempre com o intuito de promover vocações e estimular processos criativos, permitindo que estudantes de graduação e de pósgraduação também possam enviar artigos que abordem sobre estes diversos talentos artísticos brasileiros presentes no mercado nacional e/ou com sucesso no exterior. Em especial, busca publicar a produção dos alunos de graduação. A revista recebe artigos e resenhas em fluxo contínuo e funciona apenas no formato digital. Além do dossiê temático que permite aprofundar em áreas específicas. As submissões dos textos devem estar em sintonia com a Missão da Revista. 5
Editorial Prof. Dra. Eliane Raslan ED-UEMG
Ron Miriello
O sexto periódico da revista Legenda Quadrinhos, v.3, n.1, do ano de 2016, nos permite desfrutar de diversos trabalhos de quadrinhos e ilustrações criados por artistas brasileiros, sejam eles já conceituados ou mesmo iniciando no mercado artístico. O dossiê temático – “Walter Benjamin e o Flâneur” – vai além das análises de imagens, interpreta e sugere intenções e interesses dessas obras artísticas. Temos muitos trabalhos publicados que diferenciam os olhares do passado com o do presente, algo que pode ser considerado velho ou novo. O capitalismo vem muito bem abordado nos textos de Walter Benjamin, automaticamente, permite aos autores utilizarem o auge da luxuria como resultado artístico daquela época, entre pinturas e vestes, que rodeavam diversos personagens e cenários sociais e urbanos no século XXI. Paris contempla, de forma distinta da arte atual, a arte de flanar e nos leva por um tur transitório sobre Paris. Ocorrem diferenças sociais que são registrados, em especial, na arte de pintar, entre as artes, o texto nos leva a perceber, esse observador privilegiado, que é o flanêur. Separado da multidão, ele consegue observar acontecimentos entre classes sociais das mais variadas, seja a “elite” ou homens entre a multidões. O flâneur tem uma ideia geral do espaço, consegue perceber esse novo espaço (modernidade) e passa apreender e ao mesmo tempo representá-lo em pinturas. A proposta estética modifica. O texto “Paris capital do século XIX”, por Walter Benjamin, foi utilizado por muitos autores deste volume, para traçar o perfil do moderno. Benjamin, os permitiu utilizar o processo revolucionário que ocorria na França, como comparação dos diversos trabalhos artísticos publicados naquela época e na atualidade, sendo que a mercantilização da arte buscava inspirações – temos como exemplo a poesia e a filosofia – para entender as mudanças sociais ocorridas em diferentes espaços urbanos, algo que parece repetir na atualidade.
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Editorial:
Eliane Meire Soares Raslan
Coordenador do Centro de Imagem: Rosemary Portugal
Coordenador do NIQ:
Eliane Meire Soares Raslan
Conselho Editorial Científico:
Ana Kelma Cunha Gallas (UFPI) Edgar Silveira Franco (UFG) Gazy Andraus (FIG – UNIMESP) Nílbio Thé (UNIFOR) Janie Kiszewski Pacheco (UFRGS e ESPM)
Conselho Gráfico:
Mariana Misk – LDG ED/UEMG Silvestre Rondon – ED/UEMG
Projeto Gráfico: Rafael Rallo Jardim Produção: Ana Beatriz de Lima; Kaique d’Paula Capa:
Ricardo Lira
Apoio:
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e Tecnológica. Edital 07/2014 PIBIC / UEMG / FAPEMIG
Data de publicação:
08.04.2016 ISSN 2447-2638 – Publicação Online - V. 3. N. 1 Primeiro semestre de 2016
Artigos e Resenhas: Fluxo contínuo Dossiê Temático: Walter Benjamin e o Flâneur Os distintos olhares sobre o antigo no atual.
A Revista Legenda Quadrinhos é uma publicação sem fins lucrativos do NIQ - Núcleo de Ilustrações e Quadrinhos do Centro de Estudos em Imagem da Escola de Design / UEMG. Periódico com duas publicações anuais de artigos científicos, como também, ilustrações e histórias em quadrinhos produzido por brasileiros. As opiniões emitidas e imagens são de inteira responsabilidade de seus autores. Os direitos de todas as imagens pertencem aos respectivos Ilustradores e/ou quadrinistas de cada seção. O conteúdo dos artigos publicados é de inteira responsabilidade dos seus autores. Contato: Av. Antônio Carlos, 7545. 7º andar - sala 53, Bairro São Luís. Belo Horizonte. MG. Brasil. Cep: 31270-010. (55) (31) 3439-6517. E-mail: <legenda-niq@hotmail.com>; Link: <https://revistalegenda.wordpress.com/>
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Ricardo Tokumoto
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Bruno Honda
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jonnhy jota 13
Jonnhy Jota (pseudônimo)
começou a fazer quadrinhos antes de aprender a desenhar. Adora pegar temas batidos e que todo mundo já enjoou e fazer piada. Atualmente cursa a Casa dos Quadrinhos e pretende entrar para o cinema de animação em breve.
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BRUNO HONDA LEITE 22
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GUILHERME BAL
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LBI APRESENTA
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“Dizem que, de perto,
ninguém é normal. No mundo de Jackpot, nada é normal, nem de longe.”
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https://www.instagram.com/guibalbi/ https://www.facebook.com/jackpotuniverse/ 35
hei tor vilela “JORNALISTA, ILUSTRADOR, DESILUDIDO DE CHAPÉU” twitter.com/heitorairplane?lang=pt facebook.com/heitor.vilela.1
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Cândido Portinari, “flâneur” brasileiro caminhando pelas ruas do Brasil
Amanda Rufino Mendes 1
Resumo Expandido O artigo se baseia em um fragmento da obra de Walter Benjamin Paris capital do século XIX, e nas ilustrações de Cândido Portinari feitas em 1952 para o livro Cangaceiros, no formato de folhetim na revista O Cruzeiro do escritor José Lins do Rego. Esse romance narrava fatos históricos, no caso, o cangaço. As ilustrações de Câdido Portinari forma produzidas no século XIX e um dos tópicos abordados era sobre os flâneuries, um termo criado para o novo espírito que surgia na cidade parisiense, para todos aqueles indivíduos desenraizados que caminhavam livremente pela cidade e a observava e que, por meio disso, remodelava a antiga Paris, a mesma que estava passando por um processo de modernização. Logo coexistindo uma relação dessa época com a postura de Portinari, que já pertencia à modernidade e buscava retratar em suas obras pessoas do cotidiano, sugerindo então que ele passeasse pelas ruas brasileiras e observasse as pessoas, assim com era feita pelos flâneuries, mesmo sendo em um país diferente e já em outro século, uma vez que Portinari já pertencia ao século XX. Justamente nessa série escolhida chamada Cangaceiros, pode-se notar isso, pois mesmo com seu estilo modernista de desenhar e pintar pode-se perceber as caracteristicas regionais dos personagens ao longo das ilustrações, o que somente poderia ser dado apartir de observações das pessoas que vivenciam ou vivenciaram aquela realidade escrita no romance. Esse gosto de observar e retratar pessoas consideradas comuns era um tema recorrente em suas obras, tal qual pode ser citada as suas obras para a série cenas brasileiras feita em 1954, para a sede da revista O cruzeiro mostrando pessoas comuns em seu cotidiado. Palavras-chave Walter Benjamin; Cândido Portinari; Flâneur; Ilustrações.
Estudante de Artes Visuais Licenciatura da Escola de Design UEMG - Universidade do Estado de Minas Gerais, Escola de Design, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Trabalho orientado pelos professores Eliane Meire Soares Raslan e André Borges da ED/UEMG. E-mail: amandarufino_03@hotmail.com.
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Revista Legenda Quadrinhos. Escola de Design da UEMG. Belo Horizonte, vol. 3, n. 1, p. 30 – 38, 1º semestre/2016. ISSN 2447-2638. <https://legendaniquemg.wordpress.com/>
Vida e Obras de Portinari Cândido Portinari2 nasceu em Brodowski, São Paulo, em 30 de dezembro de 1903. De família humilde, aos seis anos começou a demonstrar aptidão para o desenho, não terminando o primário, aos 14 anos participou da restauração da igreja da cidade. Aos 15 mudou-se para o Rio de Janeiro (1919) para estudar artes no Liceu de Artes, seguido de cursos de desenho e pintura na Escola Nacional de Belas Artes. Abaixo, na figura 01, seu autorretrato. Fig. 01 Auto – Retrato, por Portinari - 1957
Fonte: Templo Cultural Delfos: Cândido Portinari 1
Em sua carreira destacaram-se seus trabalhos com pintura, como por exemplo, seus murais intitulados “Tiradentes – 1949/ Salão de Atos Tiradentes - Memorial – São Paulo.”, “A chegada de D. João VI a Salvador – 1952/ Coleção BBM S/A” e “São Francisco – 1944/ Igreja da Pampulha- Belo Horizonte”. O vigário João Rulli desejava encomendar uma porteira e não se entendiam, peguei um papel e desenhei a porteira. O padre ficou olhando para mim e disse: amanhã chegará o frentista para ornamentar a fachada da nova igreja. Você deve ir vê-lo e aprender. Ricardo Luini era o nome do Fonte: Museu Casa de Portinari – Disponível em: <museucasadeportinari.org.br>. Acesso em: 20 de mai de 2015
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meu escultor.... Quando terminou, deu-me uma prata de dois mil réis e uma viagem a Ribeirão Preto. Pessoa muito boa. (PORTINARI, 1957)3
Sua primeira exposição foi em 1923, com o retrato do escultor Paulo Mazzucchelli no Salão da Escola de Belas Artes, o qual levou o artista a ganhar três prêmios. No ano seguinte participou do Salão com a sua obra “Baile na roça”, e no ano de 1928 levou o retrato do poeta Olegário Mariano, esse último levou o pintor a ganhar o prêmio Viagem à Europa. Em 1930 residia em Paris e se aproximou de artistas como Van Dongen e Othon Friesz. E conheceu Maria Martinelli, sua futura esposa. Porém, esse era seu último ano na Europa, pois decidira a voltar para o Brasil no ano seguinte, trazendo consigo novas tendências, e com uma proposta de reciclagem artística que visava valorizar a cultura brasileira. E em 1934 se aproxima cada vez mais de poetas e artistas intelectuais modernistas de São Paulo. Com isso, Portinari entrou para elite intelectual brasileira, justamente em um momento em que o país passava por mudanças estéticas e culturais. E aos poucos foi firmando sua opção pela temática social, a mesma que guiou todas suas obras a partir de então. De acordo com Marília (2003) 4, a “arte brasileira só haverá quando os nossos artistas abandonarem completamente as tradições inúteis e se entregarem com toda alma, à interpretação sincera do nosso meio.”. E já em meados de 1944 a 1946 se aproxima das militâncias políticas, filiando-se ao partido comunista brasileiro, se candidatando em 1945 para deputado e em 1947 a senador, porém, em nenhuma das duas conseguiu se eleger. E essas influências políticas, refletiram diretamente em suas obras uma vez que, o tema cangaço foi abordado em suas obras 114 vezes, e cada vez mais que se aproximava de ideias marxistas, mais as questões sociais se tornavam temas recorrentes em suas obras. Não pretendo entender de política. Minhas convicções, que são fundas, cheguei a elas por força da minha infância pobre, de minha vida de trabalho e luta, e porque sou um artista. Tenho pena dos que sofrem, e
Fonte: CANDIDO PORTINARI. Retalhos de minha vida de infância-1957. Fonte: CANDIDO PORTINARI. Entrevista publicada ao jornal A Manhã em junho de 1926. PORTINARI, Candido. Rumo a Paris. In BALBI, Marilia. Portinari: o pintor do Brasil. São Paulo: Bontempo, 2003. p. 26.
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gostaria de ajudar a remediar a injustiça social existente. Qualquer artista consciente sente o mesmo. (PORTINARI, 2003. p.12).5
Embora esses temas não fossem os únicos a serem trabalhados ao longo de sua carreira, como foi dito anteriormente, temas históricos também foram trabalhados em seus murais. Mas, em 1954, os sintomas da intoxicação causada pela tinta começam a agravar e os médicos o proíbem de pintar. Embora isso fosse algo que o deprimisse bastante, ele não era apenas pintor, mas também era poeta e ilustrador. O desenho, assim como a pintura, tinha uma grande importância em sua vida. Portinari fez várias ilustrações como, por exemplo, ilustrações para o livro “O menino de engenho” – 1959 de José Lins do Rego; “Os cangaceiros – de José Lins do rego”; série Cenas Brasileiras para a revista O Cruzeiro; as ilustrações do Don Quixote que foram usadas por Ana Maria Machado em seu livro “O Cavaleiro do Sonho” – As aventuras e desventuras de Don Quixote De La Mancha; e as mesmas ilustrações de Don Quixote que inspiraram alguns poemas de Carlos Drummond de Andrade; entre outras. E a partir do momento em que Portinari foi proibido de pintar, os desenhos adquiriram um momento de explosão total em sua vida. Os mesmos sempre o acompanharam de forma paralela as pinturas, uma vez que representam um diário minucioso de evoluções e soluções de suas obras. Portinari passou seus últimos anos sozinho, em 1960 desquitou-se de Maria, proibido de pintar, além dos desenhos sua vida se resumia a acompanhar as exposições de suas obras. Mas desobedecendo a ordens médicas, o pintor se envolve em uma última exposição que aconteceria em 1963, juntamente com seu amigo Eugenio Luraghi em Milão e descuida de sua saúde. E em 6 de fevereiro de 1962 Portinari falece. Portinari o flâneur brasileiro Portinari chegou a morar em Paris em 1930, porém, quando ele foi para lá a cidade já havia passado pelas mudanças citadas por Walter Benjamin em seu texto
Fonte: PORTINARI, Candido. Guerra e Paz. In BALBI, Marilia. Portinari: o pintor do Brasil. São Paulo: Bontempo, 2003. p.12.
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Paris capital do século XIX, uma vez que, Benjamin narra em seus textos uma Paris do século XIX. A cidade começava a se modernizar, começara a ter luzes pela cidade permitindo que as pessoas passeassem a noite, surgindo consigo o termo boêmio, havia os cafés aonde os artistas se encontravam, muitas amizades surgiram a partir desses cafés, amizades não somente de pintores entre eles mais entre escritores e poetas também. Foi um momento em que surgiu a fotografia e, com isso, os pintores resolveram criar técnicas de pinturas que valorizassem a arte que tinha sido deixada de lado com essa novidade. Técnicas que compunham os movimentos impressionistas e expressionistas, e todos os outros movimentos considerados modernistas, que tiveram uma grande repercussão ao longo da história da arte. Os artistas passavam cada vez mais tempo nas ruas pintando o que viam, e os escritores também passavam tempo caminhando pelas ruas e escrevendo em seus textos e poemas essa modernidade que se encontrava a todo vapor em Paris. E com isso, surge então o termo Flâneur, que era um termo que caracterizava esses artistas, escritores e todas as pessoas que caminhavam pela cidade de forma que contribuísse para um remodelamento da mesma que se encontrava em constantes mudanças. Como por exemplo, o escritor Baudelaire que tornou pela primeira vez a cidade de Paris como um objeto da poesia lírica. O flâneur encontra-se ainda no limiar tanto da grande cidade quanto da classe burguesa. Nenhuma delas ainda o subjugou. Em nenhuma delas sente-se em casa. Ele busca um asilo na multidão. Em Engels e Poe, encontram-se as primeiras contribuições relativas à fisionomia da multidão. A multidão é o véu através do qual a cidade familiar acena para o flâneur como fantasmagoria. Nela, a cidade é ora paisagem, ora sala acolhedora. (BENJAMIN, 1935, p. 47)6
Mas, mesmo assim vivendo em Paris já no século XX, Portinari ainda tem os resquícios da sociedade que se formara no século passado, os cafés ainda eram características marcantes da cidade, e foi neles que o pintor discutia sobre arte, o mesmo passava bastante tempo em museus durante sua estadia em Paris, tinha pouco tempo para pintar, mas foi na Escola de Paris que ele descobriu a pintura moderna, lá 6
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Fonte: WALTER BENJAMIN, Paris, a capital do século XIX| exposé de 1935, p. 47.
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Portinari aprendeu as técnicas, mas a saudade de sua terra o fez voltar para o Brasil, e com as técnicas aprendidas podia dar início ao seu trabalho abordando a temática social. Logo, se pode dizer que o pintor, embora um século depois, ainda pudesse ser considerado um flâneur. "O alvo da minha pintura é o sentimento. Para mim, a técnica é meramente um meio. Porém, um meio indispensável.” (PORTINARI, 2003). Portinari, apesar de ter vindo de família humilde, já não mais pertencia a essa classe, mas mesmo assim procurou retratá-la em suas obras com todo o cuidado para que houvesse a valorização das pessoas que a pertence à mesma, o homem sempre foi o foco de suas obras, independente das circunstâncias em que se encontrava, seja ela no sul do Brasil ou no norte do país. Mas o que mais chamava a atenção do pintor era o Nordeste, como dito anteriormente o cangaço foi um dos temas mais recorrentes, existindo vários esboços, pinturas e ilustrações do artista sobre o tema. Tomando as ilustrações feitas para o livro Os Cangaceiros de José Lins do Rego, como base é notável o apreço pela riqueza da diversidade cultural encontrada naquela região do país em específico. Grandezas e misérias do Brasil, sua sensibilidade, suas tragédias secretas, a contra-revolta obscura das suas classes desafortunadas, o frenesi dos sambas, dos batuques, o desengonço do frevo, a melancolia, sem azedume, dos negros e dos mulatos, (...) o tocador de flauta e o malandro dos morros, em toda essa comédia humana a paleta de Portinari deita cores imortais. (CHATEAUBRIAND, 1943)7
Por muitos Portinari foi considerado um dos artistas modernos que mais se dedicou em mostrar a realidade em suas obras. E mesmo em uma época que a arte abstrata acabava de ganhar espaço como o que era considerado uma corrente mais avançada, seus trabalhos conseguiram grandes projeções fora do Brasil. Faltava ao Brasil uma pintura mural de caráter e de assuntos nacionais, ligados aos temas históricos da nossa formação étnica ou da vida econômica e social do país. Essa obra está sendo atualmente realizada por Candido Portinari, para o novo edifício do Ministério da Educação . (Antônio Bento para o jornal A Tarde, em 02 de abril de 1937.) 8
Assim como os flâneuries do século XIX, Portinari observa a sociedade em que vive, mas não apenas como um espectador, ele caminha por ela e a registra em suas obras, em parceria com escritores suas ilustrações se fundem em meio a histórias Fonte: Templo Cultural Delfos: Candido Portinari – a alma, o povo e a vida brasileira Fonte: Templo Cultural Delfos: Candido Portinari – a alma, o povo e a vida brasileira. Disponível em: <www.elfikurten.com.br > Acesso em: 29 junho 2015.
