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Maria Pia Monda

Maria Pia Monda Belo Horizonte/MG

Para o que eu disse não?

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A leveza do olhar transcende o peso do corpo e espero minha vez de me aproximar ao balcão e pedir algo que cale a boca do meu estômago, alimentando a curiosidade com os detalhes do ambiente ao meu redor. A fila do fast-food, no domingo à noite, é esparsa e se distribui no caminho sinuoso em manchas singulares de identidades sem nomes. A mulher no caixa está repetindo em voz alta, pela terceira vez, o pedido recebido. Suponho que seja a forma com que ela tenta se convencer que não perdeu nada, enquanto o tempo de quem espera que ela se apresse está todo perdido. Aproveito dessa lentidão para rever a galeria de imagens expostas atrás do balcão, cada uma retratando comidas coloridas, insalubres e altamente calóricas, imaginando, não sem culpa, o quanto terei que andar, pedalar, suar, me sacrificar, para compensar meus pecados de gula. Não deveria estar aqui. Não, se quero parar de me comparar com as outras mulheres e de me sentir horrível ao considerar como elas conseguem ser tão magras e lindas e confiantes, enquanto eu sou um fracasso. Penso nisso e, ao mesmo tempo, gostaria de me esconder, de ficar invisível e, talvez, se eu ficasse parada, se prendesse a respiração, se não dissesse uma palavra, eu conseguiria. Mas é uma ilusão que dura apenas o tempo que o rapaz que, por último, entrou na loja, leva para me escolher entre tantas pessoas e se aproximar de mim. — Moça, vai me pagar um jantar? Não é a primeira vez que isso acontece e sei que eu não vou conseguir recusar. Os outros clientes estão nos observando, estão me observando, esperando para ver o que vou responder.

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O rapaz também está esperando minha resposta. Ele tem aproximadamente vinte anos e uma expressão rebelde e zombeteira, que me leva a lembrar um colega da escola primária, que sempre me olhava desse jeito, quando me gracejava. Enquanto isso, a mulher do caixa finalmente chama o próximo cliente, que seria eu. Vou perguntar para o rapaz o que ele gostaria de comer, mas ele está distraído, parece ter esquecido. Pois ele volta em si e me encara. — E aí, gorda! Você vai pagar meu jantar? Meu sangue congela. Meu constrangimento, minhas inseguranças, minha vergonha a respeito da minha aparência confluem numa raiva que não sei como deter. — Não! E fique longe de mim! Se afaste! Agora! O rapaz não retruca nada. Simplesmente levanta as mãos- sinal de rendição ou paz- e se afasta. Ele tenta se aproximar de uma garota que prontamente balança a cabeça, depois consegue convencer uma mulher. Afinal, ele encontra seu sim. Eu, por outro lado, ainda não sei exatamente para o que eu disse não.

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