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Luís Amorim

Luís Amorim Oeiras, Portugal

Descrever a casa

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Entrou na casa e sabia que teria de bem descrever tudo o que visse, se espaçosa ou mais diminuta, pormenorizar as divisões e seus conteúdos valorosos, rodeados por cores de eventuais tonalidades que mais luz trouxesse ou talvez não, relativamente à exterior luminosidade. Mas a descrição apenas pediu que o início fosse lá por fora e durante, pelo menos, a seguinte hora, devido a inesperadas dificuldades, olhando para a envolvente discreta da residência, antes de procurar descrever os interiores pormenores. Quantas janelas existiam, mais varandas e terraços que faziam pontos longínquos de vistas perceptíveis à natural contemplação e se todas elas estariam por ampla considerada sintonia em complementaridade ou, eventualmente, na disposta concorrência de perspectivas consoante os ângulos existentes. Tentou perceber, optando por ficar imobilizado durante algum tempo no lado exterior, mas encontrou-se bastante indeciso se conseguiria realizar tarefa com notório sucesso ou se, por outro lado, teria mesmo de ir lá dentro para tirar as dúvidas todas que muitas lhe tomavam quase o pleno do tempo. Repetindo o ver do interior pelo lado de fora, depressa percebeu que não seria possível ir ao espaço abrigado da casa e, portanto, com grande urgência teria de resolver o pendente na sua melhor descrição pelo exterior, antes de bem fazer o complemento na parte onde estivera no início, tendo então sido retribuído para fora e de pronto ao quintal, bem pequeno no posto certo, mas apenas o suficiente ao preencher de linhas poucas. O problema que muito o apoquentava estava assente em conseguir reunir a informação sobre as vastas perspectivas que poderiam ser escritas, reportando ao que se via para o ambiente em ar livre de certa janela vezes todas as outras, acrescidas de varandas conferidas e dos terraços, em idêntico processo. Não percebia como iria conseguir bem resolver tais singularidades, ainda para mais sem quaisquer pontos de referência trazidos,

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motivo pelo qual, improviso de aplauso feito, certamente iria dar-lhe um belo rasgado sorriso. Pensou em afastar-se um pouco, conferindo o que mais distanciado estivesse para, havendo considerável desafogo no regresso visual à casa, então poderia muito bem ser essa zona onde chegasse que veria desde certo ponto da residência, pela janela, varanda ou terraço. Pareceu-lhe razoável solução e no imediato meteu disposição à tarefa, acreditando que atingiria um bom desempenho. Começou pelo lado esquerdo da casa e afastou-se os metros necessários enquanto conseguia manter visualização da origem para no fim retribuir por escrito através do ponto onde chegara. Em casos alguns, afastou-se pouco, até dar pela sua frente a moradia da vizinha, convicção eminente de ser essa particular vizinhança que veria da residência que estava a descrever. Por outras situações, deslocou-se ainda mais, rumo aos campos de milho, poste da luz, videiras e mesmo até vistoso monte. Por cada janela, varanda ou terraço, tinha de alongar pas sadas ao caminho, por vezes imenso, até onde houvesse pé a ser percorrido com vista que fosse desafogada para a casa da origem, aquela do trabalho que lhe era solicitado. O pior foi quando passou à descrição do piso mais superior, sendo que até essa altura, fizera em descrição o equivalente à fachada ao nível da rua mais o patamar de cima. Chegara enfim a uma parte da vivenda, somente vista do alto, à qual muito teria de erguer sua cabeça sempre atenta para nada falhar nessa questão das visualizações perspectivadas que muito teriam de ser eficazes ao nível da precisão que lhe era exigível. Mas não esmoreceu, pois tinha um es cadote de seis talvez, degraus para subir alturas quase inimagináveis. Descansava tal objecto no seu estacionado ligeiro de mercadorias, desde o momento em que precisara dele para colar alguns imponentes cartazes, quais publicidades nada discretas ao seu curioso serviço referente a descrição de casas, para o qual recebia inúmeras solicitações. Então devidamente munido com escadote grandioso, tratou de fazer recuo as vezes que foram necessárias, não passando despercebido à vizinhança, porque motivo estaria um homem em ponto tão alto, no cimo de raro objecto naquelas paragens, com tantos degraus como nunca visto, de altura superior a muros e escrevendo num bloco de notas depois de segundos quase intermináveis a olhar para todo o lado. Alguns curiosos pardais sobrevoa-

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vam bem perto dele, obviamente intrigados sobre o que se estaria a passar fora do comum, ali naquela zona. E a sua mediatização, do homem, não parava de crescer, quando bem dentro dos campos de milho e das suculentas adjacentes videiras, ele quase a tocar o espantado céu, ia observando tudo e demasiado escrevendo sob intensos olhares e até rasgados humores de tanta gente. Mais à frente, uma vez em pleno monte, aproveitou para dar um salto do escadote para uma árvore, qual macaco de vigorosa genica e, na companhia de indiscretos coloridos binóculos, mais escrita de pormenores ele acrescentou. Porém, na arriscada saída tentada é que lhe surgiu percalço, ao tropeçar em ramo ligeiramente torto, dando um pontapé inadvertidamente no escadote. Houve quem, de pronto o ajudasse, erguendo, embora com notória dificuldade o acessório para ele poder descer. Quando ficou a salvo com pé assente, o trabalho pareceu-lhe concluído e regressou, puxando o seu fiel utensílio de observações até à residência, toda ela anotada com sucesso nas vistas existentes desde a sua origem, registadas no destino dos supostos contemplares, por si bem deduzidos em convicção acrescentada de que mais ninguém conseguiria fazer este seu trabalho com tal eficiência, o qual raramente tinha envolvência assim tão abrangente. Nem sempre lhe era pedido nessa forma o que acabara de fazer, mas quando surgia tal necessida de, ele aprestava-se para ter uma boa tarefa desempenhada com grande eficácia e recebida como elogiada, aquando da aliviada conclusão de trabalho, a exemplo do presente caso, à ocasião, um deveras estranho caso. É que transpirava e não era pouco, de imenso cansaço pelo frequente ir e voltar similar até origem, a tal casa no ser bem descrita, por incontáveis vezes. Só que para estupefacção sua, disseram-lhe que teria de repetir todo aquele curioso trabalho, estaria tudo bem feito por certeza mais do que convicta, mas a vivenda tinha adicionais fachadas, realmente vistosas do outro lado, muitas janelas, espaçosas varandas e largos terraços que muito pediam para serem pormenorizados quanto às existentes, desafogadas e longínquas vistas.

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