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que buscam registrar e manter viva a rica cultura e diversidade social dos povos brasileiros. Assim como Edouard Manet, Claude Monet que eram pintores e tinham muitas de suas obras influenciadas por seus amigos escritores Charles Baudelaire e Edgar Allan Poe, Portinari tinha seus amigos brasileiros que compartilhavam das mesmas ideias e tinham os mesmos interesses. Mostrar e valorizar o seu país de forma ampla e sem restrições, assim como os artistas parisienses buscavam. Candido Portinari nos engrandeceu com sua obra de pintor. Foi um dos homens mais importantes do nosso tempo, pois de suas mãos nasceram a cor e a poesia, o drama e a esperança de nossa gente. Com seus pincéis, ele tocou fundo em nossa realidade. A terra e o povo brasileiros - camponeses, retirantes, crianças, santos e artistas de circo, os animais e a paisagem - são a matéria com que trabalhou e construiu sua obra imorredoura. (JORGE AMADO, Museu Nacional de Belas Artes, 1977, 264)9
Podemos concluir que o termo flâneur não se restringe somente há um século, ou um local, no caso, Paris. Mas se estende a todos aqueles que buscam observar o lugar em que reside registrar as mudanças ocorridas deixando um documento de valor histórico para a posteridade, e se propor a remodelar a sociedade por meio de seus trabalhos, seja ele artístico ou literário. Abaixo algumas ilustrações de Cândido Portinari. Fig. 02: Cangaceiro e o casal, por Cândido Portinari
Fig. 03: Mãe
cangaceiro, por Cândido Portinari
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(AMADO, Jorge. In: Museu Nacional de Belas Artes (Rio de Janeiro, RJ); Museu de Arte de São Paulo (São Paulo, SP). Portinari Desenhista. Apresentação Ralph Camargo; Texto Afonso Arinos et al. Rio de Janeiro, RJ, 1977, 264 p. il. [Catalogo].) .
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Fig.04: Quatro homens, por Cândido Portinari
Fonte: Semanário da revista O Cruzeiro Livro Os Cangaceiros de José Lins do Rego 1952 10
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Lampião aceso – Disponível em <lampiaoaceso.blogspot.com.br> Acesso em: 23 de jun de 2015
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Considerações Finais Percebemos nas técnicas de Cândido Portinari, mesmo com as suas características peculiares, as questões sociais de sua terra de origem, o Brasil, associado as técnicas de arte moderna europeia, que tem influência provenientes do surrealismo, do cubismo e das artes dos muralistas mexicanos. Portinari utilizava-se da arte figurativa valorizando as tradições da pintura e a cultura presente em todas as regiões do país. Assim como os flâneuries parasiences.
Referências Bibliográficas BENJAMIN, Walter. Paris, A Capital do século XIX: Exposé de 1935. (Org) Flávio R. Kothe. Coordenador Florestan Fernandes., 2º edição. São Paulo: Editora Ática, p. 30-43, 1991. __________. Passagens. Edição alemã de Rolf Tiedemann; organizador da edição brasileira Willi Bolle, Belo Horizonte: Editora UFMG; São Paulo: Imprensa Oficial de Estado de São Paulo, 2006. AQUINO, João Emiliano Fortaleza de. Memória e consciência histórica. Fortaleza: UECE, 2006.
Texto recebido: 08.07.2015. Texto aprovado: 10.11.2015
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Vida no olhar de Xsjunior: Uma viagem por Belos Horizontes
Deborah Manoela Martins Pereira Hack1
Resumo Expandido Este trabalho apresenta o olhar sobre a vida e análise de algumas obras do ilustrador Junior Oliveira, conhecido por Xsjunior, assim ele assina suas obras, tendo como base de comparação Walter Benjamim, "Paris, Capital do Século XIX", onde encontramos o flâneur (vem do flanar, vaguear) que passeia pelas ruas de Paris, observando as ruas, bares e gente, aproveitando que as ruas começaram a serem iluminadas, este ser anda a procura de inspiração, respirando o ar noturno, com todos seus sons, cores e modificações ocorridas dia apos dia. Assim é XsJunior, que vagueia pelas ruas de Belo Horizonte observando as pessoas, atento aos detalhes de expressividade. Dele não foge um sorriso mais expressivo, um olhar maroto, um ar jocoso que um ser espalha pelo ar e ele capta em seu sketchbook. Tira da rua, principalmente dos seres que perambulam por aí, a essência do que há de mais puro e engraçado. Xsjunior leva para a ilustração os momentos passados nas suas vivências nas ruas de Belo Horizonte. Esta cidade grande, assim como Paris, é iluminada de seres dos mais diversos tipos. Patinadores, artistas, moças que parecem modelos, modelos que parecem de mentira, seres que na ponta de seu lápis se transformam em personagem de história. É nesse vai e vem que Xsjunior se encontra em sua inspiração, escondido em tantos livros que já leu, em filmes e músicas que marcam sua criatividade. Palavras-chave Flâneur; Observação; Ilustração; Capital da luz;
Recriando Personalidades Para Walter Benjamim (1955) “a verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado só se deixa fixar como imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que é reconhecido”. (p 496) Estudante de Artes Visuais Licenciatura da Escola de Design UEMG - Universidade do Estado de Minas Gerais, Escola de Design, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Trabalho orientado pelos professores Eliane Meire Soares Raslan e André Borges da ED/UEMG. E-mail: deborah.vonhack@gmail.com 1
Revista Legenda Quadrinhos. Escola de Design da UEMG. Belo Horizonte, vol. 3, n. 1, p. 39 – 48, 1º semestre/2016. ISSN 2447-2638. <https://legendaniquemg.wordpress.com/>
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A figura de Xsjunior é inseparável da figura do flâneur de Walter Benjamim, andando pelas ruas de Belo Horizonte, Xsjunior busca sua inspiração nas figuras que perambulam por aí, ou que correm com seus patins pelas ruas e praças, ele reconhece o momento, fixa a imagem e o passado se torna presente na nossa vida. Captando e congelando as imagens dos passantes, os transformam em seus personagens. Junior de Oliveira nasceu em Contagem foi registrado e naturalizado em Ibirité, vive em Belo Horizonte. Desenhista, artista, estudante, professor e patinador. É técnico em Artes Visuais formado pela escola de Artes Visuais Casa dos Quadrinhos. Monitor do projeto Escola Integrada da prefeitura de Belo Horizonte, dá aula de artes visuais focada em atividades artísticas, técnicas e desenvolvimento de personagens. Faz ilustrações para blogs, revistas online e tem desenho publicado no Caderno Ragga do Jornal Estado de Minas ao lado grandes quadrinistas de Belo Horizonte influentes na atualidade. A sua inspiração vem de personagens de livros como, por exemplo, Nárnia, Senhor dos Anéis e Harry Potter, onde lendo ele cria seu próprio universo. Seus personagens têm vida sem interferências visuais impostas. Porém nos filmes como Harry Potter, As Crônicas de Narnia, O Senhor dos Anéis, Sin City, e O Rei Leão, ele desenha os personagens e recria um novo ser, mesmo que seja redesenhar o personagem existente, todos os seus desenhos têm sempre um traço peculiar dele. A inspiração não para por aí, as séries, quadrinhos A Turma da Mônica e músicas de Fernanda Takai, Avril Lavigne e Marilyn Manson que gosta de escutar quando está desenhando o acalma para uma concentração maior que ele necessita na hora de sua criação. Os animais são a grande paixão, desenhando animais de toda espécie e posições ou redesenhando alguns de filmes, foi pensando neles que ele fez a série de bocejos. Porém mesmo que ele desenhe algum desses personagens que tanto gosta, há um traço pessoal que revela um jocoso humor que está presente naquilo que retrata. Buscando a perfeição, para Junior desenhar é um ato normal, a criatividade está constante no dia a dia. Fig. 01: Ilustração “Bocejos”, por Xsjunior
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Revista Legenda Quadrinhos. Escola de Design da UEMG. Belo Horizonte, vol. 3, n. 1, p. 39 – 48, 1º semestre/2016. ISSN 2447-2638. <https://legendaniquemg.wordpress.com/>
Fonte: Blog do artista XsJunior2
De acordo com o artista, Xsjunior, no ano de 2014 ele se comprometeu a fazer um desenho por dia e publicá-los nas redes sociais.3 Afirma que: Foi uma correria só em meu primeiro ano de faculdade, conciliar tudo na vida e ainda conseguir fazer um desenho por dia. Foi tenso, mas no final foi maravilhoso, só eu sei como foi recompensante para mim ter concluído isso, além do fato de conseguir um traço mais rápido e aprender cada vez mais no processo diário de se desenhar. 4”
Alguns grandes artistas já fizeram esse desafio, e muitos não conseguiram terminar o projeto, Junior batalhou e conseguiu fazer todos os 365 desenhos propostos. Isso foi um ponto positivo para aquarela, que é uma forma rápida de se conseguir um objetivo em um desenho como pintura, e nela ele se identifica e com a proposta que fez consigo mesmo, melhorou muito sua técnica de aquarela. Era bom acompanhar as postagens, e saber que viriam mais, mesmo sabendo que a qualquer momento ele poderia parar, a sua lealdade com suas promessas e principalmente consigo mesmo, não permitiram que deixasse de cumprir essa proposta.
Fonte: Blog do artista Xsjunior. Disponível em: <http://xsjunior.blogspot.com.br/> Acesso em: 20 junho 2015.
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Entrevista realizada com o artista Xsjunior, no dia 10.06.2015. (AUTOR)
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Busca com paciência Assim como Thiede, Doreen, escreve em Rezension zu Franz Hessels “Spazieren in Berlin”, 2004, que o tipo do flâneur (vem do flanar, vaguear) que passeia pelas ruas de Paris, observando as ruas, bares e gente. Assim é Junior, aliás Xsjunior, como ele assina suas obras, que vagueia pela ruas de Belo Horizonte sempre atento e observando as pessoas, detalhes de expressividade, movimentos corporal, cores e tudo mais que compõe o personagem. Inseparável do seu sketchbook que o acompanha aonde quer que vá, juntamente com seu estojo com pincéis, canetas e lápis, tira da rua, principalmente dos seres que cruzam seu olhar a essência do que há de mais puro e engraçado. Ligando acontecimentos, cenas, ele liga a técnica de desenho, com a técnica digital, se inspira em cartoons e patinadores, esporte que ele mesmo pratica, por exemplo. Assim a análise acurada de cada personagem de acordo com grandes patinadores mundialmente famosos o fez criar a série “Cartoon Rollers” que foi publicada no maior site de patins do mundo, o Roller News5. Fig. 02 Fabíola da Silva, She-Ra e She-Ra da Silva
Fonte: Blog do artista Xsjunior6 Rollernews: Disponível em: < http://www.rollernews.com/cartoon-gallery-by-xsjuniorbrazil_67417.html> Acesso em: 20 junho 2015. 6 Fonte: Blog do artista Xsjunior. Disponível em: <http://xsjunior.blogspot.com.br/> Acesso em: 20 junho 2015. 5
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“Essa série consiste em transformar uma grande paixão que são os patins numa forma de me expressar que é através dos desenhos” assim confirma Xsjunior (ano, página ou então rodapé com link em uma conversa/entrevista comigo). Repintando o cenário digitalmente ele reinventa o personagem de acordo com o patinador. A busca da personalidade e características que devem se completar, traz uma pesquisa árdua de fotos, temas, e análises da figura que vai compor a ilustração final. Nada é por acaso, cada personagem dos cartoons, representa um pouco da atitude do patinador na qual a manobra e imagem foram inspiradas. Ele pega referências de fotos de grandes patinadores mundialmente famosos e transforma-os em cartoons. Há um estudo complexo da paisagem que entra compondo o fundo do trabalho final, Xsjunior nos faz pensar que a vida pode ser cheia de fantasias, engraçada, por que não? Em cada transeunte está escondido um personagem de filme
e em cada filme se encontra um passante. Fig. 03: ilustração “Praça Afonso Arinos – Banco sujo”, por XsJunior Fonte: Blog do artista Xsjunior7
Fonte: Blog do artista Xsjunior. Disponível em: <http://xsjunior.blogspot.com.br/> Acesso em: 20 junho 2015.
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Ao esperar para ir para aula na Casa de Quadrinhos, desenhou a Praça Afonso Arinos, próximo à Rua da Bahia em Belo Horizonte-MG um desenho de perspectiva e observação, em frente ao famoso Banco Sujo, feito com caneta nanquim e marcador. Apesar de não gostar muito de ilustrar desenhos de casas, ruas, há nesta ilustração uma certa nostalgia de uma Boulevard, onde as galerias estão tímidas, e as pessoas recolhidas em cafés se escondendo do frio que paira no ar. No capitulo V. Baudelaire ou as ruas de Paris: “Tudo para mim se torna alegoria”, BENJAMIM, 1989, com Baudelaire, Paris se torna objeto da poesia, do alegórico, cheio de melancolia, com um olhar estranho, nem nacional e nem familiar, o flâneur se envolve com uma vida desconsolada da cidade grande. A solidão do ser que vagueia, sem se sentir em casa, porém busca um certo conforto na multidão. Ou o conforto na falta de pessoas, o estar consigo mesmo imaginando a rua deserta, procurando detalhes num entardecer, em um sol sem cuidados que ainda ilumina ruas com tantas casas, tantas sombras. Xsjunior capta esse momento de solidão, sem a precisão da fotografia ele ousa desenhar uma rua e a falta de pessoas, dando um ar de melancolia naquela rua que poderia estar abarrotada de pessoas, sentadas num bar, caminhando e conversando com outras. Ele se entrega à total paz deste momento, apesar de não gostar de desenhar paisagens. Vemos isso nas ilustrações de Xsjunior, Belo horizonte se torna poesia, as pessoas, ruas e acontecimentos não passam despercebidos, “... É o olhar do flâneur, cuja forma de vida envolve com um halo reconciliador a desconsolada forma de vida vindoura do homem da cidade grande” (BENJAMIM, 1989, p 39). Poesias na ponta do pincel: inquietude juvenil
Das Kunstwerk ist grundsätzlich immer reproduzierbar gewesen. Was Menschen gemacht hatten, das konnte immer von Menschen nachgemacht werden. Solche Nachbildung wurde auch ausgeübt von Schülern zur Übung in der Kunst, von Meistern zur Verbreitung der Werke. (THIEDE , 2004, p. 3)8.
A obra de arte, é em princípio, sempre reprodutível. O que o homem criou, pode ser imitado por outros homens. Esse copiar também já foi realizado por estudantes na prática de arte, a partir de grandes mestres para a difusão das obras. (Tradução da autora).
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Sendo assim não é surpresa que Junior busque referências não só nas ruas para suas ilustrações, mas também em revistas, como ele mesmo esclarece, “Poster of a girl” (Fig. 04), foi um dos mais simples, surgiu em uma noite em que buscava referências para se fazer um desenho que no final fosse contemporâneo, o desenho simples feito à caneta e tratado digitalmente ficou com esse clima meio de design artístico. ” Fig. 04: Ilustração do Poster of a Girl, por Xsjunior
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Fonte: Blog do artista Xsjunior9
Ele teve referência em um editorial de moda, reproduzindo assim uma obra já existente, recriando o ambiente dando a ele seu traço pessoal. Junior utiliza técnicas mistas como o desenho à mão com caneta nanquim e trabalha no computador com vários programas, por exemplo, Photoshop dando ênfase naquilo que acha propício. E lá está novamente o flâneur que vaga pelas ruas buscando referências, nesta ilustração, podemos viajar em nossas imaginações, e fantasiar que parece que mostra a noite de lua cheia, talvez, uma moça vagando pelas ruas, deixando o rastro do seu ser, respirando o ar da madrugada em busca de si mesma. “... Tal imagem é presentificada pela prostituta, que, em hipostática união, é vendedora e mercadoria. ” (BENJAMIM, 1989, p. 40). Alguém em busca de algo, um produto, ou será ela mesma o produto, uma modelo que vende seu corpo como um cabide para as grandes galerias das Boullevards, as mesmas galerias e ruas por onde passa nosso artista a captar a essência da beleza inquieta. O flâneur que se perde para se encontrar e finalmente encontrar aquilo que procura, anda pelos lugares como que entorpecido e isso propicia a possibilidade de ver as coisas deste modo peculiar, isso é o que tanto inquietou Walter Benjamim. E só nesta “intoxicação” é que é possível Xsjunior ver pessoas, objetos e lugares da qual se modificam aos seus olhos, tornando algo especial em seus desenhos e ilustrações. Dentro de casa, no quarto junto ao computador, ligado à internet que é o normal de hoje em dia, ou fora nas ruas, avenidas, galerias, praças e rios, ele faz o seu negócio, >esta explicado a seguir< o observar, criar modificar e realizar algo incrível. A rua se torna sua casa, e sua casa se torna o mundo. Seu mundo é virtual e palpável, não só pessoas ou bichos, mas também espíritos estão próximos do papel e da caneta nanquim. Ele procura imagens onde quer que estejam, como quer que sejam, ele da vida à vida dentro e fora do nosso mundo.
