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Maura Ferreira Fischer
Maura Ferreira Fischer
Reencontro(s)
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Estava cansada de ser tão responsável. Queria agir sem pensar. Pegar um caminho diferente. Sair da curva. Não seguir um padrão. Beber além da conta. Tomar banho de chuva. Perder a hora. Agir por impulso.
Não queria mais aquela vida adiada, na qual os sonhos ficavam relegados à uma próxima oportunidade. Tantos planos nunca priorizados. Tantos desejos reprimidos. Pressentia estar ficando sem tempo para tudo aquilo que achou que faria um dia.
Sentiu a areia morna sob os pés descalços. O horizonte tingia-se com as cores do pôr do sol, como uma incrível e irreplicável aquarela. As gaivotas voavam rente ao mar. O som das ondas batendo nas rochas sobrepunha-se a todos os demais. Ao longe avistava-se uma pequena embarcação, já com as luzes acesas. Uma névoa suave invadia lentamente a costa.
O calor dos últimos raios de sol em seu rosto e o arrepio de frio provocado pelas gotículas de água salgada que salpicavam seu corpo, a fizeram perceber outros contrastes. Sua pele macia ardia levemente com a aspereza da barba dele. O cheiro doce dos seus cabelos e o sabor salgado que a maresia deixara em sua boca. A pressa lasciva das mãos dele e a serenidade da alma dela. De um lado o frescor do ar livre, de outro a calidez de um reencontro depois de tantos anos. Estava segura, mas ao mesmo tempo era tudo tão novo e empolgante.
Naquela manhã, haviam se esbarrado sem querer em uma livraria. Ele alcançoulhe os dois romances entre os quais ela tentava se decidir. Os livros foram ao chão com o choque desajeitado dos seus corpos. Reconheceram-se imediatamente, mesmo após tanto tempo sem nenhum contato. Abraçaram-se de forma comedida e um tanto embaraçosa. Ele fez um comentário positivo sobre um dos livros e ela resolveu levar ambos. Foram juntos até o caixa da loja e, enquanto aguardavam sua vez, atualizaram rapidamente os acontecimentos dos últimos vinte e dois anos. Suas vidas seguiram caminhos muito diferentes, mas, por acaso, naquele dia, cruzaram-se novamente. Já na porta do estabelecimento, um convite para um café. “Porque não?”, pensou ela.
99
O desconforto inicial foi dando lugar à antiga intimidade e logo já sorriam animadamente. Uma caminhada pelo bairro histórico após o café. Conversa boa, repleta de recordações. Nem perceberam o tempo passar. Quando se deram conta já almoçavam num pequeno bistrot de fachada discreta que ela almejava conhecer. As duas taças de vinho ajudaram a relevar as diferenças latentes entre suas expectativas para aquele momento de suas trajetórias individuais.
E agora estavam ali, juntos, naquela praia onde tudo começara, quando eram ainda muito jovens e cheios de esperanças.
Enquanto seus corpos fundiam-se no desejo em comum, ela centrou-se no agora e em seus próprios sentimentos. Não conseguia compreender as palavras sussurradas em seu ouvido, abafadas pelo ronco contínuo do oceano. Ainda assim elas aumentavam seu desejo. Moveu-se no ritmo das batidas do seu coração e se esqueceu de qualquer compromisso. Entregou-se sem pudor ou preocupações. Já não sentia aquele nó dolorido na garganta que anunciava o choro que por vezes surgia repentinamente. Não havia melancolia ou culpa. Um pouco de nostalgia, quem sabe. Percebeu que estava realmente feliz.
Viveu aquele momento sem idealizar o passado e sem sonhar com o futuro. Impossível prever as consequências daquele ato. Não queria prevê-las. Não queria evitá-las. Talvez nunca mais desejasse beijar outra boca ou se aninhar em outro abraço. Talvez nunca mais o visse.
Suas certezas se dissiparam tal qual uma flor de dente-de-leão que num sopro se desfaz facilmente, espalhando assim, ao sabor do vento, suas sementes para que, no tempo certo e sob as condições ideais, brotem e floresçam.
A despeito do que fosse acontecer, teve a convicção de experimentar uma liberdade irreprimível e renovadora. Se tudo aquilo durasse um dia apenas, ainda seria suficientemente capaz de mudar seu destino. Planejaria menos. Viveria mais.