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Giulianno Liberalli

Giulianno Liberalli Nova Iguaçu/RJ

A Noite Mais Estranha

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A noite estava calma na pequena cidade de Mucugê na Bahia e o céu claro e sem nuvens oferecia um espetáculo para os observadores das estrelas ou de outros fenômenos astronômicos como chuvas de meteoros, por exemplo. Por volta das nove horas da noite um homem alto, de cabelos desgrenhados trajando uma camisa xadrez vermelha e calça jeans empoeirada entrou na delegacia.

Pela aparência das suas botas de couro ele deveria estar andando por horas. O policial da recepção olhou de maneira desconfiada para o homem e o jeito com o qual ele se comportava era estranho, agia como se estivesse levemente embriagado ou sobre os efeitos de algum entorpecente, mas não gritava e nem gesticulava de forma agressiva. Na verdade parecia apenas estar perdido, sem ter noção de onde se encontrava ou o que estava fazendo.

Com cautela o Cabo Odilon aproximou-se dele, esperando qual seria a reação do homem à sua presença. Ele somente percebeu o policial quando este estava bem próximo. — Boa noite, meu amigo. Posso lhe ajudar?

A voz do Cabo causou um efeito de despertar no homem, antes ele olhava para os lados como se tudo lhe parecesse estranho, surreal e ele estivesse vivendo um sonho estando acordado. Ele olhou para o policial e falou com uma voz calma e arrastada. — Oi. Qual cidade é essa? — Aqui é Mucugê, amigo. Onde queria estar? — Eu moro perto de Igatú. — Não é longe daqui. Então por que está em Mucugê? Se perdeu de alguma excursão? — Excursão? Não. Eu desci na estrada aqui perto e andei meio sem rumo, aí vi a delegacia e pensei em entrar para pedir ajuda. — Ajuda? Está com problemas? — Não, só quero ir para casa. Estou viajando tem algum tempo e tenho saudades da minha fazenda. — Viajando é? Por onde esteve? — O Cabo não conseguiu acreditar muito no que ele falava e, pela aparência, ele deveria ter feito outro tipo de viagem. — Para ser sincero eu não sei. — Vamos sentar ali e o senhor tenta me explicar melhor, tudo bem? Quer água? — Água seria bom.

Odilon acomodou o homem em uma cadeira e foi buscar um pouco de água para ele, a Sargento Lindaura aproximou-se do Cabo curiosa com a

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cena que se desenrolava na recepção da delegacia. — O que está acontecendo com ele, Odilon? — É o que estou tentando entender, Sargento. — Tudo bem. Só toma cuidado, ele pode ser um maluco desse que aparece por aqui às vezes. — Pode deixar. Se ele ficar estranho boto algema e deixo descansando na cela até o Coronel chegar e decidir se levamos para um hospital ou para um hospício.

Odilon deu o copo para o homem que bebeu rapidamente como se não sentisse o gosto de água há muito tempo. O Cabo esperou o homem terminar e continuou com a conversa, perto deles Lindaura acompanhava o desenrolar da história. — Qual o seu nome? — Eu não consigo lembrar. — Tem documentos? — Não senhor. — Qual a última coisa de que se lembra? — De estar vendo um jogo... — O homem coçou a cabeça com ar pensativo. — Era da Copa do Brasil. O Palmeiras venceu o Coritiba no Couto Pereira na segunda fase por 1 a 0, eu estava com meus amigos e voltei para casa a pé, depois só lembro que tudo ficou brilhante e quando dei por mim estava perto daqui. Aliás, que dia é hoje? — Você teria um telefone de alguém que conheça? — O Cabo pegou seu celular e o homem olhou com assombro para ele.

— Que aparelho é esse? — Perguntou apontando para o telefone do policial. — Um celular. — Celular? — Pareceu maravilhado com o aparelho. — Espera um instante.

O Cabo chamou a Sargento em um canto. — Eu acho que esse homem sofreu um tipo de acidente que mexeu com a cabeça dele. O jogo sobre o qual ele me falou foi há vinte e cinco anos. Ele estranhou o meu celular. Acho que vou levá-lo ao Hospital de Igatú para ver se alguém sabe sobre ele. — Não é melhor esperar o Coronel chegar? — Creio que não tem problema, ele é inofensivo e só está confuso. E Igatú é perto, uns quarenta minutos e estarei lá. — Ok. Vai, mas mantenha o celular à mão.