Portfólio do artista. Disponível em: <https://xsjunior.carbonmade.com/projects/4491651>. Acesso em: 20 junho 2015.
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Considerações Finais Com tantas modificações que ocorreram no século XIX, luz à gás, impressão, gráficas, tantas novas técnicas, as fotografias fazendo sucesso e o presente sendo impresso em papel sem precisar de horas de estudos de cor e composições, com os modelos presos a lugares, estáticos, isso tudo foi uma mudança profunda na vida das pessoas, e assim se formou o flâneur, que sem a luz à gás para iluminar seu caminho teria passado despercebido aos olhos dos poetas. Antigamente o artista tinha que estar no lugar para pintar, ilustrar aquilo que via, ou para qual era contratado. Com a fotografia tudo muda, no entanto há uma briga entre pintores e fotógrafos um enfatizando a qualidade das cores e o outro enfatizando a praticidade, qualidade, e a rapidez de uma imagem. E hoje é possível utilizar os dois, a técnica de fotografar para assim congelar a imagem desejada, desenhar e pintar na técnica desejada e depois como trabalho final pode-se utilizar programas como o Photoshop. “Tudo para mim se torna alegoria” (BAUDELAIRE, apud-BENJAMIM, 1989, p 38). Junior utiliza-se destas técnicas sem restrições e sem conflitos, e como pessoa conserva em si uma inquietude juvenil, um pouco criança, brincalhão ansioso e muito focado naquilo que se propôs a fazer, não se deixando levar a outros caminhos que não seja aonde colocou o seu objetivo, mesmo que isso signifique se perder no tempo e no lugar. Perfeccionista, está sempre treinando a cabeça e as mãos, sua inquietude se faz notar no andar rápido, no falar acelerado. Quase nada passa despercebido ao seu olhar, a sua curiosidade e determinação. Com vários trabalhos publicados ele cada vez mais se destaca como um artista de excelência, não se pode separar seus trabalhos que tem poesia e filosofia que estão impregnados nos seus traços. Uma filosofia sincera de vida, o flâneur que tanto encantou Walter Benjamim, um artista na multidão, e uma multidão de ideias dentro de Xsjunior, tudo para ele se torna arte, que nos encanta com sua perseverança e qualidade.
Referências Bibliográficas BENJAMIM, W. O lírico no auge do capitalismo. Editora Brasiliense, São Paulo, 1989, p. 30-43. Revista Legenda Quadrinhos. Escola de Design da UEMG. Belo Horizonte, vol. 3, n. 1, p. 39 – 48, 1º semestre/2016. ISSN 2447-2638. <https://legendaniquemg.wordpress.com/>
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BENJAMIM, W. Schriften. Editora Suhrkamp Verlag, v. 01, página 496, 1955. Disponivel em: < https://pt.wikiquote.org/wiki/Walter_Benjamin > Acesso em: 23 junho 2015. THIEDE, D. Der Flaneur im Walter Benjamims Berliner Kindheit um neunzehnhundert: Von der Figur zur Struktur. Berlim: Maikatze, 2004. Disponível em: < http://maikatze.de/inhalt/hausarbeiten.html > Acesso em: 23 junho 2015. THIEDE, D. Gesammelte schriften: Das Kunstwerk im Zeitalter seiner technischen Reproduzierbarkeit. Berlim: Maikatze, 2004. Disponível em: < http://maikatze.de/grafik/Flaneur.pdf > Acesso em: 23 junho 2015. < http://maikatze.de/inhalt/hausarbeiten.html > Acesso em 23 junho 2015.
Texto recebido: 02.07.2015. Texto aprovado: 28.12.2015
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Reflexões da modernidade com Rogério Coelho e Chrissy Lau: Mercado e Ilustrações
Frank Junio Soares Sabino1 Resumo Expandido O artigo presente é um breve estudo que aborda dois assuntos em épocas distintas, mas que são interligados de maneira reflexiva. A intenção é fazer uma relação do texto Paris, capital do século XIX de Walter Benjamin que propõem diversas reflexões, entre elas estão o consumo e a modernidade, com dois ilustradores; a inglesa Chrissy Lau, que transita no meio comercial com suas produções poéticas e diferenciadas, tendo-as direcionadas para o mercado publicitário, e o trabalho do ilustrador brasileiro Rogério Coelho, que possui produções voltadas para o público infantil. O século XIX, mais específico na França na cidade de Paris, constrói grande parte da análise trazendo de forma simples os estudos e as palavras do pensador alemão Walter Benjamin, no entanto, as ilustrações ganham densidade e fazem uma ponte com o pensamento benjaminiano sobre o mercado, consumo e modernidade que, mesmo no século atual, podem ser encarados e repensados através do século XIX. Ambos os artistas, por meio de comparações e reflexões feitas especificamente sobre suas ilustrações, recebem um olhar especial do pensador Benjamin, que se dá em contraponto com a contemporaneidade, o que nos direciona a uma ciência de nível artístico, possibilitando uma reflexão sobre as produções desses ilustradores e os comparando com produtos mercadológicos em um formato muito corriqueiro que envolve diversas plataformas midiáticas. Palavras chave: Ilustração, Walter Benjamin, Mercado, Modernidade. Estudante de Artes Visuais Licenciatura da Escola de Design UEMG - Universidade do Estado de Minas Gerais, Escola de Design, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Trabalho orientado pelos professores Eliane Meire Soares Raslan e André Borges da ED/UEMG. E-mail: <franksfran@yahoo.com.br> 1
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“Cada época sonha a seguinte” (Walter Benjamin)
Em meados do século XIX, Paris já havia sido palco de diversas revoluções. Nessa época a cidade burguesa afirma uma nova ordem espacial e redefine a natureza dos espaços privados e públicos. As ruelas medievais sinuosas e estreitas desapareceram e cederam lugar a amplos bulevares e áreas antigas foram demolidas para abrigar a nova Paris, que começava a emergir sendo marcada pela modernidade e pelo advento de novas tecnologias como as estradas de ferro, a fotografia etc. Por outro lado, Paris também é uma cidade do proletário e industrial onde as classes se misturam o que favorecia as trocas interpessoais. Considerando essas e outras características da época em Paris, Walter Benjamin faz uma reflexão com um espírito crítico no texto Paris, capital do século XIX, um documento que reúne recortes, esboços e futuros projetos, datados entre 1935 a 1939. “Cada época sonha a seguinte” afirma Benjamin (1991, p.32)2 e é a partir desse pressuposto que ele esboça a história póstuma do século XIX, procurando em fragmentos da época direções que o levarão a ser um profeta do século XX. Segundo Michetti (2009) em seu artigo sobre consumo e moda, as modernidades bem como o desenvolvimento do consumo são dependentes das transformações matérias e simbólicas em um contexto específico. Sobre esse contexto, o artigo presente será conduzido para uma reflexão entre a arte e o mercado, tendo como base o texto de Benjamim e um estudo baseado e referenciado em algumas ilustrações. Em seu texto, Walter Benjamim (1991 p. 36) diz que “Paris se afirma como a capital do luxo e da moda” e apesar da globalização, Paris ainda nos dias atuais, pode ser considerada um referencial na moda e em seu mercado. Além disso, Paris ainda foi um importante cenário das Exposições Mundiais, Galerias/Passagens analisados por Walter Benjamim como alegorias da modernidade e isso tudo contribuirá para Texto Paris, capital do século XIX. “Chaque époque rêve la suivant”. A afirmação é retomada de Michelet.
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alavancar o consumo. No desenvolver deste artigo, além de passarmos pelo texto de Benjamin analisando um pouco de sua reflexão sobre esse assunto, também falaremos de dois ilustradores que podem nos mostrar através de seus trabalhos uma relação de suas produções com o texto do pensador alemão. Rogério Coelho e Chrissy Lau Para introduzir os artistas vamos começar apresentando alguns de seus trabalhos. Abaixo vamos conhecer um pouco sobre Rogério Coelho e sua transição no mundo da arte e do mercado. Figuras 01: Ilustração do livro “O barco do sonhos”, por Rogério Coelho
Rogério Coelho nasceu em Curitiba, Paraná. Ele atua como ilustrador desde 1997. Rogério já ilustrou diversos livros didáticos, revistas, cartazes, alguns aplicativos para ipod e até cenários para jogos. Ele vem recebendo alguns prêmios e já participou de diversas exposições, como “Ilustrando em Revista”, promovida pela editora Abril e recebeu o prêmio Jabuti em 2012, como autor na categoria livro Revista Legenda Quadrinhos. Escola de Design da UEMG. Belo Horizonte, vol. 3, n. 1, p. 49 – 59, 1º semestre/2016. ISSN 2447-2638. <https://legendaniquemg.wordpress.com/>
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didático e paradidático. Além disso, Rogério já foi finalista no prêmio Abril de jornalismo, categoria ilustração em 2011. Os desenhos de Rogério possuem características que dão identidade para suas produções, como o uso das cores e a relação que elas possuem com o movimento de algumas de suas ilustrações. As formas e os preenchimentos feitos pelo ilustrador são delicados, simples, e isso facilita a transmissão de algumas histórias que Rogério ilustra para o público infantil.
Figuras 02: Ilustração do livro “O barco dos sonhos”, por Rogério Coelho
Figuras 03: Ilustração do livro “O barco dos sonhos”, por Rogério Coelho
Fonte: Blog do artista brasileiro Rogério Coelho 3
Blog do artista brasileiro Rogério Coelho. Disponível em: <http://rogeriocoelhoilustrador.blogspot.com.br/> Acesso em: 29 junho 2015.
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Rogério tem uma ampla produção de ilustrações para livros, como o livro lançado em 2009, “O gato e a árvore”, sendo uma coleção de 14 títulos – Mundo Leitor-Linhas da Vida – que ganhou o prêmio Jabuti em 2012, ou o “O barco do sonhos” (fig. 01-03). É possível perceber em suas ilustrações traços pessoais e singulares. O trabalho de Rogério, assim como de muitos ilustradores, se relaciona com o texto Paris, capital do século XIX, pois Walter Benjamin faz algumas menções sobre quando a arte é direcionada ao mundo mercadológico. Mesmo anterior ao século XIX, a arte se assenta como uma mercadoria, que no caso do nosso artista, são os livros que ele ilustra. E em relação a isso Benjamin expressa alguns pensamentos da época que encaixam perfeitamente nos dias de hoje sem causar estranhamentos. Benjamin afirma que “as criações da fantasia se preparam para se tornarem práticas enquanto criação publicitária. [..] a poesia se submete à montagem. Todos esses produtos estão a ponto de serem encaminhados ao mercado enquanto mercadorias (BENJAMIN, 1991, p.43).” e essa relação com o mercado/mercadoria não está apenas nos livros que são comercializados junto com as ilustrações de Rogério, mas a própria ilustração que pode ser tratada como poesia e ao mesmo tempo como mercadoria. Já a nossa segunda artista não tem seu foco voltado para ilustrações de livros, mas seu trabalho já recebeu vários olhares, e isso resultou em diversas demandas de ilustrações. Mesmo sendo formada em direito, Chrissy Lau, nossa ilustradora, trabalha há mais de onze anos na criação de desenhos e construiu parte de sua história trabalhando em um centro cultural na cidade em que mora atualmente, Sydney. Chrissy nasceu na Inglaterra, porém, seus pais vieram da China. Os traços delicados de Chrissy já foram reconhecidos mundialmente e sua herança chinesa é sempre distinguida imediatamente após o contado com seus desenhos de linhas delicadas e os cabelos marcantes que suas ilustrações recebem. Mas, enfim, o que de tão importante tem essa ilustradora? O que chama a atenção nas produções de Chrissy não são apenas os seus lindos traços ou a perfeição com que ela os desenvolve, mas sim a possibilidade de fazer uma ponte entre o desenho e o mercado de consumo. Chrissy Lau possui em seu portfólio dezenas de ilustrações narrando um ou mais temas específicos e, geralmente, são peças produzidas com o objetivo de serem comercializadas. Em seu próprio site, Chrissy não menciona nada referente a isso, Revista Legenda Quadrinhos. Escola de Design da UEMG. Belo Horizonte, vol. 3, n. 1, p. 49 – 59, 1º semestre/2016. ISSN 2447-2638. <https://legendaniquemg.wordpress.com/>
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porém, apenas olhando seus desenhos e as plataformas para qual eles foram direcionados podemos entender o porquê de ser ela um dos ilustradores escolhidos para este artigo. Em 2013 Chrissy trabalhou para Samsung, empresa conhecida mundialmente no ramo de equipamentos eletrônicos, ela também já fez muitos outros trabalhos para revistas famosas e sites que utilizaram de suas ilustrações para a divulgação de produtos e eventos. Em suas ilustrações, muitas das vezes, Chrissy faz representações de mulheres usando diferentes trajes e em contextos distintos. Ela não dá muita importância para o cenário e, geralmente, as mulheres em seus desenhos tomam o foco principal. Apesar de ser jovem, Chrissy já possui grandes trabalhos como ilustradora. A seguir podemos conferir alguns dos seus trabalhos de mais destaque. Fig.04: Ilustração de Crissy Lau.
Fonte: Chrissy Lau4
Essa ilustração (fig. 4) estampou a publicidade para o lançamento de um aparelho celular da Samsung. Segundo a ilustradora, esse trabalho em específico tem grande influência da natureza e representa através das “padronagens” duas senhoras. As ilustrações de Chrissy caminham entre o real – figurativo –, e surreal, que perpassa Fonte: Chrissylau. Disponível em: <http://www.chrissylau.com/samsung.php> Aceso em: 29 junho 2015. 4
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em um universo onírico. Esse tipo de criação está presente no texto de Benjamin, Paris, capital do século XIX. Segundo o autor alemão, em meados do século XIX em Paris a arte começa a tomar um novo rumo e “o início disso é dado pela arquitetura enquanto construção de engenheiro. Em seguida, vem à fotografia enquanto reprodução da natureza.” (Benjamin, 1991, p.43). Benjamim completa o seu raciocínio voltando o pensamento para uma discussão sobre o uso de uma criação e sua atuação enquanto mercadoria. As criações da fantasia se preparam para se tornarem práticas enquanto criação publicitária. Com o folhetim, a poesia se submete à montagem. Todos esses produtos estão a ponto de serem encaminhados ao mercado enquanto mercadorias. (BENJAMIN, 1991, p.43) Sem dúvida, a ilustradora Chrissy Lau, com toda poesia em seus traços e suas ideias lúdicas, pode transitar facilmente entre a arte e a mercadoria, o objeto de mercado. Chrissy possui em seu portfólio diversos trabalhos, todos dignos de uma exposição em alguma galeria de arte, mas a ilustradora caminha unicamente para a área da publicidade, a área comercial, ou seja, as produções poéticas de Chrissy e suas ideias tornam-se uma espécie de mercadoria. Abaixo, vamos conhecer mais do trabalho dessa ilustradora e acompanhar algumas de suas produções feitas, exclusivamente, para o universo publicitário. Fig.05 e 06: Ilustração de Crissy Lau.
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Fonte: Chrissylau. 5
Esse trabalho de Chrissy foi desenvolvido para uma revista de circulação mundial, a Men´s Health. Os responsáveis pela publicidade e pelas matérias da revista propuseram para a artista a criação de uma tipografia para um editorial chamado “Breathe Better”. (fig.05 e 06) A ideia era a confecção dessa tipografia de forma estilosa, atual e que fizesse uma ligação direta com os brônquios delicados dos pulmões. E quando se refere a traços delicados as ilustrações de Chrissy são adequadas e indicadas. Segundo Benjamin (1991 p.31) a arte põe-se a serviço do comerciante e isso fica claro nos trabalhos de Chrissy, quando ela se submete a fazer criações específicas e adequadas voltando-as para as exigências do mercado. Os trabalhos dessa ilustradora tomam a importância de informar e comunicar, longe de se tornar um objeto de alienação ou manipulação, e sim funcional. Chrissy também se preocupa muito com o acabamento de seus desenhos e, como eles possuem caráter publicitário e, em sua maioria, são vendidos como mercadorias, essa preocupação é extremamente válida. Em alguns pontos do texto de Benjamin podemos entender que a modernidade se ergue sobre o substrato material, porém, de formação cultural e de acordo com suas limitações da época. Sendo assim, ocorre a conexão entre o imaginário e a mercadoria, a inutilidade e utilidade, que tratamos aqui especificamente com relação à ilustração e o mercado e é um fato que à medida que o tempo passa, a sociedade se industrializa mais, e com isso surgem novas formas de mercado e imposições nesse meio, daí vem à necessidade e a preocupação não só de Chrissy, que atua nesse ramo, mas todos os seus concorrentes de sofisticarem suas produções, as tornando sedutoras para esse mercado seletivo. Seguem abaixo algumas outras ilustrações de Chrissy Lau, que foram produzidas com a intenção de serem peças publicitárias. Fig.07-10: Ilustração de Crissy Lau.
