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Iraci Marin

Iraci Marin Caxias Do Sul/RS

Janelas

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— Por que me colocaram o nome de Marcelina? – perguntou um dia para sua mãe, depois de adiar por infinitas horas a pergunta. — Era o nome da tua bisavó. — Era o nome de minha bisavó? Não acredito... Sorriu com ironia, sua expressão foi de franca surpresa. A mãe tivera a ideia de homenagear a matriarca imigrante, uma mulher que mostrara muita fibra e determinação. Perdeu o marido poucos meses depois de terem chegado da Europa, com cinco filhos pequenos. Ele mal terminara de erguer a casinha de madeira, numa clareira no meio do mato, na encosta de um morro. Uma cobra o picou e não teve chás ou ervas que pudessem vencer o veneno da peçonhenta. A bisavó – a mãe lhe falou um dia, mais tarde – foi uma guerreira. Precisou se desdobrar no trabalho para sustentar a família, mas conseguiu. Pelo menos os filhos não passaram fome, como tantos outros filhos de imigrantes. Não merecia uma homenagem? Marcelina ouviu a mãe em silêncio. Depois, mais exclamou do que perguntou: — Mas logo eu?! A mãe, compassiva, sorriu triste. — Sua bisavó era muito bonita. Marcelina olhava-se no espelho: também era bonita. Não que fosse um consolo para o nome que tinha, mas a beleza física era uma vantagem. Sem ser sensual, tinha um corpo bem-feito, o rosto de uma rara esbeltez e seios firmes. Dava-se conta das muitas vezes que ouvira assobios, na rua, quando passava. Nem ligava. Eram apenas falsos pretendentes a querer deliciar-se com seu corpo e sua beleza. Sentia-se desejada, mas não amada. Até que um dia apareceu em sua casa um tal de Felisberto. Chegou com um ramalhete de rosas vermelhas e uma dedicatória em versos, assinados por ele. Ela não estava. Quando retornou e a mãe lhe disse que eram para ela, um certo tremor perpassou seu corpo. Nunca tinha recebido flores, menos ainda uma dedicatória em versos que cantavam o amor... Ficou logo alegre, e um pouco arrepiada também, depois de ler os octossílabos rimados. Foi para o quarto com o presente. Sentada na cama, leu novamente os versos, com o ramalhete no colo. Sentiu uma alegria diferente, uma

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certa emoção, o que não lhe era comum.Escondia facilmente seus sentimentos. Mas ali, no silêncio de seu quarto, não tinha como não extravasar o que sentia. Então começou a cantar. A mãe, surpresa com o canto da filha, sorriu de alívio e satisfação. O nome não era empecilho para a felicidade. Não devia ser. Talvez sim a sua instabilidade e a vacilação quando precisava decidir. O oposto da bisavó. Logo Marcelina se desimportou do presente. A alegria inicial foi por conta de ter sido o primeiro. Sabia que tinha pretendentes escondidos, platônicos. Mas ela não dava chances, restringia-se. Parecia guardar sua beleza e vitalidade para si própria. No dia seguinte, a mãe viu o pátio coberto de pétalas vermelhas. Olhou para a janela do quarto da filha, fechada. Ela fez isto com as flores que ganhou?- perguntou-se e seu ânimo murchou. Foi para a cozinha, precisava começar o dia. Marcelina apareceu, sorridente. A mãe olhou para ela, significativamente. — Sim, mãe. São as pétalas das rosas que recebi ontem. — Por que fez isto? — Achei que ficariam melhor no pátio do que escondidas em meu quarto. Enfeitam o ambiente de todos. — Isto pode parecer desprezo... Marcelina ficou calada. Em seu íntimo respondeu que não, não era desprezo. Apenas não quis mais as flores; não queria criar vínculos com o tal Felisberto. — Se você receber outras flores, vai fazer o mesmo? — Acho que sim. A mãe balançou a cabeça, tristemente. Alguns dias depois, outro ramalhete de flores; no bilhete, sem assinatura, estava escrito: “Você é linda!” Ela envaideceu-se e se esqueceu da perturbação que lhe causava o nome de batismo. Um sorriso aberto iluminou seu rosto. Mas a mãe permaneceu séria. Ia ver mais pétalas no pátio, na manhã seguinte. Para sua surpresa, não havia pétalas no pátio. Olhou para a janela do quarto da filha: estava aberta.

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