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Charles Burck

Charles Burck Rio de Janeiro/RJ

O desafio das trevas

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Eu morava no rosto de uma mulher Que morava tão longe, Sem portos, sem mar Eu morava na face de uma mulher a namorar as ondas, A velejar as distâncias E namorava uma mulher que nem sabia que eu a via E caminhava na praia sem saber que me afogou o navegador, Num refluxo de beijos de mares revoltos Como uma loucura amorosa Sem um destino sequer no mapa do amor Eu morri nos olhos de uma mulher que me cegou o horizonte Que sangrou o meu nome no veio de uma solidão Eu bebi do meu sangue ácido em nome de um amor mais doce, De uma revelação Que assaltado por dias de mágoa, Como a última refeição de um condenado. Eu a vi de branco num barco na enseada, Quando as faces se afundam nas águas,

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Quando as crianças desenham os rostos na areia Nos dias em que as praias se recolhem E as gaivotas fogem das ondas que se perderam do mar Quando o futuro veio cheio de fome até mim, eu dei-lhe o meu pão E partilhei com ele a única esperança que me mantinha preso a uma tábua que flutua o cântico de um homem, a fome de um sol negro, o desejo de uma rocha que espia no nível das ondas Quem és tu? A fazer mapa em meu corpo, a lançar meteoros para projetar luz em meus olhos, reflexos nas águas Quem és tu que me cegas todos os dias para que eu não a espie mais? As minhas mãos ainda seguram esse corrente que me arrasta ao fundo das noites, para as órbitas dos delirantes, no fio da morte, nas costuras da lua crescente Nas almofadas dos sonhos que desejam os teus seios como um lugar de descanso Eu ainda moro E ainda vivo em teu rosto apesar das mortes constantes Ainda que as manhãs me continuem tão estranhas Nos traços dos mistérios de um apelo alguém me indicou um falso caminho, uma voz que chamou-me ao fim de tudo, e me disse “ Não olhe para o antes e nem para o depois, essa canção nunca termina numa cama, num leito ou nos braços de uma mulher No findar da maré, se cur ve e ore, livre-se dos pecados da miséria, entregue tua face à loucura, E abençoe essa boca que grita esse nome,

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E reconheça-a como uma crença, como uma prece que o protege dos demonios, Desfaça essa boca em outros beijos, Cala-te para que não te ouça o amor, a desgraça de todos os homens, Enterre no fundo dos olhos essa face, silencia sua voz antes que seja tarde Como sendo o mar que encolhe, até uma última gota no canto dos olhos” E eu que ainda delirava sem saber do meu destino, tapei os ouvidos à ira daquela voz, salivei pela boca, e fechei os meus olhos A noite é tão escura e ainda temo as trevas, mas tateio na luz dos poemas, Como a única chance que possuo, Como um último desígnio

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