Fonte: Chrissylau. Disponível em: <http://www.chrissylau.com/samsung.php>; <http://www.chrissylau.com/menshealth.php> Aceso em: 29 junho 2015. 5
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Fonte: Chrissy Lau.6
As ilustrações a cima (fig. 07-08) foram desenvolvidas para a revista Women’s Weekly. A ilustradora criou um editorial para a coluna de horóscopos. Já as imagens seguintes (fig. 09-10) Chrissy desenvolveu para estampar alguns guias turísticos de sua cidade, não deixando de lado seu estilo e combinando seu traço com ideias de uma vida urbana contemporânea. Esses guias continham informativos sobre, moda, design, alimentos e informações selecionadas sobre galerias, cafés, bares e restaurantes. Essas ilustrações (fig. 11-12) também fizeram parte de um editorial para a “Filmme Fatales”, um informativo local sobre filmes e feminismo. Por último, vamos conferir uma ilustração que foi inspirada em elementos da natureza feita exclusivamente para estampar pranchas de surf (fig. 13) que são comercializadas na cidade de Sydney. O trabalho de Chrissy Lau certamente não se limita apenas às ilustrações mostradas, porém, é possível compreender e se familiarizar com seus traços por meio dos desenhos aqui impressos. Acredito que Chrissy possua dentro do seu repertório de ilustrações formas variadas de expressar elementos não apenas do seu contexto, mas de forma contemporânea e abrangente. É fácil admirar os trabalhos dessa ilustradora e se encantar por eles, pois Chrissy possui uma identidade em seus desenhos e mesmo considerando suas produções produtos para o mercado não podemos ignorar a singularidade com que ela cria. Sobre as reflexões feitas a respeito do trabalho da ilustradora com base no texto Paris, capital do século XIX de Walter Benjamin, abriu-se espaço para 6 Fonte: Chrissy Lau. Disponível em: <http://www.chrissylau.com/womens-weekly.php> Acesso em: 20 junho 2015.
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entendermos um pouco sobre o mercado da época na França na cidade de Paris e relacionar esse assunto que, continua atual e, certamente, pode ser contextualizado em outras regiões, com produções artísticas que, desde a fundação da nova Paris, vem se tornando peças ou produtos para comercialização. Considerações Finais Para criação de sua arte, Chrissy utiliza lápis, borracha, caneta e, às vezes, respingos de tinta colorida. Ela faz alterações e incrementos como, adicionar cores ou formas usando algum programa de edição de imagem. Em seu site ela diz que, ocasionalmente, também cria desenhos vetorizados, mas tem prazer na criação de ilustrações à mão livre. Já Rogério não nos especifica muito de sua técnica, mas diz7 fazer uso de softwares e argumenta explicando que trabalhar digitalmente permite um controle maior sobre seus desenhos, o que lhe instiga mais criatividade. Mesmo Rogério apreciando suas ilustrações digitais, assim como Chrissy, ele não abre mão das criações manuais e admira o domínio sobre tintas, lápis, giz. Buscando os ilustradores, Rogério Coelho e Chrissy Lau, podemos afirmar, através das ideias de Benjamin citadas no percurso desse texto, que os dois ilustradores já possuem um lugar no mundo da arte e do mercado. Mesmo não sendo artistas com foco em exposições ou trabalhos puramente artísticos, foi possível observar ao longo do artigo que ambos transitam por esse meio mercadológico das artes sem empecilhos e que, por consequência, seus trabalhos, circulam por diversas mídias, tornando-os, de certa forma, expositores. Outro detalhe é a aceitação da contemporaneidade em acolher formatos distintos de produções com a arte. No século XIX muitas tecnologias que envolvem mídias ainda não eram como as de hoje, mas comparando as mídias atuais com as do passado, os formatos para que um produto artístico receba reconhecimento são muitos e, até mesmo, os críticos de arte têm outro pensamento a respeito disso. A proposta desse artigo não foi apenas abordar questões sobre esse ambiente de criação e de mercado, mas também de levantar reflexões sobre a junção dos 7 Fonte: <http://rascunho.gazetadopovo.com.br/curiosidade-movida-a-lapis-e-papel/> Acesso em: 01 Junho 2015.
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mesmos de forma harmônica e sem conflitos. Chrissy e Rogério provam com seus trabalhos e suas relações com o mundo mercadológico em que transitam que é possível haver uma harmonia entre esses dois mundos, que, atualmente, vem se encontrando e que o desenvolvimento de peças e obras artísticas podem ser dignas de apreciação ou comercialização e que mesmo sendo considerados produtos de mercado, essas ilustrações carregam críticas e possuem identidade, são produzidas com direcionamentos, mas cada uma com sua própria singularidade. Referências Bibliográficas BENJAMIN, Walter. Paris, A Capital do século XIX: Exposé de 1935. (Org) Flávio R. Kothe. Coordenador Florestan Fernandes., 2º edição. São Paulo: Editora Ática, p. 30-43, 1991 MICHETTI, M. Capítulos da modernidade: moda e consumo na Paris do século XIX. São Paulo: Revista Proa, v.1, n.1, 2009. Disponível em: <http://www.ifch.unicamp.br/proa/pdfs/Miqueli%20Michetti%20-%2009.pdf>. Acesso em 08 mai. 2015.
Texto recebido: 02.07.2015. Texto aprovado: 10.11.2015
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Flâneur brasileiro Rogério Fernandes: Contando histórias fantásticas em todas as superfícies possíveis. Mariana Cherubino Silveira1
Resumo O artigo pretende traçar um paralelo entre a obra do artista plástico, designer e ilustrador Rogério Fernandes e os conceitos abordados na década de 30 pelo filósofo, sociólogo e crítico alemão, Walter Benjamin. Os conceitos em questão são a figura do flâneur - suas implicações e possibilidades de retorno nos dias atuais – e a ideia da obra de arte na era da reprodutibilidade técnica. Palavras-chave: Flâneur; reprodutibilidade técnica; ilustrador Rogério Fernandes; Walter Benjamin.
Introdução
Rogério Fernandes2, enquanto artista e não menos enquanto indivíduo foi concebido dentro de um caldeirão cultural. Nascido em Guadalupe, no estado do Piauí, se considera ligado à arte de maneira quase que embrionária. Desde a infância, a arte estava presente em todo o tempo, mesclada ao cotidiano, servida com o bolo de macaxeira ou com a pamonha, junto da família e dos amigos: músicos, artesãos, rendeiras, bordadeiras, cordelistas, sanfoneiros – uma infinidade de artistas nordestinos. Assim, cercado pela pluralidade de influências culturais do nordeste do
Estudante de Artes Visuais Licenciatura da Escola de Design UEMG - Universidade do Estado de Minas Gerais, Escola de Design, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Trabalho orientado pelos professores Eliane Meire Soares Raslan e André Borges da ED/UEMG. E-mail: trabalhomariana@gmail.com 2 Rogério Fernandes. Disponível em: < http://rogeriofernandes.com.br>. Acesso em 20 de mai. 2015. 1
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Brasil, Rogério Fernandes3 bebia, sem perceber, em fonte de extrema riqueza. Para Rogério Fernandes4: Lá as pessoas fazem arte sem se dar conta do que fazem. Fazem, apenas, por ter de fazer e pronto. Nas feiras onde se vende de tudo, como a de Caruaru, de Juazeiro e a de Petrolina, nas rendas de Fortaleza, nos crochês do Maranhão, nos cordéis de Pernambuco, tudo é muito religioso, mítico e místico. Meu trabalho é muito inspirado também no universo das lendas brasileiras dos índios e escravos negros. Isso, é claro, me foi dado de presente pelos meus pais. E eu, ainda criança, ávido por fantasia e imaginação começava a desenhar os primeiros rabiscos sem saber muito bem pra quê. Cresci assim, cheio de referências e sem saber que as tinha.
Rogério saiu do Piauí ainda na infância e veio para Belo Horizonte com os pais e irmãos. Seu pai era engenheiro e as obras em diferentes lugares obrigavam à família a se deslocar com muita frequência; moraram inclusive na África do Sul, no Iraque e na Arábia Saudita. O retorno se deu para Minas Gerais e aqui ele iniciou sua formação. O artista conta que, quando ainda era uma criança, a “tela” era qualquer coisa: caixa de sapato, brinquedos de madeira, objetos diversos. Esse processo de múltiplos suportes que se manifestava na infância retornou após a formação acadêmica. Ele afirma que na Universidade, os mestres determinam o suporte para a técnica ensinada, limitando o fazer artístico. Em seu processo de experimentação e descoberta de estilo próprio, retomou a pluralidade dos suportes e diz que não existe preferência por uma ou outra superfície, afirma Rogério Fernandes5: Posso usar caneta Bic, pincel atômico, pincel virtual, tinta, tinta virtual. Não importa, desde que o resultado seja coerente com o que imaginei. (ROGÉRIO FERNANDES) Confesso que não tenho preferência por uma ou outra superfície. Gosto de me expressar, seja pintando muros, espaços internos de residências, fachadas inteiras de prédios, assim como posso colocar minha arte no papel, na tela, na chapa de metal, na madeira ou na cerâmica.
Rogério Fernandes é graduado em Programação Visual pela Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) e em Belas Artes, pela Escola Guignard. Ainda adolescente e bem antes da formação universitária, trabalhou em agências de Fonte: Facebook de Rogério Fernandes. Disponível em: <www.facebook.com/RogerioFernandesAtelier?fref=ts> Acesso em: 20 junho 2015. 4 Rogério Fernandes. Disponível em: < http://rogeriofernandes.com.br>. Acesso em 20 de mai. 2015. 5 Rogério Fernandes. Disponível em: < http://rogeriofernandes.com.br>. Acesso em 20 de mai. 2015. 3
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publicidade e propaganda como ilustrador; foi através dessa experiência que ele encontrou seu caminho que daria nas artes plásticas. Já formado, Rogério se mudou para São Paulo e de lá foi para Londres, onde se especializou em Ilustrações e Gravuras, pela Central Saint Martins. Retornou para São Paulo, onde conheceu sua esposa Tereza, e voltou para Minas, onde está fixado há 13 anos e formou uma família. Rogério fincou raízes em Belo Horizonte, cidade onde reside e mantém sua galeria própria e ateliê. Possui também uma segunda galeria e ateliê em Miami. Seu trabalho tem projeção nacional e internacional, com exposições em grandes cidades do mundo como Miami, Nova York, Madri, Londres e Buenos Aires. Rogério Fernandes é considerado um artista de peso no mercado mineiro, com pouco mais de uma década de trajetória no ramo das artes e possui uma obra inconfundível. Outro forte segmento da arte de Rogério Fernandes está na Street Art que, segundo ele, já representa 50% da ocupação do seu tempo produtivo. Além de intensa participação em festivais da modalidade e bienais, Rogério deixa sua marca de brasilidade em vários pontos das cidades do Brasil - e por que não dizer do mundo - já que começa a realizar projetos internacionais como foi o caso da obra realizada em Minsk, capital da Bielorrússia, no festival de arte urbana Vulica Brasil. Sob temperatura de cinco graus negativos, Rogério pintou a parede de um prédio de seis andares. Fig. 01: Street Art – Festival Vulica Brasil
Fonte: Tumblr6 Fonte: Tumblr. Disponível em: <www.tumblr.com/search/street%20art%20in%20belarus> Acesso em: 20 junho 2015.
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Rogério conta que sua relação com a arte de rua é extremamente prazerosa; se apaixonou pelo trabalho nas ruas e a cada projeto se aperfeiçoa e gosta mais. Ele explica que é um artista de formação tradicional - voltada para a galeria e revela que essa restrição foi sempre um de seus importantes questionamentos, no que diz respeito ao alcance da arte. Fala também da sua intimidade prévia com superfícies bem amplas, conta que telas e painéis de grandes proporções já eram uma constante no seu trabalho e que o convite para realizar a arte em muros e paredões deixou foi uma enorme satisfação. Artista de ritmo frenético, ele afirma que escolhe ideias, de tantas que tem. Tem intensa produção - às vezes duas telas diárias – e a criatividade acabou por transbordar essas telas e alcançar muros, tapumes, fachadas de prédios, acessórios diversos, produtos de design, ilustrações editoriais, gravuras, enfim, uma infinidade de suportes. “Produzir, produzir e reproduzir sempre, e ser cada vez mais livre.” Essa é uma das frases mais marcantes do artista, e nos coloca em franca reflexão. A partir desse universo produtivo ansiado e vivenciado por ele, traçamos um paralelo com a obra do crítico alemão, filósofo e sociólogo Walter Benjamin, quando ele trata da obra de arte na era industrial e plasmada aos avanços tecnológicos que a conduziram para o status de serial. A partir da observação da arte feita por Rogério, replicada através de inúmeros exemplares, nos colocamos diante da análise da arte na era da Reprodutibilidade Técnica. A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica foi um ensaio publicado em 1936 e, posteriormente, em 1955 por Walter Benjamin. Nesse ensaio, ele discute a relação entre a arte e a sociedade, mergulhadas no capitalismo e diante do grande desenvolvimento tecnológico da época. Benjamin questiona, a partir da era industrial, o status da arte. De acordo com o autor, com o advento da era industrial, o status da arte é abalado em virtude das técnicas de reprodução. A obra se torna valiosa não apenas pela sua significação, mas também pelo seu valor de mercado. O espectador, de contemplador passa a consumidor. No momento em que as massas começam a consumir o objeto artístico, o autor se torna um produtor assim como um operário. Deste modo, a arte não pode mais ser tratada como era antes. A questão, portanto, não está na reprodução e, sim, na modalidade de reproduzir em série, tornando complicada a distinção entre original e cópia. O sentido autêntico e de singularidade do objeto artístico se dessacraliza, perdendo o valor de culto e ganhando infinitos lugares e contextos da sua reprodução. (SANTIAGO, 2004, p. 114-115) Revista Legenda Quadrinhos. Escola de Design da UEMG. Belo Horizonte, vol. 3, n. 1, p. 60 – 74, 1º semestre/2016. ISSN 2447-2638. <https://legendaniquemg.wordpress.com/>
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Para Benjamin (1987), a reprodutibilidade das obras trouxe a vantagem da acessibilidade. Antes dela, a arte só era acessível a uma elite minoritária e agora a convivência com as obras se dava no cotidiano da maior parte da população. Este benefício visto por Benjamin era contestado por seu contemporâneo e também filósofo, sociólogo, musicólogo e compositor alemão Theodor W. Adorno7. Adorno não via proveito na reprodutibilidade. Sob seu ponto de vista, a cultura tornou-se instrumento de dominação do sistema e a arte passou a ser mercadoria padronizada. Apesar do reconhecimento da vantagem do acesso, Walter Benjamin (1987) não deixa de frisar que mesmo na reprodução mais perfeita, um elemento está ausente: “o aqui e agora da obra de arte” (p. 167), sua existência única, no lugar em que ela se encontra. Segundo o filósofo, com a reprodução da obra de arte e com o advento de sua existência serial, esta perdia sua aura, o halo de sacralidade que simbolicamente a circundava, um princípio místico – mítico – mágico – religioso, seu valor de única no tempo e no espaço, findando, com isso, seu caráter de importância e valor. O conceito da reprodutibilidade teve seu início com a xilogravura, técnica de origem chinesa conhecida desde o século VI. No ocidente, temos registros de sua utilização já na Idade Média. No final do século XVIII, a técnica aprimorou-se de forma que se tornou possível a produção em massa de imagens pictóricas, o que representou uma revolução na fabricação dos livros ilustrados. Em seguida, observamos a reprodutibilidade em franco avanço através da litogravura, da fotografia e do cinema. O artista Rogério Fernandes tem forte ligação com a xilogravura. Enquanto nordestino e contador da própria história e a de seu povo, seus traços são fortemente inspirados na xilogravura nordestina e nos cordéis. A essas referências, somou cores fortes e vibrantes. Utiliza muitas técnicas, tendo na serigrafia uma das principais. Rogério aprofundou-se em gravura, tanto no Brasil quanto em Londres e considera a questão da reprodução “quase uma obsessão”. Para Rogério Fernandes8: A questão da reprodução é quase uma obsessão para mim. Ela é conceitual no meu trabalho. Tanto pode ganhar as paredes, quanto produtos de casa, decoração e moda. Quanto mais reproduzível para mim, melhor, bem ABREU, W. C. Benjamin e Adorno: um debate sobre a arte no século XX. Disponível em: <www.gewebe.com.br/pdf/cad11/wesley.pdf>. Acesso em 21 de mai. 2015. 8 Rogério Fernandes. Disponível em: < http://rogeriofernandes.com.br>. Acesso em 20 de mai. 2015. 7
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democrático, acessível. O que eu quero é produzir, produzir e reproduzir sempre e ser cada vez mais livre.”
