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Paulo Luís Ferreira

Paulo Luís Ferreira São Bernardo do Campo/SP

Devaneios

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Quando se morri, quando se vive? Quando se renasce, quando pensa!... Ele se pergunta, ele se exclama, mas só se responde quando recorre as indagações de seu interior: quando passamos a acreditar em deuses, nações e direitos humanos; a confiar no dinheiro, em livros e leis; e a ser escravizados pela burocracia, pelo consumismo publicitado, pela busca incessante da felicidade e do sucesso. Que papel temos nisso tudo? Ele apenas sabe que os pássaros voam não por que têm o direito de voar, mas por que têm asas. Nós, ao contrário, podemos ir ao supermercado e encher o carrinho com mercadorias ao nosso bel prazer. Para fazermos a janta predileta ao nosso paladar, e provavelmente iremos devorá-la diante uma enorme TV Full HD. Que nos projetará uma torrente de outras novas invenções. Enquanto isso, deglutimos nosso prato, sem ao menos sentirmos seu sabor. Podemos viajar para mil lugares incríveis. Mas, para onde quer que formos, é bem provável que estaremos muito mais atenciosos a tela do smartphone, do que à paisagem, o lugar. Temos tantas opções como nunca antes vista, mas quão boas são essas opções, se perdemos a capacidade da percepção?

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E lembra das manhãs que se iluminavam cheia de descobertas, atordoadas pelo cheiro do café quente, do pão com manteiga... Manhãs em que recebia com os pés descalços; e se divertia com as trapalhadas dos passarinhos... Manhãs que se faziam querer só uma coisa nessa vida, e essa coisa era a inocência eterna num mundo que não lhe fazia querer mais nada... E isso significava poder sempre brincar de manhã, correr com as outras crianças atrás das enxurradas, ir à escola para aprender a ser um bom filho e crescer para poder ajudar as outras pessoas a salvar os animais, para melhorar o mundo... Enfim, para se dar, se dedicar, viver de carinho e do bastante.

Todas as manhãs, num breve sopro ele sentia o hálito da vida, um hálito doce nascido da imagem das flores, do brilho do verde dos arbustos, do laranja-vermelho do céu vespertino. E essa imagem o fazia rememorar o bom hálito, a suscitar em si memórias passadas, dos sonhos vividos no paladar já perdido, dos bolinhos de chuva, das nuvens de açúcar que, do baixo do céu, cobriam o campo e anunciavam que a tarde, então, começava.

Certo dia viu na TV que o homem era o mais poderoso dos bichos e que seria capaz de destruir o mundo com o simples ato de plantar nos corações humanos desejos distantes. Meu Deus, isso não seria possível, exclamou! Resolveu sair de casa para caminhar além dos muros dos seus sonhos, além das fronteiras da sua pequena cidade de esperança, muito acima do seu céu de algodão doce.

E então luzes mágicas lhe encantaram, lhe convenceram, lhe envolveram com a pele do animal magnificamente raro e o conduziu por estradas de mármore, de diamantes e prazeres, corredores de luxo que talharam por atalhos claustrofóbicos no poente, dos quais encontrou encantos sobejamente expostos em vidros sobrepostos, milimetricamente apostos e diametralmente dispostos em quadriláteros e esquinas, a sua íntima convicção de nada precisar.

E então parado, estranho, insosso, conduzidamente disposto, engoliu o coração que estava na boca e regurgitou, desesperado, a bile de uma necessidade inexplicável de eternizar toda a sensação presente no suspiro de cada dia.

Trabalho, trabalho... As luzes... As coisas... A vida!

Encantos em couro, um estouro de plumas, matadouros em linho, olhos brilhantes e a sensação de ser uma estrela. Conversas vazias travestidas em pelica de pompa, interesses eróticos sublimados na inveja, prazeres criados, induzidos, implantados no vácuo do eu, na paz tão sensata que se esvai sem pudor.

Nesse breve sopro a vida muda de rumo... Um hálito doce de amêndoas... Será veneno? O brilho do verde é radioativo, o laranja do agente, o vermelho do chumbo hoje

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colore seu céu. A imagem que faz retumbar o mau hálito suscita em si receios futuros, dos sonhos perdidos num paladar já vivido, dos bolos de nêutrons, das nuvens atômicas que, de um vão coração, recobrem o mundo e anunciam que a tarde não vai mais chegar.

Ele se ama muito, um milhão na mesma vida! E merece de tudo um monte. Por favor, duas balas, uma bomba. Buuum! Um comprimido e felicidade e outro de êxtase, uma dose exagerada de Jack Daniel’s e a euforia na sarjeta do shopping center predileto.

“Não! Não recolha os estilhaços dos meus devaneios! Eles estão perfeitos, brilhando como meus lábios e como as estrelas de Hollywood... Não! Não recolha meus devaneios! Leve meu raio laser! Afinal, não preciso mais nada ver... Já me são bastante as ofertas promocionais da liquidação dos meus opacos amores... Seriam essas tantas palavras sinal de vida sadia? Ou matarei eu essa vida publicitada para viver uma vida poetizada?” – ele se grita para dentro em desespero. Absorto nestes pensamentos vagos, disse-se: se ontem eu morri para matar meus sonhos, hoje eu não mais morrerei. Em algum momento você tem que escolher entre a vida que nos obrigam ser vivida ou a ficção das poesias na vida.

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