Odilon pegou uma viatura com o homem e partiram. Pouco mais de dez minutos depois o Coronel Cirqueira chegou para o plantão noturno. — Boa noite, Sargento. Tudo bem por aqui? — Boa noite, senhor. Sim, tirando um homem estranho que apareceu por aqui. O Cabo Odilon está levando-o para o Hospital de Igatú. — Como assim, sem me avisar? É um acidentado? Conta essa história aí.

A Sargento Lindaura narrou a situação para o Coronel, ele não achou nada estranho até a parte sobre as últimas lembranças do homem. Uma

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coisa passou por sua cabeça, achou que não seria possível, mesmo assim foi ao seu escritório e voltou minutos depois com uma pasta na mão. Tirou dela algumas fotos e mostrou-as para Lindaura. — Olha ele aí. É esse homem mesmo, Coronel, e estava com essas roupas. — Deus. Vou ligar para Odilon, ele precisa voltar agora mesmo! — Não estou entendendo sua preocupação, senhor. — Vocês são novos na cidade e não devem conhecer a história de Marcos Simeão. Ele desapareceu sem deixar rastros na noite de 25 de março de 1997 depois do jogo que ele citou e seus amigos disseram que ele havia ido para casa sozinho, pela estrada e a pé. O caso dele ficou famoso pois foi taxado de abdução pelo pessoal que estuda os avistamentos de OVNI dessa região e, coincidência ou não, naquela noite houveram vários relatos de luzes estranhas no céu. Eu era sargento ainda e a delegacia ficou caótica, de tão impressionado que fiquei guardei uma pasta com todos os detalhes. Foi classificado como ‘Sem Solução’. — Minha Nossa Senhora… Odilon está com ele no carro agora, na estrada!

O Coronel ligou para o Cabo, sentia que algo estava muito errado. — Coronel! Boa noite, estou indo

para…

— Odilon! Onde você está agora? — Estamos na BA-142. Sargento Lindaura contou para o senhor sobre o homem que estou levando para o Hospital de Igatú? História mais estranha a dele…

— Volta para a delegacia, Odilon. Dá meia-volta no carro, imediatamente! — Qual o problema, Coronel? Espera um pouco… O que foi? Oxe! Que coisa doida. Tem umas luzes coloridas no céu voando na direção da Chapada…

Cirqueira sentiu um frio na espinha quando ouviu o Cabo mencionar as luzes. A situação piorou quando ele ouviu o barulho do carro parando. — Odilon?! O que está acontecendo? E o homem que está com você?

— O carro morreu e estamos a pé, Coronel. Ele está comigo… Apontando para cima e… Que luzes são essas?

De repente Cirqueira ouviu outra voz ao fundo da ligação. — Voltaram… Eles voltaram… — Odilon! — Mas não houve mais resposta e a ligação caiu. — Vamos Lindaura. Pega o outro carro!

Os policiais saíram a toda velocidade pela BA-142 temendo pelo destino do companheiro. Alguns quilômetros depois encontraram a viatura abandonada na beira da estrada e nenhum sinal do Cabo e nem do homem misterioso que poderia ser o desaparecido Marcos Simeão. Olharam o céu e viram diversas luzes voando rapidamente na direção da Chapada Diamantina.

Caído no asfalto estava o celular do Cabo Odilon, intacto porém queimado. — Coronel? O que houve aqui e aonde está o Odilon? — Lindaura olhou para os lados, não sabia explicar o

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motivo, mas sentia muito medo por estar ali.

De repente o rádio da viatura abandonada ligou sozinho, os policiais ficaram assustados e aproximaram-se do veículo para ouvir melhor a voz que identificaram como sendo do Cabo Odilon. Essas foram as últimas palavras que ouviram do policial:

“É tão brilhante. Tudo aqui em cima é tão bonito e brilhante. Vocês deveriam estar vendo isso.”

O rádio silenciou e as luzes sumiram em meio às estrelas do céu noturno.

FIM

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