Rogério morou fora do país e conta que na volta ao Brasil, pensava em retomar sua carreira artística apenas como gravurista. Ele explica que essa intenção tinha raízes na percepção da ligação da gravura com o design, enquanto reprodução da obra através de uma estrutura serial, com consequente barateamento no preço da mesma. Na sua fala, deixa também clara a ideia da importância do acesso das pessoas à arte. Isso se revela com muita intensidade na sua maneira de lidar com o suporte artístico. Como já foi dito anteriormente, ele afirma que na academia, encontrou barreiras no que diz respeito à obrigatoriedade e/ou direcionamento de se usar uma técnica para determinado suporte; diz que fora dos moldes e restrições acadêmicas, isso se flexibilizou e que seu universo de possibilidades se ampliou de forma considerável. Rogério aplica sua arte através de múltiplas técnicas e em uma infinidade de suportes. Telas, canecas, acessórios de moda, roupas, revistas, livros, meios digitais, muros, esculturas, eletrodomésticos; não existem limites para o seu fazer artístico. Essa liberdade de criação de Rogério Fernandes nos faz construir uma associação com os ideais de Arte e Vida, propostos pelos artistas vinculados às correntes dadaístas e ao grupo Fluxus, em meados da década de 60. Vinte e poucos anos após a morte de Walter Benjamin, o mundo se deparava com esse grupo de artistas que, entre outros objetivos, ansiavam pelo fim da arte trancafiada dentro dos museus e galerias e pela liberdade artística para a escolha do suporte. O artista fala ainda da liberdade criativa infantil, do potencial das crianças proveniente do não adestramento para as regras e imposições que naturalmente chegam e tolhem a criatividade. Ele conta que se exercita nessa liberdade, na permissão para criar livremente, podendo trazer à tona a ausência do nexo, a liberdade total do imaginário. Rogério reproduz suas obras e as vende dentro e fora da galeria. Através do seu site, a arte enche os olhos e se convida para entrar no cotidiano das pessoas. Sua temática gira em torno de seres fantásticos como anjos e sereias. Misturando criaturas das lendas indígenas e negras, aprendidas na infância, com personagens reais, ele cria um ambiente surreal. Em suas obras, podemos reconhecer personalidades nacionais e internacionais como Guimarães Rosa, Machado de Assis, Lampião e Maria Bonita, Coco Chanel, Shakespeare, Beatles, Picasso, entre outros.
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Fig. 02: Cadernos de bolso, por Rogério Fernandes
Fig. 03: Canecas de cerâmica – Sereia Alada, por Rogério Fernandes
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Fig. 04: Luminárias – Casais Inesperados, por Rogério Fernandes
Fonte: Site Oficial de Rogério Fernandes9
Outra abordagem que relaciona Rogério Fernandes e Walter Benjamin é a análise da figura emblemática do flâneur. Em 1929, onze anos antes da morte de Benjamin, este escreveu uma resenha intitulada “O retorno do flâneur”, a partir do livro Passear em Berlim, de autoria de seu amigo Franz Hessel. O conceito do personagem criado por Baudelaire no início do século XIX foi amplamente tratado por Benjamin em sua obra; o flâneur enquanto observador da vida urbana, o que “passava o tempo”, vagando despreocupadamente em total descompasso com o citadino que a todo tempo lutava contra o relógio. Alguém que praticava o “caminhar,
Fonte: Site Oficial de Rogério Fernandes. Disponível em: <www.rogeriofernandes.com.br> Acesso em: 20 junho 2015. 9
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observar e imaginar”, embebedando-se e absorvendo a realidade das cidades modernas10. No entanto, desde antes da década de 30, Benjamin pensava a figura do flâneur a partir da perspectiva de sua decadência, assim como refletia sobre sua possibilidade de retorno. Segundo Benjamin, o retorno do flâneur não se daria através da reconstituição tal e qual, mas sim através de um gênero literário, uma narrativa, uma história contada por alguém que vivenciou e agora expressa a sua memória. Temos essa perspectiva através de quem relata, por exemplo, sua terra natal, ou a terra de sua infância, de forma subjetiva, pessoal, emocional, com detalhes que só um flâneur alcançaria. Segundo Chaves (2013), Walter Benjamin considerava que o retorno do flâneur seria possível através de uma expressão artística. Podemos considerar então que Rogério Fernandes atua como um flâneur nessa nova forma de narrativa? Suas memórias nordestinas, mescladas às de quem já viu o mundo, estão pelas ruas, Rogério Fernandes pode sim ser considerado o flâneur que narra que conta a sua história através da arte. Seu graffiti é uma forma de narrativa urbana do que vivenciou, do que viu, ouviu do imaginário infantil que permaneceu e que agora passou pelo filtro do adulto. Novamente podemos construir uma associação com o pensamento de Walter Benjamin, que afirmava que a memória não é apenas um relato, mas sim uma reconstrução. O artista adulto narra a infância, conta sua história a partir de novos filtros, de outras vivências. A memória então ganha complexidade11. Rogério representa esse flâneur que narra imageticamente sua terra natal. Seu traço de inspiração cordelista, suas cores vibrantes e seu universo fantástico proporcionam ao espectador um mergulho no nordeste do país. Em um de seus relatos, ele nos apresenta uma intermidialidade da música com a literatura, contando que ganhou do pai uma revista de cordel, intitulada “A carta de Roberto ao Diabo”,
GUERREIRO, A. A difícil arte de passear. Revista Semear, 2002: 6. Disponível em: < http://www.letras.puc-rio.br/unidades&nucleos/catedra/revista/6Sem_19.html>. Acesso em 20 de mai. 2015. 11 RODRIGUES, B. C.; CRIPPA, G. Arte e tecnologia: da ideia de reprodução técnica de Walter Benjamin às propostas de Museu Virtual. Configurações [Online}, 8 | 2011, posto online no dia 21 Fevereiro 2013. Disponível em: http://configuracoes.revues.org/776. Acesso em 20 de jun. 2015 10
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onde era clara a referência à música “Quero que vá tudo pro inferno”. Ele fala então sobre o seu encantamento, afirma Rogério Fernandes12: No cordel o diabo dizia por Roberto parar de pegar a música dele. Eu já gostava e escutava Roberto Carlos na época da Jovem Guarda. Quando misturou com cordel... demônio, eu vi que tudo era possível. Eu descobri que era possível juntar um demônio com um santo, com cavalo, com foguete, com monstro, com tudo, tudo valia!
Ainda segundo Chaves, Walter Benjamin distingue no livro de Hessel, duas qualidades de descrição de cidades, duas formas de contar uma história, a do narrador e a do que descreve. Existe para Walter Benjamin uma significativa diferença entre descrição e narração. Em detrimento da descrição realista, Benjamin valoriza a narração e para ele existe um nexo entre narração e memória, além do valor que atribui à preocupação com os detalhes e com o que passa despercebido ao olhar rotineiro. “A atividade de narrar está no mesmo compasso, ou melhor, no mesmo descompasso do andar do flâneur.” (CHAVES, 2013)13 Chaves explica que o livro de Hessel aparece assim como um modelo para essa atividade, uma imagem desse descompasso, na medida em que “ele não nos devolve nem a Berlim do cartão postal, nem a Berlim dos relatórios oficiais, mas uma cidade construída por um outro olhar, o olhar de um aprendiz” (CHAVES, 2013). Isso se converte numa forma de memorialística de apresentar algum lugar ou vivência, e podemos dizer que a street art realizada por Rogério Fernandes conta o Nordeste, conta a sua infância, sua cultura; nos fazendo lembrar que pertencemos também a esse caldeirão cultural de um país de dimensões continentais. Seus desenhos nos muros da cidade e mesmo nos objetos e impressos que recebem suas ilustrações são uma forma de flaneury composta por memória e arte. Uma nova narrativa urbana. Entre sereias, santos e anjos, mandacarus, animais, caveiras, corações e através da forte presença da figura feminina em suas obras, ele relata artisticamente a história nordestina cruzada com sua própria história. Soma o Nordeste e sua pluralidade cultural às figuras atuais e relacionadas ao seu referencial artístico e acadêmico como Coco Chanel, Frida Kalo, Picasso e Guimarães Rosa: figuras consagradas no mundo da arte e que se fundem de alguma forma ao cotidiano do Rogério Fernandes. Disponível em: < http://rogeriofernandes.com.br>. Acesso em 20 de mai. 2015. Fonte: CHAVES, E. Palestra “Walter Benjamin e a fotografia de cidades.” Belém: Universidade da Amazônia, Unama, 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=NHSqryvgwb8>. Acesso em: 12 maio 2015.
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Nordeste e ao traço de inspiração cordelista, como no encontro de Frida, Maria Bonita e Chanel. Fig. 05: Gravura - As chagas de Maria Bonita, por Rogério Fernandes
Fonte: Site Oficial de Rogério Fernandes14
Podemos dizer então que Rogério Fernandes segue contando histórias através de gravuras e ilustrações, muros do mundo marcados com sua referência maior, que é a cultura do lugar onde nasceu mesclada à sua imaginação e seu universo atual. 14
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Fig. 06: Street Art – Food Truck Pizzaperitivo, por Rogério Fernandes
Fonte: Site Oficial de Rogério Fernandes15 Fig. 07: Street Art – Projeto “Tapume com arte”
Fonte: Jornal Estado de Minas16 15
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Fig. 08: Street Art – Virada Cultural, SP - 2011
Fonte: Site Oficial de Rogério Fernandes17
Ainda refletindo sobre a figura do flâneur, podemos colocar o artista dentro da perspectiva atualizada do que seria um flâneur na cidade de Belo Horizonte, nos dias de hoje. Rogério conta suas experiências de menino na capital mineira e faz um paralelo com os dias atuais. Mais especificamente lembra que o Parque Municipal foi um dos cenários principais de seus passeios infantis. Era para lá que sua família ia em busca do divertimento e descanso nos finais de semana. “Esperávamos ansiosamente pela sagrada visita aos domingos, naquele lugar mágico e tranquilo. Andávamos de barco, pedalinhos e de brinquedos que ainda resistem bravamente à modernidade.” (ROGÉRIO FERNANDES18) Hoje ele repete a aventura dos pais e leva sua família ao parque nos finais de semana. Apesar de lamentar as dificuldades - já que o acesso ao local é extremamente difícil aos domingos por conta da Feira de Artesanato – Rogério se maravilha enquanto caminha entre as palmeiras centenárias do parque: “Este lugar é mesmo um
16 Fonte: Jornal Estado de Minas. Disponível em: <http://estadodeminas.lugarcerto.com.br/app/galeria-defotos/2013/08/29/interna_galeriadefotos,632/tapume-com-arte.shtml> Acesso em: 20 junho 2015. Fonte: site , junho de 2015. 17 Fonte: Facebook de Fernandes. Disponível em: <www.facebook.com/RogerioFernandesAtelier?fref=ts> Acesso em: 20 junho 2015. 18 Entrevista com Rogério Fernandes. 10.06.2015
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oásis no meio da cidade. O som da avenida não ultrapassa as grades de proteção. ” (idem). Podemos associar os passeios familiares do artista à busca da flânerie, do passear descompromissado e despreocupado, aberto a todo tipo de surpresa e detalhe. Como vimos, Walter Benjamim antevia o desaparecimento dessa figura tão emblemática desde antes da década de 30 e discorria sobre a perda da possibilidade da flânerie. Com essa reflexão de Rogério, somada às teorias de Benjamin, podemos nos perguntar sobre a viabilidade da prática despreocupada e livre, nas ruas do centro de Belo Horizonte, nos finais de semana. Seria possível exercitar o vagar despreocupado e despretensioso entre ruas esburacadas e apinhadas de pessoas, lojas, carros, ruídos, barulhos de toda ordem e poluição visual? O ilustrador e sua família lidam com essa inviabilidade, com a tensão que não faz parte da rotina do flâneur. Apesar da ainda permanente tranquilidade no interior do parque, citada por ele, o trajeto de chegada é desafiador no que concerne ao stress, ansiedade, poluição sonora, visual e ambiental19. A prática da flânerie dentro da natureza do Parque Municipal de Belo Horizonte custa o desafio de chegar até ela, acessá-la (fig. 09). Fig. 09: Rogério Fernandes – Parque Municipal
Fonte: Revista Viver Casa20
FERRARA, L. D. A. Olhar periférico: Informação, linguagem, percepção ambiental. São Paulo: EDUSP, 1993. 20 Fonte: AVELINO, L. Jardins de Memórias. Revista Viver Casa. Disponível em: <http://revistavivercasa.com.br/plus/modulos/noticias/ler.php?cdnoticia=70&cdcategoria=4> Acesso em: 14 Maio 2015. 19
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Referências Bibliográficas
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Texto recebido: 08.07.2015. Texto aprovado: 10.11.2015
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As ilustrações de Maurice Sendak e Roger Mello na realidade figurativa do flaneur: em busca do selvagem no observador. Flaviana L. dos Santos1 Resumo Expandido A compreenssão de ilustração está, de modo geral, ligada ao fato de ver uma imagem sob o papel sem se aprofundar em seu significado. No teor dos dias atuais, em que imagens são reproduzidas de forma a serem banalizadas, entra-se aqui na reflexão da força de uma ilustração no âmbito literário, deixando a utilização de palavras em segundo plano para dar lugar à observação e essa se tornar a literatura. Um terreno arriscado, mas que merece atenção e exploração por ser determinante no decorrer dos tempos. Contruiu-se um encontro da literatura ilustrada do livro “Onde vivem as coisas selvagens” de Maurice Sendak com a literatura escrita do livro “Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo” de Walter Benjamin, para melhor sustentar essa ideia. Mesmo sendo publicações remotas, vê-se sua atemporalidade e diagnóstico sobre aquilo que pouco muda no homem: seus medos, anseios e instintos; essas questões estão enterradas pela civilização e seus critérios, mas existem e quando menos se espera vêm à tona. Nos tempos atuais chegou através de Roger Mello e seu livro “Selvagem”. O encontro permite verificar como ambos representam o flâneur em épocas diferentes, com diferentes abordagens e, o mais interessante, com linguagens distintas numa primeira análise, mas que se tornam iguais em seu teor crítico sobre o desenvolvimento de uma sociedade e a batalha de um ser em busca de si mesmo. Palavras-chave: Ilustração; literatura; Walter Benjamin; Maurice Sendak; flâneur Por um conceito de destaque para a ilustração Estudante de Artes Visuais Licenciatura da Escola de Design UEMG - Universidade do Estado de Minas Gerais, Escola de Design, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Trabalho orientado pelos professores Eliane Meire Soares Raslan e André Borges da ED/UEMG. E-mail: <flavianalasan.arte@gmail.com> 1
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Pode-se concluir que a ilustração é a face do artista e a mesma é uma forma de ingresso para conhecer a alma. Em primeira estância é a face que desenvolve a empatia - ou não - pelo ser. A ilustração desenvolve esse mesmo domínio; ela concebe a história através de traços que podem, inabalavelmente, vir sem conteúdo escrito e desenvolver a empatia para, além disso, construir uma relação íntima com o público. Assim procede, como exemplo, grande parte da literatura destinada a crianças; onde o público ainda não desenvolveu a escrita propriamente dita, mas não significando que a comunicação seja impossibilitada, pois há milhares de anos, “as mensagens eram transmitidas por desenhos, sinais e imagens”¹. Os livros, destinados às crianças, têm como enredo ilustrações seguidas de poucas frases ou nenhuma. O ato de ilustrar para uma criança tem que vir seguido de coragem, pois irá refletir em uma mente virgem. Isso envolve não apenas uma técnica, mas o corpo em estado de arte e dominado pelo infinito de possibilidades que a mente dela permite. Um questionamento emerge sobre isso: há algum ponto em que a ilustração se torna literatura? Literatura vem do latin litteris que significa letra; ilustração é uma imagem pictórica que, por vezes, acompanha um texto literário². Num dado momento a primeira é mais considerada que a segunda. Mas, na superexposição de imagens e das condições do ilustrador nos dias atuais, talvez esteja se tomando outra posição.
A ilustração de Maurice Sendak e a literatura dos traços em Where the wild things are Na década de 60, não primordialmente - mas eficiente - desponta o autorilustrador Maurice Sendak³. Usava a técnica de desenho em estilo de xilogravura do século XIX (ver Gustav Doré - fig. 01), com denso sombreamento a qual desenvolveu no fim da década de 1950.
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Fig. 1: Gustave Doré, 1880.
Fonte: Galerie Napoleon2
Um de seus livros “Where the wild things are”, que vamos levar a tradução da forma mais sincera de encontro ao autor, “Onde vivem as coisas selvagens”, é ilustrado com essa técnica e reafirmado com um estudo de cores (fig. 02) onde o prórprio Sendak acompanhou a impressão para que nada saísse do original. O luar caindo sobre Max em algumas destas ilustrações é tão importante. E para capturar tudo isso, essas sutilezas, a cor do céu, a cor das árvores, a dimensão que todo o seu trabalho artístico tem... Quer dizer, essas árvores estão vivas. Você olha para as ilustrações e você espera que as árvores cresçam. VITALE, J. em entrevista ao Rosembach Museum e Library[s.d.].
A história do livro superou o conhecimento adulto em relação à criança, lançou novos olhares sobre um ser raivoso, com perspectiva sobre aspectos perturbardores – para alguns – abordando assuntos que são excluídos dos mundos físico e mental. Sendak destacava um sentimento comum a todos os seres independente da idade: o medo de ser.
Ja iniciava sua intimidade com o
leitor/observador através de seus seres selvagens, tanto na técnica quanto nas características advinda dos personagens. Ao tomar consciência da história protagonizada por um garoto entre seus 6 a 9 anos, logo a crítica/sociedade encaminhou-se de determinar o livro como destinado para crianças. O autor nega a intenção e anuncia que o livro não tem público específico, mas que possivelmente as Fonte: Galerie Napoleon. Disponível em: <http://www.galerienapoleon.com/product_info.php?products_id=7037>. Acesso em: 05 maio 2015.
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crianças compreenderiam o seu trabalho; talvez, isso se explique no cerne da palavra selvagem, que vem de silvaticus, coisa que vem da selva, floresta. Bem, as crianças são seres que ainda estão em desenvolvimento na sociedade, não se posicionam aos modelos de convivência e nem sabem o que isso seria. São grandes selvagens lutando constantemente contra todos, sendo suas únicas defesas - ou armas, num sentido mais agressivo - o instinto e o coração. Fig. 2-3: Maurice Sendak, 1963.
Fonte: Leforumbleu3
A história é de um garoto chamado Max que, vestido com uma fantasia de lobo, age de forma instintiva, sem receios de nenhuma ordem, o que na época do lançamento do livro (1963) causou grande espanto na sociedade conservadora americana. Um exemplo desse comportamento se encontra nas primeiras páginas das 48 que formam o livro, Max corre atrás de seu cão com um garfo em punho (fig. 3). A ação em si é possível no mundo da criança, mas demonstrar tal atitude em livro segmentado para essa fase é perturbar as regras de boa convivência; incitar a má criação, na época. Há várias ações peculiares vindas de Max que, repreendido pela mãe, é chamado por ela de “wild thing”, algo como “coisa selvagem”. Em resposta, diz que vai comê-la e é mandado para o quarto sem o jantar. Sozinho no cômodo sente raiva e cria, neste momento de solidão, um universo rodeado de seres imaginários, selvagens, residentes em uma floresta. Haveria apenas retórica quando Baudelaire perguntava: “O que são os perigos da floresta e da pradaria comparados com os choques e Fonte: Leforumbleu. Disponível em: <http://www.leforumbleu.net/fred.php?id=219369&page=&fredblog=>. Acesso em: 05 maio 2015.
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conflitos diários do mundo civilizado”? Enlace sua vítima no bulevar ou traspasse sua presa em florestas desconhecidas, não continua sendo o homem, aqui e lá, o mais perfeito de todos os predadores? BAUDELAIRE (cit) BENJAMIN, W. Baudelaire - Um lírico no auge do capitalismo, 1989, p. 37 Fig. 4: Maurice Sendak [s.d.]
Fonte: Leforumbleu4
Os seres apresentados são predadores (fig. 4) que querem comer Max assim como ele à sua mãe, é possível sentir esse clima predatório dominando toda história que parece ligar os personagens e sua intimidade através da simbologia de se alimentar deles; é nomeado rei no ambiente que se refugia sendo este seu interior, é ele domando seus próprios demônios. A literatura revolucionária através da condição poética do flâneur por Walter Benjamin e a construção do selvagem por Maurice Sendak Walter Benjamin4 ao declarar sobre os fisiologistas (estudam o funcionamento do organismo, este podendo ser animal ou vegetal e mais aprofundado por Benjamin, social) no livro Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo reafirma que se referindo à “observação goethiana de que todo ser humano, tanto mais elevado quanto o mais inferior, leva consigo um segredo que se conhecido o tornaria odioso a todos Fonte: Leforumbleu. Disponível em: <http://www.leforumbleu.net/fred.php?id=219369&page=&fredblog=>. Acesso em: 05 maio 2015.
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os outros”. Sendak, por hora, mostrou seu segredo: uma perturbação pela infância e conhecimento do quão cruel as crianças podem ser. Os anos 60 fora um momento de ruptura na cultura de modo geral; atingido pela quebra da sociedade moralista da década anterior rumou para uma concepção de vida fantasiosa na mente dos jovens. Na ilustração, muitas vezes, permeava a ideologia de um mundo na visão das crianças, tomando por parte sair do idealismo e das convenções do mundo adulto. Sendak não foi contra essa concepção, sustentou através da memória de tudo o que sofreu e desatou no mundo o que chamamos de selvagem. Foi neste livro que a face de Sendak resolveu se entregar. Idealizou em Max um flaneur e nos selvagens que ele encontra em sua fantasia, essa condição do ser humano de ser desconhecido por si mesmo. Flanêur é alguém que olha para o redor, lê aquilo que não está escrito, caminha nas ruas a observar o que acontece de fato; vê as mudanças, modifica o tempo e temporiza o espaço, ele consegue ser a própria história através de seus olhos. Utilizar das técnicas de ilustração do século XIX, em parte saída da gravura, como Sendak fez, reforça a intensidade da obra. Os próprios traços são ferozes, brutos e aturados em suas sombras, totalmente envolvido com o que a história transmite; há uma anarquia do que até então se tinha visto nos livros com temáticas envolvendo crianças (um estereótipo americano das crianças loiras com franjas e suas roupas pomposas). Walter Benjamin ao analisar Baudelaire5 no séc. XIX - um período de ruptura tão brusco quanto os anos 60, pois se instaurava a Revolução Industrial que veio modificar os modos de vida e pensamento da sociedade - tornou-o um herói moderno. Seria Baudelaire para Benjamin o que Max foi para Sendak? A poesia baudelairiana se caracteriza na mesma dimensão que as ilustrações do séc. XIX? Um lírico no auge do capitalismo é uma criança perdida em meio aos valores humanos? Para todas essas perguntas, a resposta pode ser: sim. Em primeiro, Baudelaire é para Benjamin seu próprio eu, ele suga do poeta toda sua potência máxima de observação de uma civilização em profusão moderna e das características artísticas que estão sendo assumidas naquele momento do séc. XIX. Competentemente assume sua crítica perante o homem que se entrega a mercadoria e a banalidade através do olhar, um tanto desprezível, porém, minucioso de Baudelaire sob aquilo que agora se
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denomina modernidade. Max é para Sendak seu eu, mostrando ao mundo como sobreviveu a uma infância durante a guerra, onde perdeu parte de sua família para o holocausto e vivia em meio ao luto constante no centro familiar. Ele mesmo foi um garoto selvagem, pois não tinha contato com outras crianças devido a fragilidade de uma doença que o impedia de fazer movimentos bruscos, haveria de criar um personagem que lhe desse a condição de explorar o que vivia e dialogar com o ser que participa dos conceitos conservadores, mesmo sem ter ciência e conhecimento para tal e, quando sai dele, lhe é negado o mundo. Em segundo, utilizando da poesia baudelairiana para refletir um pensamento que transmite um eco universal, W. Benjamin descobre quem, 70 anos antes de seu nascimento conseguia, ao flanar, “a partir de rostos, fazer a leitura da profissão, da origem e do caráter”6 mesmo à margem do status social ‘adequado’ na época. Eis aí também uma utilização de técnica de 100 anos anteriores a seu nascimento por Sendak para ilustrar uma condição de selvagem e transmitir a uma sociedade reflexões sobre origens, caráter e atitudes de uma criança, quiçá de um adulto, fazendo com que ela saia da margem daquilo que vive profundamente, reconhecendo a criança como um ser que também tem importância sobre as decisões alheias e questionando como elas sobrevivem ao que lhes é empurrado sem questionar se lhes é desejado. Em terceiro e por último, ser reconhecido como lírico no auge do capitalismo é um homem contra tudo, contra o movimento irracional e destruidor a que se move a sociedade, ele se sente único a perceber as coisas. Assim se sente uma criança no movimento do mundo adulto, tendenciado ao encontro de um mundo selvagem onde se sente acolhido, mesmo que fantasiosamente e por pouco tempo. Apesar de épocas diferentes, a manifestação ilustrada de Maurice Sendak percorre parte da literatura de Walter Benjamin sobre o flaneur, a fantasmagoria e as percepções do ser humano no desenvolvimento social. Enquanto Benjamin situa um poeta na Paris do séc. XIX, moderna; Sendak situa a criança na década 1950-60, pósguerra. Há tendências aqui onde à ilustração pode transforma-se em obra literária, como ela consegue atingir sua pluralidade através dos traços. É quando afirma aquilo que não conseguimos expressar. Ela é a rebeldia da escrita, pois é constituída apenas Revista Legenda Quadrinhos. Escola de Design da UEMG. Belo Horizonte, vol. 3, n. 1, p. 75 – 90, 1º semestre/2016. ISSN 2447-2638. <https://legendaniquemg.wordpress.com/>
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de linhas e cores, sem ‘as’ nem ‘bês’ transfigura a palavra inteira e vem como tem que vir: como sentimento. Uma coisa é adora imagens, outra é aprender em profundidade, por meio de imagens, uma história venerável. Pois o que a escrita torna presente para o leitor, as imagens tornam presente para o analfabeto, para aqueles que só percebem visualmente, porque nas imagens os ignorantes vêem a historia que têm de seguir, e aqueles que não sabem as letras descobrem que podem, de certo modo, ler. Papa GREGÓRIO, O Grande (cit.) MANGUEL, A. Uma História da Leitura, 1997, p. 117.
Assim como Benjamin, Sendak abre uma trilha no pensamento humano e transmite de forma enérgica toda uma visualização da condição humana; rebatem a “perda da aura” do poeta, um pelo massacre da mercadoria intensificada pela revolução industrial, outro pela desmitificação da criança como ser alheio diante do que a sociedade prolifera, claro tomando significados diferentes, mas rumando ao encontro de uma mesma consciência que é a de que ambos os personagens são o homem da multidão7. O banalizado tempo moderno Benjamin discorre em seu livro sobre dois aspectos que acrescentam muito as questões aqui abordadas, ou seja, a ilustração enquanto literatura e o flaneur em sua condição de descoberta do redor: “princípio da banalização da ilustração” e “o fenômeno da banalização do espaço”. Sobre banalização da ilustração e seu princípio ele evoca a fotografia como o principal discurso dessa totalidade. Posterior, cita a pintura em seu discurso tomando como errôneo o momento em que se transcreve o relato da pintura em citações nas obras deixando aí se perder a representação íntima do pintor, a elucidação dos momentos escolhidos. É quando se vê a ilustração como mera imagem, não permitindo que seja lida em sua totalidade. Ou seja, isso pode ocorrer em livros dedicados às crianças que tem como princípio simplesmente descrever uma ilustração. A banalização do espaço se concretiza com a experiência do flaneur, na potencialidade em que se percebe o que acontece no espaço. Benjamin promove uma
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retórica em torno deste assunto: “Fica ainda por esclarecer, decerto, como esse fenômeno se relaciona com a banalização.” Considerando o termo banal que tem origem francesa e designava, em certa estância, o que era comum para todos, público; talvez seja nesse ponto que se ligue a experiência do flaneur com a banalização do espaço, o olhar para o espaço era comum a todos, o ato era banal. O espaço está cedido para quem por ele passa quem quer que seja. A banalização transcende o significado de trivial, ele se torna. Não há coisas banais, elas tornam-se através do uso que (não) se faz delas, mas ainda conservam através de alguns líricos e selvagens sua plenitude e significância. Benjamin escolhe Baudelaire para tornar o que o resto do todo considerava inferior, toma para si a figura do poeta e inicia sua viagem perante o olhar intrínseco de quem tem sede por estar ali, no presente, no espaço. Sendak escolhe Max para reivindicar ao mundo o que lhe é negado e omitido, o seu próprio presente, sua vida ali e agora. Ambos em momentos de rupturas sociais históricas se deslocam de si mesmos para reconhecerem-se em outro. Transpiram a inquietação de uma alma prestes a explodir e, que, em forma da literatura transbordam as mais incríveis rupturas psico-lógicas da história. A ilustração de Roger Mello e a criação de “Selvagem”
A inteligência visual aumenta o efeito da inteligência humana, amplia o espírito criativo. Não se trata apenas de uma necessidade, mas de uma promessa de enriquecimento cultural para o futuro. Graça Lima, 2009, p. 29.
No Brasil, um ilustrador desbrava o mundo através de seus desenhos e, em 2010, lançou um livro sem utilização da escrita e sem uma ordem precisa de visualização. Roger Mello foi o primeiro latinoamericano a ganhar o prêmio Hans Crhistian Andersen 2014 (o mais importante da literatura infantojuvenil) na categoria ilustração e ja ganhou o prêmio Jabuti nove vezes.
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Fig. 4: capa livro “Selvagem” por Roger Mello, 2010.
Fonte: Capadura em cingapura5
Para Roger Mello a leitura da ilustração não é tão diferente do texto, ele vê um potencial nos desenhos. O ilustrador diz que consegue falar através das imagens que, para ele, contemplam o todo e depois vão para o particular; ja no texto verbal se tem um particular e nunca o todo. Ainda esclarece não existir separação concreta da imagem e da palavra; a palavra é imagem. Eu confundo verdadeiramente imagem com palavra. Escritores como William Blake, Garcia Lorca, Lewis Caroll, Monteiro Lobato usam a imagem para escrever; ilustradores escrevem e usam tipologia para criar narrativa gráfica. Se existe essa confusão entre imagem e palavra é porque as duas são amplas e interagem. Roger Mello, 2014.
Constituindo a questão que analisa o ponto que a ilustração se torna literatura, é de grande valia as observações de Mello. Para ele o desenho conclui o principal recurso de sua comunicação, o texto verbal em si – frisando o contexto da literatura para crianças, aqui analisado – divide sua importância com a ilustração; isso pensando Fonte: Capadura em cingapura. Disponível em: <http://capaduraemcingapura.blogspot.com.br/>. Acesso em: 05 maio 2015.
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na amplitude que um desenho pode ter nos seus significados e contestando algumas atribuições de que apenas existe para representar o texto não contemplado. Um único desenho consegue envolver todas as culturas e línguas; ultrapassa fronteiras, e isso é onde reina uma ilustração. Brasiliense, Roger Mello desponta na década de 90 na ilustração de livros para crianças. Ele e sua geração foram porta voz de desenhos que valorizavam os temas culturais brasileiros, dando uma nova concepção na paleta de cores e na organização espacial nos livros. Setenta anos após a primeira edição de um livro no Brasil realizada por esforços de Monteiro Lobato³, essa geração contrapõe uma nova forma de literatura. O ilustrador, que prefere a palavra ‘desenho’ ao invés da palavra ilustração, chama atenção pelas cores e um traço que surpreende em cada livro, pois difere seu uso de acordo com a necessidade. Dentre uma média de 100 livros ilustrados em parceria com outros autores e 20 como autor-ilustrador, encontra-se na trajetória de Mello o livro “Selvagem” (fig. 4) O ilustrador conta como se deu a origem do livro: Eu vi a foto de um tigre numa revista geográfica nacional era uma imagem muito forte, de um dos últimos tigres de Sumatra. Muito mais que um desenho, que uma imagem ecológica (...). Ela era uma imagem que olhava pra quem tava olhando pra ela, então era muito forte essa ideia de que um olho puxa o outro. Então, independente de ser um animal (...) era o olhar da identidade, era o olhar que te fazia entender o outro. O olhar de alguém para o outro. (em entrevista cedida ao canal do Youtube “Grupo Editorial Global”, 2014.)
O livro não utiliza de palavras, o texto, propriamente dito é o desenho. As cores se resumem em preto, cinza e laranja. Fig. 5: “Selvagem”, Roger Mello, 2010.
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Fonte: Capadura em cingapura6
Com seu traço dramático dá forma a elementos que podem construir inúmeras histórias (fig. 5), sem determinar nenhuma linha de raciocínio ou conclusão definitiva. Não contém prefácio ou posfácio: a liberdade sobre onde será o início e o fim, fica por conta do observador. Essa forma de (des) organização inserida na contemporaneidade através da utilização de desenhos, ilustrações e imagens instiga a criatividade e tornam amplas as visões de uma mesma narrativa. Desde a pré - história se faz uma representação literária através de desenhos, mas, atualmente, além dessa representação há uma nova consciência não linear, liberdade na criação do existente e na invenção do desconhecido. Vinte mil anos antes da nossa era, em Lascaux, os homens traçam seus primeiros desenhos. Será preciso esperar 17 milênios para que se inicie uma das mais fabulosas facetas da história da humanidade – a escrita. JEAN, G. A escrita: memória dos homens, 2008, p. 11.
Se a comunicação se iniciou na forma de desenho, seria esta sua real essência e por isso o homem contemporâneo está consolidado com ela?
Aqui valorizamos a ilustração e sua influência sobre a história do homem e do todo demonstrado através do olhar da criança, onde Mello (2015) evoca que “a criança é o fim, mas também é o princípio. O fim é a gente mesmo. 8” A história de “Selvagem” vem a partir de dois personagens: um tigre e um caçador. Há percepções onde o tigre caça o homem ou o homem caça o tigre; ambos estariam perdidos ou procuram se encontrar... Interroga-se sempre o leitor e o convida a responder com suas necessidades interiores. Há a mágica de se ler várias vezes e sempre conhecer uma nova historia. “O livro tem um percurso, mas ele mostra um outro, e outro e outro. O leitor entra e sai por portais - que são um espelho, uma porta, um outro livro..." (fig. 6), diz Mello do próprio livro. Fig. 6: “Selvagem” por Roger Mello, 2010.
Fonte: Capadura em cingapura. Disponível em: <http://capaduraemcingapura.blogspot.com.br/>. Acesso em: 05 maio 2015.
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Fonte: Capadura em cingapura7
Ter em mãos a liberdade de percepção sem interferência do outro, é respeitar o íntimo e suspeitar de si mesmo na vocação de compreender a vida. Um exercício de ficlosofia. A ilustração para além da palavra; o flaneur para além do observador “Benjamin considera que a arte de narrar entra em declínio a partir do momento em que a experiência coletiva (erfahrung) das sociedades artesanais é suplantada pela experiência particular e privada, vivida individualmente (erlebnis), das sociedades industriais. Ao criar narrativas inspiradas na tradição oral e nas manifestações populares, e também ilustrá-las mesclando referências da arte popular, das vanguardas artísticas e da cultura de massa, Mello revigora o repertório herdado da experiência tradicional e compartilha-o com as novas gerações.” 9
Com a experiência proporcionada por Roger Mello de se deslocar pelo livro e criar a história a partir da perspectiva que se tem das ilustrações ali ancoradas
Fonte: Capadura em cingapura. Disponível em: <http://capaduraemcingapura.blogspot.com.br/>. Acesso em: 05 maio 2015.
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revivemos o flanêur de Walter Benjamin que, insaciável, observa tudo ao seu redor e por sua cabeça afloram a vida local. Há várias notoriedades no livro “Selvagem” de Mello e nas reflexões de Benjamin em torno do flanêur. Se o flanêur por vezes criava a cidade (Paris, explícita por Benjamin), dava ela vida e narrava sua história, o leitor de “Selvagem” faz o mesmo: cria a paisagem. Aquela embriaguez anamnéstica em que vagueia o flanêur pela cidade não se nutre apenas daquilo que, sensorialmente, lhe atinge o olhar; com frequência também se apossa do simples saber, ou seja, de dados mortos, como de algo experimentado e vivido. BENJAMIN, W. 1989, p. 186
Pode-se dizer assim que a capacidade de despertar a memória também se dá o efeito na leitura de um livro; não é apenas ver as ilustrações e por elas criar uma história. O ser é envolvido por uma aura que se dá num conjunto de cores, formas e indagações. A ilustração dentro de um livro torna-se uma cidade a ser esmiuçada pelo morador. E os olhos a ver, são olhos curiosos com sede na descoberta nova de cada caminho traçado, como que uma criança apontando o dedo para tudo e questionando o que seria aquilo. Todos têm um flanêur ao observar uma ilustração, alguns deixam essa condição por se entregarem ao cotidiano da contemporaneidade, é preciso resgatar no homem a observação, fazê-lo notar na caverna do seu próprio eu as imagens de sua história e trazê-las à tona para o outro. E como já disse Mello: “Era o olhar da identidade, era o olhar que te fazia entender o outro.”.
Considerações Finais Se nas ilustrações das cavernas as cores utilizadas eram mínimas de acordo com a disposição dos minerais e, nem sempre representavam a cor real do objeto; hoje se tem uma gama infinita de cores, mas nos livros anteriormente citados poucas são usadas e, por mais incrível que pareça um deles – Roger Mello - utiliza em seu miolo exatas três cores sem se preocupar com a figuração da realidade. Revela-se o homem coevo ao modo de sua origem.
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Tanto Roger Mello quanto Maurice Sendak são evidências de uma manifestação recorrente no homem, que é a busca do passado, aqui através da ilustração. O que modificou no decorrer dos tempos foi a técnica que, ganhando novas formas, cores e elaborações transmitem para o observador o mundo ao redor. Sendak encontrou na xilogravura características para desenvolver seus traços carregados por sombreamento baseado em valores tácteis; suas figuras claras destacam-se sobre um fundo escuro, transmitem sensações10. O que se pode chegar numa intenção perturbadora, também um estilo representante das coisas selvagens. Usou o desenho como essência de representação, as cores usadas foram rigorosamente acentadas para criar um clima um tanto ignoto. A linguagem utilizada na ilustração despertava sensações em torno da história. Mello é diverso nos traços e intimista. Com influências modernistas cria uma nova dinâmica nas ilustrações do livro “Selvagem”. O livro se destaca por não conter palavras, nem mesmo prefácio e posfácio; para deleite dos observadores o trilho da história é construído pelo olhar singular do leitor. Através das cores, o destaque fica na figura do tigre que hora pode ser a caça, hora o caçador... e nenhum dos dois! Pode ser apenas o nome que lhe confere: um selvagem; denominação que pode ser referida ao homem que acompanha a história. A importância de uma ilustração nem sempre está relacionada à sua técnica, quando consegue gerar uma função social e transmitir culturalmente valores e questionamentos, desepenha um papel fundamental nos rumos da sociedade: o da educação. Se tratando da literatura voltada para crianças vemos a importância desses profissionais em manifestar um diálogo com o outro. Se tratando de como eles se aproximam de Walter Benjamin na demonstração de um ser à margem da construção do meio social, observamos a força da representação para tomar rumos mais humanizados e suscitar internamente a condição de sujeito social. Um convite a considerar com atenção as coisas, os seres e os eventos. Referências Bibliográficas BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: Um Lírico no auge do Capitalismo – Obras escolhidas III. Trad. Alves Baptista, H. São Paulo: Brasiliense,1989.
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JEAN, Georges. A escrita: memória dos homens. trad.: Lídia da Motta Amaral. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. 160 p. POWERS, Alan. Era uma vez uma capa: historia ilustrada da literatura infantil. trad.: Otacílio Nunes. 1. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2008. 144 pp., 403ils. SENDAK, Maurice. Onde vivem os monstros. São Paulo: Cosac Naify, 2009, 48 p. MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. in. Leitura de imagens. 1. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 405 p. WÖLFFLIN, H. Conceitos fundamentais da história da arte. In: Desenho. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 44 – 56. MELLO, R. Selvagem. São Paulo: Global, 2010. OLIVEIRA, Jô. GARCEZ, Lu. Explicando Arte. Rio de Janeiro: Ediouro Publicações S.A., 2001, 157 p. REIS, Bia. Roger Mello: “vencemos o eurocentrismo”. Estadão. São Paulo. 2014. Disponível em: < http://cultura.estadao.com.br/blogs/estante-de-letrinhas/roger-mellovencemos-o-eurocentrismo/. > Acesso em: 10 de Ago. de 2015. REIS, Bia. Após prêmio Andersen, Roger Mello expõe no Japão e na Coréia. Estadão. São Paulo. 2014. Disponível em: http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,apos-premio-andersen-roger-mello-expoeno-japao-e-na-coreia-do-sul,1165769. Acesso em: 10 de Ago. de 2015. Um olhar sobre as culturas populares. Leia Brasil. [s.d.] Disponível em: http://www.leiabrasil.org.br/old/entrevistas/mello.htm. Acesso em: 08 de Ago. de 2015. OLIVEIRA, Rui (org.). A arte de ilustrar livros para crianças e jovens. Salto para o futuro. 2009. Disponível em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000012187.pdf>. Acesso em: 08 de Ago. de 2015. CONSORTE, J.G. Culturalismo e educação nos anos 50: O desafio da diversidade. Cad. CEDES. vol. 18 n. 43. CampinaS. 1997. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010132621997000200003&script=sci_arttext>. Aceso em: 08 de Ago. de 2015.
Texto recebido: 08.07.2015. Texto aprovado: 28.12.2015
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O Ciberflâneur com o Poro, Brígida Campbell e Marcelo Terça-Nada! A experiência digital como espaço para o novo flâneur Mateus Luiz Sá Silva1
Resumo Expandido O objetivo deste artigo é traçar um paralelo entre a experiência do flâneur nas cidades do século XIX – descrito por Walter Benjamin no texto Paris, a capital do século XIX – e o novo flâneur virtual do século XXI, que experimenta as cidades com auxílios de recursos tecnológicos, como é o caso da internet. Para isso, fez-se necessário criar um panorama sobre a história da relação entre as comunicações e as artes, além de uma análise desse processo de convergência entre as duas áreas. Para compreender e buscar relacionar esses dois conceitos de flâneur, foi usado como objeto de estudo duas ações da dupla de artistas que formam o Poro, Brígida Campbell e Marcelo Terça-Nada! Eles têm como propósito realizar intervenções urbanas e ações efêmeras no cenário urbano. Os projetos selecionados são “Azulejos de papel” – azulejos impressos em papel e inseridos na cidade, ação realizada desde 2008 – e “Situações Brasília”, série de quatro cartazes no formato lambe-lambe, lançados em uma exposição no ano de 2012. Em ambos os projetos, além de realizarem intervenções pela cidade, os artistas disponibilizam os trabalhos em seus sites, para que qualquer pessoa possa fazer uma intervenção no local que desejar e também para abrir espaço para divulgação desses registros em seus endereços eletrônicos. Palavras-chave Arte e flâneur; Ciberflâneur; Poro. O Flâneur O surgimento do conceito de flâneur está ligado à modernização das cidades ocorrida a partir da revolução industrial. Um exemplo é a cidade de Paris, que, no século XIX, sofreu grandes alterações em sua estrutura física na gestão de Napoleão III e durante as reformas urbanas lideradas pelo Barão Haussmman. Essas reformas demarcaram o princípio da vida moderna e, no caso da cidade francesa, significou uma completa reorganização de seu espaço físico. Nesse processo destacam-se as Estudante de Artes Visuais Licenciatura da Escola de Design UEMG - Universidade do Estado de Minas Gerais, Escola de Design, Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Trabalho orientado pelos professores Eliane Meire Soares Raslan e André Borges da ED/UEMG. E-mail: mateusluiz@gmail.com. 1
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obras lideradas por Barão, que vinham propor maior acesso a trens, à iluminação noturna e à redistribuição das ruas, a fim de melhorar a mobilidade urbana e obter maior controle da população. A etimologia da palavra flâneur é anterior ao século XIX, mas foi só no início deste século que o conceito ganhou forma como o compreendemos na atualidade. O flâneur é a pessoa nascida no mundo moderno que perambula pela cidade, a fim de experimentá-la. Ele é um observador da cidade e da vida urbana, como descreve Walter Benjamin (1991) no trecho a seguir: É o olhar do flâneur, cuja forma de vida envolve com um halo reconciliador a desconsolada forma de vida vindoura do homem da cidade grande. O flâneur ainda está no limiar tanto da cidade grande quanto da classe burguesa. Nenhuma delas ainda o subjugou. Em nenhuma delas ele se sente em casa. Ele busca o seu asilo na multidão. ( BENJAMIN, 1991, p.39).
O flâneur surge como contraponto à burguesia e está construindo os novos grandes centros urbanos, além de estar no poder e seguir o raciocínio de trabalho, rapidez e lucro. Ele valoriza o ócio e, em sua busca por imersão na cidade, o flâneur caminha, perambula, investiga, observa e classifica a vida urbana moderna. Ele usa a cidade como fonte inspiradora. Abaixo, (fig. 01-05) o resultado do trabalho de Brígida Campbell e Marcelo Terça-Nada!2, para o Parque das Ruínas, na cidade do Rio de Janeiro. “Proteção de slides em copa de árvore. Os slides estão em negativo, de modo que ao serem projetados só aparecem as linhas dos desenhos, sem fundo.” Torna-se visível os passarinhos que foram desenhados em luz sobre a copa da árvore. A projeção tem uma trilha de canto acompanhando as ilustrações dos pássaros. Figuras 01-05: Trabalho realizado para o Parque das Ruínas no RJ
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Fonte: Brígida Campbell. Disponível em <http://www.brigidacampbell.redezero.org/> Acesso em: 10 junho 2015.
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Fonte: Site Oficial de Brígida Campbell. 3
O Flâneur Virtual com Brígida Campbell e Marcelo Terça-Nada! Inicialmente, vamos entender o Flâneur Virtual. O surgimento da internet no século XX e o desenvolvimento de aparelhos tecnológicos que permitiam a digitalização
da
informação
aprimoraram
a
capacidade
de
comunicação,
possibilitando a troca de informações por meio de textos, imagens e sons, de forma instantânea e acessível em qualquer lugar. A princípio, esses equipamentos exerciam funções profissionais, mas a popularização dessas tecnologias permitiram também que elas fossem usadas para diversão e lazer. De acordo com Zancheti (2000): Todos os elementos componentes do ciberespaço se resumem a símbolos e relações (interfaces e redes). Os elementos materiais que suportam o ciberespaço (redes de comunicação, computadores, etc) constituem os ‘portões de entrada (as interfaces) para pessoas nesse domínio permitindo a interação dos elementos do ciberespaço com os sentidos dos humanos (ZANCHETI, 2000).
A transmissão de informações que antes era feita de forma linear, devido ao formato do livro, por meio do qual eram publicadas as informações, foi feita manualmente até a inovação na imprensa por Gutemberg por volta de 1439, o que facilitou a reprodutibilidade da informação. Atualmente, com o advento da internet, a informação é organizada de outra maneira, como explicitado abaixo pela Santaella (2004): A inscrição do texto na tela cria, uma distribuição, uma organização, uma estruturação do texto que não é de modo algum a mesma com a qual se defrontava o leitor do livro em rolo da Antiguidade ou o leitor medieval, moderno e contemporâneo do livro manuscrito ou impresso, onde o texto é organizado a partir de sua estrutura em cadernos, folhas e páginas. O fluxo seqüencial do texto na tela, a continuidade que lhe é dada, o fato de que suas fronteiras não são mais tão radicalmente visíveis, como no livro que encerra, no interior de sua encadernação ou de sua capa, o texto que ele 3 Fonte: Brígida Campbell. Disponível em <http://www.brigidacampbell.redezero.org/> Acesso em: 10 junho 2015.
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carrega, a possibilidade para o leitor de embaralhar, de entrecruzar, de reunir textos que são inscritos na mesma memória eletrônica: todos esses traços indicam que a revolução do livro eletrônico é uma revolução nas estruturas do suporte material do escrito assim como nas maneiras de ler (Chartier, 1998b, p. 12-13). (Santaella, 2004, p.32).
O ciberespaço propõe uma nova experiência a flânerie; é um lugar em que temos a sensação de tempo e espaço infinitos; nele não encontramos ruas, bares, prédios, blocos de concretos ou outros objetos palpáveis do cenário urbano. Esse universo é construído de bits (menor unidade de informação na computação). Essa estruturação se assemelha a uma cidade composta de dados onde ela se constrói e reconstrói a todo momento, que se expande e permite que o usuário ou flâneur interaja com ela, visite lugares, percorra perfis, veja pessoas, e faça trocas de informações numa rápida velocidade. É nesse universo que se encontra o novo flâneur,
ao
qual
vamos
chamar
de
ciberflâneur.
Esse,
que
surge
na
contemporaneidade e está no mundo virtual, busca construir e interagir também com essa nova cidade composta de dados. Conforme disse Featherstone (2000) na citação abaixo, que compara o flâneur do século XIX descrito por Benjamein com o novo flâneur, que está presente no mundo virtual. Se encararmos agora a questão dos pontos de contraste entre o flâneur urbano e o eletrônico, fica claro, em primeiro lugar, que há diferenças em relação à velocidade e a mobilidade. O flâneur urbano perambulava, deixando que as impressões da cidade impregnassem seu subconsciente. O flâneur eletrônico possui grande mobilidade, seu ritmo não é limitado à capacidade de locomoção do corpo humano; ao contrário, com a mídia eletrônica de um mundo interligado, são possíveis conexões instantâneas que tornam irrelevantes as diferenças físicas espaciais. (FEATHERSTONE, 2000, p.203).
A internet apresenta uma característica não linear na sua disposição da informação; nela, o texto se torna um hipertexto. De acordo com o dicionário Michaeles, hipertexto é um novo sistema de informação, no qual as palavras de um texto se tornam novos textos quando selecionadas. Devido a essa quase infinita informação não linear, o ciberflâneur tem um novo desafio, que é desbravar todo esse universo de informações. Essa configuração se assemelha com a de uma cidade em que as ruas são cortadas por outras ruas, e essas por outras, sucessivamente. Esse processo de exploração possibilita a locomoção do ciberflâneur que, mesmo estando em um lugar físico fixo, transporta-se a vários outros sucessivamente.
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A convergência entre a comunicação e as artes: O Poro: intervenções artísticas e ações efêmeras As mudanças ocorridas a partir da primeira e segunda revolução industrial trouxeram um grande crescimento nos meios de comunicação, desde a comunicações imprensa??? até a comunicação por multi meios. Um dos impactos da revolução industrial merece ser destacado a fim de ilustrar o processo de convergência entre a comunicação e as artes. Qual impacto? A partir desse momento histórico, em um cenário urbano e uma sociedade regida pelo consumo, as artes passaram a ser dominadas pelos meios de comunicação, pois a partir deles, os artistas conseguiam inserir seus trabalhos em circuitos artísticos e, além disso, também usar desses meios de comunicação como atividade artística. Essa revolução que ocorreu no campo das comunicações iniciou uma certa fusão entre formas de comunicação e cultura. A utilização das telecomunicações, isto é, das trasmissões de informações por meio de telefone, telex, fax, slow scan TV e das interações de artistas via satélites, em eventos artísticos, antecipou a atual disseminação da arte nas e das redes planetárias. Fazendo uso da realidade virtual distribuída, o ciberespaço compartilhado da comunicação não local, dos ambientes multiusuários, dos sites colaborativos, da web TV, dos net games, as artes digitais, também chamadas de “artes interativas” desenvolvem-se nos mesmos ambientes, servem às comunicações, tornando porosas e movediças as fronteiras intercambiantes das comunicações e das artes. (SANTAELLA, 2005, p.16).
No cenário atual, em que há uma forte presença da internet, é inevitável o encontro entre as áreas, se nos basearmos na necessidade do artista/arte de se expressar. Sem muito sentido eu tiraria essa parte ou explicaria mais - Conforme disse Santaella (2005), essa convergência não minimiza nenhuma das duas áreas que, pelo contrário, se complementam, sem que nenhuma perca seus contornos próprios. Acho que você tem que ligar o texto de cima com esse início aqui. Então, a partir disso pode-se falar melhor sobre o poro... sei lá - Poro é maiúculo? Reveja todos O Poro é formado por uma dupla de artistas em 2002, composto pela Brígida Campbell e Marcelo Terça-Nada!4. Os artistas explicam que seus projetos buscam 4 Fonte: Brígida Campbell. Disponível em <http://www.brigidacampbell.redezero.org/> Acesso em: 10 junho 2015.
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apontar sutilezas, criar imagens poéticas, trazer à tona aspectos da cidade que se tornam invisíveis pela vida acelerada nos grandes centros urbanos, estabelecer discussões sobre os problemas das cidades, refletir sobre as possibilidades de relação entre os trabalhos em espaço público e os espaços “institucionais”. Trabalhamos juntos desde 2002 e a cidade tem sido sempre o grande tema dos nossos trabalhos. É na cidade que encontramos e de onde extraímos matéria poética para a construção de obras que visam, entre outras coisas, ressignificar os espaços urbanos com proposições poéticas e/ou de cunho político. (CAMPBELL, TERÇA-NADA!. 2013. p.78).
Conforme os autores, Campbell e Terça-Nada acima, entendemos que são amantes do impresso, das tintas, do papel, das artes gráficas, das possibilidades e variações que ocorrem com a reprodutibilidade em série de seu material. Eles buscam explorar nos impressos a possibilidade de interagir com a cidade, criando novos caminhos e popularizando o horizonte do urbano com suas imagens. Grande parte de seus projetos são intervenções e, devido ao seu carácter efêmero, eles utilizam o site como plataforma para documentação de seus projetos e para interação com as pessoas. Em seu endereço eletrônico, a dupla publica registros de suas ações, suas obras, seus textos, e, além disso, permite que o usuário publique seu próprio conteúdo. Também disponibiliza para download arquivos de alta resolução de suas obras para que as próprias pessoas possam imprimir esse material e inseri-los na cidade. Para nós, interessa pensar as relações e transbordamentos possíveis entre as intervenções urbanas e as instituições de arte. No entanto, fazemos nosso trabalho circular principalmente em outros meios e de forma alternativa às instituições. As redes e circuitos independentes permitem uma circulação fluida dos trabalhos. A internet, com seu caráter rizomático e democrático, permite uma disseminação aberta das ações e o compartilhamento do que produzimos e propomos. Os trabalhos do Poro são, em sua maioria, efêmeros. Por meio da documentação e dos registros podemos potencializar determinados aspectos dos trabalhos. Levar parte desses projetos a outros espaços e tempos, permitindo sua ressignificação ou servindo como referência para outros projetos e reflexões, além de possibilitar que mais pessoas possam experenciá-lo. (CAMPBELL, TERÇA-NADA!. 2011. p.7-8).
Alguns dos aspectos importantes de seu trabalho, para a dupla, são a difusão e a circulação de seus projetos de maneira livre, e para isso, esses utilizam de seu site como um portal de encontro, comunicação e troca com a população.
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Um dos projetos em que a Poro propôs essa troca com a população foi o projeto “azulejos de papel”, que, como o próprio nome diz, é composto de uma série de imagens de azulejos impressas no papel jornal em off-set. Figura 06: Exemplos de projetos realizados pelo coletivo.
Fonte: Poro Redezo ORG. 5
Essas imagens foram instaladas em vários pontos da cidade pela dupla e distribuídas para que outras pessoas pudessem fazer suas próprias instalações. Além disso, a dupla disponibilizou essas imagens no site do poro e convidou o público a fazer registros de intervenção, criando assim uma galeria on-line do projeto. Mas em outras experiências, de viés mais poético e sutil, é no âmbito do enunciável – o sensível partilhado pela cidade – que se intervém. Há, por exemplo, em certos trabalhos uma espécie de comunicabilidade antes da comunicação 6: a cor antes do cartaz (Imagem cor, 2003), as letras antes das palavras (Enxurrada de letras, 2004), o eventual do traço antes do desenho (Desenhando no vento, 2005). Em outros exemplos, a atenção a essa comunicabilidade anterior à comunicação se produz por uma intervenção mínima – insignificante – capaz de reconfigurar, efemeramente, todo o sensível em torno: folhas pintadas de dourado devolvidas às árvores (Folhas de ouro, 2002); azulejos de papel colados ao muro no lugar do anúncios (Azulejos de papel, desde 2008); adesivos de interruptores para postes de luz (2005). (BRASIL, André. 2011. p. 33)
O projeto “Situações Brasília” é composto por uma série de quatro cartazes, impressos em off-set, que foram desenvolvidos para uma exposição realizada em Brasília durante o início do mês de dezembro do ano de 2012 até o final de janeiro do ano seguinte. Esse trabalho surgiu a partir de caminhadas por Brasília, onde os artistas Fonte: Poro Redezo ORG. Disponível em: <http://poro.redezero.org/ver/intervencao>. Acesso em: 14 maio 2015. 6 Ver: AGAMBEN, Giorgio. Means Without End: Notes on Politics. Trad. Vincenzo Binetti e Cesare Casarino. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2000. 5
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fizeram uma série de desenhos, anotações, textos e fotografias, com o intuito de sintetizar aspectos da cidade. Eles buscavam tudo aquilo que fugia de uma lógica projetada, já que estamos citando uma cidade que foi toda planejada em seu projeto original. Figura 07: Azulejos de Papel, Poro.
Fonte: Poro Redezo ORG. 7
Percebam que eles se interessavam pelos novos caminhos, desvios urbanos, pela desconstrução do planejamento. Os trabalhos foram apresentados colados como lambe-lambe nas paredes da galeria e disponibilizados, tanto fisicamente na exposição em uma mesa, quanto em arquivo digital em seu site. O professor André Brasil descreve o trabalho desse projeto da seguinte maneira: Longe de tentar representar Brasília ou de apreendê-la em sua totalidade, o que seria uma formulação essencialmente modernista, a cidade que o poro nos mostra vem de seus fragmentos, de visões entrecortadas e de um gesto, ao mesmo tempo, irônico-bem humorado e político refrescando a paisagem e dando novos sentidos a toda essa modernidade, resgatando tanto o passado e os gestos fundadores quanto a vida cotidiana minada pelas transformações do tempo presente que descontrolam e reagem ao esquema mais fechado do planejamento. (BRASIL, André. 2011. p. 33)
O trabalho desses artistas está dentro dessa linha de gestos que fundamentam a sociedade brasileira. Ocorre um planejamento que vai dando características pessoais à obra. Abaixo outro trabalho: Fig. 08: Cartaz - Carros criam desenhos na paisagem.
Fig. 09: Pessoas descansam sob as árvores
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Fonte: Poro Redezo ORG. Disponível em: <http://poro.redezero.org/azulejos>. Acesso em: 14 maio 2015.
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Fonte: Poro Redezo ORG8.
Os projetos do Poro (Fig. 08-10), sendo eles com propostas políticas, estéticas ou irônicas, partem de uma inquietação em relação aos processos urbanos. Nesses projetos, os artistas promovem uma discussão da cidade utilizando a internet como meio de diminuir as distâncias e promover um diálogo aberto com a população. Fig. 10: Pessoas escorregam de papelão no gramado do congresso.
Fig. 11: Vasos substituem árvores cortadas
8 Fonte: Poro Redezo ORG. Disponível em: <http://poro.redezero.org/azulejos>. Acesso em: 14 maio 2015.
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Fonte: Poro Redezo ORG9.
A ilustração acima, nos permite criar ideias sobre acontecimentos e relações entre a população brasileira, cores que destacam a nacionalidade. O Poro e a flânerie física e digital O flâneur de Walter Benjamin (1991) perambulava pela cidade; na atualidade, a internet permite que o novo flâneur divague também no mundo digital. É nesse lugar virtual que o Poro procura também difundir e alcançar novas experiências com seus projetos. A partir de projetos como o “Azulejos de Papel” e “Situações Brasília”, a dupla de artistas propõe construir cidades virtuais, como as galerias virtuais presentes no site da Poro – explanado anteriormente nesse artigo –, a partir de reflexos das cidades urbanas físicas. Observa-se com esses projetos que ciberflâneur não substitui o flâneur do século XIX descrito por Benjamin; eles, na verdade, se complementam. Esses projetos do Poro nos mostram como esses universos se somam e constroem um novo modo de pensar o espaço urbano e o universo virtual. Referências bibliográficas BENJAMIN, Walter. Paris, Capital do século XIX. In: KOTHE, F. (org). Walter Benjamin. São Paulo: Ática, 1991. CAMPBELL, Brígida. TERÇA-NADA!, Marcelo. Disponível em: <http://poro.redezero.org>. Acessado em: 14 de maio de 2015 FEATHERSTONE, Mike. O flâneur, a cidade e a vida pública virtual. In ARANTES, Antônio A. (org.) O espaço da diferença. Campinas: Papirus, 2000. SANTAELLA, Lucia. Porque as comunicações e as artes estão convergindo?. São Paulo: Paulus, 2005. ZANCHETI, Sílvio. Cidade e ciberespaço público: será possível? In: CYBERCITY, 2003. Seminário internacional cidade digital e sociedade em rede. São Paulo: outubro de 2003, disponível em CD rom. PORO. Manifesto: por uma cidade lúdica e coletiva, por uma arte pública, crítica e poética. In: Revista UFMG, Belo Horizonte, v. 20, n.1, p.78-89, jan./jun. 2013 9
Fonte: Poro Redezo ORG. Disponível em: <http://poro.redezero.org/azulejos>. Acesso em: 14 maio 2015.
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_________. Intervalo, respiro, pequenos deslocamentos: ações poéticas do Poro. São Paulo: Radical Livros, 2011. _________. Sobre a exposição Brasília: (cidade) [estacionamento] (parque) [condomínio]. In: PORO. Anexo de textos. 2013. p. 38-46.
Texto recebido: 08.07.2015. Texto aprovado: 28.12.2015
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Entrevista com
RICARDO TOKUMOTO 116
REVISTA LEGENDA: Sobre seu trabalho
atualmente. O que fez com que você se interessasse em seguir nessa área? RICARDO: Eu sempre fui muito interessado em arte no geral e sempre gostei de desenhar. Minha infância foi repleta de quadrinhos, video game e desenhos animados. Logo cedo eu já apresentava essa pré disposição, esse gosto por essa área.
valorização nesse mercado é complicada. Mas estiveram ao meu lado nesse risco sempre deixando claro que, se eu precisasse, estariam sempre dispostos a ajudar da maneira que puderem. E a medida que as coisas foram dando certo eles sempre se apresentaram orgulhosos e nunca pararam de me incentivar. REVISTA LEGENDA: Qual sua opinião no que
se diz respeito a valorização do mercado dos REVISTA LEGENDA: Houveram grandes desenhos/ilustrações? dificuldades pelas quais você passou? RICARDO: Exatamente como comentei na RICARDO: A valorização na área de quadrinho, questão de dificuldades. Sem dúvidas é o ilustração e animação é péssima. Muita maior obstáculo na área, principalmente por gente acha que desenhar é um dom natural parte de muitos profissionais que muitas que você nasceu com e só pratica por hobby. vezes desmerecem o próprio trabalho. Nossa Pouca gente entende que existem cursos habilidade é adquirida como resultado de muito de graduação, muito treino e prática, além esforço, estudo e prática. Leva tempo. Horas e métodos e ferramentas como qualquer outro horas de nossas vidas dedicadas ao desenho. tipo de trabalho. Ter um retorno financeiro justo A armadilha é que pra nós tudo isso, apesar é algo muito difícil e se sustentar nesse meio de pesaroso é ao mesmo tempo prazeroso. beira o impossível. Então muita gente se confunde e acaba não conseguindo medir e cobrar de maneira exata REVISTA LEGENDA: Você tem algumas dicas por todo o trabalho. E os clientes tem menos para dar a ilustradores que buscam ingressar noção ainda. Mas existem profissionais de nesse cenário proficientemente? ambos os lados que entendem muito bem RICARDO: Justamente não cair nessa idéia como as coisas funcionam e dessa interação de que se trata de um dom. É preciso estudar, temos um resultado de boa remuneração praticar e principalmente buscar uma postura e trabalhos bem executados e eficientes. É profissional se a pretensão for ingressar no preciso se tornar esse profissional e buscar mercado. Acredito que pior do que clientes essas pessoas que compreendem e valorizam que enxergam nosso ofício apenas como uma seu trabalho de maneira justa. brincadeira, são os aspirantes a profissionais que a colocam dessa maneira. Não estudam, REVISTA LEGENDA: Nas suas obras, quais não se organizam e tratam tudo com muita técnicas você mais utiliza? imaturidade. É preciso enxergar o processo RICARDO: Ultimamente utilizo muito digital como qualquer outra profissão vista como ou materiais mais práticos como nanquim e ‘mais séria’. E se divertir no desenrolar de um aquarela. A praticidade pro estilo que acabei me projeto não quer dizer tratá-lo com menos encontrando acabou combinando melhor com profissionalismo. É possível, e de preferência esses recursos. Adoro fazer pinturas grandes recomendável, que o prazer no que se faz com óleo, acrílica e guache mas são coisas que caminhe em conjunto com a responsabilidade. exigem tempo e espaço de uma maneira que meu cotidiano não comporta atualmente. REVISTA LEGENDA: E a sua família o apoiou ao longo de sua carreira? REVISTA LEGENDA: Há alguma obra sua que RICARDO: Sempre me apoiaram e confiaram seja sua favorita? Se sim, quais técnicas você nas minhas escolhas. É claro que eles utilizou nela? ficaram preocupados, pois como eu já citei, a RICARDO: Gosto de trabalhos onde pude me 117
dedicar mais e me permiti experimentar sem ódio. Lembrar sempre que sua obra pode não preocupações... ser apenas o fim, mas também o início de coisas Poder ter cuidado com as formas, cores maiores seja pelo bem ou pelo mal. e testar as ferramentas ao meu dispor. Aí entra não só o resultado mas como todo o desenvolvimento ser satisfatório. A liberdade na criação também é importante nesses casos. Faltaram algumas perguntas faltaram que você gostaria de responder? RICARDO: Só queria reforçar sobre a responsabilidade, agora não só falando no campo profissional, mas como ser humano. É sempre bom lembrar que não somos sozinhos no mundo e que nossa arte está justamente aí pra comunicar. À partir do momento onde se está transmitindo para um público, quanto maior ele for, mais responsabilidade existe no que se passa ali. Então é preciso sim muito cuidado com o que se diz, principalmente quando se pode estar reforçando preconceitos, incitando REVISTA LEGENDA:
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ENTREVISTA INDIVIDUAL Realizada por e-mail por: Kaique Marcos de Paula Fernandes e-mail: legenda-niq@hotmail.com Membro da equipe Legenda Quadrinhos Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil Data da entrevista: 6 de outubro de 2015, 09:45
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Entrevista com
RICARDO LIRA (ARTISTA DA CAPA) 122
O que te levou a se interessar pelo trabalho que tem hoje? RICARDO: SEMPRE gostei de desenhar e tive aptidão pra isso desde cedo e sempre fui elogiado e incentivado pela minha família. A ideia de trabalhar com o que eu mais gosto de fazer e tenho habilidade surgiu só depois de algum tempo e tentativas fracassadas de vestibular para carreiras que não tinham nada a ver comigo e que eu tentei ou por serem fáceis de passou ou que me dariam dinheiro, aí percebi que eu tinha que fazer algo que eu fazia bem e que me fazia um profissional completo. REVISTA LEGENDA:
Quais foram as maiores dificuldades por quais passou? RICARDO: Acredito que eu estou passando por essas dificuldades agora, neste exato momento em que estou dependendo apenas de freelas, o que não é fácil já que você nunca sabe como será o mês de trabalho e o orçamento mensal varia. Por isso estou à procura de um trabalho fixo para me manter bem e tranquilo e conciliar com alguns freelas. REVISTA LEGENDA:
REVISTA LEGENDA: O que você tem a dizer
sobre a valorização do mercado dos desenhos/ ilustrações? RICARDO: O mercado de ilustração é super estimado e não dado o devido valor, tando na parte financeira quando na sua importância criativa e cultural. Geralmente acreditam que é algo simples ou fácil demais fazer um desenho, mesmo que mais elaborado, e não darem o devido valor. Aqui no Brasil estamos crescendo, tomando espaço cada vez mais nas mídias, mas ainda é algo pequeno quando comparamos com o mercado internacional no valor que é empregado. REVISTA LEGENDA: Quais técnicas você
mais utiliza? RICARDO: Gosto muito de usar aquarela e aquarela e/ou grafite junto com o meio digital como o Photoshop, gosto desse contraste e interação que acontece.
Conte sobre uma de suas obras favoritas e a técnica que usou nela. RICARDO: Uma das minhas artes que REVISTA LEGENDA: Quais dicas você tem para mais gostei foi uma que considero especial ilustradores que buscam ingressar nesse já que fiz pra um projeto chamado “Fazendo cenário proficientemente? o ImPossível” pra arrecadar fundos pra o RICARDO: Eu conselho a pegarem contatos e GRAACC, onde 50 ilustradores faziam um fazer amizades, você precisa se fazer aparecer desenho específico pra cada cena impossível para ser lembrado, isso contribui muito pra o que uma criança do hospital imaginou. A minha seu desenvolvimento criativo e profissional, foi a cena “Joaninha-bula, besouro-garfo e começar com um apoio sempre é mais fácil a minhoca chifruda fazendo competição de contornar problemas. caretas” e fiz com grafite e pintura digital no Photoshop. REVISTA LEGENDA: Como foi o apoio de sua família ao longo de sua carreira? REVISTA LEGENDA: Quais perguntas faltaram RICARDO: Minha família sempre me ajudou, que você gostaria de responder? incentivou e me parabenizou a cada conquista, RICARDO: Só senti falta de uma pergunta: mesmo eles não entendendo muito bem o meu Pergunta: “Mim” desenha??? trabalho... (Risos) Resposta: Não. REVISTA LEGENDA:
entREVISTA INDIVIDUAL Realizada por e-mail por: Kaique Marcos de Paula Fernandes e-mail: legenda-niq@hotmail.com Membro da equipe Legenda Quadrinhos Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil Data da entrevista: 3 de outubro de 2015, 16:52
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